Editorial Reflexões sociais A essência do jornalismo está em reportar a realidade do contexto sócio-cultural em que o veículo de comunicação está inserido. Como formadora de opinião, cabe à imprensa alertar a comunidade sobre suas questões mais prementes. Nesta perspectiva, o Projétil traz uma série de temáticas que revelam a preocupação dos futuros jornalistas com o seu meio social. Esta edição abre com uma entrevista com a presidente da Planurb, Marta Lúcia, que revela as transformações pelas quais a cidade passará nos próximos vintes anos. Na seqüência, as polêmicas em torno da nova lei que disciplina a prática da pesca no estado. Na saúde pública, uma reportagem sobre como Campo Grande vem atuando no combate a Dengue. Reportagens sobre a certificação de qualidade para os alimentos orgânicos e sobre o projeto de arborização da cidade e recuperação das árvores centenárias são destaques. O comportamento social também tem seu espaço. A matéria sobre o Projeto Padrinho, que dá apoio às crianças em abrigos, mostra o quanto o campo-grandense é solidário, mas também o quanto ainda é preciso ajudar para que nossas crianças não fiquem ao abandono. Outros temas polêmicos são a discriminação sexual que será passível de punição com nova lei que tramita no Congresso e as polêmicas sobre jogos de azar. A popularização da música erudita de Campo Grande e as dificuldades que a população do interior enfrenta para buscar auxílio médico na capital também entraram na pauta. Como reportagem no suplemento especial, as dificuldades de reintegração dos detentos no meio social. Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Produzido pelos acadêmicos do 3º ano de Jornalismo, sob orientação dos professores José Márcio Licerre (Planejamento Gráfico II), Mário Luis Fernandes (Edição) e Mario Marques Ramires (Redação e Expressão Oral em Jornalismo II). Jornalistas responsáveis: Mário Luis Fernandes (DRT-PR 2513) e Mario Marques Ramires (DRT-SP 12602) Produção: Aline Saraiva, André Patroni, Eduardo Maia, Flávia Melo, Kleomar Carneiro, Laís Inagaki, Lauanna Alcará, Mariana Fercard, Renata Bastos, Súzan Benites, Vinícius Bazenga e Vinícius Berton. Correspondência: Jornal Projétil – Departamento de Comunicação Jornalismo (DJO / CCHS) – Cidade Universitária s/nº - CEP 79070-900 – Campo Grande – MS. Fone (67) 3345-7600 – E-mail: projé[email protected]. Tiragem: 5.000 exemplares. Impresso na Centro Imagem (Contrato ....) Distribuição Grátuita As matérias veiculadas não representam necessariamente a opinião da UFMS ou de seus dirigentes, nem da totalidade da turma. Visite nosso Blog http://jornalismoufms.wordpress.com Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 2 Entrevista Campo Grande repaginada Eduardo Maia Na rua 14 de Julho os carros darão espaço para os pedestres e calçadões. O bairro será recuperado e preservado. A Orla Morena chegará à Afonso Pena. Os camelôs vão para a rodoviária antiga, que será revitalizada. No mercadão e em outros lugares, os estacionamentos serão subterrâneos e explorados por particulares. Haverá mais ciclovias e transporte. Essas propostas do Plano Local das Zonas Especiais de Interesse Cultural da Região Urbana do Centro, da PLANURB de Campo Grande, que além de muito dinheiro levará cerca de 20 anos para ser concluído, dependendo do compromisso e empenho de pelo menos mais quatro prefeitos. O Plano de Revitalização do Centro, como também é conhecido, foi assinado pelo prefeito Nelson Trad Filho em 25 de março deste ano. Nesta entrevista exclusiva, Marta Lúcia, presidente da PLANURB, Instituto Municipal de Planejamento Urbano, fala sobre esse audacioso projeto. Marta é engenheira civil e arquiteta e está na PLANURB desde 1988. Quais são os principais eixos do projeto? M.L: Em 2006, quando fizemos a revisão do Plano Diretor de 1995, foi feita a revisão do que nós chamamos de Política de Desenvolvimento Urbano. Nela há quatro grandes eixos: saneamento ambiental, política habitacional, transporte e mobilidade urbana e gestão democrática. O que são as ZEICs? M.L: Dentro do Plano Diretor, que orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade, instituímos algumas áreas de interesse coletivo. Dentre elas, as Zonas Especiais de Interesse Cultural, as ZEICs. Parte delas está ligada ao centro da cidade, mas existem outros pontos, como, por exemplo, o Museu João Antônio Pereira, na região do Anhanduizinho. São ícones que representam marcos históricos da cidade e já estão definidos no Plano Diretor como áreas de interesse cultural. Todas essas zonas necessitam que nós tenhamos um plano de desenvolvimento específico. Como surgiu o projeto? M.L: Não podemos fazer um conjunto de ações desarticulas. Por própria exigência do banco financiador, temos que realizar algumas ações que chamamos de “amostras”. A Orla Morena e a Orla Ferroviária são mostras do projeto. Fica evidente a necessidade da elaboração de um plano, o Plano de Revitalização do Centro, cuja primeira etapa seria a Rua 14 de julho. Esse plano não saiu do nada, ele foi criado a partir do Plano Diretor. Como se decidiram as intervenções a serem feitas? M.L: A nossa grande premissa é melhorar a questão da acessibilidade e do conforto. O projeto tem quatro grandes objetivos, um, que originou a idéia do Plano de Revitalização é a preocupação com a preservação do patrimônio histórico-cultural. Outro grande eixo seria a preocupação com o fortalecimento do comércio e do turismo. Um terceiro eixo é a valorização do espaço público, a preocupação com o pedestre, com a despoluição visual, a fiação embutida e outras questões ligadas ao poder público. E um último eixo que trata da animação cultural no centro da cidade, que é fundamental. A partir desses quatro eixos nós elaboramos o conjunto de intervenções. Quais serão as principais mudanças em virtude do Plano de Revitalização? M.L: O Plano propõe uma padronização e aumento na largura das calçadas, bem como a utilização do espaço que hoje serve de estacionamento para promover animação cultural. A idéia é que a iniciativa privada faça os estacionamentos com alguns incentivos do poder público. Além disso, foi definido um conjunto de empreendimentos que tem interesse histórico, alguns para tombamento, outros para acautelamento, visando a preservação. Com o patrimônio tombado, teremos alguns roteiros turísticos, que potencializam o turismo e o comércio. Os roteiros passarão por circuitos históricos da cidade. Esse projeto será integrado com outras ações da prefeitura, como o Centro de Belas Artes, o parque da Imigração Japonesa e a Orla Morena. Outra modificação ocorrerá no espaço da antiga estação rodoviária. A idéia é fortalecer esse espaço com o turismo. Com a transferência dos ônibus intermunicipais para a nova rodoviária, esse espaço seria destinado à entrada e saída dos ônibus da City Tour, com atendimento aos turistas e venda de produtos das incubadoras. Pretendemos remanejar o camelódromo para o espaço da rodoviária, que terá uma série de melhorias e adaptações, como escadas rolantes e elevadores. Haverá também uma reforma na Praça Aquidauana. Com relação ao Parque Esplanada, pretendemos revitalizar a Rotunda, que fazia parte do complexo ferroviário, e instalar áreas para atividades teatrais, com choperias, praça de alimentação e cinemas populares. Além disso, o Museu Ferroviário será implantado. Os moradores das casas consideradas patrimônio histórico terão que se mudar? M.L: Existe a necessidade de remanejamento de algumas famílias devido à descaracterização da vila dos ferroviários. O objetivo da moradia nesse lugar é a manutenção do patrimônio, mas algumas construções foram completamente modificadas. Nesse caso os imóveis seriam desapropriados, mas a prefeitura iria cons- 3 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS à condição original ganha o município, porque todo o Parque da Esplanada será reformado. Haverá muitos debates, inclusive com a Associação dos Ferroviários. À medida que o projeto caminha, nós damos continuidade, precisamos estudar a região, ver quais são as famílias passíveis de remanejamento e isso nós ainda não temos. O Plano de Revitalização tem previsão de duração de 20 anos, é um processo gradativo. Como pretendem tirar os carros da Rua 14 de julho? M.L: Pretendemos melhorar o calçamento e tirar o fluxo de passagem. Assim, não haverá mais o transporte coletivo na via, ele vai se deslocar para outras ruas. Haverá apenas duas pistas, justamente para aumentar o espaço dos pedestres e os estacionamentos serão remanejados. Fora isso, pretendemos melhorar a sinalização, com tempo do pedestre no semáforo, promover a despoluição visual, utilizar uma iluminação específica que também ilumine as calçadas e favoreça as vitrines. Marta Lúcia, presidente da Planurb truir um multi residencial ao lado do complexo ferroviário. Existe ressarcimento dos investimentos feitos por essas pessoas nos imóveis? M.L: Esses imóveis já são tombados pelo município. As famílias não pagam IPTU, como forma de incentivo para que preservem o local e façam a manutenção, sem descaracterizá-lo. Quando a Prefeitura desapropria um imóvel é feita uma avaliação e as famílias recebem o valor real do mesmo. Além disso, a prioridade é que essas famílias sejam remanejadas para o residencial. Também não é algo que acontecerá no ano que vem. Existe todo um plano de ação para que comece a delinear o que seria necessário desapropriar. Talvez seja só uma pequena parte das edificações que precisem ser desapropriadas. O que será feito no local? M.L: Vamos implantar o Museu Ferroviário e pretendemos colocar uma unidade administrativa nesse local. Queremos um circuito com passeio de 2,5km num trem turístico, na alça dos trilhos, e criar os “vagões itinerantes”, que poderão ser ocupados com lanchonetes, bibliotecas, lan houses, podendo ser movidos de lugar e funcionar até mesmo como um palco. É uma forma de acabar com a descontinuidade de uso da região central -muito movimento durante o dia e pouco à noite. Os moradores estão de acordo? M.L: Quando nós dizemos que o Plano diretor definiu algumas áreas de interesse coletivo significa a questão do interesse público em relação ao interesse individual. A Prefeitura nunca teve uma política de imposição, existe um trabalho de diálogo com os proprietários e se houver a possibilidade de que o imóvel retorne A cidade de Campo Grande cresce 1,4% ao ano e o número de caros 5,4%. O plano de Revitalização não busca tratar o problema na sua conseqüência quando deveria tratar suas causas? M.L: A facilidade de aquisição dos veículos de uso individual é uma política nacional, como resposta à crise, sob a justificativa de ampliação de emprego e liberação de recursos para aumentar o poder aquisitivo das pessoas. Não há como o município lutar contra isso. O que cabe fazer é estabelecer uma política de fortalecimento dos outros meios de transporte. Hoje se pretende uma série de incentivos para reduzir os custos do transporte coletivo. Nosso objetivo não é que as pessoas não tenham seu veículo de uso individual, mas fazer com que utilizem o transporte público, o que será possível na medida em que efetuarmos mudanças nas vias e o conforto dos veículos de uso coletivo. Ainda propomos a intermodalidade. Muitas vezes as pessoas não pegam o ônibus coletivo porque demora uma hora para ir do terminal ao destino desejado, a intermodalidade permitirá que essas pessoas venham de bicicleta até o terminal, estacionem essas bicicletas com segurança e peguem os novos coletivos, que seriam veículos leves e rápidos sobre rodas. Na cidade é praticamente impossível o tráfego de bicicleta. Onde serão feitas as ciclovias previstas no Plano? M.L: Na Calógeras, inclusive com o projeto de revisão da Orla Morena. A idéia é fazê-la desde o córrego Imbiruçu, passando pela Via Morena, Orla Morena, circuito histórico até à estação ferroviária. No sentido oposto, vindo da UFMS pela Via Morena até a 26 de Agosto. Existe um projeto de se implantar 130 km de ciclovias que irão passar pelo centro e pelas grandes avenidas. As ciclovias que existem na cidade não são interligadas; quando a ciclovia termina, o ciclista tem que disputar espaço com os outros veículos. Como os camelôs serão remanejados? M.L: A intenção é ter no Mercado Municipal um estacionamento subterrâneo e