MONITORAMENTO DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS SUCESSIONAIS NO TERRITÓRIO PORTAL DA AMAZÔNIA – MT João Gilberto Peixoto Milanez¹ 2 Alexandre de Azevedo Olival ¹ ICV - Instituto Centro de Vida. [email protected] 2 IOV - Instituto Ouro Verde/ Centro de Pesquisa em Agrofloresta. [email protected] RESUMO Dada a dificuldade em monitorar as agroflorestas, tendo em vista a diversidade de conceitos e práticas relacionadas a este termo, organizações da região do Portal da Amazônia, Norte de Mato Grosso, iniciaram um processo de definição de um protocolo comum de monitoramento, objetivando a consolidação de um banco de dados sobre as diversas experiências de SAF que ocorrem na região. Assim, o objetivo do presente trabalho foi descrever o processo de construção deste protocolo bem como apresentar os primeiros resultados. Os dados sugerem uma associação entre o tempo dedicado ao manejo do SAF e uma avaliação positiva por parte do agricultor, além da correlação entre esta avaliação e o número de espécies identificadas em cada área. Apesar dos resultados expressarem apenas o início do processo de monitoramento das áreas, demonstram a importância de prosseguir com esta atividade, de maneira e identificar, entre outros pontos, as práticas de manejo que têm se mostrado mais eficazes. PALAVRAS-CHAVE agrofloresta sucessional, agricultura familiar, semeadura direta, avaliação 1. INTRODUÇÃO O território Portal da Amazônia é uma região formada por 16 municípios do extremo norte de Mato Grosso, localizada nos limites iniciais da floresta amazônica, coincidindo com a área atualmente conhecida como “arco do desmatamento”. Os municípios do território têm sua origem em projetos de colonização privados ou projetos de assentamentos para a reforma agrária. 77% dos estabelecimentos rurais do Portal da Amazônia são lotes de até 100 hectares, que representam menos de 10% da área do território (Olival, 2005). Desde o início do processo de colonização, na década de 70, o Portal da Amazônia passou por diferentes ciclos de produção, desde a extração de madeira, passando pela produção de lavoura permanente (cacau, cupuaçu, guaraná entre outros), lavouras temporárias até a consolidação da pecuária de leite e corte extensiva. Durante estes ciclos grande parte da vegetação nativa foi suprimida, havendo atualmente elevados índices de áreas desmatadas e degradação de solo (Olival, 2005). O Portal da Amazônia possui diversas instituições que, como estratégia para reverter os graves impactos ambientais do modelo de ocupação, passaram a atuar no apoio a implantação de sistemas agroflorestais. Apesar de diferenças metodológicas, estes trabalhos têm como eixo comum a adoção das agroflorestas sucessionais como base para a recuperação de áreas degradadas e para a geração de renda. Leakey (1998) afirma que os conceitos mais modernos definem sistemas agroflorestais como um conjunto de tecnologias autossustentáveis que representa diversos sistemas de uso da terra, no qual árvores são integradas a sistemas de cultivos ou criação de animais de modo simultâneo ou sequencial. Segundo o autor, recentemente, tem sido sugerido que as práticas agroflorestais podem ser desenvolvidas em fases sucessionais no desenvolvimento de agroecossistemas produtivos e complexos, tornando esses sistemas ecologicamente mais estáveis e biologicamente mais diversos, onde a diversidade tende a aumentar com as fases da sucessão natural. Götsch (1995) defende que os sistemas agroflorestais conduzidos sob uma lógica agroecológica transcende qualquer modelo pronto e sugere sustentabilidade por partir de conceitos básicos fundamentais, aproveitando os conhecimentos locais e desenhando sistemas adaptados para o potencial natural do lugar. Apesar do grande potencial que os sistemas agroflorestas podem representar como estratégia de recuperação ambiental e diversificação da matriz produtiva da reunião, há grande dificuldade em obter informações sistemáticas sobre estes sistemas, de maneira a acompanhar sua evolução e comprovar os benefícios em diferentes dimensões. De fato, considerando os diferentes entendimentos e práticas com respeito as agroflorestas, que variam desde consórcios simples até sistemas extremamente complexos, podendo haver interações de centenas de espécies diferentes, a criação de indicadores para avaliação e monitoramento tornam-se desafios extremamente importante não apenas do ponto de vista acadêmico, mas essencialmente prático, como