ASPECTOS DA RELAÇÃO RURAL – URBANO NA AMAZÔNIA: O CASO DE IRANDUBA – AM1 André de Oliveira Moraes - Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira – NEPECAB [email protected] Susane Patrícia Melo de Lima - Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira – NEPECAB [email protected] Juliana Araújo Alves - Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira – NEPECAB [email protected] Tatiana Schor - Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira – NEPECAB [email protected] José Aldemir de Oliveira - Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira – NEPECAB [email protected] Resumo As cidades na Amazônia são particulares em diversos aspectos quando comparadas às demais cidades do Brasil. A discussão sobre o que seja o rural e o urbano no Brasil é algo que ainda está sujeito a interpretações devido às divergências conceituais que tais termos abrigam. Entretanto, a definição de tais conceitos é importante, pois delas dependem as políticas públicas que se diferenciam do rural para o urbano. No Amazonas, o hibridismo entre o que legalmente se entende como cidade ou campo distancia a existência desse limite. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é analisar os aspectos rurais e urbanos de Iranduba-AM a partir de uma análise dos dados gerados por meio de um trabalho de campo realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades da Amazônia Brasileira – NEPECAB nos dias 22, 23 e 24 de maio de 2009, onde uma equipe de pesquisadores levantaram dados referentes ao mercado de peixes na cidade, abastecimento e feiras da cidades, financiamentos agrícolas e tecnologias de comunicação para a agricultura. Os resultados apontaram para uma interação entre os espaços rurais e urbanos. Desde a infraestrutura até os fluxos entre os dois espaços por meio da circulação da produção e de pessoas via transporte evidenciam uma leitura outra sobre o município como um todo. Os rastros rurais são mais claros nas feiras onde as relações se estabelecem entre produtor, pescador e atravessadores são territorializadas de formas diferenciadas. A análise permite uma revisão dos conceitos que, baseados primordialmente nas atividades econômicas, não apreendem outros aspectos que os influenciam diretamente. Com isso, a proposição de novas metodologias surge como medida importante para o avanço da discussão do tema. Palavras-chave: rural e urbano; cidades da Amazônia; Iranduba. 1 Os resultados apresentados neste artigosão oriundos da pesquisa: “Consolidação do Sistema de C, T & I para sustentabilidade de agricultura familiar no contexto do agronegócio no Amazonas” financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e em desenvolvimento no Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira (NEPECAB) em parceria com uma rede de pesquisadores de núcleos interdisciplinares da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) para a análise integrada do contexto da agricultura familiar na região. Abstract: The cities in the Amazon are individuals in various aspects when compared to other cities in Brazil. The discussion about what is rural and urban in Brazil is something that is still subject to interpretation due to conceptual differences that harbor such terms. However, the definition of such concepts is important because these depend on the public policies that are different from rural to urban. In Amazonas, hybridity among legally what is understood as urban or rural distance the existence of this limit. Accordingly, the objective of this study is to analyze aspects of rural and urban Iranduba-AM from an analysis of data generated through field work conducted by the Center for Studies and Research Cities of the Brazilian Amazon - NEPECAB in days 22, 23 and 24 of May, 2009, where a team of researchers examined data relating to the fish market in town, supply and trade fairs in cities, agricultural funding and communication technologies for agriculture. The results pointed to an interaction between the rural and urban. Since the infrastructure until the flows between the two spaces through the production and circulation of people through transportation show a different reading on the municipality as a whole. The traces are lighter rural fairs where relations are established between producers, fishermen