REVISTA
24
ANO 03
NOVEMBRO 15
Dimensões estratégicas do
desenvolvimento brasileiro:
A construção
novamente
interrompida?
Alex W. Antonio Palludeto | Célio Hiratuka | João Saboia
| José Carlos Braga | Marcelo Pereira da Cunha |
Paulo Sérgio Fracalanza | Rosana Icassatti Corazza
Código ISSN: 2358-0690
Revista eletrônica idealizada e produzida pela
rede Plataforma Política Social que reúne
cerca de 300 pesquisadores e profissionais de
mais de uma centena de universidades, centros
de pesquisa, órgãos do governo e entidades da
sociedade civil e do movimento social.
plataformapoliticasocial.com
CÓDIGO ISSN: 2358-0690
EDITOR
Eduardo Fagnani
APOIO
EDITOR ASSISTENTE
Thomas Conti
JORNALISTA RESPONSÁVEL
Davi Carvalho
REVISÃO
Caia Fittipaldi
www.fes.org.br
PROJETO GRÁFICO
Renata Alcantara Design
CONSELHO EDITORIAL
Ana Fonseca
NEPP/UNICAMP
André Biancarelli
Rede D - IE/UNICAMP
Erminia Maricato
USP
Lena Lavinas
UFRJ
revistapoliticasocialedesenvolvimento.com
2
Índice
A construção novamente interrompida? Dilemas da
economia brasileira no período recente (2004-2014)
José Carlos Braga
Alex Wilhans Antonio Palludeto
Mudanças na estrutura produtiva global
e a inserção brasileira: desafios no cenário pós-crise
Celio Hiratuka
Padrão do crescimento brasileiro pós-Plano Real:
uma abordagem estrutural a partir
da Análise de Insumo-Produto
Marcelo Pereira da Cunha
Mercado de trabalho, políticas sociais e distribuição
de renda: performance recente e perspectivas
João Saboia
Elementos demográficos, da estrutura ocupacional
e da desigualdade no mundo do trabalho: notas para
uma análise das mudanças recentes no Brasil
Paulo Sérgio Fracalanza
Rosana Icassatti Corazza
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D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Apresentação
Os ar tigos aqui reunidos são todos
baseados em estudos realizados ao
longo de 2014, no âmbito do programa
de trabalho do Centro de Altos Estudos
Brasil do Século XXI, por professores
dos Institutos de Economia da UFRJ e
da Unicamp, instituições idealizadoras
e fundadoras do Centro. Nesta edição
da Revista Política Social e Desenvolvimento, parte essas contribuições são
oferecidas em versão resumida. A íntegra
dos estudos será apresentada nos volumes
4 e 5 da série “Dimensões Estratégicas do
Desenvolvimento Brasileiro”, produzida
pelo Centro de Altos Estudos, e estará
Eduardo Fagnani
Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador
do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit/IE-Unicamp)
e coordenador da rede Plataforma Política Social
(www.plataformapoliticasocial.com).
Fernando Sarti
Diretor do Instituto de Economia da Unicamp e Diretor Pro-Tempore do Centro de Altos Estudos do Brasil do Século XXI
José Eduardo Cassiolato
Professor do Instituto de Economia da UFRJ Diretor Pro-Tempore
do Centro de Altos Estudos do Brasil do Século XXI
4
disponível em breve na página da instituição na internet (http://www.altosestudosbrasilxxi.org.br/)
resumidas dos artigos.
Em “A construção novamente interrompida? Dilemas da economia brasileira no
período recente (2004-2014)”, José Carlos
Braga e Alex Wilhans Antonio Palludeto
apontam evidências de que o Brasil ainda
carece de um padrão de desenvolvimento.
Os autores sublinham evidências na
história econômica recente que se apresentam como limites ao desenvolvimento
socioeconômico. Diante desse quadro,
explicitam eixos fundamentais para que
se tenha efetivamente um padrão de
desenvolvimento que enfrente os dilemas
estruturais que ainda persistem.
O objetivo da publicação é aprofundar
a caracterização e compreensão dos
problemas estruturais, potencialidades
e opções estratégicas de desenvolvimento
do Brasil, incluindo dilemas e desafios
frente à crise global, a inserção econômica e geopolítica internacional do país.
São múltiplas as abordagens e leituras
possíveis sobre o tema do desenvolvimento nacional, sendo também numerosos os recortes possíveis.
Analisando os desafios futuros da indústria nacional (“Mudanças na estrutura
produtiva global e a inserção brasileira:
desafios no cenário pós-crise”), Célio
Hiratuka sublinha os grandes desafios
atuais relacionados às mudanças no
cenário global e às alterações na dinâmica
interna. No cenário internacional, destaca
o acirramento competitivo, exacerbado
pela situação de estagnação na economia
mundial no período pós-crise.
A matriz conceitual em torno da qual se
estrutura a publicação tem como elemento
constitutivo a visão do desenvolvimento
como um processo que combina, simultaneamente, (i) crescimento econômico
e transformação das bases técnicas do
sistema produtivo, e (ii) redistribuição da
renda e redução das desigualdades sociais
e regionais, sustentabilidade ambiental,
aperfeiçoamento da democracia e afirmação dos interesses estratégicos nacionais e da soberania do Estado brasileiro.
No cenário interno, aponta que os desdobramentos pós-crise evidenciaram as
fragilidades acumuladas pela estrutura
produtiva e que o breve ciclo de investimentos não foi capaz de reverter. O
conjunto de transformações concorrenciais,
produtivas e patrimoniais na economia
global tem sido de grande magnitude, dificultando a análise dos desafios colocados
para a estrutura produtiva brasileira, sem
que se avance um pouco mais no entendimento dessas transformações.
Esta visão de desenvolvimento é partilhada no Brasil por muitos especialistas,
intelectuais e acadêmicos, mas não é hegemônica, concentrando-se seus estudos
em algumas universidades e centros de
pesquisa mais abertas ao pensamento
crítico, progressista e heterodoxo. Foi
buscando ampliar esse debate que surgiu
a ideia de elaborar e publicar duas edições
da Revista Política Social e Desenvolvimento (# 23 e #24 ), apresentando versões
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Aprofundando o tema da indústria,
Marcelo Pereira da Cunha (“Padrão do
crescimento brasileiro pós-Plano Real:
uma abordagem estrutural a partir da
Análise de Insumo-Produto”), apresenta
uma análise das mudanças ocorridas no
padrão de crescimento da economia brasileira no período 1995-2009, em termos do
aumento da demanda final, bem como da
mudança do padrão das transações intersetoriais ao longo das cadeias produtivas.
Os resultados evidenciam os distintos
padrões de crescimento nos setores da
economia brasileira.
Entre os anos de 2003 a 2014, a despeito
das flutuações do nível de atividade
econômica, o Brasil viveu um período
caracterizado, entre outros fatores por:
aumentos importantes do salário mínimo
real; ampliação da formalização das relações de trabalho; redução dos níveis de
desemprego; evolução positiva da estratificação dos ocupados; e diminuição
das desigualdades dos rendimentos do
trabalho. Entretanto, para os autores,
todas essas conquistas ainda são, por um
lado, muito tímidas frente à dimensão
estrutural dos problemas que marcam
o mercado de trabalho no Brasil e, por
outro, muito frágeis que não possam ser
revertidas em breve tempo.
Os dois artigos seguintes abordam as
transformações no mercado de trabalho
e na questão social ocorridas nos últimos
anos. Em “Mercado de trabalho, políticas
sociais e distribuição de renda: performance recente e perspectivas”, João
Saboia procura entender as razões para
a melhoria da distribuição de renda a
partir do desempenho do mercado de
trabalho e das políticas sociais. Além da
análise retrospectiva, são discutidas as
perspectivas para a continuidade dessa
melhora no futuro próximo, mostrando
as dificuldades a serem superadas.
Na mesma perspectiva, Paulo Sérgio
Fracalanza e Rosana Icassatti Corazza
(“Elementos demográficos, da estrutura
ocupacional e da desigualdade no mundo
do trabalho: notas para uma análise das
mudanças recentes no Brasil”) ressaltam
que a ponderada avaliação de um conjunto
de indicadores do mercado de trabalho no
Brasil, desde o início do primeiro governo
Lula, sugere uma perspectiva de significativas e desejáveis transformações.
6
A construção novamente
interrompida?
Dilemas da economia brasileira
no período recente (2004-2014)
A partir de 2004, a conjuntura econômica favorável que permitiu boa parte
das conquistas socioeconômicas recentes
parecia indicar, ainda que de forma
incipiente, que uma nova fase se abria à
economia brasileira. No entanto, a crise
internacional de 2007-2009 parece ter
demonstrado a inexistência no país de
um padrão de desenvolvimento1. Nesse
sentido, cabe perguntar se há evidências
de que o país carece de um padrão de
desenvolvimento.
José Carlos Braga
Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp.
Pós-Doutorado pela Universidade da Califórnia, Berkeley.
Alex Wilhans Antonio Palludeto
Doutorando do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador
assistente do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (Ceri) na mesma instituição.
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Foto: CCO/ pixabay
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A CONSTRUÇÃO NOVAMENTE INTERROMPIDA? DILEMAS DA ECONOMIA BRASILEIRA NO PERÍODO RECENTE (2004-14)
Foto: CCO/ pixabay
Certos fatos estilizados, no nível macroeconômico, quanto à dimensão externa e
interna, sobressaem da história econômica recente do Brasil e se apresentam
como limi t es a o des envolv iment o
socioeconômico.
indica perda de dinamismo da estrutura
produtiva em operação no país. Ademais,
movimento semelhante se observa na
Balança de Serviços e Rendas, sobretudo
em virtude das Viagens Internacionais e
do Aluguel de Equipamentos – que indica,
uma vez mais, a debilidade da estrutura
industrial brasileira, sobretudo por não
fornecer suficientes meios de produção que
garantam a própria reprodução. A evolução
delineada acima se expressou em déficits crescentes no Balanço de Transações
Correntes a partir de 2008, atingindo aproximadamente 3,6% do PIB em 2013 e 3,7%
em 2014 no período de janeiro a setembro.
