Oreste Preti EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: FUNDAMENTOS E POLÍTICAS Cuiabá, 2009 Comissão Editorial Drª Ana Arlinda de Oliveira Dr Carlos Rinaldi Drª Gleyva Maria Simões de Oliveira Drª Lucia Helena Vendrusculo Possari Drª Maria Lucia Cavalli Neder Drª Onilza Borges Martins Ficha Catalográfica P942e Preti, Oreste Educação a distância: fundamentos e políticas / Oreste Preti. Cuiabá : EdUFMT, 2009. 171 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-61819-66-8 1.Ensino a distância. I. Título CDU - 37.018.43 Revisão Germano Aleixo Filho Diagramação Terencio Francisco de Oliveira Capa Marcelo Velasco Cuiabá, 2009 A ninguém se pode negar a oportunidade de aprender por ser pobre, estar isolado geograficamente, marginalizado, doente ou por qualquer outra circunstância que impeça seu acesso a alguma instituição de ensino. Esses são elementos que supõem o reconhecimento de uma liberdade para alguém decidir se quer ou não estudar. WEDEMEYER, Charles A. 1966 COLETÂNEA “EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA” S egundo os dados do INEP, no Brasil, em 2007, eram 408 os cursos a distância, atingindo mais de 350 mil estudantes; 3.702 os cursos da chamada “educação tecnológica” - cursos com duração de até dois anos -, com quase 350 mil matrículas também. O Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (2007) confirma estes dados: 225 Instituições autorizadas pelo MEC para oferecer cursos a distância, atendendo a mais de 770 mil estudantes. Em 1995, a Universidade Federal de Mato Grosso era a primeira instituição a oferecer um curso de graduação a distancia no País (Pedagogia), por meio de seu Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD), criado em 1992. Em 2000, eram apenas cinco as universidades, abrigando menos de 5 mil estudantes matriculados. Esses poucos dados podem nos dar de imediato uma ideia aproximativa do crescimento desta modalidade, aqui no Brasil, pois no mundo, desde a década de 1970, milhões de estudantes frequentam universidades sem sair de casa ou do local de trabalho. A impulsão da EaD em nosso país pode ser atribuída a pelo menos dois fatores: - o primeiro, como parte do movimento de luta pela democratização do ensino. Há um grito forte e uma luta contínua para que o direito constitucional à educação se concretize para milhões de brasileiros excluídos deste bem social historicamente conquistado. E a modalidade a distância vem se afirmando como uma das possibilidades para que isto se realize; - o segundo fator pode ser atribuído às novas tecnologias da informação e da comunicação. Essas tecnologias realizaram avanços, e algumas delas, em certo sentido, se “popularizaram”, permitindo às pessoas ultrapassar as distâncias geográficas e se aproximar cada vez mais. Assim, está ocorrendo uma espécie de rompimento do conceito de distância. A educação está mais próxima para uma parcela cada vez maior da sociedade (não está mais distante - “a distância”). As tecnologias da comunicação permitem o diálogo e a interação entre pessoas, em tempo real, como o telefone, o bate-papo, a video e a webconferência, tornando sem sentido falar em “distância” no campo da comunicação. Por isso, podemos falar em EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIAS! Não somente porque é possível ser realizada, como por ser bandeira de luta a ser levada adiante para as próximas décadas, por nós, educadores! Quando, em 1996, lançávamos o primeiro livro da coletânea “Educação a Distância”, havíamos pensado nomear esta coletânea de Educação sem Distância. Porém, naquele momento, avaliávamos que isso poderia provocar mal-entendidos e que, diante da necessidade de divulgar essa modalidade de ensino e diante da escassez de material sobre o tema em língua portuguesa, retratando nossa realidade educacional, social e cultural, seria mais oportuno recorrer à expressão consagrada mundialmente: Educação a Distância. Hoje, com a expansão quantitativa de cursos a distância e com a necessidade de qualificação de quadros para atuar nesta modalidade, existe produção significativa sobre esta prática educativa. Educadores brasileiros com experiência nesta modalidade se propuseram escrever, expor suas experiências em EaD como maneira de contribuir na consolidação desta modalidade, aqui no Brasil, e na formação dos que atuam na EaD. São dezenas as teses e dissertações, centenas os artigos versando sobre Educação a Distância. A participação e a contribuição da UFMT, no debate sobre EaD, também têm sido significativa, com produção acadêmica, abertura da linha de pesquisa em EaD (2000), no Programa de Mestrado em Educação Pública e a coletânea Educação a Distância. Em 1996, lançávamos o primeiro número da coletânea, com o tema: Inícios e indícios de um percurso, trazendo relatos da experiência do NEAD/UFMT na oferta do primeiro curso de graduação a distância no Brasil (1994). Em 2000, com o segundo número da coletânea, Educação a Distância: construindo significados, ampliávamos a discussão sobre esta modalidade, não se restringindo à experiência do NEAD. Trouxemos contribuições valiosas de educadores atuando em instituições de renome e com larga experiência em EaD, como G. Rumble, Neil Mercer e F. J. G. Estepa, da Open University da Inglaterra; Walter Garcia, presidente da Associação Brasileira de Tecnologia (ABT); Rosângela S. Rodrigues, da Divisão de Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, e do sociólogo Pedro Demo, que também prefaciou a obra. Eram relatados percursos diferentes, com experiências e visões diversas sobre EaD, que foram trazidas para o debate e ofereceram elementos de reflexão para quem estava atuando ou se propondo iniciar nesta modalidade. Em 2005, foram lançados dois volumes. Em Educação a Distância: sobre discursos e práticas, discutia-se a Formação de Professores em cursos a distância, analisando as práticas discursivas sobre a EaD. Na obra Educação a Distância: ressignificando práticas, discutia-se a questão da gestão da EaD e a produção de material didático na EaD. Neste ano de 2009, estamos lançando outros quatro volumes: um sobre os Fundamentos da EaD e três sobre a produção de Material Didático. Esperamos, assim, com estes novos volumes da coletânea, continuar participando intensivamente do atual debate sobre a modalidade a distância, num momento em que o governo federal propõe e dirige a expansão do ensino superior por meio da modalidade a distância, com a criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil (2006). Trata-se de política ostensiva e extensiva para que essa modalidade de ensino se solidifique e se qualifique como parte regular do sistema de ensino superior. Oreste Preti, organizador da coletânea. SUMÁRIO PONTO DE PARTIDA 11 UNIDADE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E GLOBALIZAÇÃO: NOVOS CENÁRIOS, NOVOS TEMPOS E NOVAS PRÁTICAS? 1.1 Formação profissional e globalização 1.2 A Educação a Distância em expansão: uma questão de “funcionalidade”? 1.3 Fatores de expansão e desafios 15 18 25 30 UNIDADE 2 BASES TEÓRICAS EM CONSTRUÇÃO NA EaD 2.1 Conceituações e características 2.2 Bases epistemológicas 2.3 Rumo a teorias na EaD? 2.4 A pesquisa em EaD 35 38 51 57 71 UNIDADE 3 “SISTEMA” DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 77 UNIDADE 4 UM POUCO DA HISTÓRIA DA EaD NO BRASIL 4.1 A EaD no contexto brasileiro 4.2 A EaD em números 4.3 Considerações gerais 89 91 95 100 UNIDADE 5 A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL: RUMO A UMA "POLÍTICA" DE EaD NO BRASIL? 103 UNIDADE 6 A UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL: UMA POLÍTICA DE ESTADO PARA O ENSINO SUPERIOR A DISTÂNCIA? 6.1 Como tudo começou 6.2 Situação atual 117 119 127 UNIDADE 7 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EaD NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS 7.1 O que entendemos por processos de institucionalização da EaD 7.2 “Instituição” da EaD na UFMT 7.3 A “instituição” do NEAD 7.4 Condições favoráveis e fragilidades da “instituição” da EaD na UFMT 7.5 A caminho da institucionalização 7.6 Ainda, algumas considerações 135 138 143 PONTO DE CHEGADA, OU DE PARTIDA? 155 GLOSSÁRIO 159 REFERÊNCIAS 166 WEBGRAFIA 172 131 146 149 151 11 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 1 PONTO DE PARTIDA Amigo leitor: I nicialmente, havia pensado em organizar e Utilizaremos EaD sequenciar a discussão sobre EaD em dois para Educação momentos: o primeiro sobre seus Fundamentos, o a Distância; segundo sobre as Políticas voltadas para a EaD. Logo me e EaD para dei conta de que essa divisão era arbitrária e sem sentido. Educação Como separar a discussão "teórica" da dimensão política Aberta se ambas estão imbricadas, emergem e se alimentam da e a Distância. prática que é social, histórica e contextualizada? Abandonei esse caminho e iniciei outro sem a certeza do percurso, dos atalhos e encruzilhadas, mesmo sabendo a que porto atracar o navio. Como diz o poeta espanhol Antonio Machado (Proverbios y Cantares. Madrid, 1930): 1. A construção de parte do conteúdo deste livro foi iniciada em 1994, em nosso primeiro curso de Pós-Graduação a Distância: “Formação de Orientadores Acadêmicos para a EaD”. Vem sendo utilizado e reformulado, de lá para cá, nesse mesmo curso que, periodicamente, é oferecido a orientadores dos cursos a distância da UFMT como de outras instituições de ensino superior. A publicação somente agora se justifica por inúmeras solicitações para que esse material fosse disponibilizado para quem atua no campo da EaD, sobretudo nesse momento de intensa expansão dessa modalidade e de necessidade de formação de quem atua ou vai atuar nessa modalidade. 12 Estes lindos versos foram musicados por Juan Manoel Serrat. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Caminhante, não existe caminho. Faz-se o caminho caminhando [...] Caminhante, não existe caminho A não ser as estrelas do mar [...] E ao olhar para trás Verá a senda que nunca mais Irá pisar novamente. Portanto, nossa caminhada se dará no oceano, em alto-mar, cada um traçando seu caminho, mas com os instrumentos necessários para se guiar e chegar a porto seguro. Torna-se, então, fundamental, como ponto de partida, que nos situemos estudando o ambiente onde se dá a caminhada, para que as decisões sejam tomadas sabendo para onde levam, em que direção e aonde se chegará. O "ambiente" da educação é vasto como o oceano, pois é alimentado pelas águas da política, da economia, da cultura. O escritor espanhol José Manuel Esteve Zaragoza, na Introdução de seu livro “O mal-estar docente”, faz a paródia de uma peça teatral: enquanto o ator está recitando o texto “A vida é sonho”, os cenários do palco vão sendo alterados, completamente dissociados do texto. O ator, inicialmente, não se dá conta das mudanças e continua impávido a recitar os versos. Mas, diante das risadas incontidas da plateia, percebe a situação ridícula e burlesca em que se encontra e começa a se sentir incomodado. Aos poucos, vai diminuindo o tom de voz até calar-se... E agora? A paródia está baseada na obra “A vida é sonho”, do dramaturgo espanhol Pedro Calderón de la Barca (1600-1681), cuja obra é um marco na história do teatro em língua espanhola. Em “A vida é sonho”, excepcional drama sobre a liberdade do homem, o personagem se vê diante da encruzilhada sonho/realidade, devendo decidir que rumo trilhar. Prêmio Nobel de Literatura, em 1934 Neste sentido, será importante a posterior contribuição do dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936), cuja obra é um marco na história do teatro europeu. É permeada pela problemática da identidade profunda (e perdida) das pessoas: o homem quase não é mais quem acredita ser nem quem os outros acreditam que seja. O palco não é mais a caixa mágica para oferecer ilusões ao público, mas o lugar onde a realidade é posta em questão diante de um público participante. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 13 Segundo Esteves, somente o gênio de Pirandello para achar uma saída ao nosso ator. Mas, você pode dar sua contribuição e propor ou provocar algumas reflexões, tomando diferentes direções, como: a) Centrar o olhar sobre o ATOR: O que ele deveria fazer, ou melhor, o que você faria? - Continuar recitando os versos, pois a mudança de cenário no palco não é problema do ator, mas do diretor da peça? - Pediria silêncio e colaboração à plateia, pois está no palco para desempenhar seu papel? - Pediria ao público que lhe dissesse o que fazer? - Abandonaria o palco? - Ou ____________________________________ ____________________________________ ____________________________________ Sugerimos que faça uma pausa e registre suas reflexões. b) Observar atentamente o CENÁRIO: Que acontece no fundo do palco? Tentar compreender as mudanças ocorridas e que tantos risos e distrações provocaram na plateia? Por que o ator não se “adequou” ao cenário, às mudanças? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ c) Posicionar-se como AUTOR: E não como ator, tendo que recitar papéis previamente definidos e repetindo textos escritos por outrem. Como autor, escrevendo para outros “vivenciar” uma história no palco, poderia dar outra direção à peça, e não ficar esperando uma "improvisação" do ator para se sair da situação embaraçosa. ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ d) Assumir a posição da PLATEIA: Aplaude ou vaia, conforme seja, ou não, de seu agrado a peça e o 14 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas desempenho dos atores (atitude ativa); que se posiciona como “julgadora” do “outro”, e não se sente parte do que se passa no palco, aguardando que o ator ou alguém da direção resolva a situação embaraçosa e ridícula (atitude passiva). Ou você daria outro encaminhamento? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Ator-cenário-autor-público são focos e campos de ação, observação e análise que estão interrelacionados. Não há como compreendê-los separadamente: fazem parte da mesma vida, do mesmo movimento e contexto. Observador e objeto observado se inter-relacionam, se influenciam, são participantes do mesmo “cenário”! Torna-se, então, indispensável entender a complexidade do atual “cenário”, configurado pelos acontecimentos no campo político, econômico, social e educacional, para não corrermos o risco de atuar em “velhos” papéis, desfocados do tempo, não cativando a plateia e nos levando à desmotivação e à frustração. É sobre esse cenário que iremos tratar na Unidade 1. Porém, para darmos conta da complexidade desse cenário, das questões que envolvem a EaD, da compreensão do por que diferentes práticas são construídas nessa modalidade, na segunda Unidade abordaremos as bases teóricas da EaD. Na Unidade 3, para os que se iniciam nessa modalidade de ensino, apresentaremos sucintamente a organização e a dinâmica de cursos a distância, o que caracteriza ser um curso a distância. Nas três unidades seguintes, faremos breve incursão na história da EaD, sua normatização no campo da legislação educacional e na criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil. Finalmente, na última unidade, discorreremos sobre um tema polêmico e atual: a institucionalização da EaD na universidade. Assim, esperamos, por meio desta obra, contribuir na consolidação de práticas educativas na EaD, provocando questionamentos e estimulando a reflexão sobre o que estamos realizando atualmente nesta modalidade, aqui no Brasil. UNIDADE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E GLOBALIZAÇÃO: NOVOS CENÁRIOS, NOVOS TEMPOS E NOVAS PRÁTICAS? Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 17 Certamente, você já leu em revistas ou jornais notícias à semelhança destas: Cresce o desemprego num mundo globalizado! As ruínas do futuro - a vida depois da catástrofe Época - n. 187) O Brasil entra na Ordem Global (Isto é Dinheiro, n. 215) O presidente FHC explica o papel do Brasil na nova ordem mundial (Época, n. 187 – 17-12-01) Miséria, o grande desafio do Brasil (Veja, n. 1735, 23-1-02) Fóruns de Porto Alegre e Nova York defendem mundo globalizado, mas só um deles fala de educação. (Educação, n. 251, mar. 02) Adultos voltam para a escola: eles precisam estudar para conquistar o mercado de trabalho. (A Gazeta, 14-3-99) Empregos: o salto da educação a distância. (Jornal do Brasil, 21-3-99). Internet: rumo ao popular. (Veja, 5-4-00) Canudo pela internet: o ensino a distância avança e já existem mais de 30 mil cursos oferecidos na rede. (ISTO É,1663, 15-8-01) Que “cenário” é este, que mudou ao longo das últimas décadas? Que tempos são esses? O que há de novo e quais os traços de "universalidade" nos atuais acontecimentos? Que mudanças ocorreram ou estão ocorrendo na economia, nas organizações e nos serviços? São necessários novos saberes para dar conta da complexidade do atual cenário, e novas práticas estão surgindo? Que tem a Educação a Distância com tudo isso? Por que vem sendo impulsionada e “institucionalizada” por políticas governamentais, no mundo globalizado, sobretudo a partir da década de 1970? Responder a essas questões é de grande relevância, pois, estamos falando em "tempos" de globalização [dizem que a matéria-prima da economia é o conhecimento]. Estamos falando, de acordo com as 18 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas exigências do mercado, de "novo tipo de trabalhador", qualitativamente versátil e flexível, capaz de atuar nas mais diferentes áreas e, acima de tudo, um trabalhador capaz de solucionar problemas. 1.1 FORMAÇÃO PROFISSIONAL E GLOBALIZAÇÃO2 Nas duas últimas décadas sobretudo, a educação foi muito adjetivada: educação sexual, educação para a vida, educação para o trânsito, educação ambiental, educação do campo, educação para o 3º milênio, educação para o trabalho. Vem-nos agora com mais esta: Educação a Distância. Porém, neste processo de adjetivação, de atendimento a aspectos pontuais e periféricos, no uso e abuso de sua palavra, a educação foi perdendo seu conteúdo, sua força. Tudo é apresentado como educação. E realmente é. Todos se postam como educadores. E deveriam ser, mas não são. Pois educação, em sua etimologia de educare (ato de criar, de alimentar, fazer crescer) ou de educere (guiar, conduzir para fora), indica ação, implica relação. O que isso significa? Significa que a educação é uma prática social, determinada pelos fatos, por seu entorno, que, contudo, acaba também por afetá-los. Por isso, deve ser espaço de diálogo, aberto e comunicativo. Quando, pois, estamos falando de Educação, estamos nos referindo a todos os aspectos da vida que ela abarca nas relações pessoais, sociais, políticas, com a natureza, com o entorno. Ela está imiscuída, misturada e diluída em tudo. É parte do todo, é o todo. Portanto, não haveria necessidade de adjetivá-la, de Os adjetivos apontar este ou aquele aspecto particular. Corre-se o risco de passam, os enfocar em demasia o secundário e abafar sua fonte, a origem substantivos de sua parturição, de seu nascimento. Por isso, tentaremos, ficam ao falar de Educação a Distância (EaD), dar-lhe uma aborda- (Machado gem contextualizada, focando o substantivo “educação”. de Assis) 2. Parte deste texto, de minha autoria, foi publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 79, n. 191. p. 19-30, jan./abr. 1998. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 19 É possível trabalhar esta nova adjetivação quando o substantivo ainda se faz ausente para parcela significativa de nossa sociedade? Ou ela ajudaria a tornar mais substantiva a educação para esta população excluída? Como anda a educação em nosso país, Estado e município? E, dentro da atual realidade educacional, como se situaria a EaD? Quais suas possibilidades, tendências e desafios? Segundo o IBGE (Censo 2000), um terço da população brasileira (31,4%) com mais de 10 anos de idade podia ser considerado analfabeto ou analfabeto funcional e 59,9% da população acima de 10 anos parou de estudar antes de concluir o ensino fundamental ou as primeiras quatro séries. O Brasil possui cerca de 16 milhões de analfabetos com 15 anos Pessoas com ou mais, e 30 milhões de analfabetos funcionais. Estamos, pois, tratando de problemática complexa, menos de cuja referência, no entanto, são as transformações na vida quatro anos política, social, econômica e no campo da tecnologia e da de estudo. ciência, no final do século passado e início deste milênio. Só daremos conta de compreender a teia de relações postas e que dão unidade e direção a este sistema global, não desconhecendo as especificidades da sociedade nacional e local. Vamos, então, nos deter um pouco sobre este processo de transformações na economia e seus reflexos na educação, para melhor situar as tendências e os desafios da EaD neste momento em que se inicia novo século, no centro da globalização. O que vem a ser essa globalização? GLOBALIZAÇÃO Globalização, nova ordem mundial, mundialização do comércio e da produção industrial, alta modernidade, sistema mundial. Não pretendemos, neste momento, analisar essas terminologias, o que elas significam e sua base conceitual, nem situar outros momentos da globalização ao longo da história da humanidade. O que importa apanhar, neste novo contexto, é o processo de formação de nova ordem global tendo por base o poder econômico, em vez do poder político, deslocando a discussão sobre as relações de poder para questões técnicas, de gerenciamento eficaz e eficiente dos recursos. Isso implica um processo de “despolitização” em favor de uma visão tecnocrática, gerencial e pragmática, em que a grande empresa capitalis- 20 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas ta é posta como modelo. A crise econômica, que se instaurou no mundo capitalista nas décadas de 1970 e 1980 sobretudo, trouxe como uma das consequências a retratação dos gastos nas áreas sociais (particularmente na saúde e educação), além das limitações do mercado de trabalho. Na Europa, por exemplo, o nível de desemprego é sem precedentes na história (taxa média de 11%). Em 2005, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), aproximadamente 190 milhões de habitantes do planeta estavam desempregados. Hoje, com a crise econômica global, o desemprego voltou a assombrar milhões de trabalhadores, não somente nos países de economia periférica mas também os do chamado Primeiro Mundo, do “mundo desenvolvido”. No Brasil, segundo dados do IBGE, a taxa de desemprego, entre 2002 e 2008, tem variado entre 6,8% (dezembro de 2008) e 12,9 (março de 2002). Trata-se de crise não conjuntural, passageira, mas estrutural do próprio capitalismo que busca novas formas de sobrevivência e estratégias de recomposição do lucro pelo capital, e de refuncionalização do sistema; o que afeta sensivelmente os trabalhadores, não só pela perda do emprego e dos direitos sociais, mas também por lhes serem exigidos saberes e competências outras introduzidas no processo de produção. Assim, a necessidade de mão de obra é reduzida ao mínimo, e se exige qualificação cada vez maior. As mudanças tecnológicas fazem com que grande parte das qualificações fique defasada, a um ritmo cada vez mais rápido, diante dos aparatos de informação que operam em tempo real. Por outro lado, existe interdependência maior entre conhecimento e vida econômica. Também se tornam necessários ajustes no plano ideológico (nos discursos), para buscar o convencimento da sociedade de Equidade (em que este é o caminho do crescimento econômico, da melhocontraposição ria de vida em direção a uma sociedade justa e equitativa. à igualdade): É neste contexto que se reafirma uma onda neolibepromove ral e neoconservadora que passará a dar novo sentido a diferenças categorias antigas ou a reinventar outras, tais como Estado produtivas entre mínimo, flexibilidade, competitividade, eficiência, qualios indivíduos. dade total, gestão, integração. O DISCURSO NEOLIBERAL Está havendo, pois, uma “refuncionalização” no plano cultural e educacional. A globalização da economia “levou à unificação dos siste- Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 21 mas de mercado e a uma nova era de dominação cultural” (SOUZA, 1994, p. 111). É, talvez, neste campo da hegemonia de uma ideologia, de um tipo de discurso, que o neoliberalismo obteve sucesso bem maior do que no campo econômico. O projeto neoliberal busca, mediante os meios de comunicação, convencer a sociedade de que é a única saída para a crise que impera no campo da economia, da política e, em nosso caso, da educação. Parte do pressuposto ou da “constatação” estatística de que a educação formal se expandiu, estando disponível a todos os segmentos da sociedade. Alega que a “improdutividade” do sistema educacional (altas taxas de evasão e reprovação, ao redor de 30%) é devida: F. Hayek publica O Caminho da Servidão, 1944. Milton Friedman (Liberdade de Escolhas), Prêmio Nobel de Economia, 1976. Consenso de Washington 1990) - à atitude paternalista e assistencialista do Estado; - à incapacidade de a escola se organizar e se adequar aos novos tempos; - ao corpo docente “desqualificado”, acomodado e insensível às necessidades de renovação e inovação em seu trabalho; - às organizações de classe que só lutam por questões salariais, sendo muito corporativistas e responsáveis no impedir as mudanças necessárias. Isso tornaria a escola ineficiente, ineficaz, incompetente para se firmar numa sociedade que vem se caracterizando como “sociedade de informação”, “sociedade informatizada”, “sociedade do conhecimento”, “sociedade do saber” (GENTILI, 1996, p. 31). Fala-se no fim do proletariado, das classes sociais e no início de um “cognitariado”, em que o conhecimento Cognitariado do verbo latino se tornaria o maior valor no mercado, e a mercadoria Cognoscere definiria as relações sociais e de trabalho. (conhecer) Segundo o pensamento neoliberal, a escola ainda reduzido ao não se deu conta do valor do conhecimento numa sociedasentido de de onde triunfam os melhores, os detentores de maior “arquivar conhecimento. informações”. A escola que está aí, sobretudo a escola pública (leia-se também universidade), estaria vivendo profunda crise, que a torna ineficiente em sua função de oferecer esta mercadoria, que é o conhecimento, às pessoas interessadas, a seus clientes. E esta crise é, fundamentalmente, uma crise gerencial. A escola, então, deveria ser submetida a uma reforma administrativa para se tornar competitiva e ingressar na esfera do mercado. 22 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Para isso, o governo necessita estabelecer mecanismos de controle e avaliação dos serviços educacionais que deveriam estar articulados com as necessidades do mercado de trabalho e a estas subordinados. As reformas educacionais, então, vêm caminhando para fazer com que as escolas funcionem como empresas produtoras de serviços educacionais para colocar no mercado seus produtos, obedecendo às regras de controle da qualidade e da produtividade. Muda-se, assim, o discurso e as lutas em favor da democratização da educação, da formação profissional, de sua expansão nas camadas pobres e miseráveis por um discurso da qualidade, de uma qualidade submetida aos conceitos, aos preceitos, aos critérios e às práticas empresariais. De uma qualidade que tem a pretensão de melhorar os resultados da educação e de seus processos. Fala-se, então, de otimização, de “racionalidade”, de melhor utilizar os limitados recursos postos à disposição dos serviços educacionais. Desta maneira, no entendimento neoliberal, a educação poderia cumprir sua função social: ajustar o cliente, o comprador de seus serviços, às demandas do mundo dos empregos. Teria uma função de “empregabilidade” (GENTILI, 1996, p. 25). A educação instrumentalizaria o cliente para poder competir no mercado. O resto seria por conta dele, de seu esforço, de seu interesse e de sua capacidade. Voltamos ao discurso da meritocracia: “vence aquele que mais se esforça e batalha!” A educação, então, não somente é posta como subor- Discurso dinada aos objetivos e interesses do capital como também economicista da passa a ser conformada (com a forma) como organização Teoria do Capital capitalista do trabalho. É neste sentido e direção que se dão Humano - tão as discussões e ganham força “reformas” no interior do familiar na sistema educacional, com as propostas de descentralização, década de 1960 de gestão, de qualidade total, de re-qualificação do trabalha- - com nova roupagem. dor, de valorização do magistério. O processo produtivo necessita da escola, da educação formal, para preparar o trabalhador? Não se trataria de discurso para culpar a escola pela exclusão do trabalhador por sua não qualificação, por sua “não competência”? Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 23 “FORMAÇÃO” PROFISSIONAL A necessidade de “reordenamento” do processo de acumulação capitalista tem estimulado a entrada das novas tecnologias microeletrônicas (informática, máquinas numéricas e a robótica) e das novas formas de organização do trabalho, intensificadas no fim de 1990, diante da competitividade internacional e da busca do crescimento econômico. Se, no antigo modelo taylorista e fordista, eram exigidos do trabalhador atributos escolares e culturais de pouca relevância, hoje, o novo padrão tecnológico exige sua re-qualificação, seu aperfeiçoamento profissional, o domínio de novas especificidades. Torna-se imprescindível o contínuo “retreinamento” de todos os profissionais, dando sequência à instrução básica e ao treinamento ocupacional (CAMPION, 1995, p. 193). Toyotismo Mas, que tipo de “qualificação” para o trabalho? Criado na fábrica As rápidas transformações econômicas requerem da Toyota formação técnico-científica básica e acesso a um saber (Japão), após a II universalizante. O novo modelo de produção (toyotismo) é Guerra Mundial. chamado por alguns autores de neofordimso e, por outros, Consolidou-se na de pós-fordismo porque nele ainda permanecem elementos década de 1980. do modelo anterior. É um estágio superior de racionalização do trabalho, sem modificar sua lógica de produção. Trabalhador O toyotismo não requer mais um trabalhador robotinão mais zado, que consiga executar uma sequência de operações autômato, mecânicas, privilegiando atividades sensório-concretas. mas autônomo”. Requer um trabalhador que possa executar atividades de Em que abstração, com capacidade analítica, que dê conta de linguasentido? gens diversificadas e que possa tomar decisões e intervir. Mais do que aprender a fazer, ele deve ser formado para “aprender a aprender’’. E isso, de maneira grupal, coletiva, com visão ampla, não fragmentada do processo produtivo. Pretende-se, assim, dirimir a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual, e abandonar a realização de tarefas individuais, cronometradas, controladas, em que o “tempo útil” era transformado em mercadoria. A cooperação, a participação, a responsabilidade, a organização, a disciplina, a concentração e a assiduidade são atributos a ser assimilados e praticados por este novo tipo de profissional, um “novo” trabalhador, com boa formação geral, com capacidade para perceber um fenômeno em processo, mas atento, leal, responsável, capaz de tomar decisões. O fordismo (Henry Ford, 1863-1947) representa a adaptação do taylorismo (Frederick W. Taylor, 18561915) à linha de montagem – voltada para a produção standardizada para o consumo de massa. 24 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Fala-se, portanto, da necessidade de uma “reciclagem” dos trabalhadores em todos os setores, não só na indústria como no setor primário e, especialmente, no terciário. Isso vem consolidando a ideia de uma educação técnica e profissional permanente, continuada, de uma educação não restrita à escola e à educação formal. Desapareceria a divisão entre estudo e trabalho. Figura 1 - (re)organização do processo produtivo e pedagógico (re)Organização do Trabalho no processo produtivo FORDISMO - Baixa inovação no produto. Educação - Baixa variabilidade no processo. Objetivada - Baixa responsabilidade do e de trabalhador. Massa crise NEO-FORDISMO - Alta inovação no produto. - Alta variabilidade no processo. - Baixa responsabilidade do trabalho. Racionalidade Econômica Reformulação de conteúdos e métodos PÓS-FORDISMO - Alta inovação no produto. - Alta variabilidade no processo. - Alta responsabilidade do trabalhador. “(Re)qualificação“ - novas habilidades - EDUCAÇÃO Formação profissional Gerenciamento Novas Tecnologias Formação continuada - em serviço - O que você pensa? Esse tipo de discurso é contraditório? Exclui-se contingente significativo de trabalhadores com a introdução de outras tecnologias na produção, e exigem-se competências para lidar com elas. Mas de quem? Dos que permanecem no trabalho ou dos desempregados? A “despecialização”, ou a polivalência do trabalhador significa “requalificação”? Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 25 Por outro lado, foi constatado, por exemplo, que, na grande maioria dos empregos abertos no início da década de 1970, na Europa, preferiu-se um tipo de trabalhador “desqualificado”, a quem seria dispensada até mesmo a própria fala (LINHARES, 1995). Segundo o depoimento de um diretor de recursos humanos de uma indústria brasileira, o grande problema não é somente “a atualização tecnológica, mas o treinamento de pessoal para assimilar novas tecnologias [...] é trabalhar o Coeficiente Emocional, e não o Quociente de Inteligência” (CARVALHO, 1997). Por isso, várias empresas deram início à introdução de programas de autoestima, autoconhecimento e motivação, como o Programa Top Performance da Microlite, o Projeto Células, da Kibon/Sorvane, etc. Servem para melhorar não só a qualidade dos produtos que fabricam, mas sobretudo o relacionamento do trabalhador com a empresa, dando mais autonomia ao empregado e gratificando-o pela assiduidade. A “re-qualificação” se reveste, então, de outro sentido, ampliando o ciclo de trabalho, tornando os trabalhadores “pluriespecialistas”, mas não, necessariamente, “mais qualificados”. Mesmo no toyotismo, continua a uniformização no trabalho sob a forma de nova repetitividade do trabalho, de nova organização do trabalho, porque, tal como no fordismo, continua presente o processo geral de racionalização do trabalho, visando ao lucro. Assim, nas décadas de 1970 e 1980, estava posto o desafio para o Estado e para as empresas: “re-qualificar” milhões de trabalhadores para atender às exigências do mercado de trabalho. Como fazer isso sem onerar as empresas capitalistas, dado que, segundo o Estado, “não havia” recursos públicos suficientes? Uma das saídas encontradas foi recorrer à modalidade a distância, oferecendo cursos de re-qualificação em serviço. 