As “novas” faces do imperialismo norte-americano: balanço teórico
Mariana de Oliveira Lopes (Especialização Ciências Sociais/UEL)
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As análises das relações internacionais no campo marxista se dirigem
principalmente à questão do imperialismo e da dependência, conceitos desenvolvidos por
Vladimir Lênin e Rosa Luxemburgo na emergência dos Estados Unidos como potência
econômica e militar.
Segundo Lênin, o imperialismo é a etapa superior do capitalismo, quer dizer, seu
desenvolvimento ocorre com a dominação dos monopólios e do capital financeiro,
adquirindo grande importância a exportação de capital, e, por conseguinte, a divisão
internacional do trabalho, onde há a partilha dos territórios entre as grandes potências
capitalistas. O capital monopolista se internacionaliza, ou seja, enseja projetar seus
interesses não só no âmbito interno (no interior do Estado imperialista), mas vai além de
suas fronteiras, por isso necessita e obtêm o que Lênin denomina de fenômeno da
dependência, advindo do entrelaçamento do domínio econômico-financeiro, político e
territorial. Já para Luxemburgo, o imperialismo significa expansão do capital, inerente ao
próprio sistema. No entanto, para a autora o imperialismo se situa no campo do
capitalismo da livre concorrência, onde as relações econômicas se pautam pela
circulação das mercadorias, ao contrário de Lênin, que vê este processo como a fase
superior do capitalismo.
Dessa forma, pretendemos atualizar, do ponto de vista teórico, aquelas
contribuições a partir das apresentadas em vários autores como James Petras, Atílio
Borón, Ellen Wood, Domenico Losurdo etc. que buscam compreender através de
categorias marxistas, a postura norte-americana, do grande capital monopolista e
oligopolista e, principalmente, a questão do imperialismo na criação de condições
necessárias para a acumulação capitalista em nível mundial, como organizador e
promotor de tais interesses de classe e fração de classe, em direção às economias
dependentes, como é o caso dos países latino-americanos. Sabemos, por sua vez, que o
processo de transnacionalização do capitalismo tem aumentado a capacidade de penetrar
capitais e, essencialmente, sob a hegemonia do capital financeiro.
Estes autores procuram enfatizar a importância das grandes corporações
transnacionais, bem como das organizações e instituições internacionais e o uso destes
pelo Estado como instrumento de manutenção do status quo no cenário internacional,
como, por exemplo, os chamados organismos multilaterais: FMI, BIRD, e no campo militar
e político, OTAN e ONU.
Estas análises se contrapõem às vertentes teóricas atualmente muito debatidas no
campo das Relações Internacionais, talvez até hegemônicas, como a corrente “realista” e
a “racionalista”. Entendemos que estas se situam nos marcos políticos da nova direita.
Contrapõem-se, ainda, com a “pós-moderna” de autores como Negri.
Quanto à metodologia, entendemos o atual processo de transnacionalização do
capitalismo permeado por contradições de classes, portanto, apoiamos-nos no
materialismo histórico e dialético.
Com este balanço teórico, pretendemos colaborar com as análises da atual fase do
capitalismo mundial, além de contribuir com o debate marxista no campo das relações
internacionais.
As “novas” faces do imperialismo norte-americano hoje:
balanço teórico
Mariana de Oliveira Lopes1
GT1: Política e economia na América Latina
Resumo
Neste artigo, analisamos as especificidades da atual fase do imperialismo norteamericano especialmente em relação à América Latina, dos anos 1990 para cá. Para isso,
num primeiro momento, apontamos algumas características do imperialismo no último
quartel do séc XIX baseado na teoria leninista; em um segundo momento, procuramos
atualizar esta leitura com autores que buscam, através de categorias marxistas,
compreender a atual fase do imperialismo. Com isso, pretendemos fazer uma espécie de
balanço teórico.
1. A gênese do Imperialismo hoje.
No presente artigo, tentaremos contribuir para uma análise crítica acerca da
relação entre os EUA e a América Latina, a partir da década de 1990, com a nova
rodada de transnacionalização do capitalismo em crise. Para isso, valer-nos-emos,
principalmente, das contribuições teóricas oferecidas por Lênin e, por meio de
marxistas contemporâneos, procuraremos atualizá-las à luz da realidade social e
política latino-americana.
Para compreendermos a hegemonia exercida pelos Estados Unidos sobre
a América Latina hoje, é preciso entender o significado histórico e teórico do
“imperialismo” que, no presente contexto, assume grande relevância. Em outras
palavras, o que aparece no senso comum como “globalização”, termo amplamente
utilizado pelos meios de comunicação de massa, para nós se reveste nas novas
formas de imperialismo.
