XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
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PEDAGOGIA, PEDAGOGOS E A FORMAÇÃO PARA O ENSINO DE
CIÊNCIAS NATURAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E NOS ANOS INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DAS ATUAIS
POLÍTICAS CURRICULARES NACIONAIS.
Tânia Maria Lima Beraldo
Eduardo José Cezari
RESUMO: Este estudo aborda o ensino de ciências naturais no curso de Pedagogia
buscando analisar alguns fatores que impeliram à caracterização desse curso como lócus
privilegiado para a formação de professores para o magistério na educação infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental. Por essa razão, inicialmente foram analisadas
questões relativas à produção das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Pedagogia destacando os embates ocorridos no interior da comunidade epistêmica da
área. No que diz respeito ao ensino de ciências o material empírico foi constituído por
seis projetos políticos pedagógicos referentes a cursos de Pedagogia ofertados por duas
universidades federais. Os resultados indicam que todos os projetos se organizam
segundo as exigências estabelecidas pelas citadas Diretrizes, no entanto, são evidentes
sinais de recontextualização por hibridismos. Nota-se que, de um modo geral, o ensino
de ciências naturais ocupa um lugar modesto no currículo, sendo vinculado ao segundo
núcleo de estudos que trata da formação didático-pedagógica para o exercício do
magistério. O predomínio de conteúdos relacionados com os fundamentos teóricos e
metodológicos do ensino de ciências naturais evidencia entendimento de que a
disciplina deve ser organizada na perspectiva de ensinar o futuro professor a ensinar
ciências para alunos da educação básica. A diversidade e complexidade dos temas
listados nas ementas levam a crer que a carga horária não é suficiente para o alcance dos
objetivos da disciplina. Com base nas análises defendemos a proposta de diversificação
na formação do pedagogo. A diversificação permitiria o aprofundamento não apenas
dos conteúdos da formação básica, mas também dos conteúdos voltados às áreas de
atuação profissional priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições de educação
superior.
Palavras-chave: Políticas curriculares. Pedagogia. Formação de professores. Ensino de
ciências naturais
1. Política: uma prática complexa
Antes de desenvolver as análises sobre as questões suscitadas pelo objeto deste
estudo julgamos necessário explicitar o entendimento que temos de política e de política
curricular. Concebemos política na acepção defendida por Chantal Mouffe (2003,
2006), ou seja, como atividade inerente à natureza humana. Refere-se “à reunião de
práticas, discursos e instituições que buscam estabelecer certa ordem e organizar a
coexistência humana em condições que são potencialmente conflitantes, porque são
afetadas pelas dimensões do político” (MOUFFE, 2003, p. 15). O político relaciona-se
ao antagonismo que inevitavelmente está presente nas relações sociais. Não é algo que
tem um lugar específico e determinado na sociedade, pois “todas as relações sociais
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podem se tornar o locus dos antagonismos políticos” (MOUFFE, 2003, p. 13). Portanto,
é uma ilusão pensar na possibilidade de se chegar a um consenso racional, harmônico,
transparente e sem exclusão.
Os problemas da política começam pelos limites da representação. Representar
alguém, um segmento, um grupo social ou uma população é “encarnar uma plenitude
ausente”. A representação é em si mesma contraditória. Nenhum ator social limitado
pode dizer que seus posicionamentos expressam as demandas da totalidade que ele
representa. Além disso, “jamais a vontade do representado é satisfeita integralmente,
porque o universo da representação é sempre complexo e resultante de disputas políticas
de múltiplos interesses” (MENDONÇA, 2004, p. 82).
Levando em conta que o antagonismo está presente na política, Mouffe (2003)
defende a adoção do conceito de “democracia pluralista”. Ela explica que o problema
não está na superação da distinção nós/eles, mas na maneira diferente de estabelecer
essa distinção. No campo da política, isto pressupõe que o “outro” não seja visto como
um inimigo a ser destruído, mas como um “adversário”, isto é, alguém com cujas idéias
iremos lutar, mas cujo direito de defender tais idéias não vamos questionar. (MOUFFE,
2003, p. 16). A autora explica que o objetivo da política democrática é transformar
“antagonismo” em “agonismo”. No “pluralismo agonístico” considera-se que não é
democrático relegar as paixões à esfera privada para tornar possível o consenso
racional. Admite-se a possibilidade de existência de muitas interpretações diferentes e
conflitantes, fato que remete à idéia de “consenso conflitual” (MOUFFE, 2003, p. 16).
A complexidade da produção de política também é realçada por Stephen Ball
(1998, 2002). Levando em conta a dinâmica do mundo globalizado o autor refere-se à
política como um ciclo que articula vários contextos e atores sociais. Na abordagem do
ciclo de políticas levam-se em conta as intrincadas relações entre global-local, mas
considera-se que há sempre possibilidade de (re)criação em decorrência de localismos,
hibridismos e de recontextualizações. Considera-se também que o Estado “é um ponto
no diagrama do poder. É um conceito necessário, porém, não suficiente para o
desenvolvimento analítico do poder” (BALL, 2002, p. 27). Isto explica porque ele
defende a idéia de que as políticas não podem ser implementadas como pacotes prontos.
No Brasil, pesquisadores que se dedicam ao estudo de políticas curriculares
(LOPES, 2006, 2008; DIAS, 2009; LOPES e MACEDO, 2011, entre outros) adotam a
abordagem do ciclo de políticas por entender que ela é um método de pesquisa que
permite compreender as relações entre o que acontece em sala de aula (contexto da
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prática) e contextos mais amplos (de produção de textos políticos e de influências
externas). Análises realizadas por tais autores não negam que há similaridades entre
políticas curriculares que vêm sendo definidas no Brasil e em outros países do mundo
globalizado. Todavia, conforme observou Lopes, (2008, p. 23), “o conjunto de políticas
genéricas globais tem variações, sutilezas e nuances que são hibridizadas nos contextos
nacionais, sendo tais políticas aplicadas com diferentes graus de intensidade”.