and middlemen are territorialized differentiated forms. The analysis enables a review of concepts, based primarily on economic activities; do not grasp other aspects that influence them directly. Thus, the proposition of new methodologies emerged as important measure to advance the discussion of the topic. Key-words: urban and rural; Amazon cities; Iranduba. Introdução: Compreendendo o urbano e o rural Para entender o surgimento do urbano, é preciso a priori considerar que o urbano é o subjetivo, é um modo de vida que veio a se consolidar em meados do século XIX. Ana Fani A. Carlos salienta que “[...] o urbano é mais do que um modo de produzir, é também um modo de consumir, pensar, sentir, enfim, é um modo de vida.” (CARLOS, 2003, p. 27). O processo que mais ganhou expressividade e se cristalizou, enquanto forma, foi a industrialização, uma vez que aquele mudou completamente a forma de se viver nas cidades, estando estreitamente vinculado ao surgimento do urbano. A cidade se consolidou com a industrialização, suas formas já estavam estabelecidas e prontas a serem difundidas para além de seu perímetro urbano. É através desse processo de difusão que identificamos o urbano, visto que, a cidade ganhou uma expressividade mundial, poderíamos arriscar que parte considerável da população mundial vive em cidades e cada vez mais os tentáculos desse modo de organização se estendem para a área rural, esse é o sentido do urbano como forma de organização político-social que se estende através do tecido urbano. Pode-se, por fim, caracterizar o urbano como a extensão de um modo de vida que tem suas raízes estabelecidas desde o século XIX, da consolidação do sistema de produção capitalista e da revolução tecnológica e das máquinas, moldes da revolução industrial do século XVIII, que fixou suas raízes e mudou completamente a forma de organização e a paisagem urbana. Hoje, o modo de organização espacial e social próprio das cidades se difunde para além dos limites municipais e é possível encontrar alguma das suas características presentes nos lugares mais longínquos, como por exemplo, a rede elétrica, transportes urbanos, rede de telecomunicações, as redes do abastecimento das cidades, bem como as instituições públicas e privadas, das quais os bancos são parte integrante e atuante a partir do sistema financeiro. Assim, concluímos que a cidade é, hoje, a principal forma de organização da sociedade porque, por mais distante que possa ser, por mais que esse espaço não possua certos aparatos tecnológicos e sociais básicos, ainda assim, o germe do urbano está presente, principalmente porque “o urbano aparece como obra histórica que se produz continuamente a partir das contradições inerentes a sociedade” (CARLOS, 2003, p. 71). Porém, não se pode pensar no âmbito do município sem considerar o rural com suas relações ora de dependência, ora de mantenedor do urbano. O papel do rural perpassa pelo discernimento de este muitas vezes este está no urbano, e que o urbano também imbrica-se no rural, em especial em cidades como as do Amazonas, que segundo Schor et al (2007) muitas vezes assumem esta categoria sem realmente apresentar claras característica peculiares ao urbano. De acordo com Marques (2002), as abordagens de cidade e campo/rural e urbano perpassam por duas abordagens: a dicotômica e a continuum. Nesta primeira abordagem o campo é pensado numa perspectiva de relação dialética – como antônimo de cidade. Enquanto, na abordagem continuum se refere à perspectiva linear – no sentido de avanço do processo de urbanização que se prolongou para a área rural aproximando-o do modo de vida urbano. Segundo Marques (2002), em geral no Brasil adota-se o critério político-administrativo perpassando a área urbana da cidade. Veiga (2002) trata o rural como necessariamente territorial e não setorial. Como refletir o rural e a partir de que variáveis? Como pensar o rural dissociado do urbano? Neste artigo, propõe-se uma análise das relações que se dão no urbano e no rural no município de Iranduba – AM (Figura 01). Figura 01 – Localização Geográfica do Município de Iranduba/AM Org. MARINHO, 2009. O município em questão articula-se com a cidade de Manaus, principalmente a partir da produção de gêneros agrícolas-alimentícios (hortifrutigranjeiros), abastecendo os mercados e