1.2 A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EM EXPANSÃO: UMA QUESTÃO DE “FUNCIONALIDADE”? No contexto da crise estrutural do capitalismo, a conjuntura econômica, política e tecnológica tornou favorável a implementação da EaD. Ela passou a ocupar posição instrumental estratégica para satisfazer amplas e diversificadas necessidades de qualificação das pessoas adultas, para contenção de gastos nas áreas de serviços educacionais e, no âmbito ideológico, para traduzir a crença de que o conhecimento está 26 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas disponível a quem quiser. Se antes existiam muitas resistências e pré-conceitos quanto à Educação a Distância, parece que a atual conjuntura encontrou nesta modalidade uma alternativa economicamente viável, uma opção às exigências sociais e pedagógicas, contando com o apoio do avanço das novas tecnologias da informação e da comunicação. O “boom” da Assim, é no final do século XX que surgem institucionalização “os grandes sistemas de educação superior a distânda EaD está cia, primeiramente na Europa e, em seguida, no relacionado com a Canadá, nos Estados Unidos e na Austrália”, para crise do Estado depois se expandirem para todos os países desenvolassistencialista, vidos e muitos países em processo de desenvolvimennacional e social. to (GUIMARÃES, 1997, p. 3). - a Open University (Inglaterra - 1969), a 1ª Universidade Aberta, tem seus cursos reconhecidos internacionalmente; - a FernUniversität de Hagen (Alemanha) atende a milhares de estudantes; - a Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED 1972), na Espanha, oferece mais de 200 cursos, em nível superior, a mais de 180 mil estudantes; - o Centre National d' Enseignement à Distance (CNED - 1939), na França, oferece mais de 3.000 cursos, para todos os níveis; - na Rússia, 2.500.000 estudantes (mais de 40% dos inscritos nas universidades) estudavam na modalidade a distância antes da ruptura do bloco socialista; - em países como Indonésia, Irã, Coreia, África do Sul, Tailândia e Turquia, somente para citarmos alguns, foram instaladas universidades públicas para atender a mais de 100 mil estudantes; - na China, a televisão cultural universitária, desde 1977, oferece cursos a distância a mais de 500 mil estudantes; - na Índia, a Indira Gandhi National Open University conta com mais de cem mil alunos matriculados; - a Austrália é o país que mais desenvolve programas a distância, integrados com as universidades presenciais. Na Europa, os governos buscam na educação, numa educação eficiente, de “qualidade e barata”, o lócus para re-qualificar os trabalhadores, para que rapidamente possam ser inseridos no mercado de trabalho, num processo de educação continuada. São oferecidos mais de 700 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 27 programas de diferentes níveis, nos mais variados campos do saber, mas os mais atingidos continuam sendo os adultos (90%) e em nível superior (29%). Sua presença na formação profissional, porém, já é significativa. O Parlamento Europeu reconheceu a importância da EaD para a Comunidade Europeia ao adotar uma Resolução sobre as Universidades Abertas (10-7-87) e ao desenvolver diversos programas comunitários, a partir de 1991, utilizando a modalidade da EaD. É o caso dos programas Sócrates, Leonardo da Vinci e ADAPT (do Fundo Social Europeu). No início da década de 1980, segundo a FernUniversität, da Alemanha, existiam aproximadamente 1.500 instituições, no mundo inteiro, atuando em EaD, atingindo 10 milhões de estudantes ou até o dobro, no entender de alguns estudiosos. Em alguns países, como a Espanha, mais de 10% da população adulta estava matriculada em algum curso dentro desta modalidade (apud GARCÍA ARETIO, 1994, p. 481). Este índice alcançava os 40% em outros países, como na Colômbia. Metade dessas instituições (50%) eram estatais; três quartos delas, universidades. Como a grande maioria (88%) não é de caráter lucrativo, é o Estado que praticamente as subvenciona, chegando, em alguns casos, a cobrir até 70% das despesas. Mas quais os níveis atingidos via EaD? Quadro 1 - Níveis atingidos pela Educação a Distância Educação fundamental (crianças 2%, adultos 5%) Educação média (adolescentes 8%, adultos 17%) Educação universitária Cursos de pós-graduação Formação profissional Educação permanente / continuada 7 % 25% 20% 9% 12% 27% Fonte: GARCÍA ARETIO, Lorenzo. Educación a distancia hoy. Madrid: Uned, 1994, p. 482 Quadro 2 - Redes de Educação a Distância Redes Intercontinentais - Consortium International Francophone de Formation à Distance (CIFFAD), 1987 - mais de 1.000 instituições de 38 países; - Asociación Iberoamericana de Educación Superior a Distancia (AIESAD), 1980 - mais de 50 instituições; - International Council for Distance Education (ICDE), 1938 - 100 instituições - 60 países. 28 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Redes Continentais - African Distance Learning Association (ADLA), 1973; - Australian and South Pacific External Studies Association (ASPESA), 1972; - Asian Association of Open Universities (AAOU), 1986; - Association of European for Correspondence Schools (AECS), 1985 - mais de 70 Organizações de 17 países; - European Distance Education Net (EDEN), 1990; - European Association of Distance Teaching Universities (EADTU), 1987; - Consorcio-red de Educación a Distancia (CREAD), 1990. Redes Nacionais e Estaduais - Universidade Virtual do Brasil (UVB), 1999; - Universidade Virtual do Centro-Oeste (UNIVIR), 1999; - Universidade Virtual Pública do Brasil (Unirede), 2000; - Centro de Educação Superior a Distância do Rio de Janeiro (CEDERJ), 2001; - Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB, 2006); - Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior (www.ricesu.com.br) Estudos recentes têm comprovado que o crescimento econômico e a competitividade das economias mais avançadas dependem primordialmente da capacidade para inovar nos produtos e nos processos, e que esta capacidade está assentada num elevado nível de conhecimentos profissionais dos trabalhadores (ESPANHA, 1995, p. 10). Assim, a EaD é institucionalizada pelos próprios governos como a modalidade que melhor estaria em condições de cumprir esta tarefa de maneira rápida, atingindo número expressivo de trabalhadores, e dentro de uma racionalidade econômica superior à modalidade presencial. Por outro lado, na África os programas educativos a distância ainda são incipientes, em face da limitação de recursos econômicos. Na América Latina, há países tomando a iniciativa de consolidação e institucionalização de programas de EaD, como a Universidad Nacional Abierta de Venezuela, a Universidad Estatal a Distancia de Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 29 Costa Rica e o Sistema de Educación Abierto y a Distancia de Colombia. O Brasil vem desenvolvendo programas em EaD há décadas, alguns deles muito conhecidos, como o Movimento de Educação de Base (MEB, 1956), projeto Minerva (1970), Logos (1977), Telecurso 2º grau (1978), Mobral (1979), Um Salto para o Futuro (1991), Telecurso 2000 (1995), TV Escola (1996), PROFORMAÇÃO (1999). Com a criação da Secretaria de Educação a Distância (1995), o MEC acenou para o caminho da formulação de uma política nacional para atender a esta modalidade. Iniciou com os programas TV Escola e o Programa Nacional de Informática na Educação: O Programa TV Escola, com a geração de três horas de programação diária, repetida quatro vezes por dia através de um canal exclusivo, visa à formação e ao aperfeiçoamento do professor e apoiar seu trabalho em sala de aula. Cerca de 48 mil escolas do ensino fundamental com mais de 100 alunos estão recebendo as imagens, através de um kit tecnológico. Até o final do ano, a previsão é que cerca de 20 milhões de alunos e um milhão de professores serão atingidos (Folha de S. Paulo, 27-11-96. Cotidiano 3, p. 3). O Proinfo objetiva promover o desenvolvimento da informática como instrumento de apoio ao processo ensino-aprendizagem. Serão atingidos os 11 milhões de alunos de 5ª a 8ª séries e os de ensino médio. Dispõe, inicialmente, de 450 milhões para adquirir 100 mil computadores (25% do previsto para atender a cerca de 15 mil estabelecimentos). Metade do dinheiro vem do Banco Mundial (BIRD) e o restante dos cofres da União (OLIVEIRA, 1997, p. 17). Em 200l, foi cogitada a criação da primeira Universidade Aberta e a Distância no País. Entretanto, a nosso ver, naquele momento, um sistema nacional de EaD não era o melhor caminho para nosso país. Mais vantajoso e produtivo seria o “dual mode system”, isto é, a EaD estar associada a uma universidade ou instituição convencional. As diferenças culturais, as distâncias e os problemas sociais muito melhor podem ser 30 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas atendidos por iniciativas locais e regionais. As pesquisas realizadas, avaliando os grandes programas em EaD que o MEC desenvolveu ao longo dessas décadas, vêm comprovar a “debilidade” de tais ações centralizadas, sem uma estrutura de apoio e acompanhamento dos programas in loco. Segundo o Centro Internacional de Ensino a Distância da Universidade das Nações Unidas (ICDL/UNU), as instituições que atuam na EaD podem ser classificadas em três tipos: - aquelas que atuam exclusivamente através desta modalidade (como a UNED e a Open University); - as instituições tradicionais que têm em seu interior algum Departamento voltado para a EaD (como nos EUA, Austrália e Brasil); - as tradicionais que oferecem cursos a distância, mas sem uma estrutura e um sistema em EaD implantado em seu interior. Houve as tentativas do Consórcio BRASILEAD, em 1998, e da UNIREDE, em 2000, tendentes a criar um rede das instituições públicas para oferta de cursos a distância. Porém, sem um apoio institucional efetivo, por parte do MEC, não se consolidaram. Só recentemente, em 2006, com a criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), o MEC daria a largada a esse sonho e à expansão da modalidade a distância no País, no ensino superior. 1.3 FATORES DE EXPANSÃO E DESAFIOS Ao longo do texto fomos expondo, de maneira sucinta, como certos fatores, estruturais e conjunturais, foram favoráveis à implantação de políticas, sistemas e programas em EaD, impulsionando seu crescimento em quase todos os países do mundo: - político-social: diante do crescente desemprego ante a introdução de máquinas “inteligentes” e o processo de contenção de despesas, por parte do governo, em quase todos os setores da vida social, buscando estabelecer um Estado mínimo, e ante a desqualificação dos trabalhadores, impunha-se dar nova formação ao trabalhador e criar um consenso de aceitação das duras e amargas medidas econômicas e sociais. Como fazer isso, atingindo rapidamente o maior número de trabalhadores? Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 31 - econômico: e como dar essa formação sem onerar os cofres públicos ou das empresas, diante da redução de investimentos na educação e sem tirar o trabalhador de seu local de trabalho? - pedagógico: a escola que está aí não é atraente, não é criativa. Sua estrutura muito fechada e burocratizada é um obstáculo para o trabalhador. Impõe-se uma modalidade mais leve, mais flexível, que ofereça alternativas que correspondam à realidade do trabalhador. - tecnológico: os atuais meios tecnológicos favorecem pensar em situações de aprendizagem novas, em que a figura presencial do professor, na maioria das vezes, é dispensável ou ele pode interagir não com uma sala de 20 a 30 alunos, mas, sim, com centenas, sem perder o nível de qualidade dos cursos oferecidos. Se esses fatores indicam tendências positivas para a expansão da EaD, não podemos, diante do quadro de análise que tentamos esboçar no início do texto e a partir dos fatos e acontecimentos recentes, negar que esses mesmos fatores também apontam e indicam tendências perturbadoras e desafiantes, cujos reflexos podemos, em parte, senti-los agora, diante da crise que nossa sociedade vivencia. À luz desses fatores e do atual cenário, temos pela frente diversos desafios: - Desafios no sentido de demonstrarmos nossa capacidade de produzir educação de qualidade, voltada para o trabalhador, que não seja tratada simplesmente como um “bem econômico”, e o trabalhador como um “cliente” a quem se deve vender uma mercadoria, um conhecimento, uma habilidade. Devemos tratá-la como uma qualificação “social”, não simplesmente técnica. - A EaD deve ser praticada como outra opção que se propõe ao trabalhador para sua qualificação. Não pode ser encarada simplesmente como substitutivo do sistema educacional que está aí, por mais deficiente que esteja operando, pois é uma das conquistas históricas do trabalhador, um compromisso e obrigação do Estado com as classes trabalhadoras. Alimenta-se o discurso da democratização do conhecimento, ele está aí disponível para todos; cabe a cada um o interesse e o esforço para buscá-lo, qualificar-se e, assim, alcançar ou manter o emprego. Fortalece-se com isso a perspectiva da privatização do ensino, a 32 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas criação de um mercado educacional sem precedentes. - EaD vem sendo vista por muitos governos como caminho mais barato, que atinge rapidamente a um número maior de trabalhadores, sem a devida preocupação com a qualidade da educação oferecida. Ao mesmo tempo, a EaD é assumida como estratégia política de “desmobilização”, pois não haveria necessidade de o trabalhador estar reunido e ter que se encontrar em locais determinados, uma formação sem a presença do educador, mais impessoal. Temos que combater este pragmatismo e esta “despolitização” do ato educativo (que é político em sua essência), e fazer da EaD um caminho real de socialização de conhecimentos, de democratização dos bens culturais e técnicos produzidos pela sociedade, de sociabilidade e convivência, e da formação do cidadão, de um cidadão solidário, cooperativo e coletivo. - Desafios no sentido de ingressarmos nas novas linguagens de comunicação, mas sem sermos por elas abafados e anulados, pelo encantamento, por uma espécie de canto das sereias. Não podemos alijar o trabalhador da sociedade. Temos que aprender a conviver com as novas tecnologias e a desenvolver-nos, como cidadãos livres e responsáveis. Portanto, temos que ousar aprendendo, sem timidez, com o olhar no horizonte, para onde caminha a sociedade, o progresso, mas com os pés calcados em nossa realidade local. - Desafios para superarmos a dimensão “reprodutivista”, da “individualidade acrítica” favorecida pelo vislumbramento do indivíduo diante da modelagem de “belas verdades”, rumo à construção de sujeitos sociais coletivos, mais presentes nos destinos da sociedade. PARA CONCLUIR É claro que o processo de globalização da economia não vem se dando de maneira igual em todos os países, nos países do primeiro mundo e nos demais, assim como os projetos neoliberais de reformas do sistema educacional têm seguido ritmos diferenciados no confronto com as organizações de classes. Mas não podemos fechar os olhos diante desta realidade, diante das demandas por uma educação diferenciada que instrumentalize o trabalhador, o cidadão, a compreender e a superar os novos desafios no campo da produção e da vida política e social. Estamos vivendo o início de novo milênio que vem sendo definido, em diferentes campos, marcando mudanças radicais de paradigmas e de valores. Falava-se, no final do século XX, em “fim da religião”, “fim da Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 33 ciência”, “fim da História”, etc. Não se trata de “fins”, mas de rupturas que descortinam horizontes novos, que abrem espaços para a construção de um novo tipo de homem e de sociedade para o terceiro milênio. Devemos, pois, continuar sonhando e buscar realizar a utopia de uma sociedade mais justa, em que a educação, a formação e os conhecimentos sejam realmente um bem de todos, e não de minorias. A EaD tem essa potencialidade, facultando a milhões de excluídos realizar também seus sonhos e utopias. SABER M BATISTA, Wagner Braga. Educação a Distância e o refinamento da exclusão social. Revista Conect@, n. 4, fev. 2002. Disponível em: www.conecta.com.br BELLONI, Maria Luiza. Educação a Distância. Campinas: Autores Associados, 1999. Cap. I - "Os paradigmas econômicos: contribuição para a Educação a Distância". PRETI, Oreste. A Formação do professor na modalidade a distância: (des)construindo metanarrativas e metáforas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógico. Brasília, v. 82, n. 200/2001/2002, p. 26-39, set. 2003. Disponível no site: www.nead.ufmt.br (Produção Científica). Para compreender o atual cenário, necessitamos de instrumental teórico, de visões e percepções diferentes das anteriores. Você conhece a metáfora da águia e da galinha, contada pelo líder político James E. Kwegyir Aggrey Disponível (1875-1927), nos inícios do séc. XX? Natural de um pequeem www. no país da África Ocidental, chamado Costa de Ouro, no leonardoboff.com litoral do Golfo da Guiné, em partes do território do atual (1997) Gana, lutava pela libertação de seu país, do domínio inglês. Isso ocorreria em 6 de março de 1957, uma geração após, com o líder Kwame N'Krumah. Leonardo Boff, o “Teólogo da Libertação”, explorou essa metáfora tão maravilhosamente em suas obras "A Águia e a Galinha: uma metáfora da condição humana" e "O despertar da águia: o diabólico e o sim-bólico na construção da realidade" (Ed. Vozes, 1998 ). Precisamos deixar a cerca segura do galinheiro, da proteção e dos cuidados do outro, da firmeza dos pés no chão. Procurar fortalecer 34 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas nossas asas e voar como águia, recuperando nossa identidade e força. Lá do alto poderemos descortinar o horizonte e ter visão “contextualizada” da realidade. Precisamos, portanto, de asas firmes e abertas que nos impulsionem para este vôo. Necessitamos, momentaneamente, nos afastar da imediatez e da pragmaticidade de nossas ações, da rotina do dia a dia da vida doméstica e profissional, da "tirania dos fatos" (como diz Pedro Demo), para melhor observar nossa vida, nossas práticas profissionais, repensar sobre elas numa atitude questionadora. Poderemos, assim, retornar a elas com outra postura e compreensão para uma intervenção crítica e transformadora. Na próxima unidade, então, iremos abordar alguns dos referenciais que fundamentam a EaD, que podem contribuir para esse “vôo de águia” e impulsionar revisão e mudanças em nossas práticas. UNIDADE 2 BASES TEÓRICAS EM CONSTRUÇÃO NA EaD Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 37 Nesta unidade, iremos tratar de algumas questões que, geralmente, as pessoas nos endereçam quando falamos sobre Educação a Distância: A EaD é uma metodologia, uma modalidade, o que é? - Por que o uso de terminologias diferentes para se referir à EaD? - Por que a adjetivação “a distância”? - Hoje, com o desenvolvimento das tecnologias da comunicação, que rompem com a clássica concepção mecanicista de tempo e espaço, faz sentido falar em “distância”? O que você pensa sobre tudo isso? Muitos anos atrás, quando se ouvia falar em educação a distância, pensava-se em alguém num lugar bem distante, numa casa de madeira, estudando à luz de lampião. Mais recentemente, passou-se a pensar em alguém diante da televisão, com livro, caderno e lápis, assistindo a cursos veiculados por mágicas parabólicas, ou a um jovem embevecido diante de uma tela de computador acompanhando cursos on-line, pela internet, participando de salas de bate-papo, enviando e recebendo correio eletrônico, etc. E hoje? Vejamos algumas possíveis atitudes. - Aludir à Educação a Distância, opondo-a em relação à educação presencial, à sala de aula ou a partir do que ela não é; - entronizar a EaD porque permitiria, mediante o uso das novas tecnologias, a ampliação do acesso à escola, à democratização do conhecimento, possibilitando "ensinar tudo a todos" (como já propunha Comênius, em sua obra Didática Magna, em 1657); - execrar, repudiar a EaD, sustentando tratar-se de educação de terceira categoria, supletiva, não capaz de qualificar e formar adequadamente o cidadão; - pôr ênfase na organização do sistema de Educação a Distância, com seus subsistemas (comunicação, tutoria, produção de material didático, gerenciamento), e não nos processos de ensino e de aprendizagem e de formação para a vida. - assentar o foco em sua possibilidade de estabelecer o diálogo 38 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas entre educadores e educandos, embora separados no tempo e no espaço; de promover processos de aprendizagem autônoma, independente, respeitando os ritmos particulares de cada aprendente; de desenvolver práticas mais interativas e menos objetivadas que o ensino presencial. Afinal, o que é “Educação a Distância”? Apresenta características que a diferenciam de outras modalidades de ensino? 2.1 CONCEITUAÇÕES E CARACTERÍSTICAS 3 Falar em educação a distância é, antes de tudo, ingressar no campo polissêmico da educação, é tratar de conceituações e práticas diferenciadas. Vamos, inicialmente, tratar do termo "educação” e, em seguida, de "educação a distância". Por que privilegiamos o termo "educação" a outras terminologias a que recorrem as instituições de ensino, adotadas por teóricos da educação, tais como ensino, treinamento, aprendizagem e formação? Insignare (lat.): “gravar um sinal”, colocar signos, depositar informações. - Ensino - Representa instrução, reprodução, socialização da informação, transmissão de conhecimento, adestramento - de onde vem a palavra "maestro", já que adestrado significa ensinado ou amestrado, conduzido pelo lado direito, isto é, destro -. É um termo mais restrito ao processo ensinar x aprender, em que alguém sabe (quem ensina) e o outro não sabe (quem aprende). A ênfase recai no aparato institucional e tecnológico para que determinado pacote de conhecimentos seja transmitido e assimilado pelo aluno. - Treinamento - Há autores que falam em treinamento, sobretudo quando se referem a cursos voltados para o campo empresarial, em que a preocupação central é melhorar o desempenho do trabalhador, "agregando valor para a empresa" (NISKIER, 1999, p. 40-1), como os cursos e-learning. 3. Parte deste texto foi retirado de: PRETI, Oreste. Educação a Distância: uma prática educativa mediadora e mediatizada. In: PRETI, O. (Org.). Educação a Distância: inícios e indícios de um percurso. Cuiabá: NEAD, EdUFMT, 1996, p. 25-32; e de: ________. Educação a Distância e/ou Educação Aberta. In: UNIREDE. Fundamentos e Políticas de Educação e seus reflexos na Educação a Distância. Curitiba: UFPR, 2000, p. 81-94. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 39 - Aprendizagem - O termo desloca o eixo do sujeito ou da instituição que ensina para o sujeito que aprende, tornando-se este o centro do processo de aprendizagem. Há um deslocamento de foco de um polo (o professor) para outro polo (o aprendente) da relação. Por isso, para superar novamente esta dicotomização, há autores que sugerem o termo "aprendência". - Formação - Em sua base etimológica, embute a ideia de uma "fôrma", de uma estrutura já ordenada, planejada e disponibilizada. Nela se depositaria determinado saber, ou práticas específicas. Voltada para preparação especializada em tarefas definidas pelo mercado, ou para formação parcelar e seletiva, estimulada pelo taylorismo e sustentada na teoria do "capital humano" (ex.: a “formação para o trabalho”). Deixa, porém, espaço para uma possível "ação", uma intervenção e participação do sujeito "em-forma-ação". Segundo Demo (1998), numa perspectiva construtivista, "formar é formar-se". Tratar-se-ia de processo autofomativo, educativo e libertário. - Educação - Em sua etimologia (de educare: criar, alimentar; ou de educere: conduzir para fora), indica uma ação para fora da "forma", uma relação muito particular, muito íntima e afetiva entre educador e educando, ambos se influenciando e se transformando. No dizer de Sanviens (1985), abarca "toda trama social e política [...] implica a educação como atividade e como processo interativo de heteroeducação e de autoeducação". Por isso, apresenta-se como sistema aberto, dinâmico, interacionista e (auto)organizador em que a educação é determinada pelos fatos, pelo seu entorno e, por sua vez, acaba por afetá-los: Quando estamos falando de educação, estamos nos referindo a todos os aspectos da vida que ela enfeixa nas relações pessoais, sociais, políticas, com a natureza e com o entorno. Está imiscuída, misturada e diluída em tudo. É parte do todo, é o todo (PRETI, 1998, p. 20). Trata-se de "estratégia básica de formação humana, aprender a aprender, saber pensar, criar, inovar, construir conhecimentos, participar de, etc." (MAROTO, 1995), do “processo de constituição histórica do sujeito, através do qual se torna capaz de projeto próprio de vida e de 40 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas sociedade, em sentido individual e coletivo” (DEMO, 1998, p. 19). Em síntese, é processo (re)contrutivo, dialógico, humano e criador. No entender de N. J. Machado (1997 apud OLIVEIRA, 2002, p. 99), somente há educação “no contexto da proximidade”, seja ela ideológica, seja afetiva, seja conceitual, não precisando ser necessariamente geográfica. Por isso, quando aludimos à Educação a Distância, não devemos centrar nosso foco na "distância", e sim nos processos formativos, na educação, fazendo recurso a abordagens contextualizadas, situadas, críticas e libertadoras da educação. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA No campo desta modalidade, também, emergem variadas terminologias para caracterizá-la e explicá-la: Estudo/educação a distância. estudo por correspondência estudo em casa estudos externos ensino a distância télé-enseignement educación a distancia istruzione a distanza teleducação fernstudium e fernunterricht (Reino Unido) (Estados Unidos) (Austrália) (Open University) (França) (Espanha) (Itália) (Portugal) (Alemanha) As expressões Ensino a Distância e Educação a Distância, mais usuais no Brasil, já eram utilizadas na Alemanha na década de 19604, em substituição à expressão "estudo por correspondência", em uso durante mais de um século5. Inicialmente, foram empregadas e divulgadas pelo 4. Em 1967, foi fundado o Deutches Institut für Fernstudien / DIFE (Instituto Alemão de Educação a Distância). 5. Em 20 de março de 1728, na Gazeta de Boston, aparecia um anúncio oferecendo material de ensino e tutoria por correspondência. Em 1840, foi criada, no Reino Unido, a primeira escola de ensino por correspondência: Sir Isaac Pitman Correspondence College. Em 1858, a Universidade de Londres outorgava títulos a estudantes externos que recebiam ensino por correspondência. Esses cursos, que se expandiram em países anglo-saxônicos e nórdicos, em sua maioria se destinavam ao ensino básico e técnico. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 41 sueco Börje Holmberg. O inglês Desmond Keegan e Charles A. Wedemeyer (1966) a introduziram no mundo anglo-saxônico, a partir da criação da Open University (Universidade Aberta), em 1969 (GARCÍA ARETIO, 1994, p. 28-9; NISKIER, 1999, p. 53). O que se entende por Ensino ou Educação a Distância? Não há unanimidade. García Aretio, em sua obra Educação a Distancia Hoy (1994), lista mais de 20 definições. Vejamos algumas delas: O ensino/educação a distância é um método de transmitir conhecimentos, habilidades e atitudes, racionalizando, mediante a aplicação da divisão do trabalho e de princípios organizacionais, assim como o uso extensivo dos meios técnicos, especialmente para o objetivo de reproduzir material de ensino de alta qualidade, o que torna possível instruir grande número de alunos ao mesmo tempo e onde quer que vivam. É uma forma industrial de ensinar e aprender (Otto Peters, 1983). Educação a Distância é uma modalidade mediante a qual se transferem informações cognitivas e mensagens formativas através de vias que não requerem uma relação de contiguidade presencial em recintos determinados (Victor Guédez, 1984). Educação a Distância é um sistema multimídia de comunicação bidirecional com o aluno afastado do centro docente e ajudado por uma organização de apoio para atender de modo flexível à aprendizagem de uma população numerosa e dispersa. Este sistema somente se configura com recursos tecnológicos que permitam economia de escala (Ricardo Marin Ibañez, 1986). Metodologia de ensino em que as tarefas docentes ocorrem em um contexto distinto das discentes, de 42 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas modo que estas são, em relação às primeiras, diferentes no tempo e no espaço ou em ambas as dimensões ao mesmo tempo (Jaime Sarramona, 1991). Um sistema tecnológico de comunicação bidirecional que pode atingir massas e que substitui a interação pessoal na sala de aula entre professor e aluno como meio preferencial de ensino pela ação sistemática e conjunta de diversos recursos didáticos e o apoio de uma organização e tutoria que propiciam uma aprendizagem independente e flexível (Lorenzo García Aretio, 1995). Encontramos, mais recentemente, a conceituação de Michael Moore (1996), consultor do Banco Mundial no campo da educação, e que assessorou a introdução do programa ProFormação, aqui no Brasil: Educação a Distância é aprendizagem planejada que geralmente ocorre num lugar diferente do ensino e, por causa disso, requer técnicas especiais de desenho de cursos, técnicas especiais de instrução, métodos especiais de comunicação através da eletrônica e outras tecnologias, bem como arranjos essenciais organizacionais e administrativos. Segundo Maria Luiza Belloni (1996), com exceção da definição de Peters, que aplica à EaD o "paradigma" econômico elaborado para descrever o processo de produção industrial de um período do capitalismo (fordismo), as definições [...] são de modo geral descritivas e definem EaD pelo que ela não é, ou seja, a partir da perspectiva convencional da sala de aula. Há ênfase nos "processos de ensino", na estrutura organizacional do sistema e seus subsistemas. No Decreto 2.494/98, que regulamenta o art. 80 da LDB 9.394/96, encontramos a seguinte definição: Educação a Distância é uma forma de ensino que possibilita a auto-aprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 43 apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados e veiculados pelos diversos meios de comunicação. Maria Lúcia C. Neder (2000), ao analisar, igualmente, as diferentes definições mais em uso na literatura especializada, pondera que a EaD é vista como: a-sistema de comunicação bidirecional; b-recursos para proporcionar instrução; c-modalidade alternativa de ensino; d-sistema tecnológico de comunicação para massas e bidirecional; e-modelo pedagógico; f- prática educativa mediatizada; g-forma pedagógica; h-modalidade alternativa de educação; i- meio para o ensino; e j- educação alternativa. Segundo a autora, a EaD é compreendida como "meio", como "forma" de possibilitar o ensino ou como possibilidade de evolução do sistema educativo, seja porque permite ampliação de acesso à escola e atendimento a adultos, seja porque faculta o uso de novas tecnologias de comunicação. Critica essas concepções porque, os autores ao incorporarem contribuições das teorias funcionalistas e estruturalistas, dissociam a educação a distância, considerada objetivada, da educação como prática social, destituindo desta última as características que apontam como exclusivas da EaD. No Relatório da Comissão Assessora para Educação Superior a Distância (ago. 2002), que propunha alteração das normas que regulamentam a oferta à EaD no nível superior, é compreendida como atividade pedagógica que é caracterizada por um processo de ensino-aprendizagem realizado com mediação docente e a utilização de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes tecnológicos de informação e comunicação, os quais podem ser utilizados de forma isolada ou combinadamente, sem a frequência obriga- 44 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas tória de alunos e professores, nos termos do artigo 47, § 3º, da LDB. Porém, o Decreto n. 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que deu nova regulamentação ao art. 80 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, definiu assim a EaD, no art. 1º : modalidade educacional na qual a mediação didáticopedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. Em nosso entender, nas definições põe-se ênfase, em demasia, ou na estrutura organizacional do sistema e de seus subsistemas, ou nos meios tecnológicos, e menos nos processos de ensino e de aprendizagem. Afinal, como podemos compreender Educação a Distância? EaD - como processo de aprendizagem centrado na relação sujeito que aprende e sujeito que ensina, isto é: - o sujeito aprendente, com capacidade de “autonomia relativa” (intelectual e moral) e de gerir sua formação; - em interação com professores, orientadores/tutores, colegas; - processo mediatizado por um conjunto de recursos didáticos e tecnológicos acessíveis ao estudante; - apoiado por uma “instituição ensinante” que lhe oferece todo tipo de suporte (do cognitivo ao afetivo), para que se realize a mediação pedagógica, a interação e a intersubjetividade; - processo este que se realiza presencialmente e/ou “a distância”. Deve ter percebido que, ao compreender EaD dessa maneira, em muito pouco ela se diferencia da modalidade presencial. Trata-se, fundamentalmente, de fazer educação, de processo de ensinar e de aprender que pode ser realizado das mais diferentes maneiras! Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 45 Faz parte de nossa formação metafísica e apriorista buscar compreender a realidade com base em definições, tentar nomear uma situação nova, fazer o confronto disso com aquilo, “enquadrar” a realidade dentro de um referencial explicativo único e racional. É isto ou aquilo. Parece que, a partir da definição (“Educação a Distância é”), a realidade mais facilmente se torna compreensível e pode ser apanhada em suas dimensões e características. Podemos, porém, em lugar de seguir este caminho e tentar escolher uma entre tantas definições, quando não oferecer ainda outra conceituação, que sempre apresentará suas limitações, não dando conta de incluir todos os aspectos relativos ao complexo e dialético processo educativo "a distância", apontar algumas de suas características fundamentais: - Educando e educadores estão separados pelo tempo e/ou espaço; - Há um canal, ou melhor, canais que viabilizam a interação (canais humanos) e/ou a interatividade (canais tecnológicos) entre educadores e educandos. Trata-se, portanto, de processo mediado e "mediatizado", construindo outros sentidos aos conceitos de tempo, espaço, presencialidade e distância; - Há uma estrutura organizacional complexa a serviço do educando: um sistema de EaD como rede integrando comunicação, orientação acadêmica (tutoria), produção de material didático, gestão, avaliação, etc.; - A aprendizagem é processo de construção, que se dá de forma independente, individualizada, autônoma e, ao mesmo tempo, de forma coletiva, por meio de interações sociais (com os colegas do curso, os orientadores acadêmicos, os professores, os autores do material didático). Desde 1992, temos proposto a utilização da expressão orientador acadêmico em substituição a tutor. Trata-se de opção epistemológica, pois, numa perspectiva interacionista, a aprendizagem se dá na relação dialógica e de trocas entre educador e educando, não cabendo a idéia de submissão ou de tutela, ainda mais quando tratamos com adultos! Por outro lado, fica subentendido que esta modalidade nem sempre está adequada a todos os segmentos da população, pois exige motivação, maturidade, autodisciplina para que o resultado seja satisfa- 46 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas tório. Existem experiências realizadas com crianças e jovens adolescentes que foram mal-sucedidas. Por isso, essa modalidade está muito mais voltada para atendimento da população adulta. Ao longo do texto, ao nos referirmos à Ead, diversas vezes a mencionamos também de Educação Aberta e a Distância. Por quê? EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA Diante dos novos processos econômicos e tecnológicos que expandem as relações sociais e de produção para além dos limites do local, das fronteiras nacionais, fortalece-se a concepção de uma educação contínua e permanente que possa ser oferecida, pelas instituições educativas, de forma aberta, sem restrição, exclusão ou privilégios. Mas o que é uma "Educação Aberta"? Esta expressão foi utilizada, inicialmente, pela Open University da Inglaterra (que antes se denominava de University of Air), indicando: - a falta de requisitos na inscrição de estudantes. Não há restrições, a inscrição é livre e aberta a quem quiser se matricular em qualquer curso; - a ausência de um câmpus universitário; - a utilização de todos os meios de comunicação para educar: métodos livres e variados modos de aprender; - o acesso a diferentes teorias e doutrinas. A bem dizer, era posta em oposição a um ensino fechado, reducionista, exclusivista e de privilégios. Segundo García Aretio (1994), o que mais se acentua no adjetivo "aberto" é a ausência de requisitos para o ingresso dos estudantes. São poucas as instituições de EaD que se caracterizam como "abertas". Armando R. Trindade, que participou do projeto de implantação e consolidação da Universidade Aberta de Portugal (1988), explicita-nos sua compreensão: Aprendizagem aberta tem, essencialmente, dois significados: de um lado, refere-se aos critérios de acesso aos sistemas educativos ("aberta" como equivalente da ideia de remover barreiras ao livre acesso à educação e ao treinamento); de outro lado, significa que o processo de aprendizagem deve ser, do ponto de vista do estudante, livre no tempo, no espaço e no ritmo (timefree, place-free, space-free). Ambos os significados estão ligados com uma filosofia educacional que Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 47 identifica abertura com aprendizagem centrada no estudante (apud BELLONI, 1999, p. 30). Em nosso entender, essa segunda característica é própria da Educação a Distância em geral. Talvez Trindade queira chamar a atenção menos sobre o "acesso" ao sistema educacional e muito mais sobre os "processos de aprendizagem", sobre a flexibilidade do ensino a distância. EaD e AA A EaD diz respeito mais a uma modalidade de educação e a seus aspectos institucionais e operacionais, referindo-se, principalmente, aos sistemas "ensinantes; enquanto AA [Aprendizagem Aberta] se relaciona sobretudo com modos de acesso e com metodologias e estratégias de ensino e aprendizagem, ou seja, enfoca as relações entre os sistemas de ensino e os aprendentes (BELLONI, 1999, p. 32). São diferenciações que, na prática educativa a distância, pelo menos em nossa experiência no curso de Licenciatura na modalidade a distância da Universidade Federal de Mato Grosso, não ocorrem. Quando se pensa numa ação concreta, concebe-se e se implementa um sistema, uma rede de encontros em que não se faz esta separação. Pensa-se tanto na estrutura organizacional como no aprendente, para apoiá-lo em seu percurso de ‘‘autoaprendizagem’’6. Niskier (1999), ao referir-se ao modelo das chamadas universidades comunitárias, muito numerosas nos Estados Unidos da América, propõe uma terminologia que nos agrada muito: Universidade de Porta Aberta. Trata-se de educação aberta, não somente no sentido do acesso ao conhecimento por parte do cidadão adulto, mas, sobretudo, porque a comunidade tem como avaliar essa educação. Pois a universidade comunitária marca presença nos diferentes espaços geográficos, disponibiliza material e programas, atende a demandas específicas, e seus resultados podem ser mais rapidamente percebidos e avaliados. 