PRÁTICAS EDUCATIVAS DOS CRISTÃOS-NOVOS EM MINAS GERAIS: ENTRE A TEATRALIDADE DE UM CRISTIANISMO PARA A SOCIEDADE E A EDUCAÇÃO JUDAICA EM SEGREDO DO LAR. (1700 – 1770) MOREIRA, Aleana Jota (FAE-UFMG/GEPHE) Muito se tem dito sobre a inquisição, a história dos judeus e os cristãos-novos, porém quase nada relativo as práticas educativas utilizadas pelos cristãos-novos1 para manterem, mesmo que sob o disfarce do cristianismo, um pouco de sua tradição. Pois, como se justificaria a presença de práticas judaizantes no século XVIII na região das Minas se não tivesse ocorrido a transmissão de conhecimentos de pais para filhos, visto da proibição do culto, fosse esse em sinagogas ou no lar, assim como também a proibição do uso de leitura e escrita em hebraico. É interessante ressaltar que no judaísmo os meninos são levados desde a tenra idade as sinagogas para aprender a estudar a Torá2, portanto faz parte da cultura e tradição o letramento, ou seja aprender “a ler, escrever e contar” para interpretar as escrituras sagradas. Entretanto, a partir da a proibição do culto e das práticas religiosas judaicas e também com a conversão forçada ao cristianismo em 14963 gerou-lhes a necessidade de se adequarem às novas imposições legislativas surgidas em Portugal. Com a instalação do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição a partir de 1536, quando os judeus passam a ser classificados como cristãos-novos, sendo também obrigados a andar com um chapéu amarelo para serem identificados como tal, coincidindo também com ingrementação na perseguição contra os mesmos. Alguns destes prevendo a perseguição ou mesmo a morte, como já havia ocorrido na Espanha por volta do ano de 1492 e em Portugal em 1506, migraram para as novas terras “descobertas além mar”, como tem sido apontado por WIZNITZER (1966), SIQUEIRA, (1978), MOURA (2002) e GARCIA (1936) em estudos que tratam sobre o início da colonização do Brasil. Citam os cristãos-novos como presentes entre os primeiros exploradores destas terras e consequentemente também os primeiros colonos e senhores de engenho. 1 Segundo Adriana Romeiro CRISTÃO-NOVO é o mesmo que homem da nação. A distinção entre cristão-velho e cristão-novo surgiu em 1496, quando o Rei português D. Manuel obrigou os judeus expulsos de Castela no ano de 1492 a se converterem ao catolicismo, sob pena de serem expulsos do território luso. p.90-91. 2 É o nome dado aos cinco primeiros livros do Tanakh e que constituem o texto central do judaísmo. Tora significa instrução, lei, apontamento. A Lei (Torá) – composta pelo Pentateuco, os cinco livros de Moisés: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Contém as normas legais, morais e as regras do culto judaico. 3 O Rei D.Manuel dá duas opções aos judeus, a explusão ou a conversão. Do início da colonização até as entradas e povoamento da região hoje denominada Minas Gerais passaram-se quase duzentos anos, e neste espaço de tempo ocorreram três Visitações do Santo Ofício sendo estas na Bahia e em Pernambuco. O temor de ser descoberto e preso pelos visitadores teria favorecido a interiorização e o desbravamento dos sertões? Talvez sim, mas o que interessa aqui neste trabalho é compreender como, apesar de todo o medo e insegurança que a Inquisição4, ou melhor dizendo que as visitações trouxeram, continuaram a praticar os costumes judaicos? Como eram transmitido os conhecimentos e a tradição judaica se não podiam estudar a Tora ou qualquer outro texto referente as leis sagradas? Se também não podiam praticar seus rituais e orações em público por temor que algum familiar ou cristão-velho os denunciasse? Diante do grande número de Processos Inquisitoriais e denúncias de judaizantes nas Minas colonial5, podemos inferir que ocorreu certa permanência da tradição judaica entre os cristãos-novos. Apesar de, como relata Ângelo Adriano Faria de Assis, o afastamento temporal do período de livre divulgação do judaísmo, fez com que seus ritos e crenças ganhassem novos contornos, perdendo muito de seus significados originais. A educação no lar passou a ter o significado mais forte, como define Anita Novinsky: (...) proibida a sinagoga, a escola, o estudo, sem autoridades religiosas, sem mestres, sem livros, o peso da casa foi grande. A casa foi o lugar do culto, a casa tornou-se o próprio Templo. No Brasil Colonial, como em Portugal, somente em casa os homens podiam ser