fazer com que a via Morena chegue à avenida Afonso Pena, para dar continuidade até ao aeroporto. Atualmente a Via Morena termina na rua 26 de Agosto e há um estrangulamento Entrevista dessa via pelo camelódromo. A estrutura metálica do camelódromo pode ser retirada e reaproveitada em outro local. Remanejar esses camelôs para a Rodoviária velha e ali também abrigar os vendedores ambulantes, que antes estavam na rua, não significa a retirada dos outros vendedores que já trabalhavam lá. Hoje, cerca de 30% do espaço da Rodoviária é da prefeitura e esse espaço se resume aos terminais e o piso superior correspondente. Há cerca de 300 lojas, das quais 70 estão funcionando. Existem lojas com dívidas enormes com a prefeitura por causa do aluguel e na parte de baixo há um estacionamento para 200 lugares. Nosso objetivo não é tirar ninguém de lá, apenas vamos abrigar os camelôs no local e utilizar o espaço disponível da rodoviária. Queremos fortalecer o comércio do local e estamos formulando, inclusive, um protocolo com diversas instituições para capacitar, dar uma visão empreendedora para esse comerciante. Qual a previsão de início das obras? M.L: Para o ano que vem temos recursos para implantar parte das modificações na 14 de Julho e os recursos da Orla Ferroviária, que fazem parte do contrato com o BID, assinado há dois anos. O complexo da Estação Ferroviária é tombado em nível municipal e estadual e o IPHAN está com um processo, há cerca de quatro anos, para o tombamento em nível nacional. Assim que for aprovado, faremos parte das cidades históricas do país, o que tornaria possível buscar recursos no PAC para a continuidade do projeto. As obras do Plano de Revitalização do Centro estão previstas para durarem 20 anos. Nesse período a cidade não terá mudado? Não haverá outras preocupações e necessidades? M.L: Com certeza. Por isso, em janeiro de 2010 estaremos com esse trabalho concluído, assim como os projetos de lei para regulamentação e implementação das obras. Dentro do plano, certamente nós teremos algumas revisões e haverá um monitoramento das ações através de indicadores. Temos hoje na região central cerca de 400 estabelecimentos comerciais fechados. Um dos objetivos é reduzir esse número. Se o comércio estiver mais forte, mais lojas serão abertas, também haverá maior mão de obra nessa área. Em 20 anos há tempo para cinco mandatos, como a PLANURB pretende garantir que o projeto continue? M.L: Por mais que a gente institua isso numa lei, o único processo que realmente garante essa continuidade é a discussão democrática. Fazemos essa discussão de forma aberta com a população, existe também um Conselho Municipal de Desenvolvimento e Urbanização, que, através de relatorias, acompanha esse projeto na Câmara dos Vereadores. Dentro desse conselho de desenvolvimento estão representantes do conselho regional do centro. A prefeitura trabalha através desses conselhos e do que nós chamamos de “rede viva”, que é a apresentação e discussão do projeto com a população por meio de audiências públicas. Essa é a única forma de garantir a continuidade do projeto, porque começa outro mandato, tudo muda e pode-se, inclusive, mudar uma lei. É assim que esse processo se consolida. [email protected] Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 4 Pesca no MS Nova lei cria polêmica Descerramento da placa durante solenidade Jornalismo da UFMS é homenageado pela AL Em sessão solene realizada no dia 25 de novembro na Assembléia Legislativa, o curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul foi homenageado pelos seus vinte anos de atividades. A homenagem foi uma iniciativa do presidente do Legislativo, deputado Pedro Kemp. Ao ato, compareceram a reitora da UFMS, Célia Maria Oliveira, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de MS, Kleiton Sales, autoridades universitárias, professores, alunos e egressos do curso. Em seu pronunciamento, Pedro Kemp falou da importância do curso de Jornalismo para a democratização da informação e defendeu a exigência do diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista. A reitora destacou a importância do curso no âmbito da universidade e cumprimentou a todos que fizeram e fazem sua história. Falaram ainda o professor Edson Silva, Kleiton Sales e ex-alunos que prestaram diversas homenagens. Ao final, foi descerrada placa comemorativa à data. Muitos egressos participaram da homenagem Muitos egressos participaram da homenagem Ninguém discorda que é necessária aregulamentação da pesca, mas nem todos concordam com as novas determinações Lauanna Alcará A qualquer momento pode ser aprovada a Lei da Pesca de Mato Grosso do Sul, que está criando muita polêmica por regulamentar o uso de petrechos como joão-bobo, bóia fixa e anzol de galho, além de permitir embarcações estrangeiras nos rios do Pantanal. A discordância maior é porque alguns consideram predatório esse tipo de armadilha enquanto outros alegam que sem esses instrumentos os pescadores profissionais não tem como sobreviver. O projeto de lei 119/09, que regulamenta as atividades da pesca no Estado, foi aprovado por três votos contra um pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação. Levado a plenário, obteve vinte votos a favor e três contra, para satisfação dos quase 400 pescadores que acompanharam de perto a votação. Resta agora ser aprovado pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Agricultura, Pecuária, e Políticas Rural, Agrária e Pesqueira. As reações mais incisivas contra a nova lei partem de 22 entidades, que assinaram nota de repúdio e pretendem aproveitar o tempo que cada relator pode ficar com o projeto (até cinco sessões), para tentar reverter a situação. Além da Associação dos Pescadores Amadores e Defensores do Pantanal (Aspadama), que também pretende organizar manifestações e recolher assinaturas contra a nova lei. Representantes da Aspadama afirmam que há pescadores contra a lei e que acreditam que a proposta “é uma lei da pesca predatória”. Para a associação, além da liberação de petrechos, há o problema da definição de pescador profissional, que na lei seria definido como quem vive “principalmente da pesca” e não “exclusivamente da pesca”. O conselheiro da associação, João Ilgenfritz, afirma ainda que “se não se conscientizarem, vão acabar com os peixes e não haverá mais turistas”. 5 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Os pescadores profissionais, representados pela Associação dos Pescadores de Mato Grosso do Sul, são totalmente a favor do projeto. O presidente da Associação, Armindo Batista dos Santos Filho, afirma: “Nós precisamos legalizar a pesca dentro do Estado. A nova lei não está liberando nada que não se pode fazer, que não se possa usar, quer apenas legalizar esta situação”. Para a ONG Ecoa, a lei não depreda o meio ambiente. Seu representante, Jean Fernandes dos Santos, alega que a lei inclusive limita a quantidade de petrechos permitida na lei federal. “O grande problema é que estes deputados desinformados distorcem as informações. Existe um decreto do IBAMA que permite o uso de 25 anzóis de galho para cada pescador, nós estamos limitando este uso para 15. Na lei federal, de julho de 2009, também são permitidos 25. O que nós queremos é regulamentar isso tudo. Nós estamos limitando essa quantidade. A respeito do uso de tarrafas e redes, isto é uma inverdade. Não vai ser permitido, não tem escrito isso em nenhum lugar da lei.” Quanto à definição de pescador profissional, Jean Fernandes explica: “Hoje os pescadores são limitados à atividade pesqueira. O que queremos é permitir que ele tenha a pesca como fonte principal, mas que possa ter também outra fonte de renda”. Ecoa, fundada em 1989 e com sede em Campo Grande, tem unidades ambientais onde atua diretamente: a bacia do rio da Prata, o Sistema Paraguai-Paraná de Áreas Úmidas, o Cerrado e o Pantanal. A instituição tem participação direta desde 2007 na criação deste projeto de lei . Sangue verde A nova lei não afeta somente os pescadores ou interessados na preservação ambiental, mas também os responsáveis pela fiscalização. A determinação de uma quantidade limitada de instrumentos para os pescadores exercerem sua função não é suficiente para proteger a fauna aquática da pesca predatória. O representante da Ecoa afirma que a polícia é muito capacitada, mas reconhece que a fiscalização ainda não é suficiente para a demanda. “A fiscalização é carente de algumas coisas [...]. Mas temos excelentes profissionais dentro da Polícia Militar Ambiental, responsável pela fiscalização.” O sargento Escobar, da Polícia complicada. Diz que nos últimos anos Militar Ambiental do Estado (PMA/ não viu um profissional que esteja numa MS), afirma que “tem que ter o sancondição boa, ganhando dinheiro limgue verde, como diz o nosso comanpo sem problemas. Acrescenta que “a dante. Pra não esquentar a cabeça com maioria tá tudo lascado, só quer trabapernilongo, tomar chuva, sol, frio... tolhar na irregularidade. O atravessador dos fatores adversos que muitos não sempre ganha nas costas deles” e o gostam de passar”. peixe ainda é vendido pelo dobro do Diz ainda que a comunicação é um preço que foi comprado do pescador. dos maiores desafios da fiscalização: “E é um pessoal “A comunicação sofrido, tem esse por celular hoje é outro lado. Às veboa pra nós que Além de abrir o estamos no rio, Pantanal a embarcaçoes zes o cara ta precisando do dinheiro porque às vezes estrangeiras, a nova lei e faz isso mesmo. estamos precisanEle não pensa no do de apoio e tepermite o uso de futuro dos filhos mos como ligar. armadilhas como dele”, ressalta Mas é bom tamjoão-bobo, bóia fixa e Escobar. bém para os infraCom a nova tores, pois eles fianzol de galho. lei, se aprovada, cam monitorando também serão nossas ações. A permitidas embarcações estrangeiras gente tem que usar meios pra poder nos rios do Estado. Para Escobar, burlar essa comunicação do pessoal que as regiões mais críticas são Coxim, pretende praticar a pesca predatória ou Co-rumbá e Bela Vista. “A região de pescar mesmo no período da fronteira é a que mais dá problema. piracema”. Paraguai e Bolívia são terras sem lei, O sargento Escobar desempenha não existe lei de crimes ambientais, a atividade de fiscalização há três anos eles pescam do jeito que querem. e relata que “infelizmente hoje a rede Mas quando a gente pega, a gente ainda é uma das práticas rotineiras”. apreende.” Segundo o Presidente da Associação dos Pescadores, Armindo Batista, “a classe é cem por cento contra a utilizaRegulamentação ção de redes aqui nos nossos rios”. Pescadores, deputados, ambienPorém, fatos revelam situações talistas ou até mesmo curiosos tem suas contrárias. Na operação pré-piracema opiniões a respeito do que deve ser deste ano, mais de 40 pescadores fofeito para garantir um “futuro melhor”. ram presos, e desde o início da São inúmeras as denúncias de piracema em novembro, ocorreram assoreamento e depredação dos rios novas prisões. mas, apesar disso, Mato Grosso do Sul Quanto à condição dos pescadoainda mantém boas áreas preservadas. res, Escobar vê uma situação bastante Um exemplo é o rio Coxim, que ain- Polícia Militar Ambiental apreende peixes fora da medida Pesca no MS da possui grande quantidade de peixes e paisagens preservadas. Escobar concorda: “aquele local ali está bem preservado. Você vê que ainda tem matas e logo em seguida já tem um pedaço bem depredado.” Entretanto, a conscientização da população é precária. Nesta piracema já foi apreendida mais de uma tonelada de pescado em vários estabelecimentos por falta de declaração de estoque. E várias pessoas foram presas não só por pescarem na piracema, mas por utilizarem petrechos irregulares, como a rede. Escobar explica que este ano os peixes começaram a se movimentar antes da época normal da piracema, tendo que ser vigiados para conseguirem alcançar seu destino. “A gente vai acompanhando pra ver se eles chegam até a desova, por que se não o pessoal passa a rede ali e já leva um monte.” Além do acompanhamento, a preservação exigiria atitudes mais severas. Para Escobar a pesca tinha que fechar completamente por um determinado tempo. “Porque, que nem este ano, foi muito atípico... No Pantanal, no rio Paraguai não teve cheia. Foi um ano fora do normal. Você vê que o ciclo dos peixes se