6. Autoaprendizagem, na realidade, retrata redundância, pois um processo de aprendizagem não ocorre sem autoaprendizagem, isto é, sem a participação ativa do aprendente; senão seria domesticação, transmissão, inculcação de conteúdo; tudo, menos aprendizagem. 48 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas E "a distância"? Diante da introdução maciça das novas tecnologias da comunicação que põem os homens em contato, independentemente do espaço geográfico e com rapidez cada vez mais surpreendente, faz sentido se referir ao termo "distância" em sua acepção original e restrita? Alguns educadores vêm repensando esta adjetivação e sugerindo outras: "não presencial", "virtual", "mediada por meios eletrônicos". Não seria melhor descartar qualquer adjetivação e falar somente de educação? “CARACTERÍSTICAS” As diferentes concepções apresentadas apontam também, em seu interior, algumas “características” que seriam específicas da EaD, diferenciando-a da modalidade presencial. Vejamos algumas delas: Síncrono: dialogar na mesma hora; assícrono: em tempos diferentes. - “distância” física professor-aprendente: a ausência física do professor, isto é do interlocutor, da pessoa com quem o estudante vai dialogar, não é impeditiva para que se dê a aprendizagem. O diálogo pode ocorrer de outras maneiras, sincronicamente (utilizando telefone, chat, áudio, web/videoconferências, etc.) e/ou assincronicamente (correio eletrônico, lista de discussão, fórum, etc.); - estudo individualizado e independente: reconhece-se e se desenvolve a capacidade de o estudante construir seu caminho, de se tornar autodidata; de ser autor de suas práticas e reflexões; - processo de ensino e aprendizagem mediado e mediatizado: a EaD deve oferecer suporte e estruturar um sistema que viabilize e incentive a autonomia dos estudantes no processo de aprendizagem. E isso se dá por meio da interação e do ‘‘tratamento dado ao conteúdo e formas de expressão mediatizados pelo material didático, meios tecnológicos, sistema de tutoria e de avaliação” (MAROTO, 1995); - uso de tecnologias: os recursos técnicos de comunicação, que hoje têm alcançado avanço espetacular, permitem romper com as barreiras das distâncias, das dificuldades de acesso à educação e dos problemas de aprendizagem por parte dos aprendentes que, embora estudem individualmente, não estão isolados e Educação a Distância: Fundamentos e Políticas - - - - Procedimento efetivo - que produz resultados sociais - - - 49 sozinhos. Oferecem possibilidades de estimular e motivar o estudante, de armazenar e divulgar dados, de dar acesso às informações mais distantes e com uma rapidez incrível, de um trabalho cooperativo/colaborativo; comunicação multidirecional: o estudante não é mero receptor de informações, de mensagens; apesar da distância, busca-se estabelecer relações dialogais, criativas, críticas e participativas entre aprendentes, entre professores e aprendentes e entre as diferentes equipes envolvidas no curso a distância; abertura: uma diversidade e amplitude de oferta de cursos, com a eliminação do maior número de barreira e requisitos de acesso, atendendo a uma população numerosa e dispersa, com níveis e estilos de aprendizagem diferenciados, para atender à complexidade da sociedade moderna; flexibilidade (plasticidade): de espaço, de assistência e tempo, de ritmos de aprendizagem, com distintos itinerários formativos que permitam diferentes entradas e saídas e a combinação trabalho/estudo/família, favorecendo, assim, a permanência em seu entorno familiar e profissional; adaptação: atendendo às características psicopedagógicas dos aprendentes que são adultos, oferecendo-lhes atendimento “personalizado”; efetividade: o estudante, estimulado a se tornar sujeito de sua aprendizagem, a aplicar o que está apreendendo e a se autoavaliar, recebe um suporte pedagógico, administrativo, cognitivo e afetivo, por meio da integração dos meios e de comunicação multidirecional; formação permanente: há grande demanda, no campo profissional e pessoal, para dar continuidade à formação recebida “formalmente” e para adquirir novas atitudes, valores, interesses, etc. a economia: evita o deslocamento, o abandono do local de trabalho, o desgaste físico, a perda de tempo; favorece o atendimento a um número maior e diferenciado de estudantes; cursos “mais baratos” somente quando numa economia de escala. O fundamental da EaD estaria na relação educativa entre o estudante e o professor (que pode ser o especialista ou o orientador acadêmico/tutor), “mediatizada” por diferentes meios, podendo se realizar em momentos e lugares diferentes, fazendo uso de uma organização de apoio. 50 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas A EaD é, pois, uma “prática pedagógica” de grande alcance, que deve utilizar e incorporar as novas tecnologias como meio para alcançar os objetivos das práticas educativas implementadas, tendo sempre em vista as concepções de homem e sociedade assumidas, considerando as necessidades das populações a que se pretende servir. A EaD se apresenta, então, como um conjunto de métodos, técnicas e recursos, postos à disposição de população estudantil dotada de um mínimo de maturidade e de motivação suficiente, para que, em regime de (auto)aprendizagem, possa adquirir conhecimento ou qualificação em qualquer nível. A EaD cobre distintas formas de ensino e de aprendizagem em âmbito que não tenha a contínua supervisão imediata de professores presentes com seus aprendentes na sala de aula, que, no entanto, se beneficiam do planejamento, guia, acompanhamento e avaliação de uma organização educacional, de uma “instituição ensinante”. Portanto, a EaD não deve ser confundida com seu aparato instrumental e tecnológico ou ser sinônimo de ensino eletrônico. Ela envolve muito mais do que administrar recursos humanos e tecnológicos. Ela precisa ser ancorada em projeto político-pedagógico, sobre bases epistemológicas claras e comungadas pela “instituição ensinante”. Em suma, a Educação a Distância pode ser compreendida como: uma prática social situada, mediada e mediatizada, uma modalidade de fazer educação, de democratizar o conhecimento, de disponibilizar mais uma opção aos sujeitos da ação educativa, fazendo recurso das tecnologias que lhes são acessíveis. As diferentes terminologias, conceituações e características da EaD, aqui apresentadas brevemente, emergem de bases epistemológicas de como se dá o processo de compreensão de mundo e de relações sujeito-objeto, professor-aprendente, etc. e que dão sustentação a toda e qualquer prática educativa. Por isso é importante que abandonemos o debate sobre as especificidades da EaD (se é que existem!) para retomarmos um pouco as discussões e estudos sobre os fundamentos da educação, os diferentes caminhos de construção da teoria e da prática educativa, da práxis pedagógica e social. Porém, faremos um recorte nesta discussão, analisando o processo de ensino e de aprendizagem, a relação professor-aprendente e orientador-aprendente. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 51 2.2 BASES EPISTEMOLÓGICAS Entre os possíveis caminhos traçados ao longo do processo milenar da humanidade na construção de seu conhecimento, de sua visão de mundo, privilegiaremos três deles: o empirismo, o inatismo e o interacionismo, por serem aqueles que mais influenciaram o pensamento e a prática pedagógica na modernidade. EMPIRISMO Parte-se do pressuposto que existem "leis" na natureza que determinam o comportamento dos fenômenos, parecida com o funcionamento de um relógio, de uma máquina, com uma engrenagem sincronizada, seguindo movimentos regulares. Segundo essa visão, a mente humana vai assimiConhecer: “fazer lando as experiências e preenchendo seu vazio. Na mente, cópia mental da as impressões sensíveis se vão depositando, transformanrealidade”; do-se, depois, por meio de determinados processos mencaptar algo tais, em conceitos e ideias gerais. O conhecimento se vindo do daria, assim, fundamentalmente, na leitura da realidade meio externo. pelos sentidos, partiria de uma ação sobre o objeto. Essa maneira de conceber o processo de produção do conhecimento influenciou as teorias psicológicas e pedagógicas, sobretudo no último século. Conhecimento O processo de ensinar e aprender é centrado na como mercadoria. figura do professor. Cabe a ele o papel de repassar o conhecimento acumulado ao longo dos tempos pela sociedade e fazer com que o aluno passe a "dominar" determinado conteúdo tido como válido e correto para qualquer sociedade em qualquer fase de sua história. É papel, então, do professor organizar esse conteúdo e definir as estratégias mais eficazes para que o aluno os internalize. Aqui predominam as atividades da cópia, da repetição, da memorização, do acúmulo de informações isoladas, o não questionamento, a submissão à autoridade do professor, etc. Trata-se muito mais de instruir, ensinar e treinar do que formar e educar. A organização do trabalho pedagógico é definida e controlada de cima para baixo: a instituição (Ministério da Educação e/ou secretarias de educação) decide o que fazer e como. Esse "modelo" organizacional é reproduzido pela direção na escola e pelo professor na sala de aula. 52 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Professor/instituição "doador", tem a verdade Aluno "receptor", sujeito passivo transmissão, autoridade repetição, submissão Cabe ao professor ensinar, ao aluno aprender. E na EaD? Há instituições que se utilizam de uma forma "industrializada de ensino", oferecendo "pacotes instrucionais", fundamentados nas teorias comportamentalistas (neobehavioristas e tecnicistas, de base estímuloresposta, com material autoinstrucional). Seu objetivo é treinar os cursistas (desenvolvendo habilidades técnicas) ou instrui-los (oferecendo um volume de informações). Instrução Programada; “virtualização” de cursos tradicionais Aprendizado just-in-time: “entrega rápida e ligada às demandas”. Seria mais apropriado falar em e-teaching. - O estudante é considerado (no início do curso) a matériaprima a ser trabalhada, “qualificada”; - o professor (muitas vezes substituído pelo “tutor”) como o trabalhador numa linha de montagem, seguindo as orientações recebidas (manuais, guias, monitoramentos). O autor do material didático chamado de “conteudista”; - as tecnologias como as ferramentas, o currículo como o plano de modelagem e o aluno formado (ao final do curso) como o produto! Já ouviu falar em cursos "e-learning", em cursos "mediados eletronicamente"? Seria interessante que você pudesse analisar um deles e tirar suas próprias conclusões. Cursos de treinamento profissional www.ecurso.com.br Tem mais de 20 cursos, a maioria na área de informática e internet; www.uvb.br Cursos na área de moda, direitos autorais, administração municipal, tecnologia, gestão ambiental e empresarial, saúde, educação na era digital; www.klickeducacao.com.br Portal para professores oferecendo cursos de internet na sala de aula, práticas de leitura, práticas de oralidade e gestão de uma sala de alfabetização. www.bbc.com. Cursos para treinar a leitura e a compreensão em inglês; www.academus.com.br Cursos de Álgebra, Criatividade Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 53 INATISMO Ao contrário do que sustenta o empirismo, é mediante a razão que se descobrem os princípios gerais sobre a realidade e que estes serão confirmados ou não mediante o conhecimento de fatos particulares. Pois, os homens, ao nascerem, seriam agraciados por Deus que lhes confere ideias inatas (inatismo), ideias "a priori" (apriorismo). Por meio de um processo mental (da razão, racionalismo), partindo de teorias e leis, na maioria das vezes teríamos a capacidade e a possibilidade de fazer predição sobre a ocorrência de fenômenos particulares. O conhecimento, portanto, seria intelectual, provindo das ideias, e não da experiência. Há um rejeição da informação sensorial (por ser limitada e sujeita ao "engano") e um privilegiamento da razão (por ser precisa e rigorosa) como caminho para se chegar ao conhecimento. Pois, o homem, ao nascer, traria consigo, determinado "pacote de conhecimentos" (herança gentética ou "dádiva divina") que poderá ser aberto e atualizado se lhe forem oferecidas as condições apropriadas. No processo de aprendizagem, o foco central passa ser o aluno, por sua capacidade inata de apreender. Cabe ao sujeito, é de sua responsabilidade a aprendizagem ou não; é só exercitar. A instituição, a escola ou o professor têm como função criar condições para despertar e apoiar o que o aluno já tem dentro dele. Aluno traz um saber aprende por si mesmo Professor "facilitador", motivador, animador intervém o menos possível Ninguém ensina ninguém. Na EaD, desenvolveu-se uma espécie de mito na "independência intelectual" do estudante, em sua capacidade autodidática (muitas vezes nomeada equivocadamente de “autonomia”), em saber estudar sozinho, não necessitando da presença de outrem. Divulga-se esta crença: “quanto menos o cursista recorrer ao auxílio do professor ou do tutor, melhor”. Isso significaria que o curso foi bem planejado e que o estudante confia em si mesmo, em suas capacidades e que o material de ensino é autodidático. Por isso, a troca, o diálogo com o outro, o sentido de cooperação e construção coletiva não são estimulados. O individualismo é premiado! 54 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas INTERACIONISMO Essa terceira via propõe uma alternativa de superação da oposição e dualidade empirismo-inatismo, pois rejeita o absolutismo de um dos polos. É a busca de um síntese de duas posições que historicamente se digladiaram, ao afirmarem que a realidade é dialética, é um processo de ir e vir, de reflexão-ação, de interação da experiência sensorial e da razão, da inter-relação sujeito-objeto, sujeito-sujeito. O conhecimento não é dado "a priori", nem pelo meio social. É uma "construção humana de significados que procura fazer sentido do seu mundo" (JONASSEN, 1996). Trata-se, portanto, de processo de construção que se dá na relação do sujeito (que conhece) com o entorno físico e social (que é conhecido). A aprendizagem, portanto, vai depender das condições do indivíduo (bagagem hereditária, motivação, interesse, etc.) como das condições do meio, do aprendente como do professor, dos estudantes como da instituição ou da escola que tem a função histórica de educar seus cidadãos. O conhecimento não é transmitido ou adquirido, como objeto ou mercadoria. Ele é construído porque a realidade é o sentido que fazemos do mundo e de seu fenômeno. Mas esta "percepção" (ou melhor, este "sentido") que é pessoal não significa que seja individual. É compartilhada com outros na sociedade, é resultado de interações, de diálogos conosco e com os outros. Mas, quem realiza a aprendizagem é o próprio sujeito, o estudante. Conhecimento é construção do sujeito (individualcoletiva), a partir de uma ação (física e/ou mental) sobre um objeto, modificando e compreendendo o processo. Tudo o que se ensina à criança a impede de inventar ou de descobrir. (J. Piaget) O professor deixa de ser mero transmissor de conhecimentos (que chegam "prontos" nos livros didáticos) para tornar-se "mediador" entre o sujeito que aprende e o conteúdo a ser aprendido, "orientador" para aprendizagem, aquele que oferece apoio para que o aprendente possa prosseguir com suas próprias pernas na caminhada da aprendizagem. O professor se preocupa em provocar situações pedagógicas ricas em desafios, capazes de provocar desequilíbrios ou "desacomodações" nos esquemas prévios do aprendente, em sua organização. Isto fará com que o sujeito aprendente busque novas formas de organização, novas formas de acomodação e assimilação. Trata-se de processo ativo de relação do Professor: quem “professa”, tem convicções. 55 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas sujeito com o meio, de assimilação e acomodação permanente, de organização e construção. Por isso, este caminho é chamado também de "teoria da assimilação ou construtivista". Professor Aluno Considera o que o aluno conseguiu construir até o momento. É mediador. O professor educa e é educado. Só constrói conhecimento novo se agir e problematizar sua ação. É sujeito da aprendizagem. O aluno é educado e educa. Há um discurso interacionista difuso, mas a prática de muitos professores está marcada, ainda, pela transmissão. Professor e aluno se educam mutuamente. E na Educação a Distância? Alimentada por essas perspectivas, a instituição educativa passa a se preocupar sobre processos, sobre a aprendizagem, e não sobre produtos e resultados ou simplesmente armazenando um volume cada vez maior de informações. O "papel" do professor, então, toma outra direção e sentido, não se limitando ao de "transmitir" ou "reproduzir" informações, disponibilizando um volume de textos (impressos e/ou veiculados pela internet). Pedro Demo (1998, p. 55) resume assim o papel do professor, de "teor maiêutico", que ele chama de "profissional dos profissionais" e de "especialista da aprendizagem": a- em garantir a evolução adequada da aprendizagem do aprendente; b- em propor modos de sustentar processos precários de aprendizagem; c- em praticar, com cada aprendente, na medida do possível, um relacionamento individualizado, tendo em vista o bom desempenho; d- em traduzir para o aprendente a abrangência do desafio da aprendizagem, de estilo interdisciplinar e totalizante; 56 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas e- em manter diagnósticos sempre atualizados sobre a aprendizagem do aprendente, para, com isso na mão, sustentar o desempenho. No dizer de Sócrates, há um processo de “parturição” (maiêutica), em que é a mãe que deve parir, cabendo à parteira estar aí para observar, orientar e ajudar no parto. É a mãe que "faz" o parto, e não a parteira, mas a presença da parteira e sua ajuda não podem ser dispensadas. Parteira e mãe vivenciam juntas, mas de maneiras diferentes, o ato do parto. Podemos, então, falar numa “aprendizagem solitária” e em "aprendizagem a distância? A aprendizagem não é processo que ocorre "a distância", afastado da relação com o outro, sem a interação e a convivência e, portanto, “solitária”. Segundo Maraschin (2000), apoiando-se em Aprendizagem Maturana (1993), sem o encontro, sem a possibilidade da solidária e não convivência não há aprendizagem, pois esta ocorre não quan“solitária”. do há mudanças de comportamento, mas quando há mudança estrutural da convivência. Numa concepção dialética, é processo individual/coletivo, solitário/solidário em que os contrários não se negam, mas se completam, se determinam. Espaços de A aprendizagem pode "transpor a distância temporal encontro ou espacial" fazendo recursos às tecnologias "unidirecionais" on line (telefone, (um a um, um em muitos), como o livro, o telefone ou à tecnochat) e off line logia digital que é "multidirecional" (todos-todos), etc. elimi(fórum, correio, nando a distância ou construindo interações diferentes daqueportfólio) las presenciais. Muito mais do que recorrer à mediatização tecnológica, é a relação humana, o encontro com o(s) outro(s) que possibilita ambiência de aprendizagem. Aprendizagem e educação são processos "presenciais", exigem o encontro, a troca, a co-operação, que podem ocorrer mesmo estando os sujeitos “a distância”. “Presencialidade” pode significar, também, “estar juntos virtualmente”. O espaço físico está dando lugar ao ciberespaço ou à construção de “redes de aprendizagem”, em que professores e estudantes aprendem juntos, interagem e cooperam entre si. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas SABER M 57 Para melhor compreensão das três vias do conhecimento, das bases epistemológicas da ação docente, sugerimos a leitura dos seguintes textos: BECKER, Fernando. A epistemologia do professor. O cotidiano da escola. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1993. (Introdução - p. 9-32). _______________. Modelos Pedagógicos e modelos epistemológicos. Educação e Realidade, Porto Alegre, 19(1), jan./jun. 1994, p. 89-96. GONZÁLEZ REY, Fernando. Epistemología Cualitativa y Subjetividad. S. Paulo: Educ, 1997. (Cap. 1 - Tradición y cambio en el desarrollo epistemológico de la psicologia - p. 9-106) MATURANA, Humberto. Uma nova concepção de aprendizagem. Dois Pontos, vol. 2, n. 15, 1993. PIAGET, Jean. The Epistemology of J. Piaget. (Vídeo da coletânea "Piaget on Piaget", editado pela Yale University, em 1977). Filme dirigido por Claude Goretta - Yale University, 1997. Disponível em: www.youtube.com Vídeos sobre Jean Piaget e Lev Vygotsky - Coleção Grandes Educadores. 2.3 RUMO A TEORIAS NA EaD? Estamos vivendo novos tempos, e novas teorias estão sendo elaboradas com base nas anteriores. Inúmeras e valiosas são as contribuições das pesquisas contemporâneas nos campos, por exemplo, da Física Quântica e da Biologia, como nos campos da Psicologia e das pesquisas sobre Inteligências Múltiplas. Teorias que: Obras de - colocam a vida no centro; Wheeler, Capra, - sustentam a não separação sujeito-meio e sujeito-objeto; Maturana, Varela, Prigogine, Morin. - enfatizam a interação da realidade com o observador e da Filmes: O Ponto inter-relação entre aspectos como aprendizagem, cognide Mutação, ção e vida; Quem somos nós? - mudanças no fazer implicam mudanças no ser. 58 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas No campo da educação, porém, as pesquisas se iniciaram, praticamente, somente a partir de 1937, com a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). E, ao longo destes anos, elas têm sofrido a influência de diferentes campos do conhecimento, muitas vezes reduzindo sua análise às perspectivas ora psicológicas, ora sociológicas, ora economicistas, ora filosóficas, ora antropológicas, ora psicopedagógicas. A pesquisa em Educação a Distância tem vida mais nova. As grandes instituições de Educação a Distância surgiram a partir da década de 1970, em países como Inglaterra e Espanha, em meio a descréditos e preconceitos. Consolidaram-se durante a década de 1980, fazendo com que esta modalidade se difundisse pelo mundo, atendendo a demandas cada vez mais crescentes de segmentos diferenciados da sociedade. A juventude das instituições em EaD e da pesquisa educacional em geral, justifica, em parte, a escassez de pesquisa no campo da EaD. Mas, o que se produziu tem contribuído para o desenvolvimento de “teorias” na EaD? Apesar da escassa produção científica em EaD, Uma síntese em: tentativas foram realizadas por educadores atuantes nesta Educación a modalidade, intentando propor uma "teoria da instrução a Distancia Hoy distância". Desmond J. Keegan (1983) organizou as contri–García Aretio, buições destes educadores em seis "teorias" 7. Vejamos, 1994; resumidamente, as três mais conhecidas. www.uned.es/iued a) TEORIA DA INDUSTRIALIZAÇÃO Otton Peters, da Universidade Aberta de Hagen (Alemanha), publicou os artigos Aspectos teóricos do ensino por correspondência (1971), e A estrutura didática do ensino a distância: investigações para uma forma industrializada de ensino e aprendizagem (1973), reconhecidos como o marco mais significativo na busca de uma formulação teórica sobre educação a distância. O modelo industrial da época ("modelo fordista" de produção em massa para mercados de massa) se lhe configurava como um "modelo" adequado e passível de ser aplicado no campo da educação. Controle administrativo, divisões de trabalho mais intensos. 7. Não vamos entrar aqui na discussão complexa do que seria necessário para a construção de uma "teoria da instrução". Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 59 É nesta época que surgem as grandes universidades a distância (como a Open na Inglaterra, a UNED na Espanha), com uma expansão da oferta educacional ("pacotes educacionais"), e a organização do trabalho docente baseado no paradigma industrial, como numa linha Pedagogia de montagem: planejamento centralizado, otimização de instrucionista recursos e divisão do trabalho (racionalização), utilização de tecnologias de comunicação, produção do material didático em larga escala (estandardização). Segundo Peters, os procedimentos industriais se Economia de escala referem à consideração de que o ensino a distância está concebido como um sistema de natureza quase industrial, devido à produção e distribuição de material de aprendizagem para grandes massas de estudantes, e à administração e coordenação das atividades de elevado número de alunos, dispersos geograficamente, com seus respectivos tutores. Como se fosse possível que todos, alicerçado no mesmo material didático (repartido em pequenas unidades e tarefas, presumivelmente "fáceis" de ser estudadas e vencidas) cheguem ao mesmo tempo e aos mesmos resultados. Como ficariam as diferenças individuais (psicológicas, culturais, sociais)? Acreditava-se que, com essa “organização industrial” do ensino a distância, com essa nova “didática ”, todos teriam acesso à educação, de maneira igualitária, sendo possível superar a própria “distância”: No processo ensino-aprendizagem, o conceito da “distância” - ou do seu inverso “proximidade” - pode ser mas útil, se concebido em termos de suas variáveis psicológicas e pedagógicas do que sob os fatores geográficos e tecnológicos que dominam a maior parte das discussões (PETERS apud KEEGAN, 1993). Assim, o próprio conceito de distância, uma palavra-chave nesta modalidade, começa a ser revisto, e as concepções de espaço e tempo começam a ser tomadas com base em novas perspectivas. Hoje, no Brasil, com a preocupação de um atendimento maciço aos professores que necessitam qualificar-se em nível superior, há universidades atendendo à formação de 10 a 15 mil professores. Não se corre o risco de uma oferta industrial de ensino, nos moldes da produção fordista? 60 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Segundo Alonso (2001), por mais que os imperativos econômicos e eficientistas sejam determinantes, "os modelos industriais" de ensino acabam gerando uma série de distorções que nos levam a revisões profundas sobre a EaD, à (re)significação de suas bases e, a partir daí, a novas apropriações sobre a modalidade. Entre as muitas distorções, é possível indicar a própria estandardização como um fator que gera diferenças não previstas, ao se propor os objetivos educacionais. Ou seja, os métodos de ensino não chegam ao mesmo tempo nem aos mesmos resultados, ainda que os estudos estejam programados por pequenas tarefas passíveis de ser feitas por todos. A crítica a essa forma de ensino é bem conhecida por todos nós. Não há tratamento técnico das práticas pedagógicas que dê conta das diferenças individuais, afetivas, contextuais, culturais dos aprendentes, entre muitas. Além disso, os modelos de caráter industrial partem da premissa que os alunos são passivos, uma vez que são considerados como objeto e como público massificado, e que os professores, ao se especializarem na produção de "pequenas tarefas", não necessitariam de qualificação mais densa. Nós que trabalhamos com a educação, conhecemos bem a consequência disto: proletarização, desqualificação e divisão de trabalho são aspectos que implicam igualmente professores, orientadores e alunos. Outro aspecto é o que diz respeito ao uso mais intenso das novas tecnologias da informação e da comunicação, nestes cursos industrializados de EaD, como “transmissoras de informação”, e não para “mediatizar mensagens pedagógicas”, com vista a “escolher, para um dado contexto e situação de comunicação, o modo mais eficaz de assegurá-la” (TRINDADE apud BELLONI, 1988, p. 63). Segundo Valente (2002), numa abordagem broadcasting, o professor faz uso de recursos tecnológicos (como a teleA abordagem mática8) para fazer a “entrega” de pacotes fechados de broadcast ou a informação aos alunos, e estes os devolvem para ser virtualização da sala de aula. avaliados. Para Morin (1996), a técnica pode provocar tanto processos de emancipação como de manipulação e dominação: Fazem-se máquinas a serviço do homem e se põem homens a serviço das máquinas. E, finalmente, vê-se muito bem como o homem é manipulado pela máquina e para ela, que manipula as coisas a fim de libertá-lo (p. 109). 8. Conjunção de tele(comunicação) com (infor)mática, isto é, dos meios eletrônicos de comunicação a distância com meios eletrônicos de processamento de informações. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 61 As tecnologias de informação e comunicação não embutem em si a dominação e/ou a emancipação. Elas são instrumentos que são “conformados” pela concepção pedagógica do curso “desenhado” pela equipe ou da disciplina por um professor. São tecnologias que estão “a serviço de” uma determinada concepção de sociedade, de educação, de comunicação, de aprendizagem, de avaliação. O Plano Nacional de Educação (PNE, 2001), que define as metas educacionais para os próximos anos, faz uma alerta: “a televisão, o vídeo, o rádio e o computador constituem importantes instrumentos pedagógicos auxiliares, não devendo substituir, no entanto, as relações de comunicação e interação direta entre educador e educando. Portanto, podem ser utilizadas para atender a outro modelo pedagógico, em que os aprendentes participam ativamente na construção do conhecimento e em que há interação entre todos os sujeitos envolvidos numa prática pedagógica específica. Com o mito de que as tecnologias poderiam desempenhar melhor o papel histórico do professor, e diante da perspectiva da perda de emprego, muitos professores têm manifestado “resistências” em relação à EaD. SABER M BELLONI, Maria Luiza. Educação a Distância. Campinas, SP.: Autores Associados, 1999. (Cap. 1 - Os Paradigmas Econômicos: contribuição); SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000. (Cap. I - Sociedade de Informação, Interatividade e Desafios para a Educação. p. 25-63). b) TEORIA DA AUTONOMIA E DA INDEPENDÊNCIA INTELECTUAL Proposta inicialmente por Michael Moore (Learner Autonomy: the second dimension of independent learning,1972; Toward a theory of independent learning and teaching, 1973; On a Theory of independent study, 1977) e sustentada, posteriormente, por Charles A. Wedemeyer (Learning at the Back Door, 1981). 62 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Fundamenta-se no fato de que: a- a grande maioria dos estudantes que frequentam cursos na modalidade a distância são adultos e trabalhadores. Parte-se do pressuposto que são independentes, autoresponsáveis e, portanto, preparados para lidar com essa nova situação de estudo sem a presença do professor. Se são capazes de decidir, se querem ou não estudar, também são capazes de decidir "como estudar"; b- as instituições de ensino não apoiam em demasia o estudante e incentivam seu autodidatismo. Entendendo autonomia como la medida en que el estudiante de un programa educacional puede determinar la selección de objetivos, los recursos y los procedimientos de evaluación (MOORE apud GARCÍA ARETIO, 1994, p. 69). Trata-se, inicialmente, de uma teoria em que o processo de ensino e aprendizagem está centrado no estudante, e a educação é entendida como processo de caráter fundamentalmente individualizado, em que os adultos têm capacidade para decidir sobre sua própria aprendizagem e a maneira de conduzi-la. Mas, será que o estudante, por ser adulto, é autônomo, capaz de gerir sua vida e seus estudos? Numa pesquisa exploratória sobre “Hábitos de estudo”, que realizamos, em 2002, com professoras da rede pública de Mato Grosso, alunas do curso de Licenciatura da Universidade Federal de Mato Grosso, na modalidade a distância, e com seus respectivos Orientadores Acadêmicos, constatamos as dificuldades que estas professoras sentem diante de atividades de estudo, as dificuldades de formular seu próprio ponto de vista, justificá-lo, compará-lo com outros e modificá-lo, se necessário for. Seu “passado de estudante”, marcado por experiências escolares não educativas (cópias, repetição, passividade, obediência, etc.), contribuiu para cristalizar hábitos de estudo que dificultam o aprendizado e o não desenvolvimento de um "método de estudo" próprio e positivo. Na realidade, muito pouco se sabe sobre como o adulto aprende, como se dá sua “autoaprendizagem” e como estuda. As teorias psicológicas da aprendizagem, que tiveram e continuam tendo influência significativa sobre teorias e práticas pedagógicas, têm estudado muito mais a criança do que o adulto. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 63 A experiência adquirida no campo da educação de adultos revelou que os métodos pedagógicos e didáticos para crianças e jovens não se mostraram adequados para adultos: a razão disto é que o modelo pedagógico é essencialmente heteronômico, dado que a relação educativa é estabelecida por um controle externo agindo sobre o sujeito, enquanto o modelo andragógico é, sobretudo, “autonômico” e autodirigido (TRINDADE, 1992 apud BELLONI, 1999, p. 31). Paulo Freire foi um dos poucos que se debruçou sobre a educação do estudante adulto e chegou a desenvolver toda uma teoria e proposta pedagógica. Os professores espanhóis Antônio Corral Íñigo e J. L. Harcía Llamas9, do Departamento de Psicologia da Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED) da Espanha, e o francês Gerard Malglaive10 vêm realizando estudos neste campo relativamente novo. Os últimos estudos de Jean Piaget, com a contribuição de Rolando Garcia, também, trazem contribuição fundamental no que diz respeito à formação de adultos11. Há necessidade, pois, além destes estudos, de desenvolver metodologias de ensino voltadas para o adulto, de “modelos andragógicos”, de metodologias de ensino mais ativas, baseadas no princípio da autonomia, para que possamos superar os modelos behavioristas e instrucionais. SABER M PRETI, Oreste. Autonomia do aprendiz na Educação a Distância. In: _________ (Org.). Educação a Distância: construindo significados. Brasilia: Plano, 2000. Disponível em: www.nead.ufmt.br (produção científica); BELLONI, Maria Luiza. Educação a Distância. Campinas, SP.: Autores Associados, 1999. (O cap. 3 - Aprendizagem Autônoma: o estudante do futuro); 9. CORRAL ÍÑIGO, Antônio. El funcionamento cognoscitivo del Adulto. Bases para una Psicología de la Educación a Distancia. Madrid: UNED, 1986; LLAMAS, J. L. El aprendizaje adulto en un sistema de educación abierto y a distancia. Madrid: Narcea, 1986. 10. MALGLAIVE, Gerard. Ensinar Adultos. Porto: Porto, 1995. 11. PIAGET, Jean; GARCÍA, Rolando. Vers une logique des significations. Genève: Murionde, 1987. 