1 INTRODUÇÃO 1.1 JUSTIFICATIVA DO TRABALHO As lagunas costeiras ocupam 13% das áreas costeiras do mundo, e estão frequentemente sujeitas a impactos naturais e antropogênicos (Sikora & Kjerfve, 1985), já que nas regiões litorâneas está concentrada a maior parte da população da Terra. Seis em cada dez pessoas vivem a uma distância máxima de 60 km da costa, e dois terços das cidades do mundo com população superior a 2,5 milhões de habitantes estão localizadas em estuários (Polette, 1993). Kjerfve (1986) subdividiu estes corpos d'água, geralmente rasos e aproximadamente paralelos à linha de costa, de acordo com sua troca de água com o oceano adjacente. As classes lagunares propostas foram “sufocada” (“choked”), “restrita” (“restricted”) ou “vazante” (“leaky”), respectivamente, das mais isoladas para as de maior intercâmbio com as águas oceânicas, atualizando e estendendo as definições previamente postuladas por Cameron & Pritchard (1963). Na costa brasileira podem ser encontradas diversas lagunas, principalmente dos tipos “sufocada” e “restrita”. A Lagoa de Araruama, RJ (Figura 1), é uma das maiores lagunas costeiras hipersalinas do mundo, e foi classificada por Kjerfve et al. (1996) como “sufocada”. Sua fisiografia é caracterizada por enseadas semi-isoladas, evidenciando um 20 21 processo que pode eventualmente levar à subdivisão do corpo lagunar em lagunas menores. Localiza-se no extremo leste da planície costeira compreendida entre a cidade do Rio de Janeiro e Cabo Frio, denominada “Região dos Lagos”, também ocupada por dezenas de outras lagunas de origem semelhante. Neste complexo lagunar a Lagoa de Araruama é a única hipersalina, o que se explica, principalmente, pelo gradiente climático que ocorre na região, passando de semi-árido, a leste, em Cabo Frio, para tropical com verão chuvoso e inverno seco em direção a oeste, acarretando um aumento gradativo da pluviosidade média na mesma direção (Knoppers et al., 1991). Outro exemplo desta relação entre o clima e a hipersalinidade é observado no sistema lagunar CaimaneroHuizache, localizado no México, que apresenta uma hipersalinidade sazonal, com valores máximos de salinidade (em torno de 80‰) registrados no final do período de menor pluviosidade local, correspondente também a uma vazão mínima da bacia de drenagem (Moore & Slinn, 1984). As características do canal de comunicação das lagunas costeiras com o mar, a rede de drenagem e o clima, principalmente, são responsáveis pelo seu regime hidrológico e, consequentemente, determinam os processos biogeoquímicos atuantes, com influência direta no nível trófico da água. A Lagoa dos Patos, na costa sul do Brasil, possui morfologia semelhante à da Lagoa de Araruama, embora sua comunicação com o oceano adjacente, na sua extremidade sul, seja característica de lagunas “restritas” (conforme a classificação de Kjerve, 1986). Com aproximadamente 250 km de extensão, a penetração das águas salinas do oceano pode chegar até 220 km ao norte durante o período do inverno, embora a bacia de drenagem e o clima da região determinem um padrão de circulação que mantém a salinidade média sempre inferior à da água do mar (Casalas et al., 1982; Hartman, 1998). 22 Brasil W 42º 19’ W 42º 12’ W 42º 05’ São Pedro d’Aldeia Araruama S 22º 50’ Cabo Frio Lagoa de Araruama Oceano Atlântico Oceano Atlântico S 22º 55’ Arraial do Cabo Figura 1: Localização da Lagoa de Araruama. O grande potencial turístico da Lagoa de Araruama, aliado à sua proximidade com grandes centros urbanos, tem causado o rápido crescimento da população da região. Segundo dados e projeções da Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (FEEMA, 1988b), a população desta região, constituída pelos municípios marginais à Lagoa de Araruama, atingiria um número de dois milhões de habitantes antes do final do século, dez vezes o seu tamanho em 1988. Além de fluxos intensos nos finais de semana, ocorrem picos nos meses de férias (em julho e de dezembro a março), o que acarreta um aumento sensível na descarga de água doce e nutrientes para a laguna através dos esgotos domésticos. A economia desta região baseia-se, principalmente, na pesca, na extração de sal e de calcáreo e no turismo, atividades intimamente ligadas à Lagoa de Araruama e, portanto, dependentes da manutenção de suas condições ambientais. 