as principais redes de supermercados da cidade de Manaus. A articulação de Iranduba com Manaus se estabelece a partir do meio fluvial, onde os gêneros são escoados para esta cidade por meio das balsas que interligam esses dois núcleos urbanos. Essa relação ainda se estabelece por meio deste tipo de transporte rudimentar de grandes cargas e passageiros, as balsas, previsto para mudar tão logo seja inaugurado o projeto estatal da Ponte sobre o Rio Negro, que irá possibilitar maior articulação entre Manaus e Iranduba. Tal articulação vai no encontro da perspectiva de integrar a Região Metropolitana de Manaus – RMM, o que constitui um paradoxo já que a articulação entre as cidades é um parâmetro para a implantação de um Região Metropolitana. Metodologicamente, este trabalho se deu a partir da prática de campo realizada na área de estudo nos dias 22, 23 e 24 de maio de 2009, a fim de levantar dados primários e confirmar dados secundários. Visitas a órgãos públicos e privados na cidade de Iranduba, tais quais: Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas (IDAM) e a Cooperativa Mista dos Produtores Agrícolas de Iranduba (COOAPIR) onde se realizaram entrevistas abertas com os secretários da Cooperativa e visitas em propriedades no intuito de levantar dados acerca dos financiamentos e das Novas Tecnologias de Informação empregadas na propriedade; Coleta de dados nos Frigoríficos da cidade, entrevistas abertas com os proprietários produtores e pescadores. Dentre os temas pesquisados no trabalho de campo, os arranjos trabalhados para este artigo foram o acesso ao crédito rural, a infraestrutura de comunicação e a produção na área da pesca com análises específicas direcionadas aos frigoríficos enquanto agentes com maior influência na cadeia. As análises evidenciam o papel do município de Iranduba no contexto da produção agrícola e na pesca, com a função urbana de Iranduba na rede e hierarquia urbana de tal complexidade que é determinada por uma atividade essencialmente voltada ao rural, à produção realizada no âmbito do rural. A análise começa com aspectos relacionados à pesca e produção familiar, pois são parâmetros tradicionalmente relacionados ao rural, entretanto apresenta-se dados que os relacionam com o urbano. Foram entrevistados agentes da cadeia produtiva pescadores, compradores e vendedores de peixe, feirantes e o dono de um dos grandes frigoríficos do município com ênfase para questões que explicitassem a configuração da rede de comercialização. Em seguida, a infra-estrutura de comunicação na COOAPIR em propriedades rurais visitadas é analisada sob um ponto de vista da articulação das propriedades com outras escalas. Metodologicamente, a pesquisa no município de Iranduba para a infraestrutura de comunicação se deu baseada em uma divisão que gerou dados para estrutura física, tecnologia utilizada e tipo de informação que os produtores têm à mão para o desenvolvimento do negócio. A estrutura física identificou máquinas disponíveis. A tecnologia utilizada identificou a utilização dos tipos de telefonia, se móvel, fixa, internet discada ou banda larga, antenas, e os tipos de informação buscaram identificar quais as informações que os produtores de Iranduba demonstram interesse em relação ao agronegócio, tais como, preços de insumos, previsão do tempo, sementes adequadas, sugestões para controle de pragas, entre outras. Por fim, os financiamentos de créditos rurais à COOAPIR e a alguns produtores familiares não-cooperados são analisados. Tais variáveis podem trazer uma leitura diferenciada sobre a problemática apontando novos elementos para se pensar a questão rural x urbano na Amazônia. Produção Rural e Pesca e seus desdobramentos na Cidade Considerar aspectos relacionados à atividades tipicamente rurais na discussão sobre a dicotomia rural x urbano é recorrente e não representa uma novidade. Entretanto, a complexidade na qual se encontra a região amazônica requer uma atenção especial ao tema que, ao territorializarse, assume formas e funções específicas. Como parâmetros dessa análise podem ser apontados aspectos ligados à pesca e ao escoamento da produção familiar de Iranduba. Ambos os aspectos, com forte apelo uma ligação ao espaço rural, revelam aspectos relacionados às cidades. O cenário no qual se encontra a pesca no