Uma reflexão sobre estruturas experimentais simples com tratamentos adicionais Eric Batista Ferreira 1 Pórtya Piscitelli Cavalcanti 2 1 Introdução A Estatı́stica Experimental é a área da Estatı́stica Aplicada que se preocupa com o planejamento e análise de experimentos. Um experimento é um método de pesquisa explicativa em que é imposta ou controlada a manifestação de uma ou mais caracterı́sticas explanatórias das unidades da amostra, através da imposição de nı́veis. Dentre estes estão os tratamentos que se deseja estudar [4]. O tratamento adicional é um tratamento extra, estabelecido a partir de uma linha de raciocı́nio diferente dos outros tratamentos [5]. Muitas vezes são chamados erroneamente de controle, contudo existe uma distinção entre estes tratamentos. Um controle é um padrão de comparação, também chamado de “padrão-ouro” ou “gold standart” na área de saúde, que pode representar o “não-tratamento” (controle negativo) ou o “tratamento puro” (controle positivo). Por esta linha de pensamento, todo tratamento controle é um adicional, mas nem todo adicional é um controle. Em algumas situações reais, os tratamentos adicionais podem ser muitos e se apresentar das mais diferentes formas. Suponha, por exemplo, que um pesquisador da área de Ciência dos Alimentos esteja interessado em estudar a vida de prateleira de pimentão. Suponha ainda que o procedimento que ele pretende seguir seja emergir o pimentão primeiramente em uma solução ácida e depois em uma solução que cria uma pelı́cula protetora (estudada em diferentes concentrações). A segunda solução pode conter ou não um certo fungicida. Note que existem vários tratamentos controle que podem ser de interesse do pesquisador, neste caso: 1. Pimentão imerso apenas no ácido; 2. Pimentão imerso no ácido e no fungicida, mas sem pelı́cula protetora; 3. Pimentão imerso apenas no fungicida; 4. Pimentão imerso apenas em água (nem ácido, nem fungicida, nem pelı́cula). 1 ICEx - Unifal-MG. E-mail: [email protected]. em Ecologia e Tecnologia Ambiental. E-mail: [email protected]. Agradecimentos especiais à FAPEMIG e ao CNPq pelo apoio financeiro. 2 Mestre 1 Para o mesmo exemplo, os tratamentos em teste seriam as concentrações da pelı́cula combinadas com a presença ou ausência de fungicida. Portanto, é importante saber diferenciar tratamento adicional de tratamento controle para planejar e analisar um experimento corretamente. Considerando um experimento simples (sem estrutura fatorial nos tratamentos), não há necessidade de nenhuma análise diferenciada (independente do delineamento adotado), pois o tratamento controle ou adicional é apenas mais um a ser comparado, mas todos estão em um mesmo nı́vel hierárquico. Uma opção clássica para esse caso seria o teste de Dunnett, que permite contrastar cada tratamento em teste com o adicional. No entanto, vale ressaltar que é muito raro que o pesquisador esteja interessado em contrastar os tratamentos em teste com os adicionais, mas não deseje comparar os tratamentos em teste entre si. Como outra alternativa, poderia-se pensar em um contraste entre “a média do adicional” vs “a média dos demais”. Isso não é feito no protocolo normal, mas pode ser de interesse do pesquisador. Teoricamente é possı́vel ainda contrastar “a média de k adicionais” vs “a média dos demais” (sendo k o número de adicionais), contudo não é muito comum na prática. Supondo que são mais de um tratamentos adicionais, o mais interessante seria fazer vários contrastes entre os “tratamentos em teste” vs “cada adicional”. Por exemplo, “tratamentos em teste” vs “controle positivo”, depois “tratamentos em teste” vs “controle negativo”. Já no planejamento de experimentos fatoriais e em parcelas subdivididas a inclusão de tratamentos adicionais é muito mais natural e comumente encontrada na literatura [5]. Nesses casos, são chamados de tratamentos adicionais todos aqueles tratamentos que fogem ao esquema fatorial de combinação dos nı́veis dos fatores. Neste trabalho, serão apresentados direcionamentos teóricos e práticos para análises de experimentos que possuem tratamentos adicionais. 2 Material e métodos Devido a limitação de espaço serão apresentados os direcionamentos para a análise de um experimento em esquema fatorial duplo, delineamento em blocos casualizados completos e um tratamentos adicional. Para essa situação particular, será apresentado o roteiro de análise e um exemplo com dados reais, analisado com o auxilio do software R [6]. 