FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS FISIOLÓGICAS: FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA LIMIARES E MECANISMO DE TOXICIDADE AGUDA DA PRATA NO COPÉPODE EURIALINO Acartia tonsa Oc. Mariana Saia Pedroso Tese defendida no âmbito do Programa de PósGraduação em Ciências Fisiológicas – Fisiologia Animal Comparada, como parte dos requisitos para obtenção do título de MESTRE em Fisiologia Animal Comparada. Orientador: Prof. Dr. Adalto Bianchini Rio Grande Agosto de 2006. 1 Agradecimentos 2 3 Índice Resumo Geral .................................................................................................................. 4 Introdução Geral ............................................................................................................. 7 Justificativas e O bjetivo G eral … … … … … … .................................................................. 13 Objetivos Específicos ........................................................................................................ 14 Referências Bibliográficas ................................................................................................ 15 Capítulo 1: Acute silver toxicity in the euryhaline copepod Acartia tonsa: Influence of salinity and food .........................................................................… … … … 20 Abstract ........................................................................................................................… . 24 Introduction … … … … ...............................................................................................… … 25 M aterial and M ethods ..................................................................................................… . 26 Results .......................................................................................................................… … 30 Discussion ....................................................................................................................… . 32 A cknow led gm ents … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … . 38 References ....................................................................................................................… . 39 T able 1 … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … ..… … . 44 F igure L egends … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … .. 45 Figures … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … 46 Capítulo 2: Mechanisms of acute silver toxicity in the euryhaline copepod Acartia tonsa .............................................................................................................… … . 49 Abstract ........................................................................................................................… .. 53 Introduction … ...............................................................................................................… . 54 Materials and M ethods ..............................................................................................… … . 56 Results ...........................................................................................................................… . 61 D iscussion … .................................................................................................................… . 63 A cknow led gm ents … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … .. 67 References .....................................................................................................................… . 67 T able 1 … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … ..… .. 73 F igure L egends … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … ... 74 F igures … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … .... 76 Conclusões Gerais .............................................................................................................. 