64 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas ___________. Autonomia do estudante na EaD: a (re)significação da formação e da prática pedagógica. Cuiabá: NEAD/UFMT, 2001 (Seminário Educação 2001). Disponível em: www.nead.ufmt.br (produção científica); ___________. “Autonomia” do estudante na Educação a Distância: entre concepções, desejos, normatizações e práticas. In: ______ (Org.). Educação a Distância: sobre discursos e Práticas. Brasília: Liber Livro; Cuiabá: NEAD/UFMT, 2005. c) TEORIA DA DISTÂNCIA TRANSACIONAL Outra contribuição de Moore foi sua discussão em relação ao conceito de “distância”, focando, como fizera Otto Peters, os aspectos psicológicos e pedagógicos, em vez dos geográficos. A distância física entre aluno-professor deveria ser percebida não como obstáculo, mas como algo positivo a ser explorado. Posteriormente, Michael Moore, num artigo publicado em D. Keegan (1993 – Theoretical Principles of Distance Education), denominaria de Teoria da Distância Transacional. Utiliza esse conceito para representar a dinâmica entre a estrutura dos programas em EaD, o diálogo (professor-tutor-aluno), mídias e autonomia do aluno no processo de ensino-aprendizagem a distância: a extensão do diálogo e a flexibilidade da estrutura variam de programa para programa. É essa variação que dá a um programa maior ou menor distância transacional que outro [...] Em programas mais distantes, onde menos ou pouco diálogo é possível ou permitido, o material didático é fortemente estruturado de modo a fornecer toda a orientação [...] Por conseguinte, em programas muito distantes, os alunos precisam se responsabilizar por julgar e tomar decisões acerca das estratégias de estudo E conclui: “quanto maior a distância transacional, mais o aluno exercerá esta autonomia”. O autor estabelece, então, correlação entre “distância transacional” de programas em EaD e a autonomia do aluno: quanto mais estrutu- Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 65 rado, menos diálogo impõe pouco ou nenhum diálogo. Haveria forte relação entre mídias e a estrutura do curso, como se essa fosse determinada por aquelas. O conceito “transação” (transaction) foi utilizado por Dewey e Bentley (1949) para destacar a dinâmica entre o cognoscente (o sujeito com capacidade para) e o conhecido (o objeto do conhecimento). Boyd e Apps (1980 apud MOORE, 1993) o utilizaram, também, para qualificar diferentes ambientes de aprendizagem do adulto. Na Inglaterra do início da década de 1970, esse conceito foi aplicado à educação a distância, numa primeira tentativa de elaboração teórica. Moore o utiliza para representar a dinâmica entre a estrutura e o diálogo. SABER M BARRETO, Lina Sandra. A teoria da distância transacional, a autonomia do aluno e o papel do professor na perspectiva de Moore: um breve comentário. Disponível em: www.abed.org.br. (Cartas ao Editor, 30-8-02). MACHADO, Liliana D.; MACHADO, Elian de C. Teorias da Educação a Distância: uma nova percepção de espaço e tempo na aprendizagem. VII CREAD – Congresso de Educação a Distância – MERCOSUL 2003. Florianópolis, 9 a 12-11-03. Anais... p. 308-312. MOORE, Michel. Teoria da Distância Transacional. Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância. Vol. 1, 2002. Disponível em: www.abed.org.br d) TEORIA DA COMUNICAÇÃO DIALÓGICA O sueco Börje Holmberg, em diversos artigos publicados ao longo das décadas de 1970 e 80, foi formulando uma teoria da educação a distância como conversação didática guiada, com propósito educativo, organizada, planejada e orientada para a aprendizagem, “mediatizada” por diferentes meios de comunicação. 66 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Sua teoria está baseada no estabelecimento de um sentimento de relação pessoal entre o ensino e a aprendizagem, isto é, na motivação do estudante. Pois, em seu entender, quando a conversação presencial não pode ser realizada, é o espírito e a atmosfera da conversação que podem caracterizar a ação educativa. Por isso, o material didático deve ser elaborado de tal maneira que possa desenvolver o gosto pelo estudo e uma motivação favorável, a partir de uma linguagem e conversação que favoreçam os sentimentos dessa relação pessoal. Esta teoria se baseia nos seguintes postulados (apud GARCÍA ARETIO, 1994, p.72-3): Como fazer isso no contexto cibernético? - O sentimento de que existe uma relação pessoal entre estudantes e professores promove o prazer pelo estudo e a motivação no estudante; - Este sentimento pode ser fomentado por meio do material autoinstrucional bem elaborado e uma adequada comunicação a distância com feed-back; - O prazer intelectual e a motivação pelo estudo são favoráveis à consecução de metas de aprendizagem e ao uso de processos e meios adequados a estes fins; - A atmosfera, a linguagem e as convenções de conversação amistosa favorecem o sentimento de que existe uma relação pessoal de acordo com o primeiro postulado; - As mensagens enviadas e recebidas em forma de diálogo são compreendidas e retidas com maior facilidade; - O conceito de conversação pode identificar-se com bons resultados, recorrendo-se a meios de que a educação a distância dispõe; - A planificação e o guia de trabalho, realizados pela instituição que ensina ou pelo estudante, são necessários para o estudo organizado que se caracteriza por uma concepção finalista explícita ou implícita. Em seu entender, o estudante que estuda "a distância" não está isolado, não é solitário em seu ato de aprender. Há uma instituição que lhe oferece apoio, que o guia e acompanha, e estratégias didáticas de comunicação que propiciam o diálogo e a relação pessoal entre alunos e professores, fazendo uso de tecnologias, como o livro didático autoinstrucional e o telefone. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 67 J. A. Bàáth (1984 apud GARCÍA ARETIO, 199,4, p. 74) é da mesma opinião, ao afirmar que qualquer programa de EaD terá êxito se conseguir se adaptar à situação, ao contexto, ao tema, aos objetivos de aprendizagem e ao estudante. Essa teoria busca superar a clássica metáfora do tubo para a comunicação, segundo a qual “a comunicação é algo que se produz num ponto, é levado por um conduto (ou tubo) e é entregue no outro extremo. Portanto, há um algo que é comunicado e faz parte daquilo que se coloca pelo conduto” (MATURANA; VARELA, 2001, p.218). Holmberg situa na relação dialógica entre dois polos (professoraluno) o sucesso do processo educativo; o diálogo como algo suficiente na superação das diferenças (professor-aluno), da relação de poder e dominação e das ideologias. Assim, acaba por secundarizar no diálogo o seu “conteúdo”, os seus fundamentos (ontológicos, epistemológicos e históricos), os valores, as intenções e as determinações. Se a educação tem uma função libertadora (por isso "educação e poder não se desconhecem"!), o diálogo é sua base. Portanto, uma teoria da educação a distância deve ser construída sobre o "como ela conduz ou não a esse diálogo" (PERRATON, 1981). No processo de comunicação “a distância”, é fundamental considerar toda dinâmica estrutural, assentada numa perspectiva dialética (histórica, contextualizada e situada), que considere tanto a dimensão semântico-conceitual do que é comunicado como a sóciocomunicativa: - o “conteúdo” como mediatizador de uma relação entre falante e ouvinte, atinente às intenções do produtor; - o jogo de imagens mentais entre os interlocutores; - os diferentes significados que a mensagem pode assumir para eles, com base em diferenciados contextos e “marcas” em que se postam como ouvinte-falante, professor-aprendente. Pois a comunicação, na modalidade a distância, é “mediatizada” por um conjunto de recursos didáticos e suportes tecnológicos e “diferida no tempo” (os momentos da produção e da coprodução se dão em tempos diferentes). Certamente, a “Teoria da ação comunicativa”, do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas (1929-) e o pensamento de Paulo Freire 68 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas podem ser de grande valia para repensarmos o “modelo”12 comunicacional a ser construído em cursos a distância. Apostam no diálogo como elemento emancipador e caminho para o homem retomar seu papel de sujeito. SABER M BELLONI, Maria Luiza. Educação a Distância. Campinas, SP.: Autores Associados, 1999. (Cap. 4 - Mediatização: os Desafios das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação); GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Teoria da ação comunicativa de Habermas: possibilidades de uma ação educativa de cunho interdisciplinar na escola. Educação & Sociedade, ano XX, n. 66, abril/99, p. 125-140. PERRATON, H. Una teoria de la Educación a Distancia. Perspectives, vol. XI, n. 1. Unesco, 1981, p.14-27. SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000. (Cap. I - Sociedade de Informação. Modificar a Comunicação: desafios para a Educação, p. 70-9). e) TEORIA DA PRESENÇA TRANSACIONAL Namin Shin, da Open University of Hong Kong, em seu artigo Beyond Interaction: the relational construct of “Transactional Presence” (2002)13, por considerar impreciso o conceito de interação, ou interatividade, propõe que, no campo da EaD, centremos a atenção na noção de “relação” mais do que de “interrelação”, nas relações estudanteprofessor, estudante-estudante e estudante-instituição. Recorre, então, ao conceito de presença transacional que corres- 12. Modelo no sentido de “representação simplificada” de algum aspecto da vida real. Ex. modelo de avião, maquete de edifícios, mapa de uma estrada, modelo de estante (para conseguir montar uma estante, você recorre ao folheto com as orientações). 13. É uma síntese de sua tese de doutorado “Beyond interaction: Transacional Presence and Distance Learning”, apresentada ao Programa de Educação de Adultos da Pennsylvania State University, em 2001. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 69 ponderia ao grau com que o aluno percebe a disponibilidade dos outros atores numa situação de formação a distância, de estar em relação com eles (connectedness). Ultrapassa a percepção de sua situação geográfica em relação aos outros (telepresença) e o sentimento de intimidade e proximidade afetiva (togetherness) para compartilhar o tempo ou o espaço (presença social). Nesse sentido, o autor propõe duas noções para melhor definir e caracterizar a “presença transacional”: a disponibilidade dos outros atores (professores/ colegas/instituição) e o sentimento de estar em relação com eles. A primeira pode ser obtida sob demanda, tendo caráter afetuoso próprio de uma relação interpessoal. Na segunda, o sentimento de estar em relação, implica a crença ou a sensação de uma reciprocidade, na relação entre duas ou mais partes, e o julgamento de um indivíduo sobre a profundidade de seu engajamento. Esse conceito, assim, nos remete a diferentes campos de estudo: “si mesmo” em relação e a interdependência em Psicologia Social, a aprendizagem social em Psicologia da Aprendizagem, o construtivismo no modelo pedagógico e a integração social e escolar em pesquisas sobre evasão. Por que o conceito de presença transacional? Shin aponta algumas das vantagens em sua utilização : - permite sondar um vínculo invisível entre os estudantes e os outros atores implicados num contexto de formação a distância; - completa o conceito de interação, que enfoca as atividades entre dois ou mais sujeitos, fazendo referência muito mais às percepções e ao estado de espírito do estudante; - pode ajudar na compreensão dos fenômenos frequentemente observados na EaD, tais como o isolamento, a distância psicológica, a falta de relacionamento ou de sentimento de estar em relação. Em síntese, a presença transacional corresponderia ao nível de percepção que o estudante tem em relação à disponibilidade do professor, do orientador/tutor, dos colegas e da instituição, como também do sentimento de estar em relação com os outros. 70 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Em fim... Mediante a incorporação de teorias sobre espaçotempo às análises sobre o ensino aberto e a educação a distância, seremos capazes de explorar e compreender a natureza essencial da dita "distância" que confere um matiz característico a esta modalidade educativa. A educação a distância e o ensino aberto, na medida em que são práticas educativas que pretendem resolver as tensões que se produzem nas relações educativas espaço-temporais, apresentam um potencial extraordinariamente rico para a investigação e teorização tanto em si mesmas com em termos de teorias sociais e educativas mais gerais (Terry Evans e Darly Nation, 1989). f) INTERAÇÃO E MEDIAÇÃO São conceitos construídos pelas abordagens construtivistas e sociointeracionistas. Mencionados, frequentemente, em textos que tratam da EaD e em projetos pedagógicos de cursos a distância. Essas abordagens têm como postulados que: - o estudante aprende na interação; - o professor é mediador entre o sujeito que aprende e o conteúdo a ser aprendido, é um orientador no processo de aprendizagem do estudante; - o conhecimento não é transmitido ou adquirido como sendo objeto ou mercadoria. É resultado da ação do sujeito que aprende sobre o objeto a ser apreendido. Portanto, é construído e não copiado ou reproduzido. Mas, ao analisarmos o sistema de avaliação e de acompanhamento proposto nos projetos de cursos a distância e ao observarmos as práticas pedagógicas de instituições que oferecem cursos a distância percebemos como a proposta teórica desses projetos está afastada ou, às vezes, em contradição com as práticas pedagógicas. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 71 Há experiências que buscam concretizar estas abordagens propondo trabalho colaborativo, a construção de ambientes colaborativos de aprendizagem, a organização de sistema de tutoria em que o tutor atua como orientador, como mediador no processo de aprendizagem do estudante, contribuindo para que este passe do nível cognitivo em que se encontra para outro superior. CONSIDERAÇÕES GERAIS Essas “teorias” na EaD se encontram em construção. Elas têm servido de apoio às propostas de cursos a distância, permitindo que se trabalhe relativamente bem as dimensões psicopedagógica e cognitiva da aprendizagem, mas são frágeis, como afirma D. Keegan (1983): El problema de la educación a distancia se ha vuelto complicado por culpa de la tácita presunción de que sabemos lo que es. La mayor parte del esfuerzo desplegado en este campo há sido de tipo prático, utilitario o mecánico y se ha concentrado en la logística de la empresa. Así que tenemos mucha información sobre los estudiantes: su historia, sus motivaciones para estudiar a distancia, su progreso relativo. Ha habido mucha discussión sobre la producción de materiales, la elección del medio, la distribución de materiales, el significado de la evaluación de los estudiantes. Pero las bases teóricas de la educación a distancia son frágiles (apud GARCÍA ARETIO, 1994, p. 65. Grifo nosso). Em nosso entender, qualquer projeto pedagógico de um sistema a distância ou de um curso a distância, antes de delinear os aspectos operativos e organizacionais da ação educativa, deve explicitar: - fundamentos ontológicos: qual nossa compreensão do ser (enquanto ser), da realidade em sua totalidade; nossa visão de mundo? Ontologia (do grego: Conhecimento do ser). Ramo da filosofia que estuda a natureza do ser, da existência dos entes. 72 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas - mas sobretudo os epistemológicos: como se dá o processo de ensino e de aprendizagem? - os axiológicos: para quê, em que direção, com que valores? - os históricos e políticos: em que contexto? Para quem? Que sociedade se quer construir? Não existe uma abordagem “melhor” do que outras. São os “contextos” educacionais, políticos, econômicos e culturais (sempre históricos), as condições objetivas e subjetivas vivenciadas pelas equipes e instituições educativas que produzem ou levam à escolha de determinada abordagem. Em segundo lugar, a construção de uma teoria é resultado de um processo dialético entre prática e teoria, entre o fazer e a reflexão sobre a ação realizada ou que está sendo realizada (epistemologia da práxis muito mais do que da prática). Em outras palavras, mediante a investigação, a partir do questionamento reconstrutivo, em atitude de autocrítica e de abertura, desconstruindo verdades ou mitos. Nesse aspecto, muito pouco caminhamos. 2.4 A PESQUISA EM EaD14 A pesquisa em Educação tem história de vida curta, quando comparada a de outras áreas de conhecimento, mesmo no campo das Ciências Humanas e Sociais15. A pesquisa em Educação a Distância, como acenamos em passagem anterior, é recente e escassa. Num levantamento preliminar que realizamos em 2006, da produção acadêmica sobre EaD, no banco de dissertações e teses da CAPES e em revistas científicas brasileira, encontramos a seguinte situação: 14. Extraímos esta parte de nosso texto “Linhas de pesquisa em EaD” (Cuiabá: NEAD/UFMT, 2000. 14 p. Mimeografado. 15. Em 1937, com a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), institucionalmente se efetiva a pesquisa em Educação. 73 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 1.337 títulos sobre EaD Teses Dissertações Artigos 108 636 593 (8%) (48%) (44%) Mas, vem crescendo a cada ano: 1999 2000 2001 79 155 246 2002 2003 2004 342 258 257 Pergunta-se: o que se produziu tem contribuído para construção de teorias e inovação educacional na EaD? Segundo Murgatroyd (1989 apud GARCÍA ARETIO, 1994, p. 583), A maior parte da investigação e documentação relativas à gestão administrativa da Educação a Distância é descritiva, prescritiva e especulativa ou muito centrada sobre uma questão muito pequena da prática da gestão. Jocelyn Calvert (1990 apud MARTÍN RODRIGUEZ, 1993, p. 9) afirma que “a maior parte do que se publicou em EaD não é pesquisa”, pois se reduz a aspectos meramente descritivos sem chegar aos analíticos. A esta mesma constatação chegou Martín Rodriguez (1993), ao fazer uma revisão do que se publicou no mundo ibero-americano sobre EaD. E acrescentou, ainda, que a pesquisa sobre esta modalidade é pouco relevante e com reduzida aplicação, pois, em seu entender, há: - a atomização dos problemas ou temas que são objeto de investigação, muitas vezes por falta de tradição de trabalho em equipes e de enfoques interdisciplinares; - a predominância de estudos do tipo experimentalquantitativista; - pouco apoio institucional que a pesquisa em EaD tem recebido; - a inexistência de canais de comunicação entre os investigadores e as instituições que atuam em EaD. 74 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas García Aretio (1994), analisando o conteúdo de palestras e comunicações apresentadas nas últimas Conferências Mundiais de Educação a Distância do Conselho Internacional de EaD (ICDE), identifica, nas pesquisas realizadas, uma predominância da metodologia descritivoempírico-quantitativa. Raríssimos os estudos históricos ou de caráter filosófico, racional, dialético ou fenomenológico. Para Mena (1993), os problemas investigados em EaD não variam muito e não passam de relevamentos, avaliações e descrições, superando raramente o diagnóstico, tornando difícil, nas instituições educacionais, a introdução de inovações com fundamentos teóricos sólidos. Por quê? Segundo Martín Rodriguez (1993), por força da escassa formação psicopedagógica dos investigadores e à terminologia super especializada utilizada nos relatórios. Murgatroyd (1989 apud GARCÍA ARETIO, 1994) é mais duro em sua crítica: Falta-nos um marco teórico para facilitar nossa maneira de entender os desafios, as técnicas e as práticas de gestão" (p. 583). Keegan (1983, p. 3) havia chegado à mesma afirmativa bem antes: as bases teóricas da pesquisa em EaD são frágeis. Para Mena (1993), a dificuldade na introdução de inovações em EaD com bases teóricas sólidas está ligada, de um lado, ao fato de os pesquisadores não superarem o trabalho intuitivo e, de outro lado, à morosidade das instituições educativas na aplicação dos resultados da pesquisa educacional. Como superar essas limitações e fragilidades da pesquisa em EaD? Segundo Martín Rodriguez (1993), algumas das formas de superar isso são: - envolvimento das próprias equipes de professores que atuam em EaD. Isto é, realizar pesquisas de dentro, e não deixar que os estudos sejam realizados somente por pesquisadores externos aos programas; - a geração de processos de avaliação institucional; - fazer com que os dados referentes aos alunos cheguem às equipes Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 75 que concebem e desenvolvem cursos e que suas trajetórias acadêmicas sejam avaliadas também em aspectos psicopedagógicos; - levantar novas questões de investigação sobre o material didático, pois, está sendo elaborado com base em novos marcos de referência. Mena (1993) concorda com Gimeno Sacristán (1985) e Stenhouse (1984): se queremos produzir mudanças em nosso campo não podemos ficar à margem dos problemas que exigem soluções na prática. Devemos identificar os problemas de pesquisa em seu contexto16, investigando nossa própria prática17. Mas, não é somente isso; além de mudanças em nível institucional e curricular, para que as inovações propostas se efetivem, há necessidade de os pesquisadores realizarem um esforço sistemático de aplicação dos princípios científicos em suas pesquisas, isto é, "aprofundar a pesquisa e por meio dela dar nova luz à teoria para superar definitivamente a atividade do saber de opinião e a prática rotineira e empírica" (MENA, 1993, p.36). Portanto, necessitamos realizar pesquisas em EaD com significância teórica e nos processos formativos de recursos humanos para atuar em EaD se torna imprescindível que, além de estudos sobre metacognição, sejam estudadas em profundidade teorias como as construtivistas e sociointeracionistas se quisermos, por exemplo, que os orientadores (tutores) atuem não como simples “motivadores” ou “facilitadores” da aprendizagem, mas como “mediadores” e educadores. A consolidação da Educação a Distância dependerá, pois, não somente de políticas governamentais e institucionais, como do desenvolvimento de pesquisas. A consistência das teorias ou de novos 16. Gimeno Sacristán sugere a adoção do Método Alternativo de Becher, chamado de periférico central, que propõe aos pesquisadores o papel de "solucionadores de problemas". Uma clara referência à pesquisa-ação. 17. Segundo Stenhouse a melhora da ação educativa não está tanto na investigação sobre os professores, mas a pesquisa dos professores que analisam sua própria atividade (epistemologia da prática). Pedro Demo (1998) em lugar de denominar isso de formação do professor-pesquisador prefere falar de um "educar pela pesquisa". referenciais que emergirão daí serão fruto não somente das condições lógico-empíricas, mas também das condições históricas e das práticas educativas e sociais, “do papel que a educação desempenhará dentro de relações sociais específicas e particulares nas quais ela se inscreve” (SALAZAR RAMOS, 1993, p. 187). SABER M A Secretaria de Educação a Distância (SEED) do MEC, em parceria com a CAPES, apoiou a realização de dissertações e teses sobre temas afetos à educação a distância e às novas tecnologias, mediante o Programa de Apoio à Pesquisa em Educação a Distância (PAPED), nos anos 1997-2005. No sítio da CAPES você pode localizar dissertações e teses que têm como objeto de estudo a EaD (www.capes.gov.br - Banco de teses). Na maioria dos sites das instituições que tratam da EaD, você encontrará textos e artigos resultantes de pesquisas e estudos sobre a modalidade. Conect@ - Revista online de Educação a Diatância: wwww.revistaconecta.com Revista Brasileira de Educação a Distância: wwww.ipae.com.br/info/rev_bra_educ_dist.html TE@D - Revista Digital de Tecnologia Educacional e Educação a Distância: www.pucsp.br/ead Scielo Brazil - Scientific Eletronic Library: www.scielo.br UNIDADE 3 “SISTEMA” DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Parte do texto foi retirado e atualizado de PRETI, Oreste. Educação a Distância: uma prática educativa mediadora e mediatizada. In: PRETI, O. (Org.). Educação a Distância: inícios e indícios de um percurso. Cuiabá: NEAD, EdUFMT, 1996, p. 25-32. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 79 Estamos vivendo um período histórico de “crise”, de “transição”, em que modelos e paradigmas tradicionais de compreensão e explicação da realidade estão sendo revistos, ao passo que outros estão emergindo. As teorias clássicas no campo da educação não dão mais conta da complexidade do fenômeno e da prática educativa. Thomas Samuel Khum (1922-1966) O filósofo e historiador da ciência Thomas S. Khun, em sua obra A Estrutura das Revoluções Científicas (1962), emprega "paradigma" (do grego, modelo, padrão) no sentido de "as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência". É uma construção conceitual sobre a compreensão de como opera o mundo ou uma parte dele. A ciência normal geralmente aponta os paradigmas existentes enquanto a ciência extraordinária abre o caminho e os examina, provocando mudanças radicais (revoluções). O sociólogo e pensador francês Edgar Morin (1921-) vai além disso; o paradigma significaria um tipo de relação muito forte, uma relação dominadora "que determinaria o curso de todas as teorias, de todos os discursos controlados pelo paradigma. Seria uma noção nuclear ao mesmo tempo linguística, lógica e ideológica" (apud MORAES, 1997, pág. 31). O paradigma positivista precisa ser totalmente substituído. Edgar Morin, em sua obra Ciência com Consciência (1996), e Maria Cândida Moraes, em Paradigma Educacional Emergente (1997)18, indicam alguns princípios que devem dar sustentação a novo paradigma educacional: - Totalidade indivisa: olhar para a realidade em seu todo, composta de conexões e inter-relações, em que o todo é maior e menor do que a soma das partes, o todo é maior e menor do que o todo; em que as partes são, ao mesmo tempo, menos e mais do 18. Moraes retoma esta discussão no texto “Tecendo a Rede, mas com que Paradigma?”, em MORAES (Org.), 2002. 80 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas - - - - - - que as partes, as partes são eventualmente mais do que o todo; em que o todo é incerto e conflituoso (MORIN, 1996, p. 261-3). Em síntese, analisar a realidade em sua complexidade. Pensamento sistêmico: é um pensamento complexo, que vê a realidade como rede de relações e de conexões, em seu todo, que sabe, no entanto, ser local e datado. Um mundo em holomovimento: reconhecer a multidimensionalidade do mundo fenomenal, sua dinamicidade, e lidar com a estrutura do movimento, com o processo, e não com a estrutura dos objetos. Pensamento em processo: o conhecimento também está em processo, é "uma aventura contraditória porque é necessário, ao mesmo tempo, analisar e sintetizar, re-analisar e re-sintetizar" (MORIN apud MORAES, p. 75). Conhecimento em rede: superar o enfoque disciplinar a favor de uma visão da realidade como uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados. Unidade do conhecimento: a reintegração do sujeito no processo de produção do conhecimento, a interdependência entre o observador, o processo de observação e o objeto observado. Observador e observado se relacionam, se influenciam e se modificam. Teorias transitórias: ver a teoria como um modo de olhar para a realidade, e não uma forma de conhecimento de como ele é na realidade. Por isso, as teorias devem ser assumidas como aproximação progressiva do conhecimento, não como "verdades" (absolutas e finais) sobre a realidade. Auto-organização recursiva: é a afirmação da autonomia dos sistemas, de sua capacidade de lidar com as perturbações, as "desordens", os problemas. A relação do novo com o velho, das certezas com as incertezas, permite o avanço para estágios novos, para o salto qualitativo. Integração do qualitativo ao quantificável: superar a clássica divisão entre Ciências da Natureza e Ciências Sociais; as primeiras fazendo recurso às metodologias quantitativas, as segundas às qualitativas. Esta oposição ou negação não tem mais sentido, pois a realidade tem uma natureza objetiva (elementos físicos, naturais) e subjetiva (valores, culturas, atitudes, etc.). Os atuais paradigmas educacionais falam da necessidade da participação, da construção do conhecimento, da autonomia de aprendi- Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 81 zagem, de currículo aberto, de redes de conhecimento, da interconectividade dos problemas, das relações, etc. A EaD, neste sentido, oferece possibilidades de nova prática educativa e social, por suas características e sua forma de organizar a aprendizagem e os processos formativos. A EaD - na qualidade de prática social, deve compreender o contexto em que se dá e comprometer-se com os processos de libertação do homem em direção a uma sociedade mais justa, solidária e igualitária; - como prática educativa mediatizada, deve fazer recurso à tecnologia, entendida como “processo lógico de planejamento, como um modo de pensar os currículos, os métodos, os procedimentos, a avaliação, os meios, na busca de tornar possível o ato educativo” (MAROTO, 1995). Exige, pois, organização de apoio institucional e mediação pedagógica que garantam as condições necessárias à efetivação do ato educativo. Keegan (1983) afirma: “Em EaD, quem ensina é uma instituição”. Portanto, não se trata mais do professor que, de maneira artesanal, desenvolve sua ação pedagógica, mas de ação mais complexa e coletiva em que todos os sujeitos do processo ensino e aprendizagem estão envolvidos direta ou indiretamente: de quem vai conceber e elaborar o material didático a quem irá cuidar para que este chegue às mãos do estudante, do coordenador de curso ao orientador (tutor), do autor ao tecnólogo educacional (instrucional designer ou designer educacional), do editor ao artista gráfico. Segundo R. Marsden (apud BELLONI, 1999, p. 80), é “processo complexo, multifacetado, que inclui muitas pessoas, todas podendo reivindicar sua contribuição ao ensino”. Assim, todos devem estar afinados na mesma melodia e acompanhando o mesmo ritmo. Não há espaço para “estrelismo” ou individualismo. Claro que há necessidade de um processo de trabalho racionalizado e segmentado, mas isso não pode levar a práticas fordistas de centralização e hierarquização do trabalho. Devem-se buscar formas descentralizadas, flexíveis, colegiadas e cooperativas de trabalho, pois a dinâmica da modalidade envolve e compromete a todos. Por isso, a EaD deve ser pensada e implementada pela “institui- 82 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas ção ensinante” numa perspectiva sistêmica. A metáfora da rede traduz bem esta nova visão da organização do trabalho pedagógico. Systema (do grego): conjunto de elementos interligados. Figura 2 - Componentes da ação educativa em EaD • Concepção do curso • Elaboração do material didático • Acompanhamento e Avaliação • Pesquisa IES Professores NEAD ESTUDANTES Quanto ao sistema: • Concepção do curso • Planejamento • Acompanhamento • Gestão do sistema • Avaliação • Pesquisa Quanto aos envolvidos: funções • Didática • Orientadora • Avaliadora Material Didático Orientadores Quanto ao estudante: apoio • Pedagógico • Cognitivo • Metacognitivo • Afetivo • Motivacional • Social - Aprendente: um adulto que irá aprender “a distância”; - Professores (equipe pedagógica, autores, especialistas): cada um, responsável pela “formatação” do curso e/ou da disciplina e à disposição de aprendentes e orientadores (tutores); - Orientadores (tutores): que poderão ser ou não especialistas daquela disciplina ou área de conhecimento, com a função de acompanhar e orientar os estudantes em sua caminhada, sendo Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 83 muito mais "especialistas da aprendizagem"; - Material didático: o elo de diálogo do estudante com o autor, com o professor, com suas experiências, com sua vida mediando seu processo de aprendizagem; - Núcleo (Centro, Divisão, Secretaria - de Educação a Distância): composto por equipe de “especialistas” em EaD, em Tecnologia Educacional, em Comunicação e Multimídia, responsável pela gestão do projeto pedagógico do curso e/ou da modalidade. Assim organizada, a “instituição ensinante” poderá oferecer um saber atualizado (filtrando o mais válido das recentes produções científicas), dando prioridade aos conhecimentos instrumentais (“aprender a aprender”), visando a uma educação permanente do cidadão, comprometida com o meio circundante. Para tal, nessa organização devem estar presentes constantemente: - A estrutura organizativa: composta pelos subsistemas de concepção e produção de material didático, de sua distribuição, de direção da comunicação, de condução do processo de aprendizagem e de avaliação, e pelos polos de apoio presencial. A organização de um sistema de Educação a Distância é mais complexa, às vezes, que um sistema tradicional presencial, visto que exige não só a preparação de material didático específico, mas também a integração de "multimeios" e a presença de especialistas nesta modalidade. O sistema de acompanhamento e avaliação do aprendente requer também tratamento especial. Isso significa atendimento de expressiva qualidade. Apesar das dificuldades na organização desse sistema, os resultados já conhecidos de experiências realizadas incentivam aqueles que ainda não o desenvolvem a fazê-lo. Numa perspectiva sistêmica, uma prática educativa deverá ser pensada “como um sistema, simultaneamente aberto e fechado (MORAES, 2002, p. 20). Organizacionalmente fechado, para preservar sua organização, identidade e funcionalidade, e estruturalmente aberto, para permitir a flexibilidade, a plasticidade, a criatividade, a autoorganização, a autonomia, num contínuo vir a ser. - A comunicação: que deverá ser multidirecional, com diferentes modalidades e vias de acesso. A comunicação multimídia, com diversos meios e linguagens, exige, como qualquer aprendiza- 84 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas gem, uma implicação consciente do aprendente, uma intencionalidade, uma atitude adequada, as destrezas e conhecimentos prévios necessários, etc. O material utilizado também deve estar adequado aos interesses, necessidades e nível dos alunos. Esta capacidade de adaptação aos interesses dos alunos é uma das características dos recursos multimeios interativos bem desenhados. Ainda que a comunicação multimídia favoreça a aprendizagem, ela não a garante. A comunicação multimídia se produz entre o mediador (autores-professores-orientadores) e o aprendente, com a ajuda dos diversos meios e diversas linguagens, embora seu principal meio seja ainda a escrita. É necessário que o mediador conheça as novas tecnologias para direcionar sua utilização e aplicabilidade em seu trabalho diário, com seus aprendentes, intentando superar “a lógica da distribuição”, do emissor como “contador de histórias”, em favor da “lógica da comunicação” (SILVA, 2000. p. 12, 37), da construção de hipertextos, de sistemas hipermediáticos, de redes de comunicantes. Aprendizagem colaborativa permite novos enfoques pedagógicos a serem considerados na elaboração da aprendizagem a distância (JONASSEN, 1996). - O trabalho cooperativo:a ação pedagógica e a construção de conhecimento, numa perspectiva heurística e construtiva, devem se sustentar sobre o alicerce do trabalho colaborativo ou cooperativo, na construção de uma rede ou de uma “comunidade de aprendizagem”. Isso implica, no entender de Moraes (2002), “o rompimento de barreiras temporais e espaciais, ao mesmo tempo a superação de barreiras disciplinares e curriculares” (p. 9). Na modalidade a distância, o que há, na maioria das vezes, são trabalhos de parceria entre diferentes profissionais (autor, professor especialista /formador, web roteirista, web designer, ilustrador, programador Instrucional, tecnólogo educacional/instrucional designer, orientadores/tutores), com muito pouca interação e diálogo. Somos fruto de uma formação que privilegiou o individualismo e a competição. Embora nas “instituições ensinantes” se realizem atividades em grupo, estas não passam, geralmente, de ações em que predomina o monólogo: cada profissional fechado em seu campo de especialidade, em suas convicções, não se abrindo ao diálogo, à aceitação do erro, da incerteza, do não saber, da limitação de seus conhecimentos. Após as discussões e decisões grupais, cada um volta à sua rotina, a fazer o que fazia antes, protegido pelas “quatro paredes” da sala de aula. Professores, especialistas em diferentes campos tecnológicos e aprendizes “estão juntos” na mesma empreitada, cada um dando sua Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 85 colaboração e trazendo suas experiências. Há aprendizagens recíprocas. Contudo, no entender de Nevado et al. (2002), “não significa que existe uma igualdade de construções, que estudantes e professores tenham os mesmos conhecimentos” (p. 62). Os sujeitos envolvidos no curso (estudantes, professores, especialistas, orientadores, coordenadores, autores, editores) vivenciam papéis diversificados, mas interdependentes. Estabelece-se uma interação entre eles. Todavia, fomos formados em sistemas educativos convencionais. Devemos, em razão disso, aprender a trabalhar a modalidade a distância: [...] espera-se do professor uma atuação técnica, ligada ao desenho dos cursos e à sua avaliação; uma atividade orientadora, capaz de estimular, motivar e ajudar o aluno, além de estimulá-lo à responsabilidade e à autonomia; um comportamento facilitador do êxito, e não meramente controlador e sancionador da aprendizagem alcançada, e a utilização eficaz de todos os meios para a informação e o ensino” (SEBASTIÁN RAMOS, 1990, p. 31). Para tal, este “novo educador” deverá conhecer as características, necessidades e demandas do alunado, formar-se nas técnicas específicas da modalidade a distância, desenvolver atitudes orientadoras e de respeito à personalidade dos estudantes e dar-se conta de que sua função é formar aprendentes adultos para uma realidade cultural e técnica em constante transformação. E isso só será possível num processo de “autoformação”, de formação em serviço, desde que toda a equipe envolvida reconheça suas limitações, esteja aberta ao diálogo, disposta a construir caminhos, reconhecendo falhas, equívocos e desvios. O trabalho cooperativo, portanto, é a base da construção deste novo educador e da consolidação dos trabalhos e experiências em EaD. Contudo, a partir dos caminhos percorridos por instituições, que há décadas vêm desenvolvendo programas a distância, pontos de referências e parâmetros podem ser extraídos e utilizados por quem vai “se iniciar” nesta modalidade. É de se perguntar: como “funciona” um curso a distância? Na figura n. 3, desenhamos o caminho possível a ser percorrido pelo aprendente num curso a distância. 