23 Estimativas do aporte antropogênico de nitrogênio e fósforo total na Lagoa de Araruama realizadas com base na vazão de esgotos domésticos (Souza, 1993) alcançaram valores superiores àqueles observados nas outras lagunas da mesma região. O autor observa que as condições oligotróficas predominantes na laguna ainda se mantêm devido ao seu grande volume d’água e à sua hipersalinidade. A proposta de abertura de um novo canal de comunicação da Lagoa de Araruama com o mar aumentaria significativamente o fluxo de entrada de águas menos salinas e poderia causar um aumento brusco no seu nível trófico, com prejuízos evidentes ao ecossistema lagunar e à economia de toda essa região (Souza, 1993; Kjerfve et al., 1996). Al-Ramadhan (1988) descreve o exemplo da laguna Khowr Al-Zubair, no Iraque, cuja condição de hipersalinidade (valores de até 47‰ durante o verão) foi revertida para a condição de estuário a partir da abertura de um canal de comunicação com o rio Eufrates. A abertura deste canal permitiu que fossem observadas variações nas médias mensais de descarga de água doce entre 0 - 109 m3.s-1 durante o período de um ano medido pelo autor. Uma conclusão importante sobre o funcionamento do ecossistema lagunar apontada por Souza (1993) e Souza (1997) refere-se ao sistema pelágico, inteiramente fótico, que apresentou baixa biomassa fitoplanctônica e pequena quantidade de carbono orgânico detrítico. Esta comunidade de produtores primários fitoplanctônicos não justifica a elevada razão entre o nitrogênio inorgânico dissolvido e o fósforo inorgânico dissolvido medida durante a pesquisa, que seria então indicadora da atividade de uma comunidade de produtores primários bentônicos. Por sua vez, o sedimento carbonático do sistema bêntico forma um substrato capaz de remover fósforo da água. Isto sugere que no cinturão arenosocarbonático até 3 m de profundidade, sem limitação de luz, o microfitobentos possa ser o responsável pela assimilação de nutrientes dissolvidos na coluna d'água, limitando a 24 produção primária fitoplanctônica. A caracterização dos processos biogeoquímicos atuantes na Lagoa de Araruama, deve incluir, portanto, além de estimativas das concentrações de substâncias dissolvidas e em suspensão na água, uma avaliação dos processos que ocorrem na região bêntica, através dos quais poder-se-ia obter uma estimativa mais precisa do ciclo biogeoquímico lagunar. Devido à sua extensão (aproximadamente 40 Km no eixo maior) e à sua morfologia, subdividida em compartimentos (ou enseadas) pelo crescimento de esporões arenosos e apresentando extensas porções rasas (< 3 m de profundidade), a utilização de técnicas de sensoriamento remoto orbital deve se constituir em uma ferramenta valiosa e econômica no monitoramento das condições biogeoquímicas e das características morfológicas desta laguna. Por esta razão, a seguir apresenta-se uma descrição sucinta dos aspectos fundamentais relacionados ao emprego de dados multiespectrais para a caracterização ambiental de ecossistemas aquáticos. 1.2 SENSORIAMENTO REMOTO DE ÁGUAS COSTEIRAS 1.2.1 Óptica aquática: princípios básicos Estudos sobre a dependência e interação da biota aquática com a luz nos processos fotossintéticos, como o de Jerlov (1976), deram início a pesquisas, realizadas em laboratório, em que se determinaram os parâmetros que modificam as propriedades ópticas da água pura. São eles os sólidos totais em suspensão, os pigmentos fotossintetizantes e a matéria orgânica dissolvida (Bricaud & Sathyendranath, 1981; Prieur & Sathyendranath, 1981; Haardt & Maske, 1987). No âmbito destes mesmos trabalhos foram também estimados os coeficientes de absorção e espalhamento da radiação eletromagnética (REM) 25 de cada uma destas substâncias isoladamente, revelando-se uma grande especificidade com relação à natureza, ao tamanho, e à forma das partículas que as constituem. Gallie & Murtha (1992), por exemplo, encontraram coeficientes de espalhamento semelhantes para