80 4 Resumo Geral A prata é um metal não-essencial tóxico para organismos aquáticos, mesmo em baixas concentrações no meio. Em crustáceos e peixes de água doce, o mecanismo de toxicidade aguda deste metal está relacionado a um desequilíbrio iônico e osmorregulatório, associado às inibições da atividade da Na+/K+-ATPase e da captação de Na+ em nível branquial. Apesar deste mecanismo de toxicidade estar bem descrito para animais dulciaqüícolas, pouca informação existe sobre a toxicidade da prata e seu mecanismo de ação em animais estuarinos e marinhos. Portanto,o objetivo deste estudo foi determinar a toxicidade aguda da prata no copépodo eurialino Acartia tonsa em uma ampla faixa de salinidade em ausência e presença de alimento, bem como verificar se o mecanismo de ação tóxica desse metal está associado também a um desequilíbrio iônico e inibição da Na+/K+-ATPase em nível corporal. Copépodos adultos de ambos os sexos foram aclimatados em três salinidades (5, 15 e 30) e alimentados com uma mistura de algas (Thalassiosira weissflogii = 2x104 cél./ml e Isochrysis galbana = 1x104 cél./ml). A temperatura e o fotoperiodo foram fixados em 20oC e 16C:8E, respectivamente. Grupos de 10 copépodos foram expostos a diferentes concentrações de prata (AgNO 3) durante 48 h para a determinação da concentração letal para 50% dos organismos (48 h-CL50) em ausência e presença de alimento (T. weissflogii = 2x104 cél./ml), usando sistema estático com renovação. Para avaliar os possíveis efeitos agudos da prata na ionorregulação (Na +, Cl-, and Mg2+) e atividade da Na+,K+-ATPase em nível corporal, os copépodos foram expostos (48 h) às concentrações de prata equivalentes aos valores de CL50 (48 h), conforme determinado no experimento descrito acima. Diversos parâmetros físico-químicos da água (pH, O2 dissolvido, íons Cl-, Na+, Ca2+, Mg2+, K+, 5 alcalinidade, sulfato, carbono orgânico dissolvido e concentrações de prata total e dissolvida) foram analisados e utilizados para determinar a especiação da prata. Os resultados mostraram que a maioria da fração tóxica da prata encontrava-se na forma dissolvida, independentemente da salinidade ou da presença de alimento na água. Tanto na ausência como na presença de alimento, a toxicidade aguda da prata foi dependente da salinidade, diminuindo com o aumento da salinidade. Os dados obtidos indicam que as diferenças observadas em função da salinidade são explicadas pelas alterações na química da água quando os copépodes são expostos na ausência de alimento. Entretanto, a adição de alimento nos meios experimentais reduziu significativamente a toxicidade aguda da prata em baixa salinidade (5), sugerindo que A. tonsa necessita de energia extra para tolerar as condições estressantes impostas pela exposição aguda à prata e as necessidades ionorregulatórias exigidas em baixas salinidades. Estes resultados sugerem a necessidade de se incorporar tanto a salinidade quanto o alimento no âmbito de uma futura versão do Modelo do Ligante Biótico (BLM) para ambientes estuarinos e marinhos. Eles sugerem também que o copépodo eurialino A. tonsa seria uma espécie adequada para validar e calibrar esta nova versão do BLM. No que se refere aos efeitos da salinidade na ionoregulação, observou-se uma redução das concentrações corporais de Na+ e Mg2+ nos copépodos não alimentados e aclimatados às salinidades 5 e 30, respectivamente. Maiores atividades da Na +,K+-ATPase corporal também foram observadas nestes copépodes em todas as salinidades testadas. Os dados obtidos em copépodos alimentados indicam que todos estes efeitos da salinidade estão associados ao jejum. Quanto aos efeitos fisiológicos agudos da prata, a exposição ao metal diminuiu a concentração corporal de Mg2+ em copépodos não alimentados e aclimatados às salinidades 5 e 30. Também foi observada uma inibição da atividade da Na +,K+-ATPase corporal, tanto em copépodos não 6 alimentados quanto alimentados, em todas as salinidades testadas. Estes resultados indicam que a adição de alimento na água protegeu os copépodos contra os efeitos da prata sobre a concentração corporal de Mg2+, mas não contra aqueles sobre a atividade corporal da Na +,K+-ATPase. Portanto, os dados aqui apresentados indicam que as moléculas de Na +,K+-ATPase também são sítios-chave para a toxicidade aguda da prata em invertebrados eurialinos, assim como está descrito para crustáceos e peixes de água doce. Palavras-chave: Acartia tonsa, copépodo, ionorregulação, Na+,K+-ATPase, prata, salinidade, toxicidade. 