desorganizou, tem cardumes de peixes subindo fora de época. No rio Coxim mesmo eu acompanhei um cardume de pintado do lado do Caronal lá, desde maio subindo o cardume, não só de pintado, mas lambari e outras espécies. Desde maio!” A Lei está a dois passos de ser aprovada e não há discordâncias quanto à necessidade de regulamentação da pesca. Mas, apesar de todo o discurso de respeito à natureza, os fatos não condizem com as palavras. Este ano, no primeiro dia de piracema, os policiais autuaram vários pescadores com redes e tarrafas. O próprio filho de Armindo Batista dos Santos Filho, Presidente da Federação dos Pescadores de Mato Grosso do Sul, foi preso pescando com rede em época de piracema, um dia após seu pai fazer a seguinte declaração ao Projétil: “Nós somos totalmente contra o uso de rede. Esta é uma confusão que a mídia está fazendo, mas nós queremos falar sobre o uso de anzol de galho, bóia fixa e joão bobo. Sem estes materiais a gente não trabalha. A nossa classe é cem por cento contra a utilização de redes aqui nos nossos rios”. [email protected] Combate à dengue Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 6 Unidos contra o mosquito Três anos após o maior surto de dengue que atingiu Mato Grosso do Sul, em especial Campo Grande, quais as medidas que estão sendo tomadas para que a história não se repita? Vinicius Bazenga Em 2007, Alexandre Merli Oliveira Lima achou que ia morrer. Ficou internado durante cinco dias, com fortes dores por todo o corpo, principalmente nas costas. Para ele, esses foram os piores dias de sua vida. “Eram dores em tudo, febre nas alturas, mal andava. Achei que ia morrer”. Em 2007, o educador físico Eduardo Bittencourt Bilo veio até Campo Grande visitar seu pai e, pela segunda vez na vida, teve que passar alguns dias de suas férias em repouso, sem vontade de fazer nada. “Era febre sempre acima de 39 graus, muita moleza e dor no corpo, e não tinha paladar nenhum”. 2007 foi o ano em que Mato Grosso do Sul, principalmente Cam- po Grande, foi atingido pelo maior surto da doença que estragou parte das férias de Eduardo e internou Alexandre: a dengue. Com o intuito de evitar que o verão de 2010 seja, para muitos campograndenses e brasileiros, o que 2007 foi para Eduardo e Alexandre, a administração municipal e o ministério da saúde têm colocado em prática ações que visam evitar a reprodução do Aedes Aegypti, o mosquito transmissor da doença. Municipal A Prefeitura municipal de Campo Grande realiza, desde outubro, a gincana “Bairros Unidos Contra a Dengue”. Em sua terceira edição, o principal atrativo da ‘brincadeira’ este ano é o prêmio em dinheiro: 93 mil reais, sendo R$ 30 mil para a equipe campeã. Com o slogan “Mobilize sua família e seus vizinhos e dê uma geral em seu bairro, DENGUE MATA!”, a campanha exige que nesta edição os participantes atuem não apenas em seus bairros, mas nas regiões que registraram grandes focos do mosquito nos anos anteriores. O coordenador da gincana, Juarez Carrilho de Arantes, explica que neste ano o diferencial e principal ponto positivo da iniciativa é o papel de despertar em cada participante a consciência de reeducar as pessoas de seu convívio sobre o que fazer para que a dengue deixe de ser uma preocupação nacional. Para ele, os participantes precisam ser os multiplicadores dessas ideias. Para Arantes, 2009 será o ano da grande virada no combate à dengue. Isso porque nesta edição da competição, além da presença da equipe vencedora de 2007 e 2008, que já possui experiência, outras novas equipes formadas por escolas assumiram o papel de conscientização, devido, especialmente, às iniciativas educacionais realizadas nas salas de aula. “Eles estão mostrando que é preciso entrar nesta guerra”, conclui Arantes. Além da gincana contra a dengue, os técnicos do Centro de Controle de Zoonoses da capital estão sendo treinados por pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e do Ministério da Saúde, como parte integrante do Programa Nacional de Combate à Dengue. O treinamento consiste em explicar aos agentes de saúde como fun- Combate à dengue 7 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS ciona o uso das armadilhas elaboradas para a captura de mosquitos e ovos destes insetos transmissores da dengue. Este programa vai ter dois anos de duração e, durante este período, as armadilhas serão colocadas, durante sete dias úteis de cada mês, nos bairros Guanandi, Vila Carlota e Vila Planalto, locais considerados pelas planilhas do curso como os com grandes focos de incidência da doença. O programa será custeado pelo Ministério da Saúde, que irá fornecer as armadilhas, os palm tops utilizados pelos agentes, e um computador que será usado para a organização das informações e posterior distribuição das armadilhas. Nacional Em âmbito nacional, o Ministério da Saúde lançou, no final de outubro deste ano, as estratégias para a campanha 2009/2010 contra a doença. A campanha pretende dar continuação às ações já realizadas no Brasil para o combate à dengue. Entre 1º de janeiro e 1º de agosto de 2009, as medidas anteriores trouxeram quedas de 63% no número de óbitos, 46% no número de casos gerais e de 80% nos casos graves de dengue se comparados ao mesmo período de 2008. No entanto, os números emvMato Grosso do Sul são menos otimistas. Nas primeiras trinta semanas deste ano, 12.441 casos da doença foram registrados no estado, número três vezes maior dos que os registrados no ano passado. Já em Campo Grande, são 661 casos em 2009, contra os 211 registrados no mesmo período em 2008. Sob o slogan “Brasil Unido contra a Dengue”, o Ministério da Saúde quer alertar a população para a importância de manter a mesma linha de atuação na prevenção da doença, e evitar que o número de casos volte a aumentar. O ministro da saúde José Gomes Temporão esteve em visita a Mato Grosso do Sul no mês de novembro, e afirmou que o estado é um dos seis do país que registrou aumento no número de notificações da doença neste ano. Além da campanha em nível nacional, Temporão disse que o Brasil deve começar a produzir, no prazo de cinco anos, uma vacina contra a dengue. De acordo com o ministro, há uma pesquisa sendo realizada pela Fiocruz, vinculada ao Ministério da Saúde, e uma indústria farmacêutica particular para que esta vacina seja desenvolvida. “É a primeira vez que um laboratório público e uma multinacional se associam para desenvolver uma tecnologia para um problema de saúde pública brasileiro”, disse Temporão. Segundo o ministro, cerca de 155 milhões de reais serão investidos na pesquisa. O governo brasileiro é responsável por metade do investimento e o laboratório privado, pela outra metade. As armadilhas Campo Grande é uma das quatro cidades do Brasil que irão testar as armadilhas atualmente disponíveis para a captura de ovos e adultos do Aedes Aegypti. Além da capital sul-mato-grossense, as cidades de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, Paranamirim, no Rio Grande do Norte, e a cidade paraense de Santarém também receberão as armadilhas. Essas cidades foram Armadilhas para captura de ovos e mosquitos Informes e dicas A divulgação da campanha 2009/1010 de prevenção à dengue será constituída por informes televisivos, palestras para gestores, profissionais de saúde e educadores, entre outras peças publicitárias ainda não divulgadas. Os informes começam a ser veiculados dois meses antes do início do período de maior incidência dos casos da doença, que acontece de janeiro a maio. Serão quatro filmes de TV e cinco spots para incentivar a mobilização social, o combate aos criadouros do mosquito Aedes Aegypti, e o reconhecimento dos sintomas da doença. A novidade este ano é que pela primeira vez as crianças terão um filme direcionado para elas, que pretende convocar os pequenos a integrar a “Turma do combate” e eliminar os focos do mosquito, em casa e na rua. O Ministério da Saúde suegere ainda em seu site medidas preventivas simples que afastam o mosquito das residências quando o cidadão já fez a sua parte mas o seu vizinho não. São elas: Espirais ou vaporizadores elétricos: Devem ser colocados ao amanhecer e/ou no final da tarde, antes do pôr-do-sol, horários em que os mosquitos da dengue mais picam. Mosquiteiros: Devem ser usados principalmente nas casas com crianças, cobrindo as camas e outras áreas de repouso, tanto durante o dia quanto à noite. Repelentes: Podem ser aplicados no corpo, mas devem ser adotadas precauções quando utilizados em crianças pequenas e idosos, em virtude da maior sensibilidade da pele. Telas: Usadas em portas e janelas, são eficazes contra a entrada de mosquitos nas casas. selecionadas devido ao alto índice de infestação do mosquito da dengue em anos anteriores. As armadilhas, desenvolvidas em parceria pelo Ministério da Saúde e a Fiocruz, serão instaladas em residências nos bairros que apresentaram elevado número de focos da doença em anos anteriores. São quatro tipos de armadilhas, que serão colocadas ao nível do solo, em locais de pouco acesso dos moradores. Armadilhas para captura de mosquitos adultos Alimentos Fotos: Laís Inagaki Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 8 Orgânicos terão selo de qualidade Nova lei regulamenta certificado para indicar que os produtos orgânicos comercializados em supermercados foram cultivados sem agroquímicos Flávia Melo Laís Inagaki Os consumidores terão a garantia de que os alimentos orgânicos encontrados nos supermercados são realmente livres de agrotóxicos, adubos químicos, transgênicos e outras substâncias sintéticas. Além disso, esses alimentos devem resultar de sistemas produtivos em que se faça uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando-se as relações sociais e culturais. De acordo com as novas regras, para conseguir a certificação dos alimentos e poder comercializá-los como orgânicos, os produtores e processadores deverão se cadastrar no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A certificação dos orgânicos tem sido também uma exigência de amplos segmentos do mercado mundial especialmente voltados para a qualidade dos alimentos. E o Brasil tem grande interesse em garantir espaço e boa imagem nesse mercado. Segundo dados da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos, em 2004 o Brasil exportou US$ 115 milhões em produtos orgânicos. Os maiores compradores foram América do Norte (51%) e Europa (46%), onde a população está preocupada em consumir alimentos comprovadamente mais saudáveis e produzidos de forma sustentável. Novos prazos A data limite para os produtores conseguirem a certificação seria até o dia 30 de dezembro deste ano, mas segundo o técnico do setor de políticas agrícolas da Superintendência Federal de Agricultura (SFA/MS), Augusto César Pessoa de Farias, o prazo deverá ser adiado para o final de 2010. “Até agora ninguém apresentou a documentação necessária, então não vai dar tempo de conseguir a certificação até o final do ano”. As instruções normativas que tratam da regulamentação dos orgânicos foram publicadas no Diário Oficial da União em maio deste ano. Preveem a obrigatoriedade do uso de boas práticas de manuseio e processamento dos alimentos e que seja possível saber os métodos de controle e informação da qualidade desses produtos. De acordo com o técnico da SFA, a medida cria uma ferramenta de controle da qualidade do alimento e ga- rante ao consumidor, através do selo do Ministério, que o produto orgânico vendido no supermercado está livre de agroquímicos. Segundo Farias, há três tipos de certificação: por Controle Social, indicada para cooperativas, associações e consórcios, que serve apenas para comércio local e venda direta, sem sair do município; por Organismos Participativos, que tem um selo da entidade fiscalizadora e um do Mapa, indicada também para cooperativas, associações e consórcio, que serve para comércio nacional; e por Auditoria, que já é utilizada para os agricultores que exportam seus produtos, geralmente utilizada apenas por grandes produtores em função do elevado custo. Conforme o presidente da Asso- Alimentos 9 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS dutor decidiu experimentar o cultivo orgânico. “Quando eu já tomava conta da fazenda é que resolvi experimentar uma coisa diferente. Também porque os custos com insumos para manutenção