os sólidos em suspensão encontrados em dois diferentes lagos nos Estados Unidos, embora a razão entre seus coeficientes de absorção fosse da ordem de um terço. Os mesmos autores determinaram, em laboratório, o coeficiente de absorção da água pura, encontrando valores muito próximos aos medidos por Smith & Baker (1981). A absorção e o espalhamento causados pelos constituintes opticamente ativos presentes determinam a atenuação da REM em cada corpo d’água e, consequentemente, sua profundidade máxima de penetração. Este limiar define, portanto, a espessura da camada superficial sobre a qual podem ser extraídas informações de interesse quando se efetuam medidas da radiação emergente. Dados de sensores óticos referentes a corpos d'água rasos, como é o caso de praticamente todas as lagunas costeiras, são influenciados não somente pela resposta espectral da coluna d'água e seus constituintes, como também pelas propriedades óticas do material que compõe o fundo (Polcyn & Lyzenga, 1975). O mesmo pode ocorrer em regiões mais profundas, desde que a transparência da água permita que a radiação incidente atinja o fundo. A matéria orgânica dissolvida é proveniente da excreção, secreção e decomposição de organismos terrestres e aquáticos, e possui coloração marrom-amarelada devido aos compostos húmicos e aos íons de ferro (Fe) e manganês (Mn) presentes na sua constituição (Wetzel, 1975). A matéria orgânica dissolvida possui forte ação absorvedora da REM visível, o que prejudica os organismos dependentes da luz no meio aquático. Sua absorção é inversamente proporcional ao comprimento de onda da radiação 26 eletromagnética entre 400 nm e 700 nm, sendo desprezível a partir de 600 nm (Bricaud & Sathyendranath, 1981). A clorofila-a é o pigmento fotossintetizante indispensável e mais comumente encontrado nos organismos produtores primários, e sua concentração na água é utilizada como indicador do estado trófico. Este pigmento possui picos específicos de absorção da luz visível, na faixa do azul e na faixa do vermelho (Bidigare & Ondrusek, 1990; Gitelson, 1992), mas que podem ser mascarados quando também estão presentes sedimentos em suspensão ou matéria orgânica dissolvida na água (Quibell, 1991; Dekker et al., 1992; Bowers et al., 1996). Dekker et al. (1992) sugerem que, em função da forte absorção causada pela matéria orgânica dissolvida na faixa do azul, a detecção da clorofila deva ser feita utilizando-se medidas da reflectância em 680 nm. Os mesmos autores ressaltam que para concentrações de clorofila acima de 100 µg.l-1 este pico se desloca para 715 nm. Anteriormente, Quibell (1991), demonstrara experimentalmente que o pico de reflectância em 550 nm de uma determinada espécie algal apresentava um deslocamento para comprimentos de onda maiores à medida que eram adicionados sedimentos sólidos minerais à suspensão. A concentração de sólidos em suspensão varia de acordo com a descarga de água doce através da rede de drenagem ou de esgotos domésticos e industriais, e interfere na turbidez da água, podendo afetar intensamente a ecologia e o potencial recreacional dos corpos d'água. Seu transporte na água é feito pelas correntes atuantes, que irão determinar os locais preferenciais de deposição das partículas e de assoreamento. Ocorrências de ressuspensão dos sedimentos do fundo devido à ação do vento são também responsáveis pelo aumento da concentração de sólidos em suspensão na coluna d’água. Os sólidos totais 27 em suspensão constituem-se em uma fração inorgânica (partículas minerais) e uma fração orgânica (organismos planctônicos e matéria orgânica particulada). A absorção da luz visível pelos sólidos inorgânicos em suspensão é inversamente proporcional ao comprimento de onda e, portanto, sua estimativa através de medidas espectrorradiométricas deve ser realizada entre 550 e 700 nm, assim como a estimativa do total de sólidos em suspensão (Novo et al., 1989 a e 1989 b; Novo et al. (1991); Quibell, 1991; Dekker, 1992; Bowers et al., 1996). Em função da natureza e da granulometria dos sedimentos presentes em cada corpo d’água são determinadas as faixas espectrais mais adequadas à