Para explicar a origem das questões levantadas, iniciaremos uma breve
introdução sobre o imperialismo, iniciado há mais de um século, com a
1
Graduada em Ciências Sociais (UEL), aluna da Especialização (UEL) e membro do Grupo de
Estudos de Política da América Latina (GEPAL)..
emergência dos Estados Unidos como potência econômica e militar. Como
dissemos, o imperialismo amplamente estudado por Vladimir Lênin2.
Para Lênin o imperialismo caracteriza-se, principalmente, por uma
tendência à concentração da produção, pelo aumento dos cartéis e trustes, pelo
importante papel desempenhado pelos bancos, assim como sua concentração e
fusão com a indústria, o capital financeiro e sua política, a exportação do capital,
as colônias e a repartição do mundo3 como expressão do desenvolvimento
desigual do capitalismo e a divisão internacional do trabalho associada ao modo
de produção vigente (LENIN, 1987).
Em o Imperialismo, fase superior do capitalismo (1987), Lênin caracteriza o
imperialismo como uma etapa do desenvolvimento do capitalismo em que se
estabelece a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde tem
adquirido grande importância a exportação de capitais. Seu caráter específico
possui três particularidades: capitalismo monopolista (através dos trustes, cartéis e
sindicatos), capitalismo parasitário ou em decomposição (rápidos processos de
crescimento e, por outro lado, de decomposição) e capitalismo agonizante.
A exportação de capitais se dá por meio da busca de novas fronteiras, ou
seja, mercados exteriores para responder a dialética do processo capitalista que
busca taxas de benefícios mais elevadas e mão-de-obra mais baratas. A queda da
taxa de lucro no país exportador determina que o capital ultrapasse as fronteiras
nacionais em busca de melhores horizontes para inversão de seus produtos.
O caráter de forma superior do capitalismo se dá, segundo Lênin, devido à
forma mais complexa do capital, desenvolvido pelo capital financeiro4, que assume
domínio no imperialismo.
2
O imperialismo foi estudado ademais de Lênin, por Rosa Luxemburgo. Para ambos, o
imperialismo, representa a negação, via expansão externa, das contradições internas do modo de
produção capitalista nos países centrais, uma fase de expansão do capitalismo, algo inerente ao
próprio sistema. No entanto, conforme Ayerbe, para Luxemburgo, se situa ainda no campo do
capitalismo da livre concorrência, em que as relações econômicas internacionais se pautam pela
circulação de mercadorias, enquanto Lênin, vê no imperialismo uma fase específica do capitalismo,
na qual algumas de suas características fundamentais se transformam em seu contrário (Ayerbe,
2002 p.57).
3
Esta característica de repartição do mundo entre as superpotências é muito específica desta fase
do imperialismo.
4
A história do capital financeiro se encontra na concentração da produção, os monopólios que
surgem dele, e a fusão ou entrelaçamento dos bancos com a indústria.
A grande contribuição desta temática foi à análise sobre a função do
Estado. Para o autor, a vinculação pessoal entre os bancos e a indústria,
(característicos deste período e que forma uma oligarquia financeira), se completa
com a vinculação pessoal entre estes e o Estado, que reforça a dominação desta
oligarquia.5
Na teoria leninista, a oligarquia não é só a manifestação mais notável do
monopólio bancário, mas a forma em que o predomínio do capital monopolista se
expressa na imposição da burguesia, (ou fração dessa burguesia, como classe
hegemônica), na estrutura e na luta de classes. A oligarquia financeira é uma nova
camada da classe burguesa hegemônica ficando as outras frações de classe a
mercê de seu domínio, porém para defender seu poder tem uma expensa rede de
dependência.
Na análise leninista do capital financeiro6 e do imperialismo, a dependência
ocupa um lugar central. As relações de dependência, conforme Monteverde,
assumem três tipos principais: primeiro, as colônias, países dependentes e
ocupados por uma potência estrangeira; segundo, semicolônias, países que vivem
sob dominância estrangeira e freqüentemente são vítimas de graves violações à
sua soberania política e, por último, a dependência que caracteriza muitos países
latino-americanos (MONTEVERDE, 1984 p.103).
Para Ayerbe, o fenômeno da dependência, com o surgimento da fase
monopolista do capitalismo, a partir do ultimo quartel do séc XIX, representa um
amplo processo de mudanças na economia internacional. Nesse período, ao
mesmo tempo em que crescem o comércio mundial de produtos primários e as
áreas destinadas à sua produção, aumenta também o fluxo de capitais em direção
aos países periféricos, por exemplo, a América Latina. Até o final do século XIX, a
exportação se efetivou principalmente por meio de empréstimos, destinados a
fortalecer as finanças dos Estados recém construídos (para obras de infraestrutura, etc). Desta forma, a América Latina se torna importante não apenas
5
Mesmo não tratando especificamente da questão do Estado, Lênin enfatiza, neste período, o seu
papel, como se pode ver nesta citação.
