ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA CUSTO DE FORMAÇÃO DE POMARES EM PRESENÇA DE CLOROSE VARIEGADA DE CITROS: ESTUDOS DE CASO DIOGO SUZIGAN DRAGONE (1); CRISTIANO CABIANCA RAMOS (2); MARCELO MELARATO (3) e EVARISTO MARZABAL NEVES (4) RESUMO O estudo compara dois sistemas de formação (mudas certificadas e mudas a céu aberto) de pomares em cenário de convivência com clorese variegada dos citros (CVC). Mensuram-se os custos operacionais de formação de duas áreas, coletando-se todos os dados referentes às exigências de uso e serviços de fatores produtivos (mão-de-obra, maquinaria, adubos, corretivos, defensivos, mudas etc.), por atividades e operações, para os quatro anos de formação. Um sistema é levantado em uma propriedade agrícola no município de Araraquara (SP), com mudas certificadas, inseticida sistêmico aplicado via solo e densidade de plantas de 408 pés por hectare; outro, em propriedade agrícola no município de Pirassununga (SP), com mudas a céu aberto, (1) Engenharia Agronômica ESALQ/USP. E-mail: [email protected] ESALQ/USP. (3) Aluno de pós-graduação (Doutorado) no Departamento de Solos e Nutrição de Plantas ESALQ/USP. (4) Departamento de Economia, Administração e Sociologia - ESALQ/USP, Caixa Postal 9, 13418-900 Piracicaba (SP). E-mail: [email protected] (2) ARTIGO TÉCNICO 40 DIOGO SUZIGAN DRAGONE et al. aplicação de inseticida por via aérea e densidade de plantas de 476 pés por hectare. No cômputo dos custos, são considerados, ano a ano, aqueles de serviços e quantidade de insumos e material, das operações de maquinaria (depreciação, horas-máquina), de mão-de-obra (dias-homem, encargos e salários), determinando-se a produtividade (eficiência) dos serviços dos fatores de produção. Todos os preços são convertidos para dólar de janeiro de 2000 (US$1,00 = R$1,77). Obteve-se maior custo médio de formação (horizonte temporal de quatro anos) para o sistema de produção da propriedade em Araraquara, em comparação com a de Pirassununga. Termos de indexação: custo de produção, CVC, citricultura, sistemas de produção. SUMMARY COSTS OF NON-BEARING CITRUS TREES DEVELOPMENT IN THE PRESENCE OF CITRUS VARIEGATED CHLOROSIS: A COMPARATIVE ANALYSIS This study compares two systems of citrus growing (certified nursery trees and non-certified nursery trees) of orchards in the presence of CVC. It measures the operational costs of formation of two areas by collecting data relative to service requirements and use of productive factors (labor, machines, fertilizers, limes, chemicals, and other materials) for 4 years of tree growth. One system is conducted in a farm in Araraquara, State of São Paulo (SP), Brazil, with certified nursery trees, systemic insecticide applied to the soil, and density of 408 trees/ha; another one, a farm in Pirassununga, SP, with non-certified nursery trees, application of insecticide directly to the tree and density of 476 trees/ha. Costs of growing trees were accounted year by year (four years) by summing up individual costs of services and use of inputs, materials, machinery (depreciation and hour- LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.1, p. 39-48, 2001 CUSTO DE FORMAÇÃO DE POMARES EM PRESENÇA... 41 machine), labor (day-man and wages). The efficiency of production factors was evaluated. Prices are converted to the currency exchange rate (US$1.00 = R$ 1.77) in January 2000. The management costs (planning horizon of 4 years) for Araraquara was greater than that obtained in Pirassununga. Index terms: production cost, CVC, citrus industry, production systems. 1. INTRODUÇÃO Na década dos anos oitentas e início dos noventas, a citricultura passou por períodos de euforia com preços atrativos e compensadores. Nesse período, houve negligência no controle de custos, já que a estratégia era produzir cada vez mais sem se preocupar com despesas; onde o fluxo de caixa era elevado, com diferencial positivo entre receita bruta e custos de produção. Foi a época áurea da citricultura, que evoluiu no vácuo das geadas da Flórida, ganhando mercados para o suco concentrado de laranja num cenário de demanda mundial insatisfeita. Na ânsia de ganhos, não houve um planejamento estratégico de expansão ordenada, com base no horizonte temporal de estimativas mais adequadas de ofertas e demandas futuras. Essa expansão desordenada de plantios favoreceu o aparecimento de doenças nos pomares, com maior incidência em algumas regiões citrícolas paulistas, que, aliadas a preços em queda, elevação de estoques domésticos de suco concentrado congelado, crescimento da produção da Flórida, demanda