7 Introdução Geral Desde a Antigüidade, as Zonas Costeiras estão entre as partes mais intensivamente utilizadas do globo, devido às numerosas vantagens que elas oferecem. Atualmente, estima-se que mais da metade da população viva em zonas costeiras, as quais constituem áreas de importância como centros de transporte e comércio internacional (Tagliani, 2003). Como grande parte da população mundial está estabelecida em zonas costeiras, esta é uma das áreas mais prejudicadas com o desenvolvimento industrial desordenado, o qual, durante anos, gerou resíduos tóxicos de difícil degradação. A introdução de efluentes em rios e estuários, especialmente aqueles localizados em regiões influenciadas por centros industriais e urbanos, tem levado a um significante aumento na contaminação em geral, tanto por substâncias consideradas não perigosas, as quais não representariam um perigo direto ao homem, quanto por aquelas que podem causar sérios danos e comprometer diretamente a vida humana. Neste último grupo estão incluídos os compostos de hidrocarbonetos aromáticos e policíclicos, pesticidas, substâncias radiativas e os metais (Forstner & Wittmann, 1983). Portanto, numerosos xenobióticos são encontrados em ambientes aquáticos que sofrem alterações antropogênicas. Estes químicos geralmente são avaliados tendo em vista seus efeitos danosos aos organismos aquáticos. Um dos debates importantes em toxicologia aquática é a habilidade de prognosticar a taxa e a extensão da poluição química, bem como o destino in vivo e os efeitos dos compostos químicos absorvidos. Está bem documentado na literatura que animais que vivem em ambientes aquáticos quimicamente poluídos irão adquirir uma carga corporal destes poluentes químicos. A carga corporal adquirida por cada indivíduo irá depender de vários 8 fatores, incluindo as propriedades físico-químicas dos xenobióticos, as rotas de exposição e os constituintes fisiológicos e bioquímicos do animal (James & Kleinow, 1994). Animais aquáticos são naturalmente expostos a uma variedade de metais, cuja forma química e concentração na água são governadas pela natureza dos processos geoquímicos e atividades antropogênicas. Estes metais incluem elementos essenciais requeridos para suporte de processos biológicos e metais não essenciais sem funções biológicas reconhecidas. Por sua vez, as funções celulares são dependentes de processos que envolvem a captação, regulação, utilização e excreção dos metais. A toxicidade destes pode ser atribuída a disfunções resultantes de interações inapropriadas entre o metal e as estruturas celulares. Por isso, investigações em nível celular vêm sendo realizadas, a fim de fornecer subsídios para o entendimento do mecanismo pelo qual animais aquáticos respondem a exposição a um determinado metal (Roesijadi & Robinson, 1994). A prata é um metal não essencial que, quando está presente em elevadas concentrações no ambiente aquático, causa toxicidade aos organismos, sendo que a forma iônica deste metal é, geralmente, a mais tóxica. Conseqüentemente, a emissão desse metal no ambiente está sob regulamentação (Grossel et al., 2002). Apesar da maior parte da prata presente nas águas de superfície ser originada da lixiviação natural, concentrações elevadas deste metal são normalmente associadas com atividades antropogênicas, tais como a mineração e indústria de processamento fotográfico. Neste contexto, diversas abordagens de modelagem geoquímica ou biológica têm sido desenvolvidas nos últimos anos, na tentativa de prever a toxicidade aguda da prata em invertebrados e vertebrados aquáticos (Wood et al., 1999). A avaliação da biodisponibilidade e da toxicidade do metal está diretamente relacionada com a concentração do metal livre presente no ambiente, mais do que com a concentração total 9 ou complexada do metal (Kim et al., 1999). Metais no sedimento em suspensão representam a maior porção da contaminação por metais, sendo que as partículas em suspensão são provavelmente a melhor matriz de acesso à contaminação de ambientes