6
As referências de Lênin sobre a teoria do capital financeiro se encontram em sua influência da
teoria desenvolvida por Hilferding. Para Hilferding capital financeiro é a forma do capital que surge
através da interconexão entre grandes bancos e a grande indústria.
como fornecedora de matérias-primas, mas também como compradora de
produtos manufaturados (AYERBE, 2002 p.47).
2. Atualização do imperialismo
A realidade pôde ser assim estudada, como uma nova etapa do processo
de internacionalização do capital, cuja expressão tem sido o capital industrial
transnacional, até pouco tempo atrás. Conforme a análise de François Chesnais7,
hoje não mais é possível limitar-se a essa idéia:
A mundialização da economia ou, mais precisamente, a mundialização do capital
deve ser entendida como mais do que uma fase suplementar no processo de
internacionalização do capital, iniciado há mais de um século, ou até mesmo
qualquer outra coisa. É de um modo de funcionamento específico e de diversos
pontos de vista importantes e novo do capitalismo mundial que estamos tratando,
e seria necessário procurar compreender seu dinamismo e sua orientação para
caracterizá-lo (CHESNAIS, 1997).
O contexto mundial da última década do século XX tem sido marcado por
características específicas, compostas por um novo modo de funcionamento do
capitalismo predominantemente financeiro. As singularidades desta atual fase são:
taxas de crescimento muito baixas do PIB; taxas de crescimento muito forte dos
indicadores relativos ao valor nominal dos ativos financeiros; desenvolvimento,
nos países da OCDE, do desemprego estrutural ou de formas de empregos
precárias; desenvolvimento de rendimentos de origem financeira e reconstituição
de grupos sociais “rentistas”; conjuntura mundial instável, a espera da retomada
conjuntural significativa, a deflação; marginalização do sistema de trocas em
regiões inteiras do globo e um aumento da concorrência internacional geradora de
conflitos entre as grandes potências triádicas [América do Norte, Europa Ocidental
e Japão] (Chesnais, 1997).
Poulantzas, ao analisar o imperialismo no final da década de 1970,
acentuava também a tendência para a baixa da taxa de lucro, caracterizando-o
pela proeminência, na extensão para o exterior do modo de produção capitalista,
7
Referimos-nos, especifica e exclusivamente, ao artigo “A emergência de um regime de
acumulação mundial predominantemente financeiro”, portanto, não levaremos em conta outras
contribuições do autor.
da exportação de capitais sobre a simples exportação de mercadorias,
correspondendo ao capitalismo monopolista (Poulantzas, 1975, p.49).
Este fenômeno demonstra formas de capitalismo mais concentradas e
centralizadas nunca vistas em qualquer período anterior do capitalismo8. Com isso
esta nova fase tem como ponto de partida (na virada da década de 1970/80), o
processo de liberalização, desregulamentação e privatização, iniciado pelos
países da OCDE por meio da supressão do Tratado de Bretton Woods9.
Este processo demonstra como o imperialismo na atual fase, por meio da
estrutura de dominação e de dependência, organiza as próprias relações de suas
metrópoles. Este estágio corresponde, conforme Poulantzas, à hegemonia dos
EUA, que passa pelo estabelecimento das relações de produção que caracterizam
o capital monopolista americano.
Como observamos, o imperialismo requer um processo ao mesmo tempo
político e econômico. Com isso, não dilui os Estados nacionais10, nem as relações
de dominação e dependência política entre eles, como já havia afirmado Lênin no
século passado. Hoje ainda encontramos outras invariáveis11, ou seja, os padrões
de comércio, inversão, exploração a partir dos poderes de Estado e das classes
ou frações hegemônicas (Petras, 2000, p.28).
Entretanto, atualmente o Estado intervém em todas as partes para inserir o
capital, ou seja, o modo de produção capitalista. A circulação é muito mais ampla
porque a extensão e espaço são muito maiores. A capacidade de penetrar
capitais, intervir, ganhar é muito mais entendida devido à hegemonia do capital
financeiro (Petras,2000 p.37).
Para isso, constrói-se um “novo estadismo”; o Estado continua sendo ativo,
desmantelando
o
Estado
de
bem-estar,
impondo
novas
regras,
novas
intervenções. Petras, em Clase Estado y poder en el tercer Mundo, demonstra a
8
Neste regime de acumulação financeirada mundial, três setores ocupam posição central: o setor
financeiro, o complexo das industrias da área de informática e telecomunicações e o de
comunicação e cultura mercantilizada (multimidia)
9
Estas políticas são a base para a implementação do Neoliberalismo, primeiramente na Inglaterra
com o governo Thatcher e Reagan nos EUA. Para isso ver Anderson (1995), Balanço do
neoliberalismo In Pós-neoliberalismo, Rio de Janeiro: Paz e Terra.
