Universidade Aberta
Mestrado em Comunicação Educacional Multimedia
"Concepção e Desenvolvimento de uma Aplicação Hipertexto:
Aspectos da Construção do Número na Criança em Jean Piaget"
Dissertação de Mestrado
Realizada por: Lina Maria Gaspar Morgado
Orientada por: Profª Doutora Maria Emília Marques
Lisboa, 1993
i
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
I
PARTE I
CAPÍTULO I. OS NOVOS MEDIA
1
1. O COMPUTADOR: NOVAS RELAÇÕES COM A (IN) FORMAÇÃO E O SABER
2
2. OS CONCEITOS DE MULTIMEDIA E INTERACTIVIDADE
11
17
CAPÍTULO II. PARA COMPREENDER O HIPERTEXTO E O HIPERMEDIA
1. A HISTÓRIA DO HIPERTEXTO
18
2. A ARQUITECTURA DO HIPERTEXTO
23
2.1. DEFINIÇÃO DE HIPERTEXTO E HIPERMEDIA
23
2.2. A ESTRUTURA DO HIPERTEXTO
26
3. A NAVEGAÇÃO NO HIPERTEXTO
32
3.1. O QUE É NAVEGAR NO HIPERTEXTO?
32
3.2. A (DES)ORIENTAÇÃO NO HIPERTEXTO: PERDER-SE NO HIPERESPAÇO
34
3.3. PROCESSOS E MECANISMOS AUXILIARES DA NAVEGAÇÃO NO HIPERTEXTO
37
4. A INTERACÇÃO COM O HIPERTEXTO: A OBRA, O AUTOR E O UTILIZADOR
40
5. CARACTERIZAÇÃO DOS ESTILOS DE NAVEGAÇÃO EM HIPERTEXTO
44
50
CAPÍTULO III. O LUGAR DO HIPERTEXTO NA APRENDIZAGEM
1. O COMPUTADOR E A APRENDIZAGEM
51
1.1. DA MÁQUINA DE ENSINAR AO ENSINO ASSISTIDO POR COMPUTADOR
51
1.2. O SOFTWARE EDUCATIVO
52
2. ALGUNS PRINCÍPIOS PARA A CONCEPÇÃO DE SOFTWARE EDUCATIVO
60
3. O HIPERTEXTO E A APRENDIZAGEM
70
3.1. O HIPERTEXTO COMO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM
70
3.2. COMO UTILIZAR O HIPERTEXTO COMO AUXILIAR DO ENSINO-APRENDIZAGEM
80
3.3. UMA NOVA MODALIDADE DE APRENDIZAGEM: APRENDER SENDO AUTOR?
84
PARTE II
CAPÍTULO IV. ESTUDO DE UM CASO - CONCEPÇÃO, REALIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DA APLICAÇÃO
87
"ASPECTOS DA CONSTRUÇÃO DO NÚMERO NA CRIANÇA EM JEAN PIAGET "
A. DA IDEIA AO PRODUTO FINAL
88
1. DESCRIÇÃO DE UMA IDEIA
88
2. DESCRIÇÃO DA FERRAMENTA: MULTIMEDIA TOOLBOOK PARA O WINDOWS
94
3. METODOLOGIA DE CONCEPÇÃO E REALIZAÇÃO DA APLICAÇÃO
101
3.1. CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL DOS UTILIZADORES
101
3.2. OBJECTIVOS DA APLICAÇÃO
103
3.3. MATERIAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA APLICAÇÃO
104
4. PROCEDIMENTO DE CONCEPÇÃO E DE REALIZAÇÃO DA APLICAÇÃO
105
ii
B. CONCEPÇÃO E REALIZAÇÃO DO INTERFACE COM O UTILIZADOR
108
1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INTERFACE COM O UTILIZADOR
108
2. O SISTEMA DE NAVEGAÇÃO
112
3. OS MECANISMOS DE ORIENTAÇÃO
116
4. O SISTEMA DE AJUDA AO UTILIZADOR
117
C. ASPECTOS VISUAIS DE CONCEPÇÃO E REALIZAÇÃO DO INTERFACE
1. A COR
119
119
1.1. SELECÇÃO E UTILIZAÇÃO DA COR
119
1.2. CODIFICAÇÃO DA COR
122
2. O TEXTO E O TIPO DE LETRA
123
3. COMPOSIÇÃO ESPACIAL DO ECRÃ
126
3.1. CONSISTÊNCIA DA LOCALIZAÇÃO
4. O USO DOS EFEITOS
127
129
4.1. O EFEITO DE ANIMAÇÃO
129
5. OS ÍCONES
131
6. A OPÇÃO PELA FOTOGRAFIA
133
D. A ESTRUTURAÇÃO DA INFORMAÇÃO
136
1. BREVE ENQUADRAMENTO
136
2. PROCEDIMENTO DE ESTRUTURAÇÃO DA INFORMAÇÃO
137
2.1. O TÓPICO "ACERCA DE JEAN PIAGET"
139
2.2. O TÓPICO "A CONSTRUÇÃO DO NÚMERO"
147
2.3. A REDE DE INFORMAÇÃO
149
3. PERCURSOS DE DESENVOLVIMENTO
E. AVALIAÇÃO DA NAVEGAÇÃO DOS UTILIZADORES NA APLICAÇÃO Aspectos da Construção
153
156