da lavoura eram muito altos", conta. Para cultivar produtos orgânicos, Komori teve de fazer grandes investimentos nos primeiros anos. A conversão do convencional para o orgânico foi radical. Ele deixou de utilizar qualMuito complexo quer insumo proibido pelas normas de Em Mato Grosso do Sul, 12 proprodução orgânica, o que acarretou priedades já possuem certificação por vários problemas. “O período de conauditoria. Dessas, oito criam boi orgâversão para lavouras permanentes é de nico, uma produz soja e as outras três três anos, mas isso varia são do setor de horde acordo com as contifruti. O produtor dições de desequilíbrio Francisco Haruo Sasáki "Como a mídia ambiental de cada proé dono de uma delas. tem falado muito priedade. No meu caso, Cultiva 17 tipos de horda qualidade dos somente após cinco taliças numa área de anos é que algum resulquatro hectares, no muprodutos tado começou a surgir”. nicípio de Terenos, e orgânicos, muita Ainda conforme sempre quis trabalhar Komori, durante o pecom uma atividade susgente quer de conversão, a tentável. “Em 2002 eu comprar, então o ríodo produção orgânica é comprei a propriedade preço aumenta" mais cara. “Iniciar a projá pensando em fazer dução orgânica numa orgânico. A terra teve propriedade totalmente que descansar durante degradada ecologicamente – como a dois anos, até a vegetação se recommaioria das propriedades da nossa repor”, conta. Mas os cuidados não se gião – acarreta altos custos e tempo limitam ao manejo do solo. “A água para resgatar o seu equilíbrio e a capanão pode estar contaminada e os funcidade produtiva dos seus solos”. Após cionários devem estar registrados. Além o equilíbrio do sistema produtivo, os disso, tem as regras com transporte, arcustos tendem a diminuir por não ser mazenagem e rotulagem”. necessária a utilização de insumos exSó a Associação de Produtores de ternos e também pela redução de mão Orgânicos de Mato Grosso do Sul de obra. (APOMS) tem 200 famílias distribuídas pelos municípios de Jaraguari, Oferta e procura Dourados, Ponta Porã, Glória de DouApesar dos custos da produção rados, Ivinhema, Nova Andradina, orgânica serem, a médio prazo, pratiItaquiraí, Juti e Bonito. Segundo o cocamente iguais aos da convencional, ordenador da APOMS, Olácio os preços no supermercado são muiMamoru Komori, a Associação terá a to diferentes. Segundo Augusto César certificação por organismos de Farias da SFA/MS, os alimentos participativos. “Os produtores ligados orgânicos são mais caros porque os à APOMS almejam a construção do supermercados utilizam o produto Sistema Participativo de Garantia da para atrair consumidores com alto Qualidade Orgânica (SPG) e, já em poder aquisitivo. “Também tem a conversação junto à Comissão Estaquestão da oferta e da procura. dual da Produção Orgânica Como a mídia tem falado muito da (CEPOrg/MS), apresentarão, no iníqualidade dos produtos orgânicos, cio de 2010 os documentos solicitanmuita gente quer comprar, então o do o credenciamento como Organispreço aumenta”. mo Participativo de Acreditação e Com preços mais acessíveis, a feiControle”. ra de produtos orgânicos, que aconteKomori é produtor e processador ce todas as quartas-feiras de manhã na de café orgânico em Glória de DouPraça do Rádio Clube, oferece alimenrados. Sua fazenda já produzia o grão tos de qualidade à população de Camde forma convencional, utilizando ferpo Grande. É promovida pela Secretilizantes, agrotóxicos e adubos químitaria Municipal de Desenvolvimento cos havia 46 anos. Mas em 1998 o prociação de Produtores e Processadores de Orgânicos do Brasil (Brasil Bio), José Alexandre Ribeiro, a produção de orgânicos no país cresceu 40% no ano passado e 90% do que é produzido vem da agricultura familiar. Além disso, as novas medidas do Mapa devem abrir o mercado para mais produtores e para as empresas de alimentos processados. Econômico, de Ciência e Tecnologia e do Agronegócio (Sedesc), com apoio do Mapa. Desde o dia 23 de setembro deste ano, cerca de 50 pequenos agricultores comercializam seus produtos nesse espaço. Cleuza Sampaio da Costa começou a produzir orgânicos há apenas seis meses e acredita que o cultivo é mais trabalhoso. “A gente tem que usar receitas caseiras com pimenta, alho, cinza, fumo e urina de vaca para não ter pragas. Mas nem sempre essas receitas dão certo, e então tem que fazer de novo. Da forma convencional, a gente passava veneno uma vez a cada 15 dias e podia ficar tranquilo. Agora tem que ficar cuidando a cada três dias”. Segundo a diretora de Agronegócios da Sedesc, Karla Espíndola, os agricultores que trabalham na feira são assessorados pela prefeitura e estão no período de conversão. “Como eles vendem os produtos de forma direta, não precisam de selo. Além disso, os três anos do período de conversão são necessários apenas para obter a certificação”. [email protected] [email protected] Alimentos orgânicos são mais nutritivos Pesquisas indicam que o alimento orgânico tem maior diversidade de vitaminas, sais minerais e outras substâncias importantes para a saúde do que o alimento convencional. De acordo com a professora de nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Osvaldinete Lopes de Oliveira, a composição química dos alimentos depende de muitos fatores, que vão desde o tipo de solo ao grau de maturação. “Estudos mostram que a fertilização química do solo aumenta o conteúdo de nitratos, oxalatos e outras substâncias indesejáveis e diminui o conteúdo de vitamina C. Já na agricultura orgânica, observa-se maior produção de certos nutrientes, especialmente os minerais”. Em trabalho científico publicado em 1993 no Journal of Applied Nutrition, o cientista Bob L. Smith comparou os teores de minerais e metais pesados no trigo, no milho, na batata, na maçã e na pêra produzidos de forma orgânica e convencional. Smith observou que os alimentos orgânicos têm maiores teores de cálcio (63%), ferro (59%), magnésio (138%), fósforo (91%), potássio (125%), selênio (390%), zinco (72,5%). Já o conteúdo de metais pesados como mercúrio (25%), chumbo (29%) e alumínio (40%) é maior nos alimentos convencionais. Ainda não está comprovado cientificamente, mas alguns estudos tendem a confirmar a crença popu-lar de que o sabor dos alimentos orgânicos é melhor. Segundo a nutricionista, as características do alimento são influenciadas por vários fatores como grau de matu-ração, composição do solo e, sobretudo, a avaliação subjetiva de qual sabor é o melhor. A consumidora Maria Marreira não vê diferença de sabor entre os alimentos orgânicos e os convencionais, mas afirma que prefere comprar os que são produzidos sem agroquímicos. “É mais caro, mas como são produzidos de forma natural, são mais saudáveis. A gente acaba pagando mais pela saúde”. Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 10 500 mil árvores em 3 anos Súzan Benites Área Verde Além da revitalização das árvores centenárias, Campo Grande amplia ainda mais sua cobertura vegetal Na avenida Mato Grosso concentram-se algumas das árvores mais antigas de Campo Grande, que recebem cuidados especiais Súzan Benites “As árvores são vistas apenas como sombras para os carros”, diz o engenheiro florestal para explicar que “as pessoas não se atentam para a função ambiental e nem para a influência das árvores sobre o clima”. Na verdade, nem sempre as pessoas sequer percebem a presença de certas árvores que, por seu porte, beleza ou idade, mereceriam senão reverência, pelo menos maiores atenções. Apesar de ser uma cidade jovem, Campo Grande já tem suas árvores quase centenárias, a maioria delas plantadas em 1914, quando o prefeito Dr. Arlindo de Andrade Gomes mandou trazer do Jardim Botânico do Rio de Janeiro cerca de mil mudas. Foi o primeiro plano de arborização da capital, que se estendeu pelas ruas Dom Aquino, O último trabalho de recuperação foi passando pela 14 de Julho, Calógeras, realizado em fevereiro de 2005, 13 de Maio, Cândido Mariano, Barão direcionado a 50 exemplares de ingás e fido Rio Branco, 15 de Novembro, gueiras, mas mesmo essas já pedem novas Afonso Pena e Mato Grosso. Em muiatenções pelas ações tas dessas ruas já do tempo e de pragas não existe nem como os cupins. Conlembrança dessas “Se todo mundo o secretário-adárvores. As que cuidasse do seu quintal forme junto da Secretaria Muresistem até hoje e plantasse a sua árvore, nicipal de Meio Amestão a maior biente e Desenvolviparte nas avenia cidade ficaria mais mento Urbano das Afonso Pena bonita e o ar mais (Semadur), João Ale Mato Grosso. fresco”. berto dos Santos, “o E é sobre 80 destratamento das árvosas “senhoras” Ninfa Ferreira res é importante, pois quase centenárias estas trazem a melhora que recaem as climática e da paisagem. E, por isso, precimaiores atenções do Plano de Resam de cuidados especiais”. vitalização das Árvores Centenárias de Campo Grande, iniciado em 10 de ouO tratamento tubro com término previsto para 10 de O cuidado com as árvores inclui dezembro. nutrição, tratamento fitossanitário e podas de limpeza e adequação. Para a recuperação nutricional das árvores são feitos no chão buracos de aproximadamente 25 cm, onde é depositado um adubo especial oriundo do processamento biológico de lixo orgânico urbano. Cada árvore recebe 100 kg de adubo por ano. As podas são de quatro tipos: a de limpeza, que retira galhos secos e partes adoecidas da planta; a de manejo, em que são retirados os galhos de áreas indesejadas e brotações desnecessárias; a de adequação, que retira os galhos que de alguma forma interfiram na urbanização; e a poda de emergência, que tira os galhos que ofereçam algum tipo de risco para a população. Com esses cuidados, garantem os técnicos, o tempo de vida dessas árvores será maior, para que cheguem 11 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS 500 mil árvores Campo Grande é uma das cidades mais arborizadas do país. Enquanto a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) define 15 m²/ habitante como o índice mínimo ideal de cobertura vegetal, Campo Grande atinge 74 m²/habitante. De acordo com João Alberto, da Semadur, “além de manter, é preciso recompor o índice de cobertura vegetal da capital”. Por isso foi criado o Programa de Arborização Urbana. O programa visa “aproveitar os efeitos benéficos ambientais e paisagísticos da arborização, que contribui para o controle da poluição atmosférica, sonora e visual na cidade, promovendo a melhoria da qualidade de vida dos seus moradores”. O objetivo é “incrementar o número de árvores, porque algumas regiões da cidade são menos arborizadas que outras” explica Juliana de Mendonça Casadei, chefe da Divisão de Fiscalização e Políticas Sustentáveis e Educação Ambiental. Ela acredita que até o começo de 2010 já terão sido plantadas as 70 mil mudas previstas para a fase inicial. 