10
Entender o Estado e suas relações torna-se essencial para não se cair no economicismo. Este
artigo entende o Estado como Estado de classe, Estado burguês. Para isso ver Poulantzas,1975a
11
Conceito de Invariáveis desenvolvido por Nicos Poulantzas (1975a).
extensão da jurisdição do Estado como um Estado imperial, muito além de suas
fronteiras nacionais. Isso quer dizer que este Estado imperial estabelece novas
regras de comportamento estatal dentro do sistema interestatal, regras estas que
influirão e moldarão o comportamento de todos os demais Estados (Petras, 1986
p. 17).
Petras afirma que nos EUA, o governo ou parte dele, se converte em
Estado imperial. Este império funciona em conexão com intermediários locais
conectados por alianças militares e econômicas ou por laços bilaterais; com isso,
se beneficiam as frações de classes governantes de cada país. O Estado imperial
norte-americano compõe-se de um conjunto de agências (como as instituições
multilaterais FMI, BM, BIRD, OMC, ONU), e órgãos executivos do governo, que
tem como função promover e proteger a expansão do capital, além de suas
fronteiras estatais pela comunidade corporativa multinacional cuja sede está no
centro imperial, e manter o equilíbrio na luta de classes e intraclasses. Para isso
dispõe de um aparato econômico, um coercitivo e outro ideológico que operam
para facilitar a acumulação em escala mundial (Petras, 1986).
Entretanto, conforme Ellen Wood, são de Estados, e não de organizações
internacionais que o capital global necessita para se expandir. São os Estados que
organizam o mundo para a economia global, e quanto mais global a economia se
torna, mais os circuitos econômicos são organizados por Estados e relações
interestatais (Wood, 2004).
O Estado imperial foi, portanto, segundo Petras, a condição necessária
para a extensão do desenvolvimento do imperialismo econômico, e o
desenvolvimento do capital industrial foi a condição necessária para a extensão do
capital financeiro12. Através das instituições multilaterais, anteriormente citadas, o
Estado imperial opera várias formas de dominação e manutenção do status quo.
Desta forma, é o Estado em âmbito mundial (Petras, 2001).
Neste sentido, é visível na dinâmica imperialista norte-americana,
principalmente nos anos 1990, o processo de militarização. Para concretizar a
12
A hegemonia política, econômica e ideológica está sob direção da burguesia financeira
internacional numa simbiose com a burguesia interna.
expansão econômica, o poder militar e imperial; o governo estadounidense
aumentou exacerbadamente os gastos militares, conforme afirmou o Secretário
Geral da OTAN13, Lord Robertson. O aumento dos gastos militares caminha pari
passu com o aumento das intervenções na década de 199014.
As intervenções e o processo de militarização são elementos do surgimento
do que Poulantzas chamou de “estadismo autoritário”. Ou seja, está relacionado
ao capitalismo monopolista e ao imperialismo, é uma tendência ao reforçamento
do Estado principalmente em direção às lutas populares e ao perigo que ela
representa para a hegemonia da fração da classe do “bloco no poder”
(Poulantzas, 2000 p.215).
Ainda conforme Poulantzas, por ter sua origem nas modificações
estruturais das relações de produção capitalistas e nos processos de divisão
social do trabalho, no plano mundial e nacional, simultaneamente, as
transformações do Estado estão a ocorrer no conjunto dos países capitalistas,
como se observa na América Latina com a emergência de uma nova forma de
Estado dependente.
Este Estado funciona, em estado de exceção (Petras, 1986). Os países
dependentes, como ocorre na América Latina, dada a situação de subordinação
ao capital financeiro internacional, obedecem as regras de um Estado sede deste
grande capital. A exceção neste Estado, (hoje EUA), torna-se regra nos países
imperializados, como por exemplo, em relação à questão da soberania.
O imperialismo, afirma Ayerbe, com a crescente tendência irreversível de
transnacionalização do sistema econômico mundial, redefine a relação entre
soberania econômica e soberania política, dentro dos espaços nacionais (Ayerbe,
2002).
No bojo deste período, no último quartel do século, surge um discurso de
globalização que é ideologicamente interiorizado como verdadeiro e única saída à
13
A OTAN é hoje a arma do Estado norte-americano. Onde a OTAN intervém os EUA estabelecem
sua influência, suas multinacionais obtém concessões, etc.