86 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Figura 3 - Percurso do aprendente em curso a distância Matrícula inicial Acolhimento Estudantes (projeto pedagógico, ambientação no AVA) Processo Aprendizagem Material Didático - Material impresso do curso, livros, revistas, dicionários, CD-rom, DVD - Material online, etc. Orientação - “a distância” - presencial Avaliação - Atividades de autoavaliação - Atividades de aprendizagem - Seminários, fóruns, trabalhos monográficos - Avaliação presencial formal Comunicação - Relatórios de acompanhamento individual - Mediatizada pelo AVA - Video/webconferência - Telefone, correio Superação das Etapas “Conclusão” do percurso De nossa autoria: A Aventura de ser estudante(1994), Estudar a Distância: uma aventura acadêmica(2005). - Mudança de atitudes - Novas habilidades - Impacto na instituição/empresa PRÁTICA TRANSFORMADA TRANSFORMADORA É importante frisar que todos os passos e etapas do curso são planejados pela equipe pedagógica com antecedência e que os aprendentes são informados desde o início de seu percurso. Por isso, no ato da matrícula ou na fase de acolhimento, o cursista recebe, além do projeto pedagógico do curso, uma espécie de Manual do Estudante, com informações referentes ao curso, à modalidade e ao estudo. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 87 Para cada disciplina ou área de conhecimento, pode ser elaborado um Guia Didático que orienta o estudante acerca da leitura do material didático e de outras leituras, das atividades de aprendizagem a serem realizadas, dos momentos presenciais, dos encontros virtuais, etc. O cursista poderá entrar em contato com o professor e/ou o orientador presencialmente, utilizando o Ambiente Virtual para Aprendizagem (AVA), pelo correio, fax, telefone, etc. E se o trabalho apresentado ou a avaliação escrita (que deve ser presencial por exigência do MEC) não atender aos requisitos mínimos estabelecidos pelo especialista da disciplina (ou área)? O professor e/ou o orientador indica ao estudante a literatura complementar que o auxilie a completar sua compreensão sobre o tema em apreço. É definida outra data para uma segunda ou terceira avaliação, até o aprendente dar conta de construir os novos conhecimentos necessários para compreensão da temática em estudo e uma re-leitura da realidade em que está inserido, de sua prática profissional. Ao final do percurso de determinada área do conhecimento, o orientador encaminha ao professor-especialista os resultados da avaliação e uma apreciação pessoal e dos alunos quanto ao material didático que auxiliará em sua revisão. No desenvolvimento do curso, a EaD se vale de suporte administrativo, pedagógico, cognitivo, metacognitivo, afetivo e motivacional que propicia clima de “autoaprendizagem” (aliás, ninguém aprende por nós!), oferecendo ensino de qualidade. São suportes que interagem, se influenciam reciprocamente e se completam, dando ao processo ensino-aprendizagem o senso e a direção na formação do cursista como cidadão que atua nos mais diferentes campos onde se situa (profissional, familiar, social, religioso). A EaD, portanto, como modalidade, pressupõe a otimização e a intensificação não só do atendimento aos aprendentes, mas também dos recursos disponíveis para ampliação de ofertas de vagas, sem que isto represente a instalação de grande estrutura física e organizacional. Esta otimização de recursos humanos e financeiros, muitas vezes com a consequente relação baixa de custos-benefício, talvez seja o aspecto que 88 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas mais interessa a administradores e governantes e faça com que apoiem experiências em Educação a Distância. No entanto, a EaD não deve ser pensada como algo à parte da organização de ensino. É necessário compreender que Educação a Distância é educação permanente, contínua, e que, dadas suas características, se faz imprescindível a organização de um sistema que ofereça ao aprendente as condições para que este efetue sua formação. Afinal, de que se trata? Não há consenso. O importante é termos clareza de nossas concepções e propostas político-pedagógicas e ensaiarmos experiências educativas, nesta ou naquela modalidade, que sejam, no entanto, significativas para os educandos, que sejam democráticas, rompendo com "a distância" social em que se encontra a maior parte da população brasileira. SABER M JOHNSON, C. Aprendizaje colaborativo. Disponible en: http://www.campus.gda.itesm.mx/cite/apreCo labo.html PRETI, O., ARRUDA, Maricília C. C de. Licenciatura Plena em Educação Básica: 1ª a 4ª séries do 1º grau, na modalidade a distância: alternativa social e pedagógica. In: PRETI, Oreste (org.). Educação a Distância: inícios e indícios de um percurso. Cuiabá: NEAD/UFMT, EdUFMT, 1996. Disponível em: www.nead.ufmt.br (produção científica) RODRIGUES, Rosângela S. Modelos de Educação a Distância. In: PRETI, Oreste (org.). Educação a Distância: construindo significados. Brasília: Plano; NEAD/UFMT, 2000. Disponível em: www.nead.ufmt.br (produção científica) VIEIRA, Jorge de Albuquerque. Organização e sistemas. Informática na Educação: Teoria & Prática, v. 3, n. 1, p. 11-24. Porto Alegre: UFRGS, Faculdade de Educação. ZAPATA ROS, M. (1999). Redes telemáticas: educación a distancia y educación cooperativa. Disponível em: http://www.us.es/pixelbit/art83.htlm UNIDADE 4 UM POUCO DA HISTÓRIA DA EaD NO BRASIL 91 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Ao longo do texto, fomos apontando diferentes conceituações e formas de organizar a modalidade a distância. Essas diferenças se deram e vêm se dando em função de contextos sociais e momentos históricos diferentes. É importante, sempre que falarmos da EaD, situá-la no contexto em que aquela prática de EaD é produzida e desenvolvida. Por isso, a seguir, iremos pontuar alguns momentos significativos do fazer educação a distância, no Brasil. 4.1 A EaD NO CONTEXTO BRASILEIRO 19 Experiências educativas a distância já existiram no final do séc. XVIII, desenvolveram-se com êxito a partir da segunda metade do séc. XIX, para qualificação e especialização de mão de obra diante das novas demandas da nascente industrialização, da mecanização e divisão do processo de trabalho. Alcançaram rápida expansão no séc. XX, sobretudo na esfera de estudos superiores. Porém, como vimos na Unidade I, é a partir da década de 1970 que se vem caminhando de maneira mais rápida e expansiva, para construir essa modalidade de educação. Entre outros fatores, isso se deve a: - “um momento de expansão econômica e de entusiasmo dos governos em relação à educação” (MEDIANO, 1988, p. 46); - graves problemas enfrentados pelo sistema formal de educação (monopolista, fechado, ritualista, expulsador e de exclusão); - processo de democratização da sociedade que passa a exigir acesso também ao ensino superior; - desenvolvimento das técnicas de comunicação, que vem caminhando de maneira mais rápida e expansiva. Você sabe como e quando, aqui no Brasil, esta modalidade de ensino foi implantada e implementada? 19. Parte do texto foi retirado e atualizado de PRETI, Oreste. Educação a Distância: uma prática educativa mediadora e mediatizada. In: PRETI, O. (Org.). Educação a Distância: inícios e indícios de um percurso. Cuiabá: NEAD, EdUFMT, 1996, p. 17-24. 92 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Segundo o paraguaio Juan Diaz Bordenave, consultor internacional em Educação e Comunicação (1987), as raízes da Educação a Distância, no Brasil, se confundem com a fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, por um grupo da Academia Brasileira de Ciências. Posteriormente, já em 1936, foi tal sociedade doada ao Ministério da Educação e Saúde. Se bem que assim, será somente na década de 1960 que a EaD tomará vulto e expressão significativa. Por quê? Em 1965, começou a funcionar uma Comissão para Estudos e Planejamento da Radiodifusão Educativa, que criou o Programa Nacional de Teleducação (PRONTEL - 1972). O objetivo era integrar todas as atividades educativas dos meios de comunicação com a Política Nacional de Educação. Também em 1972, o Governo Federal criou a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa. Em 1981, passou a se denominar FUNTEVE e viria fortalecer o Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa (SINREAD), colocando no ar programas educativos, em parceria com diversas rádios educativas e canais de televisão. Durante a ditadura militar, o Governo Federal iria implementar programas nacionais, para atender a demandas emergenciais. Vejamos sumariamente: - Projeto Minerva - composto por diversos cursos (Capacitação Ginasial, Madureza Ginasial, Curso Supletivo do Iº Grau) transmitidos, desde 1970, em cadeia nacional por emissoras de rádio. - João da Silva - curso com formato de telenovela, voltado para o ensino das quatro primeiras séries, e que se desdobraria no Projeto Conquista. - Projeto Conquista - também com formato de telenovela, voltado para as últimas séries do 1º grau. Foi uma inovação pioneira no Brasil e no mundo. (BORDENAVE, 1987, p. 64). - Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) - utilizou, em caráter experimental, a partir de 1979, os recursos da TVE para emitir 60 programas em forma de teleaula dramatizada, com duração de 20 minutos cada um. Eram apoiados por material impresso. - Projeto Saci - O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em 1973, iniciou, em caráter experimental, no Estado do Rio Grande do Norte, o Projeto SACI (Sistema Avançado de Comunicações Interdisciplinares) com o objetivo de estabelecer um sistema nacional de teleducação por satélite. Era voltado para as primeiras três séries do 1º grau. Foi, porém, logo abandonado. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 93 - Programa LOGOS - em 13 anos de existência (1977 a 1991), atendeu a cerca de 50.000 professores, qualificando aproximadamente 35.000 em 17 Estados brasileiros. Em 1990, foi desativado e substituído pelo Programa de Valorização do Magistério. - Programa de Valorização do Magistério - começou a funcionar somente em 1992, seguindo o mesmo formato do Logos e atendendo a professores desde sua formação, para as séries iniciais, até à formação específica para o Magistério. - POSGRAD (Pós-Graduação Tutorial a Distância) - implantado em caráter experimental (1979-83) pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES-MEC), mas administrado pela Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT). Seus resultados foram positivos, mas o MEC, sem explicação plausível, não deu continuidade. - Um Salto para o Futuro - Programa de iniciativa do Governo Federal, em parceria com a Fundação Roquette Pinto (1991). - Telecurso 2000 - Programa de iniciativa do Governo Federal, em parceria com a Fundação Roberto Marinho (1995). A utilização desta modalidade pelo regime militar fez com que muitos educadores, ao criticarem os projetos e a política educacional do governo ditatorial, desenvolvessem um preconceito forte em relação à EaD. Paralelamente ao caminho percorrido pelo Governo Federal, encontramos instituições privadas ou governos estaduais ousando projetos educativos próprios, utilizando-se da modalidade de Educação a Distância. Vejamos alguns, que tiveram significado histórico particular, quanto à modalidade. - Instituto Universal Brasileiro - fundado em outubro de 1941, até hoje desenvolve cursos por correspondência em todo o país. - MEB - em 1956, a diocese de Natal, no Estado do Rio Grande do Norte, tendo como referência a experiência da Rádio Sutalenza (Colômbia), iniciou o Movimento de Educação de Base, "o maior sistema de educação a distância não formal até agora desenvolvido no Brasil" (BORDENAVE, 1987, p. 57). - Centro Educativo do Maranhão - em 1967, o governo do Estado do Maranhão, na tentativa de resolver graves problemas educacionais diagnosticados, decidiu utilizar a TV Educativa. Por meio 94 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas do Centro Educativo do Maranhão, em 1969, começou a emitir programas, em circuito fechado, para alunos da 5ª a 8ª séries. - TV Escolar - a TVE do Ceará, nessa mesma época, também desenvolveu o programa TV Escolar, para atender a alunos da 5ª a 6ª séries das regiões mais interioranas, onde estas séries terminais do 1º grau inexistiam. - IRDEB - o Estado da Bahia, em 1969, negando-se a participar do projeto nacional MINERVA, fundou o Instituto de Radiodifusão do Estado da Bahia, que ofereceu, até 1977, variedade de programas (pré-escolar, 1º e 2º graus e formação de professores), aproveitando-se da experiência dos MEBs. - CETEB - a Fundação Brasileira de Educação (FUBRAE), em acordo com o MEC, criou, em 1965, o Centro de Ensino Técnico de Brasília, com a finalidade de formar e treinar recursos humanos. No entanto, somente a partir de 1973 é que passou a oferecer seus cursos valendo-se da modalidade a distância. - CEN- a FUBRAE também criou o Centro Educacional de Niterói, com atuação principal no Estado do Rio de Janeiro, para oferta de cursos do 1º e 2º graus a alunos fora da faixa etária regular. - Fundação Educacional Padre Landall de Moura - instituição privada instalada na cidade de Porto Alegre. Também iniciou programas de educação de adultos (1967), fazendo uso de teleducação multimeios. Destacou-se o Programa de Teleextensão Rural, desenvolvido na Amazônia, em parceria com a EMATER. - Fundação Padre Anchieta - organização criada em 1967 e mantida pelo Governo do Estado de São Paulo. Deu início, em 1969, a atividades educativas e culturais com população favelada e com diversos tipos de coletividade organizada e, ainda, com secretarias municipais de educação, utilizando-se de repetidoras para atingir milhões de habitantes. - SENAC - o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, desde 1976, oferece diversos cursos fazendo uso da modalidade a distância. - Fundação Roberto Marinho (TV Globo) - em 1978, em parceria com a Fundação Padre Anchieta (TV Cultura), lançou o Telecurso 2º Grau, combinando programas televisivos com material impresso vendido nas bancas de jornais. - ABT - a Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, fundada em 1971 com o nome de Associação Brasileira de Teleducação, igualmente deu sua contribuição na difusão do Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 95 significado e da importância da Educação a Distância no País, organizando Seminários Brasileiros e publicando a revista Tecnologia Educacional. - CEAD - a Universidade de Brasília, com o Centro de Educação a Distância, desde 1980 oferece cursos de educação continuada. - NEAD/UFMT - a Universidade Federal de Mato Grosso, por meio do Núcleo de Educação Aberta e a Distância, em 1994, iniciou a oferta do curso de Especialização Formação de Orientadores Acadêmicos em EaD, e o curso de Licenciatura Plena em Educação Básica: 1ª a 4ª séries do 1º grau, modalidade a distância - dirigido a professores das primeiras quatro séries do 1º grau da rede pública do Estado de Mato Grosso. Trata-se de marco na educação brasileira, por ter sido o primeiro curso de graduação a distância no país, implementado antes da LDB. Essa mesma universidade realizaria, em maio de 2009, o primeiro vestibular eletrônico para o curso de Pedagogia a Distância, o primeiro a ser oferecido fora do País. Iniciado em julho do mesmo ano, pelo acordo Brasil-Japão, no âmbito da UAB, atende a 300 brasileiros residentes no Japão, atuantes no campo da educação naquele país. - BRASILEAD - primeira tentativa de Consórcio das universidades públicas, formado em 1996, com o intuito de estabelecer parcerias entre Instituições Públicas de Ensino Superior para oferta de cursos. - UNIREDE - a Universidade Pública Virtual Brasileira é um consórcio formado, em 2000, por mais de setenta instituições públicas de ensino com experiência em EaD e instituições públicas de ensino, com interesse em desenvolver experiência em EaD. - UAB - o Sistema Universidade Aberta do Brasil, criado pelo Decreto n. 5.800 (8-6-06), é um sistema de cooperação e parceria entre o Governo Federal e as Instituições Públicas de Ensino Superior com a finalidade de expandir e interiorizar o ensino superior. Discorreremos sobre esse sistema na unidade V. 4.2 A EaD EM NÚMEROS Vejamos alguns dados referentes à EaD no Brasil, a partir desse milênio. 96 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Quadro 1 - Cursos de graduação, número de instituições de ensino superior credenciadas e alunos matriculados 50.000 (1) - 17 cursos em caráter experimental (13 de licenciaturas, 4 sequenciais) (2) - Estimativa (3) - Anuário Brasileiro Estatístico de EaD - ABRAEAD, 2006 (4) - Anuário Brasileiro Estatístico de EaD - ABRAEAD, 2007 (5) - Anuário Brasileiro Estatístico de EaD - ABRAEAD, 2008 Entre os anos de 2004 e 2007, o número de alunos matriculados em cursos a distância, em instituições credenciadas pelo sistema de ensino, cresceu 54,8%; o número de instituições credenciadas ou com cursos credenciados, nesse mesmo período, também revelou aumento de 213,8%. Segundo Fábio Sanchez (2006), somente em 2005, 1.278.022 brasileiros estudaram na modalidade a distância, matriculados nos 321 cursos oferecidos. O Anuário Brasileiro Estatístico de EaD, em 2008, estimou em 2.504.483 os brasileiros em cursos de EaD. Esses cursos são voltados para atendimento em que nível de ensino? Quadro 2 - Níveis de ensino oferecidos em cursos a distância - 2005 Fundamental Médio EJA Graduação Lato sensu Sequencial Complementação pedagógica Formação tecnológica 15% 19% 21% 40% 39% 8% 10% 26% Fonte: sítio do MEC/SEED Segundo estudo realizado, no fim de 2007, pelo diretor do Departamento de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior do INEP, Dilvo Ristoff (apud ABRAEAD, 2008), o número de cursos de graduação a Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 97 distância cresceu 571%. Entre 2003 e 2006, mais que dobraram, ultrapassando, em percentual, os cursos de pós-graduação lato sensu. A iniciativa privada tem tido presença marcante nessa modalidade. Representa 62,9% das instituições que atuam na EaD, atendendo a 82,9% dos alunos matriculados em cursos a distância (ABRAEAD, 2008). Vejamos alguns dados que apontam essa tendência. Quadro 3 - Instituições com maior número de alunos em EaD - Brasil, 2006 20 Fonte: ABRAEAD, 2008 20. A Fundação Universidade do Tocantins foi descredenciada para graduação a distância pelo Conselho Nacional de Educação, em 7 de outubro de 2009, mantendo a posição do Ministério da Educação. 98 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Estima-se que, dos estudantes matriculados em cursos de graduação a distância oferecidos por instituições privadas, 46,6% estão concentrados em quatro das maiores instituições (UNOPAR, UNITINS, UNIASSELVI e FAEL). O ensino eletrônico, chamado de e-learning, também se expandiu de maneira acelerada, usado, sobretudo, por universidades corporativas. Estimam-se em mais de meio milhão os alunos matriculados em cursos, geralmente de curta duração, oferecidos por 41 empresas para requalificar seus funcionários (ABRAEAD, 2008). O SENAI, SENAC e SEBRAE, essas três instituições juntas, atendem a mais de 300 mil alunos com cursos de formação técnicoprofissionalizante. A presença da ação governamental também é forte nessa modalidade, mediante a oferta de diferentes programas. Vejamos: Telecurso21 ProFormação TV Escola /Salto para o futuro ProInfo 5, 5 milhões (1994-1999) 30.000 professores (desde 1999) 40.000 escolas atendidas (1991) 4.640 escolas públicas atendidas No final do ano de 2004, o MEC criou o Pró-Licenciatura para atender à formação inicial e continuada de professores. No campo da formação técnico-profissionalizante, o MEC criou, em dezembro de 2007, o Programa Escola Aberta do Brasil (eTEC). A previsão era oferecer, em 2008, 50 mil vagas em 147 cursos de educação profissional. O formato do e-TEC é o mesmo do sistema UAB, de consórcio. Consolidou suas ações de fomento voltadas para a educação superior a distância com a criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), em junho de 2006. Assim, em 2006, a UAB iniciou suas ações com o projeto-piloto do curso de Administração, atendendo a 10 mil estudantes, matriculados em 18 universidades públicas, com apoio administrativo e pedagógico de 209 polos espalhados pelo País. O objetivo da UAB é oferecer anualmente 180 mil vagas em seus cursos, tendo cada polo a capacidade de atender a 600 estudantes. 21. O atual “Novo Telecurso” (2000-2010), assim chamado, é fruto de parceria entre a Fundação Roberto Marinho, a Fundação das Indústrias do Estado de S. Paulo (FIESP), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Social da Indústria (SESI), entre outros, para atender a 50 milhões de alunos potenciais. 99 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Em 2009, com o lançamento do Programa Nacional de Formação de Administradores Públicos (PNAP), pela UAB, foram abertas 32 mil vagas para o bacharelado e 14 mil para pós-graduação lato sensu. A partir de 2010, no âmbito do Plano de Ações Articuladas (PAR), serão oferecidos cursos de licenciatura a distância, durante seis anos, para atender a mais de 600 mil professores da rede pública, que não têm formação específica na área em que lecionam. Onde se localizam as instituições que oferecem cursos a distância e atendem a que tipo de público, fazendo uso de que mídia? A concentração de instituições, ainda, continua na Região Sudeste (39,2%). Quanto ao atendimento, o preferencial é para o mercado corporativo (24%) e o funcionalismo público, sobretudo professores em exercício (21%). Por número de alunos, temos a seguinte distribuição geográfica: Centro-Oeste (17,5% do total), Nordeste (11,50%), Norte (6,50%), Sudeste (31,20%) e Sul (33,20%). ABRAEAD, 2007. Quanto aos meios utilizados: - o material impresso ainda é predominante (84%), vindo em seguida o ensino eletrônico (63%), o CD-Rom (56%), o vídeo (39%), a TV (23%). A preocupação com a gestão desses cursos e com o acompanhamento de milhares de estudantes, com vista a superar seu sentimento de isolamento ou solidão e a propiciar interação, acarretou o surgimento de diversas plataformas para aprendizagem: Teleduc Aulanet COL Escola Virtual (Unicamp) (PUC/SP) (Curso On-Line - USP) (Portal Prossiga do MinCT) (MEC) (PUC/PR) e-ProInfo Eureka VIRTUS (UFPE - encerrado em maio de 2009) Moodle (Software livre) Um dado revelador sobre a importância dessa modalidade no meio acadêmico, antes avesso a esse tipo de modalidade, é a crescente 100 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas produção acadêmica sobre EaD, o número de Congressos, Seminários e Encontros tratando especificamente da EaD. Embora possa haver descompassos entre os dados apresentados pelo MEC, pela ABRAEAD e por pesquisadores, não é possível fechar os olhos diante de um fato: no Brasil, a EAD vem se expandindo num ritmo cada vez mais célere. Não se trata mais de possibilidade. Hoje, a EAD é realidade em nosso país. 4.3 CONSIDERAÇÕES GERAIS 1) Nessa expansão e consolidação da EaD, algumas características são marcantes (UNIREDE, 2001): a) permitir ao poder público ampliar a oferta, incluindo setores sociais com dificuldade de acesso cotidiano aos câmpus universitários; b) possibilitar ao estudante a compatibilização entre trabalho e estudo, incorporando também uma população adulta que não teve oportunidade de acesso à escola em tempo regulamentar; c) permitir maior respeito à diversidade e adoção de ritmos próprios no processo de ensino-apredizagem; d) possibilitar o emprego de novas tecnologias de informação e comunicação, imprescindíveis para os processos de alfabetização digital do mundo contemporâneo e para a adoção de recursos de interatividade; e) desenvolver a autonomia intelectual do estudante; f) permitir maior e mais rápida socialização do conhecimento ao se apoiar em material didático de mais fácil aquisição e acesso, porque multiplicado em escala. 2) Quem ganha com a EaD? Podemos apontar alguns segmentos que vêm se beneficiando com a expansão da EaD, no País: - O Estado, possibilitando a “democratização” do ensino e otimi- Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 101 zando recursos; - as Universidades Públicas, dando resposta concreta à sua função social, expandindo sua oferta e se interiorizando; - As Instituições particulares, reduzindo seus custos (40-80% economia de escala), franqueando sua ampliação e crescimento; - O mercado educacional, os fabricantes de equipamentos, softwares. No mercado eletrônico, em 2004, por exemplo, estimou-se um movimento de $16 a $23 bilhões (2004), no mundo, ao passo que, na América Latina, significou algo em torno de $1 bilhão. - Os estudantes, pela “possibilidade” de se aprimorar, somada a combinação estudo-trabalho. O que se constata, em muitos cursos, é o baixo abandono, motivação maior nos estudos e desenvolvimento de organização pessoal. - Os professores das universidades, pois a modalidade tem propiciado renovação de práticas pedagógicas presenciais, novas formas de ser professor, instigação na produção acadêmica, pesquisas sobre a própria experiência. Claro que nem tudo é festa na EaD. Preconceitos continuam, instituições que não zelam pela qualidade dos cursos oferecidos, estudantes que procuram os cursos na expectativa de encontrar “facilidades”, cursos que não propiciam interação e diálogo entre os participantes, reprodução da sala de aula para meros aparatos tecnológicos (como muitas aulas por tele ou videoconferência), etc. Embora assim, não temos dúvidas: a eficácia da Educação a Distância está, hoje, inegavelmente comprovada, o que não significa falta de questionamento e necessidade de estudos sobre essa modalidade. O ENADE 20052006 constatou que estudantes de cursos de graduação a distância obtiveram notas melhores do que estudantes de cursos presenciais em 7 dos 13 cursos analisados. O importante é que se conceba a Educação a Distância como sistema que pode possibilitar atendimento de qualidade, além de se constituir em forma de democratização do saber. Em muitos países, já ganhou seu espaço de atuação, reconhecida que é pela qualidade e pelas inovações metodológicas. Mais do que isso: é considerada a educação do presente, não mais do futuro, da sociedade mediatizada pelos processos informativos e mediada pela interação entre diferentes sujeitos no processo formativo e de aprendizagem. 102 SABER M Educação a Distância: Fundamentos e Políticas ALONSO, Kátia M. A Educação a Distância no Brasil: a busca de identidade. In: PRETI, Oreste (org.). Educação a Distância: inícios e indícios de um percurso. Cuiabá: NEAD/UFMT, EdUFMT, 1996. Disponível em: www.nead.ufmt.br (produção científica) MORAES, Raquel de Almeida e outros. História da EaD. In: UNIREDE. Fundamentos e Políticas de Educação e seus reflexos na EaD. Curitiba: UFPR; Brasília: SEED/MEC, 2000, p.95-157. UNIDADE 5 A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL: rumo a uma "política" de EaD no Brasil? Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 105 Vimos, na unidade anterior, como o Brasil, há algum tempo, implementa programas e cursos de formação, recorrendo à modalidade a distância. Mas, isso não significa ser o resultado de política educacional e, menos ainda, de política para a educação a distância. Esses programas sempre correram por fora, na periferia das políticas educacionais, muito mais como ações ou estratégias emergenciais para dar conta de problemas graves e imediatos na educação, por exemplo: o analfabetismo (o programa Mobral), a qualificação dos professores (os programas Logos, TV Escola, ProFormação) ou a re-qualificação dos trabalhadores (Telecurso 2000). Apesar de resultados quantitativos “aparentemente” positivos de muitos programas implementados nesses últimos 30 anos, a maioria deles foi desativada com as mudanças de governos que não deram continuidade e estabilidade aos programas iniciados. Sua ineficácia, porém, se deveu também à desatualização ou à precariedade do material didático, à falta de atendimento sistematizado aos alunos, ao não desenvolvimento de sistemas de avaliação da formação oferecida e à não consideração das diferenças regionais, por serem, quase sempre, impostos de cima para baixo, para todo o território nacional. Existe certa "não credibilidade" quanto ao produto da EaD, quanto à sua seriedade, à sua eficiência e eficácia, pois há entendimento de que nos países do Terceiro Mundo não existe “cultura de autodidatismo”. Há certo "pré-conceito" difuso em relação à EaD. Resistências e a não compreensão clara e exata do que seja Educação a Distância são encontradas no seio das próprias universidades que já vêm desenvolvendo cursos em EaD. Apesar do governo federal utilizar-se da EaD em seus programas de capacitação, não chegou a definir uma política educacional na qual a EaD tivesse função clara e definida. - Em 1986, houve a iniciativa de criar uma comissão de especialistas do MEC e Conselho Federal de Educação, para a viabilização de propostas em torno da Universidade Aberta. Esta comissão foi coordenada pelo conselheiro Arnaldo Niskier e produziu um documento denominado Ensino a Distância uma opção - proposta do Conselho Federal de Educação. Neste documento, a modalidade é tida como alternativa viável à 106 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas democratização das oportunidades educacionais no País, compreendendo a democratização como acesso, permanência e qualidade de ensino. - Em 1992, é criada na estrutura do MEC a Coordenadoria Nacional de Educação a Distância que apresenta, em 1994, o documento “Proposta de Diretrizes de Política para a Educação a Distância” como “primeiro estímulo para um ordenamento racional de nossas disponibilidades [...] para servir de ponto de partida de uma discussão” (p. 9). Segundo o documento, a EaD “é reassumida, hoje, como compromisso nacional, dentro do esforço do Plano Decenal de Educação para Todos, envolvendo não apenas o setor Educação, mas toda a infraestrutura do Estado e a cooperação dos setores organizados da Sociedade” (p.14). - Em 1995, é criada a Secretaria de Educação a Distância (SEED). - Em 1996, com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases, há incentivo à criação de sistemas cuja base seja o ensino individualizado, como a EaD (art. 80). - No final da década de 1990, a partir da experiência da Universidade Federal de Mato Grosso (1994), universidades públicas começaram a ensaiar suas primeiras experiências na oferta de cursos de graduação a distância, como a Universidade Federal do Paraná, a Universidade Estadual do Ceará, a Universidade Estadual de Santa Catarina. O que se percebe é uma grande diversidade de propostas, cujo sentido é responder a problemas específicos. Esta forma de pensar a EaD tem excluído sistematicamente a ideia de criação de sistemas de EaD em caráter permanente que pudessem atender a projetos e programas diferenciados, tanto em nível federal como no interior das próprias universidades. Para cada projeto e programa implementados são criadas "estruturas" organizacionais que não subsistem à revisão ou à finalização das propostas de formação. Este é um problema cuja solução está sendo buscada à medida que as instituições tentam viabilizar parcerias e/ou consórcios para desenvolvimento de propostas nacionais. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 107 O Brasil, embora tenha, nos últimos anos, vencido importantes obstáculos no ensino fundamental e médio, não conseguiu acompanhar o crescimento populacional e o aumento do número de alunos egressos do ensino médio com a ampliação de vagas no ensino superior público. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), em 1998 cerca de 1,5 milhão de alunos havia concluído o ensino médio. A maioria absoluta pretendia dar continuidade a seus estudos, conforme indicam diferentes pesquisas utilizadas por esse Instituto. Entretanto, o Censo da Educação Superior de 1999 apontou que o número de vagas ofertadas pelas instituições de ensino superior chegava apenas a 904.634 para 3.354.790 inscritos no vestibular. Verifica-se assim que, apesar da expansão, a oferta não tem acompanhado o crescimento da demanda. Outros dados22 patenteiam, ainda, que o Brasil é, lamentavelmente, o país da América Latina com o menor índice de atendimento a jovens na faixa etária de 18 a 24 anos no ensino superior, tendo cerca de metade do índice da Bolívia, e um terço do Chile. Na Argentina, a porcentagem de atendimento é de 40%; na Bolívia, de 21%. Já no Chile, de 20%. O Brasil tem hoje cerca de 2,2 milhões de pessoas matriculadas em alguma instituição de ensino superior, com idade entre 19 a 24 anos. Hoje, há certo consenso entre as universidades brasileiras e o MEC de que a EaD pode responder ao atendimento ao contingente expressivo da população que ainda não tem acesso ao ensino superior. Segundo estudos do INEP, o grande desafio que deverá ser equacionado nos próximos anos, para satisfazer a exigência da LDB, incorporada ao Plano Nacional de Educação (PNE), é a promoção da melhoria do perfil de escolaridade do magistério. No Censo Escolar - Sinopse 2000, quase metade dos professores da educação básica (48,52%) não possui curso superior completo. São 1.115.761 professores que terão que complementar sua formação, caso queiram permanecer no magistério. Trata-se, de maneira geral, de profissionais de baixo nível socio-econômico, residentes em regiões afastadas, carentes, portanto, de políticas públicas viabilizadoras de investimentos que lhes dêem oportunidades de acesso à licenciatura plena. 22. Relatório de Desenvolvimento Humano 2001 - Novas Tecnologias e Desenvolvimento Humano. Organização das Nações Unidas. 108 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Por isso, dentre os projetos a serem desenvolvidos e em desenvolvimento, ganha destaque a capacitação de professores que atuam na educação básica. Dos 616.956 professores que atuam nas primeiras quatro séries do ensino fundamental, 457.282 (74,2%) não têm curso superior. (INEP. Censo do Professor, 1997) Segundo o Educacenso 2006, dos 800.000 professores a serem capacitados, em seis anos, cerca de 560.000 atuam na educação básica sem formação inicial. A UNIREDE, que reúne mais de 70 instituições públicas de ensino superior, vem se destacando neste sentido. Desde sua fundação, em 2000, busca implementar política de oferta de cursos a distância, visando à construção de um sistema de EaD no País, ausente na atual legislação educacional. Além de apoiar o fortalecimento e/ou o surgimento de experiências em EaD com as instituições consorciadas, sobretudo na formação de professores, produziu dois documentos que, certamente, serviram de base para repensar a EaD: “Programa de Qualificação Docente” (ProDocência, maio 2001); “Formação de Professores das quatro primeiras séries do ensino fundamental: princípios norteadores para elaboração de cursos de Licenciatura, na modalidade a distância, no âmbito da Unirede” (jan. 2002)23. Hoje, a UNIREDE atua e está organizada muito mais como uma associação que reúne as instituições públicas que atuam no campo da Ead. Com a criação da UAB, programas e cursos estão sendo construídos num esforço conjunto do setor público para implementar um sistema de EaD no País. Nessa caminhada, qual tem sido o papel do MEC, por meio da sua Secretaria de Educação a Distância? O viés da política educacional de "não ter uma política" clara e definida em relação a um sistema de educação e, especificamente, para a 23. Elaborados pelo Polo de Assessoria Didático-Pedagógica, sob a coordenação do NEAD/UFMT. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 109 modalidade a distância, fez-se presente na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Na primeira versão desta lei, havia um capítulo inteiro destinado à educação a distância. Na redação final, foi reduzido a um artigo, de número 80: O poder público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada. § 1º - A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União. § 2º - A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância. § 3º - As normas para produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas. § 4º - A educação a distância gozará de tratamento diferenciado, que incluirá: I- custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens; II- concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas; III- reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais. Mas, podemos considerar isso um avanço. Agora a modalidade existe "oficialmente". A partir daí, a atuação inicial do MEC foi a edição de diversos dispositivos legais para definir o "como" ela seria autorizada e oferecida. - A Portaria MEC 640, de 13-5-97, que dispõe sobre o credenciamento de faculdades integradas ou escolas superiores, não faz referência específica à modalidade, mas deve ser atendida no caso da EaD. - O Decreto 2.494, de 10-2-98, que regulamenta o art. 80 da LDB e que foi alterado em seus artigos 11 e 12 pelo Decreto 2.561, de 27-4-98, define o que seja Educação a Distância e delega para o âmbito dos conselhos estaduais de educação o credenciamento 110 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas - - - de instituições e a autorização de programas de educação a distância para o ensino básico, para a educação de jovens e adultos e para a educação profissional de nível técnico. As Portarias n. 640 e 641, de maio de 1997, dispõem sobre autorização de oferta de novos cursos e contêm normas a que a modalidade a distância também deve obedecer. A Portaria MEC n. 301, de 7-4-98, normatiza os procedimentos de credenciamento de instituições para oferta de cursos de graduação e educação profissional tecnológica a distância. Esta norma é específica para a EaD. A Portaria n.302, de 7-4-98, traz uma complementação da regulamentação do processo de avaliação das instituições de ensino superior. A Secretaria de Educação a Distância (SEED), em 1998, elaborou uma proposta de Padrões de Qualidade para cursos de graduação a distância. A Portaria n. 2.253, de 18-10-01, autoriza a oferta de disciplinas não presenciais em cursos presenciais. É possível, mesmo em instituições não credenciadas, introduzir, na organização pedagógica e curricular de seus cursos superiores reconhecidos, a oferta de disciplinas que, em seu todo ou em parte, utilizem método não presencial, respeitando o limite de 20% do tempo previsto para integralização do respectivo currículo e avaliação presencial. Em abril de 2001, a Resolução CNE/CES 1/2001 refere-se à oferta de cursos de pós-graduação (sricto sensu e lato sensu) a distância, a serem oferecidos exclusivamente por instituições credenciadas. Todos estes documentos estão disponíveis no site: www.mec.gov.br, localizados no item da Legislação de Ensino Superior ou em: www.unirede.br O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), em parceria com o MEC, lançou o site ProLei (Programa de Legislação Educacional Integrada). No site www.prolei.cibec.inep.gov.br ou www.bve.cibec.inep.gov.br você poderá pesquisar a legislação federal na área de políticas educacionais. - O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 9 de janeiro de 2001 (Lei 10.172), também se refere à Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 111 - “função estratégica” da EaD, na contribuição para o surgimento de mudanças significativas na instituição escolar e influi nas decisões a serem tomadas pelos dirigentes políticos e pela sociedade civil na definição das prioridades educacionais. - A partir de seu diagnóstico, cursos a distância (ou semipresenciais) poderão atender à formação “equivalente ao nível fundamental e médio para jovens e adultos insuficientemente escolarizados” como à atualização e aperfeiçoamento de professores do ensino fundamental, e ao treinamento para uso “sistemático” das tecnologias de comunicação, instrumentos pedagógicos de grande importância. E estabelece diretrizes para nortear a política pública na área da educação a distância, entre elas: - É preciso ampliar o conceito de educação a distância para poder incorporar todas as possibilidades que as tecnologias de comunicação possam propiciar a todos os níveis e modalidades de educação, seja por meio de correspondência - transmissão radiofônica e televisiva, programas de computador, internet -, seja por meio dos mais recentes processos de utilização conjugada de meios, como a telemática e a multimídia. - O material escrito, parte integrante e essencial para a eficácia desta modalidade de educação, deverá apresentar a mesma qualidade do material audiovisual. - Os programas educativos e culturais devem ser incentivados dentro do espírito geral da liberdade de imprensa, consagrada pela Constituição Federal, embora sujeitos a padrões de qualidade que precisam ser objeto de preocupação não só dos órgãos governamentais, mas também dos próprios produtores, por meio de um sistema de autorregulamentação. Quando se trata, entretanto, de cursos regulares, que dêem direito a certificados ou diplomas, a regulamentação e o controle de qualidade por parte do Poder Público são indispensáveis e devem ser rigorosos. - Numa visão prospectiva, de prazo razoavelmente curto, é preciso aproveitar melhor a competência existente no ensino superior presencial para institucionalizar a oferta de cursos de graduação e iniciar um projeto de universidade aberta que dinamize o processo de formação de profissionais qualificados, de forma a atender as demandas da sociedade brasileira. - As tecnologias utilizadas na educação a distância não podem, entretanto, ficar restritas a esta finalidade. Elas constituem hoje 112 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas um instrumento de enorme potencial para o enriquecimento curricular e a melhoria da qualidade do ensino presencial. Para isto, é fundamental equipar as escolas com multimeios, capacitar os professores para utilizá-los, especialmente na Escola Normal, nos cursos de Pedagogia e nas Licenciaturas, e integrar a informática na formação regular dos alunos. Por fim, o Plano Nacional de Educação estabelece objetivos e metas a serem alcançados no prazo de dez anos. Vejamos alguns: - Fortalecer e apoiar o Sistema Nacional de Rádio e Televisão Educativa, comprometendo-o a desenvolver programas que atendam às metas propostas neste capítulo. - Ampliar a oferta de programas de formação a distância para a educação de jovens e adultos, especialmente no que diz respeito à oferta de ensino fundamental, com especial consideração para o potencial dos canais radiofônicos e para o atendimento da população rural. - Promover, com a colaboração da União e dos Estados e em parceria com instituições de ensino superior, a produção de programas de educação a distância de nível médio. - Iniciar, logo após a aprovação do Plano, a oferta de cursos a distância, em nível superior, especialmente na área de formação de professores para a educação básica. - Ampliar, gradualmente, a oferta de formação a distância em nível superior para todas as áreas, incentivando a participação das universidades e das demais instituições de educação superior credenciadas. - Incentivar, especialmente nas universidades, a formação de recursos humanos para educação a distância. - Apoiar financeira e institucionalmente a pesquisa na área de educação a distância. - Instalar, em dez anos, 2.000 núcleos de tecnologia educacional [...], em cinco anos, 500.000 computadores em 30.000 escolas públicas de ensino fundamental e médio, promovendo condições de acesso à internet. - Capacitar, em dez anos, 12.000 professores multiplicadores em informática da educação [. ..], em cinco anos, 150.000 professores e 34.000 técnicos em informática educativa e ampliar em 20% ao ano a oferta dessa capacitação. - Equipar, em dez anos, todas as escolas de nível médio e todas as escolas de ensino fundamental com mais de 100 alunos, com Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 113 computadores e conexões internet que possibilitem a instalação de uma Rede Nacional de Informática na Educação e desenvolver programas educativos apropriados, especialmente a produção de softwares educativos de qualidade No primeiro semestre de 2002, o MEC designou (Portarias Ministeriais n. 335, de 6-2-02, 698/02 e 1.786/02) uma “Comissão Assessora para Educação Superior a Distância” com a finalidade de apoiar a Secretaria de Educação Superior (SESu) na elaboração de proposta de alteração das normas que regulamentam a oferta de educação a distância no nível superior e procedimentos de supervisão e avaliação do ensino superior a distância. Participavam desta comissão representantes da Secretaria de Educação a Distância (SEED), da Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SMETEC), da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e docentes de instituições com experiência em EaD. Em agosto de 2002, esta comissão entregou o relatório ao MEC, que o tornou público quase simultaneamente à transmissão de cargos no Ministério da Educação. No Relatório, a Comissão, após contextualização do atual estado da arte da EaD e do mapeamento do quadro normativo, indica e analisa os elementos fundamentais para elaboração de projetos e educação superior a distância. Na parte final do texto, apresenta nova proposta de regulamentação da educação a distância. Trata-se de relevante contribuição para o debate em torno da educação a distância, buscando ampliar as potencialidades desta modalidade no processo de democratizar o acesso ao ensino superior, melhorar a qualidade da educação e contribuir na consolidação da formação continuada. O arcabouço legal brasileiro, no entanto, ainda reflete uma visão segmentada, tratando, de maneira geral, educação a distância como alternativa para situações emergenciais. Essa visão reducionista não corresponde ao enorme potencial da educação a distância para democratizar o acesso e melhorar a qualidade da educação superior, além de contribuir para a incorporação de atitudes autônomas que levam o cidadão a aprender ao longo da vida. (Comissão Assessora para Educação Superior a Distância: Relatório, ago. 2002, p. 3) 114 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas A Portaria n. 4.059 (10-12-04), que revogou a Portaria n. 2.253 (18-10-01), passou a regulamentar a oferta de disciplinas não presenciais em cursos presenciais reconhecidos. Art. 1º - As instituições de ensino superior poderão introduzir, na organização pedagógica e curricular de seus cursos superiores reconhecidos, a oferta de disciplinas integrantes do currículo que utilizem modalidade semipresencial [...] § 2º - [...] disciplinas [...] integral ou parcialmente, desde que esta oferta não ultrapasse 20% da carga horária total do curso. Por isso, ficou conhecida como “Portaria dos 20%”. Novo marco na EaD é a promulgação do Decreto n. 5.622 (19-1205, publicado no DOU, de 20-12-05) que revoga o Decreto 2.494 (10-298) e o Decreto 2.561 (27-4-98): Art. 1º - Caracteriza-se a EaD como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. § 1º A educação a distância organiza-se segundo metodologia, gestão e avaliação peculiares, para as quais deverá estar prevista a obrigatoriedade de momentos presenciais para: I- avaliações de estudantes; II- estágios obrigatórios, quando previstos na legislação pertinente; III- defesa de trabalhos de conclusão de curso, quando previstos na legislação pertinente; e IV- atividades relacionadas a laboratórios de ensino, quando for o caso. Em 9 de maio de 2006, é editado o Decreto n. 5.773 que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino. Em 2007, o MEC desencadeou intensa ação regulatória no campo Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 115 da EaD e publicou Portarias e documentos diversos. Vamos mencionar os mais importantes: - Portarias 1 e 2 - determinam regras para o funcionamento dos polos. - Publicação dos Referenciais de Qualidade na EaD, no início do segundo semestre. - Portaria n. 1.047 (7-11-07), que aprova as diretrizes, e a Portaria n. 1.050 (7-11-07), que aprova os instrumentos, elaborados pelo INEP, de avaliação para o credenciamento de instituições de educação superior e seus polos de apoio presencial; - Portaria n. 1.51 (7-11-07) que aprova os instrumentos de avaliação do INEP para autorização de curso superior na modalidade a distância; - Decreto n. 6303 (12-12-07), que altera os dispositivos do Decreto n. 5.622 (19-12-05) e n 5.773 (9-5-06). Esse ordenamento legal contribuiu também para que a EaD deixasse a “periferia” do sistema educacional, deixasse de ser tratada como algo segmentado, complementar, para atender a situações emergenciais. Agora passa a fazer parte do Sistema Nacional de Educação! E quando a definição de políticas em EaD for da competência dos Estados? Alguns Conselhos Estaduais de Educação, como o do Rio de Janeiro, o de São Paulo e o de Minas Gerais, já aprovaram legislação específica para credenciamento de instituições e a autorização de funcionamento de cursos a distância de ensino fundamental para jovens e adultos, médio e profissional de nível técnico Por sua vez, o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação aprovou um "Documento-Síntese" (12-9-00), que recomenda: - ser assegurado que a atuação de instituição credenciada e autorizada por um Sistema Estadual seja livre dentro do território nacional, desde que os atos administrativos pertinentes como arquivamento da documentação escolar, expedição de diplomas, certificados ou declarações de escolaridade, entre outros, sejam praticados nos limites territoriais do sistema concedente; 116 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas - que, no caso de a instituição manter filial ou instalações para atendimento público em outro território, ingressará com pedido no respectivo Sistema, o qual dará à sua tramitação tratamento específico, levando em consideração o conhecimento anterior do respectivo ato autorizatório. Em 19 de julho de 2009, durante a realização do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação, foi produzido o documento “Pacto dos Conselhos Estaduais de Educação para oferta de cursos a distância”, que aponta linhas gerais a serem seguidas, mas sem valor legal e normativo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Legislação educacional é resultado de pressões sociais, em particular da comunidade educativa, em defesa da democratização da educação em confronto com os interesses de outros grupos. Por isso, não poder ser vista como uma dádiva do céu ou como a certeza de que a EaD é um direito garantido. É o reconhecimento de uma dívida social do Estado para com a sociedade. Ela traduz determinada política, dando certa visibilidade ao que o Estado, mediante seu Ministério de Educação, pretende em relação a esta modalidade. E é no campo dos conflitos entre o que a sociedade deseja e o que os legisladores acabam por definir como “política educacional” que surgem movimentos e organizações buscando alternativas. É o caso de redes estaduais, regionais ou nacionais em EaD, que, a partir da década de 1990, nasceram e estão, hoje, se consolidando no País. SABER M Comentários sobre toda a atual legislação que regulamenta a EaD, você poderá encontrá-los em: GARCÍA, Walter. A regulamentação da educação a distância no contexto educacional brasileiro. In: PRETI, Oreste (Org.). Educação a Distância: construindo significados. Brasília: Plano; Cuiabá: NEAD/UFMT, 2000. Disponível em: www.nead.ufmt.br (produção científica) LOBO, Francisco J. Silveira Lobo. Educação a Distância: regulamentação. Brasília: Plano, ABT, 2000. Disponível em: www.intelect.net/portugues UNIDADE 6 A UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL uma política de Estado para o ensino superior a distância? Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 119 Dizem os historiadores, eu concordo com eles, que nada acontece ou nasce de repente. Qualquer fato ou situação é processo longo de gestação, de preparação, de amadurecimento, processo muitas vezes latente, silencioso, que não percebemos. Somente nos damos conta quando eclode, explode. Aí o fato acontece ... e, muitas vezes, se isso convém, todo mundo quer ser “o pai da criança”! 6.1 COMO TUDO COMEÇOU Você se lembra da unidade anterior, quando fizemos breve relato dos caminhos da EaD no Brasil? Mencionamos diversos movimentos para criação da Universidade Aberta e de consórcios das universidades públicas na modalidade de EaD. Em 1986 houve a iniciativa de criar uma comissão de especialistas do MEC e Conselho Federal de Educação, para a viabilização de propostas em torno da Universidade Aberta. Esta comissão foi coordenada pelo conselheiro Arnaldo Niskier e produziu um documento denominado Ensino a Distância uma opção - proposta do Conselho Federal de Educação. Claro que, naquela época, o projeto dessa Universidade Aberta se espelhava muito no modelo das Universidades Abertas, criadas no mundo na década de 1970, como a Open University da Inglaterra e a UNED da Espanha. Hoje, os tempos são outros e o projeto da Universidade Aberta do Brasil caminha em outra direção. Sobre isso trataremos nos próximos passos. A semente para a criação da UAB, podemos dizer, pode ser encontrada na implantação dos consórcios BRASILEAD (1996) e UNIREDE (2000), formados por Instituições Públicas de Ensino Superior. Estas buscavam um locus onde pudessem estabelecer parcerias interinstitucionais para oferta de cursos a distância, trocando saberes e experiências nessa modalidade em que todos nós estávamos “engatinhando”. Os desejos e os esforços para que os consórcios pudessem se materializar em ações concretas foram intensos, mas faltavam recursos financeiros para viabilizar projetos, e o apoio institucional do MEC era tênue. 120 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Enquanto as instituições privadas se organizavam rapidamente para oferta de cursos a distância e caminhavam a passos largos ocupando, cada vez mais, “o mercado educacional” nessa modalidade, algumas instituições públicas lutavam para que suas experiências incipientes sobrevivessem e novos projetos levantassem vôo. Lembro-me do momento em que, no início de 2003, o Ministro da Educação esteve na Universidade Federal de Mato Grosso para proferir palestra na Aula Inaugural. Nós, das universidades públicas, fomos desafiados a buscar soluções inovadoras no campo da educação superior. Uma das possibilidades reais que o então ministro nos apontava era mergulhar na modalidade a distância. A Secretaria de Educação a Distância, ligada ao MEC, então passou a chamar para si também esse desafio e começou uma articulação para o fortalecimento da modalidade a distância nas instituições que já ofereciam cursos a distância, incentivando outras para que se iniciassem nessa modalidade. Seria por meio do consórcio UNIREDE, fortalecendo esse espaço já criado, que alguns bons frutos já havia produzido no campo da EaD, como a proposta do Pro-Docência e os Indicadores de Qualidade para cursos a distância? A opção da Secretaria de Educação a Distância foi outra. Retomou a ideia de um projeto antigo, tão caro a educadores como o antropólogo Darcy Ribeiro, antes do golpe militar: a criação da Universidade Aberta! Como seria essa Universidade? Que caminhos seguir em sua implantação e implementação? Em 21 de setembro de 2004, foi instituído o Fórum das Estatais pela Educação. De que se trata? O Fórum foi criado com o objetivo de desenvolver ações que buscassem potencializar as políticas públicas na educação promovidas pelo governo federal, especialmente pelo Ministério da Educação e pelas empresas estatais brasileiras, como o Banco do Brasil, os Correios, a Petrobrás, a Caixa Econômica Federal. Como dar conta desse objetivo? Por meio da interação entre a sociedade civil brasileira, empresários, trabalhadores e organismos internacionais, em um processo de debates em busca da solução dos problemas da educação no País, estabelecendo metas, promovendo a educação inclusiva e cidadã, visando à construção de novo modelo de desenvolvimento para o País. Assim, o Fórum passou a se constituir num espaço não somente para estimular a discussão sobre os problemas da educação, mas também, e sobretudo, para articular ações conjuntas na solução deles. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 121 No dia 4 de setembro de 2005 o Fórum lançou o Projeto Sistema Universidade Aberta do Brasil, conhecido por UAB, previsto para entrar em funcionamento em 2006, para a articulação e integração de um sistema nacional de educação superior a distância, em caráter experimental. Objetivo: sistematizar as ações, programas, projetos, atividades pertencentes às políticas públicas voltadas para a ampliação e interiorização da oferta do ensino superior gratuito e de qualidade. (SEED/MEC - Informações UAB) Segundo o secretário da SEED, a meta, em longo e médio prazos, seria “atender gratuitamente a todos os servidores públicos do Brasil”. Com a criação desse sistema, o governo federal está mudando o perfil de expansão acadêmica no País. Outra lógica está sendo introduzida, tendente à democratização do ensino superior: o trabalho cooperativo entre as instituições públicas, um sistema de gestão efetivo. O primeiro curso-piloto da UAB foi o de Administração, uma parceria entre MEC-SEED, Banco do Brasil, Instituições Federais e Estaduais de Ensino Superior. Inicialmente, sete universidades foram selecionadas para atendimento a 3.500 alunos. Aproximadamente, 50% deveriam ser funcionários do Banco do Brasil e os demais da comunidade. A demanda, porém, foi tão grande que a UAB decidiu expandir a oferta desse curso: 27 universidades envolvidas, atendendo a 10.000 alunos, algo em torno disso. Uma das primeiras ações para a sequência do Projeto UAB foi lançar o Edital n. 1 (20-12-05), com Chamada Pública para seleção de Polos Municipais de Apoio Presencial e de cursos superiores de Instituições Federais de Ensino Superior na modalidade a distância para a UAB. Um total de 12 CEFETs e 38 Universidade se apresentaram manifestando seu interesse na oferta de cursos a distância. Mais de mil municípios entraram com a solicitação, tentando se tornar polos para oferta de cursos de graduação a distância. Uma Comissão Especial avaliou todas as solicitações: 312 municípios foram selecionados para serem Polos de Apoio Presencial, por apresentar as condições necessárias para sua implantação. Enquanto isso, a proposta de criação da UAB seguia os trâmites legais, concretizando-se em junho de 2006. 122 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Decreto n. 5.800 (8-6-06) Art. 1º - Fica instituído o Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB, voltado para o desenvolvimento da modalidade a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País. Em outras palavras, a UAB foi instituída para: - Oferecer, em parceria com as IPES, os Estados e os Municípios que fazem parte do sistema, prioritariamente, cursos de nível superior de formação inicial e continuada para professores da educação básica em diferentes áreas do conhecimento; - Ampliar o acesso à educação superior pública para reduzir as desigualdades de oferta entre as diferentes regiões do País; - Estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância; - Fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade de educação a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação. Por que Universidade Aberta? O que você entende por “aberta”? Que a universidade está de portas abertas para todo e qualquer cidadão que queira fazer o curso que desejar? O sentido de “aberta”, que a Open University da Inglaterra difundiu pelo mundo no campo da EaD, vai nessa direção. Não há prérequisitos nem impedimentos legais para ingresso na universidade. Ela acolhe todo cidadão desejoso em se matricular em qualquer curso. No caso da UAB, o sentido é mais restritivo, pois, para ingressar na universidade, o cidadão necessita passar por um exame, o Vestibular e ter concluído o ensino médio. Além de outras exigências das instituições, por exemplo, em casos específicos, “ser funcionário público”, “estar atuando na rede pública de ensino”. É restritivo também quanto ao número de vagas. Oferece o número que as instituições envolvidas na parceria dão conta de atender, de acordo com recursos humanos e financeiros. “Aberta” está aqui muito mais no sentido de que é a Universidade que sai de seu câmpus e vai ao lugar Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 123 em que o aluno estiver. É a Universidade que se “abre”, saindo de seus muros. De que maneira? Com toda sua estrutura física? Não. Quem sai do campus, quem viaja é o conhecimento que essa universidade produz. Para isso, ela faz uso das tecnologias da informação e da comunicação, recorrendo à modalidade a distância. Por que esse sistema, instituído para oferta de cursos na modalidade a distância, não foi nomeado de Universidade Aberta e “a Distância”? O que se entende por “a distância”? O “atual discurso” no campo pedagógico e, certamente, no projeto de seu curso, afirma que o ato educativo (presencial ou a distância) e os processo de ensinar e aprender implicam “presencialidade”, “encontro” (físico ou virtual), diálogo, interação entre os interlocutores (professoraluno, autor-leitor, orientador-aluno), entre a instituição “ensinante” e os sujeitos “aprendentes”. Portanto, a adjetivação “a distância” passa a ser secundarizada. Nossa intervenção com os estudantes deve estar focada no substantivo, no “educar”, não acha? Fazemos educação, ensinamos das maneiras e modalidades mais diferentes. É isso o que importa! O que é essa Universidade Aberta do Brasil? É uma “universidade” com sede própria, estrutura física e administrativa? Funciona onde? Tem reitor e quadro de professores e técnicos? O Decreto n. 5.800 é claro. Não criou uma universidade a mais, uma nova instituição de ensino. Criou, sim, o “Sistema de Universidade Aberta do Brasil”. Por que sistema? Quando falamos em sistema, pensamos imediatamente em uma organização bem-estruturada, planejada, hierárquica, em que as partes estão interligadas para formar um todo, não é assim? Pois bem, o que vai acontecer é algo muito mais simples do que imaginamos. O MEC vai coordenar a articulação entre as instituições já existentes para levar ensino superior de qualidade aos municípios brasileiros em ainda não há oferta de cursos, ou cujos cursos ofertados não são suficientes para atender à demanda existente. Trata-se, portanto, de uma “rede” nacional formada pelo conjun- 124 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas to de instituições públicas de ensino superior em articulação com os Polos Municipais de Apoio (presencial). Isso significa que a oferta de cursos não será feita de maneira isolada, como vinha acontecendo até o momento, mas a partir da constituição de parcerias entre instituições interessadas na oferta de determinado curso. Cabe ao MEC, porém, a avaliação e a aprovação das propostas e dos Polos que darão apoio administrativo e pedagógico aos alunos nos municípios onde determinado curso será oferecido. Vamos tomar como exemplo o curso-piloto da UAB, com a oferta do curso de Administração. - O projeto foi discutido e construído, coletivamente, no fim de 2005 e início de 2006, com as universidades que foram inicialmente selecionadas. - O material didático do curso, inicialmente produzido pela Universidade Federal de Santa Catarina, a partir do 2º módulo foi elaborado por professores de diferentes instituições públicas. - Há gestão colegiada do curso, por meio do Fórum dos Coordenadores de EaD do Curso de Administração, que se reúne uma vez por semestre para avaliação do processo, encaminhamentos e tomada de decisão. Como participar da UAB? Certamente, pessoas de sua instituição ou de outra devem ter-lhe perguntado sobre como um curso ou uma instituição pode fazer parte da UAB. UAB, até o momento, lançou editais, com chamadas públicas, para que as instituições de ensino superior apresentassem seu projeto de cursos e as prefeituras sua proposta de criação de polo no município. As instituições interessadas na oferta do mesmo curso podem estabelecer “Consórcio Institucional”, elaborando conjuntamente o projeto pedagógico, produzindo coletivamente o material didático do curso24 ou, em outra situação, as de maior experiência em EaD podem 24. As IPES devem estar credenciadas nos termos do Decreto n. 5.622, de 19 de dezembro de 2005, para oferta de cursos e programas de educação superior a distância no Sistema UAB. 125 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas assessorar e apoiar as que se iniciam na modalidade para que venham a implementar determinado curso. O mesmo pode acontecer com os municípios. Os de uma micro ou macrorregião podem associar-se e realizar parcerias para a criação de um Polo de Apoio Presencial, para atender aos alunos da região. Quem oferece os cursos? A UAB? Se é uma “Universidade”, significa que os cursos que fazem parte desse sistema são da UAB? A UAB não oferece cursos, não abre processo seletivo para que as pessoas se inscrevam e sejam selecionadas. O curso é da instituição que participa do sistema UAB. Ela é responsável pela seleção, matrícula, acompanhamento pedagógico, avaliação, estrutura de apoio, expedição de diploma, etc., como acontece nos seus cursos presenciais. O curso, portanto, antes de ser oferecido no âmbito da UAB, deve passar pelas instâncias internas da Instituição (colegiados) e externa (MEC), para sua aprovação. Departamentos, Institutos, Faculdades, Centros, devem ter clareza de que o curso oferecido no âmbito da UAB não é de responsabilidade da UAB ou da equipe que coordena sua implementação (NEAD, CEAD, Secretaria de EaD, por exemplo). A Instituição deve assumir para si e oferecer todas as condições que garantam a qualidade do curso, disponibilizando recursos humanos e financeiros. Às prefeituras e/ou aos governos estaduais cabe a obrigação da instalação e da manutenção do Polo de Apoio Presencial. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UAB Prefeituras Governos Estaduais IPES Federais, Estaduais, Municipais, IF POLOS de Apoio Presencial NEAD/CEAD/DEAD Secretaria EaD CURSOS 126 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Para que um Polo seja aprovado pelo MEC, deve oferecer condições de infraestrutura e de comunicação exigidas para cursos a distância e apresentar proposta de Polo na UAB. Uma comissão formada por especialistas avalia a viabilidade de funcionamento do curso no referido Polo. Os polos, para serem aprovados e fazerem parte do sistema, devem, pelo menos, apresentar a seguinte infraestrutura tecnológica: - Laboratório de computadores - Sala de videoconferência - Laboratórios pedagógicos - Biblioteca - Salas de tutoria - Sala de coordenação de polo - Secretaria A IPES é responsável pelos aspectos pedagógicos do seu curso oferecido no polo. Cabe à Prefeitura a instalação e manutenção da infraestrutura do polo e dos equipamentos para viabilizar a oferta dos cursos, oferecendo condições de trabalho ao coordenador do pólo e aos tutores e ambiente de estudo aos acadêmicos. POLO IPES UAB/Prefeitura Oferta de cursos Estrutura Física - Equipamentos Dimensão Pedagógica - Coordenação de Curso - Secretaria geral - Apoio Tecnológico - Tutores a Distância e Presenciais - Acadêmicos Dimensão Administrativa - Coordenação de Polo - Secretaria - Agentes técnicos e administrativos - Tutores Presenciais - Acadêmicos Porém, a UAB, por meio de parceria com outros ministérios, tem apoiado as prefeituras na instalação dos Polos, oferecendo computadores, equipamentos para videoconferência, livros para biblioteca. Em 2008, por exemplo, foram adquiridos 150.000 exemplares de livros didáticos e, em 2009, em processo de compra mais 200.000 exemplares. Isso representa, em média, 800 a 2.300 volumes, dependendo do número de alunos e de cursos, em cada Polo. 127 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Para que esse acervo seja utilizado de maneira eficiente, a UAB ofereceu um Curso Básico de Auxiliar de Biblioteca e, em parceria com o Conselho Federal de Biblioteconomia, está organizando a oferta de Curso em Biblioteconomia, em 2010. 6.2 SITUAÇÃO ATUAL A partir de 2008, a UAB deixou a Secretaria de Educação a Distância para estar na nova Diretoria de Educação a Distância (DED) na nova estrutura da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)25. CAPES Diretoria de Educação a Distancia Coordenação Geral de Infra-estrutura de Polos Coordenação Geral de Articulação Acadêmica Diretoria de Educação Básica Presencial Coordenação Geral de Supervisão e Fomento Coordenação Geral de Políticas da Informação Essa mudança foi estratégica, com vista a dar respalde político e acadêmico ao sistema UAB. Em 2007, somente 49 Instituições Públicas faziam parte desse sistema. Hoje, são 74, assim distribuídas: - 45 Universidades Federais - 18 Universidades Estaduais - 11 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. 25. Lei n. 11.502/2007 - modifica as competências e a estrutura organizacional da CAPES Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Art. 2º - A Capes subsidiará o Ministério da Educação na formulação de políticas e no desenvolvimento de atividades de suporte à formação de profissionais de magistério para a educação básica e superior e para o desenvolvimento científico e tecnológico do País. 128 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas No âmbito da UAB, estão sendo ofertados 418 cursos diferentes (88% em lato sensu, 68% em graduação) para atender a diversos programas. Merecem destaque: - Formação de Professores para a Educação Básica - Formação de Administradores Públicos (PNAP) - Bacharelado em Administração Pública - Especialização em Gestão Pública Municipal - Especialização em Gestão Pública - Especialização em Saúde - Programa Nacional de Educação Especial - SEESP - Programa Mídias para a Educação - Programa Nacional de Formação para a Diversidade - SECAD Até março de 2009, o sistema contabilizava mais de 108 mil matrículas. CENTRO-OESTE NORDESTE NORTE SUDESTE SUL TOTAL 557 polos 74 IES 418 cursos Fonte: DED/CAPES Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 129 Em agosto de 2009, eram 170 mil estudantes. Até final de 2009, para atender ao Plano de Ações Articuladas (PAR)26, em parceria com os governos estaduais, serão oferecidos Cursos de Licenciatura (PARFOR - Cursos de Aceleração) para professores portadores de diploma superior, mas atuando em área diferente de sua formação. Está prevista a instalação de 164 polos e a qualificação de 600 mil professores, no prazo de seis anos27. Demanda por formação inicial da rede pública da Educação Básica - 1ª Licenciatura: Professores da educação básica sem graduação necessidade de 300 a 350 mil vagas. - 2ª Licenciatura: Professores ministrando disciplina fora da área de licenciatura 300 a 350 mil vagas. - Formação pedagógica: professores graduados sem licenciatura 50 a 100 mil vagas. O sistema, para oferta dos cursos dos diferentes programas, conta com a estrutura física e de recursos humanos de Polos de Apoio Presencial, sob a responsabilidade de prefeituras municipais e/ou de governos estaduais. Em 2007, eram 291. Em 2009, com a tereceira fase de expansão da UAB, mais 163 novos polos propostos pelos Fóruns Estaduais. A meta, para o ano de 2013, é contar com a estrutura de mil polos. Para dar sustentação a esse programa, o MEC aloca, anualmente, orçamento específico, em forma de bolsas (para professores autores do material, professores coordenadores de curso, professores formadores, tutores)28, bem assim para prestação de serviços (impressão do material), compra de material de consumo e de equipamentos. Além disso, vagas de professores e técnicos foram abertas nas universidades para atender aos cursos a distância já implementados. 