Amazonas vem mudando em função de vários fatores, dentre eles a difusão da atividade como alternativa de renda para a população urbana dos municípios. Outro elemento essencial para o entendimento da atividade pesqueira hoje no Amazonas é a absorção da produção pelos grandes frigoríficos que, localizados nas cidades, territorializam a importante etapa relativa ao mercado da pesca que se constitui a efetivação do peixe enquanto mercadoria, ou seja, atribuindo-lhe valor de troca. Tais fatores permitem uma articulação territorial entre o que é imposto pelo estado como área urbana e área rural. Com isso, a idéia de pesca enquanto atividade estritamente rural na Amazônia se dilui assim como a idéia dicotômica de espaço rural e urbano se considerado esse parâmetro. Tendo Manaus como centro urbano que absorve sua produção rural, Iranduba tem assumido a função de abastecer Manaus sendo responsável por 12,8% do abastecimento das feiras da capital (PEREIRA, 2008). Além disso, os contratos estabelecidos entre a Cooperativa Mista Agropecuária de Iranduba – COOAPIR e as duas maiores redes de supermercados presentes na capital, Carrefour e DB, para fornecimento de hortifrutis representam o principal aspecto dessa função. Mesmo a feira de Iranduba é abastecida por produtos oriundos da Feira Manaus Moderna, a maior de Manaus. Entretanto, alguns itens encontrados na feira de Iranduba que tinham origem na Feira Manaus Moderna de Manaus eram produzidos em Iranduba. Esse aspecto revela que a articulação rural x urbano no âmbito intra-municipal apresenta Manaus como intermediário acentuando uma fragmentação que revela novas dinâmicas territoriais. Em Iranduba, existem dois grandes frigoríficos de peixe que se localizam as margens do rio Solimões. Um deste é o Iranduba Pescados Ltda. que atua na comercialização de peixes das três classes comerciais no Amazonas: peixes de escama populares, peixes de escama nobres e bagres (MORAES, 2008). Esta empresa possui três barcos e uma fábrica de gelo, imprescindível no mercado da pesca para garantir a conservação do peixe com uso do gelo. O perfil do frigorífico segue um padrão identificado também nas demais cidades do Alto e Médio Solimões com ênfase para o processo de financiamento de insumos indispensáveis à pescaria (gelo, rancho e combustível) como forma de garantir a compra da produção (MORAES, 2009). Outra característica dos maiores frigoríficos é o fato de algum deles, dentre os quais o Iranduba Pescados, exportar bagres em filé, posta ou mesmo inteiro para o exterior gerando uma complexa rede internacional de comercialização. A presença de um frigorífico com atividade de exportação num município do Amazonas garante um destaque para este na rede urbana, pois a absorção do desembarque pesqueiro se dará no âmbito intermunicipal absorvendo a produção de outros municípios inclusive de outros frigoríficos locais menores. Segundo tal condição corrobora com Schor (2007) na perspectiva de classificar Iranduba como cidade pequena de dinâmica econômica externa. Entretanto, embora essa seja uma tipologia urbana seus argumentos dizem respeito às atividades relacionadas à produção agrícola do município e sua função em abastecer a cidade de Manaus. Tal fato aponta para a articulação das áreas rurais e urbanas no que tange ao papel específico do município de Iranduba na articulação regional das cidades do entorno de Manaus. A Infraestrutura de Comunicação e o Legado Rural em Iranduba No presente século assiste-se a ascensão da comunicação e dos aparatos tecnológicos que subsidiam a organização do espaço na chamada sociedade da informação ou da sociedade em rede (CASTELLS, 2003 e 2007). Mesmo quando se pensa na organização do espaço, seja este, rural ou urbano, não se pode imaginá-los sem as inter-relações através das redes, cabos, fios, estradas virtuais, ondas sonoras ou antenas de telefonia (LIMA, 2007). A organização espacial emergente se comporta assim. Os sistemas de comunicação parecem determinar a estrutura da organização do espaço, e não só, são considerados vetores de transformação da dinâmica social, quer sejam na política, na economia, na cultura, nos negócios e até no agronegócio, entre outras instâncias. Porém, o desenvolvimento geográfico e desigual de Harvey (2004, p.112-118) mostra como em pleno discurso de