Quanto à dimensão externa, observa-se
uma deterioração do saldo comercial a
partir de 2008, acompanhada de uma piora
na qualidade das exportações, quando se
considera a tecnologia a elas incorporada,
com redução da participação dos bens de
alta e média tecnologia, ao mesmo tempo
em que a crescente parcela dos produtos
industriais na pauta importadora brasileira
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Par te expressiva do financiamento
externo nesse período foi coberta pelo
volume médio mais elevado do Investimento Estrangeiro Direto (IED) entre
2008-2014. Destes investimentos, parcela
relevante corresponde a participações no
capital – que não resulta diretamente em
ampliação da capacidade produtiva (greenfield), uma vez que pode estar associado a
processos de Fusões e Aquisições (F&A),
que não se traduzem em maiores taxas
de investimento, além de implicar uma
pressão adicional às contas externas no
futuro (remessa de lucros, dividendos,
salários, etc.) sem qualquer garantia de
que, ao mesmo tempo, implique maior
capacidade de geração de receitas pela
exportação. Todo esse movimento encontra
como contrapartida a maior Necessidade
de Financiamento Externo a partir de 2008
frente às sucessivas rodadas de apreciação
do Real frente ao Dólar desde 2004.
ainda que a parcela do PEL denominada
em moeda doméstica tenha-se expandido.
Quanto à dimensão interna, dois segmentos
se destacam: as contas públicas e o sistema
financeiro.
Em relação ao setor público, ainda que a
parcela correspondente ao gasto com juros
tenha sido, em média, menor no período
2008-2014, que nos anos 2004-2007, o
déficit nominal atinge 3,3% do PIB em 2013
e 4,9% em 2014. Esse fenômeno resulta do
menor superávit primário médio a partir de
2008. A importância desse indicador não
pode ser negligenciada, dado que aponta
para a menor capacidade do setor público
para sustentar políticas de crescimento
mediante gasto público – particularmente
em uma conjuntura político-econômica
que novamente parece tender para um
vigoroso ajuste fiscal, que já demonstrou
sua inadequação no passado recente. Ao
mesmo tempo, a continuidade dos projetos
de investimento público não somente se vê
ameaçada pela deterioração fiscal, como
também pela piora da situação econômica
das empresas estatais. Nota-se que a partir
de 2008 os resultados nominal e primário
foram, com exceção do ano de 2010,
negativos, apontando para um cenário de
redução no ritmo dos investimentos.
No mesmo período, verificou-se um
aumento substantivo das Reservas Internacionais, o que confere maior segurança
às contas externas – a despeito de seu custo
fiscal não desprezível – e uma queda da
relação Dívida Externa Líquida/PIB, o
que tornou o país “credor” internacional
a partir de 2008.
No entanto, esses fenômenos não significam diretamente que o país está em
uma posição de todo confortável frente
ao cenário internacional. De fato, ao se
considerar um indicador mais amplo, como
o Passivo Externo Líquido (PEL), medido
pela Posição Internacional de Investimentos Líquida, nota-se que ocorreu uma
elevação substantiva no período recente,
De modo geral, verifica-se, portanto,
uma trajetória de redução da capacidade
de gasto do setor público brasileiro nos
últimos anos; precisamente em uma
conjuntura na qual se coloca a necessidade de contrabalançar o menor ritmo
dos gastos privados e em que se tornam
ainda mais visíveis as históricas carências
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A CONSTRUÇÃO NOVAMENTE INTERROMPIDA? DILEMAS DA ECONOMIA BRASILEIRA NO PERÍODO RECENTE (2004-14)
do país quanto a obras de infraestrutura.
A predominância da busca do superávit
primário ou nominal como eixo decisivo
da gestão fiscal tem imposto limites aos
avanços estruturantes do gasto público
para um padrão de desenvolvimento.
simultaneamente, sugere que a retomada
do setor não está no horizonte visível,
na ausência de políticas que se mostrem
efetivas para o segmento. O único crescimento expressivo se encontra no crédito
O recente desempenho do sistema financeiro coloca também elementos importantes para o debate acerca do padrão de
desenvolvimento no Brasil, com destaque
para o vigoroso processo de expansão do
crédito. Com efeito, o crédito total passou
de 25,7% do PIB em 2004 para 57,3% em
outubro de 2014. Contudo, enquanto entre
2004-2008 o crédito concedido por instituições privadas e públicas cresceu relativamente no mesmo ritmo, a partir de 2008,
o crédito oriundo de instituições privadas
permaneceu estagnado em torno de 26% do
PIB. Dessa forma, a expansão do crédito
entre os anos de 2008 e 2014 é resultado
da explícita orientação das autoridades
domésticas para fomentar o crescimento
frente à eclosão da crise internacional por
meio dos bancos públicos.
Esse movimento indica
o menor dinamismo industrial
dos últimos anos
e, simultaneamente, sugere
que a retomada do setor
não está no horizonte visível,
na ausência de políticas
que se mostrem efetivas
para o segmento.
para habitação, que, de aproximadamente
1% do PIB em 2004, saltou para 9,5% em
outubro de 2014.
Além do menor ritmo do crescimento
do crédito de forma geral – com exceção
daquele destinado à habitação, como
visto acima –, é conveniente destacar
a ausência de mecanismos de financiamento de longo prazo privados, sobretudo
quanto ao mercado de capitais. Em relação
aos títulos privados, observa-se um peso
relativamente grande daqueles de origem
bancária: crédito de depósito bancário
(CDB) e letras financeiras (LF). Nesse
sentido, o mercado de títulos corporativos,
como as debêntures, ainda se demonstra
muito tímido frente às exigências que
se colocam ao crescimento da economia
brasileira.
Ao mesmo tempo em que o sistema de
bancos públicos tornou-se proeminente
na concessão de crédito, o exame dos
destinos para os quais o crédito foi canalizado também revela uma mudança de
percurso nos anos recentes, em relação
ao período 2004-2008. A participação do
crédito no PIB para a indústria, que apresentou crescimento acelerado até 2008, se
elevou, desde então, menos de 1% do PIB
até outubro de 2014.
Esse movimento indica o menor dinamismo industrial dos últimos anos e,
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Foto: CCO/ pixabay
Diante desse quadro, é oportuno explicitar
nas condições do Brasil atual quais eixos
são fundamentais para que se tenha efetivamente um padrão de desenvolvimento
que enfrente os dilemas do subdesenvolvimento que ainda persistem:
II) A política cambial sintonizada com o
desenvolvimento não pode ser cúmplice da
apreciação cambial que sabidamente tem
sido um dos fatores da desindustrialização,
ainda que esta tenha outros determinantes
tão ou mais incisivos. De todo modo, é
condição necessária ao desenvolvimento,
ainda que não suficiente.
I) Desde logo, o Brasil necessita de um
padrão de desenvolvimento no qual as
políticas estruturantes e a política macroeconômica (fiscal, cambial e monetária)
estejam em relação de complementaridade e contemplem de forma articulada e
interdependente a questão econômica e a
questão social.
III) A política monetária é descompromissada com o desenvolvimento, na medida
em que a taxa básica de juros se mantenha
sistematicamente elevada em termos
nominais e reais, a despeito de flutuações.
IV) A irresponsabilidade fiscal é
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A CONSTRUÇÃO NOVAMENTE INTERROMPIDA? DILEMAS DA ECONOMIA BRASILEIRA NO PERÍODO RECENTE (2004-14)
inadmissível. É também inadmissível
para a exequibilidade do desenvolvimento
de um país de porte continental como o
Brasil e suas correspondentes carências,
um Estado cuja configuração tributária
e fiscal não viabilize um Orçamento de
Investimentos que resolva as deficiências
da infraestrutura econômica e social.
4-
Através de uma política financeira,
organizar complementaridades entre os
sistemas financeiros público e privado para
o funding de investimentos via operações
de crédito e de mercado de capitais;
5-
Enfrentar politicamente, de modo
tecnicamente apropriado, a questão
fundiária, tendo em conta as dimensões
sociais e econômicas correspondentes;
V) O controle da inflação solidário ao
desenvolvimento não pode estar baseado
em elevações das taxas de juros, a não
ser em conjunturas específicas em que a
demanda agregada esteja acelerada.
6-
Aprofundar a distribuição de renda e
de riqueza que tenha sido conquistada nos
últimos tempos, inserindo-as na estrutura
e dinâmica do padrão de desenvolvimento;
VI) Políticas estruturantes (industriais,
de inovação tecnológica, agrícolas, e as
destinadas especificamente à elevação da
qualidade de vida, dentre outras) que sejam
voltadas à reorganização estratégica de
eixos fundamentais para a configuração
do padrão de desenvolvimento tais como:
7-
Promover uma inserção internacional soberana – sem xenofobia – na dinâmica econômico-financeira da globalização
a partir do desenvolvimento configurado
como objetivo do país;
8-
Retomar a prática do planejamento
econômico nas distintas esferas públicas,
abandonada há décadas, abandono que se
expressa emblematicamente no fato de que
o Ministério do Planejamento e as eventualmente ainda existentes Secretarias de
Planejamento dos governos subnacionais
transformaram-se em órgãos dedicados
apenas às práticas orçamentárias.
1-
Fomentar adequada e duradoura
articulação público-privada, institucionalmente fundamentada, para investir significativamente nos setores de infraestrutura;
2-
Redinamizar a indústria por meio
de uma robusta política industrial que
realisticamente defina prioridades técnico-produtivas e modalidades de interação,
inclusive em joint ventures, nas cadeias
internacionalizadas de produção;
NOTA
3-
Seguir avançando no agronegócio
e na utilização de recursos naturais com
o propósito de articulá-los ao dinamismo
industrial, no que o pré-sal pode ser
“paradigmático”;
1 Em termos gerais, um padrão de desenvolvimento representa
um conjunto de relações entre os agentes socioeconômicos – o
Estado, os capitalistas e os trabalhadores – cuja compatibilidade
garante, ao longo do tempo, a manutenção do processo de
acumulação de capital combinado à melhoria das condições de
reprodução material de parcela relevante da população, tendo
como referências a evolução do sistema capitalista internacional
e a forma com que se articula a uma dada economia nacional.