do Número na Criança em Jean Piaget
1. INTRODUÇÃO
156
2 . OBJECTIVOS
159
2.1. SUJEITOS
160
3. METODOLOGIA
160
3.1. MATERIAL
161
3.2. PROCEDIMENTO
161
4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
163
4.1. APRESENTAÇÃO DAS RESPOSTAS DADAS NO QUESTIONÁRIO
164
4.2. APRESENTAÇÃO DOS DADOS RELATIVOS À NAVEGAÇÃO DOS SUJEITOS
169
4.3. APRESENTAÇÃO DA SEQUÊNCIA DE NAVEGAÇÃO DOS SUJEITOS
180
5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
185
PARTE III
CAPÍTULO V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
190
CAPÍTULO VI . BIBLIOGRAFIA
194
ANEXOS
iii
CAPÍTULO I
OS NOVOS MEDIA
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
1. O COMPUTADOR: NOVAS RELAÇÕES COM A (IN)FORMAÇÃO E O
SABER
A era da informação e o desenvolvimento das novas tecnologias da
informação vêm colocar novas questões e exigir um reposicionamento de
perspectivas, tanto no campo da comunicação como no da educação, criando mesmo
novas necessidades na educação e na formação dos indivíduos para o século XXI.
Actualmente, é já um lugar comum afirmar-se que a tecnologia, de um modo
geral, domina o nosso quotidiano numa proporção só ultrapassada nos exercícios de
imaginação da ficção científica. Este fenómeno não se pode dissociar do
desenvolvimento de várias tecnologias e saberes, mas é sobretudo o avanço da
electrónica e o surgimento do microprocessador ("chip") que vem dar início, na
década de 70, a uma revolução - a democratização do computador.
A partir deste boom, desenha-se o início de uma tendência para a fusão das
diversas tecnologias outrora específicas de cada medium (mediafusão, segundo
Toffler, 1991) e o início do domínio do digital sobre o analógico.
Estes acontecimentos provocam, em certa medida, uma maior difusão e um
acesso facilitado a estas novas máquinas, ou, de outro modo, uma certa
democratização do computador, tendo, por isso, um grande impacto sobre o
comportamento dos indivíduos. Nos mais variados contextos, experimentam-se e
vivem-se novos modos de comunicação com os outros e essas interacções têm novos
atributos, desenvolvendo-se, por isso, novos modos de aprender e ensinar. Pierre
Lévy (1987:10) perspectiva-o mesmo como uma "tecnologia intelectual dado não
2
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
constituir apenas um objecto de experiência mas porque possibilita a construção do
conhecimento dos objectos".
Nos contextos de trabalho, é sobretudo a tecnologia ligada ao computador
que vem provocar grandes mudanças, tanto nos modos de organização, gestão e
acesso à informação, como na escrita e impressão, associando-lhe outras tecnologias
- o fax e o telefone, por exemplo. Neste contexto, é aliás interessante verificar que é
na comunicação escrita
que se dá o grande impacto do computador, nas mais
diversas actividades profissionais, através do desenvolvimento de ferramentas
específicas - nomeadamente o processador de texto.
A introdução das novas tecnologias no mundo do trabalho tem subjacente
uma lógica de produção de rentabilidade e de gestão da informação, implicando
também o desenvolvimento qualitativo e quantitativo dos novos instrumentos e das
novas modalidades de trabalho.
