O SR. ZARATTINI – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, na oportunidade deste ato da Câmara dos Deputados em Homenagem ao Dia do Exército Brasileiro é mister que façamos algumas reflexões. O País, em passado recente, passou por intenso processo de desnacionalização econômica, que aumentou a nossa vulnerabilidade externa e reduziu a capacidade do Estado nacional de promover políticas de desenvolvimento e de ciência e tecnologia. O resultado mais nefasto, contudo, foi a perda de sentido estratégico da política externa e de defesa brasileiras. No contexto da promoção do Estado desenvolvimentista, no campo específico da defesa nacional, a idéia era dotar o País de capacidade de dissuasão plena compatível com seu status de “potência média” e de futura potência regional. Após a denúncia do Acordo de Cooperação Militar com os Estados Unidos, passou-se a propugnar pela construção de um espaço geopolítico próprio e independente tradicionalmente as para políticas o Brasil. externas Desta e de forma, defesa complementavam-se na busca por uma afirmação dos interesses estratégicos do Brasil no mundo. Entretanto, a partir do início da década de 90 (e, em especial, durante as gestões de Collor e FHC) o paradigma do Estado desenvolvimentista passou a ser substituído, ao menos parcialmente, pelo paradigma do "Estado normal", isto é, aquele 1 Estado que tem parâmetros de conduta supostamente semelhantes aos dos Estados "desenvolvidos e modernos". Um Estado, em síntese, que deixa o mercado agir sem maiores constrangimentos e influências governamentais. Ora, tal "Estado normal", ideologicamente neoliberal pôs em prática três condutas básicas: • subserviência às pressões dos centros hegemônicos do capitalismo mundial; • destruição e alienação de núcleos estratégicos da economia nacional, mediante processos de privatização de empresas estatais e compra de empresas privadas nacionais; e • regressão histórica do estágio de desenvolvimento do País, mediante o aprofundamento da desnacionalização das atividades produtivas e a ampliação da dependência tecnológica das empresas nacionais. Na área atinente à defesa, abandonou-se a idéia da “dissuasão plena”, que foi substituída pelo conceito de “dissuasão defensiva”, isto é, pela dissuasão operada apenas em território nacional. Ao mesmo tempo, iniciou-se o processo de sucateamento do aparelho das Forças Armadas e de paralisação ou semiparalisação de vários projetos estratégicos para o País, como o do Veículo Lançador de Satélites (VLS) e do Submarino Nuclear Brasileiro. Assim, no período de Collor e FHC, o predomínio do paradigma do Estado neoliberal fez com que a política externa e de defesa brasileiras perdessem consistência 2 estratégica e capacidade de projetar os interesses nacionais no exterior. Não obstante os êxitos e a clara mudança de qualidade da nossa política externa, é preciso considerar que a plena projeção dos interesses estratégicos do Brasil no cenário internacional, não pode prescindir, também, de uma política de defesa consistente. Considere-se que, ao longo dos governos de FHC, colocou-se ênfase exclusiva na persuasão diplomática como instrumento para alcançar os objetivos estratégicos do País no cenário internacional. diplomática deve ser Sem dúvida alguma, a persuasão o meio principal de afirmação dos interesses das nações, principalmente das nações pacíficas, como o Brasil. No entanto, é forçoso reconhecer que tal persuasão funciona de forma mais eficaz quando complementada pela dissuasão estratégica. Por isso, ainda que o País não venha por longo tempo a empregar a força na defesa dos nossos interesses nacionais, não há por que perder a perspectiva desse emprego. Há que se pensar, estrategicamente, que o País como potência média tenha que admitir a possibilidade real da força militar operar fora do território nacional e, com isso, a ação diplomática vir a ser substituída pela ação militar. Para isso, no entanto, é imprescindível a implementação de política de defesa consistente. A criação de capacidade dissuasória adequada à grandeza do Brasil passa, 3 necessariamente, pelo reaparelhamento e a modernização das nossas Forças Armadas. O Brasil, ao nosso ver acertadamente, renunciou, mediante a ratificação de vários tratados internacionais, desenvolver armas de destruição em massa, sejam elas nucleares, químicas ou biológicas. Mas o Brasil não renunciou e jamais poderá renunciar a ter força convencional ágil, profissional e capaz de promover a dissuasão estratégica. Trata-se de condição sine qua non para um país que reúne os elementos necessários para tornar-se uma grande liderança regional e para construir um espaço geopolítico próprio. Dentro dessa perspectiva, especial ênfase deve ser dada à questão salarial das Forças Armadas, pois um exército profissional tem de ter rendimentos compatíveis com suas tarefas e responsabilidades. Portanto, o reajuste salarial das Forças Armadas deve ser encarado como um investimento necessário em soberania nacional. Ademais, o governo tem também de se esforçar para assegurar a continuidade de projetos estratégicos de alta relevância para o País, como o do VLS, o do Submarino Nuclear e o do caça FX. O primeiro programa, se concluído com êxito, permitirá ao Brasil projetar-se de forma autônoma no campo aeroespacial e ingressar no seleto grupo de países que dominam todo o ciclo de lançamentos de satélites, instrumentos essenciais para a geração e o controle de informações estratégicas. Já o segundo programa permitirá ao Brasil ter um melhor controle 4 sobre os seus mais de 7.500 quilômetros de costa. Em relação ao terceiro, ele ensejará a recuperação do pleno domínio estratégico do espaço aéreo nacional, hoje prejudicado pela obsolescência de nossos aviões. No que se refere especificamente ao programa nuclear brasileiro, que todos sabem ter caráter exclusivamente pacífico, até mesmo porque qualquer atividade nuclear que não tenha fins pacíficos está expressamente proibida em nossa Constituição, é imperioso repelir pressões para inviabilizá-lo. O Brasil, que sempre cumpriu rigorosamente os seus compromissos internacionais assumidos com a Agência Internacional de Energia Atômica, não pode ser comparado, como querem alguns, a países como Irã e Coréia do Norte. O Brasil não merece ser tratado dessa maneira. A desconfiança em relação ao programa nuclear brasileiro parece esconder, na realidade, o medo de que o nosso País possa ter autonomia na produção de energia nuclear e participar do lucrativo mercado de enriquecimento de urânio. Mas, além de fazer os investimentos imprescindíveis no reaparelhamento das Forças Armadas e na manutenção de programas de relevância estratégica, é necessário que o Estado não compactue com o desvirtuamento das funções de defesa. Sabe-se que o Comando Sul dos Estados Unidos vem, há muito tempo, fazendo pressões para que as forças armadas dos países latino-americanos se engajem na luta contra o narcotráfico e o crime organizado. Ora, a função precípua das Forças 5 Armadas, determinada constitucionalmente, é a da defesa da Pátria, especialmente de seu território. A defesa da lei e da ordem, embora admitida constitucionalmente, deve ser encarada como situação excepcional, resultado de grave ameaça aos poderes constitucionais, às liberdades democráticas e à própria soberania nacional. Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o Governo Lula, que vem recuperando a soberania nacional mediante uma política externa ousada, tem de complementar esse esforço com uma política de defesa consistente, que permita a construção da dissuasão estratégica. Sem esta dissuasão, a recuperação da soberania será apenas parcial, pois ela não pode basear-se somente na persuasão diplomática. Para tanto, precisamos de força militar ágil, moderna, bem aparelhada e adequadamente remunerada. Concomitantemente, necessitamos manter os já mencionados projetos estratégicos para a defesa nacional e para o nosso desenvolvimento científico-tecnológico. Estas são as reflexões que gostaríamos de fazer. Muito obrigado! 6