sua detecção. A água pura apresenta maior transparência à radiação na faixa do visível (400 - 700 nm), principalmente entre 400 e 500 nm (NASA, 1971), o que torna esta faixa espectral a mais adequada ao estudo de corpos d’água em geral. Por outro lado, apesar da água absorver a radiação nos comprimentos de onda a partir de 700 nm, o material particulado e os pigmentos fotossintéticos em suspensão apresentam picos de reflexão ou de absorção logo após esta faixa (Dekker et al., 1992; Quibell, 1992). Isto justifica a utilização de dados de sensores remotos operando na faixa de comprimentos de onda da REM entre 400 e 800 nm para o estudo de corpos d’água. A plataforma de aquisição dos dados também é um fator determinante das medidas multiespectrais. Dados de radiância obtidos a nível orbital incluem, além das informações do alvo de interesse, o efeito provocado pelos constituintes atmosféricos. A realização de experimentos in situ com equipamentos de alta resolução radiométrica e espectral permite o conhecimento do comportamento espectral dos alvos terrestres, auxiliando na interpretação de imagens de sensores orbitais. 28 1.2.2 Medidas espectrorradiométricas in situ: o estado da arte Através de instrumentos denominados espectrorradiômetros podem ser obtidas medidas do fator de reflectância da água. O fator de reflectância é função das propriedades ópticas dos alvos estudados, da geometria de iluminação e de observação e da faixa espectral da medição (Han & Rundquist, 1994; Ferrier, 1995). Se o campo de visada do espectrorradiômetro é pequeno (< 15°), se a iluminação (ou irradiância) do experimento é produzida pelo fluxo solar direto e são tomadas medidas a intervalos menores que 10 nm, o fator de reflectância da amostra pode ser chamado de fator de reflectância bidirecional espectral (daqui por diante abreviado no texto por “fator de reflectância” ou “FR”) (Steffen, 1993). As curvas que representam medidas sequenciais do FR numa determinada região espectral são denominadas “espectros do FR”. Cada espectrorradiômetro é projetado para a obtenção de medidas em faixas específicas da REM. O espectro de um corpo d’água resulta do somatório dos espectros da água pura e das substâncias opticamente ativas presentes. Em corpos d’água rasos, soma-se a estes fatores o efeito da radiação refletida pelo fundo. Assim, para se determinar cada uma destas substâncias individualmente é necessário eliminar o efeito das outras nos comprimentos de onda mais adequados à sua detecção. Problemas semelhantes com relação a espectros de reflectância de vegetação levaram Demetriades-Shah et al. (1990) a utilizar razões entre bandas e derivadas dos espectros de reflectância para o estudo desses alvos. Segundo os autores, estas técnicas são análogas às utilizadas em química analítica para a eliminação de “ruídos de fundo” (sinais de baixa freqüência) ou superposição de feições de absorção das substâncias presentes numa determinada amostra. 29 As razões de reflectância espectral deveriam incluir, idealmente, um comprimento de onda referente a alta reflectância e outro comprimento de onda referente a alta absorção da substância que se deseje estimar (Arenz et al., 1996). Quibel (1991) utilizou a diferença entre a reflectância da amostra em 710 e em 665 nm para estimar a concentração de clorofila, mas ressaltou a especificidade deste algoritmo em função da natureza e granulometria do sedimento. Gitelson (1992), por sua vez, sugeriu a utilização da razão entre a máxima reflectância na faixa do vermelho e a reflectância em 675 nm para a estimativa de clorofila-a. Sathyendranath et al. (1994), utilizando valores de reflectância medidos em bandas espectrais estreitas (10 nm) por um sensor imageador aerotransportado, somente encontraram boas correlações com a concentração de clorofila-a medida in situ quando utilizaram razões entre bandas (no entanto, a razão entre a reflectância em 565 e em 545 nm teve melhor desempenho na primeira data de coleta de dados (r2 = 0,89), enquanto a razão entre 565 e 505 nm apresentou os melhores resultados de correlação com os dados in situ na segunda data (r2 = 0,78)). O