A aprendizagem, em consequência das actuais exigências nos diversos
domínios profissionais, começa a ser entendida, assim argumenta Piccioni (1991),
como condição necessária durante toda uma vida e não apenas limitada à
escolarização dos indivíduos. Se, por um lado, a constante mudança tecnológica
exige que a formação-base dos indivíduos seja cada vez de maior nível -um diploma
conseguido no início de uma actividade profissional desactualiza-se em curto espaço
de tempo - por outro, há uma certa tendência para se irem alterando as competências
que lhes são exigidas. Surge, assim, a necessidade de, nos mais variados contextos
profissionais, se proporcionarem situações e períodos destinados à aprendizagem e
treino dos indivíduos. Estas situações perfilam-se muitas vezes como contextos de
3
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
aprendizagem que tendem para a autonomia do aprendente (auto-formação),
apoiados em materiais de auto-aprendizagem.
Ora, as constantes mudanças tecnológicas, que levam a uma necessidade
periódica de adopção de versões actualizadas dos programas e, por vezes, de novos
ambientes informáticos, conduzem a que os tempos e a frequência dos períodos de
formação sejam mais longos e mais próximos, dado que se vão exigindo novas
capacidades aos indivíduos. Antevêem-se perspectivas novas do que deve constituir
a formação profissional nos próprios locais de trabalho. Por exemplo, há quem
perspective (cf. Marques, 1992) estações de trabalho multimedia, e preveja um
carácter cíclico da formação ao longo da vida profissional.
Assiste-se assim a uma constante tecnologização das actividades diárias e dos
comportamentos mais variados dos indivíduos, desde aqueles que envolvem o
acesso à informação (bancária, turística, documental, entre outras), a formas de
pagamento de contas, a consumo a distância (telecompras), ou mesmo a outro tipo de
comportamentos como a marcação de consultas médicas. Ora, muitos indivíduos não
possuem qualquer formação no âmbito das tecnologias envolvidas, utilizando-as
embora. Rolff (1993) caracteriza este tipo de conhecimento como aquele que é
adquirido de modo intuitivo através da interacção social, contribuindo para a
orientação e para a facilitação de comportamentos de rotina dos indivíduos. É um
conhecimento fundamentalmente derivado de experiências do quotidiano (família,
amigos, media, trânsito entre outros).
Numa interessante reflexão sobre cenários possíveis para o ano 2000,
Machado (1990) demonstra que a renovação das gerações faz surgir outras dinâmicas
de mudança. A geração que pôde desejar um computador foi aquela que
4
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
protagonizou a difusão maciça dos computadores Timex em meados da década de
80. É evidente que o computador manifestava já a sua presença no contexto
familiar, fosse por razões de trabalho ou de estudo, mas instala-se definitivamente
por razões de natureza lúdica. Na verdade, parece estabelecer-se neste contexto com
um papel de diversão, nomeadamente através de jogos1. Esse papel vem sofrendo
entretanto alguma evolução, assistindo-se ao surgimento de uma tendência no
software que associa divertimento e informação, e a que Cotton e Oliver (1993)
chamam "infotainment" (information + entertainment). São, em geral, produtos
multimedia, tão diversos que vão desde uma compilação de artigos da revista Time
acerca da guerra do Golfo, até a um guia interactivo de filmes, por exemplo.
Existe alguma controvérsia a respeito das virtualidades educacionais dos
jogos, sublinhando-se sobretudo a desadequação de conteúdos e o tempo que retiram
a actividades mais sérias, acentuando a tradicional dicotomia entre jogo e trabalho.
Contudo, é possível destacar características positivas, como o nível de curiosidade
que despertam, o controle instrumental que exigem ao utilizador e os níveis de
motivação e de feedback que proporcionam, e que poderiam ser adoptados noutras
situações educativas. Greenfield (cf. Calvani, 1990) apontou numerosos efeitos
positivos destes jogos ao nível cognitivo, entre os quais valoriza o exercício das
capacidades perceptivo-espaciais complexas (atenção, discriminação, memória),
realizando uma gestão simultânea da informação com frequência associada
às
capacidades dos pilotos. Aponta ainda capacidades de inferência, dado que os
jogadores devem agir sem conhecer antecipadamente as regras do jogo, que devem
ser encontradas por indução, aproximando-se da actividade de descoberta científica.