14
Como por exemplo, Iraque, Iugoslávia, Somália, Ruanda, Haiti, Afeganistão, Kosovo. Alguns
marxistas como, Domenico Losurdo, afirmam ser estas intervenções a prática de guerras
neocoloniais. Este artigo não analisará esta vertente, uma discussão para uma possível posterior
análise.
crise enfrentada pelo capitalismo mundial e, por isso, adquire grande importância.
Em suas versões mais ideológicas, os representantes desta retórica pregavam
“apocalipticamente” o fim do Estado, do território e da soberania (Almeida, 2003).
Ideologicamente porque, como afirma Petras, o Estado imperial tem a
necessidade, de contratar ideólogos para sustentar a tese de que o “Estado é um
anacronismo”, que o livre mercado é o que governa, que as corporações globais
não têm lealdades nacionais. A hegemonia deste Estado é construída, portanto,
sobre a negação teórica de seu poder; para melhor entende-lo e aprofundar seu
domínio (Petras, 2001 p.102). Estes intelectuais orgânicos do imperialismo não
fazem referência às grandes empresas transnacionais que por mais que tenham
matrizes em toda a parte do globo, têm sua sede em Estados nacionais;
principalmente no interior das grandes potências triádicas.
Estando Petras certo ou não, o que vemos na Teoria das Relações
Internacionais são teses desta natureza, que explicam, seja por meio de um
globalismo idealista, ou por meio de um estadismo, a relação entre Estados sob
uma ótica anuviada. Estas análises são divididas em, pelo menos, duas
perspectivas, a “realista” e a “idealista” ·.
Os “globalistas”, como afirma Almeida (2003) legitimam o imperialismo, na
medida em que crêem na ilusão de propósitos éticos, respeito à legalidade e dos
princípios de convivência e de cooperação entre as nações, por meio dos
organismos supranacionais como a ONU, OTAN. Para estes ideólogos, os
organismos têm o dever de desempenhar as “intervenções humanitárias”, como
uma obrigação moral e responsabilidade planetária dos EUA e das potências
ocidentais. Daí o elogio feito por estes à intervenção norte-americana pela OTAN,
na Iugoslávia (Held, 1994; Falk, 1995; Bobbio, 1984; Cassesse 1986).
Esta perspectiva não compreende a essência da realidade, já que além de
negar o caráter de classe do Estado, acredita num organismo supranacional com
valores universais, trata o Estado como um anacronismo e defende a idéia de
enfraquecimento e fim dos Estados nacionais e o surgimento de um organismo
internacional (como a ONU, por exemplo), que regulasse a “ordem e o equilíbrio
internacional”.
Estes teóricos não compreendem a real função, o real objetivo da criação
destes organismos, qual seja; o de uma fachada conveniente atrás do qual se
oculta o interesse nacional norte-americano. Tanto o FMI, BM, OMC, ONU estão a
serviço dos interesses corporativos estadounidenses (Borón, 2002).
A “globalização” encontrou eco no discurso intelectual, como ideologia na
defesa da inevitabilidade da superação dos limites nacionais, devido à
necessidade de encontrar espaços nacionais, em função da nova economia
globalizada (supranacional) e de um mundo “interdependente”.
Petras afirma que estes teóricos se equivocam, uma vez que o conceito de
“imperialismo” é melhor para entender a economia mundial atual do que o de
“globalização”. Além disso, não há “um mundo interdependente”, na medida em
que o dinamismo da politica internacional inclui algumas classes e algumas
regiões enquanto as outras são afetadas de forma assimétrica (Petras, 2000).
Já os teóricos da corrente “realista”, aqui representados por Morgenthau,
Carr, Bull, Kissinger e pelo historiador Duroselle, relatam a política externa com
algumas das seguintes características: centralidade do Estado; a política interna
pode separar-se da externa; a política internacional é uma luta pelo poder num
contexto anárquico; existe hoje um sistema internacional descentralizado de
Estados que possuem igualdade legal ou soberania.
Acreditar, como os realistas, numa possível autonomia interna em relação
ao externo, é realmente não compreender as relações internacionais, na medida
em que só existe o interno, o nacional, quando há o externo. Ou seja: o capital
externo só se realiza se houver, internamente, nos Estados nacionais, capitais
associados. É preciso, portanto, uma simbiose entre o capital estrangeiro,
imperialista, e o capital local, dependente. Nesta combinação ambos se
interconectam: os grandes monopólios e oligopólios externos existem também
internamente nos Estados nacionais dependentes, portanto, pensar numa
autonomia interna faz-se necessário pensar sempre em uma “autonomia relativa”
(Poulantzas, 1975a).