uso de derivadas primeiras (∂/∂λ) e de ordem superior de espectros de reflectância busca eliminar, a cada passo, o efeito de um dos componentes de uma amostra, considerando-se que o sinal referente a cada um deles pode ser representado por um polinômio de ordem diferente. Os resultados de Goodin et al. (1993), demonstraram que esta suposição é correta e aplica-se também a espectros de corpos d’água. Estes autores procederam à derivação de espectros de água pura, e encontraram curvas derivadas de 1ª ordem (nm-1) e de 2ª ordem (nm-2) iguais a zero, caracterizando os efeitos de reflectância da água pura como efeitos de ordem zero; os espectros de água contendo apenas sedimentos em suspensão apresentaram uma feição em torno de 720 nm nas curvas de 1ª 30 derivada (região em que a água pura não apresenta reflexão), e curvas de 2ª derivada iguais a zero, caracterizando o efeito dos sedimentos em suspensão como efeitos de 1ª ordem; finalmente, espectros de água contendo sedimentos em suspensão e clorofila apresentaram uma feição centrada em 685 nm nas curvas de 2ª derivada, caracterizando os efeitos causados pela clorofila como sendo de 2ª ordem. Além dos resultados de Goodin et al. (1993) apresentados acima, Chen et al. (1992) também obtiveram melhores resultados de correlação entre dados multiespectrais e o total de sólidos em suspensão quando utilizaram valores extraídos da primeira derivada dos espectros originais de reflectância. Bidigare et al. (1989), por sua vez, utilizaram-se da técnica de derivação de espectros com sucesso para identificar os pigmentos fotossintéticos responsáveis pela absorção da luz na água do mar. Estes autores ressaltaram também a forte influência causada pela presença de sedimentos, eliminada a partir da 2ª derivada de espectros de absorção específica. 1.2.3 Medidas por sensores orbitais: o estado da arte A partir do lançamento de sensores imageadores orbitais tornou-se possível avaliar os processos de circulação e de eutrofização de corpos d’água em escala sinótica e com alta resolução espacial (50-100 m) com um custo bastante inferior aos de trabalhos realizados no campo ou a nível de aeronave (Klemas & Hardisk, 1983). Estimativas do perímetro do espelho d'água e de áreas de inundação, por exemplo, foram realizadas utilizando-se imagens na faixa do infravermelho (White, 1978; Rundquist et al., 1987) ou utilizando-se índices a partir de dados no visível e no infravermelho próximo (McFeeters, 1996). Devido a correlações encontradas entre dados multiespectrais na faixa do 31 visível com a concentração de clorofila-a e entre dados na faixa do visível e infravermelho próximo com a concentração de sólidos em suspensão, estimativas empíricas destes dois parâmetros têm sido frequentemente realizadas utilizando-se imagens orbitais (Jensen et al., 1989; García and Caselles, 1990; Ekstrand, 1992; Braga et al., 1992; Mayo et al., 1993; Harding et al., 1994; Liedtke et al., 1995). Através de análises de regressão simples e múltipla estes autores relacionaram dados obtidos por sensores multiespectrais a medidas in situ simultâneas do parâmetro que se desejava estimar. No entanto, os algoritmos utilizados para a estimativa destes parâmetros, em geral, apresentam bom desempenho apenas quando aplicados às regiões para as quais foram desenvolvidos, restringindo-se também a condições climáticas específicas (Whitlock et al., 1982; Ferrier, 1995). Diversos autores têm aplicado razões entre bandas para estimar a concentração de clorofila-a na água com bons resultados (Gordon, 1983; Lavery et al., 1993; Mayo et al., 1995). Gordon et al. (1988) utilizaram extensivamente a razão azul-verde em algoritmos para estimativa da concentração de clorofila-a no mar através de dados do CZCS (Coastal Zone Colour Scanner). No entanto, segundo Bowers et al. (1996), a presença de sólidos minerais em suspensão afeta a sensitividade destes algoritmos, desenvolvidos para águas sem sedimentos em suspensão ou matéria orgância dissolvida e, portanto, a metodologia de emprego de razões entre bandas para determinação da concentração de clorofila pode não ser adequada ao estudo da maioria