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Mudanças na estrutura
produtiva global
e a inserção brasileira:
Desafios no cenário pós-crise
Sinopse
Célio Hiratuka
Professor do Instituto de Economia da Unicamp
A estrutura produtiva brasileira está
enfrentando grandes desafios. Estes desafios dizem respeito tanto a mudanças no
cenário global, quanto a alterações na
própria dinâmica interna. No cenário
internacional, observa-se um acirramento
competitivo, exacerbado pela situação
de estagnação na economia mundial no
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Foto: CCO Public Domain @pixalbay
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período pós-crise. No cenário interno,
apesar do maior crescimento e dos resultados positivos da indústria entre 2003 e
2008, os desdobramentos pós-crise evidenciaram as fragilidades acumuladas pela
estrutura produtiva e que o breve ciclo de
investimentos não foi capaz de reverter.
como grande centro mundial produtor e
exportador de manufaturas.
Apesar de a crescente internacionalização,
mensurada por dados de comércio, investimento e produção manufatureira, mostrar
claros sinais de elevação e de crescente
participação de países em desenvolvimento, as informações sobre a capacidade
de comandar as cadeias de valor mediante
o domínio de ativos tecnológicos, pelas
grandes corporações globais, apontam
para um processo de maior concentração
e centralização.
O conjunto de transformações concorrenciais, produtivas e patrimoniais na
economia global tem sido de grande magnitude, dificultando a análise dos desafios
colocados para a estrutura produtiva brasileira, sem que se avance um pouco mais
no entendimento dessas transformações.
Em relação a este último aspecto, vale
destacar que os gastos em pesquisa
permanecem muito concentrados nos
países desenvolvidos e dominados por um
grupo reduzido de ETN. Considerando as
informações das 1.500 maiores empresas
em termos de gastos em P&D, elas foram
responsáveis por cerca de 45% dos gastos
mundiais (inclusive o realizado fora do
setor privado) em 2011. Considerando
apenas as 100 maiores, estas representaram cerca de ¼ do total global e quase
60% das 1.500 maiores. Os dados sobre
patentes também mostram um elevado
grau de concentração nas empresas dos
países avançados. Entre 2000 e 20091,
considerando o conjunto das empresas
sediadas nos países desenvolvidos, o total
chega a mais de 94,5% do total de patentes
depositadas no European Patent Office.
Cenário Global
Em primeiro lugar, deve-se enfatizar que
a intensa desverticalização com fragmentação de atividades, acompanhada por
uma grande transferência internacional
de etapas produtivas, foi um elemento que
condicionou fortemente a inserção dos
países em desenvolvimento no comércio
e na produção mundial. No bojo desse
processo, a produção mundial passou
a ocorrer crescentemente sob a forma
de uma rede internacional, integrando
diferentes países e diferentes empresas,
realizando etapas da cadeia de valor sob
a coordenação das grandes corporações.
Dentro deste contexto, é possível entender
melhor o intenso deslocamento da atividade industrial em direção aos Países em
Desenvolvimento (PED) e a emergência
da região asiática, em especial a China,
Além disso, vale destacar a tendência
observada no período pós-crise, em vários
países, de reforçar e revitalizar suas atividades produtivas mediante um conjunto de
medidas de estímulo à produção e à inovação.
16
MUDANÇAS NA ESTRUTURA PRODUTIVA GLOBAL E A INSERÇÃO BRASILEIRA: DESAFIOS NO CENÁRIO PÓS-CRISE
Foto: CC0 Public Domain @Pixabay
país onde tradicionalmente as políticas
de apoio a setores considerados estratégicos, embora fortemente presentes, são
menos explícitas (BLOCK, 2011 e WADE,
2014). Como reação à crise, o American
Recovery and Reinvestment Act anunciou
recursos de US$ 800 bilhões para serem
dispendidos no período 2009-2019, não
apenas para combater os efeitos imediatos
da crise, mas também para financiar a
reestruturação industrial e tecnológica
de longo prazo, para recuperar a competitividade das empresas estadunidenses.
No caso da União Europeia, verifica-se a
Além disso, vale destacar
a tendência observada
no período pós-crise, em vários
países, de reforçar e revitalizar
suas atividades produtivas
mediante um conjunto
de medidas de estímulo
à produção e à inovação.
O caso mais notório é o dos Estados Unidos,
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mesma preocupação em apoiar a atividade industrial, explícita por exemplo no
Comunicado da Comissão Europeia sobre
Política Industrial (2012) e em Veugelers
(2013). Em 2013, a Comissão Europeia
adotou o programa Horizon 2020, voltado
para fomentar a inovação em tecnologias
habilitadoras chaves, como as TICs, nanotecnologia, materiais avançados, manufatura avançada e biotecnologia, além de
apoiar ações para tecnologias limpas e
voltadas para eficiência energética.
Além disso, com a crise internacional, a
estagnação da demanda global acirrou a
disputa por mercados. A desaceleração da
economia mundial exerceu fortes impactos
sobre os fluxos de comércio. Considerando
o período entre 2003 e 2007, a taxa de
crescimento médio anual das exportações globais foi de 16,6%, e as exportações
de manufaturas cresceram a uma taxa
de 14,8%. O ano de 2009 foi marcado por
redução drástica no patamar de exportação
Finalmente, é importante destacar que
a China também tem avançado rápido
na direção de endogenizar capacidade
inovativa e aumentar o peso das atividades
intensivas em conhecimento, consubstanciada em seu Plano de Médio e Longo
Prazo para o Desenvolvimento de Ciência
e Tecnologia (2006-2020) e no 12º. Plano
Quinquenal (2011-2015) (LAZZONICK e
LI, 2012).
Com a crise internacional,
a estagnação da demanda global
acirrou a disputa por mercados.
A desaceleração da economia
mundial exerceu fortes
impactos sobre os fluxos
de comércio.
TABELA 1 – VOLUME DO COMÉRCIO TRIMESTRAL – 2º. TRIMESTRE DE 2014 EM RELAÇÃO AO 3º TRIMESTRE
DE 2008.
Fonte: OMC
Tabela
1 – Volume
do Comércio Trimestral – 2º. Trimestre de 2014 em relação ao 3º. Trimestre de 2008.
Exportações
Mundo
América do Norte
Estados Unidos
Canadá
América do Sul e Central
Brasil
Europa
Total
Intra-UE
Extra-UE
Ásia
Japão
China
Coréia do Sul
Outros
Importações
8,7%
13,0%
14,4%
2,2%
-0,4%
1,7%
1,0%
0,4%
-6,5%
14,7%
25,5%
-10,4%
45,2%
49,5%
-2,1%
Fonte: OMC
18
8,1%
5,9%
3,8%
7,7%
20,8%
32,1%
-6,4%
-7,4%
-7,3%
-7,7%
27,6%
7,1%
59,2%
17,3%
17,0%
MUDANÇAS NA ESTRUTURA PRODUTIVA GLOBAL E A INSERÇÃO BRASILEIRA: DESAFIOS NO CENÁRIO PÓS-CRISE
mundial, seguida de recuperação até 2011.
Em 2012 e 2013, porém, a recuperação
perdeu ímpeto, e o crescimento foi ínfimo.
Considerando o período 2009 a 2013, o
crescimento médio reduziu-se para 3,1%
ao ano para o comércio total e 2,6% para o
comércio de manufaturas.
importações do resto do mundo.
A América do Sul e Central, por outro
lado, fizeram ajuste inverso, e tiveram o
papel de absorver importações do resto do
mundo. Quando se observam os dados do
Brasil, as informações são preocupantes.
As exportações foram apenas 1,7% superiores na comparação dos dois períodos,
e as importações foram 32% superiores.
Ou seja, grande parte dos países do mundo
reforçaram a busca por mercados externos
consolidando o cenário de competição acirrada no período pós-crise.
Observando de maneira mais detalhada o
período pós crise, é possível perceber como
o desempenho comercial tem sido muito
diferente entre as várias regiões do globo.
Quando se consideram as exportações, as
informações sobre o quantum exportado
e importado (Tabela 1) mostram como a
Ásia, em especial China e Coréia, mantiveram taxa expressiva de crescimento
comercial. No entanto, a China manteve
crescimento das importações acima das
exportações; e a Coréia claramente adotou
estratégia de buscar mercados externos
em ritmo superior às importações como
forma de enfrentar a crise. Já o Japão
apresentou queda nas exportações e crescimento pouco abaixo da média mundial
nas importações.
Os dados para o período pós-crise revelam
como a estagnação da demanda e na
produção global provocada pela crise, em
especial nos países avançados, inverteu
de maneira brusca o contexto de forte
crescimento observado no período anterior. Esse contexto de forte crescimento
atenuava as tensões concorrenciais que
já estavam postas, dadas as mudanças no
cenário global descritas acima. O advento
da crise tornou explícitas essas tensões e
aprofundou a busca por mercados externos
como válvula de escape para a estagnação
dos mercados domésticos, ao mesmo
tempo em que precipitou novas políticas
de apoio à competitividade industrial,
exacerbando a disputa por mercados. Neste
contexto, observou-se que o Brasil acabou
sem conseguir utilizar o mercado externo
como saída para estagnação da produção
doméstica; e, além disso, em situação em
que permitiu que seu mercado interno
auxiliasse no ajustamento do resto do
mundo. As consequências deste processo
serão detalhadas na seção seguinte.