Como é sabida, a crise do sistema capitalista mundial, se reproduz dentro
das condições do capitalismo dependente. O conjunto de fatores derivados da
conjuntura econômica internacional incide profundamente no plano interno
também de outros países (BRIONES e SANTOS, 1986 p.162).
Por outro lado, quando Morgenthau e outros teóricos desta vertente falam
de igualdade legal entre os Estados, caem numa falácia (Morgenthau, 2003).
Como afirma Almeida, quando Morgenthau diz que os EUA e Panamá são
igualmente soberanos é pouco convincente (Almeida, 2003).
Conforme Boron (2002), estes teóricos são os intelectuais orgânicos do
imperialismo norte-americano. Por mais crítica que seja esta corrente em relação
à primeira, as duas podem ser consideradas expressões da “nova direita”, uma
vez que a defesa de princípios, hoje principalmente, de democracia e livre
mercado como meio de uma “paz mundial”, por exemplo, com a administração
Clinton, se mostram ideológicos e em defesa dos interesses do grande capital.
Além destas duas correntes, muito debatidas nas relações internacionais,
outra também muito ascendente é a análise feita por Hardt & Negri, numa
perspectiva “pós-moderna”. Em seu livro Império, os autores defendem que a
soberania tomou uma nova forma composta de uma série de organismos
nacionais e supranacionais unidos sob uma lógica de dominação, por meio dos
sintomas de soberania em declínio e sua crescente inabilidade para regular
mudanças econômicas e culturais (Hardt & Negri, 2004).
Para Ellen Wood (2004), estes autores, assim como as outras correntes
convencionais da globalização, não compreendem a importância permanente e
crítica dos Estados para o capitalismo também na sua fase imperialista. Para
Boron (2002), além de não compreenderem o papel dos Estados-nação também
não compreendem o papel das Nações Unidas como um organismo destinado a
respaldar os interesses dos grandes poderes imperialistas e muito especialmente
dos EUA. Devemos saber que dentre as análises críticas das relações
internacionais, a realista debate esta questão, ou seja, os organismos
internacionais com objetivo de manutenção do status quo das grandes potências
vencedoras das guerras (Morgenthau, 2003).
Portanto, podemos entender, com base neste debate, que a teoria do
imperialismo explica melhor a atual fase do capitalismo mundial. Por isso, este
artigo se limita a esta corrente teórica para compreender a política internacional a
partir da década de 1990 em relação à América Latina.
3. Imperialismo norte-americano na América Latina nos anos 1990.
Na reorganização mundial, sob a égide ideológica do neoliberalismo, as
economias periféricas foram submetidas, cada vez mais, às influências das
grandes empresas transnacionais e das políticas dos países desenvolvidos,
principalmente dos EUA, acompanhado pelo FMI, BM, OMC e respaldado pelos
governos do G7 (Boron, 2002, p. 95).
A ofensiva do capital nos anos 1980 e 1990 foi em direção principalmente à
América Latina, a principal vítima do imperialismo. Para efetivar a política de
criação de condições do capital financeiro, os Estados nacionais deveriam não só
criar garantias de inversão do capital transnacional mediante regimes de
propriedade, de comunicação e de intercâmbio adequados, mas criar condições
de produção e reprodução15 (Castro, 2002).
A estratégia imperialista para concretizar esta política encontra-se toda
delineada no Documento de Santa Fé II16. Este documento representa as
concepções imperialistas profundamente antidemocráticas que as classes
dominantes dos EUA sustentam com vistas à hegemonia mundial.
O Santa Fé II é de fundamental importância para os povos latinoamericanos a fim de compreender, em sua magnitude, quais são os desígnios dos
grandes monopólios e oligopólios imperialistas contra a liberdade das nações de
nosso continente.
Com base no documento, Garrido analisa como a enorme dívida externa,
obtida irresponsavelmente pelos regimes militares ou pseudoconstitucionais
imperantes em grande parte da América Latina nos últimos anos, levou à
15
Na América Latina, surge uma nova classe de capitalistas transnacionais (dependentes do
financiamento externo). Ocupam posições dominantes em uma diversidade de setores econômicos
estratégicos e fortes relações com o aparato de Estado.
16
Este documento foi redigido, em 1988, por um comitê de intelectuais com sede na cidade
californiana do mesmo nome. No ano de 1980 surgiu o primeiro destes documentos, o Santa Fé I.
Ambos foram elaborados durante a administração do ultraconservador Presidente Reagan.
subordinação destes países periféricos às diretivas do Fundo Monetário
Internacional (Garrido 1990).17
A ofensiva do império em relação à América Latina, como observamos nos
documentos, em especial no segundo, é que para que haja um predomínio dos
EUA em nível mundial, frente ao surgimento de novos blocos18, que agudizará as
contradições interimperialistas, frente à luta pelos mercados e a abertura de novos
conflitos; a América Latina se faz necessária. Este subcontinente torna-se um
cenário decisivo, uma vítima da economia transnacional monopolista e dos países
em que encontram sua sede (as grandes potências triádicas).