1-
Os sistemas dos jogos (videogames) têm tido grande desenvolvimento, tendo "inventado"
tecnologia específica e inovadora tanto no modo de armazenamento como no de gestão e apresentação
dos jogos. A tendência imposta, sobretudo pelos gigantes Nintendo e Sega, é para a utilização de
tecnologia multimedia.
5
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
A autora sublinha, deste modo, tanto a actividade cognitiva como metacognitiva
envolvida e também as suas implicações educacionais, nomeadamente através da
transferência destas capacidades para outros domínios não-lúdicos.
Paradoxalmente, é numa área que tem revelado poucas preocupações
pedagógicas e educativas que se registou uma grande inovação no domínio da
concepção e programação do interface com o utilizador. Recorde-se que mesmo os
jogos de maior complexidade são relativamente fáceis de aprender e usar, facto este
que viria a ser aproveitado pelos criadores de software nas áreas da informação e da
educação.
No que respeita à escola, afigura-se algo contraditório que a sociedade e o
sistema educativo não tenham contemplado amplamente as novas tecnologias de
informação inserindo-as desde cedo na formação dos indivíduos, na tarefa de os
preparar para a vida adulta, enraizando uma competência que virá no futuro a serlhes exigida enquanto adultos. Parisi (1992) considera que a escola tem estado
imune à tecnologia, apontando esta variável como reveladora da dissonância entre
esta instituição e a sociedade. Aliás, o fenómeno em si tem sido encarado segundo
diversas e contraditórias filosofias (Ponte,1992a), tendo a introdução do computador
na escola acabado por criar enormes expectativas quanto à solução de inúmeros
problemas.
A história da introdução da inovação tecnológica na escola tem-se pautado,
no entanto, por sucessivos fracassos. Ely e Plomb (cf. Teodoro, 1992) adiantam
vários factores que terão contribuído para esse insucesso. Entre eles, ressalta a falta
de identificação clara dos objectivos da utilização de novas tecnologias, a colocação
do ênfase no meio e não no conteúdo e a inevitável resistência à mudança. Plomp e
6
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
Pelgrum (1993), num estudo comparativo envolvendo os países industrializados,
revelam que, apesar das actividades com computadores terem lugar na escola, só um
número relativamente pequeno de professores está envolvido, não indicando as suas
actividades mudanças reais na estrutura das classes e das escolas. Eis talvez porque
alguns relatórios internacionais (Grandbastien, 1992) apontem para a existência de
um certo desencanto e para a necessidade de mudanças quer quantitativas, quer
qualitativas.
A questão da introdução de tecnologias na educação não se coloca, por
conseguinte, apenas ao nível de uma mudança tecnológica, podendo, segundo
Teodoro (1992:10),
"estar associada à mudança do modo como se aprende, à mudança
das formas de interacção entre quem aprende e quem ensina, à
mudança do modo como se reflecte sobre a natureza do
conhecimento".
Apesar da diversidade de posições, os consensos resumem-se à atribuição da
responsabilidade da formação ao contexto escolar, postulando a sua integração no
currículo de modo a prosseguir uma alfabetização dos indíviduos em relação ao
computador, tal como defendido por Reiter (1993), McCartan (1992) e Calvani
(1990).
É sobretudo no contexto da educação a distância que se observa, até pela
sua natureza, o recurso à tecnologia como instrumento a explorar em todas as suas
potencialidades e se perspectiva um autêntico desafio posto por elas à terceira
geração do ensino a distância (SØren, 1989 e Bates, 1991). Uma tal educação, que
integre o computador em estações de trabalho multimedia ou em mediatecas
(Marques, 1992), vê o seu sucesso depender não só da inovação no campo do
desenvolvimento do software e do hardware, como também de factores que
7
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
decorrem de aspectos pedagógicos na concepção de todo o sistema e na relação do
mesmo com contextos curriculares mais gerais como, por exemplo, a formação
posterior numa empresa.
De acordo com Bates (1991:116),
"estas novas tecnologias interactivas requerem não só equipamento
sofisticado e sistemas de comunicação, mas também professores
altamente qualificados e em grande número, se se quiserem manter
altos níveis de interactividade ao nível social".