26. Decreto 6.094/2007 - Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. 27. O Decreto no 6755/2009 instituiu a Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica no âmbito do Ministério da Educação e das Diretorias de Educação Básica Presencial (DEB) e de Educação a Distância (DED) da CAPES. 28. Lei de Bolsas (Lei nº 11.273/06). Instituída pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, do governo federal, a Lei autoriza a concessão de bolsas de estudo e bolsas de pesquisa no âmbito dos programas de formação de professores para a educação básica e para o Sistema Universidade Aberta do Brasil 130 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Para acompanhamento, controle e gestão desse complexo sistema, a UAB conta: - com o aplicativo SisUAB. A versão 1.0 do Sisuab entrou em operação a partir de março de 2009, para as 74 Instituições de Ensino Superior; - com sistema de avaliação in loco dos Polos e das Instituições, por meio de avaliadores externos. Em fim... Assim, a UAB vem concretizar um sonho das universidades públicas a que se acenou já na década de 1990, quando buscaram, por meio do Consórcio BRASILEAD (1996), formar uma rede pública para oferta de cursos a distância. O consórcio não alçou vôo. Alguns anos depois, nasceu o Consórcio das Universidades Públicas Brasileiras (UNIREDE, 2000), que também ensaiou a possibilidade de a universidade pública se expandir por meio da EaD. Por questões políticas e falta de apoio institucional não conseguiu viabilizar esse sonho. Hoje, está aí a UAB, um projeto de governo que pretende se firmar como política de Estado. Assim, no momento atual, há condições materiais e políticas para que as instituições públicas de ensino superior possam atuar na expansão de sua ação por meio da modalidade a distância. As condições acadêmicas, porém, ainda não são favoráveis para dar sustentação a essa expansão de oferta de cursos. Há necessidade premente de expandir o quadro de professores e técnicos nas IES. No entanto, isso está exigindo nova dinâmica institucional para que essa modalidade não fique na periferia da política institucional, na periferia dos Institutos, Faculdades, Departamentos. Em contrário, que se torne prática de oferta regular de cursos, cabendo ao estudante escolher se ele quer fazer determinado curso na modalidade presencial ou a distância, optando por esta ou aquela disciplina Daí a necessidade de discutirmos, na próxima unidade, o tema da institucionalização da Ead nas instituições públicas de ensino superior. Você que está participando de um dos cursos aprovados no âmbito da UAB, procure conhecer um pouco mais sobre esse sistema de ensino superior a distância. Para tanto, visite o sítio da UAB: http://www.capes.uab.mec.gov.br UNIDADE 7 A “INSTITUCIONALIZAÇÃO” DA EaD NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS Texto baseado na palestra proferida durante o II Seminário Interno de Educação a Distância da Universidade Federal da Bahia – 22-11-07 - Mesa Redonda: A Institucionalização dos NEADs no Brasil - publicada em: FREITAS, Kátia S. de; ARAÚJO, Bohumila; FERNANDES, Regina (Coord.). Educação a Distância no contexto brasileiro: perspectivas nos municípios baianos. Salvador: ISP/UFBA, 2008. p. 125-42. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 133 No contexto da conjuntura da reforma universitária e da revisão dos paradigmas que têm, tradicionalmente, sustentado práticas pedagógicas e administrativas no interior da academia, o tema da institucionalização da modalidade a distância nas universidades públicas é polêmico e atual. - É polêmico porque resistências e preconceitos, quanto a essa modalidade, ainda estão presentes no meio acadêmico, pela forma como a EaD está sendo implementada em diversas universidades e por alguns dos caminhos seguidos pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação, sobretudo na constituição e na consolidação do Sistema Universidade Aberta do Brasil. - É atual porque, aqui no Brasil, a modalidade a distância, no interior das Instituições de Ensino Superior (IES), é recente. Em 2000, somente seis IES ofereciam cursos de graduação a distância; em 2004, eram 116. Já em 2005, esse número subiu para 217, a maioria instituições privadas. As públicas foram estimuladas a entrar nessa modalidade de ensino com a criação do Sistema de Universidade Aberta do Brasil (UAB), em junho de 2006. Hoje, praticamente quase todas as universidades federais, algumas estaduais e diversos institutos federais de educação, ciência e tecnologia estão oferecendo algum curso a distância – graduação, pós-graduação lato sensu, educação continuada e formação de tecnólogo. Esse começo recente traz consigo um passado, às vezes, pesado, um pouco carregado no formato e na institucionalização da modalidade a distância. Por falta de experiência da maioria das equipes que se formavam no interior da instituição para conduzir o processo de implantação da EaD, buscaram-se, fora do Brasil, referências de como implementar o sistema de EaD. As experiências de algumas universidades estrangeiras acabaram influenciando as experiências que estavam nascendo a partir de 2000 e no modelo de estruturação da EaD no Brasil. Não digo que se buscou copiar modelos, mas as propostas que foram e estão aflorando, propõem um “formato” de EaD (tanto em sua concepção como em sua organização e gestão) que se aproxima do modelo adotado pelas megauniversidades a distância surgidas sobretudo na Europa, como a Open University da Inglaterra (1969) e a Universidad Nacional a Distância (UNED) da Espanha (1972). São universidades criadas para ofertar somente cursos a distância, organizadas a partir do modelo taylorista de gestão que acabou 134 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas perpassando também a concepção pedagógica dos cursos oferecidos, aproximando-se de um modelo industrial de fazer educação muito próximo à mercantilização do ensino. Assim, as experiências de EaD que vão emergindo aqui no Brasil acabam sendo impregnadas por esse “modelo” fordista de EaD, fechado e burocratizado. Podemos identificar elementos disso nas próprias terminologias que são utilizadas, encampadas pela UAB: polos de apoio presencial, tutores presenciais e a distância, professor “conteudista”. Lendo projetos de EaD de diferentes universidades públicas, pudemos encontrar, em seus fundamentos, a opção por uma proposta pedagógica construtivista, ou sociointeracionista. Mas, quando analisamos melhor o modelo de gestão e o sistema de tutoria e de avaliação, topamos com muitos elementos positivistas que contradizem a opção pedagógica. - Outra questão que se põe ao abordar a temática da institucionalização da EaD, no contexto que vivenciamos, é a crise que perpassa a universidade, uma crise que não atinge apenas seus “muros”, seus edifícios, mas também suas práticas pedagógicas, muitas vezes fossilizadas e resistentes ao novo, à inovação, à avaliação dos resultados sociais de sua ação. Essa crise, que está sendo enfrentada no interior das universidades com tensão e conflito, apontou um caminho, não digo pragmático, pois nele está embutido um aspecto político, de expansão do ensino superior, visando atender às pressões da comunidade estudantil como às orientações de organismos internacionais: o caminho da modalidade a distância. Como, porém, dar conta de mais um desafio, o de expandir o ensino superior por meio da modalidade a distância, considerando as dificuldades financeiras e as limitações de recursos humanos? A UAB vem para afirmar o imperativo da expansão do ensino superior por meio da modalidade a distância. Abre perspectivas para práticas pedagógicas diferenciadas, para outras maneiras de socializar e democratizar o conhecimento. Não é a única forma, mas é uma das formas para poder materializar o sonho de uma universidade “aberta” à comunidade. Mas essa maneira de expandir a universidade pública brasileira nem sempre é percebida de forma clara, mesmo para quem Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 135 trabalha na EaD. Alguns chegam a sustentar a idéia de que esse seria um caminho que levaria à privatização do ensino superior público. O que está em jogo, no conflito de diferentes percepções sobre isso, é a qualidade da educação oferecida por meio da EaD. Não somente com a qualidade formal, tecnológica na formatação dos cursos, mas também com a qualidade política da formação que queremos levar a milhares de estudantes matriculados em cursos a distância nas universidades públicas. Assim, o debate sobre a EaD e sobre sua institucionalização na universidade pública se faz presente em diversos eventos educacionais promovidos pelas Instituições Públicas de Ensino Superior. Por quê? a) A EaD, ao ingressar nas universidades e ao deixar de ficar na periferia, procura assento também à mesa de colegiados, de conselhos. Novas questões, então, são colocadas: onde deve ter assento? Há lugar para a EaD nesses colegiados? O que precisa ser mudado? b) Ao colocarmos a preocupação com a institucionalização da EaD, significa que ela pretende sair do campo da “informalidade” para o da “legalidade” ou da “legitimidade”, ou busca dar visibilidade institucional. Pois situações novas vão sendo criadas, nem sempre previstas pelas normas vigentes, que precisam ter respaldo institucional, legal, simbólico/representativo. O que isso representa? Pretende-se dar identidade à EaD? Vamos iniciar respondendo a uma questão primeira, posta no próprio tema. 7.1 O QUE ENTENDEMOS POR PROCESSOS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EaD Não há “modelos” de institucionalização, ou processo único, mas processos, isto é, cada instituição busca, alicerçada em suas experiências, em suas formas de organizar o trabalho, de distribuir o poder, o percurso próprio a ser traçado, desenhado. 136 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas As experiências dos outros servem de pontos de referência, de marcos no caminho, como acenávamos no início deste livro, na abertura, ao trazermos os versos do poeta Antônio Machado: o caminhar é particular, faz-se o caminho caminhando. A experiência particular da UFMT é incipiente. Ainda estamos a caminho da institucionalização. Mas o que é institucionalização? Vejamos alguns sentidos: - Processo de cristalização de procedimentos, de comportamentos (normas, significados, valores, visando à ordem social); - Processo mediante o qual um conjunto de normas de comportamento, que orientam uma atividade social considerada importante, adquire regulamentação jurídica formal; - Passagem de organização informal à organização formal. Tratar-se-ia, então, de mera “formalização” de processo em determinado momento da caminhada quando se coloca a necessidade disso? Institucionalizar significaria dar conta das questões/situações incipientes/ incertas provocadas pela entrada da EaD na instituição (às vezes sem convite ou conhecimento ou aceite dos demais convivas sentados à mesa)? Ou se pretende criar sistema paralelo ao presencial no interior da mesma instituição, provocando, desta maneira, “marginalização” da EaD,? Ou é mero ato burocrático, incluindo a EaD no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) porque é assim exigido pelo MEC, mas que não representa o pensamento da coletividade? Como fica a autônoma da universidade, diante das normatizações do MEC em relação à EaD? A institucionalização é passo posterior e natural do processo “instituinte” da EaD na instituição? É necessária? Apresentamos mais questionamentos do que respostas à questão formulada inicialmente. Trata-se de processo complexo e incipiente, em que os caminhos e as soluções vão sendo desenhados de acordo com o momento e a trajetória de cada instituição. Encontramos críticas à institucionalização tanto em obras da literatura internacional quanto nacional, como em Oliver Twist (de Charles Dickens), em Tempos Difíceis (de Charles Chaplin), em O Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 137 Alienista (de Machado de Assis – na figura do dr. Bacamarte). Críticas levantadas, talvez, perante o medo ou o questionamento de que estruturas e rotinas poderiam levar ao estreitamento ou à redução do senso crítico e da inovação, ou sendo parte de sistemas de controle mais do que de funcionalidade. Como superar, então, o perigo de reducionismos, ou de engessamento da EaD em estruturas rígidas e de cunho meramente operativo que marcam, muitas vezes, o campo da legislação educacional? Penso ser importante afirmar, inicialmente, que não podemos compreender a EaD como - sistema que simplesmente se amolda ao já existente no interior da universidade; - ou sistema paralelo ao presencial, com normas próprias, estruturas próprias, cursos próprios, corpo docente próprio; ocupando espaço próprio na geografia do poder na instituição. Pelo contrário. Deveríamos conceber a EaD como modalidade de ensino, como prática educativa integrada à política institucional e ao projeto pedagógico da instituição, mas que tem especificidades próprias, estratégias didáticas diferenciadas. Ao mesmo tempo que encontra assento nas práticas institucionais vigentes e nos referenciais que sustentam o fazer educação, o fazer EaD, no interior da instituição, necessita de parâmetros que lhe dêem flexibilidade, plasticidade, mais do que de “normatizações” específicas espelhadas, ainda, em práticas presencias. Para melhor compreender o que estou dizendo e contribuir para o debate das questões levantadas ao longo do texto, e que não foram poucas, nada melhor que trazer uma experiência particular, a da Universidade Federal de Mato Grosso. Assim, espero trazer elementos não para serem copiados - não tenho essa pretensão - pois penso que a cópia é péssimo caminho, pode parecer o caminho do atalho, mas, no fim, você tropeça ou fica surpreendido. Vou relatar um pouco dessa experiência muito mais para identificar por que certas decisões deram certo e outras não. O que aprendemos conhecendo e estudando experiências em EaD de outras instituições, é o que a gente não deve fazer. O que fazer, somente nós mesmos para saber, dando os primeiros passos na caminhada e 138 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas tentando construir uma experiência que tenha a cara da instituição, uma cara regional. O relato a seguir serve para que você conheça os caminhos por nós percorridos, as dificuldades enfrentadas, os erros e equívocos cometidos - e foram muitos no início - e os sucessos obtidos nessa caminhada. Claro que o relato que faço é a partir do olhar de hoje. Não se trata de mero relato do passado, é um relato do hoje olhando para trás, ou, como diz Magda Soares: A (re)construção do [...] passado é seletiva; faço-o a partir do presente, pois é este que me aponta o que é importante e o que não é; não descrevo, pois; interpreto [...] Conto o passado [...] não propriamente em função do ponto de chegada (não “cheguei” ainda, bem o sei), mas em função do ponto em que agora estou (SOARES, 2001, p. 40-41). 7.2 “INSTITUIÇÃO” DA EaD NA UFMT Por que uma universidade do “interior”, por assim dizer, pela primeira vez no Brasil cria o Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD, 1992), com o intuito de oferecer um curso de licenciatura a distância, quando ainda não existia legislação que tratasse da modalidade de Educação a Distância? Cada instituição cria suas condições de atuação, historicamente. Nossa universidade, na época cognominada Uniselva, desde sua fundação (1970) teve como projeto político a interiorização de suas ações, a vontade de chegar aos lugares mais distantes de Mato Grosso29, de não ser Universidade de Cuiabá, mas Universidade para Mato Grosso, uma universidade voltada para a “selva”. Assim, diversos cursos eram oferecidos durante o período de férias nos municípios mais interioranos, como Programa de extensão e de pesquisa30. 29. A UFMT atende municípios que distam mais de 1.100Km. de Cuiabá, como o caso dos municípios de Aripuanã, Colniza e Rondolândia, ao norte do Estado, na divisa com Rondônia. 30. Denominado de Licenciaturas Parceladas, cursos de Pedagogia e Letras foram oferecidos, entre os anos de 1984 e 2001, nos municípios-polos de Nortelândia, Rosário Oeste, Barra do Bugres, Alto Araguaia, Diamantino, Poconé, Poxoreo, Alta Floresta, Jaciara, Juina, Juara, Dom Aquino, Sorriso, Lucas do Rio Verde, Primavera do Leste, Pontal do Araguaia, Canarana, Vila Bela da Santíssima Trindade, com 1.405 professores concluintes. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 139 Isso acabou impregnando a formação de grande número de professores da universidade. Nossa experiência profissional foi muito marcada pelas idas aos municípios mais distantes para trabalhar com professores da rede pública de ensino. O Instituto de Educação (na época Departamento) foi construindo uma política de extensão, ensino e pesquisa voltada para a formação dos professores de todo Estado. Essa política foi traçada pelos professores do Instituto em parceria com a Secretaria de Estado de Educação, a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), os municípios e o Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública (SINTEP). Assim, foi se construindo uma política de Estado para a formação dos professores que se consolidou depois por meio do Programa Interinstitucional de Qualificação Docente que previa, até 2011, qualificar todos os professores da rede pública de ensino31. Isso foi extremamente importante no momento em que se institui o NEAD na UFMT. São essas condições, essas práticas que, de certa maneira, vão dar sentido e explicam porque a UFMT cria, em 2002, o NEAD e, em 2004, o curso de graduação em Pedagogia para os Anos Iniciais - na modalidade a distância, tendo como sujeitos de sua ação professoras32 em exercício das redes estadual e municipal de ensino. Essas condições objetivas, porém, não foram suficientes. A ideia da possibilidade de realizar a formação de professores por meio da modalidade a distância veio, de certo modo, de maneira fortuita. Numa viagem institucional ao Canadá, em dezembro de 1991, o governador do Estado de Mato Grosso, o secretário estadual de Educação e o reitor da UFMT visitaram a Télé-Université du Québec. Ficaram impressionados com o modelo de universidade aí desenvolvido e a modalidade de fazer ensino a distância para atender a uma população dispersa e espalhada num território imenso. Foi inevitável estabelecer algumas comparações com a realidade de Mato Grosso. Após o regresso, em fevereiro de 1992, a reitoria lançou, aos departamentos que ofereciam cursos de licenciatura, o desafio de pensar uma maneira diferente de realizar a formação dos professores que não fosse aquela oferecida presencialmente durante o período de férias. 31. O NEAD praticamente já cumpriu essa meta. Em parceria com a UNEMAT, foram atendidos 7.850 professores da rede pública de ensino, (primeiras quatro séries do Ensino Fundamental) em mais de 70 dos 110 municípios mato-grossenses. A partir de 2006, começaram a ser atendidos profissionais que atuam na Educação Infantil. Claro que temos que considerar a atuação intensiva das instituições privadas de ensino que invadiram o interior de Mato Grosso para titular professores, com oferta de cursos de curta duração (dois anos e meio a três). 32. As matrículas de mulheres atingem 99,9%. 140 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Foi criado, então, um Grupo de Trabalho (GT) composto por mais de 40 pessoas, envolvendo professores de todos os cursos de licenciatura das duas universidades públicas, técnicos da Secretaria de Educação e representantes das prefeituras e sindicato. O objetivo era conceber um Projeto de Formação de Professores a Distância. Durante o ano de 1992, o GT levantou dados sobre a formação dos professores da rede pública, realizou estudos sobre a modalidade a distância, conheceu experiências brasileiras em EAD33, no intuito de melhor definir o tipo de ação a ser implementada. Ao longo da discussão, o grupo foi se consolidando ao redor dos que realmente passaram a acreditar na possibilidade de formar professores a distância. Resistências e descréditos? Muitos, mas o grupo estava disposto ao desafio de implementar a experiência de um curso a distância. Decidiu, então, que era chegada a hora de se constituir em Núcleo. Por que a opção por constituir-se em Núcleo? Em 1981, a UFMT havia criado, em alguns departamentos, Núcleos de Pesquisa e Pós-graduação (NPG). O objetivo era reunir professores egressos de cursos de mestrado para que não se dispersassem em suas atividades rotineiras de sala de aula, mas pudessem formar equipes com vista a realizar pesquisas e oferecer cursos de especialização para os docentes da instituição34. Assim, dariam sua contribuição para a melhoria do ensino universitário e qualificariam melhor as ações da universidade dentro e fora do câmpus. Denominou-se de Núcleo, pois as pessoas que nele se agrupavam centravam seus estudos e pesquisas ao redor de uma linha temática, de um núcleo teórico e metodológico. Inicialmente, o novo Núcleo foi nominado de Núcleo de Estudos para a Formação do Professor (NEPRO)35. Porém, no momento de sua criação, pela Congregação do Instituto de Educação, em março de 1993, decidiu-se por Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD). A perspectiva inicial não era fazer Educação Aberta, mas somente Educa- 33. Foram visitados de 21 a 25 de setembro de 1992: o Centro Educacional de Niterói (CEED, em 21-9-92), a Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT, em 22-9-92), a Fundação Roquete Pinto e a Fundação Roberto Marinho (em 23-9-92), o Centro Tecnológico de Brasília (CETEB, em 24-9-92) e o Centro de Educação a Distância da Universidade de Brasília (CEAD, em 25-9-92). 34. Alguns desses Núcleos, posteriormente, se transformaram em Programa de Mestrado, como o de Educação (1989), o de Letras e o de Saúde Coletiva. 35.O Núcleo foi instituído por um convênio tripartite, assinado pelos dirigentes da UFMT, UNEMAT e SEDUC (22-12-92). Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 141 ção a Distância36. Certamente, nessa hora pesou muito mais o nome da Open University do que questões terminológicas. O NEAD, portanto, nasceu como núcleo interinstitucional e interdepartamental voltado para a formação docente (tendo como núcleo de estudo e de ação a formação superior de professores em exercício), que seria realizada por meio da modalidade a distância. Onde alocar esse Núcleo? O GT havia sido uma iniciativa da reitoria e, durante esse tempo, foi ela que intermediou os contatos do GT com a Téle-Université du Québec, com a Unesco e com o Consórcio-Rede de Educación a Distancia (CREAD) para viabilizar a formação do grupo por meio de visitas e estágios em instituições internacionais de EAD37. Porém, no momento da criação do NEAD, o grupo decidiu afastar-se da reitoria, do centro do poder, para poder ter autonomia em suas decisões. Parece até contraditório: afastar-se do poder para ter poder! No entanto, foi uma decisão importante no processo de instituição e desenvolvimento do NEAD: manter-se afastado do poder, tanto no interior da universidade como em relação à Secretaria de Estado de Educação e às prefeituras. O grupo decidiu, então, que o recém-criado Instituto de Educação apresentava, naquele momento, melhores condições de apoio institucional, além do fato de ser reconhecido como o lócus histórico da condução de toda discussão sobre a formação de professores no Estado de Mato Grosso. Porém, embora funcionando no Instituto de Educação, o NEAD não se fechou nos seus contornos burocráticos e legais. Duas estratégias se evidenciaram importantes: - Seus membros, que tinham vínculo com os diferentes cursos de 36. Por isso nossa opção é pela sigla EaD (Educação a Distância) e não EaD (Educação Aberta e a Distância) 37. Estágios na Universidad Nacional de Educación a Distancia da Espanha e de Costa Rica, na Téle-Université du Québec, Canadá. 142 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas licenciatura, durante dois anos (1993-1994), levaram para discussão nos respectivos departamentos o projeto pedagógico de um curso de licenciatura voltado para a formação inicial de professores em exercício nas primeiras quatro séries do Ensino Fundamental. - Além disso, o NEAD estimulava os professores desses departamentos para que também participassem na concepção e produção do material didático do curso. Isso contribui enormemente para aprovação do projeto nos diferentes colegiados, para atrair professores de diferentes departamentos e institutos para o NEAD e para liberação dos professores para atuar na EaD, com carga horária de 20 a 40 horas em atividades do NEAD, embora este não existisse formalmente. Também houve envolvimento da Secretaria de Estado de Educação, que liberou quatro técnicos para participar também desse processo, e do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública (SINTE) na discussão do projeto pedagógico. Isso propiciou respaldo político para que a proposta fosse levada aos municípios e discutida com as prefeituras e com os professores da rede pública. O NEAD, nos primeiros anos de atuação, sempre contou com a disponibilidade de professores para realizar o trabalho de implementação do curso, para formação dos orientadores acadêmicos (tutores), para discussão e acompanhamento na produção do material didático e na definição da dinâmica do curso e da modalidade. São estratégias fundamentais no processo de institucionalização da EaD nas instituições publicas de ensino superior. Não adianta delegar, incumbir pessoas para implementar a modalidade a distância no interior da instituição se condições materiais também não são criadas: um local para funcionamento, carga horária dos componentes da equipe, recursos financeiros para apoiar as ações administrativas e pedagógicas, etc. Senão a instituição simplesmente delega um trabalho a mais para as pessoas o fazerem na base da boa vontade, sem sustentação e apoio das unidades acadêmicas responsáveis pelo ensino. As pessoas que se engajam na modalidade a distância precisam ser qualificadas, necessitam aprender no próprio processo, avaliar o percurso, refazer caminhos. Isso exige tempo, dedicação, recursos para Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 143 lhes possibilitar momentos regulares de encontro, de discussões, debates, estudos e viagens para poder acompanhar nos polos e nos municípios o desenvolvimento do curso. Inicialmente, o NEAD da UFMT tomou a decisão de atuar nos locais mais distantes do câmpus, em locais em que a universidade ainda não se fazia presente. Posteriormente, a compreensão do termo “distância” foi muito mais no sentido social do que geográfico. Assim, na fase atual, o NEAD oferece cursos a distância também nos diferentes câmpus da universidade para atender a alunos que, embora fisicamente próximos da sede, socialmente estão distanciados por não poderem frequentar os cursos nos horários estabelecidos, por questões de trabalho ou de doença, por exemplo. 7.3 A “INSTITUIÇÃO” DO NEAD O NEAD foi criado por decisão da Congregação do Instituto de Educação, a pedido da própria equipe que participava na consolidação do curso de formação de professores a distância, Portanto, não foi por portaria da Reitoria ou do Conselho Universitário. Aliás, até o momento, o NEAD não foi institucionalizado, não existe formalmente, não aparece no organograma da Instituição, embora a coordenação e o colegiado sejam referendados por portarias da Reitoria e da Pró-Reitoria de Graduação. Como o NEAD conseguiu atuar no interior da instituição, coordenando cursos, recebendo apoio financeiro e de recursos humanos, estabelecendo parcerias com outras instituições, sem ser institucionalizado? O NEAD, após sua criação, foi se estruturando internamente, como equipe e como Núcleo no Instituto de Educação, pois o curso oferecido estava diretamente ligado aos departamentos desse Instituto. Aos poucos ele foi expandindo sua área de atuação, não se limitando ao curso de Licenciatura em Pedagogia. Foi oferecendo curso de pós-graduação lato sensu para formação de seus Orientadores Acadêmicos (1994) e, posteriormente, de outras universidades públicas. Com a implantação da Cátedra da UNESCO (1996), abriu uma linha de pesquisa em EaD no Programa de Mestrado em Educação. Participou de programas internacionais na formação em 144 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas EaD, como o do Centro de Aplicação, Estudos e Recursos em Aprendizagem a Distância (CAERENAD, 1999-2003)38, além de oferecer diferentes cursos de educação continuada e ter sido o Polo de Assessoria Pedagógica da Unirede (2000-2002)39 Foram as ações para fora da Instituição e do Estado que deram ao NEAD credibilidade e condições internas para se afirmar como núcleo institucional, embora formalmente e legalmente não existisse. Assim, o NEAD está “instituído”, isto é, professores e técnicos são liberados para trabalhar no Núcleo, com carga horária específica (10, 20 ou 40 horas), são produzidas portarias (da Congregação do Instituto como da reitoria e pró-reitorias) nomeando coordenadores de curso, de polo e os componentes dos colegiados de curso. Há um local em que funciona, com estrutura física e tecnológica. Porém, não existe documento “institucionalizando” o NEAD. O Núcleo não consta na estrutura da instituição, cargos e funções dos que nele atuam não estão previstos no organograma da UFMT, não há regimento interno próprio regulamentando sua ação. Funciona, vamos dizer assim, na “informalidade”, para não dizer na “ilegalidade”. Diversas vezes, membros dos conselhos superiores, informalmente, solicitaram à coordenação do NEAD encaminhasse proposta de institucionalização, com o Regimento do Núcleo, mas a equipe acabou sempre deixando para depois. Estava acostumada a trabalhar sem as amarras da burocracia institucional. Mesmo seguindo as normas gerais da Instituição, havia criado um sistema próprio de gestão e de normas internas para funcionamento e desenvolvimento de suas ações, aceitas e respeitadas pela instituição. 38. Faziam parte do Programa, além da UFMT: Télé-Université du Québec (TELUQ), Pontifícia Universidad Católica de Chile (PUC/TELEDUC), a Universidad Estatal a Distância de Costa Rica (UNED), Université du Senegal (UCAD) e Université de Maurice (UoM). 39. O Polo coordenou a elaboração do programa “ProDocência” (2001), do qual participaram 21 universidades, em sua maioria federais, e, em dezembro do mesmo ano, a construção do documento “Formação de Professores das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental: princípios norteadores para elaboração de cursos de Licenciatura, na modalidade a distância, no âmbito da Unirede” (dez. 2001). Este documento foi aprovado pelos membros consorciados e serviu de base para a Comissão Assessora para Educação Superior a Distância elaborar seu relatório final (ago 2002). 145 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Organograma do NEAD INSTITUTO DE EDUCAÇÃO NEAD Secretaria Geral Conselho Parcerias Coordenação Equipe Tecnologia Secretaria Licenciaturas SIGED Educação Continuada Produção Materiais Multimídia Cátedra Unesco Coordenação PósGraduação Colegiados Secretaria Equipe Pedagógica Coordenação Equipe Especialistas On-line Material Impresso Outro elemento importante nesta “instituição” do NEAD foram as parcerias com outras universidades públicas, tanto no exterior como no território brasileiro. Isso deu credibilidade ao NEAD no interior da instituição, ajudou no processo de formação continuada na modalidade – aprende-se sempre e muito com o outro. A postura do Núcleo e da Instituição foi sempre atuar regionalmente, no Estado de Mato Grosso e, quando convidado para atuar em outros Estados, sempre por meio de parceria, no sentido de assessorar a outra instituição para que esta mesma implementasse cursos a distância. Apostava-se na capacidade de a instituição aprender a atuar na modalidade distância. As parcerias também ensejaram as condições materiais de instituição e fortalecimento do NEAD. Pois, além da aquisição de equipamentos e mobiliários, os recursos financeiros auferidos se revertiam em bolsas para manter em seu quadro técnicos e professores aposentados ou convidados, sem depender das limitações orçamentárias da instituição ou com a não disponibilidade de recursos humanos, como tem ocorrido nos últimos anos. 146 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Por outro lado, a não institucionalização também gerou distorções. Se, aparentemente, essa não dependência da Instituição parece positiva, por outro lado produz imagem distorcida ou equivocada do NEAD como se fosse “setor à parte” da Instituição, como se os cursos fossem do Núcleo e não da Instituição. A “não institucionalização” do NEAD fez com que se tornasse “invisível” na Instituição, isto é, existe e não existe. Existe em certos momentos em que o Núcleo interessa à instituição – porque traz prestígio e recursos – e não existe quando se solicitam recursos materiais e disponibilidade de recursos humanos. Essa invisibilidade permite que preconceitos e resistências em relação à modalidade continuem no interior da UFMT. Essa invisibilidade ficou claramente exposta durante o último processo de consulta para a reitoria, em 2008. Membros dos diferentes segmentos da Instituição (professores, técnicos e estudantes), no espaço da comissão que conduz o referido processo, votaram para o não reconhecimento dos estudantes matriculados nos cursos a distância como alunos “regulares” da UFMT. Portanto, sem direito ao voto ou, então, não reconhecendo os Polos de Apoio Presencial como espaço acadêmico no qual poderiam ser colocadas urnas para votação. Os alunos eram considerados alunos do NEAD, o curso era do NEAD e não da UFMT. Situação essa superada, não sem conflito. Essa situação viabilizou que se iniciassem encaminhamentos para “institucionalização” da modalidade a distância na UFMT e para o reconhecimento dos Polos de Apoio Presencial como unidades acadêmicas da Instituição. 7.4 CONDIÇÕES FAVORÁVEIS E FRAGILIDADES DA “INSTITUIÇÃO” DA EaD NA UFMT Ao longo desses anos, algumas condições foram fundamentais para a instituição e consolidação da modalidade a distância na UFMT. Vamos apontar três delas: 1- Vontade política dos gestores para dar respaldo institucional às ações do NEAD. Mesmo com mudanças na gestão da Universidade e da direção do Instituto e dos Departamentos, e apesar das dificuldades Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 147 financeiras e de recursos humanos que vem atravessando a universidade, o NEAD sempre contou com o apoio institucional. As condições objetivas para implementação da modalidade devem ser garantidas pela Instituição. Contar somente com a boa vontade das pessoas é correr o risco de não ir muito longe. A modalidade a distância deve ser tratada com seriedade e profissionalismo. 2- A composição da equipe do NEAD. Ela não foi resultado da “indicação” de pessoas pelos gestores ou pelos departamentos envolvidos, mas foi uma decisão pessoal de cada participante. O interessante é que as pessoas que acabaram compondo o NEAD tinham em comum experiência em Formação de Professores das séries iniciais e atuavam em cursos fora do câmpus, no Programa de Interiorização (Licenciaturas Parceladas). A base da equipe do NEAD continua sendo a mesma, desde sua criação. É composta por pessoas envolvidas e comprometidas com a proposta, que a tomaram para si, ou, conforme o depoimento de uma orientadora acadêmica, atuante desde 1994, “há um sentimento de que o projeto corre em minhas veias”. Projetos são viabilizados e construídos por pessoas, não por portarias ou resoluções. 