dos corpos d’água costeiros e continentais. Em corpos d'água relativamente rasos, vertical e horizontalmente homogêneos, que apresentam um fundo também homogêneo, a batimetria pode ser estimada a partir de medidas nos comprimentos de onda de maior penetração na água (400 - 600 nm) (Hallada, 1984; Hathout, 1985; Cabral, 1993; e Maritorena et al., 1994). As condições de transparência da água determinam a maior profundidade passível de 32 detecção. Nestas mesmas condições de homogeneidade da água, e com as mesmas limitações impostas pela sua transparência, podem também ser discriminados diferentes tipos de substrato de fundo (Polcyn & Lyzenga, 1975; Lyzenga, 1979; Lyzenga, 1981; Jupp et al., 1985; Khan et al., 1992; Luczkovich et al., 1993; Pasqualini et al., 1997). Na prática, o gradiente batimétrico, o tipo de fundo e a composição da água definem as variáveis ambientais passíveis de detecção e as limitações dos métodos que podem ser utilizados para sua estimativa (Philpot, 1989). As imagens obtidas pelo sensor TM na faixa do visível (bandas TM1, TM2 e TM3) sobre corpos d’água apresentam-se fortemente correlacionadas entre si (Braga, 1988; Novo & Braga, 1995; Lira et al., 1997), dificultando a exploração da variabilidade dos dados multiespectrais contidos nestas bandas. Para minimizar este problema, pode-se aplicar uma transformação por componentes principais (Dillon & Goldstein, 1984) aos dados multiespectrais, através da qual são obtidas novas bandas (ou fatores) nãocorrelacionadas entre si, mas que incluem a maior parte da informação (ou variância) contida nas bandas originais. Esta técnica estatística multivariada tem fornecido bons resultados no tratamento de dados de imagens multiespectrais em diversas áreas de aplicação. Em geologia, Paradella (1986) e Loughlin (1991) utilizaram-na para a discriminação de diferentes litologias através de imagens TM. Outra aplicação interessante refere-se à detecção de mudanças no uso da terra, aplicando a transformação a imagens de diferentes datas reunidas num mesmo conjunto (Ingebritsen & Lyon, 1985; Picchiotti et al., 1997). Em estudos de qualidade da água, Braga (1989), encontrou correlação significativa entre a concentração de ferro e manganês no sedimento em suspensão com o 33 1º fator de uma transformação por principais componentes aplicada às bandas TM1, TM2, TM3 e TM4. Lira et al. (1997) encontraram correlações estatisticamente significativas entre o 1ºfator da transformação por principais componentes aplicada às bandas TM1, TM2 e TM3 com o total de sólidos em suspensão na água. Braga et al. (em preparo), em trabalho realizado na Lagoa de Araruama, encontraram correlação entre o 1º fator de uma transformação das bandas TM1, TM2 e TM3 com medidas da profundidade do disco de Secchi, e correlação do 2º fator com a concentração de clorofila-a. A correlação observada por Khan et al. (1992) entre a batimetria e o 1º fator de uma transformação aplicada às bandas TM1 e TM2 indicou que em corpos d’água com baixa turbidez as principais variações no sinal medido por um equipamento sensor correspondem a diferentes profundidades nestas faixas espectrais. Da mesma forma, a correlação observada, no mesmo estudo, entre o 2º fator e os diferentes tipos de sedimento de fundo indica que este é um parâmetro secundário na variabilidade da resposta espectral de um corpo d’água entre 400 e 600 nm. Neste trabalho, teremos oportunidade de avaliar o desempenho das referidas técnicas no estudo de caso da Lagoa de Araruama. 1.3 OBJETIVO DO TRABALHO O objetivo principal desta pesquisa é integrar dados biogeoquímicos e geomorfológicos da Lagoa de Araruama com dados multiespectrais, medidos por um sistema de observações in situ e orbitais, para o estudo dos parâmetros ambientais responsáveis pelas modificações da qualidade da água nesta laguna hipersalina. As variáveis ambientais relevantes investigadas neste trabalho foram as seguintes: 34 concentração de clorofila-a, concentração de sólidos totais em suspensão, transparência da água, salinidade, temperatura e profundidade da lâmina d’água. Desta forma, pretende-se ampliar o conhecimento adquirido em trabalhos prévios sobre este ecossistema lagunar, além de se desenvolver uma metodologia de aquisição e processamento de dados adequada ao monitoramento operacional da Lagoa de Araruama, em apoio a atividades ligadas ao Gerenciamento Costeiro. Este objetivo está inserido no subprojeto “Processos Físicos na Lagoa de Araruama, RJ”, no âmbito do Projeto PROLAGOS (INSTITUTO ACQUA/PETROBRAS, 1996), financiado pelo Instituto ACQUA e pela PETROBRAS. 