estratégia de aperfeiçoamento das práticas de manejo do sistema. Assim, desde 2012, representantes organizações que atuam no Portal da Amazônia, Instituto Centro de Vida, Instituto Ouro Verde e Secretaria de Meio Ambiente de Alta Floresta, passaram a atuar no sentido de construir um protocolo comum de monitoramento para as agroflorestas, com objetivo central de ampliar a base de informações sobre as agroflorestas sucessionais e aprimorando o trabalho em toda a região. Considerando o exposto, o presente trabalho teve como objetivo descrever os procedimentos para a estruturação do protocolo de monitoramento bem como apresentar os primeiros resultados da aplicação desta ferramenta. 2. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho encontra-se dividido em 02 partes, a descrição da construção do protocolo de monitoramento, realizado a partir de oficinas envolvendo técnicos e agricultores com experiência no plantio de agrofloresta, e a apresentação dos primeiros resultados do processo de monitoramento. Para os dados das agroflorestas, realizou-se o estudo nos municípios de Alta Floresta, Terra Nova do Norte e Nova Guarita, todos situados no Norte do estado de Mato Grosso, na região compreendida pelo Portal da Amazônia. As propriedades escolhidas fazem parte de projetos apoiados pelo Instituto Centro de Vida, Instituto Ouro Verde e Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Alta Floresta. Todas são áreas de agricultura familiar e foram escolhidas aleatoriamente dentro o universo de propriedades apoiadas por cada instituição. Em cada município foram analisadas 06 propriedades, totalizando 18 propriedades. Todas as agroflorestas foram implantadas entre Novembro de 2011 e Janeiro de 2012, sendo avaliadas após 01 ano de implantação. O protocolo de monitoramento compreendeu a realização de entrevistas semiestruturadas com os agricultores responsáveis pela área bem como visitas as aeras das agroflorestas. Para a avaliação técnica das agroflorestas foram estabelecidas, para áreas plantadas com até 01 hectare, 04 parcelas retangulares demarcadas com estacas e fitilho, cada uma medindo 100 m² (25 X 4m) e contendo ainda 03 subparcelas de 02 m². Para cada hectare a mais de agrofloresta adicionouse uma parcela. A tabela 01 apresenta a descrição de todas as áreas monitoradas. Tabela 01. No. 01 02 03 04 05 06 07 08 09 Características das agroflorestas e número de parcelas consideradas no presente estudo. Tamanho (ha) Número de Parcelas No. Tamanho (ha) Número de Parcelas 0,41 04 10 1,56 04 2,43 05 11 0,36 04 0,36 04 12 0,38 04 1,13 04 13 0,58 04 0,24 04 14 1,05 04 0,97 04 15 1,49 04 0,52 04 16 5,12 08 0,28 04 17 1,45 04 1,68 04 18 0,39 04 Dentre os dados contidos no protocolo, o presente estudo focou na análise dos dados iniciais, envolvendo o número de espécies encontradas, o número de indivíduos encontrado e a cobertura do solo. Estes dados foram comparados com o tempo relatado de dedicação do agricultor no manejo da agrofloresta, na quantidade de itens citados a respeito da motivação para plantar e manejar a agrofloresta e, finalmente, a sua avaliação pessoal dos resultados da agrofloresta. Destaca-se que os dados apresentados representam a primeira coleta de informações destas agroflorestas (com 01 ano de plantio). Os dados foram tabulados sendo utilizados os testes de Correlação de Spearman e Kurskall Wallis para identificar possíveis relações entre variáveis ou diferença entre grupos. Foram utilizados testes não paramétricos dada a distribuição não normal das variáveis. Para todas as análises foi considerado erro amostral de 5% e intervalo de confiança de 95%. 3. RESULTADOS 3.1. A construção do protocolo de monitoramento O protocolo comum de monitoramento de agrofloresta foi estruturado a partir de 03 oficinas de trabalho envolvendo técnicos e agricultores com experiência em plantio de SAF. A Tabela 02 apresenta as atividades realizadas para a estruturação desta ferramenta. Tabela 02. Momentos I II III Momentos, objetivos e descrição das atividades realizadas para a efetivação do protocolo comum de monitoramento de agroflorestas realizado pelo Instituto Ouro Verde, Instituto Centro de Vida e Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Alta Floresta. Objetivos Definir as dimensões de avaliação das agroflorestas, considerando as diferentes realidades dos projetos implantados na região do Portal da Amazônia. Identificação de variáveis consideradas chave dentro das diferentes dimensões