Elucidário médico sobre a natureza do embrião Alexandre Laureano Santos (Médico) Todas as considerações sobre o início da vida humana, qualquer que seja a via da abordagem teológica, antropológica, filosófica ou jurídica - não podem eximir-se a uma reflexão biológica. Existem muitas razões para um debate generalizado sobre o início da vida . Há actualmente muitas dezenas de milhares de embriões humanos que se encontram conservados artificialmente no frio, excedentários das intervenções de procriação assistida; o seu destino será necessariamente a destruição, visto que para eles não será possível encontrar acolhimento no seu natural meio de desenvolvimento - o útero preparado para a maternidade. O tema das formas iniciais da vida humana adquiriu um novo relevo após os debates sobre a utilização das células primordiais na investigação básica ou perseguindo objectivos terapêuticos. As questões ligadas à legalização do aborto, transversalmente presentes nas sociedades contemporâneas, estando embora mais relacionadas com estádios posteriores do desenvolvimento, referem-se ainda às etapas iniciais da vida humana e às condições do seu acolhimento. Há uma questão prévia neste debate: é necessário que a interpretação dos dados recolhidos das ciências experimentais se mantenha fiel a uma lógica científica e as conclusões não a ultrapassem no sentido de se atribuir um significado de valor aos elementos demonstráveis da observação; é necessário, ainda, que os intervenientes das ciências humanas tenham uma clara compreensão dos dados da ciência e os respeitem no sentido de fundamentar solidamente as suas afirmações. Perante a existência de domínios incertos do conhecimento não podem fazer-se afirmações que modifiquem a clareza do diálogo e contribuam para o desqualificar. O primeiro facto biologicamente identificável na formação de um ser humano é a fusão de duas células altamente especializadas provenientes de cada um dos progenitores contendo metade dos cromossomas de um indivíduo adulto. Estas células são designadas por gâmetas: o óvulo e o espermatozóide. Fenómenos semelhantes estão na origem de todos os mamíferos e de outros seres vivos pertencentes a muitas outras espécies. Quando aquelas duas células se aproximam, envolvidas por um ambiente biológico característico de cada espécie, após uma fase de reconhecimento segue-se a penetração do material genético do espermatozóide no óvulo e a formação imediata de uma barreira na membrana celular que impede a penetração de novos espermatozóides. Neste momento inicia-se uma nova cadeia de actividades sucessivas e encadeadas a partir dos materiais provenientes dos dois gâmetas que vão actuar como se fossem dois sistemas complementares, com actividades coordenadas e interdependentes. O que teve lugar foi a constituição de uma nova entidade que tem designação biológica de zigoto ou embrião unicelular. O zigoto é, na realidade, uma célula semelhante a qualquer outra célula de um ser vivo adulto contendo um número duplo de cromossomas relativamente a cada um dos gâmetas. O zigoto designa-se, por isso mesmo, como uma célula diplóide. O que vai seguir-se é um período de reduplicação sucessiva do número de células com genoma idêntico ao da célula inicial; estas irão distribuir-se radialmente e diferenciar-se no novo organismo pluricelular. Nas 15 a 20 horas seguintes à fusão dos gâmetas o zigoto humano vai comportar-se como uma célula orientada pela informação genética de que está dotada no sentido de uma evolução bem definida e precisa. Nos genes dos seus cromossomas está inscrito um plano-programa que distingue cada zigoto de todos as outras células (incluindo as células dos seus progenitores). Neles está incluída a informação constitutiva de um ser com uma identidade única, existente a partir da fusão dos dois gâmetas, que irá desenvolver-se se as condições ambientais forem adequadas - isto é, se se satisfizerem os pressupostos do metabolismo respiratório, das condições de nutrição e de temperatura de que o ser vivo em absoluto necessita para que se exerçam as suas funções vitais. Se assim acontecer o novo ser prosseguirá o seu destino e irá constituir-se num corpo com as características somáticas de uma determinada figura humana no qual todas as células terão um padrão cromossómico igual ao da célula original. Vai prosseguir o aumento exponencial do número de células - designadas por blastómeros através de uma sequência de divisões com ciclos de 12 a 15 horas, constituindo um processo complexo que se realiza sob o controlo do genoma. O desenvolvimento vai condicionar um contacto recíproco entre as células através da existência de pontes citoplasmáticas e de microvilosidades. Tal contacto é estreitíssimo no estádio de 8-32 células - designado por mórula no qual, devido à formação de conexões intercelulares complexas, se tornam possíveis as comunicações intercelulares cuja interrupção provoca alterações graves no desenvolvimento do embrião. Rapidamente irá seguir-se a organização e a diferenciação através das quais as células iniciais indiferenciadas se transformarão, por divisões coordenadas e sucessivas, nas estruturas primordiais dos órgãos e dos sistemas constitutivos de um corpo humano. Por volta da 5ª semana da gestação, quando as dimensões de um embrião humano são ainda inferiores a um centímetro, já estão presentes as primeiras estruturas cerebrais, os esboços bem definidos do coração, do aparelho respiratório, do aparelho digestivo e da área genito-urinária onde já se iniciou o processo de formação do aparelho reprodutor; até à 6ª semana são identificáveis as extremidades dos membros e está avançada a formação do sistema nervoso central; até à 7ª semana a forma do corpo está completa e é inconfundível; até à 8ª semana o corpo está totalmente definido, com os seus órgãos e sistemas já constituídos. Os movimentos espontâneos (saltos, flexões, movimentos do tórax, da cabeça, das mãos e dos dedos) podem ser avaliados entre a 7ª e a 15ª semanas. A reflexão sobre todos os dados até hoje demonstrados pelas ciências experimentais não pode deixar de conduzir à conclusão de que a fusão dos dois gâmetas inicia o ciclo vital de um novo ser humano. O seu corpo terá um desenvolvimento autónomo, contínuo e progressivo a partir das fases mais primordiais seguindo um programa que está inscrito nos seus genes. A realização desse programa está sujeita às condições que são características de cada ser vivo - dependência estrita das condições do ambiente em que vive, da adequada nutrição, da sujeição aos factores de doença e da exposição às agressões. E está sujeito à morte, muito comum nas fases iniciais em todos os seres vivos. O embrião humano, logo desde a fusão dos gâmetas, não é um ser humano potencial. É um ser humano real que iniciou a sua própria existência.