30 mil já foram distribuídas à população na véspera do Dia da Árvore, 20 de setembro. Segundo Juliana, “o plano é ousado, pois a meta é atingir 500 mil árvores até 2012”. Estão sendo priorizadas as áreas que integram regiões urbanas cujo índice de cobertura vegetal encontra-se em valores menores que a média do município. As espécies nativas são distribuídas principalmente nas áreas de Preservação Permanente (APPs). A região do Prosa é a mais arborizada da capital, com uma cobertura vegetal de 154 m²/habitante. E a região menos arborizada é a do Lagoa, com 35 m²/ habitante. De acordo com Juliana, é importante rearborizar as matas ciliares para a conservação das nascentes. “E é necessário o plantio contínuo porque a vegetação ameniza o efeito estufa no meio urbano à medida que contribui para a manutenção do equilíbrio climático”. O efeito imediato contra o aquecimento global é perceptível pelo controle da temperatura, pois sua influência está relacionada ao controle da radiação solar, da ventilação e da umidade relativa do ar. A educação ambiental também é meta do projeto: “Realizamos plantio nas escolas para que as crianças cresçam com consciência de que é pre- ciso cuidar da nossa cidade”, diz Juliana. Além dos resultados obtidos com a distribuição das árvores e o plantio que está sendo realizado, ela acredita que “o campo-grandense valoriza essa característica da cidade. As pessoas, em sua maioria, ajudam a cuidar da vegetação. Porque é cultural sentar em frente às suas casas para tomar tereré em baixo da sombra de uma árvore”. A acadêmica Aline Peixoto não se entusiasma com a ideia de distribuir mudas: “Não acredito que funcione. Tem que cuidar é das áreas verdes já existentes. Por exemplo, no Parque dos Poderes uma boa parte da área foi reduzida por conta dos condomínios de luxo. O projeto de arborização em si é bom, contudo, eles têm que fazer alguma fiscalização, porque só plantar e não cuidar vai ser um trabalho em vão”. Para o futuro Segundo estatísticas da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, com o plantio de 500 mil árvores até 2012 o índice de cobertura vegetal da cidade será elevado para 81 m²/habitante. Um estudo do Observatório do Clima (Rede Brasileira de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais em Mudanças Climáticas), publicado em junho de 2009, assegura que a temperatura média no Brasil subiu cerca de 0,75ºC ao longo do século 20, o que deve ser visto como sinal de alerta para a promoção de mudanças em cada localidade. A melhor arborização da capital serve para promover melhorias no microclima da cidade, que já sente suas implicações no aumento da temperatura média local. Segundo o Portal SOS Mata Atlântica, seis árvores são suficientes para compensar o que um carro a gasolina lança no ar em forma de poluentes. Se esse cálculo, extremamente otimista, estiver correto, poderíamos dizer que as 70 mil árvores plantadas em Campo Grande representam a neutralização do carbono emitido por mais de 12 mil veículos. E se a meta de 500 mil árvores plantadas for alcançada, estaríamos compensando os prejuízos ecológicos de aproximadamente 83 mil carros. [email protected] Súzan Benites ao centenário frondosas, bonitas e fortes. Além, é claro, da melhora do visual e de sua função ambiental. “É necessário que acompanhemos o desenvolvimento dessas árvores, que a manutenção seja contínua. Por isso temos que fazer o monitoramento”, explica Rubens Nogueira da Rosa, engenheiro florestal responsável pela revitalização das árvores. Rubens acha que é preciso ainda desenvolver uma cartilha destinada aos profissionais que fazem a manutenção das árvores, com instruções completas sobre a maneira correta de se fazer a poda. “Se não for feita da maneira correta pode-se até matar a árvore. Por isso, é preciso orientar bem as pessoas que exercem essa função”. Mas não é preciso ser técnico para notar os benefícios desses cuidados. A costureira Ninfa Ferreira diz ter percebido diferença na paisagem: “Quando você passa pela Afonso Pena tem a sensação de que o centro está mais limpo, porque as árvores estão mais bonitas e parecem até maiores”. Ninfa acha que “se todo mundo cuidasse do seu quintal e plantasse a sua árvore, a cidade ficaria mais bonita e o ar mais fresco”. Área Verde Dentro de três anos teremos árvores suficientes para compensar a poluição de mais 83 mil carros Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 12 Aline Saraiva Projeto Social Conheça o projeto sul mato-grossense que é referência em todo o Brasil Aline Saraiva “Tia, você vai mostrá isso pra juíza? E vai arrumá um padrinho pra mim?”, pergunta Patrícia, de sete anos, e logo explica o porquê: “pra eu ir pra casa dele nos fins de semana!”. Em um terreno grande, perto da Avenida Zahran, três casas abrigam crianças e adolescentes afastados de suas famílias e com processos de guarda correndo na Justiça. Protegidos pela Vara da Infância e Juventude, os abri- gos são como casas normais, a exemplo da Casa da Criança Peniel, uma organização cristã, não-governamental, que tem 43 abrigados. As crianças desta Casa, mesmo com pouca idade, já têm muitas histórias para contar. Como os irmãos Gabriela, de 12 anos, João e Sabrina, gêmeos de 11 anos, que esperam adoção: “Eu não conheço meu pai. Minha mãe e meu tio roubaram, minha irmã mais velha matou um cara, e todos eles estão presos há dois anos”, conta Sabrina. Mas, por mais complicado que seja o histórico familiar, para as crianças é muito difícil se separar da família para morar em casas de abrigo junto com pessoas desconhecidas. Visando amenizar essa situação e aproximar essas crianças da sociedade, em 26 de junho de 2000 foi lançado em Campo Grande o Projeto Padrinho, por iniciativa da juíza da Vara da Infância e Juventude, Maria Isabel de Matos Rocha. Hoje o Projeto atende 11 abrigos com 154 moradores, na capital e nas cidades de Aquidauana, Corumbá, Rio Brilhante, Coxim e Jardim. Apesar de receberem moradia, alimentação, cuidados básicos e educação, o desenvolvimento psicossocial das crianças é afetado. Carência afetiva, baixa auto-estima, atrasos no desenvolvimento psicomotor, além de sentimento de culpa. Segundo a coordenadora do Projeto, Rosa Pires de Aquino, alguns abrigados acham que estão nessa condição por terem sido desobedi- Projeto Social 13 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Quem apadrinha São quatro os tipos de apadrinhamento. Como explica a funcionária do Projeto, Rosângela de Oliveira, há o “padrinho afetivo”, que dá carinho e atenção para a criança ou adolescente, levando-a para passear nos finais de semana; a “família acolhedora”, que abriga a criança em sua casa enquanto a Justiça decide o caso; o “padrinho prestador de serviço”: dentistas, fisioterapeutas, professores e outros profissionais que prestam serviços gratuitos; e há a empresa, entidade ou instituição que apadrinha material ou financeiramente, presta serviços, realiza atividades culturais, de lazer e de formação profissional. No caso de irmãos, a juíza tenta ao máximo fazer com que eles não se separem, mas nem sempre isso é possível. João, que já tem padrinho, comenta “eu quero ser adotado, eu e minhas irmãs! Mas tem que ser eu em uma esquina e elas em outra”. Mas, se é difícil conseguir padrinhos para os abrigados, mais difícil ainda é conseguir a adoção. Com o apadrinhamento, que na maioria dos casos é afetivo, as crianças saem dos abrigos no sábado à tarde e voltam no domingo. Parece pouco tempo, mas para eles significa tanto, que os que ainda não tem padrinho são loucos por um. “Na casa do meu padrinho eu como uva, assisto televisão, tomo banho de piscina, saio para passear, ganho presente”, conta Gabriela, com um enorme sorriso no rosto. A maioria dos padrinhos são de classe média e com filhos adolescentes ou adultos. O Projeto Padrinho não visa à adoção, mas há 52 casos em que os padrinhos adotaram seus afilhados. Christofer, de 13 anos, conta que seus padrinhos falam em adoção. “Meus padrinhos são pastores. Eles já pediram para a juíza para me adotar, mas agora eles estão viajando muito e desde junho não vou para a casa deles”. Este menino é do Rio Grande do Sul, e desde 2005 está em Campo Grande. Sua vida nos abrigos começou cedo. Aos sete anos foi para um abrigo, já que o pai chegava bêbado em casa e batia em sua mãe. Depois de algum tempo retornou à família e veio para Mato Grosso do Sul, mas a história se repetiu e ele voltou para o abrigo. Hoje voltam no domingo. “Eu jogava bola com meu padrinho, tomava banho de piscina, fazia churrasco, comia um monte de coisa” conta Christofer. No processo para se tornar um padrinho, a pessoa, maior de 18 anos, preenche um cadastro de voluntário e recebe a visita de um assistente social para uma entrevista. É gerado um relatório, que é avaliado por um psicólogo e receberá o parecer de um juiz. Em seguida, a equipe do Projeto Padrinho entra em contato com o voluntário, para escolha do afilhado. A criança ou adolescente é escolhida pela psicóloga, de acordo com o seu perfil e o do padrinho. Para quem deseja saber mais, ou se tornar um padrinho, basta ir à sede do Projeto Padrinho, no Fórum de Campo Grande e fazer seu cadastro. Mas, como lembra a coordenadora, “é importante frizar que o projeto não encurta o processo de adoção. Se você deseja adotar uma criança deve ir direto na Vara da Infância e Juventude”. Duarte, 21 anos, trabalha como educador social há um ano na Casa Peniel. Corumbaense que já trabalhava com crianças, foi convidado a vir para Campo Grande. Mora no abrigo com as crianças e outra educadora. “Neste ano Prêmio nacional que moro aqui, já vi duas crianças serem adotadas e muitas voltarem às suas A iniciativa do Poder Judiciário de famílias.” Mato Grosso do Sul teve maior recoEle conta que nhecimento em as crianças ficam 2007, quando ansiosas para que conquistou um “É importante frizar chegue o final de prêmio nacional: que o projeto não semana para elas primeiro lugar na irem com os pacategoria “Poder encurta o processo de drinhos, e que os Judiciário”, no adoção, se você deseja voluntários levam concurso “Mude adotar uma criança deve as crianças para um destino”, reapassear em parlizado pela Assoir direto na Vara da ques e praças, e ciação dos MagisInfância e Juventude”. assim amenizam a trados Brasileiros falta das outras – AMB. crianças e do próO prio padrinho. apadrinhamento é importante para que Dentro do abrigo durante a semana as as crianças, na incerteza do futuro, não crianças têm horários, obrigações, atipercam saúde, alegria, motivação para vidades de esporte e lazer, e nos fins estudar, esperança e, acima de tudo, não de semana saem no sábado à tarde e tenha seus direitos preservados. Rafael a família perdeu a guarda de Christofer e ele espera ser adotado. Mas sua vontade era “voltar para o Sul e morar com minha vó”. * Os nomes das crianças são fictícios [email protected] O que os números mostram Aline Saraiva entes com seus pais. E outros não, já entendem os reais motivos: abuso, abandono, vícios dos pais, etc. - Segundo o Levantamento Nacional do IPEA (2004), no Brasil há 589 abrigos, sendo que 65% destes são não governamentais; - 58,6% dos abrigos brasileiros foram criados após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990; - A pesquisa do IPEA (2003) apontou como principais motivos de abrigamento a pobreza, o abandono, a violência doméstica, a dependência química dos responsáveis, a violência de rua e a orfandade; - A Associação dos Magistrados Brasileiros estima que existem cerca de 80 mil crianças em situação de abrigo, em âmbito nacional. - O levantamento feito pelo IPEA/ CONADA (2004) mostrou que a maioria dos abrigados é: 58,5% meninos; 63,6% afro descendentes; 61,3% têm entre sete e 15 anos e 11,7% têm menos de três anos de idade. - Nem todas as crianças e adolescentes que vivem nos abrigos podem ser adotados. Apenas 10,7% estão judicialmente disponíveis para adoção, seja porque seus pais entregaram para adoção ou perderam o poder familiar por decisão da justiça. Jogos de azar Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 14 O lugar da sorte Kleomar Carneiro Breno Vilalba acabava de almoçar quando fora informado sobre a vaga que sobrou no carro, já que seu irmão desistiu de viajar. Logo telefona para Jorge Santos*, convidando-o para ir a Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia que faz fronteira com Ponta Porã, no sul de Mato Grosso do Sul. Jorge ainda não responde, primeiro verifica se seu dinheiro é suficiente. Faz as contas, só então devolve uma resposta positiva a Breno e começa a arrumar as malas. Antes, liga para o trabalho e pede para ser dispensado do restante do expediente. A liberação no emprego é tranquila, sem que Jorge precise inventar desculpas. Pegam a estrada sob o sol forte do início da tarde. Seis horas depois do telefonema eles chegam em Ponta Porã. Como não tinham reservas, saem à procura de um hotel. A movimentação de turistas é intensa na cidade. O feriado em respeito ao dia da consciência negra, celebrado em alguns municípios brasileiros, somado à baixa cotação do dólar, gera grande volume de visitantes, a maioria em busca dos baixos preços do comércio local. Ao contrário deles, Jorge e Breno vão a Pedro Juan atraídos pelo torneio de pôquer promovido pelo Hotel Casino Amambay. “R$ 25.000,00. Ponha as cartas na mesa. Aposte em você”, é o mote estampado no cartaz espalhado pela cidade. É assim, para conseguir encontrar um cassino sem desrespeitar a lei, Breno e Jorge enfrentam 336 Km de distância e quatro horas de viagem. No Brasil, a proibição dos cassinos e jogos de azar foi instituída em 30 de abril de 1946, pelo decreto-lei n° 9215, assina-do pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. O ato “a favor da tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro” gerou