costeiros e marinhos (Niencheski & Baumgarten, 2000). Apesar da toxicidade elevada da prata para organismos aquáticos, existem parâmetros químicos da água que oferecem alguma proteção contra os efeitos da exposição aguda a este metal. Dentre estes, menciona-se a dureza da água (Pagenkopf, 1983; Erickson et al., 1996), o pH (Pagenkopf, 1983; Welsh et al., 1993), a matéria orgânica dissolvida (Brown et al., 1974; Erickson et al., 1996; Welsh et al., 1993) e os sulfetos (Bianchini et al., 2002; Bianchini & Bowles, 2002) fatores estes que alteram os efeitos da exposição aguda ao metal em ambientes dulciaqüícolas. A importância de agentes complexantes na biodisponibilidade da prata é também reconhecida atualmente. Ligantes inorgânicos, tais como cloretos e bicarbonatos, bem como orgânicos, como substâncias húmicas, reduzem a concentração do metal sob a forma iônica livre (Campbell, 1995). O Modelo do Ligante Biótico (BLM) é um modelo matemático proposto para avaliar quantitativamente como a química da água afeta a especiação química e a biodisponibilidade do metal em sistemas aquáticos (Paquin et al., 2002a). Os efeitos protetores dos vários parâmetros químicos da água têm sido modelados no âmbito do BLM para metais como prata e cobre (Santore et al., 1999; Paquin et al., 2002b). O BLM considera simultaneamente a especiação e a complexação do metal dissolvido, bem como a ligação competitiva do metal e outros cátions no sítio de ação, neste caso a brânquia dos organismos de respiração aquática. A premissa envolvida no BLM é que existe uma forte correlação entre a concentração do metal sobre o órgão alvo e a sua subseqüente toxicidade (McRae et al., 1999; Santore et al., 1999; Paquin et al., 2002 a). 10 De acordo com o BLM, a brânquia é considerada um ligante carregado negativamente (o ligante biótico), ao qual a Ag+ pode se ligar. Os efeitos tóxicos são considerados como uma função do grau de saturação dos “sítios de ação” no ligante biótico pela A g +. A modelagem considerando um ligante biótico apresenta algumas vantagens sobre o fato de se considerar sim plesm ente a especiação da prata na coluna d’água. P aralelamente ao desenvolvimento do BLM, evidências elucidando o mecanismo fisiológico da toxicidade aguda da prata em peixes e crustáceos de água doce têm sido acumuladas ao longo dos últimos anos (Wood et al., 1999; Grossel et al., 2002; Bianchini & Wood, 2002; Brauner & Wood, 2002, Bianchini & Wood, 2003). Na truta arco-íris, a espécie de peixe de água doce mais estudada, a inibição da Na +K+ATPase localizada na membrana basolateral da membrana do epitélio branquial parece ser o mecanismo chave da toxicidade da prata (Morgan et al., 1997). Recentemente, o mesmo mecanismo de toxicidade tem sido demonstrado no lagostim de água doce Cambarus diogenes diogenes (Grossel et al., 2002). Também sabe-se que as brânquias são os principais sítios de transporte ativo de Na+ e Cl- a partir da água para o líquido extracelular do animal, e que a atividade da Na+-K+ATPase branquial está diretamente relacionada com a captação de Na + e Clatravés das brânquias (Péqueux, 1995; Flik et al., 1997; Castilho et al., 2001). Esta captação de íons é essencial para contrabalançar as perdas difusivas de íons através das brânquias e órgãos excretores nos peixes e crustáceos de água doce. Em Daphnia magna foi observada uma progressiva e intensa inibição da Na+,K+-ATPase após exposição à prata. Nesse caso, a inibição da atividade da enzima reduziu o transporte ativo de sódio. Essa inibição enzimática causada pela prata explica, portanto, o decréscimo da concentração de sódio corporal observada nos organismos expostos a este metal, causando um 11 distúrbio iono e osmorregulatório, principal mecanismo de toxicidade da prata nestes organismos, tanto em nível agudo (Bianchini & Wood, 2003), quanto crônico (Bianchini & Wood, 2002). Um estudo crônico com concentrações sub-letais em um peixe marinho tem demonstrado que a prata se acumula tanto nas brânquias quanto no intestino e que esta acumulação é afetada pela salinidade. Neste caso, a taxa de ingestão de água e a atividade da Na +-K+ATPase branquial