globalização/homogeneização do espaço pode haver uma fragmentação que aumenta ainda mais as diferenças geográficas entre os lugares. O acesso à comunicação e à informação, neste contexto, também clarifica esta diferenciação de lugares/espaços, além de uma gama de pessoas que ainda não conseguiram acessar a chamada sociedade em rede. Nos estudos realizados por Lima (2008) sobre a infraestrutura de comunicação das cidades localizadas ao longo das calhas dos rios Solimões e Amazonas, no Estado do Amazonas, averiguouse a incipiência na disposição dos aparatos da comunicação para tais cidades, e a cidade de Iranduba, quando daquele momento, também evidenciou sua especificidade. Neste estudo Lima (2008) procurou propor uma tipologia e compará-la aos estudos de Schor et al (2007) referente as cidades da calha Solimões e Amazonas. E a partir do arranjo da comunicação mostrou que cada uma das vinte e cinco cidades desempenhou papéis peculiares na rede urbana ao disporem ou não de uma infraestrutura de comunicação consolidada. A cidade de Iranduba, em conformidade com a distribuição dos serviços de informação e comunicação, no estudo supracitado, recebeu a tipologia de cidade reticular2, por concentrar os serviços estudados por Lima (2008) e em maior quantidade em relação às outras cidades. Ao ser comparada com a tipologia de Schor et al (2007), a cidade de Iranduba, recebe a tipologia de 2 De acordo com Lima (2008) são as cidades que estão em rede, contemplando todos os serviços de comunicação elencados no estudo, tais como, telefonia, radiodifusão, informática e outros serviços, como antenas do SIPAM e Agência de Correios. cidade média de responsabilidade territorial3, implicando que esta foi uma cidade, que destacou-se na disposição dos serviços de comunicação. Se a sociedade mundial através de seus mais variados setores econômicos insere-se em uma economia baseada na informação, comunicação e no conhecimento, no agronegócio não seria diferente. Para que o arranjo produtivo apresente competitividade ou vantagem competitiva (a infraestrutura de comunicação é uma ferramenta competitiva) deve estar inserido neste ambiente, adequada aos mercados que estão em constante mudança. O município de Iranduba, alvo deste estudo, através das atividades da agricultura que tem contribuído para o PIB deste município, porém cabe diferenciar Seguindo as tipologias de Lima (2008) e Schor et al (2007), a cidade de Iranduba apresentase como uma importante cidade para o desenvolvimento econômico da região, isso porque apresenta atividades relacionadas ao agronegócio que agregam valor ao município pelo abastecimento de produtos primários, hortifrutigranjeiros à cidade de Manaus. E esta, requer um constante incremento no rural e no urbano, inclusive ao que tange a comunicação, na medida em que sistemas de comunicação e informação são parte do processo produtivo. É bem verdade que no caso da região amazônica, a inserção de suas cidades nestes sistemas apresenta como entrave as intempéries naturais da região, como os altos índices de pluviosidade que impedem um bom fornecimento do serviço. É importante salientar que a pesquisa feita na cidade é diferente da realizada incluindo a área rural do município de Iranduba, uma vez que a atividade alvo deste trabalho está muito mais vinculada às áreas rurais isso implica dizer, que os serviços de comunicação chegam a estas áreas de forma diferenciada, conseqüentemente mais precária, e a integração dos agentes produtivos via infraestrutura de comunicação, ainda é um problema para o setor. Em Iranduba uma cooperativa COOAPIR dispõe de um arranjo bem mais operacional até mesmo pela sua estrutura dentro do agronegócio em Iranduba, ou seja, seu dinamismo através das relações que mantém com o abastecimento da capital Manaus. Possui uma estrutura física atual de onze computadores, um servido com o sistema de gerenciamento da cooperativa, internet funcionando com um modem USB de operadora de telefonia celular, o que de modo geral, nem sempre tem boa conexão. Possui uma antena rural que no ato da pesquisa estava desativada. A tecnologia que mais se utiliza na COOAPIR é a telefonia celular, e é a partir deste que se comunica com seus clientes, que estão principalmente em Manaus. A telefonia fixa em geral encontra-se desativada em virtude