européia estacionada ou levemente ascendente, e os mercados “novos” subindo vagarosamente criaram um cenário no qual a mensuração de eficiência de operações para a obtenção de custos de produção tornou-se um fator relevante e também de sobrevivência para as propriedades consideradas citrícolas. LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.1, p. 39-48, 2001 42 DIOGO SUZIGAN DRAGONE et al. Assim, nessa nova citricultura, o planejamento e o controle de custos de produção terão um papel importante em todas as etapas da produção, num ambiente de acirrada competitividade mundial. A citricultura está presente principalmente no Estado de São Paulo, sendo o suco de laranja concentrado congelado o segundo produto de exportação do Estado, com 1,33 bilhão de dólares em 1999 (NEVES, 2000), perdendo recentemente para aviões. Também, deve-se salientar que o suco de laranja é um produto genuinamente nacional, importantíssimo para a pauta da balança comercial, visto que o fluxo de caixa líquido (exportações e importações) o revela como um dos poucos produtos de elevado índice de nacionalização (NEVES, 2000). A expansão desordenada de plantio levou ao estabelecimento de habitat apropriado para instalação e disseminação de muitas doenças, algumas de etiologia desconhecida, e proliferação de pragas, de tal forma que, na decomposição de custos, o item defesa sanitária cresceu em importância relativa, representando boa parcela dos dispêndios na condução das operações na formação e manutenção de pomares. Em vista da preocupação recente com a clorose variegada dos citros (CVC), o retorno do cancro cítrico e o alastramento de outras doenças e com a sustentabilidade de pomares sadios e produtivos, os citricultores vêm apoiando-se em recomendações de práticas de defesa sanitária advindas de entidades de pesquisa, de assistência técnica ou da extensão. A pesquisa mostra novos caminhos com a expectativa de resultados para uma nova citricultura mais sustentável com base nos projetos como Genoma FAPESP (Xylella fastidiosa); Genoma Xanthomonas (cancro cítrico) e Genoma Funcional, entre outros, desenvolvidos em laboratórios e Campos Experimentais de Institutos e Universidades Públicas e Privadas. Nesse encaminhamento, não se tem uma receita única, pois, para cada região produtora, dependendo de suas especificidades climáticas, topográficas, tamanho do estabelecimento e dos laranjais, há diversidade LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.1, p. 39-48, 2001 CUSTO DE FORMAÇÃO DE POMARES EM PRESENÇA... 43 na condução operacional dos pomares, estabelecendo sistemas diferenciados de produção que provocam variações nos dispêndios. Para NEVES et al. (1988), nesse caso, a expressão “cada cabeça, uma sentença” encontra eco na agricultura, pois “cada produtor, um sistema de produção” e “cada sistema de produção, um custo de produção”. Dada essa condição, o que se propõe neste estudo de casos é estabelecer um quadro referencial de duas situações de formação e plantio de pomares, um na região de Araraquara (SP) e outro em Pirassununga (SP), em um cenário de convivência com CVC. Análises de custos e investimentos que tratam de um cenário em que a CVC se manifesta intensamente são raros na literatura, já que a doença começou a ser preocupação a partir do segundo qüinqüênio dos anos noventas. AMARO et al. (1997) tentam analisar os efeitos econômicos decorrentes da CVC, apoiando-se nas planilhas de custos operacionais para a laranja, elaboradas pelo Instituto de Economia Agrícola. Esse é, talvez, o primeiro e único trabalho existente de custo sobre a moléstia no Brasil. Os autores efetuam simulações, mas alertam para as dificuldades existentes em função de pressuposições sobre o modelo de custo. Chamam a atenção para os trabalhos de pesquisa sobre a CVC que se voltam atualmente em duas direções: busca de árvores tolerantes ou resistentes e aprimoramento de técnicas de convivência. Como a doença ataca principalmente plantas jovens, sua maior ameaça está na fase de formação dos pomares (até quatro anos) até atingirem a fase adulta (sete anos). Esses autores, utilizando o conceito de custo operacional efetivo, ano a ano, estabeleceram um fluxo de investimento para os primeiros quatro anos (considerados de formação), simulando o aumento de despesas provenientes das práticas recomendadas e acréscimos no uso de defensivos. Verificaram que, no primeiro ano de formação do pomar, o custo do preparo do terreno e do plantio propriamente dito são as operações LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.1, p. 39-48, 2001 44 DIOGO SUZIGAN DRAGONE et al. mais onerosas. Dessa forma, os serviços de máquinas, a mão-de-obra e as mudas representam os maiores itens de custo. Nos anos subseqüentes ao plantio (2.