Documento de Posições do Grupo de Cooperação Técnica Horizontal da América Latina e do Caribe em HIV/AIDS - GCTH frente à Estratégia ABC O Grupo de Cooperação Técnica Horizontal (GCTH), integrado pelos programas nacionais de aids dos países da América Latina e do Caribe, e as Redes Regionais Comunitárias da América Latina e do Caribe (Redla+, ICW, LACCASO, REDTRASEX, RELARD e ASICAL) reunidos em Buenos Aires, Argentina, em maio de 2006, rejeitam toda e qualquer recomendação relacionada à prevenção do HIV e da aids que: - não esteja fundamentada em evidências cientificamente comprovadas; - seja baseada em ideologias e/ou doutrinas; - violem os direitos humanos e a dignidade humana; - discriminem a pessoa por qualquer comportamento, profissão, orientação sexual ou estilo de vida; - agridam a soberania das nações. Ao mesmo tempo, o GCTH reafirma que o uso do preservativo é a forma mais segura e efetiva para prevenir a transmissão sexual do HIV, sendo, por isso, necessário incentivar o seu uso constante nas campanhas de massa e nas intervenções específcas para bem informar a população e garantir o seu acesso. Os membros do GCTH estão de acordo que é ineficaz promover a abstinência e a fidelidade, e que o uso do preservativo seja incentivado apenas para situações específicas (estratégia conhecida como "ABC") como política pública de saúde para a prevenção do HIV/aids. Tal estratégia ignora a realidade cultural dos países da região, além do direito individual para fazer suas próprias escolhas. Além disso, estudos comprovam o baixo impacto dessa estratégia e o possível retrocesso nos resultados já obtidos na luta mundial contra a aids. Portanto, tal estratégia para nada mais serve do que aumentar a lacuna entre os discursos oficiais e a prática das pessoas. O Grupo está de acordo, também, que a maneira mais eficiente de prevenir a transmissão do HIV e da aids é proporcionar e garantir aos cidadãos informações e condições para o desenvolvimento saudável de sua sexualidade, respeito a sua dignidade, proporcionando igualdade de gênero, social e econômica. Por outro lado, o GCTH entende que a imposição da estratégia do ABC é danosa porque: - As mensagens são contrárias ao exercício da sexualidade humana, e, conseqüentemente, geram dúvidas sobre os métodos eficazes de prevenção. Relega a segundo plano o uso do preservativo – barreira mais eficiente à transmissão sexual do HIV. Promove uma falsa sensação de segurança, aumentando a vulnerabilidade dos parceiros sexuais, sobretudo das mulheres. Leva alguns jovens, que se “abstêm”, a aumentar comportamentos de risco incluindo sexo oral e anal sem proteção. - Discrimina as pessoas de hábitos diferentes, fazendo com que se sintam julgadas pelo seu estilo de vida não adotando as formas mais seguras de prevenção. Promover a abstinência ou a fidelidade como estratégias centrais ou adotá-la isoladamente da promoção do uso do preservativo é estabelecer parâmetro de intervenção que além de fugir a realidade dos países latinoamericanos, não sendo por tanto operacionalmente factíveis, pode efetivamente criar condições favoráveis à disseminação do vírus da aids. Segundo estudo da universidade norte-americana Yale, divulgado em 2005, a promoção isolada da abstinência é ineficaz e prejudicial, uma vez que constatou que os jovens norte-americanos que participaram de programas de promoção da abstinência apresentaram maiores taxas de infecções de transmissão sexual. Portanto, não se justifica que 56% dos recursos do PEPFAR em 15 países em desenvolvimento tenham sido empenhados para estratégias focadas na abstinência e fidelidade. Não há evidência científica que justifique tal nível de prioridade. Um informe divulgado recentemente pelo Governement Acountability Office dos Estados Unidos, expôs a fragilidade e as controvérsias geradas por essa política em países beneficiários da cooperação norteamericana e os possíveis retrocessos, a longo prazo, no combate ao HIV/aids. Pelo exposto, os representantes do GCTH e das redes comunitárias regionais manifestam a seu desejo de que os acordos de cooperação celebrados com agências internacionais de financiamento sejam construídos em conjunto com as autoridades nacionais e com a sociedade civil local. Ao tempo, reafirmam que o condicionamento de financiamento a adoção de estratégias baseadas em ideologias e sem comprovação científica de sua eficácia é inaceitável, constituindo-se um desrespeito a autonomia dos países, com claro prejuízo da resposta à epidemia. Buenos Aires, 11 de maio de 2006. Mariângela Batista Galvão Simão Secretaría Técnica del GCTH