judeus. Eram cristãos para o mundo e judeus em casa 6. Assim sendo, no interior do lar as informações sobre as tradições judaicas passaram a ser transmitidas, como podemos observar através dos processos e denúncias, pois onde a igreja viu heresia e pecado vejo a transmissão do conhecimento, das tradições, da cultura e as permanências. A educação sendo passada de forma informal no dia-adia, contudo sem informar que era uma tradição judáica, como exemplo este trecho da confissão de Dona Custódia [de Faria] cristã nova: E confessando se disse que havera dois anos logo no começo que ela casou, sendo já casada com o dito seu marido lhe morreu em casa um escravo seu e nesse dia veio ter ai sua mãe Beatriz Antunes e lhe ensinou que lançasse a água fora que havia em casa porque era bom para os parentes do morto que ficaram vivos sem lhe declarar mais 4 Apesar de não ter instaurado nas terras brasileiras o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, os familiares estavam presentes por entre as comunidades, denunciando, assim como também os Comissários, e quando caiam nas malhas da denúciação eram levados a Lisboa para o processo. 5 Neusa Fernandes arrolou 481 nomes de cristãos-novos 6 NOVINSKY, Anita W. “O papel da mulher no cripto-judaísmo português”. In: Comissão para a igualdade e para os direitos das mulheres. O rosto feminino da expansão portuguesa. Congresso Internacional Lisboa, 1994. (p. 549-555) 2 nada senão somente sua avo dela confessante lhe ensinara também isto a qual sendo moçaaprendera isto no reino de uma cristã velha e que ella confessante lançou aquela vez e mandou lançar fora toda a água e casa simplesmente sem entender que era cerimônia de judeus e sem má intenção e da culpa7 Os estudos sobre a história da educação no Brasil Colonial revelam a importância dos jesuítas para a educação, pois estabeleceram escolas e começaram a ensinar a ler, escrever e a contar e cantar, “as gentes da terra” e aos filhos dos colonizadores. Mas estas escolas localizavam-se próximas ao litoral. Após a descoberta do ouro a Coroa proibiu-se a construção de escolas jesuíticas nas Minas Coloniais e em 1750 ocorreu a expulsão dos jesuítas das terras portuguesas, incluindo suas colônias. José Gonçalves Salvador em Cristãos-novos, jesuítas e inquisição indica que: No Brasil, durante séculos, quase todo o ensino permaneceu em mãos dos membros da Companhia [de Jesus]. Eram escolas de que dispunham as famílias para colocar seus filhos. Ora, os hebreus sempre figuraram entre os que mais se interessaram pelo saber. Por tal motivo, e em vista de suas relações com os jesuítas, mandavam-nos cursar as aulas deles. Mas, como ocorreu a instrução das primeiras letras aos filhos dos moradores das minas, sem as escolas jesuíticas? O que me levou a refletir sobre quais seriam as práticas educativas utilizadas para a transmissão da tradição milenar judaica foram alguns pedidos inusitados encontrados nos testamentos do século XVIII na Comarca do Rio das Velhas. Porém como investigar algo que foi feito de forma a não ser descoberto pelos olhares sagazes dos familiares8. O objetivo deste texto é demonstrar que estratégias e processos educativos foram utilizados pelos cristãos-novos para continuarem a praticar os costumes judaicos e também apontar os investimentos educacionais realizados pelos cristãosnovos para seus descendentes ou para outras crianças. As fontes utilizadas foram: Testamentos e Inventários que se encontram no Arquivo Público Mineiro (Belo Horizonte) e Casa Borba Gato/Anexo do Museu do Ouro (Sabará). Nos Testamentos aparecem os diferentes pedidos e indicações de educação para os órfãos deixados pelo testador ou testadora. Como por exemplo, no testamento do Alferes Lourenço de Oliveira Porto, português, casado e deixa 5 filhos, ele institui e 7 ABREU, J.Capistrano de. Primeira Visitação do Santo Ofício: às partes do Brasil. Confissões da Bahia 1591 - 92. Pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça. Rio de Janeiro: F. BRIGUIET &C.ª, 1935. p.131 8 Segundo ROMERO e BOTELHO (2004) Familiares eram homens leigos, que atendiam ao requisito de limpeza de sangue, contando com as funções semelhantes às dos comissários, como colher denúncias, investigar, confiscar os bens, prender e remeter o rui a Lisboa. 