º ao 4.º ano), os custos dos demais itens aumentam em função da maior necessidade de tratamentos fitossanitários e de adubação. Para 1996/97, verificaram que o custo por planta (quatro anos iniciais) sofreu um acréscimo de 40% (US$13,97/planta) em relação à estimativa anterior de custo, sem considerar as práticas recomendadas (US$9,98/planta). Comparando-se com a média de custo de formação calculada para o período 1986-96, expressa em dólar, os autores verificaram que a variação foi de 11% a mais. NEVES (1999) constata o aumento nos dispêndios com inseticidas para a laranja por unidade de área (hectare): em 1997, as vendas resultaram em US$18,09/hectare passando para US$26,50/ha em 1998. O aumento de vendas de inseticidas, bem como o de acaricidas (81 milhões de dólares em 1997 para 95 milhões de dólares, para laranja, em 1998) fez com que os dispêndios com defensivos/hectare passassem de 134,24 milhões de dólares em 1997 para US$160,10/ha em 1998. TERSI & RIGOLIN (2000) determinaram fatores que aumentaram o custo de produção pela ocorrência de CVC em cinco propriedades no “Cinturão Citrícola” Paulista. Dividindo os custos em diretos e indiretos, constataram que nos primeiros o que mais aumentou o custo foram os gastos com a poda e/ou arranquio de plantas (US$12,00 a 42,00/ha ano) e despesas para decréscimo da população de cigarrinhas vetoras (aproximadamente US$108,00/ha ano), enquanto, para os indiretos, os custos foram relacionados à redução futura de frutos e à necessidade de replantas. Em função desses custos, recomendam nova filosofia de manejo dos pomares objetivando a menor incidência da doença. Assim, o objetivo do trabalho foi a determinação de custos operacionais para a formação de pomar de laranja em cenário de convivência com CVC em duas propriedades agrícolas paulistas. LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.1, p. 39-48, 2001 CUSTO DE FORMAÇÃO DE POMARES EM PRESENÇA... 45 2. MATERIAL E MÉTODOS • Sistema adotado em Araraquara: foi desenvolvido em um pomar de laranja ‘Pêra’ (copa) e limão ‘Cravo’ (porta-enxerto), com a densidade de 408 plantas/ha, tendo espaçamento de 7 m entre as linhas e 3,5 m entre as plantas (7 x 3,5 m). Utilizaram-se mudas certificadas (estufas teladas) produzidas sob as mais rigorosas normas de certificação, levando em conta sanidade e vigor. O uso do inseticida aplicado via solo, Aldicarb, foi escolhido considerando indicações de técnicos com larga experiência no setor e que estavam recomendando seu uso em várias propriedades com incidência de CVC. • Sistema adotado em Pirassununga: foi desenvolvido em um pomar de laranja da mesma variedade do sistema anterior, com densidade de 476 plantas/ha, tendo um espaçamento de 7 m entre as linhas e 3 m entre as plantas (7 x 3 m). Empregaram-se mudas não certificadas (produzidas a céu aberto) nas quais as atuais normas de produção de mudas não foram usadas, não apresentando garantia de sanidade e vigor. Foi escolhido o uso de vários inseticidas aplicados por via aérea, por ser um método aparentemente menos oneroso e de larga utilização atual nos pomares. As práticas culturais recomendadas de formação para as duas áreas foram mensuradas, coletando-se todos os dados referentes às exigências de uso e serviços de fatores produtivos (requerimentos de mão-de-obra, maquinaria, adubos, corretivos, defensivos, mudas, etc.), por atividades e operações, para os quatro anos de formação. Foi calculado o custo operacional convencional (método proposto pelo Instituto de Economia Agrícola - IEA), ano a ano, considerando-se ativos variáveis e ativos fixos (estes na forma de fluxo - depreciação, juros sobre capital, conservação, etc.). O cálculo de custo operacional levou em conta os gastos em todas as operações e serviços de fatores produtivos, preocupando-se com os LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.1, p. 39-48, 2001 46 DIOGO SUZIGAN DRAGONE et al. rendimentos obtidos em cada um dos fatores para que os custos fossem os mais próximos dos encontrados em propriedades com um sistema de produção semelhante. Os dados que medem a eficiência dos serviços e usos dos fatores de produção foram obtidos via cronometragem de operações nos pomares descritos e, também, por meio de informações obtidas dos técnicos responsáveis pelas propriedades. Todos os valores foram convertidos a valores de janeiro/2000 (US$1,00 = R$1,77). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Pomar em Araraquara: Considerando-se os quatro anos de formação do pomar, os custos foram de US$4.112,29 por hectare ou US$10,08 por planta. Na decomposição, denota-se o considerável peso das operações com insumos, US$3.461,27/ha ou US$8,48/planta, os mais dispendiosos nesse sistema de produção. Entre os insumos, os custos ficam bem divididos, mostrando que o uso de inseticidas (US$1.830,38/ha) é o mais oneroso (Tabela 1), sendo seguido pelos fertilizantes (US$488,84/ha). Pomar em Pirassununga: O custo total de formação foi de US$2.338,49/ha ou US$4,91/planta, mostrando grande diferença no uso de insumos em vista do menor gasto com as mudas (não certificadas) e inseticidas aplicados via aérea. Mesmo nesse sistema em que as mudas são desenvolvidas a céu aberto, também os insumos têm grande importância nos custos de formação, atingindo US$1.616,54/ha (a valores de jan. 2000) ou US$3,39/ planta (Tabela 1). LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.1, p. 39-48, 2001 CUSTO DE FORMAÇÃO DE POMARES EM PRESENÇA... 47 Tabela 1. Custos Operacionais de Formação de Pomares em Araraquara e Pirassununga, em US$/ha/ano (Valor Total para os 4 Anos) US$/ha na formação Itens Araraquara Pirassununga Mão-de-obra ............ 378,69 196,18 Máquinas .................. 272,33 525,77 Insumos .................... 3.461,27 1.616,54 Fertilizantes ....... 488,84 414,87 Herbicidas ......... 15,50 121,28 Corretivos .......... 68,92 19,24 Mudas ............... 1.057,63 605,00 Fitossanitários ... 1.830,38 456,15 Total formação (4 Anos) .................. 4.112,29 2.338,49 Valores de janeiro de 2000 (US$1,00 = R$1,77). Este trabalho procura dar uma contribuição aos estudos de custos na citricultura num cenário de convivência com a CVC. Nesta área, como vimos, poucos estudos foram desenvolvidos no Brasil, podendo-se citar AMARO et al. (1997) como os pioneiros na especificação de custos direcionados à CVC. Considera-se ainda que se trata de estudos de caso, não se podendo estender seus resultados para a citricultura de modo geral. São sistemas específicos, relativos às situações regionais e especificidades de recomendações técnicas de assistência e extensão. A análise comparativa dos dois sistemas estudados indica que os custos do sistema adotado em Araraquara são mais dispendiosos do que os obtidos em Pirassununga em vista da agregação de maiores dispêndios no monitoramento de práticas recomendadas para o controle da CVC (mudas teladas e certificadas, defensivos mais caros) e o standard de plantio. LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.1, p. 39-48, 2001 48 DIOGO SUZIGAN DRAGONE et al. Ambos os sistemas comprovam a grande importância dos insumos dentro da citricultura atual, independentemente do tipo empregado na região ou propriedade citrícola. Isso mostra que os gerenciadores de custos devem ficar atentos principalmente para a otimização dos serviços e usos de fatores de produção, vis-à-vis com o comportamento e expectativa de preços da caixa de laranja. Deve-se ainda salientar que não foram considerados rendimentos culturais futuros dos dois sistemas, por se tratar de pomares ainda em formação, sendo analisados apenas diferentes sistemas de produção em cenário de convivência com CVC. Ademais, considera-se que nenhum sistema de produção analisado é cientificamente melhor ou pior, em vista da inexistência de estudos comparativos de sistemas de produção levando em conta a convivência com a CVC. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARO, A.A.; MAIA, M.L.; GONZALES, M.A. Efeitos econômicos decorrentes da Clorose Variegada dos Citros. In: ______. Clorose variegada dos citros. Bebedouro: Fundecitrus/E.E. Citricultura de Bebedouro, 1997. p.123-135. NEVES, E.M. Biotecnologia e Defesa Fitossanitária na Citricultura: Economicidade de uso de fatores de produção em condições de risco. Relatório CNPq. Fevereiro/2000. 69p. NEVES, E.M. Citricultura: importância de adubação e defesa fitossanitária nos custos. CitroNews, Araras, nº 8, Agosto 1999, p.7-8. NEVES, E.M.; SHIROTA, R.; SARTORELLI, S.R.P. Análise de Investimentos na Agricultura: Uma metodologia para determinação de custos para culturas perenes. In: CONGRESSO LATINOIBERO-AMERICANO DE PESQUISA OPERACIONAL E ENGENHARIA DE SISTEMAS, 4., 1998, Rio de Janeiro, Anais... v.2, p.976-990. TERSI, F.E.A.; RIGOLIN, A.T. Impacto da clorose variegada dos citros no custo de produção de cinco propriedades do centro e do norte paulistas. Laranja, Cordeirópolis, v.21, n.1, p.29-38, 2000. LARANJA, Cordeirópolis, v.22, n.1, p. 39-48, 2001