Também fica evidente o esforço exportador
dos Estados Unidos e dos países da Europa,
como forma de ajustar seu setor produtivo
frente à crise, com taxas de crescimento
muito acima das importações. No caso dos
Estados Unidos, o volume exportado no
segundo trimestre de 2014 foi 14,4% superior ao observado no terceiro trimestre de
2008. Já as importações foram apenas 3,8%
maiores. Na Europa, apesar da retração
do comércio intraeuropeu, o comércio
extraeuropeu também aponta a busca de
mercados externos como reação à crise,
combinada com redução da absorção de
19
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Desempenho industrial
brasileiro no período recente
de outros países em desenvolvimento.
A partir de 2003, a economia passou a apresentar taxas maiores de crescimento. Se
num primeiro momento o setor externo
puxou o crescimento no início do ciclo,
posteriormente a dinâmica do mercado
interno também passou a ser crescentemente favorável. Embora as exportações
tenham exercido papel fundamental no
acúmulo de reservas e no afastamento
da vulnerabilidade externa, a demanda
interna cumpriu o papel determinante
no ciclo de crescimento, que passou a ser
liderado pela retomada do consumo, que,
por sua vez, acabou estimulando o crescimento dos investimentos.
A indústria foi o motor do crescimento
econômico brasileiro no período 19501980, quando o país constituiu uma
estrutura industrial relativamente diversificada, integrada e impulsionada pelo
mercado doméstico. A partir de 1980, com
as mudanças nos condicionantes internos
e externos e a opção pela adoção de sucessivas políticas econômicas restritivas ao
desenvolvimento industrial, observou-se
uma perda relativa de dinamismo da
indústria e do processo de convergência
das estruturas produtivas, distanciando o
Brasil das economias avançadas e mesmo
A produção industrial passou a responder
GRÁFICO 1 – ÍNDICE DE PRODUÇÃO FÍSICA DA INDÚSTRIA, COM AJUSTE SAZONAL. JANEIRO DE 2002 =
100. 2002 A 2013 Fonte: IBGE: PIM/PF. Elaboração NEIT-IE-Unicamp
Gráfico 1 – Índice de Produção Física da Indústria, com ajuste sazonal. Janeiro de 2002 = 100. 2002 a 2013
140
135
130
125
120
115
110
105
100
90
jan/02
jul/02
jan/03
jul/03
jan/04
jul/04
jan/05
jul/05
jan/06
jul/06
jan/07
jul/07
jan/08
jul/08
jan/09
jul/09
jan/10
jul/10
jan/11
jul/11
jan/12
jul/12
jan/13
jul/13
95
20
MUDANÇAS NA ESTRUTURA PRODUTIVA GLOBAL E A INSERÇÃO BRASILEIRA: DESAFIOS NO CENÁRIO PÓS-CRISE
a esse novo contexto, apresentando forte
crescimento. O crescimento seguiu forte,
inclusive com aceleração a partir de 2006,
até ser atingido pela crise em setembro
de 2008. As políticas anticíclicas tiveram
o poder de estimular uma recuperação
relativamente rápida, porém com sinais
de esgotamento a partir de 2010. Desde
então, a produção industrial não foi capaz
de recuperar o ritmo.
agressivas por todos os exportadores de
manufaturados para penetrar em mercados
que conseguiram manter certo dinamismo
em termos de demanda.
Como pode ser visto no Gráfico 2, antes
da crise, embora as importações estivessem aumentando em ritmo acelerado,
a produção industrial acompanhava em
grande medida o crescimento do consumo
doméstico. Os sinais contraditórios encontrados por autores que analisam o processo
de desindustrialização brasileiro estão
associados a este cenário de crescimento da
produção e do emprego industrial, seguido
por aumento dos investimentos, combinado com elevação das importações e em
alguns setores com aumento do coeficiente
de importações e do conteúdo importado.
A estagnação na produção industrial está
diretamente relacionada ao acirramento
da concorrência internacional observada
no período pós-crise e destacado na seção
anterior. Com o prolongamento de seus
efeitos nos países centrais, em especial na
União Europeia, a disputa no cenário internacional se tornou feroz, com estratégias
GRÁFICO 2 – EVOLUÇÃO DOS COMPONENTES DO PIB E DO PIB DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO. ÍNDICES TRIMESTRAIS COM AJUSTE SAZONAL (1º. TRIMESTRE DE 2000 = 100). 2000 A 2013.. Fonte: IBGE/SCN
21
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
No período posterior à crise, por outro
lado, é possível ver claramente o descolamento que separa o consumo das famílias e a produção industrial, ao mesmo
tempo em que se acelera o crescimento
das importações.
reverter as deficiências acumuladas no
longo período de estagnação anterior, fato
que exigiria um ciclo de investimentos em
modernização e inovação bastante mais
prolongado e a transição para um novo
padrão de crescimento, com maior protagonismo dos investimentos.
A luta para ocupar a capacidade ociosa
criada pela crise internacional tornou a
disputa por mercados muito mais feroz.
A ocupação do mercado doméstico por
importações, que até então vinha sendo
complementar à produção brasileira,
acabou por deslocar a produção doméstica.
Apesar de a demanda interna
ter-se recuperado de maneira
relativamente rápida,
o ambiente de concorrência
mais acirrada passou
a significar deslocamento
da produção doméstica,
refletido no crescimento
acelerado das importações
e no reforço das estratégias
de complementação da linha
de produtos com importados.
O ciclo de crescimento da demanda,
estimulando a produção industrial teve
dificuldades para se manter no período
pós-crise. Apesar de a demanda interna
ter-se recuperado de maneira relativamente rápida, o ambiente de concorrência mais acirrada passou a significar
deslocamento da produção doméstica,
refletido no crescimento acelerado das
importações e no reforço das estratégias
de complementação da linha de produtos
com importados. Ao longo de 2011 e 2012,
essa estratégia permitiu manter o ritmo
de crescimento das receitas, embora as
margens operacionais tenham sofrido
alguma queda. Vale destacar também que,
neste período, começou a verificar-se o
esgotamento da expansão do consumo
de duráveis, ao mesmo tempo em que os
investimentos também passaram a ter
dificuldades para se expandir. Ou seja, o
círculo virtuoso que se montou no período
pré-crise foi mostrando sinais de esgotamento frente ao novo cenário pós-crise.
O curto período de dinamismo industrial,
embora importante, não foi capaz de
Considerando este contexto, pode se dizer
que, de fato, os desafios colocados para
manter uma estrutura produtiva robusta, e,
mais do que isto, para avançar em direção
a uma indústria que consiga incorporar de
maneira mais efetiva avanços tecnológicos
e capacidades inovativas importantes,
contribuindo para o desenvolvimento
econômico e social brasileiro, são enormes.
De imediato, é fundamental reconhecer
que, embora importante, a demanda
externa não poderá exercer papel de vetor
22
MUDANÇAS NA ESTRUTURA PRODUTIVA GLOBAL E A INSERÇÃO BRASILEIRA: DESAFIOS NO CENÁRIO PÓS-CRISE
de dinamismo, enquanto a economia global
não indicar uma retomada mais firme
de crescimento. Muitas vezes, soluções
simples ou simplistas sobre a inserção
nas cadeias globais de valor têm sido
apresentadas como forma de recuperar
dinamismo nas exportações e a competitividade industrial. Essa avaliação vem
acompanhada da ideia de que o caminho
para uma inserção virtuosa nas cadeias
globais passaria pela ampliação de abertura comercial com redução de barreiras
tarifárias e não tarifárias e maior ênfase
em medidas de facilitação comercial, além
de políticas favoráveis para a proteção
ao investimento direto estrangeiro e
aos direitos de propriedade intelectual.2
Porém, também se reconhece que essas
medidas não garantem automaticamente
os benefícios de uma melhor inserção
nas cadeias globais, e que elas têm que
ser articuladas com uma política mais
ampla de desenvolvimento que garanta a
apropriação de ganhos mediante a geração
de renda e emprego em segmentos mais
dinâmicos da cadeia.3
para a economia brasileira que permitem
vislumbrar fatores importantes para
enfrentar os desafios ressaltados anteriormente: um mercado de bens de consumo
de massa que ainda não esgotou sua capacidade de expansão, a enorme demanda por
bens de consumo sociais, como habitação,
saúde e educação, grandes oportunidades
de investimentos em infraestrutura em
diversas áreas, como energia, telecomunicações, transportes, os investimentos no
Pré-Sal e na cadeia de recursos naturais
e agronegócios.
Em todos estes setores existem demandas
potenciais que podem dinamizar amplas
cadeias produtivas industriais e de serviços
e fomentar a busca por incorporar capacitações tecnológicas e avançar em direção
a processos, produtos e serviços mais
inovadores. Além disso, poderia contribuir
para viabilizar o acesso de grande parte da
população a serviços fundamentais, como
saúde, saneamento, habitação e transporte. No entanto, a mobilização desta
articulação exigiria um esforço redobrado
de coordenação dos vários instrumentos
já existente em torno desses eixos mobilizadores. Os últimos anos assistiram a
uma busca por reconstruir um conjunto
importante de instrumentos de apoio ao
desenvolvimento produtivo e tecnológico,
desmobilizados durante os anos 1990. No
entanto, seria necessário reforçar esses
instrumentos e a capacidade de coordenação e articulação entre setor público
e setor privado, e entre as várias instâncias dentro das instituições responsáveis
pela política industrial e tecnológica, em
especial naquelas áreas onde a capacidade
de organizar a expansão dos mercados
Por outro lado, o crescimento atrelado
à demanda interna teria que priorizar
os vetores de expansão que poderiam
articular a expansão industrial com
investimento em modernização e incorporação de inovação. Esse caminho coloca
desafios complexos para a institucionalidade presente da política industrial
e tecnológica.
Como destacam Bielschowsky (2012) e
Coutinho (2014), os desdobramentos nos
anos recentes descortinaram oportunidades e frentes de expansão potenciais
23
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Foto: CCO/ pixabay
REFERÊNCIAS
estivesse sob controle público.
BIELSCHOWSKY, R. (2012). Estratégia de desenvolvimento e as
três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual.
Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Especial, p. 729-747, dez.
http://www.scielo.br/pdf/ecos/v21nspe/v21nspea02.pdf
A coordenação seria vital para que as
frentes de expansão pudessem de fato ser
aproveitadas pela produção nacional e mais
do que isso, pra que elas fossem articuladas
com um processo de reestruturação que
pudesse criar uma estrutura produtiva e
tecnológica mais competitiva, capaz de
navegar pelas turbulências dos próximos
anos e de atingir um patamar mais elevado
de capacitações para enfrentar o cenário
global e fomentar o desenvolvimento de
longo prazo.
BLOCK, F. e KELLER, M.R. (2011). State of Innovation: The
U.S.Government’s Role in Technology Policy, Londres: Paradigm
Publishers, 2011.
COUTINHO, L. A crise e as múltiplias oportunidades de retomada
do desenvolvimento industrial do Brasil. In MONTEIRO FILHA, D.
PRADO, L.C., LASTRES, H.M.M. Estratégias de Desenvolvimento,
Política Industrial e Inovação: ensaios em memória de Fábio
Erber. Rio de Janeiro: BNDES. 2014.
EUROPEAN COMISSION (2012). Industrial Policy Communication
2012. A Stronger European Industry for Growth and Economic
Recovery. Disponível lem http://eur-lex.europa.eu/legal-content/
EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52012DC0582&from=EN
LAZZONICK, W. e LI, Y. (2012) China’s Path to Indigenous
Innovation. Cambridge: Sase Conference Paper .
MIRANDA, P. C. (2014) A internacionalização das atividades
tecnológicas e a inserção dos países em desenvolvimento: uma
análise baseada em dados de patentes. Tese de Doutorado. IE/
UNICAMP.
NOTAS
OECD, WTO e UNCTAD. (2013) Implications of Global Value Chains
for trade, investment, development and job. Paper prepared for
the G-20 Leader Summit. Disponível em http://www.oecd.org/
trade/G20-Global-Value-Chains-2013.pdf
1 Para captar as atividades de patenteamento associadast às
ETNs, foi feito um filtro para eliminar patentes depositadas por
pessoas físicas, institutos de pesquisa, universidades e agências
governamentais.
VEUGELERS, R. (2013) Manufacturing Europe’s Future. Bruxelas:
Bruegel Blueprint 21. 2013
2 Ver por exemplo o documento conjunto WTO/OCDE/Unctad
(2013), em especial a parte I.
Wade R (2014). The paradox of US industrial policy: The
developmental state in disguise. I n: Salazar- Xirinachs JM,
Nübler I and Kozul-Wright R, eds. Transforming Economies.
Making Industrial Policy Work for Growth, Jobs and Development.
Geneva, ILO : 379–400.
3 Ver o mesmo documento, parte II.
24
Padrão do crescimento
brasileiro pós-Plano Real:
Uma abordagem estrutural a partir
da Análise de Insumo-Produto
Introdução
Marcelo Pereira da Cunha
Professor do Instituto de Economia da Unicamp
A economia brasileira passou por mudanças
estruturais profundas ao longo das últimas
cinco décadas. Estas mudanças, dentre
outros aspectos, podem ser percebidas em
termos das variações de algumas variáveis
macroeconômicas, como a inflação e a
taxa de crescimento real do PIB; a tabela a
seguir (Tabela 1) mostra as diferenças nos
25
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Foto: CCO/ pixabay
26
PADRÃO DO CRESCIMENTO BRASILEIRO PÓS-PLANO REAL: UMA ABORDAGEM ESTRUTURAL A PARTIR DA ANÁLISE DE INSUMO-PRODUTO
padrões destas variações para três períodos
selecionados entre 1968 e 2013.
que foi de 3,0% ao ano. Importante destacar
que, a partir das informações das Tabelas
de Recursos e Usos (IBGE), o aumento da
Particularmente em relação ao ritmo de produtividade agregada do fator trabalho
crescimento real da economia, a figura a entre 1994 e 2009 foi, em média, somente
seguir (Gráfico 1) exibe, as variações, de 0,6% ao ano.
Tabela 1 – Crescimento e inflação no Brasil entre 1968 e 2013
1995 a 2013, desta taxa em torno da média,
TABELA 1 – CRESCIMENTO E INFLAÇÃO NO BRASIL ENTRE 1968 E 2013
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos dados do (1) Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN 2000 anual) e da (2) Fundação Instituto
de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Período
Crescimento real do PIB - Inflação média anual 1
2
média anual
IPC (FIPE)
1968 a 1979
8,9%
29,8%
1980
a 1994 real do PIB no 2,3%
Gráfico
1 - Crescimento
Brasil
429,6%
1995 a 2013
3,0%
6,4%
GRÁFICO 1 - CRESCIMENTO REAL DO PIB NO BRASIL
Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN 2000 anual)
Crescimento real do PIB
Média
8,0%
7,0%
6,0%
5,0%
4,0%
3,0%
2,0%
1,0%
0,0%
1.995
-1,0%
1.997
1.999
2.001
2.003
27
2.005
2.007
2.009
2.011
2.013
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Este artigo apresenta uma análise preli- do valor adicionado e a produtividade relaminar das mudanças ocorridas no padrão tiva ao fator trabalho. Os resultados são
de crescimento da economia brasileira apresentados a seguir.
entre os anos de 1995 a 2009.1 As transformações neste período de 14 anos são analisadas em termos do aumento da demanda Produtividade
final (consumo das famílias, consumo do do fator trabalho
governo, exportações e formação bruta de
capital), bem como da mudança do padrão
das transações intersetoriais ao longo das
cadeias produtivas. A metodologia empre- Entre 1995 e 2009, o aumento da produtigada no estudo está apoiada na Análise vidade agregada de todas as atividades da
de Insumo-Produto, cuja técnica permite economia brasileira em relação ao fator
capturar os efeitos diretos e indiretos entre trabalho foi de somente 11,5%; entretanto, o
todos os setores produtivos para atender padrão de aumento foi muito distinto entre
a demanda final. A análise do padrão de os setores. Os maiores aumentos foram
crescimento é avaliada em termos de encontrados, respectivamente, nos setores
variáveis socioeconômicas como o nível extrativo (com destaque para a extração
da produção de cada setor, a composição de petróleo e gás natural), agropecuário e
Tabela 2 – Variações na produtividade do fator trabalho entre 1995 e 2009
TABELA 2 – VARIAÇÕES NA PRODUTIVIDADE DO FATOR TRABALHO ENTRE 1995 E 2009
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN 2000 anual)
Setor
1
2
3
4
5
6
7
8
Agropecuária
Extrativo
Indústria da transformação
Serviços i ndustriais de utilidade pública
Construção civil
Comércio
Transporte
Serviços
Total
28
Variação da produtividade do fator trabalho
62,6%
89,2%
1,9%
53,1%
-­‐10,8%
8,0%
5,8%
-­‐4,7%
11,5%
PADRÃO DO CRESCIMENTO BRASILEIRO PÓS-PLANO REAL: UMA ABORDAGEM ESTRUTURAL A PARTIR DA ANÁLISE DE INSUMO-PRODUTO
serviços industriais de utilidade pública,
com 89,2%, 62,6% e 53,1%, respectivamente.
é função da combinação de ganhos de
produtividade (em relação ao fator
capital) e de aumentos expressivos nos
preços em algumas atividades. A análise
dos oito setores mostra que só não houve
aumento desta participação nos setores
da indústria da transformação (46,4% em
1995 e 41,0% em 2009) e da construção civil
(praticamente constante – 38,8% em 1995 e
38,5% em 2009); a Tabela 3 apresenta estes
resultados para a economia agregada em
oito setores.
Com relação à indústria da transformação,
o aumento, em seu agregado, foi somente
de 1,9%; a construção civil apresentou
queda de 10,8%. A Tabela 2 apresenta estes
resultados para a economia agregada em
oito setores.
Remuneração
dos fatores de produção
Aumento
da produção setorial
A participação da remuneração do fator
capital em relação a capital mais trabalho
abela 3 – Participação
fator capital em relação a capital mais trabalho
foi de 36,0%da
emremuneração
1995, em toda do
a economia,
passando para 39,1% em 2009; este aspecto O crescimento do valor da produção nestes
TABELA 3 – PARTICIPAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DO FATOR CAPITAL EM RELAÇÃO A CAPITAL MAIS TRABALHO
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN 2000 anual)
1
2
3
4
5
6
7
8
Setor
Agropecuária
Extrativo
Indústria da transformação
Serviços i ndustriais de utilidade pública
Construção civil
Comércio
Transporte
Serviços
Total
29
1.995
18,6%
52,5%
46,4%
2.009
21,7%
58,0%
41,0%
51,9%
74,9%
38,8%
38,5%
35,7%
24,0%
34,1%
36,0%
38,8%
33,5%
38,1%
39,1%
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
14 anos para toda a economia, em termos
reais, foi de 43,4%, próximo do aumento real
do PIB de 46,5%. Novamente, a indústria da
transformação e a construção civil tiveram
aumento abaixo da média nacional, com
24,2% e 36,1%, respectivamente; o Gráfico 2
apresenta estes resultados para a economia
agregada em oito setores.
mostra que o crescimento apresentado na
produção de todos os setores é explicado,
essencialmente, pelo aumento da demanda
final (efeito escala); isto significa que, de
modo agregado, a mudança tecnológica
teve pouca importância naquele aumento.
De fato, o efeito escala explica 106,2% do
aumento, enquanto a mudança tecnológica
explica queda de 6,2% do aumento (ou seja,
a mudança tecnológica traria uma pequena
redução na produção setorial). Das oito
atividades, a indústria da transformação
foi a principal responsável pela redução
observada na mudança tecnológica; o
Gráfico 3 apresenta estes resultados para
a economia agregada em oito setores.