3 nomeia a mulher tutora e curadora dos filhos menores e também pede para enterrá-lo “das grades para baixo”. O que teria neste local de especial? Ao investigar sobre as hipóteses que poderiam levar o indivíduo a escolher o local para ser enterrado, deparei-me com uma possibilidade que apontava para o costume judaico de enterrar seus mortos “em terra virgem”. Outra observação foi o grande número de testadores que sabiam ler e escrever no período investigado, principalmente, quando aparecem mulheres que fazem o uso das letras, isto porque, segundo a bibliografia que trata este período, não era comum encontrar nessa época mulheres letradas. Como no exemplo acima encontrei alguns testamentos em que os maridos (testadores) instituíram suas esposas tutoras de seus filhos por serem “capazes de administrar os bens e educar os filhos”, o que também não era comum, apesar de estar previsto na legislação vigente na época9. O que tornaria estas mulheres aptas a tornarem-se administradoras dos bens? Quais seriam estes bens, isto é, qual era o provimento da renda familiar que estas mulheres seriam capazes de administrar? Estas mulheres sabiam ler, escrever e contar ou não? Uma das hipóteses levantadas seria a possibilidade de que estas mulheres fossem esposas de homens que exerciam alguma atividade econômica que requeriam conhecimento da leitura e escrita e/ou do contar, tais como: comerciantes ou mercadores, e que estes esporadicamente se ausentavam de seus lares em função dos negócios, por um tempo demasiado longo. Consequentemente as mulheres aprendiam a lidar com as atividades administrativas ou comerciais de seus esposos além de educar os filhos e cuidar do lar. Esta hipótese foi reforçada ao ler o texto de Ângelo Faria de Assis10 que aponta para a importância que passou a ter a mulher judia diante da proibição da fé hebraica em público, isto porque a ela foi passada a incumbência da educação no lar dos preceitos judaicos, transformando assim o judaísmo numa espécie de “religião domiciliar”. Lina Gorenstein11 também menciona que devido ao impedimento da existência de escolas judaicas “a cultura doméstica continuou, em parte, com aquelas práticas e celebrações de portas a dentro”, embora 9 Nas Ordenações Filipinas no Livro 4 título 102: Dos tutores e curadores que se dão aos órfãos diz que os pais se ficassem viúvos não haveria necessidade do Juiz de Órfão nomear tutores, (exceto se a mãe em testamento assim o pedisse) porém no caso da mulher ficar viúva seria necessário a nomeação de tutor para os órfãos menores e a prestação de contas nos períodos de dois em dois anos destes aos Juiz de Órfãos. Se a mãe estivesse indicada para a tutela dos órfãos no testamento do pai , então a lei a permitiria, porém ela não estaria isenta de prestar contas aos Juízes de órfãos. Como constar na legislação “Querendo a mãe do menor ser sua Tutora, he preferida a qualquer pessoa, inclusive a avó ou avô paterno (Strikio – Uz. Mod. Liv. 26 t. 4 § 31), contanto que seja hábil de servir na Tutoria, viva honestamente e se conserve na viuvez.” 10 ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. Inquisição, religiosidade e transformações culturais: a sinagoga das mulheres e a sobrevivência do judaísmo feminino no Brasil colonial – Nordeste, séculos XVI-XVII. In: Revista Brasileira de História, 2002, vol. 22, n.º43, p.47-66. 11 SILVA, Lina Gorenstein Ferreira. Heréticos e Impuros: a Inquisição e os Cristãos-novos no Rio de Janeiro – século XVIII. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1995, p. 121. 4 essas práticas sofressem certas modificações e esvaziamento em função do distanciamento do período em que o judaísmo era permitido e praticado sem impedimentos ou limitações. Outra curiosa solicitação que chamou a atenção foram as orações pedidas, geralmente ao primeiro testamenteiro, “que sabia de ante mão qual a oração que deveria se rezar” na hora do sepultamento. Isto porque nos documentos geralmente observa-se um grande número de pedidos para realização de missas após a morte, e não para se recitarem orações. Ao verificar as hipóteses para estes pedidos, também inusitados, encontrei uma possível explicação na Carta Monitória que apresenta um item que cita como uma das formas de se identificar um judeu seria a observância da forma de orar, isto é se no momento de orações (supostamente católicas) ocorria a recitação de preces judaicas, ou ainda se ao recitar os Salmos penitenciais omitia-se a parte que diz Gloria Patri, et Filio, et Spiritu