1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO Nas seções a seguir será demonstrado como as características dos tipos de fundo explicam a variabilidade das imagens TM nas áreas mais rasas, apresentando-se um método de processamento digital de imagens para delimitação desta região, abaixo da isóbata de 3 m, aproximadamente. Será demonstrado também como as imagens resultantes de uma transformação por componentes principais aplicada às bandas originais TM1, TM2 e TM3 apresentam-se correlacionadas com a profundidade do disco de Secchi (1º fator) e com a concentração de clorofila-a (2º fator) nas áreas mais profundas do corpo lagunar. Discutem-se também as restrições impostas para a estimativa da profundidade da água a partir das correlações observadas entre este parâmetro e a banda TM1. Em função da alta resolução dos dados adquiridos através das medidas espectrorradiométricas in situ, foram determinadas regiões as espectrais mais adequadas à detecção da concentração de 35 clorofila-a, medidas de profundidade do disco de Secchi e profundidade da água nesta laguna, além dos procedimentos necessários à extração das variáveis espectrorradiométricas , partindo dos espectros de fator de reflectância obtidos. Na seção 2, apresenta-se uma descrição da região de estudo, baseada em trabalhos previamente desenvolvidos, focalizando os aspectos mais relevantes relacionados às variáveis ambientais passíveis de identificação pelas técnicas de sensoriamento remoto empregadas nesta pesquisa. Na seção 3, encontram-se discriminados os dados físico-químicos e multiespectrais adquiridos in situ para esta pesquisa e os métodos utilizados para sua coleta e análise. Discriminam-se também as etapas seguidas no processamento digital das imagens Landsat-5 TM e no tratamento dos dados espectrorradiométricos adquiridos, que juntos formam o conjunto de dados multiespectrais, além da abordagem estatística empregada para correlacioná-los às variáveis ambientais analisadas. Os resultados são apresentados nas seções 4, 5 e 6. No primeiro destes, apresenta-se um diagnóstico da variabilidade do corpo d’água lagunar ao longo do ciclo anual analisado, em função das faixas de concentração dos parâmetros ambientais medidos quinzenalmente. No segundo, são analisados os espectros do fator de reflectância da água referentes às estações de coleta amostradas em cada data e suas respectivas curvas derivadas. Apresentam-se também os resultados obtidos nas análises de correlação entre os dados espectrorradiométricos e as variáveis ambientais, através dos quais foram determinados os parâmetros responsáveis pelo comportamento espectral da Lagoa de Araruama. No terceiro, apresentam-se os resultados do processamento dos dados TM, 36 incluindo uma avaliação do método de correção atmosférica aplicado e os resultados da análise estatística de correlação entre as variáveis orbitais e os parâmetros ambientais medidos in situ. Descrevem-se ainda os resultados de uma classificação digital automática baseada na segmentação das imagens TM1, TM2 e TM3, a partir da qual foram definidas as duas grandes classes espectrais lagunares. Na seção 7, são integrados e discutidos os resultados apresentados nos três capítulos anteriores, a partir dos quais se estabelece o procedimento adequado à utilização de dados multiespectrais in situ e orbitais visando um diagnóstico mais abrangente e o monitoramento da qualidade da água na Lagoa de Araruama. As principais conclusões e implicações deste trabalho são apresentadas, tanto no que se refere à própria Lagoa de Araruama quanto em relação à extração de informações sobre lagunas costeiras rasas via sensoriamento remoto in situ e orbital.