forte prejuízo à economia de cidades que viviam do turismo liga-do aos jogos, como Petrópolis, no Rio de Janeiro. Na época, existiam 71 cassi-nos no Brasil que empregavam mais de 53 mil pessoas. Paraguai, juntamente com Uruguai Você só sente o coração bater mais forte quando faz a primeira aposta. Não senti medo, apenas nervosismo e ansiedade, mas não tremia” e Argentina, acolhe esses “turistas do jogo”, brasileiros que querem apostar sem se deslocarem muito. Na constituição paraguaia, a exploração dos jogos de “suerte o azar” é estabelecida pela lei 1.016/97. Assinada em 30 de junho de 1997 pelo ministro da Fazenda Miguel Angel Maidana Zayas e pelo presidente Juan Carlos Wasmosy, a lei autoriza várias modalidades de jogo, como black jack, roleta, bingo, dados e máquinas de caça-níquel. A fiscalização, emissão e controle de licitações dos cassino, válidas por cinco anos, são responsabilidades do CONAJZAR, Comisión Nacional De Juegos De Azar. Cinco membros compõem a comissão. Um representante do ministério da Fazenda, um do ministério do Interior, um entre os governadores estaduais, indicado por maioria simples de votos entre os governantes, um também entre os prefeitos, e outro da DIBEN, Dirección de Beneficencia y Ayuda Social. O artigo 25 da lei prevê que a concessão para exploração dos cassinos será liberada exclusivamente para Assunção e os estados de Alto Paraná, Itapúa, Amambay, Cordillera, Misiones e Central. Somente poderão funcionar mais de um cassino nas cidades dos estados com mais de duzentos e cinquenta mil habitantes. De acordo com os artigos 28 e 30, os recursos arrecadados provenientes dos jogos de azar deverão ser destinados à administração nacional, aos setores de saúde pública, educação escolar e bem-estar social, “preferencialmente em capital ou equipamentos”. Do total arrecadado, 30% são destinados ao município, 30% ao estado, 30% à DIBEN e 10% vão para o Tesouro Nacional. De janeiro a setembro de 2009, a CONAJZAR arrecadou mais de US$ 8 milhões, 13,37% a mais em relação ao recolhi-mento do ano passado. Além da receita gerada pelos im- postos, os cassinos movimentam a economia, empregam funcionários e contribuem para o crescimento do tí-mido turismo paraguaio. Breno, hoje com 18 anos, frequenta o Hotel Casino Amambay desde os oito anos, quando acompanhava seu pai. “Eu ficava só nos caça-níqueis. Não era tudo eletrô-nico como é hoje. Não tinha nem tele-bingo, e ainda era aquela máquina com manivela”, recorda. Para Jorge, essa é a primeira visita a um cassino. Acostumado com a grandiosidade de Las Vegas, retratada por Hollywood, Jorge se frustra. “Não sei, esperava aquela coisa que a gente vê nos filmes. “Achei pequeno, não porque o lugar é pequeno, mas porque esperava que fosse bem maior.” Ele passa rápido pelo corredor de entrada, com uma parede de espelhos e várias máquinas de apostas eletrônicas do ou-tro lado. Vira à direita, acompanhando Breno, e segue direto para o local onde ocorre a 84ª edição do torneio de pôquer do Amambay, no canto do saguão. Como não querem competir entre si, Breno sugere que Jorge se inscreva primeiro. Pelas regras da disputa, cada mesa é composta por oito jogadores, distribuídos conforme a ordem de inscrições. Jorge paga a taxa de R$ 250,00 e aguarda ser chamado para a quarta mesa do campeonato. Como é noite de sexta, o cassino está cheio. Muitos garçons circulam constantemente entre os clientes, levando bebidas e comida aos apostadores. Num dos cantos do saguão principal há um pequeno palco, com o letreiro “Le Concert” em azul escuro. Ali músicos se apresentam, invariavel-mente tocando sucessos internacionais, além das conhecidas músicas para-guaias. Mas é pela roleta que Jorge se interessa. “Então, se eu acertar o nú-mero eu ganho 35 vezes a minha aposta?” Ele analisa e questiona os movimentos dos apostadores, ten-tando entender a ló- gica do jogo. Não tem tempo suficiente, pois Danielle Marques, gerente de marketing do cassino e coordenadora do torneio de pôquer, o alerta sobre o início da competição. Do Texas para Pedro Juan Há muito espaço para debate e poucas provas que evidenciem a origem do pôquer. Nos torneios do Hotel Casino Amambay se joga a variante Texas Hold’em, cuja criação é oficialmente atribuída à cidade de Robstown, no Texas, por volta do início do século XX. Em 1967, um grupo de apostadores texanos introduz o Texas Hold’em em Las Vegas. Aos poucos o jogo ganha popularidade nos Estados Unidos e em 1969 acontece o primeiro torneio, durante a “Second Annual Gambling Fraternity Con-vention”. No ano seguinte, os direitos da convenção, que inclui o campeonato, são vendidos a Benny e Jack Binion, donos do Binion’s Horseshoe Casino. Eles alteram o nome do evento para World Series of Poker, que em 1971 tem o Texas Hold’em como main event da convenção. Graças às câmeras posicionadas embaixo de uma mesa de vidro, a série britânica de televisão “Late Night Poker”, criada por Nic Szeremeta, em 1999, foi um sucesso instantâneo. Pro-duzida no Reino Unido pelo Channel 4, o programa pagava o equivalente a R$150.000,00 ao vencedor. O extra-ordinário êxito do programa gerou maior interesse pelo Texas Hold’em. Pouco tempo depois, séries no mesmo segmento surgiram nos Estados Unidos. Foi com a cobertura do World Series of Poker pela rede ESPN que o Hold’em teve sua explosão de popularidade. O ganhador dessa edição, em 2003, foi Chris Moneymaker, um jogador inexperiente, que havia conquistado uma vaga para o torneio através da internet. A vitória de Moneymaker alimentou a ideia de que qualquer pessoa pode se tornar um campeão mundial. Jorge e Breno foram influenciados pela fama crescente do pôquer 15 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Texas Hold’em. Há quase três anos eles jogam em reuniões feitas em casas de amigos, apostando quantias modestas, de R$ 50,00 no máximo. “A diferença entre Campo Grande e Pedro Juan é que em Campo Grande só tem amador”, Breno ironiza. Jorge avalia que as regras no cassino “são mais rígidas, influenciam mais no seu jogo”. “Em Campo Grande ninguém aposta alto. O jogo é monótono. Eu sempre jogo aloprado. No cassino não dá, os jogadores são melhores.” A definição de uma quantia fixa inicial, com a qual todos os competidores começam o jogo, é padrão nos campeonatos de Texas Hold’em. No Amambay, cada jogador recebe dez mil em fichas de várias cores. As vermelhas valem 100 pontos, as azuis 500, as verdes 1000 e as pretas equivalem a 2000 pontos. O valor da aposta mínima obrigatória, conhecida como blind, cresce a cada doze minutos. Isso força os apostadores a traçar uma estratégia para conseguir superar os adversários. Pelo ordenamento das inscrições, Jorge se senta ao lado esquerdo da crupiê, uma morena de cabelos encaracolados e expressão sempre fechada. Próximo a Jorge está Fabinho, conhecido na região devido a sucessivas participações no site PokerStars.net. Ele protagoniza a primeira jogada da mesa quatro. Tinha em mãos o jogo perfeito, uma sequência de 10 ao Ás, com todas as cartas do naipe de Copas. Um começo forte, mas não assusta Jorge, que não havia apostado nessa rodada. “Você só sente o coração bater mais forte quando faz a primeira aposta. A primeira que fui, eu ganhei. Não senti medo, apenas nervosismo e ansiedade, mas não tremia.” Enquanto Jorge vence o nervosismo e tenta impor seu jogo, Breno se distrai nas máquinas caça-níqueis. Na realidade, nenhuma das máquinas do Hotel Casino Amambay funciona com moedas. O apostador insere notas que são diretamente convertidas para créditos. Caso ele tenha “lucrado”, um botão chama a atendente que reconverte o valor em créditos para dinheiro. Apesar do cassino ficar no Paraguai, todas as apostas são feitas em real, e não em guarani, moeda local. Dezenas dessas máquinas estão espalhadas pelo cassino, além das duas seções reservadas somente para elas. Esses ambi-entes são mais escuros, a iluminação vem quase toda dos monitores dos aparelhos. São vários os tipos e moti-vos, uns têm figuras de monstros, outros de piratas e mágicos, mas o sistema do jogo é o tradici- Jogava há bastante tempo, mas essa foi onal. Cada combinação de elementos a primeira vez que joguei com essas na tela equivale a uma pontuação. Os regras, nesse estilo.” Vários competiefeitos sonoros produzidos pelas mádores, ao serem eliminados, fazem quinas são constantes, impedindo o sioutra inscrição para compor uma nova lêncio. Nesses espaços, a circulação de mesa. Não há restrição para isso, mas mu-lheres e crianças é maior, mesmo Jorge já gastou R$ 500,00, o que não é com o aviso, colado na parede, proipouco para ele. Sua aparência é de debindo a permanência de menores de 18 cepção, talvez um pouco assustado. anos no local. “Eu não me arrependo de ter jogado, Mais uma vez Danielle entra em nem das jogadas que fiz. Acho que pocena. Agora é a vez de Breno começar deria ser melhor eu não ter comprado o campeonato. Na mesa cinco a méo rebuy, para poder entrar em outra dia de idade dos jogadores é menor. mesa, mas eu me empolguei. Não era Entre todos da competição, Breno é o esse o meu plano”. mais novo. Nessa mesa também está a Agora ele precisa aguardar Breno, única mulher do torneio, uma loira atraque ainda está jogando. Para se distrair ente, por volta dos seus trinta anos, e evitar pensar na derrota, Jorge se senta mais nova apenas do que Cogo, um em frente a um caça-níquel. A sorte que senhor com mais de sessenta, assíduo lhe faltou no torneio, parece ter surgino Amambay. O clima nessa mesa é do. Em menos de cinco minutos, ele mais tranquilo, os jogadores conversam fatura R$ 80,00. Isso já basta para comais e mantêm o bom humor nos dilocar um sorriso de volta em seu rosálogos. Aquela agitação sentida por to. Contudo, o clima de repentina aleJorge não acomete Breno. Essa é sua gria de Jorge acaba com o retorno de segunda participação nos torneios do Breno. Ele tamAmam-bay, sem bém foi desclassicontar as apostas ficado, o quarto em cash game, mais Na entrada, em sua mesa. “Jouma variante do guei com muita pôquer, em que se as frases “Sea cau-tela, deixei de joga diretamente bienvenido. Buena apostar algumas com dinheiro, em suerte.” em neon vezes, disputei vez de fichas. poucas mãos, deEstá previsto verde e rosa veria ter jogado nas regras da commais meu [estilo petição que cada de] jogo”, lamenta jogador tem direiBreno. A noite acaba com algumas to ao rebuy. Caso tenha perdido todas bebidas num bar do lado brasileiro. Os as fichas, o competidor pode comprar planos para o dia seguinte são de commais, a mesma quantidade do início do pras pela manhã e estrada à tarde. jogo (10 mil em fichas), pelo mesmo valor pago para inscrição. Esse recurMais uma chance para a sorte so, porém, só pode ser acionado uma única vez. Todos os jogadores da mesa Novo dia, pequenas compras, alquatro usaram o rebuy, Jorge foi o pemoço apressado, mas uma forte chunúltimo. Na rodada seguinte à va começa. Surge a ideia de voltar ao recompra das fichas ele aposta tudo e cassino, enquanto o tempo não melhoconsegue ganhar, assim sobrevive um ra. São 16h21 e o cassino, com quase 5 pouco mais na partida. “Como eu mil m² de área, está prati-camente vacomprei o rebuy tarde, ele não vale zio. Na entrada, as frases “Sea muito porque a aposta mínima era de bienvenido. Buena suerte.” em neon 2 mil, aí sou obrigado a arriscar.” verde e rosa, são ofuscadas pela luz do No decorrer do campeonato, Jordia. Somente os caça-níqueis funcioge tenta se lembrar dos ensinamentos nam, os outros jogos iniciam apenas tirados do Livro Verde do Pôquer, publidepois das 19h. Jorge gasta nas mácação de autoria de Phil Gordon, quinas eletrônicas o que restou de-pois apostador profissional. “Me lembro de das compras, computando mais prealgumas dicas, como sempre aumenjuízos. Breno, ao contrário, não para de tar a aposta, nunca diminuir. Foi útil. ganhar. “Eu vou ganhar R$ 250,00, Isso serve pra evitar que os outros adivocê vai ver.” Fatura cinquenta, perde vinhem o que você tem em mãos.” trinta, ganha mais dez, cem, e, quando A duração do jogo excede uma percebe, já tem o suficiente para uma hora e Jorge precisa eliminar mais dois nova inscrição no torneio. Sorte, sorte, jogadores para avançar no torneio. Isso muita sorte. não acontece. “Me faltou experiência. O jogo começa quase imediata- Jogos de azar mente após