das chuvas da região. E neste caso Iranduba possui uma relação 3 Para Schor et al (2007) são cidades que exercem uma função na rede que vai além das suas características em si, pois detém uma responsabilidade territorial que a torna um nódulo importante internamente na rede. A importância territorial destas cidades tem origem no desenvolvimento histórico-geográfico que constituiu a rede urbana nesta região. Normalmente o desenvolvimento econômico tende a agregar valor na região. de dependência da capital, pois a manutenção dos aparatos da comunicação depende dos técnicos que estão concentrados na capital. O tipo de informação mais acessado por essa cooperativa diz respeito à variação no preço de insumos para agricultura, como as sementes, adubos. As ferramentas e máquinas de trabalho são oriundas de Manaus, de São Paulo e de Minas gerais, isso implica pensar em uma comunicação que extrapola o local e o regional. Os produtores que não são associados à COOAPIR, que também destinam seu produto à Manaus, estão inseridos em um conteúdo informacional e de comunicação mais desarticulado que os agentes produtores vinculados à cooperativa. Em geral, esses produtores dispõem apenas do básico dos aparatos modernos, ficando restritos apenas à telefonia celular que tem apenas uma operadora cobrindo a cidade. Tendo em vista ser o mais eficiente meio, a telefonia celular esta presente em cem por cento das propriedades rurais de Iranduba. A estrutura física muitas vezes é nula, apontando para o uso da televisão como fonte básica de informação através de programas com feição voltada para a agricultura. Os produtores rurais em geral apontam o conhecimento tradicional e adquirido ao longo dos anos como os primordiais ao cultivo, a manipulação, venda e consumo final de seus produtos. Um dos mais freqüentes entraves apontados pelos produtores é a dificuldade de suporte para o uso do computador, para alguns produtores o preço da tecnologia é pouco acessível, além da qualificação necessária para manipular a tecnologia. Dos produtores independentes da Cooapir, apenas um demonstrou ter conhecimento de uma variedade de ferramentas, possui computador e busca informações e conhecimento através de revistas, domina uso de softwares, viaja para congressos e busca constantemente atualizar-se as tendências do agronegócio. Este mostrou maior prosperidade e vantagem para competir em relação aos outros, e isso leva a reflexão de que o conhecimento, a comunicação e a informação são fatores competitivos evidentes. O fato é que outros estudos evidenciam a cidade de Iranduba com boa infraestrutura para os aparatos da comunicação, porém ao rural isso já não é tão evidente. Dispor de equipamentos está longe de ser equivalente a ter o serviço com freqüência e com qualidade. Nas cidades do Amazonas ainda se enfrenta lugares sem acesso a internet a telefonia celular e uma telefonia fixa precária. Isso significa dizer que estar lá, não significa ter o serviço. Um posto de serviço nem sempre está em funcionamento, bem como um telefone público nem sempre pode estar em boas condições. A cidade ainda supre, junto a Manaus, as maiores necessidade do rural em Iranduba, isso porque as políticas públicas ainda são pensadas de maneira diferente para o rural e para o urbano. Em se tratando de Iranduba, e seu papel econômico, pensa-se que o rural deveria dispor de políticas públicas que atendessem e atentassem para a vocação do município. Mesmo sendo o vetor econômico mais importante do município, sujeito as mesmas competições das demais áreas de bens e serviços, Iranduba ainda não conseguiu se estruturar para atender as propriedades rurais, ao que tange a infraestrutura de comunicação. O rural possui dependências claras em relação ao urbano. A ponte sobre o Rio Negro pode ser uma boa expectativa de melhorias para o setor, tendo em vista a expansão prevista para o município. Neste sentido, parece se conduzir uma urbanização que possivelmente transformará o rural em urbano. Espera-se não ser este o caminho para que se elaborem políticas que atendam ao setor, mesmo considerando que cada propriedade passa por estágios de maturidade que corresponderá a tecnologia que esta empregará. O Novo Rural na Amazônia: notas acerca do papel do sistema financeiro no desenvolvimento do agronegócio em