3 Resultados e discussão Para o experimento descrito na seção anterior, pode-se considerar o seguinte modelo estatı́stico: 2 { Y= µ + λk + αi + β j + (αβ)i j + ei jk , se Y =Yi jkl ∈ f atorial µ + λ k + τ + ek , se Y =Yk ∈ / f atorial em que i = 1, 2, . . . , a; j = 1, 2, . . . , b; k = 1, 2, . . . , J; Yi jk é a variável-resposta medida na parcela que recebeu o nı́vel i do fator α, o nı́vel j do fator β, no bloco k; µ é a constante comum a todas as observações; λk é o efeito do bloco k; αi é o efeito do i-ésimo nı́vel do fator α; β j é o efeito do j-ésimo nı́vel do fator β; (αβ)i j é o efeito da interação entre o i-ésimo nı́vel do fator α e o j-ésimo nı́vel do fator β; ei jk é o efeito dos fatores não controlados na parcela Yi jk e τ é o contraste entre o fatorial duplo e o tratamento adicional. Para analisar experimentos que apresentem este esquema de análise com um tratamento adicional, normalmente, são necessárias duas análises: 1. Análise de variância do fatorial duplo; e 2. Análise de variância de um DBC simples incluindo todos os tratamentos juntamente com o adicional. A primeira análise é representada pela tabela da ANAVA do fatorial duplo (Tabela 1). Tabela 1: Tabela da ANAVA para um experimento em fatorial duplo em DBC. FV Bloco α GL J −1 a−1 SQ SQB SQα β b−1 SQβ α∗β (a − 1)(b − 1) SQαβ Resı́duo (ab − 1)(J − 1) SQR Total abJ − 1 SQT QM Fc SQB glB SQα glα SQβ glβ SQαβ glαβ SQR glR SQT glT QMB QMR QMα QMR QMβ QMR QMαβ QMR Na Tabela 2 a seguir, tem-se a análise de variância do DBC simples, onde a fonte de variação Trat corresponde aos tratamentos vindos de um fatorial duplo. Tabela 2: Tabela da ANAVA para um experimento em DBC simples incluindo todos os tratamentos juntamente com o adicional. FV Bloco Trat Adicional vs demais Resı́duo Total GL J −1 ab − 1 1 ab(J − 1) (ab + 1)J − 1 3 SQ SQB SQTr SQAd SQR SQT QM Fc SQB glB SQTr glTr SQAd 1 SQR glR SQT glT QMB QMR QMTr QMR QMAd QMR A partir das Tabelas 1 e 2, a análise de variância do experimento em questão - fatorial duplo com um tratamento adicional em DBC - pode ser observada abaixo (Tabela 3). Tabela 3: Tabela da ANAVA para um experimento em fatorial duplo com um tratamento adicional, em DBC. FV Bloco α GL J −1 a−1 SQ SQB SQα β b−1 SQβ α∗β (a − 1)(b − 1) SQαβ Adicional vs Fatorial 1 Resı́duo ab(J − 1) Total (ab + 1)J − 1 SQAd SQR SQT QM Fc SQB glB SQα glα SQβ glβ SQαβ glαβ SQAd 1 SQR glR SQT glT QMB QMR QMα QMR QMβ QMR QMαβ QMR QMAd QMR A soma de quadrados do contraste do tratamento adicional com o fatorial (SQAd ) pode ser calculada por diferença entre a soma de quadrados dos tratamentos (SQTr ) da Tabela 2 e as somas de quadrados do bloco, dos fatores α e β e sua interação (SQB , SQα , SQβ e SQαβ ) da Tabela 1 [3], ou seja: SQAd = SQTr − (SQB + SQα + SQβ + SQαβ ). (1) O resı́duo utilizado foi o encontrado na Tabela 2 e, desta forma, os quantis da distribuição F (Fc) foram recalculados. Análises desse tipo exigem que o pesquisador execute várias rodadas (análises) e complementem essas análises por conta própria, tornando o procedimento mais difı́cil e duvidoso. Sugere-se que tais análises sejam feitas em softwares amplamente difundidos e grátis como o R [6]. Com o auxı́lio do pacote ExpDes [1] pode-se analisar experimentos em esquemas fatoriais duplo ou triplo em DIC ou DBC, em apenas uma rodada. A função fat2.ad.rbd() permite analisar experimentos em esquema fatorial duplo com um tratamento adicional em DBC [2]. Ela realiza a análise de variância e testes de comparação múltipla de médias (teste de Tukey, teste de Student-Newman-Keuls, teste de Scott-Knott, teste de Duncan, teste t de Student, teste t com proteção de Bonferroni e teste bootstrap) ou ajuste de modelos de regressão até o terceiro grau. Na Figura 1 pode-se observar a saı́da da função fat2.ad.rbd() , exemplificada por um experimento que avaliou a altura das plantas de milho 21 dias após a emergência sob infestação de percevejos (Dichelops) em diferentes momentos de convivência (period) e os nı́veis de infestação (level) [7]. O tratamento adicional é o perı́odo zero e nı́vel zero. 4 Figura 1: Saı́da da função fat2.ad.rbd() . 4 Conclusões O planejamento e a análise de experimentos que contém tratamentos adicionais são mais comuns do que se pensa e, por isso, merecem mais atenção e formalização de conceitos e métodos. O roteiro de análise apresentado neste trabalho é apenas um exemplo de como este tema pode ser desenvolvido em trabalhos futuros, tanto em artigos cientı́ficos quanto em livros didáticos. Referências [1] FERREIRA, E. B.; CAVALCANTI, P. P.; NOGUEIRA, D. A. Experimental designs: um pacote R para análise de experimentos. Revista da Estatı́stica UFOP. v. 1, p. 1-9, 2011a. [2] FERREIRA, E. B.; CAVALCANTI, P. P.; NOGUEIRA, D. A. ExpDes: Experimental Designs package. R package version 1.1.1, 2011b. URL http://CRAN.Rproject.org/package=ExpDes [3] HEALY, M. J. R. The analysis of a factorial experiment with additional treatments. Journal of Agricultural Science. Cambridge. v. 47, p. 205-206, 1956. [4] MACHADO, A. A.; DEMÉTRIO, C. G. B.; FERREIRA, D. F.; SILVA, J. G. C. da; Estatı́stica Experimental: uma abordagem fundamentada no planejamento e no uso de recursos computacionais. Editora da UEL: Londrina, 2005 [5] PIMENTEL-GOMES, F. Curso de estatı́stica experimental. 15. ed. Piracicaba: FEALQ, 2009. 451 p. [6] R DEVELOPMENT CORE TEAM. R: A Language and Environment for Statistical Computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing. 2013. [7] RODRIGUES, R. B. Danos do percevejo-barriga-verde Dichelops melacanthus (Dallas, 1851) (Hemiptera: Pentatomidae) na cultura do milho. 2011. 105 p. Dissertacao (Mestrado em Agronomia), Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2011. 5