Sancto. Ao procurar conhecer um pouco mais sobre as ditas diferenças encontradas no contexto dos testamentos conheci outros costumes ou práticas judaizantes12, que poderiam servir para identificar e denunciar os cristãos-novos. Na historiografia portuguesa procurei subsídio em estudos sobre a Inquisição em Portugal e no Brasil, indispensáveis para o desenvolvimento da pesquisa sobre os cristãos-novos. A maioria dos autores se referiram ao estabelecimento da Inquisição em Portugal, às ações do Estado e da Igreja. Ou apresentaram alguns relatos de inquéritos e estudos genealógicos dos cristãos-novos inquiridos no Tribunal do Santo ofício da Inquisição. Apesar de algumas obras serem mais tradicionais do que outras os estudos priorizam os aspectos econômicos e sociais. Na historiografia tradicional brasileira são muitos os autores que mencionam os cristãos-novos em suas obras, relacionando-os igualmente aos aspectos econômicos, ligando-os principalmente, mas não só, aos mercadores e suas ações no tráfico negreiro e no apresamento dos índios. Nas obras especificas sobre os cristãos-novos no Brasil, a maioria refere-se aos relatos da Visitação do Santo Ofício — já que no Brasil não foi instituído o Tribunal do Santo Ofício — como por exemplo, a obra em que Capistrano de Abreu transcreve a Primeira Visitação do Santo Ofício: as partes do Brasil, na qual o autor parte dos documentos feitos pelo visitador licenciado Heitor Furtado de Mendonça referentes as 12 O culto judaico apresenta alguns costumes e ritos que se conservaram, apesar da perseguição do Tribunal do Santo Ofício aos não católicos, entre estes costumes estão: guardar o Sábado e nele usar roupas limpas; não comer toucinho, nem coelho, nem peixes com pele ou couro; observar o jejum de Kipur, e o da Rainha Éster; orar de certo modo; banhar defuntos; ser enterrado em solo virgem, etc. — foram os costumes judaicos que auxiliaram a identificação dos judaizantes pelos familiares, e conseqüentemente a denuncia aos visitadores. 5 Confissões da Bahia entre 1591 e 1592. A maioria dos historiadores refere-se as ações e estudos genealógicos ocorridos em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro como é o caso dos autores DINES (1992) que aborda os 460 anos de presença judaica em Pernambuco; WIZNITZER (1966), SIQUEIRA, (1978), MOURA (2002), GARCIA (1936) chamam a atenção para a influência judaica na “descoberta” e colonização do Brasil. Analisam a atuação econômica dos cristãos-novos no Brasil como proprietários de latifúndios (senhores de engenhos e negociantes do açúcar que produziam) e por vezes também galgaram posições representativas na vida social e política, ou tiveram postos na governança e na administração. Apresentam também a questão do choque de interesses da Metrópole em contrapartida com a defesa dos interesses dos colonizadores, e a relação do controle da metrópole sobre a colônia. Apontam as Visitações do Santo Ofício sendo utilizadas como medida encontrada pelo Estado Português para evitar o enraizamento dos ideais judaicos na colônia, (como é bastante estudado principalmente em Pernambuco e Bahia) prevenindo assim, a difusão de heresias como disfarce para as verdadeiras intenções da metrópole, que era o de conter a ação dos cristãos-novos ou judeus holandeses no Brasil; LIPINER (1969 e 1977) e ASSIS (2002) que focam os regulamentos e a identificação dos cristãos-novos na colônia, em especial os da “capitania de cima”, fazem preciosa referência à importância da mulher cristã-nova na permanência dos hábitos e preceitos judaicos; NOVINSKY (1972), VAINFAS (1997) e PIERONI (2000 e 2003) apresentam olhares sobre os regulamentos que regiam a inquisição e a identificação dos cristãosnovos na colônia, como também as mentalidades que envolviam o contexto colonial brasileiro, com as especificidades e diferenças de cada região. Alberto Dines diz que: Na Bahia, no Rio de Janeiro, e depois, em Minas entre as primeiras décadas do século XVII e meados do XVIII, vamos encontrar núcleos de cristãos-novos mantendo o seu calendário, preservando tradições, repetindo rezas e, sobretudo, mantendo contatos com as comunidades livres da França, Holanda e Londres. Apesar de uma vasta historiografia, poucos são os estudos específicos sobre os cristãos-novos em Minas Gerais, pois estes só aparecem como objeto de estudo na década de 90 do século XX: SALVADOR (1992), que