Iranduba - AM Pensar a discussão conceitual entre urbano e rural talvez não seja uma tarefa fácil. Principalmente quando se muda de escala e foca-se a análise para a Amazônia. Muitos destes núcleos urbanos carregam simbolismos característicos do modo de vida rural, quando na ordem jurídica recebem a tipologia de cidade, sem de fato exercer plenamente essa função no arranjo da hinterlândia. Essa região esconde e revela, numa relação dialética, especificidades que a distingue das outras regiões do país. Seja o relevo, a hidrografia, o conhecimento tradicional, os modos de viver, a gastronomia e etc. Traços importantes para uma análise inicial do que conceitualmente pode ser definido como urbano e rural na escala da Amazônia. Mas, de que maneira a analise do sistema financeiro pode contribuir para esta discussão? Talvez seja difícil imaginar uma cidade sem bancos, conceber que o acesso ao crédito hoje tão volátil e instantâneo no mundo contemporâneo possa em alguns espaços ser escasso ou nulo. Quando se olha pra Amazônia essa peculiaridade se aproxima da fantasia, cidades desprovidas de acesso ao crédito e dos serviços deste setor econômico. Se o urbano já enfrenta esses obstáculos, o que se pensar do rural, que quase sempre foi tido como o não-urbano, o essencialmente agrícola e numa visão cartesiana como o tradicional? Nos estudos de geografia agrária as discussões permeiam sobre uma questão agrária, no sentido de uma visão homogênea e linear. Contudo, se devem tomar como ponto de partida as singularidades do país e de suas regiões na concepção não de apenas uma questão agrária mais de várias questões agrárias que levem em consideração as inópias de cada região. De fato, o que se precisa entender é que o rural mudou e essas mudanças foram em termos de infraestrutura, nas configurações sociais e em produtividade. Para Domingos Neto (2004, p. 29), essas transformações apontam para a emergência de um “Novo Mundo Rural”, que designa “[...] tanto as transformações em curso na realidade agrário brasileira quanto um paradigma a ser perseguido [...]”. Com a inserção no campo das Novas Tecnologias da Informação, o rural se moderniza e acaba incorporando outra faceta, que porventura mescla o urbano. A construção desse Novo Mundo Rural estava em curso, houve a necessidade de se investir no setor agrário brasileiro. Em 1995 o governo federal formula o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) com o objetivo de prestar assistência de forma diferenciada a pequenos produtores agrícolas que desenvolvem atividades com o emprego da força de trabalho familiar. Dentre os objetivos do programa está o de integrar e fortalecer o pequeno produtor familiar na cadeia do agronegócio, proporcionando a este o aumento do correspondente em moeda e agregando valor aos produtos e a propriedade. Em Iranduba, que pode conceitualmente na definição de Schor et all (2007) como uma cidade pequena de dinâmica econômica externa, visto que, estabelece relações econômicas estreitas com a capital do estado do Amazonas – Manaus. O intermediador entre as instituições de fomento e os proprietários agrícolas é o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas – IDAM que além de informar sobre os financiamentos e suas linhas de crédito deve prestar apoio técnico aos agricultores. Do total de 64 comunidades em Iranduba, o IDAM atende cerca de 44 comunidades atuando como gestor do Pronaf. Porém, o acesso ao crédito se estabelece de forma seletiva, pois é tanto dificultoso para o grande e para o pequeno produtor se enquadrar no perfil de beneficiado. A legislação ambiental e as exigências das instituições de fomento (certidões negativas e etc.) impõem barreiras a essas duas faces de produtores. Em vista desses obstáculos os produtores acabam recorrendo ao setor informal da economia, recorrendo à ilegalidade seja na aquisição de madeira, seja na implementação de projetos ou na liberação de licenças ambientais. Ao pleitear financiamentos perante as instituições de fomento deve ser apresentado um projeto que exponha ao banco os objetivos e de que forma pretende-se lançar uso do recurso. Os produtores não possuem assistência do IDAM para a elaboração de seus projetos de financiamento, o que faz com que aumente ainda mais as barreiras burocráticas de acesso ao