Decomposição do aumento
da produção setorial
A Análise de Decomposição Estrutural
Gráfico 2 – Aumento real da produção setorial entre 1995 e 2009
GRÁFICO 2 – AUMENTO REAL DA PRODUÇÃO SETORIAL ENTRE 1995 E 2009
Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos resultados obtidos nesta pesquisa
Total
43,4%
Serviços
56,1%
Transporte
48,4%
Comércio
48,2%
Construção
civil
36,1%
Serviços industriais
de utilidade pública
57,8%
Indústria da transformação
24,2%
Extrativo
72,0%
Agropecuária
55,9%
0%
10%
20%
30%
30
40%
50%
60%
70%
80%
PADRÃO DO CRESCIMENTO BRASILEIRO PÓS-PLANO REAL: UMA ABORDAGEM ESTRUTURAL A PARTIR DA ANÁLISE DE INSUMO-PRODUTO
Gráfico 3 – Participações relativas do efeito escala e da mudança tecnológica
GRÁFICO 3 – PARTICIPAÇÕES RELATIVAS DO EFEITO ESCALA E DA MUDANÇA TECNOLÓGICA
Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos resultados obtidos nesta pesquisa
Total
Serviços
Transporte
Comércio
Construção…
Serviços industriais…
Indústria da transformação
Extrativo
Agropecuária
-­‐100%
-­‐50%
0%
50%
100%
Mudança de tecnologia
Conclusão
150%
200%
Efeito escala
Fazem-se necessários estudos mais aprofundados, para buscar explicar, com maior
propriedade, as diferentes razões para os
padrões distintos observados em cada
cadeia de produtividade, com a análise de
seus desdobramentos. Especificamente,
sugere-se a elaboração de um projeto
mais amplo para avaliar a situação das
atividades que compõem a indústria
da transformação.
Os resultados apresentados evidenciam
os distintos padrões de crescimento nos
setores da economia brasileira, aqui
mostrados entre 1995 e 2009. Especificamente com relação ao agregado da indústria da transformação, a redução devida à
mudança tecnológica sugere que ter sido
causado por dois aspectos, incluindo-se,
até, a combinação de ambos: ganhos de
produtividade em relação a todos os fatores
de produção (o que parece ser mais improvável, em geral) e redução da importância
da indústria doméstica pelo aumento de
insumos importados.
NOTA
1 Até a elaboração deste estudo, construído a partir das Tabelas
de Recursos e Usos, o IBGE só divulgara dados disponíveis até
2009.
31
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Mercado de trabalho,
políticas sociais
e distribuição de renda
Performance recente e perspectivas
1.Introdução
João Saboia
Professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (IE/UFRJ).
Ao longo dos últimos anos ocorreu no país
uma combinação de resultados econômicos
até certo ponto surpreendentes. Se por um
lado a performance do Produto Interno
Bruto (PIB) não foi brilhante, por outro
houve avanços consideráveis em certas
áreas, mais especificamente, no mercado
de trabalho e na distribuição de renda.
32
Foto: CCO
33
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
É comum o questionamento sobre como
poderia o mercado de trabalho estar
comportando-se tão bem, com aumento
da renda, maior formalização do emprego
e redução do desemprego, se a economia
vinha crescendo pouco, especialmente a
partir de 2011.
Para ilustrar a melhora da distribuição
pessoal da renda utilizaremos dados da
renda domiciliar per capita. Tal melhora
pode ser comprovada pela forte queda do
índice de Gini, que representa o indicador
mais utilizado em estudos da distribuição
pessoal da renda.
O objetivo do artigo é procurar entender
as razões para a melhoria da distribuição
de renda no passado recente, a partir da
performance do mercado de trabalho e das
políticas sociais do período. Por outro lado,
o comportamento do mercado de trabalho
é analisado mostrando sua evolução e seu
importante papel na melhoria da distribuição de renda.
O índice de Gini da distribuição da renda
domiciliar per capita caiu de 0,596 em
2001, para 0,527 em 2013. Trata-se de um
resultado que deve ser comemorado, dado
que não há registro de período tão longo de
melhora acentuada e contínua da distribuição de renda no país.
Trata-se de um resultado
que deve ser comemorado,
dado que não há registro
de período tão longo de melhora
acentuada e contínua da
distribuição de renda no país.
Além da análise retrospectiva, são discutidas as perspectivas para a continuidade
da melhora na distribuição de renda no
futuro próximo, mostrando as dificuldades
a serem superadas.
Inicialmente, são apresentados os dados
que comprovam a melhora da distribuição
de renda nos últimos anos. Em seguida são
apontadas as principais causas para o avanço
observado. Há uma seção sobre um dos
maiores desafios atualmente no mercado
de trabalho do país que é o baixo nível da
produtividade do trabalho. Finalmente, são
mostrados os desafios e perspectivas para a
continuidade do movimento de melhoria da
distribuição de renda.
Apesar da forte queda, índices superiores
a 0,5 são considerados extremamente
elevados, quando comparados com o padrão
internacional. Assim, embora o país tenha
melhorado bastante sua situação distributiva no período, ainda continua localizado
entre aqueles com as piores distribuições
de renda.
A distribuição de renda pode também ser
analisada sob o enfoque funcional da renda,
que mostra como os rendimentos distribuem-se segundo os ganhos do capital e do
trabalho. A distribuição funcional da renda
2.Evidência
empírica dos avanços
na distribuição de renda
34
MERCADO DE TRABALHO, POLÍTICAS SOCIAIS E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA - PERFORMANCE RECENTE E PERSPECTIVAS
Foto: CCO/ pixabay
no Brasil também é bastante desigual para
os padrões internacionais. Seguindo os
avanços da distribuição pessoal da renda,
a partir de 2005 ela tem melhorado, com
elevação da parcela da remuneração dos
trabalhadores.
mercado de trabalho. Adicionalmente,
há que ser considerado o excepcional
aumento do salário mínimo, que contribui
não apenas no mercado de trabalho, mas
indiretamente na previdência e na assistência social, pelo fato de a grande maioria
das pensões e aposentadorias oficiais estar
fixada ao valor de um salário mínimo.
3.Principais
causas para a melhoria
da distribuição de renda
Cabe também destacar o importante papel
dos programas de transferência de renda
criados no país, como o Bolsa Família e o
Benefício de Prestação Continuada, que
embora voltados para a redução da pobreza,
também contribuem para a melhoria da
distribuição de renda.1
Há um consenso entre os especialistas
brasileiros, segundo o qual a redução
das desigualdades de rendimento está
associada, principalmente, à melhora no
a) Melhora do mercado de trabalho
Com relação ao mercado de trabalho, cabe
mencionar a forte geração de empregos
35
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Foto: CCO/ pixabay
nos últimos anos, cujo resultado mais
palpável tem sido a redução da taxa de
desemprego. Segundo dados da Pesquisa
Mensal de Emprego (PME), em 2003 a taxa
média de desemprego nas seis principais
regiões do país era da ordem de 12%; em
2014, flutuava em torno de 5%.
por exemplo, os dados do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego (Caged), que
informa a criação líquida de empregos
formais no país, observa-se que nos dez
anos que vão de 2004 a 2013 foram gerados
13,4 milhões de empregos.
Um fato notável que merece ser mencionado é que a geração de emprego no período
ocorreu ao mesmo tempo em que houve
recuo do setor informal da economia. Em
termos relativos, emprego formal com
carteira assinada passou de 44% para 55%
do total de pessoas ocupadas no período
2003-2013, segundo os dados da PME.
Apesar dos excepcionais resultados em
termos de geração de empregos formais, é
preciso salientar que nos últimos anos os
novos empregos gerados estiveram concentrados nos menores níveis salariais até o
valor de dois salários mínimos (SM).
Entre os dados positivos cabe ainda registrar o aumento da escolaridade dos trabalhadores. Considerando-se, por exemplo,
aqueles que possuem ao menos o curso
médio completo, houve aumento de 46%
Os números são impressionantes, quando
se analisa a quantidade de empregos
gerados nos últimos anos. Tomando-se,
36
MERCADO DE TRABALHO, POLÍTICAS SOCIAIS E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA - PERFORMANCE RECENTE E PERSPECTIVAS
para 64% do total de ocupados no período
2003-2013, segundo a PME. O aumento da
escolaridade favoreceu o crescimento dos
rendimentos do trabalho no período, com
efeitos sobre a distribuição de renda.
futuros reajustes para o SM. No período
entre 2003 e 2013, o SM cresceu 74% em
termos reais.
Tendo em vista a importância do SM na
determinação dos menores salários, tanto
no setor formal quanto no informal, não
causa surpresa verificar que o nível médio
de remuneração no mercado de trabalho
também cresceu bastante no período.
Segundo os dados da PME, houve aumento
de 30% do salário médio em termos reais
entre 2003 e 2013.
b) Crescimento do salário mínimo
O salário mínimo (SM) já vinha crescendo
desde a segunda metade dos anos 1990, por
conta do final da hiperinflação obtido com
o Plano Real. Seu forte crescimento, entretanto, passa a ocorrer somente a partir
de 2004, quando a conjuntura política e
econômica do país favoreceu a obtenção
de reajustes mais generosos.
O efeito do salário mínimo sobre a
distribuição de renda dá-se não apenas
pelo mercado de trabalho, mas também
mediante as pensões e aposentadorias
do Regime Geral da Previdência Social
(RGPS) e da assistência social mediante o
Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Apesar dos excepcionais
resultados em termos
de geração de empregos
formais, é preciso salientar
que nos últimos anos os novos
empregos gerados estiveram
concentrados nos menores
níveis salariais até o valor de
dois salários mínimos (SM).
c) Programas de transferência
de renda
A importância dos programas de transferência de renda para a melhoria das condições de vida da população é inegável. No
caso do Programa Bolsa Família (PBF),
há mais de 14 milhões de famílias beneficiadas, cobrindo cerca de 50 milhões de
pessoas. O número de famílias beneficiadas
pelo Programa mais do que dobrou entre
2004 e 2012
As discussões no Congresso por ocasião
dos reajustes anuais acabaram desembocando numa regra aplicada a partir de
2009 segundo a qual, além da correção
pela inflação (INPC), passou a ser concedido ao SM o aumento do PIB de dois anos
anteriores. A legislação que define tal regra
termina em 2015, quando deverá ser renovada ou definida outra fórmula para os
No BPC, são aproximadamente 4 milhões
de famílias pobres com idosos acima de
65 anos ou pessoas com deficiências. Em
outras palavras, mais de um quarto das
famílias brasileiras são beneficiadas pelo
PBF e pelo BPC.