Experiências norueguesas e dinamarquesas2 documentam o potencial da
chamada educação on-line, e o facto de certos sistemas se encontrarem já preparados
tecnologicamente para se distanciarem da primeira e segunda gerações da educação a
distância, embora a responsabilidade de tal mudança permaneça ainda no campo
pedagógico e institucional. Antevê-se, assim, que a nova geração de sistemas se
ajustará às necessidades de cada aluno ou grupo, aspecto que tem ganho uma outra
dimensão especialmente no campo da formação contínua. SØren (1989:63) afirma
mesmo, que novos papéis esperam professores e alunos nos sistemas de ensino a
distância " deslocando-se o locus de controle do professor/tutor e dos materiais de
ensino para o grupo de alunos e processos gerados por eles".
Estamos aqui no campo da aprendizagem colaborativa, num quadro
sociocomunicativo decorrente do trabalho em grupo.
É neste quadro que Paulsen (1989) insere os novos desafios da educação, com
o surgimento de um novo tipo de escola - a escola virtual, onde se reduzirão ao
mínimo as limitações da comunicação entre os indivíduos, ultrapassando as
2-
Nomeadamente através da Conferência Mediada por Computador que, baseada na tecnologia
similar do correio electrónico, se apoia no computador para permitir a comunicação entre um grupo
de utilizadores.
8
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
contingências de tempo e lugar. Para trabalharem em colaboração, os indivíduos não
têm de estar todos no mesmo lugar ao mesmo tempo.
Um outro contexto onde as fronteiras estão a ganhar novos contornos é a
biblioteca, cuja complexidade tem exigido a utilização das tecnologias da
informação, a adopção de outros media e a diversificação de suportes,
nomeadamente o
CD-ROM. Este facto tem vindo progressivamente a
transformar tal espaço em mediateca, ampliando as possibilidades de localização e
de cruzamento da informação, bem como a facilidade e versatilidade da consulta.
Le Cacheaux (1991) acrescenta à alteração das funções actuais das
bibliotecas a sua utilização a distância através das redes electrónicas, esbatendo-se a
oposição entre biblioteca pública e privada, na medida em que "as novas tecnologias
são portadoras de uma espécie de biblioteca ideal e pessoal acessível a cada um".
Também no caso dos museus se observa uma mudança, sobretudo a partir
dos anos 90, transformando-se estes cada vez mais em "lugares de saber" e em
contextos de comunicação multimedia (Rocha-Trindade, 1989 e Schuessler, 1992).
As novas características que têm vindo a assumir devem-se ao papel que os vários
media aí têm desempenhado. Segundo Meester e Natali (1987) é a dimensão
tecnológica que tem vindo a projectá-los, não só como lugares de colecção e de
conservação mas, sobretudo através das novas tecnologias, também como lugares de
transmissão de informação e, portanto, contextos de comunicação.
É neste plano que Hill e Miles (1987) analisam o modo como o computador,
com as suas novas potencialidades, vem possibilitar a transformação do discurso e
das práticas museológicas através de um dado novo na relação a estabelecer com os
visitantes - a interactividade - e também através da adopção de uma nova perspectiva
9
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
pedagógica: o princípio orientador passa a ser a interacção e a aprendizagem pela
acção (veja-se, nomeadamente, o caso dos museus da ciência).
Torna-se claro que são novos os desafios dos sistemas educativos na tarefa de
formar os cidadãos para esta sociedade da informação, de reorganizar o trabalho e a
vida quotidiana, incrementando, como refere Grandbastien (1992:17), "os níveis de
conhecimento e capacidades dos indivíduos e a eficiência e a flexibilidade dos
sistemas educacionais", através de uma intervenção relacionada com uma formação
de professores direccionada para o "falhanço zero", e uma concepção e uso de
produtos facilitadores da aprendizagem individual e em grupo.
Se, como refere Fiolhais (1994:51), o computador ultrapassou já a fase de o
concebermos como a metáfora da moda, definindo-se em qualquer contexto como
"(...) um objecto extraordinariamente eficaz, conferindo aos seus
utilizadores possibilidades de intervenção que outrora eram
inconcebíveis. Os computadores, desde a época dos ábacos mais
arcaicos, têm evoluído para máquinas que permitem cartografias cada
vez mais perfeitas da realidade."
importa que os seus utilizadores saibam interpretar estes "mapas" e saibam usá-los
adequadamente.