e intestinal são afetadas, e os efeitos são dependentes da salinidade (Hogstrand & Wood, 1998). Experimentos in vivo mostram também que a taxa de ingestão de água e a absorção intestinal de NaCl são reduzidas nos peixes marinhos expostos à prata. Experimentos in vitro mostram que a absorção de Na+, Cl- e H2O através de vesículas intestinais é reduzida pela exposição à prata. Assim, estes efeitos levam os peixes marinhos à um desequilíbrio ionorregulatório e uma desidratação após a exposição aguda à prata (Grossel et al., 1999). Considerando o acima exposto, fica claro que a química da água (salinidade) e a matéria orgânica (presença de alimento) no meio experimental podem modificar profundamente a toxicidade da prata para os animais aquáticos. Apesar das grandes diferenças na quantidade de possíveis ligantes para a prata (Cl-, SO-42, matéria orgânica, S2O32-, sulfetos, Br-- e B(OH)4) ou competidores (Na+, Mg2+, Ca2+, K+ e Sr2+) presentes na água doce e marinha, a maioria dos estudos realizados até o momento utilizaram organismos de água doce, sendo, portanto, extremamente escassos os estudos utilizando organismos marinhos e estuarinos. Além disso, ao contrário do que é observado para os animais dulciaqüícolas, o mecanismo de toxicidade da prata em animais marinhos não está estabelecido, especialmente em invertebrados. Em virtude do acima exposto, no presente estudo utilizou-se um animal que suporta ampla faixa de salinidade, que se encontra em zonas costeiras e estuarinas, que é um organismo chave na cadeia trófica e de pequeno, uma vez que existe uma forte correlação entre a 12 massa corporal (fluxo de sódio) e a sensibilidade à prata (Grosell et al., 2002). Neste contexto, sabe-se que os organismos duciaqüícolas mais sensíveis são os cladoceros e anfípodos, os quais apresentam um valor de concentração letal (CL50) aguda tão baixo quanto 0,3 µg/L de prata total em ausência de alimento (Bianchini & Bowles, 2002; Bury et al., 2002). Porém, estes organismos não toleram grandes mudanças de salinidade. Desse modo, optou-se no presente estudo por um organismo estuarino equivalente, ou seja uma espécie planctônica eurialina e de pequeno tamanho. O organismo selecionado para realizar os experimentos propostos neste estudo é o copépodo Acartia tonsa, por ser um organismo estuarino cosmopolita, presente no estuário da Lagoa dos Patos durante todo o ano, sendo descrito nesse ambiente como um dos organismos dominantes e chave de cadeia trófica (Montú et al., 1997). Esta espécie é eurialina e euritérmica, podendo ser encontrada em águas com salinidades que variam de 0 a 31,5 e temperaturas entre 14 e 29°C. Apresenta durante o seu desenvolvimento larval, seis estágios naupliares e seis copepoditos, entre as fases de ovo e adulto. O com prim ento dos adultos varia entre 100e 150 μ m (Montú & Gloeden, 1986). Os copépodos não possuem brânquias. Dessa forma, o transporte de gases respiratórios é realizado pelo tegumento e intestino posterior. Quanto à excreção de produtos do catabolismo, ela é realizada primariamente pelas glândulas mandibulares. O estado nutricional dos copépodos altera sua tolerância à variação de salinidade, sendo mais tolerantes à uma mudança de salinidade quando estão bem alimentados, sugerindo que em situações de estresse salino é necessária energia para os processos de osmorregulação (Blaxter et al., 1998). Estudos direcionados à compreensão dos mecanismos de osmo e ionorregulação em copépodos são escassos. Geralmente, espécies estuarinas endêmicas exibem hiperosmorregulação 13 em baixas salinidades e hiposmorregulação em altas salinidades, enquanto espécies marinhas costeiras e oceânicas são osmoconformadoras, ou seja, tem a composição dos líquidos extracelulares isotônica ao meio externo. As funções osmorregulatórias e possíveis regulações iônicas, em espécies eurialinas, são provavelmente realizadas em nível celular (Blaxter et al., 1998). De forma geral, existem poucas informações sobre osmorregulação e ionorregulação de organismos zooplanctônicos. Como foi descrito anteriormente, o principal mecanismo de ação da prata em crustáceos e peixes dulciaqüícolas