crédito. Necessita-se, portanto, que o IDAM crie linhas de crédito específicas que levem em consideração as especificidades de cada produtor. Essas municípios carecem de políticas públicas aos pequenos e médios produtores que ainda não possuem infraestrutura suficiente para a elaboração de projetos, os secretários e técnicos das instituições competentes de auxilio ao agricultor deveriam fazer visitas técnicas nas propriedades e elaborar projetos que pudessem ser avaliados pelas instituições de fomento. A liberação do recurso segue a ordem da cadeia de acesso ao crédito rural, uma vez que parte do recurso é destinado ao IDAM para a prestação de serviços técnicos junto ao produtor agrícola. O Instituto de Desenvolvimento Agrário além de prestar consultoria técnica tem o papel de atuar como consultor financeiro verificando quais as potencialidades de cada produtor e criando e/ou direcionando os mesmos ao agronegócio. Em Iranduba, grande parte dos produtores agrícolas não possuem empréstimos e empregam recursos próprios na atividade agrícola. A maior barreira burocrática são as exigências dos bancos para a concessão ao crédito, o que impossibilita a inserção dos pequenos (por não possuírem infraestrutura suficiente, em termos de enquadramento no perfil de beneficiado), quanto impossibilita a inserção dos grandes proprietários, que apesar de possuírem infraestrutura e recursos suficientes embargam na liberação de certidões negativas e nas licenças ambientais. Considerações Finais Muitas são as abordagens acerca da discussão teórica entre urbano e rural. Quase sempre, esse embate parte da clássica visão de campo e cidade. Na perspectiva do urbano como parâmetro de desenvolvimento e progresso, enquanto o rural é concebido como o atrasado e o tradicional. Até a década de 1960 o Brasil possuía uma faceta essencialmente rural, parte considerável de sua população era rural, sendo caracterizado como um país essencialmente agrícola, voltado para as atividades do setor primário da economia – extrativismo vegetal e agricultura. O caso específico de Iranduba aponta para a proposição de novos conceitos, que não mais tenham como ponto de partida a realidade da região sul e sudeste do país. É fato, que a Amazônia guarda em seu bojo peculiaridades, que se refletem no seu modelo de organização espacial. Essas particularidades se apresentam seja no modo de viver, seja nas adaptações na forma de produzir, em que o conhecimento tradicional se faz presente. Nos três aspectos levantados, percebe-se a concentração dos principais equipamentos dos quais dependem a circulação dos bens e serviços no município. O banco, as feiras e a sede das agências de comunicação. Tal aspecto concorre para a interpretação de que a cidade funciona como uma concentração das atividades que, de forma complementar se estendem ao “campo”, no caso das tecnologias de informação e financiamentos de crédito rural, ou provêm de lá, como a produção rural das propriedades e produção pesqueira das comunidades rurais. Nesse sentido, os espaços urbano e rural dão conta de etapas diferenciadas do mesmo processo. O que se aponta nessa discussão preliminar é a de que não se pode falar de fragmentos do urbano no rural, nem muito menos do seu inverso. Mas é necessário ser feita uma (re)adaptação de conceitos que tracem como perspectiva as características intrínsecas da região. Para este artigo traçou-se como parâmetro um estudo diagnostico sobre três perspectivas distintas – o mercado de peixes, com a logística dos grandes frigoríficos, o papel do sistema financeiro para o desenvolvimento da agricultura e o aspecto das tecnologias de informação no rural. Essa análise apresentou a cara do “Novo Mundo Rural” em Iranduba, que apontam para algumas questões teóricas norteadoras, o parâmetro interessante para a discussão do urbano e do rural na Amazônia, que devido às peculiaridades da região, diferenciam esta classificação (na prática) do restante dos estados brasileiros. Referências CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. ______. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. DOMINGOS NETO, Manuel. “O Novo Mundo Rural”. In: MARTINS, Monica Dias (Org.). O Banco Mundial e a terra: ofensiva e resistência na América Latina, África e Ásia. 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