Em Foco Entrevista a António Gonçalves Monteiro, presidente da Comissão de Normalização Contabilística (* a entrevista efetuada em 17 de junho de 2013). O colega assumiu recentemente a presidência da Comissão de Normalização Contabilística (CNC). Qual considera ser a sua principal missão durante o mandato? Que desafios é que se colocam? Quais as maiores dificuldades que enfrenta? A minha principal missão para este mandato consistirá em criar as condições para que a CNC, enquanto entidade normalizadora da contabilidade do setor empresarial e da contabilidade do setor público, seja capaz de exercer adequadamente as atribuições legais que o novo diploma orgânico lhe confere. Vai ser uma experiência interessante e um enorme desafio. O modelo de normalização contabilística adotado pelo setor empresarial está alinhado com o que se pratica na generalidade dos países europeus e não se espera que as alterações que irão ocorrer, em consequência da adoção da nova diretiva da contabilidade, venham a constituir um problema de difícil solução. O grande desafio está de facto ao nível do setor público em que o modelo adotado está desatualizado, está baseado no Plano Oficial de Contabilidade Pública e em quatro planos setoriais com diferentes graus de implementação. À semelhança do que aconteceu com o SNC, que seguiu de perto as IAS/IFRS, há que desenvolver um sistema contabilístico para o setor público que adote como referencial o normativo internacional de contabilidade pública (IPSAS). Há que ter um pensamento positivo e acreditar que para cada dificuldade vamos ser capazes de encontrar uma solução. O essencial é que as diferentes entidades reconheçam a necessidade da mudança e se mostrem disponíveis para colaborar com a Comissão. Com a extinção da Comissão de Normalização Contabilística da Administração Pública, a CNC viu acrescidas as suas atribuições e competências. Relativamente ao setor publico qual é o principal objetivo a Revisores Auditores ABRIL_JUNHO 2013 03 EM FOCO atingir? Que receios antecipa na prossecução desse objetivo? A Comissão de Normalização Contabilística da Administração Pública (CNCAP) havia sido criada em 1998, na sequência da reforma da Contabilidade Pública iniciada em 1990, com a publicação da Lei de Bases da Contabilidade Pública. A CNCAP foi responsável pela elaboração do Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP) e pelos planos setoriais aplicados à Saúde, Educação, Segurança Social e Administração Local. Todos estes planos tiveram por base o Plano Oficial de Contabilidade, normativo que, entretanto, foi substituído pelo Sistema de Normalização Contabilística (SNC). Impunha-se que em 2010 fosse efetuada a adaptação do POCP ao SNC a fim de manter a consistência entre os dois referenciais. Entretanto, entendeu o Governo proceder à integração na CNC das anteriores atribuições e competências de normalização contabilística para o setor público, tendo sido aprovado em 29 de junho de 2012 um novo regime jurídico da organização e funcionamento da CNC. No âmbito das novas competências atribuídas a CNC passou a ser responsável pela emissão de normas contabilísticas destinadas ao setor público, tendo por referência as Normas Internacionais de Contabilidade Pública (IPSAS) bem como contribuir para a sua implementação e melhoria. Nesta altura a Comissão está focada em três temas principais: discutir um documento interno intitulado “Linhas Orientadoras para o Sistema de Normalização Contabilística Público”, analisar experiências adquiridas por outros países relativamente a reformas idênticas e acompanhar os trabalhos e a política de harmonização contabilística dos sistemas de Contabilidade Pública ao nível da União Europeia. Mas isso significa que em Portugal vai ocorrer a breve prazo uma reforma da Contabilidade Pública? A questão não pode ser colocada nesses termos. Há que reconhecer que o processo contabilístico que vem sendo adotado (POCP para organismos públicos, planos de contas setoriais para Saúde, Educação, Segurança Social e Administração Local, SNC ou IAS/IFRS para empresas públicas e SNC-ESNL para fundações públicas) carece de ser reformulado por não constituir um sistema coerente baseado em princípios e normativos idênticos, estando claramente desatualizado. É fundamental promover a transparência das Contas Públicas, garantir a sua fiabilidade e comparabilidade e o reforço da confiança por parte dos cidadãos e de terceiros. Tais 04 Revisores Auditores ABRIL_JUNHO 2013 objetivos só serão alcançáveis se for possível levar a cabo uma profunda reforma do sistema contabilístico, que deverá passar a estar baseado em princípios em vez de regras e que deverá ter como grande objetivo a produção de informação financeira fiável, verdadeira, completa e que contribua para melhorar a gestão económica, o controlo financeiro e a avaliação da performance. A introdução efetiva e generalizada da base de acréscimo no relato financeiro vai explicitar novas realidades e vai obrigar a alterar o processo de decisão. Uma reforma desta natureza demora em média 5 a 6 anos e pressupõe a disponibilidade e a adequação de recursos materiais e humanos a afetar a um projeto desta dimensão. Estou convicto de que chegou o momento de se fazer um esforço sério no sentido de se adotarem melhores práticas, optando por um sistema de contabilidade pública baseado nas normas internacionais que vierem a ser adotadas na União Europeia. Mas afinal a Comissão Europeia já tomou posição sobre as Normas Internacionais da Contabilidade Pública elaboradas pela IFAC? No final do ano de 2012 a Comissão Europeia divulgou os resultados de uma consulta pública realizada com vista, entre outros, a avaliar as vantagens e desvantagens da adoção das IPSAS, tendo concluído com base nas respostas obtidas que cerca de 70% dos respondentes eram total ou parcialmente a favor e que apenas 28% eram claramente contra. Posteriormente no passado mês de março de 2013 a Comissão produziu um relatório em que aborda várias questões, identifica algumas dificuldades e reconhece que