O Santa Fé II tem como principais premissas, a agressão contra as nações
latino-americanas; o narcoterrorismo (ligando o narcotráfico com a esquerda ou
setores populares que lutam pela libertação nacional); guerras de baixa
intensidade (mini-guerras imperialistas) e uma estratégia político econômica,
destinada a internacionalizar as economias, através da abertura econômica,
deixando as nações da América Latina à mercê dos monopólios transnacionais
(Corbiére, 1990, p. 33).
O chamado “Consenso de Washington”, de 1989/90, também tinha os
mesmos objetivos, ou seja, debilitar as nações latino-americanas19 e suas
economias conforme Moniz Bandeira (2003 p.475).
Este “Consensus” tem como principais características: retirada do Estado
da economia, quer dizer, desregulamentação; abertura econômica e privatização
de empresas estatais como condição sine qua non para renegociação da dívida
externa. Em suma, este era o pacote “neoliberal” para a América Latina.
Os efeitos destes ajustes estruturais, exigidos por Washington por meio dos
organismos internacionais como o FMI, aprofundaram os laços de dependência de
nossos países no marco da economia mundial.20
17
Da América Latina vai para os EUA uma quantidade enorme de dinheiro: 4 mil dólares por
minuto, 5 milhões por dia, 2 bilhões por ano, 10 bilhões a cada 5 anos (Garrido, p.12, 1990).
A dívida externa total da América Latina em 2002 era de U$ 727 bilhões.
18
Exemplo: Japão e MCE (Mercado Comum Europeu).
19
Encontramos as diretivas, tanto do Santa Fé II, quanto do Consenso de Washington em qualquer
país da América Latina. Os países que tentaram superar estes ajustes tiveram seu representante
do estado retirado por meio de golpes.
20
Esta política foi levada a cabo, por exemplo, por Menem na Argentina e Fujimori no Peru.
As relações de dependência, neste período, passam por uma redefinição
que obriga o capital monopolista a acentuar e aprofundar o novo processo de
divisão internacional de trabalho, ao qual ele deu inicio (Briones e Santos, 1986,
p.156).
A América Latina, em contrapartida, criou o Mercosul (Mercado do Cone
Sul), nos moldes da UE, com vistas a eliminar as restrições do comércio e
estabelecer uma tarifa externa comum para possibilitar a livre circulação de bens e
serviços e fatores produtivos (Bandeira, 2003, p.484).
Outras formas de unificação das forças dos países dependentes já haviam
se formado. Por exemplo, aquelas formas traduzidas não só pelo fortalecimento e
radicalização das reivindicações do bloco dos não alinhados nas Nações Unidas,
mas pela formação de cartéis de países exportadores e na tentativa de
desenvolver mecanismos de integração regionais ou sub-regionais, como a
criação de corporações multinacionais através de capitais estatais integrados.
Algumas destas tentativas são, por exemplo: SELA, Naviera del Caribe, Pacto
Andino, OPEP, OPEC, etc.
Para sufocar as tentativas de unificação e abrir as nações à livre circulação
de mercadorias, principalmente capitais, o NAFTA, sob a liderança dos EUA,
propôs a implementação da ALCA (Área de livre comércio das Américas), uma
zona de livre comércio para a máxima liberdade sem permitir a livre movimentação
da força de trabalho dentro de seu perímetro e sem a adoção de uma tarifa
externa comum, de um pacote comercial comum, nem de uma harmonização de
políticas setoriais, como era o ideal do Mercosul.
A ALCA possibilitaria um incremento nas exportações, uma compensação
do déficit comercial dos EUA21 com outras regiões às custas da América Latina,
formalizaria a Doutrina Monroe em sua dimensão econômica, possibilitaria ainda a
expansão do domínio dos EUA sobre o mercado da América do Sul e subordinaria
os Estados da sub-região às suas diretrizes político-militares.
Para Henry Kissinger, ideólogo de Washington:
21
O déficit dos EUA está na ordem de 58,3 bilhões de dólares.
Enquanto a ALCA era concebida como simples área de livre comércio, o Mercosul
era uma união aduaneira, que teria por sua natureza, tarifas mais altas para o
mundo do que entre os Estados associados, pretendia evoluir para um mercado
comum, e isto não convinha, uma vez que, provavelmente, afirmaria a identidade
latino-americana como separada e, se necessário, oposta à dos EUA e ao NAFTA
(Apud Bandeira, 2003, p.584).