37
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Foto: CCO/ pixabay
Quando considerada a distribuição de
renda, entretanto, os efeitos de tais
programas são bastante limitados, tendo
em vista o volume relativamente baixo de
recursos transferidos aos beneficiários de
tais programas. O gasto do PBF representa
cerca de 0,5% do PIB e o do BPC atinge
0,7%, mostrando que o volume de recursos é
muito pequeno, se comparado com a massa
de rendimentos do trabalho.
passado recente estão intimamente ligados
à melhora do mercado de trabalho, nossa
análise sobre as perspectivas para o futuro
parte das dificuldades a serem enfrentadas
no mercado de trabalho.
4. A questão da baixa
produtividade do trabalho
De acordo com os dados do Caged, no
triênio 2011-2013, três de cada quatro
empregos gerados no setor formal da
economia brasileira foram localizados no
setor terciário, sendo dois em serviços e um
no comércio. O padrão típico do terciário
tem sido a criação de empregos de baixos
salários e produtividade.
Partindo do diagnóstico de que os avanços
ocorridos na distribuição de renda no
Os dados relativos ao nível de produtividade da economia brasileira são bastante
desfavoráveis. Em primeiro lugar, a produtividade do trabalho vem crescendo em
38
MERCADO DE TRABALHO, POLÍTICAS SOCIAIS E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA - PERFORMANCE RECENTE E PERSPECTIVAS
ritmo muito lento nos últimos anos. Entre
2000 e 2013, o crescimento foi de apenas
12%, ou seja, menos de 1% ao ano.
crescimento passa pela retomada dos
investimentos. Há consenso de que a taxa
de investimentos do país, da ordem de 17 a
18% do PIB, encontra-se em nível bastante
baixo e precisa ser elevado. Portanto, seria
desejável o aumento tanto do investimento
público quanto do privado. Para isso, além
de enfrentar a questão do financiamento
aos investimentos, é preciso criar um
ambiente favorável que incentive os investimentos privados.
Por outro lado, a comparação com os
demais países da América Latina mostra
que a produtividade do trabalho no Brasil
supera apenas a encontrada na Bolívia. Em
2013, ela correspondia a 47% da produtividade do trabalho do Chile, 53% do México
e 59% da Argentina.
Com a forte transição demográfica que
vem ocorrendo no país, a PEA está envelhecendo rapidamente.2 Mantido o atual
nível de produtividade do trabalho, ou
mesmo se houver pequeno crescimento,
no futuro poderá faltar mão de obra até
mesmo de baixa qualificação. Dessa forma,
a questão do aumento da produtividade se
coloca como um dos requisitos principais
para o bom comportamento do mercado
de trabalho nos próximos anos.
Como o aumento
da produtividade não depende
apenas dos trabalhadores,
seu crescimento passa pela
retomada dos investimentos.
Há consenso de que a taxa
de investimentos do país,
da ordem de 17 a 18% do PIB,
encontra-se em nível bastante
baixo e precisa ser elevado.
Portanto, seria desejável
o aumento tanto do
investimento público
quanto do privado.
Não se trata aqui de apenas dar continuidade ao aumento da escolaridade dos
trabalhadores, até porque tal política
já vem ocorrendo e não tem produzido
efeitos palpáveis sobre a produtividade
do trabalho. É necessário, antes de mais
nada, aumentar a qualidade do ensino
público e privado em seus diversos níveis.
Além disso, a ênfase no ensino médio
técnico pode ser uma boa alternativa ao
atual ensino médio genérico. Nessa linha
de raciocínio, o Pronatec parece ter sido
uma boa iniciativa do governo e deve ser
fortalecido.
5. Os desafios
para a continuidade
da melhora da distribuição
de renda no futuro
Como o aumento da produtividade não
depende apenas dos trabalhadores, seu
39
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Foto: CCO/ pixabay
Atualmente, há fortes críticas pelos especialistas quanto à política de aumento
real do salário mínimo, especialmente
por conta de seu impacto sobre as contas
públicas. As críticas são de vários tipos.
Alguns acreditam que o valor do salário
mínimo já é bastante alto, comparativamente ao nível de produtividade do
trabalho. Outros questionam seu efeito
sobre a previdência social, cujo piso das
pensões e aposentadorias é fixado em um
salário mínimo. Há ainda críticas ao fato
de que as pessoas que recebem o salário
mínimo não estão obrigatoriamente na
base da pirâmide de rendimentos, mas em
geral nas faixas intermediárias.3
preservada para os próximos anos. Dado
o baixo crescimento da economia desde
2011, e provavelmente até pelo menos
2016, a manutenção das regras atuais para
o reajuste do salário mínimo representará
crescimento muito pequeno para seu valor
real, até 2018.
Independentemente do que será feito
com o salário mínimo, a questão que se
coloca quando se pensa na continuidade da
melhora da distribuição de renda no futuro,
é que os menores salários deveriam crescer
mais que os maiores níveis, de forma a
reduzir o enorme fosso existente entre os
maiores e os menores salários no Brasil.
Mas ao mesmo tempo, não podem crescer
muito acima do aumento da produtividade
do trabalho. Nesse sentido, o crescimento
da produtividade tem papel central na
De qualquer forma, aparentemente,
a questão do salário mínimo parece
resolvida, e a legislação atual deve ser
40
MERCADO DE TRABALHO, POLÍTICAS SOCIAIS E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA - PERFORMANCE RECENTE E PERSPECTIVAS
melhoria da distribuição de renda no país.
é fundamental que essa questão continue
sendo uma das prioridades no futuro, para
que novos avanços sejam alcançados.
Passando-se à questão dos programas de
transferência de rendimentos, estudos
realizados têm mostrado que a focalização
do PBF é muito boa, transferindo renda
efetivamente aos mais pobres. Por outro
lado, não há evidências de que o PBF teria
reduzido a oferta de trabalho, que seria uma
das críticas feitas ao Programa.4 Assim,
para que o PBF possa continuar a favorecer a redução da pobreza e melhoria da
distribuição de renda no futuro, o caminho
natural seria ampliar a população beneficiária e/ou aumentar o valor dos benefícios,
como feito pelo Plano Brasil sem Miséria.
Mas conforme discutido anteriormente,
seu efeito sobre a distribuição de renda
é secundário frente à importância do
mercado de trabalho.
NOTAS
1 Sobre as causas para a melhoria da distribuição de renda ver,
por exemplo, a coletânea Barros, Foguel, Ulyssea (2007).
2 Sobre a transição demográfica no Brasil ver Brito (2007) e Alves
(2013).
3 Ver, por exemplo, Giambiagi (2014) e Menezes Filho (2014).
4 Sobre a questão da focalização do PBF, ver Soares (2009) e
Souza (2013).
REFERÊNCIAS
ALVES, J. E. D., O Bônus Demográfico no Brasil, Jornal dos
Economistas, n. 292, Corecon-RJ e Sindecon-RJ, Rio de Janeiro,
Novembro de 2013.
BARROS, R. P., FOGUEL, M. N. e ULYSSEA, G. (orgs.), Desigualdade
de Renda no Brasil: uma análise da queda recente, v. 1 e 2, IPEA,
Brasília, 2007
BRITO, F., A Transição Demográfica no Brasil: As possibilidades
e desafios para a economia e a sociedade, Texto para Discussão
318, Cedeplar, UFMG, Belo Horizonte, 2007.
O pouco crescimento econômico desde
2011 e a atual recessão já começam a se
refletir sobre o mercado de trabalho, que se
encontra em franca desaceleração. Assim,
a manutenção de condições favoráveis
do mercado de trabalho e a continuidade
da melhoria da distribuição de renda vão
depender da retomada do crescimento da
economia nos próximos anos.
GIAMBIAGI, F., A Questão do Salário Mínimo, Valor Econômico, São
Paulo, 11/6/2014.
MENEZES Filho, N., Salário Mínimo e Desigualdade, Valor
Econômico, São Paulo, 20/6/2014.
SOARES, S. et alii, Focalização e Cobertura do Programa Bolsa
Família, Qual o Significado dos 11 Milhões de Famílias?, Texto
para Discussão 1396, IPEA, Brasília, Março de 2009.
SOUZA, A. P. et alii, Uma Investigação sobre a Focalização do
Programa Bolsa Família e seus Efeitos Imediatos, Working Paper
13/2013, FGV-EESP, Novembro de 2013.
Finalizando, é preciso deixar bem claro que
houve inegáveis avanços na questão distributiva no Brasil nos últimos anos, mas que
a situação ainda é muito precária, deixando
o país numa condição bastante desfavorável frente aos demais países, inclusive
nossos vizinhos sul-americanos. Apesar
da redução dos índices de desigualdade, o
país continua a apresentar uma das piores
distribuições de renda do mundo. Portanto,
41
Elementos demográficos,
da estrutura ocupacional
e da desigualdade
no mundo do trabalho:
Notas para uma análise
das mudanças recentes no Brasil
Paulo Sérgio Fracalanza
Professor do Instituto de Economia da Unicamp. Coordenador Geral
dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Economia da
Unicamp. Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia
do Trabalho (Cesit/Unicamp).
Rosana Icassatti Corazza
Professora do Instituto de Geociências da Unicamp no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT).
A ponderada avaliação de um conjunto de
indicadores do mercado de trabalho no
Brasil, desde o início do primeiro governo
Lula em 2003, sugere uma perspectiva de
significativas e desejáveis transformações.