na sua versão atual as IPSAS não podem ser implementadas na U.E., embora considere que serão sempre um referencial indiscutível. Do ponto de vista político parece não haver dúvidas de que o caminho está traçado tendo a Comissão Europeia recomendado a adoção de European Public Sector Accounting Standards (EPSAS), que são baseadas nas atuais IPSAS. A Comissão Europeia considera que das atuais 32 normas, 14 estão em condições de serem adotadas com pequenas alterações, outras 14 deverão ser revistas e adaptadas, devendo as restantes 4 serem objeto de alterações significativas. O SNC está em vigor desde 2010. Considera que o novo sistema entrou em choque com a cultura e conceitos já apreendidos e aceites pelos profissionais nacionais de contabilidade e auditoria? Considera que a transição para o SNC foi conseguida com sucesso? Creio que todos temos de reconhecer que em geral a transição para o SNC foi, globalmente, bem conseguida. Desde logo há que sublinhar a aposta que as ordens profissionais fizeram na formação dos seus membros, os quais responderam de uma forma globalmente positiva. O que acabo de referir não significa que tudo está perfeito. É minha convicção de que ainda há que melhorar muito na qualidade do conteúdo das demonstrações financeiras (não raras vezes apresentadas sob forma “standarizada” em que uma boa parte das contas são apresentadas a zero por não serem aplicáveis à empresa) e sobretudo do Anexo que frequentemente contém notas insuficientes, outras vezes desnecessárias ou mesmo não aplicáveis. Existe, a meu ver, ainda algum caminho a percorrer! Com a aprovação da Diretiva da Contabilidade os Estados Membros têm até 2015 para alterar as suas normas contabilísticas. Entrevista da OROC ao Dr. António Gonçalves Monteiro, Presidente da Comissão de Normalização Contabilistica efetiva separação entre a contabilidade e a fiscalidade? No fundo, considera que estamos mais perto de um sistema dual, como alguns fiscalistas advogam? Há que reconhecer que com a entrada em vigor do SNC se assistiu a uma certa emancipação da normalização contabilística. Aos preparadores da informação financeira compete produzir demonstrações financeiras em conformidade com os princípios contabilísticos aplicáveis. Obviamente que as demonstrações financeiras continuam a ser o ponto de partida para o apuramento do imposto a pagar, devendo as correções ao resultado contabilístico serem todas elas efetuadas exclusivamente na declaração fiscal. Vamos aguardar pela reforma do IRC que, embora eu desconhecendo nesta altura o seu conteúdo e o seu âmbito, espero venha a ser no sentido de uma maior clarificação e simplificação, não interferindo, obviamente, com os normativos contabilísticos. Que benefícios vê na nova versão da diretiva? Que alterações antecipa para o normativo nacional em função da diretiva? Nunca fui defensor da necessidade de se proceder à alteração das diretivas da contabilidade, até porque elas tinham sido revistas não há muito tempo. Defendo que a harmonização se deve centrar sobretudo ao nível das médias e grandes empresas, aquelas que geralmente operam no mercado europeu e considero inadequado que a Comissão Europeia se tenha envolvido de forma tão intensa num processo normativo que envolve as micro e as pequenas empresas. A meu ver são os governos nacionais aqueles que estão em melhores condições de legislar sobre os pequenos operadores cujas características são diferentes de país para país (uma pequena empresa na Alemanha é uma média empresa em Portugal). Há que reconhecer que em Portugal já havia sido feito um importante progresso no que se refere à publicação e registo das contas anuais pelo que a algumas das novas disposições da diretiva já foi dada satisfação antecipada. A Comissão de Normalização Contabilística vai iniciar a breve prazo a avaliação das alterações que vai ser necessário efetuar no normativo nacional. Todavia, tendo em consideração que o SNC entrou em vigor só em 2010, é minha convicção que convém preservar alguma estabilidade e evitar alterações ao atual normativo para serem introduzidas antes de 2015. À semelhança do que tem vindo a ocorrer noutros países, designadamente em Inglaterra em que o Accounting Standards Board decidiu simplificar os normativos ao substituir as 2.500 páginas dos UK GAAP por cerca de 250 páginas, também em Portugal teremos de ser capazes de introduzir alguma simplificação sobretudo no que respeita às pequenas e médias empresas. Desde 1 de janeiro de 2010 que os registos contabilísticos são efetuados em ambiente SNC. Após estes anos de experiência, que balanço faz e que recomendações sugere às entidades preparadoras de Demonstrações Financeiras e aos revisores oficias de contas? Já anteriormente referi que, sobretudo ao nível das pequenas e médias empresas devem ser feitos progressos no sentido da melhoria da qualidade do conteúdo das demonstrações financeiras. As duas ordens profissionais podem dar um contributo importante nesta matéria, designadamente sensibilizando os seus membros para que façam o necessário para melhorar sensivelmente a qualidade das divulgações constantes das demonstrações financeiras. Por outro lado, há que reconhecer que tendo as contas sido preparadas por profissionais qualificados, dificilmente os utilizadores das demonstrações financeiras compreenderão que persistam certo tipo de reservas por desacordo, que constam de relatórios de auditoria ou certificações legais de contas, que poderiam ter sido evitadas caso as contas tivessem sido ajustadas e tivesse sido dado cumprimento adequado aos normativos técnicos e éticos aplicáveis. Situações ou ocorrências destas não contribuem para o prestígio das profissões. Voltando ao SNC, a par da sua entrada em vigor foi igualmente publicado um conjunto de alterações ao Código do IRC. Era de esperar que com o novo sistema, o apuramento do imposto do exercício ficasse mais independente dos registos contabilísticos do que em ambiente POC. Considera que se assistiu, conforme se esperava, a uma Revisores Auditores ABRIL_JUNHO 2013 05