10
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
2. OS CONCEITOS DE MULTIMEDIA E INTERACTIVIDADE
Importa reflectir sobre a evolução do conceito multimedia nas últimas
décadas, sobretudo em consequência da inovação tecnológica e do seu impacto a
todos os níveis, nomeadamente no que se refere à articulação deste conceito com as
novas capacidades do computador.
O conceito esteve no início conotado com a utilização de meios audio-visuais
diversos em contextos educacionais (presenciais e a distância), e foi ligado às novas
tecno(metodo)logias de ensino-aprendizagem. Se na década de 70 o multimedia era
definido, do ponto de vista da então Tecnologia Educativa, como a combinatória de
alguns media, na década de 80 é já entendido como a utilização, com objectivos
educacionais, de dois ou mais media (Trindade,1990), assentando, e este é um
aspecto fundamental, numa complementaridade de discursos integrados. Galliani
(1989) considera mesmo, que o multimedia não pode ser identificado, apenas, com a
disponibilidade dos media, mas sim com a sua integração, apoiada numa taxonomia
que permita relacionar as características dos media com parâmetros discursivos,
tecnológicos e psicológicos e nos tipos de interacção exigidos pelas funções
didácticas.
É através deste deslocamento teórico, que enfatiza a situação de
aprendizagem, que o seu campo de aplicação e de investigação passa a ser o da
Comunicação Educacional.
11
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
Mas é a emergência da filosofia do computador pessoal e a sua rápida
implantação nas secretárias de grande número de utilizadores e de diversos sectores
da sociedade, associada à fusão das diferentes tecnologias de outros media, que vem
introduzir novas perspectivas na área em estudo - existe agora uma ferramenta que
oferece vários media integrados num único sistema, simplificando a sua conjugação
física a nível de hardware, e criando hipóteses cada vez mais ricas e diversificadas
de exploração, graças ao desenvolvimento constante do software.
Com a banalização da utilização do conceito no campo da divulgação
informática e a crescente utilização das novas tecnologias da informação em
contextos educacionais, dá-se uma certa miscelanização do conceito. O
desenvolvimento do computador e de toda a tecnologia a ele associada veio trazer,
assim, mudanças conceptuais com implicações na educação, possibilitando a
utilização integrada de uma multiplicidade de media e a transformação/aparecimento,
como sustenta Vertecchi et al. (1992:16), de um supermedium interactivo.
Stratfold e Laurillard (1993) defendem que, apesar do conceito ter as suas
raízes na tecnologia, se desenvolveu e aprofundou no domínio da comunicação
educacional, e que para se manter é necessário construir uma nova "gramática" dos
multimedia por uma transferência análoga à que ocorreu com o filme e a televisão.
Na perspectiva de Vertecchi et al. (1992), a completa integração dos media
que o computador vem permitir cria também novas condições para uma maior
integração ao nível das linguagens, para uma alteração dos modelos de organização
do conhecimento e, finalmente, para o desenvolvimento de novos modelos de
comunicação educacional, centrados sobretudo na aprendizagem e não tanto no
ensino. É pois neste contexto que é possível incluir a tese de Sheingold (1987), que
12
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
define o deslocamento do computador de mera tecnologia para se transformar num
medium simbólico.
Uma das características a que se apela, frequentemente, para distinguir os
media de ontem dos media de hoje, prende-se com a natureza da interacção que os
indivíduos com eles estabelecem, afirmando alguns que a característica fundamental
dos novos media é "a sua capacidade de assegurar o mais alto nível de retroacção e
de interacção entre os actores em comunicação".
O aumento das possibilidades de comunicação e de interacção do utilizador
com o computador, através das novas capacidades e do surgimento de software
adequado, veio trazer a visão dum modelo dinâmico de diálogo ou de interacção
homem-máquina que o indivíduo desenvolve com o computador.
Para além da maior ou menor importância que cada autor atribui à questão da
interactividade, esta é geralmente referenciada como uma das características de
relevo que os computadores actuais possuem. É, portanto, necessário clarificá-la e
analisar, também, o seu impacto no próprio processo interactivo. Neste, o grau de
interactividade que um tipo de software permite ao sujeito é consequência das
características tecnológicas intrínsecas ao medium utilizado, pois são estas que criam
condições para o seu exercício.