definidas como prioritárias. Definição do formulário final bem como a estratégia de monitoramento. Participantes Técnicos das organizações e convidados de instituições de pesquisa (EMBRAPA, Universidades, técnicos de outras organizações que trabalham com SAF). Técnicos das organizações e agricultores com experiência em SAF Técnicos das organizações e agricultores com experiência em SAF Descrição Em uma oficina com 03 dias de duração, representantes de diferentes organizações que trabalham com SAF apresentaram suas experiências de avaliação e monitoramento. Ao final, através de trabalhos de grupo, identificaram-se as dimensões consideradas chave para avaliação. Os técnicos das organizações responsabilizaram-se por fazer revisões bibliográficas dentro das dimensões definidas, sendo que em uma oficina de 02 dias foram discutidos indicadores específicos para cada dimensão. A participação dos agricultores foi importante para dar uma dimensão concreta e prática a estes indicadores. Ao final, chegouse a uma proposta inicial de protocolo. Com o protocolo inicial, as equipes técnicas fizeram uma avaliação de algumas agroflorestas, trazendo os dados para discussão e discutindo possíveis melhorias no protocolo. Novamente a participação de agricultores foi importante para adequar as propostas a realidade das propriedades. As dimensões finais que constaram no protocolo foram: benefício familiar (relacionado não apenas a renda gerada pelo sistema, mas a satisfação com a área, o envolvimento da família entre outros pontos); o empoderamento (relacionado ao aprendizado efetivo da prática e a capacidade de aplicação de princípios e práticas em outras áreas da propriedade) e a biodiversidade vegetal (relacionada a quantidade de espécies bem como ao seu desenvolvimento). 3.2. Primeiros resultados Tabela 03. Dados médios das agroflorestas monitoradas através do protocolo comum de monitoramento. Variáveis Média Desvio Padrão Tamanho da Agrofloresta (ha) 1,21 1,16 Número de espécies encontradas 12,78 6,48 Número de indivíduos encontrados 1.168,67 888,22 Tempo por semana dedicado à Agrofloresta (horas) 1,83 2,53 Nota dada pelo proprietário 7,44 1,42 N.º de respostas para a motivação para continuar com o SAF 2,56 1,46 O coeficiente de correlação de Spearman demonstrou que não houve correlação entre o tamanho da agrofloresta, o número de espécies identificadas ou número de indivíduos com o tempo semanal de dedicação para a agrofloresta. No entanto, a análise apresentou correlação entre a avaliação feita pelo agricultor e o tempo relatado para o manejo da agrofloresta (P = 0,01, Rho = 59%). Também foi identificada tendência para a correlação entre a avaliação do agricultor e o número de espécies identificadas (P = 0,06, Rho = 44%). Para a taxa de cobertura de solo, não houve qualquer diferença dos parâmetros avaliados em relação a cobertura considerada “ruim” (25 -50%), “média” (50 – 75%) ou “ótima” (75 – 100%), sendo P > 0,05 para todos os casos. Apesar do processo de monitoramento ainda estar em fase inicial e ser necessário expandir a base de dados, algumas informações já se destacam, em especial a relação identificada entre a autoavaliação do agricultor e sua dedicação a agrofloresta bem como com o número de espécies em cada área. Estas informações poderiam indicar que, pelo menos na percepção do agricultor, a diversidade de espécies é um parâmetro importante a ser acompanhado. Além disso, os dados sugerem que o maior tempo de dedicação no manejo pode levar a uma melhor avaliação. 4. CONCLUSÃO Os dados permitem identificar o potencial que o protocolo de monitoramento criado possui no sentido de contribuir para a identificação das práticas de manejo consideradas mais eficazes para o desenvolvimento das agroflorestas. Além disso, permitem, de imediato, verificar a importância do tempo de dedicação bem com a diversidade de espécies na perspectiva do agricultor. É fundamental, entretanto, que seja dada continuidade a este trabalho, expandindo a base de dados e acompanhando a evolução das agroflorestas plantadas. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Götsch, E. Break-thropugh in agriculture. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1995. 22p. Leakey, R. R. B. Agroforestry for biodiversity in farming systems. In: Collins, W. W. & Qualset, C. O. Biodiversity in agroecosystens. Bocaraton: Crc, 1998. Fundação Cândido Rondon. Estudo propositivo – Território portal da Amazônia. Mato Grosso. 2005, p. 07 - 10.