3-Capacidade de construir trajetória própria, calcada nas condições objetivas da instituição e do contexto regional, e nas condições subjetivas dos envolvidos. “Copiar” modelos de outras instituições é correr o risco de cometer equívocos e demonstra a incapacidade da instituição na produção e construção de uma experiência própria em EaD. O desafio é “traduzir” para a realidade regional as experiências dos outros, dando à modalidade “cara regional' e “desenhando” um sistema que atenda à realidade do aluno, e não ao ufanismo tecnológico. Daí o cuidado para não ter pressa na implementação de cursos a distância, em dar um passo por vez, de acordo com as condições institucionais e a capacidade da equipe. Fazer sob pressão política ou institucional é correr o risco de não garantir qualidade na formação oferecida e dar farto material para os críticos da EaD. Nessa travessia benéfica e produtiva, quais as limitações ou fragilidades encontradas? 148 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas - A primeira fragilidade, nós a mencionamos em passo anterior: a invisibilidade da modalidade a distância no interior da própria Instituição. O NEAD é muito mais conhecido no interior, nos municípios, pois a comunidade local sabe o que é NEAD, como funciona a modalidade a distância. Na UFMT, muitos professores não conhecem o trabalho do NEAD e os poucos que falam sobre a modalidade a distância ou sobre a atuação do Núcleo é para criticar, questionar, dificultar a aprovação de cursos a distância, pretender que o diploma outorgado a estudantes de cursos a distância não seja o mesmo dos cursos presenciais. - Um dos desafios do NEAD, o calcanhar de aquiles dos cursos a distância, foi o trabalho com os professores especialistas (formadores). É a fragilidade de nossa experiência. A questão não se restringe à dificuldade em trazer professores para atuar nos cursos a distância, mas como garantir seu envolvimento, sua presença mais duradoura. Pois, sua atuação é eventual, curta, restrita ao tempo da oferta de sua disciplina. Não permanecem para participar na construção da experiência, para contribuir com suas reflexões sobre o trabalho desenvolvido. Embora participem das reuniões pedagógicas durante a oferta da disciplina, trata-se de intervenção curta, sem poder oferecer outras contribuições à modalidade. Estão de passagem pelo curso. Com os tutores, no atual modelo da UAB, o problema passa ser o mesmo. - Outra fragilidade diz respeito às atividades dos membros do NEAD e à sua carga horária. Inicialmente, houve compreensão, por parte dos colegiados de departamentos, para liberação de professores em 40 horas (coordenação de curso e de polo) ou 20 horas (para os professores especialistas das áreas) para desenvolver atividades no NEAD. Hoje, a realidade é outra. Os departamentos, com quadro reduzido de professores e maior número de atividades, têm dificuldades para liberar professores para atuar na EaD, com carga horária fazendo parte do Plano Individual de Atividades (PIA). Uma saída encontrada pelo NEAD foi oferecer bolsas a professores e técnicos da UFMT, a professores aposentados ou a profissionais que não pertencem ao quadro da Instituição. Parece-nos que a UAB embrenhou também por esse mesmo caminho “duvidoso” e problemático: a oferta de bolsas para coordenadores de curso, produtores de material didático, tutores. Assim, esses “bol- Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 149 sistas” não podem colocar as atividades desenvolvidas na modalidade a distância como atividades acadêmicas, fazendo parte do PIA e o NEAD não tem como justificar o pedido de liberação de professores para atuar em cursos a distância. Acaba-se, então, por realizar novamente trabalho “extra”, colocando a modalidade na periferia da Instituição. Professores e técnicos atuam na EaD não como parte da carga horária dedicada à Instituição, mas como atividade paralela. O curso aparentemente parece não ser da instituição. Compreendemos essa estratégia política do MEC na instituicionalização da UAB para que as universidades públicas despertem para a modalidade a distância, alocando recursos específicos aos cursos a distância. Assim, não há lotação de recursos para a universidade, é lotação específica para cursos a distância. Porém, continua sendo algo exterior, correndo por fora. Isso sentimos na prática, a dificuldade para conseguir a liberação de professores para a modalidade a distância. Participa quem quer, fora de sua carga horária – pois irá receber uma “bolsa”. 7.5 A CAMINHO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO Após 15 anos de experiências na EaD, a Universidade Federal de Mato Grosso e o Núcleo de Educação Aberta e a Distância não concluíram a travessia. Novos desafios se apresentam antes de alcançarem a outra margem do rio, tais como o domínio de novas linguagens, o melhor conhecimento dos processos cognitivos e metacognitivos de adultos, a expansão da modalidade sem massificar o ensino, a educação com qualidade política e técnica. Nesse sentido, a perspectiva da UFMT é ir além da simples criação do NEAD no Instituto de Educação e em outros Institutos (Administração, em 2006; Ciências, em 2007). O NEAD do Instituto de Educação cumpriu seu papel na instituição e fora dela, disseminando a modalidade a distância, considerado como o lócus da EaD na Instituição. Por isso, a UFMT, em 2004, propôs a criação do Centro Tecnológico Interdisciplinar (CETID). Propositadamente, não se utilizou a expressão Educação a Distância para evitar resistências, para não associar a modalidade de EaD ao Instituto de Educação e superar a disciplinarização ou departamentalização do conhecimento. 150 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Para que esse Centro? A proposta era poder oferecer estrutura física, tecnológica e recursos humanos (de apoio tecnológico, comunicacional e pedagógico) a departamentos, que intencionassem oferecer cursos a distância, e a professores desejosos de oferecer sua disciplina na modalidade a distância e de ensinar com o uso de novas tecnologias. Nesse Centro, os professores encontrariam espaço e condições para se qualificar na EaD, para se familiarizar com novas tecnologias de comunicação e receber apoio tecnológico e pedagógico na implementação e no desenvolvimento de cursos ou disciplinas, na modalidade a distância. Nesse sentido, o curso ficaria nos respectivos departamentos, faculdades ou institutos, responsáveis por sua aprovação, implementação, monitoramento e avaliação. Várias foram as tentativas tendentes a viabilizar recursos para infraestrutura física e tecnológica deste Centro, sem sucesso. Ao final de 2008, durante a campanha de sucessão para o cargo da reitoria, nova proposta surgiu com a intenção de agrupar, numa Secretaria, os setores atuando no campo da informação, da comunicação e da EaD. Assim, no início da nova gestão, foi criada a Secretaria de Tecnologia, de Informação e de Comunicação de Apoio aos processos educativos A UAB ficou alocada dentro dessa Secretaria. Equipe Tecnológica e de Produção Setor de Registro e Controle Acadêmico STI UFMT Departamentos Institutos Faculdades Polos UAB NEADs Polos Coordenação Geral Secretaria Coordenação de Curso Equipe Especialistas Polos Porém, ao longo do ano de 2009, a nova organização se evidenciou não funcional. Percebeu-se que a EaD e a UAB estavam deslocadas nessa Secretaria, com finalidades e ações que não se adequavam ao que a Secretaria tinha proposto inicialmente como sua função no interior a UFMT. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 151 Assim, hoje, vem amadurecendo a ideia de a EaD sair da STI e se constituir em unidade acadêmica, reunindo projetos e programas que recorrem à modalidade a distância. Nela atuariam diversas equipes integradas: equipe pedagógica e de apoio aos processos de construção de cursos/disciplinas a distância; equipe de produção de material didático para EaD; equipe de monitoramento e avaliação. Independentemente do formato que essa unidade acadêmica irá construir em 2010, é consenso que a decisão na oferta e no desenvolvimento de cursos a distância, continuará sendo competência e responsabilidade da instância acadêmica que propõe o curso. Assim, com a consolidação e materialização dessa outra forma de organização da EaD na instituição, a UFMT estará seguindo novo caminho na institucionalização da EaD. 7.6 AINDA, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A passagem da “informalidade” - de uma espécie de marginalidade em que, às vezes, se encontra a EaD nas universidades - para a “formalidade” exige compromisso institucional, o envolvimento de departamentos, centros, faculdades. Nesse sentido, a “institucionalização” da EaD nas universidades públicas somente faz sentido se implementada como parte da Política de Desenvolvimento Institucional, sem ser posta em oposição aos cursos que a instituição oferece regularmente. Portanto, a EaD não pode entrar pela porta dos fundos, nem ser “imposta” por decisões superiores, sem passar por discussão interna, nos colegiados de cursos e colegiados superiores. Assim, o conceito de institucionalização se expande além das meras questões legais, burocráticas. Ganha sentido como resultado do desenvolvimento de práticas instituídas. Na prática, trata-se de processo intenso de negociação em função não só de interesses do bem público (a sociedade pressiona para ter acesso cada vez maior ao ensino superior), da trajetória de cada segmento e de 152 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas cada curso no interior da instituição, como de interesses corporativos. Em que sentido? A institucionalização pode ser resultado de intervenção explícita da política micro de inserção da EaD na instituição como da política macro - no caso do MEC - como agência de poder! Não pode ser percebida pelos servidores da instituição como ameaça ao poder local, às chefias de departamentos, às coordenações de cursos, ou como espaço de distribuição de cargos, de recursos. Pois, com a criação da UAB, diversas universidades se sentiram “impelidas” a entrar nesse sistema de ensino superior a distância, fizeram sua “estreia” na EaD, como possibilidade de expansão de vagas, de acesso a recursos financeiros, mas com pouca ou nenhuma experiência na modalidade. Sentem-se pressionadas, externamente, para a expansão de cursos a distância e a seguir determinado modelo de EaD. Ao mesmo tempo, internamente, questionadas sobre como expandir com o mesmo quadro de recursos humanos e se esse modelo de EaD corresponde às concepções pedagógicas vigentes na instituição. - O debate está posto. Não podemos esquecer que a universidade é [..] instituição dotada de autonomia relativa, como um território intermédio de decisão no domínio educativo, que não se limita a reproduzir as normas e os valores do macrossistema, mas que também não pode ser exclusivamente investida como um microuniverso independente do jogo dos atores sociais em presença (NÓVOA, 1992). Nesse processo de institucionalização da EaD, as Instituições de Ensino Superior têm pela frente muitos desafios, pois, na EaD, o processo educativo, como na experiência da UFMT, é alterado em diferentes e diversos níveis. - Inicialmente por provocar certa “desnormatização”, por não se adequar à legislação interna da universidade, cujas normas foram e continuam sendo pensadas para serem aplicadas a cursos presenciais. Assim, segundo Alonso (2000), existiria certo "desequilíbrio" no plano institucional, no plano das relações pedagógicas e até mesmo nas dinâmicas dos ritos que são estabelecidos quando esse processo se desenvolve tanto nos momentos a distância como nos presenciais. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 153 Talvez as incertezas no desenvolvimento de experiências em EaD, fundamentadas em abordagens socioconstrutivistas, favoreçam o nascimento de ambientes abertos e propícios à construção e ao exercício da autonomia, não limitada à aprendizagem autônoma, envolvendo todos os sujeitos desse processo. - Em segundo lugar porque nosso maior desafio, hoje, na modalidade a distância, não é dominar ferramentas tecnológicas e novas linguagens - aprende-se fazendo - mas combater o pragmatismo e a “despolitização” de práticas pedagógicas que estão surgindo nesse processo de “explosão” da EaD. É fazer dos cursos “a distância” espaço de “presencialidade”, de construção e socialização de conhecimentos produzidos pela sociedade, de sociabilidade e convivência, e de formação do cidadão, de um cidadão politizado, solidário, cooperativo e coletivo. É construir uma Educação sem Distâncias! Enfim, nada melhor do que Cornelius Castoriadis (2000, p. 122) para exprimir a travessia da UFMT no processo de instituição e institucionalização da EaD: A História fez nascer um projeto, esse projeto nós o fazemos nosso, pois nele reconhecemos nossas mais profundas aspirações e pensamentos que sua realização é possível. Estamos aqui, nesse exato lugar do espaço e do tempo, entre estes homens, neste horizonte. Saber que este horizonte não é o único possível não o impede de ser o nosso, aquele que dá forma a nossa paisagem de existência. Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 155 PONTO DE CHEGADA, OU DE PARTIDA? Chegamos ao fim desta caminhada que, certamente, será o ponto de partida para uma ação efetiva na EaD. Materializei neste texto reflexões que re-elaborei ao longo de um percurso significativo (para mim) na EaD, emque práticas e conceitos foram sendo (re)construídos e (re)significados diante de problemas e desafios que a própria experiência foi colocando à equipe do NEAD/UFMT e a mim, em particular. É um percurso não acabado. Não pretendo me fechar nele ou concluí-lo. Caminhos foram abertos e iniciados, e neles devemos continuar, experienciar, refletir e ousar. Os desafios nos são postos diariamente, mas as respostas não as temos previamente; nós as buscamos no coletivo, cotidiana e prazerosamente. Nesse sentido, não devemos julgar ou comparar experiências em EaD, pois estão em construção. Por isso, ao falarmos em Fundamentos, não podeFundamentar: Lançar os mos pensar que se trata de um conjunto de “verdades” para alicerces, conduzir nossas práticas educativas, de algo “absoluto”, construir “natural” e “dado”, que, portanto, não pode ser questionado. desde Vimos que a EaD, como qualquer ação educativa, se o fundo; de um lado busca uma fundamentação epistemológica, estabelecer histórica e política (superando a ontológica), por outro lado, sobre princípios. para ser “aberta”, deve “des-construir” todo fundamento. Em que me fundamento? Na ausência de fundamentos, isto é, na consciência da destruição dos fundamentos da certeza. Esta destruição dos fundamentos [é] característica do nosso século (MORIN, E. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Europa-América, s/d., p. 100). 156 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas Para Salazar Ramos (1993), a des-construção, a liberação de fundamentos significa operar com a margem, com a diferença, com a alteridade; significa renunciar a querer converterse no centro luminoso da verdade irradiada à sociedade e numa administração de um saber essencial sem o qual a sociedade cairia na mais absoluta escuridão. Uma educação concebida, neste último sentido, embrutece e impõe, normatiza e hegemoniza os sujeitos concretos, aos que existem empiricamente na vida diária; é dogmática e apologética e não dialógica nem aberta (p.191). Segundo o autor, uma “educação fundamentada” (não importa qual seja este fundamento) corre o risco de se tornar dogmática, doutrinária e, portanto, fechada. Daí a necessidade de uma constante abertura ao novo, a aprender com os outros e com os erros, ao trabalho cooperado e interdisciplinar. Neste sentido, a EaD pode se tornar o locus privilegiado para revisão e re-construção de conceitos e práticas educativas. Por isso, queremos nos despedir destacando alguns pontos para reflexão: - A EaD deve ser pensada não de maneira mítica ou panacéica, como a salvadora dos problemas da educação no País, oferecendo por si só mudança de paradigma na educação. Trata-se de uma prática social, que, portanto, está determinada por um contexto social, econômico e político, por condições objetivas e subjetivas de atuação, por valores e concepções. O que marca e diferencia qualquer ação educativa a distância é seu projeto pedagógico, e não suas ferramentas, a sofisticação de certas tecnologias, o deslumbramento diante de número de alunos matriculados e de sua expansão territorial e mercadológica. - A modalidade a distância não pode ser percebida como algo “supletivo”, que corre paralelo ao sistema regular de educação, mas, sim, como parte integrante dele, inspirado em princípios, valores e práticas, solidamente fundamentado nas atuais teorias científicas da educação e da comunicação. E mais ainda. A EaD, diante das limitações e Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 157 falhas do sistema educacional vigente, deve ser compreendida como educação permanente e contínua, por suas próprias características e objetivos, pois busca dar respostas mais imediatas à demanda premente de uma parcela significativa da população historicamente excluída dos serviços oferecidos pelo sistema educacional tradicional. Coloca-se como algo capaz de gerar outras possibilidades de acesso ao conhecimento, à cultura e à tecnologia. - Esta modalidade, por ser mediada pelos meios de comunicação, tem levado muitos educadores a confundi-la como sistema informativo, com pouca profundidade. Outros pensam, imediatamente, em um sistema complexo de multimeios e ficam surpresos diante da existência de programas de EaD que utilizam o material escrito como recurso didático básico e praticam a orientação (tutoria) “cara a cara”. Não há dúvida, como afirma Georges Luckás, de que “a educação é o mais poderoso meio que a humanidade possui para garantir sua própria sobrevivência e que a tecnologia está influenciando-a”. Por isso, a EaD olha positivamente os novos caminhos da tecnologia em comunicação, posicionando-se criticamente para usálos de maneira tal que respondam às demandas locais e atendam às condições de vida de seus aprendentes. - Todos os componentes de um sistema em EaD são importantes para sua implementação e eficácia, porém devemos destacar que o projeto pedagógico, a preparação de recursos humanos e a elaboração do material didático devem merecer atenção especial. - A formação dos orientadores (tutores) tem se evidenciado como o elemento dinâmico e humanizador que estimula a autonomia do aprendente em seu processo ensinoaprendizagem e garante seu desempenho no curso. Por isso, é de relevane importância definir bem o sistema de orientação (tutoria) a ser adotado e oferecer uma formação contínua aos orientadores. - A elaboração do material didático é processo único e particular. A equipe, embora inicialmente possa utilizarse de material produzido por outras instituições, deverá aos poucos ensaiar seu próprio caminho e experienciar a riqueza desse processo. A bibliografia existente sobre o assunto pode servir de pista e fazer com que se evitem 158 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas percursos que tornem mais complexos e difíceis os processos de concepção, produção e utilização do material didático. - A “juventude” da EaD e, consequentemente, nossa pouca experiência nessa modalidade e os paradigmas da pósmodernidade nos impulsionam em direção ao trabalho interdisciplinar e coletivo. Trata-se de experiência rica: aprendemos a aprender, aprendemos com o outro, de maneira cooperativa, solidária, abertos ao desconhecido. A Educação a Distância, assim, poderá oferecer à população uma educação acessível, flexível e de qualidade que atenda às suas necessidades e expectativas, fortalecendo a possibilidade de a educação promover o crescimento pessoal dos aprendentes e provocar mudanças em seu entorno familiar, profissional e social. Devemos estar atentos, porém, para não reforçarmos a Teoria do Capital Humano, colocando a educação como o caminho privilegiado de ascensão social, não apostarmos nas teorias que colocam o conhecimento (ou melhor, a informação) como força motora da vida social ou que acreditam nas tecnologias educacionais como capazes, por si sós, de garantir o acesso ao “conhecimento” e de propiciar aprendizagem. Portanto, na implantação do modelo neoliberal, em nossas economias “periféricas”, com ideologia de substrato conservador, que castiga a economia nacional, devemos cuidar para que a Educação a Distância não seja utilizada para “massificar” o ensino (com o propósito de formar novo tipo de trabalhador que atenda à nova divisão de mercado no processo internacional de produção) nem que se torne o caminho da modernização educacional de caráter conservador ou a via de privatização do ensino. O século XXI está encontrando, na Educação a Distância, uma alternativa, uma opção às exigências sociais e pedagógicas, contando com o apoio dos avanços das novas tecnologias da informação e da comunicação. A EaD, assim, poderá ocupar posição instrumental estratégica para satisfazer amplas e diversificadas necessidades de qualificação das pessoas adultas para a construção de uma sociedade justa e solidária, constituída por cidadãos. 159 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas GLOSSÁRIO 40 @ - esse símbolo existe desde o Império Romano. A bem dizer, retrata a preposição latina ad, sinônima de em, no caso traduzindo efetivamente o lugar. Se bem atentarmos, o próprio sinal tenta mostrar um “a” dentro de um “d”, um círculo aberto. Em inglês, esse sinal - é o dicionário Houaiss quem no-lo esclarece - passa a ser abreviatura de at (latim ad), adotado em 1971 por Ray Tomlinson - engenheiro norte-americano, criador do email, para identificar um usuário de determinada máquina. À esquerda do @, está o elemento que detém o e-mail - é o “quem”. Vindo ao encontro do que devemos entender pelo @, isto é, conferindo-lhe sentido de em, temos à direita o elemento onde: maria@mec assim se traduz: Maria está no MEC. Em síntese, é o endereço do internauta. Por outras palavras, indica o local em que o usuário do e-mail está. O uso do símbolo @ em textos, embora gramaticalmente incorreto, atende à orientação da Rede Mundial de Gênero, que encoraja uma linguagem menos sexista para conferir espaços sociais e biológicos para homens e mulheres. Reconhecemos que o problema é muito mais complexo, de ordem cultural, política e social, do que simplesmente gramatical ou de ordem jurídica. A distância - Educação a Distância se escreve com um “a” sem crase (à), como se costuma ver muito por aí, pois a distância é “indeterminada”. Diferente de: “Estava à distância de 15 metros”, em que a distância está determinada. Aluno / Estudante Aluno: Proveio do latim alumnus, antigo particípio médio-passivo do verbo alere: alimentar, nutrir, fazer crescer, desenvolver, fomentar, criar, produzir, fortalecer, etc. Daí, o substantivo alumnus ( criança de peito, lactente, menino, aluno, discípulo) e “almus” (o que nutre). Palavra em uso antes de Cristo teria sido introduzida no Português, no ano de 1572. Portanto, aluno não significa “sem luz”, como se lê ou se ouve por ai, acreditando ser formada pelo prefixo a (negação) e lun (adulteração do substantivo lumen – luz). Grande equívoco, sem base etimológica . Estudante: do latim studere, significando examinar, analisar, trabalhar 40. Agradecemos as contribuições de Gleyva Maria Simões de Oliveira. 160 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas em, dedicar-se a, ter afeição a, desejar, comprazer-se em, interessar-se por. Em sua etimologia, abarca as dimensões da reflexão e da emoção, da razão e da paixão, da ponderação e do envolvimento, integrando palavra, ação, sentimento, compreendendo o ser em sua unidade e totalidade. No estudar há envolvimento reflexivo e prazer, o lado sisudo, duro que exige sacrifício, disciplina, renúncia e o lado prazeroso do conhecimento novo que faz descortinar horizontes mais amplos e paisagens com novas cores. Há idiomas que utilizam o termo aluno para se referir a quem já foi estudante e estudante a quem está matriculado em curso ou instituição educacional. Exemplo: “Ele foi meu aluno, em 1990, quando lecionava no curso de direito”. “Sou estudante de um curso a distância da Universidade Federal de Mato Grosso” Aprendente - Neologismo introduzido por Hèlén Trocmé-Fabre, no Congresso Internacional de Locarno, Suiça, em maio de 1997, para expressar o estado de estar em processo de aprender. Passou a ser usado cada vez mais nos documentos oficiais da União Europeia. Sobre ele, ver em: ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998. Porém, segundo Iria Brzezinski (2002), este termo foi utilizado bem antes por Shulman, em seu artigo “Those who understand: knowledge growth in teaching” (Educational Research, v. 15, n.2, 1986, p. 4-14), para designar aquele ser que aprende como autor de sua própria aprendizagem, em um trabalho coletivo e participado. Desse neologismo deriva outro: Aprendência - "Processo e experiência de aprendizagem. O termo pretende frisar o caráter de processo e personalização que está semanticamente embutido na terminologia disponível em outros idiomas" (apprendimento, learning processes, aprendizado, apprenance). Ver: ASSMANN (1998, p. 128). EaD - Educação Aberta e a Distância – Aberta porque não existem requisitos para inscrição. EaD - Educação a Distância. O “a” é preposição. Nas siglas o que se abrevia com a letra inicial (maiúscula) são nomes, adjetivos e não preposições. Por isso, há autores que simplesmente abreviam escrevendo ED. Eficácia - Eficiência - Tanto eficácia quanto eficiência significam, Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 161 basicamente, produção do efeito desejado com o mínimo custo, esforço ou desgaste. Se bem assim, eficácia se usa quando nos referimos a coisas: a eficácia do produto de limpeza. Daí temos: antibiótico eficaz, chá eficaz e medida eficaz contra o tráfico de drogas. Já eficiência se refere a pessoas: a eficiência dos tutores deste polo é invejável. Daí temos: eficiente é o atleta, bem assim o tutor. No campo das políticas, a eficácia fica evidenciada quando os resultados de determinada política pública alcançar seu objetivo. A eficiência se relaciona com o gasto racional dos recursos públicos para obtenção do bem público. Equidade - Na terminologia neoliberal, costuma se contrapor à “igualdade”. Significaria promover as diferenças produtivas entre os indivíduos. Globalização - Também nomeada de mundialização. É a interligação dos mercados internacionais com a conseqüente uniformização de padrões econômicos e culturais em âmbito mundial. Teve seu início na década de 1980, com a integração, em nível mundial, das relações econômicas e financeiras. É a interdependência de todos os povos e países do nosso planeta (“aldeia global”), com intercâmbio comercial e cultural. Porém, os mais beneficiados são os países desenvolvidos. Interação - Ação recíproca entre dois ou mais atores, em que ocorre intersubjetividade (encontro de dois sujeitos) que pode ser direta (relação pessoal, momentos presenciais, encontros) ou indireta, mediatizada por algum veículo técnico de comunicação (carta, telefone, ambiente virtual). Interatividade - Atividade humana de agir sobre a máquina e de receber em troca “retroalimentação” da máquina sobre ele. Portanto, não podemos considerar que há, entre sujeito e máquina, interação, visto que esta se remete a uma relação pessoal. A relação homem-máquina (meios tecnológicos de comunicação e informação) pode proporcionar a "interatividade" se, e quando, na busca ou troca de informações, o estudante encontrar condições para substituir a passividade por ações e atividades que requerem dele, segundo Belloni (1999), processos de decodificação, interpretação, participação e mobilização de referenciais psicológicos e culturais. A autora considera que as NTICs têm, como principal caracterís- 162 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas tica, a simulação, a virtualidade, a acessibilidade, a superabundância de informação, mas tudo isso promove certa complexibilidade no processo de ensino e de aprendizagem. Portanto, a opção pela utilização das NTICs pode promover mudanças na cultura da escola acerca da concepção e organização do sistema de ensino. Desde que, segundo Jonassen (1996), não sejam entendidas como tecnologias "de" aprendizagem, mas "para" a aprendizagem, o que demanda a definição de papeis: quem aprende, quem ensina, quais são os elementos constitutivos da comunicação educativa. Para Roca (1998), situações educacionais requerem intervenção de seis elementos: o que aprender (currículo, conteúdo), a pessoa que sabe ensinar (professor, tutor), a pessoa que quer aprender (estudante), o sistema a ser seguido para produzir a aprendizagem (metodologia, modelo de ensino), instrumentos que possam facilitar a aprendizagem (tecnologias, materiais, técnicas) e o sistema organizador (instituição). Segundo Alonso (2000), a utilização das NTICs por instituições de ensino deve ser acompanhada da formação profissional (qualificação), para que se desenvolva uma identidade institucional e que, ao serem estabelecidas parcerias com outras instituições, essa identidade permaneça. Mediação - A mediação no processo de ensino e aprendizagem é entendida como a relação que permite ao mais expert (professor/orientador/especialista) identificar nas operações realizadas pelo estudante, mediante um objeto de conhecimento, o nível de desenvolvimento cognitivo. Assim, pode propor ações ou atividades que permitam ao estudante passar de um nível de desenvolvimento cognitivo a um nível superior, sair de um desenvolvimento real para um potencial. Ela ocorre por meio da "interação" entre o sujeito mais expert e o sujeito do conhecimento. Podemos considerar, portanto, que a interação é estabelecida pela relação pessoal, sujeito-sujeito, na qual a mensagem tem caráter socioafetivo (BELLONI, 1999).. Quem faz a mediação no processo de ensino e aprendizagem é o professor (tutor, especialista, orientador). A interação ocorre nos dois sentidos, do professor/tutor para o estudante e deste para aquele. Mediatização - Na educação a distância, a interação (indireta) ocorre por meios mediáticos. Assim, a mensagem da mediação pode ser mediatizada, ou seja, o professor poderá escolher um meio eficaz para uma situação ou contexto de comunicação e, em função desse meio, conceberá e elaborará um discurso que dará substância ao tema ou matéria a se Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 163 transmitir (ROCHA TRINDADE apud BELLONI, 1999). Em outras palavras, ao perceber a necessidade da mediação, o professor/tutor buscará o meio de comunicação que melhor poderá transmitir a mensagem. Depois disso, ele transformará o conteúdo da mensagem em uma linguagem que se adapte ao meio escolhido, para que seu objetivo possa ser alcançado. Se, por exemplo, o professor/tutor/autor/especialista conceber que a leitura de um determinado livro é importante para a construção do conhecimento de um estudante e desejar que o acesso ao material, e mesmo à leitura, seja realizado por internet. Ele deve considerar que um texto de um livro não pode ser colocado nesse meio tecnológico tal qual foi impresso para ser lido pelo estudante. Primeiramente o professor/tutor, na maioria das vezes recorrendo a um especialista da área de informática, transforma o texto impresso em linguagem inteligível para a máquina. Mas, se o objetivo é que o estudante não faça leitura cansativa, desmotivante, outro tratamento terá que ser dado ao texto, ou seja, o senso crítico e a criatividade do professor/ tutor/ autor/ especialista poderão transformar o texto em um hipertexto. O estudante poderá, em caso de dúvidas ou mesmo de curiosidade, clicar sobre uma palavra e navegar em outros sites, visualizar uma figura, abrir um vídeo, entre outros. Além do tratamento da mensagem, a escolha dos meios de comunicação e informação deve levar em conta as características dos sujeitos a quem se destina, ou seja, as possibilidades de acesso aos meios (acessibilidade). Caso contrário, a mensagem poderá não chegar ao destinatário. Belloni (1999) considera que para fazer a mediatização é necessário: - fazer a seleção dos meios, - conhecer as características da clientela (no sentido da acessibilidade aos meios), - elaborar o discurso. Para mediatizar um material didático é necessário: - definir a forma de apresentação do conteúdo; - construir mensagens que potencializem a comunicação mediante o meio; - compor documento autosuficiente que possibilite ao estudante aprender de modo autônomo e independente. Portanto, devemos ter claro que, no processo de ensino aprendizagem, a relação professor/tutor e estudante ocorre por meio da media- 164 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas ção e da interação. Quando a mediação e a interação ocorrem de modo indireto na relação espaço (a distância) e tempo (comunicação diferida, não simultânea), que é o caso da EaD, elas podem ser apoiadas pelas NTICs, ou seja, podem ser mediatizadas. Modelo - O modelo oferece maneira diferente de pensar algo para que, ao olhar fatos, situações, possamos estabelecer relações, conexões entre eles que, à primeira vista, não seriam percebidas. Para Mac Pherson (1978 apud Bianchetti, 1996), trata-se de “elaboração teórica com vista a exibir as relações reais, subjacentes às aparências, entre os fenômenos ou no seio de fenômenos em estudo”. Em outras palavras, o modelo auxilia na reconstrução da lógica que relaciona conceitos que dão forma ao que se pode considerar, por exemplo, um modelo pedagógico, de comunicação, de sociedade. Ajuda a entender facetas diferentes do objeto em estudo, identifica aspectos importantes dos problemas, direciona nossos esforços para compreender algum aspecto da realidade, sugerindo o que é importante e o que não é. Neoliberalismo - Doutrina político-econômica, surgida na década de 1930, adaptando os princípios do liberalismo econômico às novas condições do capitalismo. Defende o máximo de liberdade às iniciativas individuais e a redução dos controles de autoridades centrais sobre elas. Por isso, exalta o mercado livre, a liberdade individual e o mínimo de presença do Estado. Essas ideias ganharam força depois que partidos conservadores foram ao poder na Inglaterra (com Margareth Thatcher – 1979) e nos Estados Unidos (com Ronald Reagan). Paradigma - O filósofo e historiador da ciência Thomas S. Khun, em sua obra “A Estrutura das Revoluções Científicas” (1962), emprega "paradigma" (do grego, modelo, padrão) no sentido de "as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência", isto é, uma construção conceitual sobre a compreensão de como opera o mundo ou uma parte dele. A ciência normal geralmente aponta os paradigmas existentes, enquanto a ciência extraordinária abre o caminho e os examina, provocando mudanças radicais (revoluções). Edgar Morin vai além disso: o paradigma significaria um tipo de relação muito forte, uma relação dominadora "que determinaria o curso de todas as teorias, de todos os discursos controlados pelo paradigma. Seria uma noção nuclear ao mesmo tempo linguística, lógica e ideológica" (apud MORAES, Maria Cândida. Paradigma Educacional Emergente. Cam- Educação a Distância: Fundamentos e Políticas 165 pinas: Papirus, 1997. p. 31). Toyotismo - Trata-se de novo método de gestão da produção, impulsionado, em sua gênese socio-histórica no Japão (logo após a II Guerra Mundial, mas que se desenvolveu a partir da década de 1980), pelo sistema Toyota. Mas não podemos reduzi-lo ao modelo japonês, pois, ao se desenvolver, assumiu uma dimensão universal de novas práticas gerenciais e empregatícias, tendo como objetivo central incrementar a acumulação do capital. Nesse sentido, tal como o taylorismo e o fordismo, buscou racionalizar o trabalho, mas fazendo apelo à administração participativa e a um tipo de trabalhador “pluriespecialista”, ou polivalente. É bom enfatizar que esse modelo obteve sucesso porque se revelou adequado à nova base técnica de produção capitalista (com as novas tecnologias de base microletrônica) e à crise do capitalismo, na década de 1980. 166 Educação a Distância: Fundamentos e Políticas REFERÊNCIAS ALONSO, Kátia Morosov. Fundamentos de Educação a Distância. Guia Didático. Cuiabá: NEAD/UFMT, 2001. Mimeografado. ALONSO, Kátia M. Novas Tecnologias e Formação de Professores. In: PRETI, O. (Org.). Educação a Distância: construindo significados. Brasília: Plano, 2000. p. 89-104. ALONSO, Kátia M. A Educação a Distância e um Programa Institucional de Formação de Professores em exercício.. Cuiabá: NEAD/UFMT, 2000. 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