A discussão em torno da questão da interactividade veio causar algumas
divisões no posicionamento dos diferentes autores em relação a esta matéria,
repercutindo-se também nos modelos de concepção de materiais educativos. Uma
das posições considera que a simples existência do computador não é garantia de que
13
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
exista interactividade - são as características subjacentes ao software educacional
que podem determinar o grau de interactividade passível de obter. Por exemplo, os
materiais scripto podem ser usados interactivamente, o que nos coloca perante o
conceito de texto interactivo (Cf. Barker e Tucker, 1990). O que parece manifestar-se
aqui é uma certa confusão entre aprendizagem interactiva e interactividade.
Para Gomes e al. (1990:26), "a interacção em ensino e em formação implica
interacção humana, cultural e técnica", equacionando-a em termos de uma
interacção social. Assim sendo, a interacção do indivíduo em situação de
aprendizagem com o computador ou com um sistema multimedia nunca ultrapassará
o aspecto previsível da interactividade. Descrita como o tipo de comunicação
existente em qualquer situação onde não está presente apenas a interacção professoraluno, mas sim a relação estabelecida entre professor-máquina-aluno, Frignani
(1987) considera, deste modo, que quando ocorre uma interacção é porque existe a
interactividade.
Segundo Tucker (1990), a verdadeira interactividade implica que o processo
de aprendizagem seja de algum modo modificado pela acção do sujeito que aprende,
mudando tanto o papel do aluno como o do professor. Nesta perspectiva, a
aprendizagem interactiva configura uma situação em que o processo de
aprendizagem é controlado pelo utilizador, ou seja, aquilo que o sujeito recebe é
uma reacção (através de uma resposta) àquilo que ele próprio colocou no sistema.
Define-se, pois, mais como um processo do que como uma tecnologia,
implicando a criação de um ambiente de aprendizagem rico em informação e
envolvendo interacções entre pessoas, textos impressos e novos media baseados no
computador, por exemplo.
14
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
Na verdade, os chamados novos media colocam a dinâmica da aprendizagem
nas mãos dos utilizadores. Os sistemas multimedia em que existe uma combinação
de texto, imagem e audio tornam-se interactivos ao ser dado ao utilizador o controlo
do processo de procura da informação. Estes sistemas tornam-se hipermedia quando
adoptam uma estrutura de informação em que os vários elementos estão ligados entre
si, possibilitando ao utilizador uma navegação interactiva.
Nos sistemas hipermedia, uma parte da estrutura do programa pode ser
eventualmente determinada pelo utilizador e, em alguns casos, este pode não só
determinar a ordem do que aparece, como contribuir com material pessoal, o que
introduz uma mudança na noção de propriedade intelectual e na de autoria. Registase, assim, um continuum que vai da ausência até a um alto nível de interactividade.
Contudo, a baixa interactividade não é necessáriamente um aspecto negativo, apesar
da tendência para a elaboração de materiais e para a construção de ambientes com
alto grau de interactividade.
Numa análise da implantação do hipertexto e hipermedia, Cotton e Oliver
(1993) defendem um duplo processo de aprendizagem: os profissionais dos media
têm de aprender a "escrever" no novo medium, e os utilizadores têm de aprender a
"lê-lo", tal como já fizeram em relação a outros. Isto vem recolocar aquilo a que
podemos designar como o problema da alfabetização informática num nível mais
complexo, já que haverá necessidade de incluir, na formação dos indivíduos, o
desenvolvimento da capacidade de utilizar estes novos media.
15
CAPÍTULO I
- OS NOVOS MEDIA
No entanto, numa altura em que estão criadas enormes expectativas em
relação ao uso dos sistemas hipermedia na aprendizagem, é bom lembrar que não há
muito tempo se considerava a introdução do computador na educação como a
solução mágica, se não para todos, pelo menos, para a maior parte dos problemas de
aprendizagem e da própria instituição escolar. A realidade ficou muito aquém destas
previsões, como já referimos, embora o computador tenha encontrado o seu lugar na
escola. Resta ver como irá decorrer a integração destes novos media no contexto
educativo e em que medida se poderão aproveitar todas as potencialidades que, à
partida, parecem ter.
16
Download

"Concepção e Desenvolvimento de uma Aplicação Hipertexto