o pagamento da inscrição. Essa é a nona mesa do campeonato, totalmente composta por apostadores que já haviam jogado na noite anterior. Agora Breno, além de um boné ver-melho, usa óculos escuros. Depois da série de vitórias nos caça-níqueis, está bastante confiante. Jorge não suporta mais ficar no cassino. Sai, não vê Breno jogar, passeia pela cidade, toma umas cervejas. No cassino a situação de Breno se complica. Três jogadores precisam sair do jogo para que ele avance para a próxima fase, e, no momento, ele tem poucas fichas. “No pôquer você tem que ter habilidade, mas sem sorte você também não joga. Digo que 30% é sorte, e 70% é habilidade.” Mais um adversário é eliminado, faltam dois. Breno resiste. Em três jogadas consecutivas, Breno aposta tudo o que tem. Os jogadores da mesa comentam entre si, em tom irônico, “está difícil tirar esse guri, hein”, seguido de risadas. As joga-das atraem o público. Várias pessoas agora cercam a mesa. Outro compe-tidor se despede do campeonato. Restam apenas três no jogo, mas somente dois se classificam. Breno está eufórico, tomado por adrenalina e ainda mais confiante. “Os caras bons se diferenciam porque eles usam 100% a cabeça, e os ruins, a maioria do tempo, usam a cabeça, mas na hora da decisão agem pela emoção.” O celular de Jorge Santos toca poucos minutos após as 21h. Com poucas palavras, Breno pede que ele retorne ao cassino. Quando entra no carro, ele lamenta, “fiquei por um, por um, Jorge”. “Mas não dá pra se arrepender, eu perdi com jogo. Dessa vez foi quase, o próximo eu ganho.” Breno ainda acredita na sua sorte e pretende voltar ao Paraguai para jogar mais. Jorge ainda não sabe. Seguem para Campo Grande sem conhecerem os primeiros colocados do campeonato. Pela lei paraguaia que autoriza o funcionamento dos cassinos, o jogo de apostas é definido como “juego de suerte o de azar”. No decreto de Gaspar Dutra, o jogo é apenas definido como “de azar”, mas se aplica quando “o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte.” Isso mesmo, quando depende da sorte. No caminho de volta, Jorge e Breno debatem a diferença nas legislações dos países, e, a certa altura da discussão, indagam: “...é proibido, mas, e a Tele Sena?”. * Nome fictício, a pedido do entrevistado. [email protected] Homofobia Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 16 Aprovar ou Rejeitar? Mariana Fercard No final de novembro um travesti foi morto em Campo Grande, poucos meses depois de um homem de 37 anos, homossexual, ter sido assassinado com 37 facadas em Corumbá. Representantes desse coletivo suspeitam que os motivos das mortes estejam ligados ao preconceito contra a orientação sexual dessas pessoas. Segundo o coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos, Prevenção e Combate à Homofobia (Centrho) de Campo GrandeMS, Leonardo Bastos, estima-se que a cada dois dias um LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis) é violentamente assassinado no Brasil, e que no Mato Grosso do Sul esse tipo de incidência está aumentando. O Código Penal já prevê punição para qualquer tipo de homicídio. Mas, se for aprovado o substitutivo do Projeto de Lei PLC 122/2006, em tramitação no Senado Federal, outros tipos de agressão aos homossexuais serão considerados crimes passíveis de punição. A tentativa de transformar em crime os atos de homofobia tem início em 07/ 08/2001, quando a deputada Iara Bernardi (PT/SP) apresentou na Câmara Federal projeto de lei que “determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas”. Em 23/11/2006 o projeto foi aprovado pela Câmara e encaminhado ao Senado. Ao chegar ao Senado, recebeu o número PLC 122/2006 e, no dia 07/02/2007, foi encaminhado ao gabinete da Senadora Fátima Cleide (PT/ RO), designada como relatora na Comissão de Direitos Humanos (CDH), que apresentou voto favorável à aprovação do projeto. A proposição já estava pronta para entrar em pauta de votação quando a relatora, em 15/03/2007, pediu a sua retirada para “reexame da matéria”. Foi uma retirada estratégica para propor um substitutivo, pois o Senado estava recebendo muitas mensagens de protesto. A maioria desses protestos considerava abusivo o projeto, que pretendia também garantir por lei a liberdade de demonstração de afeto entre os homossexuais, como andar de mãos dadas e se beijar em público. Mas o substitutivo apresentado pela senadora Fátima Cleide em 07/03/2007 procura contornar as resistências estendendo o projeto de lei aos idosos e portadores de deficiência. Mesmo assim as resistências são grandes, o processo está parado, sem uma data prevista pra votação pelos senadores. Enquanto isso, o Senado promove no seu site www.senado.gov.br, uma enquete para saber se os internautas são contra ou a favor da aprovação da lei. Por enquanto 51% são contra. Além do Senado Federal, outros sites por todo o Brasil estão promovendo enquetes a respeito. No www.shekinah-soulivre.blogpost. com, site ligado à Igreja de Cristo Jesus, mais de 505.580 mil pessoas (60% dos votantes) são contra a aprovação da lei. Lei que pune discriminação aos homossexuais causa polêmica no Senado Federal e divide opiniões da sociedade. Fundamentalismo De acordo com o estudante carioca Luan Borges, 16 anos, homossexual assumido, “este é um projeto de lei que precisa ser aprovado o mais rápido possível. A nossa lei, no que diz respeito a preconceito, é muito poética mas nem um pouco eficaz.” Na sua opinião, o preconceito no Brasil é muito grande, e no Congresso Nacional existem vários bispos-senadores e pastores-deputados que colocam o preconceito da religião antes dos interesses nacionais. Como é o caso do senador Bispo Marcello Crivella, que declarou que, “em breve o homossexualismo será obrigatório”. “Isso é um preconceito imenso”, diz Luan, “quase o mesmo que se eu dissesse que em breve todos deverão ser da Universal. O que nós homossexuais queremos é respeito, dignidade, amparo pela lei, direitos iguais”. Julian Rodrigues, consultor do projeto ALIADAS-ABGLT, explica que desde 2006, quando o projeto chegou ao Senado, vem batalhando pela sua aprovação. “Fizemos campanhas, paradas temáticas, abaixo-assinados, manifestações, cartas, e-mails, telefonemas, ofícios”. Ele entende que “o fundamentalismo religioso, que transformou a oposição à criminalização da homofobia em pauta teológicopolítica, além da ignorância de muitos e a omissão de vários par lamentares e, claro, a homofobia institucional, tornam tudo mais difícil. Passamos por obstáculos fortíssimos à criminalização da homofobia, tanto pela reação dos religiosos, quanto pela ignorância de muitas pessoas e parlamentares que ficam em cima do muro”. Em posição contrária, o Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz acredita que “a lei que pretende conceder privilégios ao homossexualismo, criando a figura penal da ‘homofobia’, defendida pelos homossexuais militantes organizados em associações, conta com o apoio do Homofobia 17 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS governo e o aplauso dos meios de comunicação social, e vêm obtendo junto ao Judiciário indenizações por ‘danos morais’, pensão alimentícia após a morte do ‘companheiro’ e inclusive o direito de adotar crianças”. Em sua opinião, “o motivo central pelo qual esse projeto deve ser totalmente rejeitado é que ele pretende dar direitos ao vício. O homossexualismo não acrescenta direitos a ninguém. Se um homossexual praticante tem algum direito, conserva-o apesar de ser homossexual, e não por ser homossexual. O mesmo se pode dizer de qualquer outro vício. O bêbado, o adúltero, a prostituta... só têm direitos como pessoas, mas não por causa da embriaguez, do adultério ou da prostituição.” Estereótipos O termo homofobia se popularizou no final da década de 1960 para caracterizar os sentimentos de medo, aversão, ódio, repulsa que alguns heterossexuais sentem por homossexuais. O termo ganhou outros sentidos e hoje não é usado mais apenas para designar um tipo de fobia, mas sim para quaisquer atitudes preconceituosas com os homosexuais. Leonardo Bastos, coordenador do Centrho de Campo Grande, classifica a homofobia por três grandes fatores: primeiro encaram o homossexualismo como doença, como algo anormal; segundo, o comportamento de ódio de acordo com a ótica religiosa e o argumento da razão; e por último o entendimento da homossexualidade como um crime. “Ódio resulta em ódio para toda a sociedade”. Felipe, estudante de administração em Campo Grande, que não quis dar o nome completo, manifestou sua opinião como heterossexual sem qualquer participação em nenhum grupo ativista, acredita que “as pessoas compartilham os mesmos valores da sociedade, o que dá a sensação de inclusão. Penso que a homofobia se dá a partir do medo de ser confundido com um homossexual por estar conversando com ele”. O jornalista e integrante do movimento de estudos sobre liberdade, sexualidade e ativismo de Mato Grosso do Sul (Mescla) Antonio Sardinha, acredita que é preciso desconstruir o estereótipo, desconstruir toda aquela lógica de preconceito. “É importante para que a sociedade aprenda que a forma legítima de sexualidade não é mais só a heterossexualidade”. [email protected] GLBT POWER A VII Parada da Diversidade Sexual de Campo Grande tomou conta da cidade um dia inteiro. Além de shows artísticos e venda de artesanato, havia barracas para informação do público e esclarecimento de dúvidas. Com a participação de mais de sete mil pessoas, a festa deixou mais colorido todo o centro da cidade. Punições previstas: O projeto de lei em votação no Senado prevê as seguintes penalidades para os crimes de homofobia: “Art. 5º Impedir. recusar ou proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público; Pena : reclusão de um a três anos” Art. 7º Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares; Pena — reclusão de três a cinco anos” “Art. 8º-A. Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no artigo 1º; Pena: reclusão de dois a cinco anos.” Cultura Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 18 Quebrando Barreiras Dificuldades e preconceitos não impedem que a música erudita ganhe força na cena cultural de Campo Grande. Renata Bastos ReBastos No “Encontro com a música erudita” Viveane Carvalho interpreta músicas eruditas para uma platéia atenta É noite de gala. Canapés e champanhe esperam pelos convidados. Paletós e longos vestidos são os trajes adequados e os clássicos preto e branco predominam. Cabelos fixados por gel ficam com aspecto molhado à luz. No palco, instrumentos e vozes apresentam uma música acústica. O público tem hora certa para aplaudir os artistas. Esses são códigos de conduta geralmente relacionados aos espetáculos de música erudita. Mas as pessoas que querem assistir não são obrigadas a segui-los. Essas regras fazem parte de um estereótipo de elegância que gira em torno desse gênero musical e podem afastar ou aproximar o público. Afastar pelo preconceito de algo desconhecido, destinado apenas às elites. E aproximar pela imagem de glamour e sofisticação. O professor, pesquisador e regente do Coral da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Manuel Câmara Rasslan, explica isso com um exemplo: “Bancos dão concertos de música erudita, da mesma forma que dão, todos os anos, uma agenda a seus clientes. Porque é chique”. Esse estereótipo de elegância também se estende ao aprendizado da música erudita. Segundo Eduardo Martinelli, regente da Orquestra Sinfônica Municipal de Campo Grande, muitos pais levam seus filhos às escolas de música por que acham que é algo intelectual, que traz status social. Entretanto, bons professores conseguem criar um espírito crítico nos alunos, que passam a ter for mação musical e desconstroem o estereótipo de nobreza em torno do gênero. E isto alcança também os pais, que acabam se familiarizando com o gênero. A pianista e musicista formada pela USP, Irma da Conceição Martins, proprietária e professora de uma escola de música em Campo Grande, percebe que o número de alunos aumentou a partir da criação do curso de música na UFMS, e também em função dos eventos que acontecem na cidade. “O campo-grandense está mudando sua cultura musical, conhecendo melhor. As pessoas assistem, gostam e querem aprender. A música traz muitos benefícios, como, por exemplo, a melhora na concentração”. Na