Entre os anos de 2003 a 2014, a despeito das
flutuações do nível de atividade econômica,
o Brasil viveu um período caracterizado,
dentre outros fatores por: i) aumentos
importantes do salário mínimo real; ii)
ampliação da formalização das relações
42
Foto: CCO Public Domain @pixalbay
43
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
de trabalho; iii) redução dos níveis de
desemprego; iv) evolução positiva da estratificação dos ocupados; e v) diminuição
das desigualdades dos rendimentos do
trabalho.
a partir dos dados da PME do IBGE. O
comportamento desta série apresenta uma
redução das taxas de desocupação quase
monotônica, passando em 2003, de um
patamar de 12,3%, para uma taxa de 4,9%
de janeiro a abril de 2014, o que significa
uma redução de 60,2% no período.
Entretanto, a nosso juízo, todas essas
conquistas ainda são, por um lado, muito
tímidas frente à dimensão estrutural
dos problemas que marcam o mercado
de trabalho no Brasil; e, por outro, muito
frágeis, podendo ser revertidas em breve
tempo.
Finalmente, é útil observar os resultados
da decomposição das taxas de desemprego
com base nas mudanças nos contingentes
populacionais da PIA, PEA e dos ocupados:
a cuidadosa análise destes anos robustece
a apreciação de que a queda do desemprego
deveu-se sobremaneira ao crescimento dos
ocupados no mercado de trabalho.
Assim, para melhor apreciação das
mudanças que se verificaram nos últimos
anos, dispomo-nos a tratá-las em diferentes dimensões.
No que respeita os rendimentos do trabalho
aponta-se que ao longo do período de
análise, o crescimento do salário mínimo,
de 76%, superou amplamente o crescimento
dos rendimentos medianos, de 42%, e o dos
rendimentos médios, de 31%.
Num primeiro momento, é útil avaliar a
dinâmica do emprego no período de análise,
observando indicadores sobre a criação
líquida de postos de trabalho, a evolução do
estoque de ocupados em empregos formais
e as taxas de desemprego.
Alternativamente, esse mesmo fenômeno
pode ser observado a partir dos dados
da evolução dos rendimentos, médio e
mediano, em comparação com os valores
do salário mínimo, a valores reais de agosto
de 2014. Assim, em 2003, com um salário
mínimo de R$ 416, o salário dos ocupados
na posição mediana era de R$ 862, ou seja
107,2% maior, enquanto o salário médio
atingia o valor de R$ 1.560, ou seja, 275,0%
maior que o salário mínimo. Já em 2014,
com um salário mínimo de R$ 733, o
salário mediano atingia o patamar de R$
1.223, ou seja, 66,8% maior, enquanto o
salário médio, no patamar de R$ 2.050,
passa a ser 179,7% maior do que o salário
mínimo. Portanto, o que se constata é uma
Assim, a partir do estoque total de empregos
formais em 2002, de quase 28,7 milhões de
empregos, a criação líquida de 20,3 milhões
de novos postos de trabalho entre 2003 e
2013 significou crescimento de 70,7%, ou
seja, taxa média anual de crescimento de
5,0% do volume de emprego. Esse resultado é ainda mais impressionante, quando
se calcula a taxa média de crescimento
da População Economicamente Ativa no
mesmo período, de 1,4% ao ano.
Outro importante indicador é a taxa média
anual de desocupação nas regiões metropolitanas do Brasil, entre 2003 e 2014,
44
ELEMENTOS DEMOGRÁFICOS, DA ESTRUTURA OCUPACIONAL E DA DESIGUALDADE NO MUNDO DO TRABALHO: NOTAS PARA UMA ANÁLISE DAS MUDANÇAS RECENTES NO BRASIL
Foto: CCO/ pixabay
redução da distância relativa das medidas
de tendência central – a média e a mediana
dos salários dos ocupados – dos valores do
salário mínimo.
empregos para os ocupados nos segmentos
de mais baixos salários.
Nesse mesmo sentido,
é possível constatar
que no período de 2003
a 2013 houve um expressivo
crescimento do saldo líquido
de empregos para os
ocupados nos segmentos
de mais baixos salários.
Sem dúvida, tal fenômeno resulta, ao
menos em parte, do vigoroso crescimento
dos salários mínimos no período, que não
teria sido acompanhado por reajustes da
mesma ordem nos salários dos ocupados
com rendimentos superiores a um salário
mínimo. Sabe-se que a distribuição dos
ocupados no Brasil segundo as classes
de rendimentos é bastante assimétrica,
com uma parcela muito ponderável dos
trabalhadores concentrados nos estratos
de menor remuneração. Nesse mesmo
sentido, é possível constatar que no
período de 2003 a 2013 houve um expressivo crescimento do saldo líquido de
A seguir, é importante voltar-se para a
análise de alguns indicadores selecionados sobre a evolução da formalização
45
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Foto: CCO/ pixabay
das relações de trabalho no Brasil, segundo
a posição na ocupação e principais setores
de atividade.
veremos que a taxa de formalidade, que
em 2002 era de 42,7%, passa para 56,6%
em 2013, ou seja, um crescimento de 13,9
pontos percentuais.
Num estudo recente e meticuloso, Krein e
Manzano (2014) reúnem um conjunto de
estatísticas que evidenciam a inequívoca
redução da informalidade nas relações
de trabalho no Brasil de 2003 a 2012, no
sentido inverso ao que se produz em um
conjunto de países desenvolvidos, presas
de ajustes recessivos, de medidas de flexibilização e de precarização das relações
laborais.
Entre todas as posições na ocupação representadas, os comportamentos de maior
destaque sucedem no segmento dos empregados com carteira e dos trabalhadores por
conta própria.
No que tange aos resultados da formalização em seu aspecto setorial, os dados
permitem concluir que ao tomarmos o
ano de 2012 como referência, a indústria
apresentava taxas de formalidade de 78,9%,
superiores em 13,6 pontos percentuais às
dos serviços (65,3%) e impressionantes
38,1% superiores à taxa apresentada pelas
Destaca-se que os resultados da taxa de
formalidade agregada apresentam um
comportamento crescente monotônico.
Se tomarmos o ano de 2002 como base,
46
ELEMENTOS DEMOGRÁFICOS, DA ESTRUTURA OCUPACIONAL E DA DESIGUALDADE NO MUNDO DO TRABALHO: NOTAS PARA UMA ANÁLISE DAS MUDANÇAS RECENTES NO BRASIL
ocupações agrícolas (40,8%). De qualquer
forma, ao longo do período de análise, é
mister constatar que em todos os setores
de atividade o crescimento da formalização em termos de pontos percentuais
foi da mesma ordem de grandeza: 10,3%
na indústria, 10,0% nos serviços e 11,4%
na agricultura.
às políticas públicas.
Assim, se no caso brasileiro vivemos um
período de redução da razão total de dependência que alcançará seu patamar mínimo
em 2020, não se pode descurar do fato de
que esse “dividendo demográfico” constitui
um fenômeno transitório, oferecendo a
oportunidade para a melhoria da qualidade
de vida, da redução dos níveis de pobreza
e de desigualdade.
Assim, se no caso brasileiro
vivemos um período de redução
da razão total de dependência
que alcançará seu patamar
mínimo em 2020, não se pode
descurar do fato de que esse
“dividendo demográfico”
constitui um fenômeno
transitório, oferecendo
a oportunidade para a melhoria
da qualidade de vida,
da redução dos níveis de
pobreza e de desigualdade.
O envelhecimento populacional, contudo,
compõe uma face particular da transição demográfica: com sua progressão,
o “bônus” ou “dividendo” demográfico
vai-se esvaindo. Portanto, é quase intuitivo
extrair daí implicações as mais fundamentais em termos de saúde pública e de previdência. Sem entrar no detalhamento dessas
implicações, pode-se dizer que seremos um
país envelhecido com necessidades que
constituirão rubricas progressivamente
mais pesadas tanto nos orçamentos das
famílias como no do Estado. Por isso, se
sugere que tirar proveito desse bônus,
antes que esse processo avance, é tarefa que
recai sobretudo sobre os poderes públicos.
Um fenômeno de grande importância
atravessa as transformações recentes no
domínio da demografia: o período recente
presenciou uma expressiva redução do
ritmo do crescimento populacional, em
razão da queda das taxas de fertilidade e
de natalidade e do aumento da esperança
de vida no Brasil. Ademais, ganha relevo a
rápida mudança no perfil etário da população que proporciona transitoriamente
o que se convencionou chamar de “bônus
demográfico”, com importantes desafios
Finalmente, deve-se destacar o fenômeno,
ao longo dos anos de análise, da redução
das desigualdades, especialmente no que
diz respeito à transformação da estrutura
socioeconômica brasileira, com a expressiva redução do contingente populacional
vivendo na condição de miséria, a diminuição das desigualdades de rendimento
do trabalho e mudanças no perfil ocupacional que se apresentaram significativas
no período em questão.
47
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
Foto: CCO/ pixabay
Ao longo dos últimos vinte anos, a
confluência de uma série de ações de políticas públicas e das conjunturas macroeconômicas e setoriais permitiram ao
Brasil assistir a um fenômeno singular
de ascensão de dezenas de milhões de
pessoas das condições mais degradantes
da miséria para patamares de padrões de
vida mais dignos.
reversão dessas tendências recentes, é
preciso aprofundar e consolidar políticas
sociais inclusivas, além do fortalecimento
do mercado de trabalho e de medidas
redistributivas.
Finalmente, propomos que o que se deve
ter em mente e o que deve nortear a ação da
pesquisa econômica sobre esses aspectos
fundamentais do desenvolvimento é o
reconhecimento de que ainda estamos
diante de uma oportunidade – demográfica, econômica e política – para se determinar o “projeto de futuro” que queremos
para o Brasil. É mais do que tempo de ousar.
Assim, voltamos a reiterar nossa impressão
de que, se não se pode negar que são alvissareiras as recentes transformações, é
mister reconhecer a insuficiência delas
ante a brutal dimensão dos problemas
estruturais e das desigualdades que ainda
marcam o mercado de trabalho no Brasil;
e, por outro lado, a fragilidade das mesmas
transformações. Para evitar o risco de uma
48
D I M E N S Õ E S E S T R A T É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O V A M E N T E I N T E R R O M P I D A ?
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