é a disfunção osmorregulatória. Como o organismo a ser avaliado no presente estudo não apresenta um único órgão especializado e responsável por essa função, deixando o encargo da regulação osmótica e iônica para suas células, consideraremos no presente estudo os efeitos da prata no organismo como um todo. Justificativas e Objetivo Geral A necessidade de mais dados para invertebrados é uma área crítica para o refinamento do BLM em água doce, bem como sua extensão para águas salobras e marinhas. Devido ao fato de que o efeito da prata, tanto em água doce quanto em água salgada, parece envolver um desequilíbrio ionorregulatório em peixes, diferenças importantes nos níveis de toxicidade deste metal devem ser observadas nestes ambientes. Além disso, tem sido demonstrado que a presença de alimento no meio experimental influencia de forma considerável tanto a toxicidade aguda quanto crônica da prata em crustáceos e peixes (Ratter, 1999; Bianchini & Wood, 2002). Estas diferenças podem ser atribuídas à química da água e às diferentes vias de acumulação da prata. 14 É importante lembrar ainda que informações acerca das vias de acumulação da prata e o mecanismo de toxicidade deste metal em invertebrados de águas salobras ou marinhas foram pouco estudados. Neste caso, a situação é bastante diferente dos peixes marinhos, uma vez que os invertebrados marinhos são geralmente osmoconformadores, mas ainda assim ionorregulam. Esta condição sugere, portanto que a brânquia pode ser o principal sítio de toxicidade da prata em invertebrados marinhos, ao contrário do que ocorre em peixes, onde tanto as brânquias quanto o trato digestivo parecem estar envolvidos na acumulação e toxicidade da prata. Assim, um melhor entendimento das rotas de acumulação e dos mecanismos de toxicidade da prata em invertebrados estuarinos e marinhos é imperativo para a futura extensão do BLM para ambientes salgados. Desta forma, o principal objetivo deste trabalho é caracterizar, pela primeira vez, o mecanismo de toxicidade da prata em uma espécie de invertebrado que pode tolerar uma ampla faixa de salinidade na ausência e na presença de alimento na água. Baseado na similaridade geral dos processos de transporte iônico em crustáceos eurialinos e estenoalinos em água doce, a hipótese inicial é de que o mecanismo de toxicidade aguda observado em água doce em espécies como Daphnia magna e Cambarus diogenes diogenes, isto é, um desequilíbrio dos processos de regulação iônica e osmótica que conseqüentemente levam à morte do animal, pode ser estendido para crustáceos eurialinos expostos à prata, sobretudo em baixas salinidades. Objetivos Específicos 1) Determinar a toxicidade aguda da prata para o copépodo eurialino Acartia tonsa em uma ampla faixa de salinidade, na ausência e na presença de alimento. 15 2) Avaliar os efeitos agudos da prata na ionorregulação e atividade de Na +,K+-ATPase corporal no copépodo eurialino Acartia tonsa em uma ampla faixa de salinidade, na ausência e na presença de alimento. Referências Bibliográficas Bianchini, A.; Bowles, K.C. 2002. Metal sulfides in oxygenated aquatic systems: implications for the biotic ligand model. Comparative Biochemistry and Physiology 133C: 51-64. Bianchini, A.; Wood, C.M. 2002. Physiological effects of chronic silver exposure in Daphinia magma. Comparative Biochemistry and Physiology 133C: 137-145. Bianchini, A.; Bowles, K.C.; Brauner, C.J.; Gorsuch, J.W.; Kramer, J.R.; Wood, C.M. 2002. Evaluation of the effect of reactive sulfide on the acute toxicity of silver (I) to Daphnia magna. Part 2: Toxicity results. 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Washington, DC, USA. 19 Tagliani, P.R. 2003. Guia de Estudos da Disciplina de Manejo de Ecossistemas Costeiros. Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS, 133 p. Welsh, P.G.; Skidmore, J.F; Spry, D.J.; Dixon, D.G.; Hodson, P.V.; Hutchinson, N.J.; Hickie, B.E. 1993. Effect of pH and dissolved organic carbon on toxicity of copper to larval fathead minnow (Pimephales promelas) in natural waters of low alkalinity. Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Science 50: 1356-1362. Wood, C.M.; Playle, R.C; Hogstrand, C. 1999. Physiology and modeling of mechanisms of silver uptake and toxicity in fish. Environmental Toxicology and Chemistry 18: 71-83. 20 CAPÍTULO 1 ACUTE SILVER TOXICITY IN THE EURYHALINE COPEPOD ACARTIA TONSA: INFLUENCE OF SALINITY AND FOOD Mariana Saia Pedroso† , José Guilherme Bersano Filho‡ & Adalto Bianchini†§* Artigo a ser submetido à revista Environmental Toxicology and Chemistry 21 Running Head: Acute silver toxicity in the euryhaline copepod Acartia tonsa : Influence of salinity and food. Corresponding Author: Adalto Bianchini Fundação Universidade Federal do Rio Grande Departamento de Ciências Fisiológicas Av. Itália km 8 – Campus Carreiros 96.201-900 – Rio Grande – RS – Brazil Phone: + 55 53 3233-6853 FAX: + 55 53 3233-6848 E-mail: [email protected] Word Count: 6,173 References Count: 40 Tables: 1 Figure Legends: 3 22 ACUTE SILVER TOXICITY IN THE EURYHALINE COPEPOD ACARTIA TONSA: INFLUENCE OF SALINITY AND FOOD Mariana Saia Pedroso† , José Guilherme Bersano Filho‡ & Adalto Bianchini†§* † Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas: Fisiologia Animal Comparada, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Av. Itália km 8, 96.201-900 Rio Grande, RS, Brazil. ‡ Departamento de Oceanografia, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Av. Itália km 8, 96.201-900 Rio Grande, RS, Brazil. § Departamento de Ciências Fisiológicas, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Av. Itália km 8, 96.201-900 Rio Grande, RS, Brazil. 23 * To whom correspondence may be addressed: [email protected] 24 CAPÍTULO 2 MECHANISM OF ACUTE SILVER TOXICITY IN THE EURYHALINE COPEPOD ACARTIA TONSA Mariana Saia Pedroso† , Grasiela L. L. Pinho‡ and Adalto Bianchini† ‡ § * Manuscrito a ser submetido à revista Environmental Toxicology and Chemistry 25 Running head: Mechanism of silver toxicity in the euryhaline copepod Acartia tonsa Corresponding author: Adalto Bianchini Fundação Universidade Federal do Rio Grande Departamento de Ciências Fisiológicas Campus Carreiros – Av. Itália km 8 96.201-900 – Rio Grande – RS – Brazil Phone: + 55 53 3233-6853 Fax: + 55 53 32336848 E-mail: [email protected] Word Count: 5,893 References Count: 38 Tables: 1 Figure Legends: 4 26 MECHANISM OF ACUTE SILVER TOXICITY IN THE EURYHALINE COPEPOD ACARTIA TONSA Mariana Saia Pedroso† , Grasiela L. L. Pinho‡ and Adalto Bianchini† ‡ § * † Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas: Fisiologia Animal Comparada, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Av. Itália km 8, 96.201-900 Rio Grande, RS, Brazil. ‡ Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Biológica, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Av. Itália km 8, 96.201-900 Rio Grande, RS, Brazil. § Departamento de Ciências Fisiológicas, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Av. Itália km 8, 96.201-900 Rio Grande, RS, Brazil. 27 * To whom correspondence may be addressed: [email protected] 28 Conclusões Gerais (1) A salinidade altera a especiação da prata na água e conseqüentemente sua biodisponibilidade e toxicidade para o copépodo eurialino Acartia tonsa; (2) A toxicidade da prata é dependente da salinidade e do alimento na água, sendo que o aumento de salinidade e a presença do alimento em baixa salinidade reduzem os efeitos tóxicos desse metal em A. tonsa, indicando assim a necessidade de se incorporar estas duas variáveis em uma futura versão do Modelo do Ligante Biótico calibrado para a prata em ambientes estuarinos e marinhos; (3) Na ausência de alimento, a prata provoca um desequilíbrio da concentração corporal de Mg 2+ em todas as salinidades testadas, sendo que a adição de alimento protege contra estes efeitos, indicando assim que as alterações observadas se devem a uma combinação dos efeitos do jejum e da exposição à prata; (4) De uma maneira geral, a exposição aguda à prata inibe a atividade corporal da Na +,K+ATPase em copépodes não alimentados e alimentados, indicando assim que a Na+,K+-ATPase também constitui-se em uma molécula-chave na ação tóxica da prata no copépodo eurialino A. tonsa, como observado em crustáceos e peixes de água doce.