audição de final de ano realizada por sua escola em 28 de novembro no auditório do Sebrae, apresentaram-se cerca de 50 alunos entre adultos e crianças. Irma constata que as crianças, ao entrarem na escola, geralmente dão preferência à música popular. Somente aquelas crianças cujos pais já têm uma formação musical erudita, optam pelo ensino clássico. E alguns adolescentes procuram à escola em função da religião: “Eles querem aprender para tocar na banda da igreja”. Os alunos em idade adulta são os que mais dão preferência à música erudita. Mas a professora garante que os alunos na iniciação aprendem os dois segmentos, e só mais tarde optam por um ou outro para aprofundá-lo. Muito por melhorar Segundo o professor Rasslan, existem bons projetos para a popularização da música erudita em Mato Grosso do Sul, mostrando às pessoas que não é algo apenas para a elite, nem mesmo apenas produzido por ela. O curso de música da UFMS e as escolas de música contribuem para a valorização desse gênero musical e estimulam a produção de pesquisas nessa área. Conforme explica Rasslan, o que falta são estrutura e condições para definir conceitos, discutir por meio da imprensa a obra apresentada, para desenvolver um espírito crítico e não apenas levá-la 19 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Cultura ReBastos do o regente Eduardo Martinelli, são imprensa e material gráfico. Conformas apresentações. E lembra que na ao público. Cita exemplos como a Sala importantes para a formação de púme a gestora, o projeto “veio para moapresentação da Orquestra Sinfônica de São Paulo, que abre a oportunidade blico, que só tem aumentado ao longo vimentar o cenário cultural com periMato Grosso, que veio pelo projeto para alunos assistirem ensaios gerais de dos dois anos de existência da orquesodicidade” e tem como principal ob“Quarta Erudita” da Fundação de orquestras e depois discutirem sobre tra. “Em uma ocasião, no teatro Aracy jetivo fomentar e difundir a música Cultura de Mato Grosso do Sul os conceitos apresentados. Entretanto Balabanian, tivemos que fazer outra clássica, incentivando assim a forma(FCMS), o teatro Manuel de Barros em Campo Grande ainda não existe seção porque o espaço lotou e tinha ção de platéia. Os ingressos são R$15 estava lotado porque houve grande uma sala de ensaio, nem um teatro muita gente esperando lá fora.” (inteira) e R$7,50 (meia entrada). divulgação e investimento. “Vivemos municipal, nem qualquer espaço com Martinelli lembra também de uma num mundo onde estruturas adequaapresentação em uma praça de CamOportunidades não faltam quem grita mais das para isso. po Grande, em que pessoas de todos Outros eventos de música erudita alto sai ganhando” Sobre entrada os tipos, vestidas com roupas de pasque acontecem em Campo Grande são brinca o regente. gratuita nesses seio, vinham para assistir ao espetácuas apresentações da Orquestra SinfôConfirmando eventos, Rasslan diz “Quem lo. Outras eram surpreendidas pelo nica Municipal, iniciativa da Fundação o que diz o regenque “não é de todo movimento ao passarem casualmente de Cultura de Campo Grande te, a gestora de culpositiva, porque se grita mais pela praça, e acabavam ficando. Mes(FUNDAC). Composta por 40 a 46 tura da FCMS, fosse cobrado ao alto sai mo sem a acústica apropriada para um músicos, dependendo do espetáculo. Ângela Finger, exmenos cinco reais, concerto, as pessoas se encantavam e, A orquestra faz diversas apresentações plica que naquela os músicos podeganhando.” empolgadas, se manifestavam com a cada ano, na maioria gratuitas. No ocasião, o projeto, riam fazer muito aplausos em todos os momentos, anmês de dezembro participa do “Enque em geral é reamais do que fazem tes mesmo que a música terminasse. contro com a música clássica”, um feslizado no Teatro hoje”. Ressalta a Rasslan O regente não se incomoda com tival realizado pelas fundações de culAracy Balabanian dificuldade de proos aplausos fora de hora. “Eu procutura do estado e municipal. O encon(que tem capacidaduzir shows de ro explicar, contar a história dos músitro é anual e nessa terceira edição, além de para 300 pessomúsica erudita, cos que vamos apresentar e mostrar o dos artístas de Mato Grosso do Sul, o as), foi transferido para o Manuel de pois os próprios artistas têm que fazer formato do espetáculo. Mas não ligo evento traz nomes como o quarteto Barros. Os 1.005 lugares estavam um pouco de tudo, desde divulgação se aplaudem na hora errada, pois é de violões Quaternaglia, o violista Jairo lotados e as escadarias e a coxia tamaté levar convidados para jantar. Trauma forma das pessoas dizerem que Chaves, Antonio Vaz pianista de São bém foram ocupadas pelos espectazem renomados músicos, mesmo de estão gostando. Se recebem broncas Paulo e Nailson Simôes, trompetista do dores. O projeto começou este ano, e fora do país, por cachês baixíssimos, e por isso, não retornam”. Ceará. abre espaço para as apresentações nas assim dependem da boa vontade de A periodicidade e a divulgação em primeiras quartas-feiras de cada mês. outras pessoas para ajudá-los. massa desses eventos musicais, segunOferece, além do teatro, divulgação na O regente Martinelli acredita ser [email protected] positiva a entrada franca, pois “é obrigação do governo prover cultura para sociedade, que paga através dos impostos”. Marineide Cervigne, funcionária pública e produtora de eventos culturais, que há 17 anos coordena as atividades do Teatro Glauce Rocha, afirma que “quando o espetáculo é grátis lota!”. Ela acredita que somada a uma boa divulgação, com link ao vivo na TV, a gratuidade determina a quantidade de público. Outro fator determinante, em sua opinião, é a quantidade de músicos que se apresentam em cada espetáculo: “Quando é orquestra são muitos músicos, e eles trazem seus familiares, amigos, cachorro, gato...”. Marineide percebe, analisando os borderôs (controle do número de platéia) que isso não acontece apenas com eventos de música erudita, mas também em outros espetáculos artísticos. “Campo Grande não tem a cultura de ir ao teatro”. Contrapondo-se à produtora, o regente Rasslan diz que as platéias não são apenas familiares dos músicos. Existem muitas pessoas que têm disposição e interesse, mas que, por falha de divulgação, nem ficam sabendo dos espetáculos. Diz que as pessoas leigas, A Orquestra Sinfônica de Campo Grande lota, mais uma vez, o Teatro Aracy Balabanian que vão por curiosidade, são as que em apresentação no “Encontro com a música clássica” mais passam a acompanhar as próxi- Saúde Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 20 Pé na estrada pela saúde Pacientes que vem de outras cidades em busca de tratamento médico na capital estimulam comércio informal próximo aos hospitais Antes das sete horas e o movimento em frente aos hospitais já é intenso. São pessoas de várias partes do estado e da região. Em comum, todos tem a necessidade de vir a Campo Grande atrás de tratamento médico, que, por falta de estrutura, não existe em suas cidades. Elisângela da Cruz, 47 anos, é uma dessas pessoas. Ela acompanha seu sobrinho de oito anos a sua primeira consulta no hospital “Fundação para o Estudo e Tratamento de Deformidades Crânio-Faciais” (FUNCRAF). “Sou de Três Lagoas, é uma pena a gente ter que andar mais de trezentos quilômetros para conseguir atendimento, mas não temos escolha”. Rafael tem um problema auditivo e estava ansioso para sua primeira consulta. “Espero que eles resolvam meu problema, né?”, torce o garoto. Quando a família percebeu que havia algo errado com Rafael, foram atrás de tratamento. Depois de procurar referências na área, descobriram o hospital na cidade e agiram rápido. “Demorou um pouquainho, mas ainda bem que conseguimos”, desabafa Elisângela. Dona Elisabete Cunha é outro exemplo de quem precisa vir à capital para solucionar seu problema. A aposentada de 63 anos mora em Sonora, região norte do estado, e vem à cidade geralmente três vezes na semana para fazer hemodiálise na Santa Casa. Dona Elisabete diz que tem “sorte e azar ao mesmo tempo”. Sorte porque tem condições de vir a Campo Grande sempre que é preciso, e azar por ter que “depender da hemodiálise para sobreviver”, lamenta a aposentada. Dona Elisabete sofre de insuficiência renal crônica, mal que se caracteriza pelo resultado de lesões irreversíveis provocadas por outras doenças que tornam o rim incapaz de realizar suas funções básicas: filtrar o sangue e eliminar substâncias tóxicas do organismo. Ela tem diabetes e pressão alta, além de histórico familiar da doença. “Ia ser difícil eu escapar dessa’, relata com bom humor. Dona Elisabete sonha com um transplante de rim. “Só assim eu me Vinícius Berton Vinícius Berton Ônibus do interior com pacientes chega ao Hospital Universitário da capital. livraria dessa chatice que é a heentela é fiel, tem gente que está aqui modiálise”, diz a senhora. Ela passa a toda semana”, comemora o comercisemana mais em Campo Grande que ante. em casa. “Minha sorte é que tenho uma Além das bebidas, seu José tamirmã aqui, e fico na casa dela, mas quebém vende almoços, lanches e petisro muito me livrar disso, ninguém mecos. Das 10:30 da manhã até às duas rece viver assim”, desabafa. da tarde ele chega a vender 40 pratos Inevitavelmente, quando o assunfeitos, quando o movimento está bom. to é “transplante de órgãos”, surge o Como a propaganda é a alma do neapelo pela doação. Para gócio, José tratou de faa aposentada é um abzer a sua, “o prato feito surdo que as pessoas se custa seis reais, e vem bem “É uma pena a gente recusem a doar os órcheio, você precisa expeter que andar mais gãos de seus familiares. rimentar”. “Porque não doar o Ele depende somende trezentos rim, se ele pode ser útil te do bar para sobreviver. pra alguém que precisa Tem três filhos, a esposa quilômetros para dele pra viver? O meu é dona de casa, e com o conseguir apelo é pra que as pesdinheiro que ele ganha no soas reflitam mais, tebar, sustenta toda a famíatendimento, mas nham espírito de solidalia. “Tenho família, funcinão temos escolha” riedade. Só quem passa onários, os custos são por esse tipo de problegrandes, né? Não ganho ma sabe o que significa muito, mas sobrevivo e Elisângela da Cruz essa atitude”, completa faço meus churrascos no Dona Elisabete. fim de semana, pra mim isso é o suficiente”, se alegra José Uma chance para crescer Henrique. O grande movimento de pessoas Epitácio Pessoa do Nascimento, nos hospitais influencia no surgimento 50 anos, viu no hospital de deformide oportunidades de emprego e cresdades crânio-faciais uma chance de aucimento de pequenos estabelecimentos. mentar sua renda, improvisando uma José Henrique Gomes, 52 anos, é barraca de água de coco e salgadinhos dono de um bar próximo a Santa Casa no porta-malas de seu carro. Epitácio há mais de 15 anos e afirma que 70% vendia água de coco na Afonso Pena, de seu faturamento mensal vem dos mas não deu certo. Foi quando decipacientes ou dos acompanhantes que diu vender seus produtos em frente ao chegam a ficar horas esperando pelo hospital. “Vim pra cá faz uns seis meatendimento no hospital. “Minha clises mais ou menos, e não saí mais”, conta o senhor. Durante a semana ele fica em frente ao hospital das uma às cinco da tarde, depois vai ao Parque do Sóter, onde fica até as nove da noite. Em dias de bastante movimento, ele chega a vender 30 cocos. É com sua barraca de água de coco que seu Epitácio paga todas as suas despesas. “Com o que eu ganho pago todas as minhas contas, energia, água, supermercado. Consigo tirar uma grana boa, o meu único sustento”, comemora o senhor. O único restaurante da região fecha logo depois do almoço. Depois disso, as pessoas vem comprar água e salgadinhos com ele, “principalmente os motoristas de ônibus e vans que ficam esperando os pacientes, é muito tempo parado, precisam de uma água pra refrescar”, completa o simpático senhor. Os números Só neste ano (até 25 de novembro) mais de 2 mil pessoas do interior do estado foram atendidas na Santa Casa de Campo Grande (cerca de 96% do total). As cinco cidades com maior participação foram: Sidrolândia, com 514 atendimentos; Terenos, com 368; Aquidauana, com 307; Ribas do Rio Pardo, com 218 consultas e Coxim, com 217. Os outros 4% são provenientes de outros estados, com destaque para São Paulo, Mato Grosso e Goiás