coloca em foco as atividades econômicas relacionando os cristãos-novos com a economia mineira do Brasil colonial, durante o ciclo do ouro e as relações com a Inglaterra; FIGUEIREDO (1996), que fala das práticas inquisitoriais em Minas Gerais e as relações sociais que envolviam o cotidiano da Capitania no século XVIII; FERNANDES (1997), que faz um estudo minucioso sobre a inquisição em Minas Gerais e seus atores, apresenta um grande levantamento de cristãos-novos que residiam em Minas Gerais; NOVINSKY 6 (2001) refere-se à ampla rede de comunicação existente entre os cristãos-novos em grande parte da colônia, aprofundando sobre a ação da Inquisição sobre os cristãosnovos em Minas Gerais com o estudo de cinqüenta e sete processos de cristãosnovos presos. Outros autores mencionam os cristãos-novos em Minas, porém não como objeto específico de estudo, focalizando o envolvimento deles nas atividades econômicas: LIMA JUNIOR (1978), IGLESIAS (1972), LUNA (1981), MELO (1969), MACHADO F. (1985), PAIVA (1995), TORRES (1980), VASCONCELOS (1974), VARNHAGEM (1948) entre outros. Não foi localizada produção historiográfica específica sobre a educação dos cristãos-novos, e as poucas referências sobre qualquer prática educativa são indiretas, geralmente em estudos de autores de outros campos historiográficos, que não da história da educação. Estas referências mostram que o judaísmo é um culto de tradição letrada, além de indicar à proibição de leituras e livros em hebraico, ou ainda referem-se a processos inquisitorias que acusavam os criptojudeus de preservar textos judaicos secretamente. Também há referências à preservação da memória através da permanência das tradições judaicas, porém não mencionam como se processava a transmissão dos conhecimentos, nem como faziam para ensinar seus filhos a ler e escrever. Sobre os livros proibidos que circulavam na colônia, os usos do livro pelos leitores e o funcionamento do processo de censura e controle destacam-se nos estudos de VILLALTA (1995, 1997 e 1999). Quanto à produção de livros e o ofício de tipógrafo, OMEGA (1969) nos relata a importância da Arte da Impressão dos cristãos-novos e judeus. LIPINER (1969) também menciona a censura dos livros e indica que apesar da perseguição pelo Santo Ofício contra as bíblias traduzidas “parece que exemplares da tradução proibida foram introduzidos clandestinamente, e em grande número na colônia”(p.113). A educação foi mencionada em ASSIS (2002) que foca a importância da mulher no papel de educar e de dar continuidade às práticas judaicas, visto que o “cabeça da família” estava em constantes viagens pela colônia quando estes eram mercadores ou mineradores, assim mantendo o judaísmo no interior dos lares, modificando a prática das leituras sagradas da Torá na prática da leitura do antigo testamento da Bíblia católica. Portanto, a historiografia sobre os judeus e sobre os cristãos-novos, até o momento, priorizam as discussões destacando as discriminações e as perseguições sofridas tanto na metrópole quanto nas colônias portuguesas. Também observamos uma tendência a relacioná-los às atividades econômicas desenvolvidas nas mesmas. Alguns autores elaboraram grandes listas de nomes de pessoas que sofreram a inquisição através das Visitações do Santo Ofício no Brasil, para o qual se basearam 7 nos processos inquisitoriais. Os estudos priorizaram Pernambuco e a Bahia, sendo pouco estudada a Capitania de Minas Gerais. A historiografia em geral, indica lacunas no que se refere às práticas educativas, seja esta escolar ou não. No entanto, apontam para as possibilidades de se ampliar a investigação sobre as estratégias e processos educativos utilizados pelos cristãos-novos para continuarem a praticar os costumes judaicos, mesmo que disfarçados em cristianismo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAUJO, Emanuel. O teatro dos Vícios: Transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. 2.ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. Inquisição, religiosidade e transformações culturais: a sinagoga das mulheres e a sobrevivência do judaísmo feminino no Brasil colonial – Nordeste, séculos XVI-XVII. In: Revista Brasileira de História, 2002, vol. 22, n.º43, p.47-66. AZEVEDO, J. Fernando. A Cultura Brasileira, São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1964. AZEVEDO, J. 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