Após os ataques de 2001, em Nova York, os EUA, mais do que nunca,
queriam a adesão dos países latino-americanos à ALCA, para assegurar seus
benefícios22.
Segundo Noam Chomsky, à criação da ALCA e ao crescimento da dívida
externa, que se deu desde o último quartel de século para cá, se adicionam à
crescente militarização da América Latina. As forças armadas de Washington, por
meio da proliferação militar-industrial, tem como objetivo sufocar qualquer luta
contra a ordem imperial e assegurar às suas multinacionais, a extração da maisvalia; além de praticar intervenções militares para derrotar regimes desobedientes
(os EUA para concretizar a crescente militarização, intervenções e golpes, utilizam
a ONU como organismo político legitimador). Esta prática está hoje, sob plena
expansão em quase todos os países, com notável exceção da Venezuela e Cuba
(Chomsky, 2006).
Como sabemos, o imperialismo encontra esta contradição específica, qual
seja; a emergência de contraposições entre o império e as classes trabalhadoras.
Esta contradição se opera em dois planos: expansão agressiva, conquista de
novos espaços e o surgimento de uma oposição crescente nas bases nacionais e
subnacionais, possibilitando o crescimento de movimentos antimperialistas.
Da década de 1990 pra cá, temos muitos exemplos de regimes chamados
“desobedientes”, que foram destituídos por golpes ou intervenções. Como no Haiti
com o presidente Aristide, deposto por meio de um golpe, planejado por
Washington e militares. Outros exemplos se espalham pela América Latina, como
na Nicarágua, Panamá e, mais recentemente, na Venezuela, em 2002, na
tentativa de destituir o governo constitucional de Hugo Chávez.
22
Segundo Collin Powel, o objetivo dos EUA para criar a ALCA é que os Estados Unidos vendia
mais para a América Latina e Caribe do que para a União Européia e Japão somados (Apud
Bandeira, 2003).
A Venezuela, por exemplo, até o governo Chávez, era uma aliada dos EUA,
obedecendo às ordens como país dependente. Com a eleição de Chávez, passa
por uma crise de hegemonia. Há uma alteração da fração hegemônica na
composição do bloco no poder. A antiga fração hegemônica, não mais
representada, se alia a uma parte dos militares e aos EUA para formular um golpe
de estado frustrado contra Chávez. O golpe virtual de abril de 2002 foi contido
após uma grande massa sair às ruas e exigir o retorno de Chávez.
4. Breves considerações
Neste artigo procuramos fazer um balanço teórico entre as principais
correntes que debatem as chamadas relações internacionais. Assim, procuramos
introduzir e atualizar, à luz de contribuições leninistas, a questão do imperialismo.
O que percebemos é que a categoria imperialismo, tal como desenvolveu Lênin,
como fase superior do capitalismo, hoje adquire características específicas, mas
que os monopólios, as exportações de capitais e a fusão dos bancos com a
indústria, continuam atuais.
Com esta análise, entendemos que os EUA, para fazerem frente às
contradições intraclasses, ou seja, entre os grandes blocos imperialistas,
necessitam projetar os interesses de seus grupos monopolistas e oligopolistas em
diferentes espaços, sendo que, a partir das décadas de 1980/90, estas investidas
se voltam prioritariamente para a América Latina.
Como sabemos, a América Latina mantém uma relação de dependência
dos EUA e da Europa. Além disso, encontra-se em completamente submissa aos
organismos multilaterais (representantes das potências triádicas, principalmente
dos EUA), subordinação esta que é visível nos documentos de Santa Fé I e Santa
Fé II, inclusive no Consenso de Washington.
Dentre as principais características, buscamos analisar as invariantes, ou
seja, a desregulamentação do Estado, abertura econômica, privatização de
empresas, pagamento de dívida externa. Estas ações são encontradas em todas
as nações latino-americanas, pois se trata de um pacote de medidas direcionado
ao subcontinente americano.
Frente a estes ajustes estruturais, algumas nações da América Latina se
uniram com objetivo de formar mecanismos de integração regionais com a criação
de corporações multinacionais e de cartéis. Ao que tudo indica, para sufocar e
brecar estas ações, as grandes potências, sob a liderança dos EUA, impuseram a
criação da ALCA, entretanto isto ainda não foi totalmente concretizado.
Levando-se em conta as indefinições e tensões causadas pelos EUA na
tentativa de impor uma área de livre comércio na região, o debate está aberto e as
incertezas aumentam. Entretanto, parece que o imperialismo norte-americano está
buscando novas formas de dominação. Não sabemos se terá sucesso ou não, só
o futuro dirá.
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As “novas” faces do imperialismo norte-americano: balanço