Dias (2009), Lopes (2006) destacam a atuação da comunidade epistêmica na
produção de políticas. Tal comunidade pode ser caracterizada como uma “rede de
sujeitos e grupos sociais que participam da produção, circulação e disseminação de
textos que constituem as políticas curriculares nos contextos de influência e de
definição de textos” (DIAS, 2009, p. 14).
No caso particular das políticas de currículo, os integrantes de uma
comunidade epistêmica global são consultores internacionais, atuantes no
governo e/ou nas agências de fomento, produtores livros ou documentos que
analisam a situação educacional dos países e propõem soluções, empresários
que discutem questões relativas aos conhecimentos da escola. Todos esses
sujeitos organizam seminários, conferências, publicações e difundem na
mídia idéias relativas às políticas de currículo. O Relatório Delors (2001),
produzido pela Unesco com a participação de representantes de diferentes
países, visando a apresentar orientações para as políticas educacionais no
mundo globalizado, é apenas um dos exemplos dessas produções (LOPES,
2006, p. 145)
No âmbito nacional, a atuação das comunidades epistêmicas pode ser notada na
produção de documentos curriculares, seja pela participação de alguns de seus membros
em comissões, consultorias, conselhos, etc. seja pela produção de discursos em favor de
algumas demandas, ou ainda pela inserção efetiva no contexto da prática. Apresentamos
a seguir algumas considerações sobre a atuação da comunidade epistêmica da
Pedagogia no contexto de produção e de “implementação” das DCN.
2. O curso de Pedagogia como lócus de formação de professores
polivalentes: um tema marcado por antagonismo e litígios
No Brasil, a história do curso de Pedagogia revela que sua atuação na formação
de professores para os primeiros anos da educação escolar sempre foi objeto de
controvérsias e de litígios políticos. A LDB de 1996 acirrou os debates ao propor a
criação do Curso Normal Superior (CNS) e dos Institutos Superiores de Educação
(ISE), instituições dedicadas à formação de professores. O decreto presidencial n.
3.276/99 pôs mais lenha na fogueira ao estabelecer a exclusividade dos CNS para a
formação dos professores para esses níveis de ensino. O movimento dos educadores
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considerou que a criação dos ISE e a oferta de cursos para formação de professores para
a educação infantil e para os AIEF exclusivamente pelos CNS representava uma
tentativa de por fim ao curso de Pedagogia, proposta já apresentada em décadas
anteriores. O novo ataque ao curso de Pedagogia pode ser ilustrado pelo discurso de
uma dirigente política que integrou a equipe do Ministério da Educação (MEC), no
governo de Fernando Henrique Cardoso.
(...) eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais
conceituadas, como a USP e a UNICAMP, e recomeçaria tudo do zero. Isso
porque se consagrou no Brasil um tipo de curso de Pedagogia voltado para
assuntos exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as escolas
públicas e suas reais demandas. (Castro, 2008, apud Brzezinski, 2008, p.
1155)
Aguiar et al (2006), Brzezinski (2008), Scheibe (2007), Scheibe e Aguiar (1999)
descrevem a luta do movimento dos educadores em defesa da manutenção da formação
do docente multidisciplinar no curso de Pedagogia. Scheibe (2007) ressalta que Saviani
foi um educador que levantou a voz contra os ISE por entender que tais instituições
representavam uma alternativa clara ao curso de Pedagogia, pois elas poderiam
desenvolver atividades similares. Os argumentos contrários ao teor do Decreto Nº.
3.276/99 foram baseados na idéia de que a formação dos profissionais da educação fora
das universidades ficaria fragilizada, sobretudo porque os ISE foram desobrigados da
tarefa de articular ensino, pesquisa e extensão. Ademais, o modelo de formação
defendido era fundamentado no treinamento para transmitir conhecimentos. Em razão
da pressão das universidades e das entidades dos educadores o governo federal
publicou, em 2000, o Decreto n. 3.554, que substituiu o termo exclusivamente por
preferencialmente (AGUIAR et al 2007, 827).
Scheibe (2007) explica que, em função do processo de definição das DCN para o
Curso Normal Superior, o Conselho Nacional de Educação (CNE) deu pouca
importância para a proposta de DCN elaborada pela Comissão de Especialista de Ensino
de Pedagogia (CEEP). Esta comissão, institucionalizada pela Sesu/MEC, tinha dentre
outras atribuições a tarefa de organizar diretrizes curriculares gerais para o curso de
Pedagogia. A proposta apresentada pela CEEP ao MEC resultou de um amplo processo
de negociação com as instituições educativas e as entidades. Tal proposta previa a
diversificação na formação do pedagogo para atender às diferentes demandas.
Entendeu-se que a diversificação poderia ocorrer por meio do “aprofundamento de
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conteúdos da formação básica e pelo oferecimento de conteúdos voltados às áreas de
atuação profissional priorizadas pelo projeto pedagógico da IES” (BRASIL, 1999). A
autora explica também que a retomada das discussões sobre a proposta de DCN
apresentada pela CEEP só ocorreu após o processo de mobilização nacional em prol de
diretrizes que contemplassem as propostas construídas historicamente pelo movimento
dos educadores. A luta dos educadores surtiu algum efeito, pois resultou na aprovação
de um novo parecer sobre as diretrizes curriculares nacionais para o Curso de
Pedagogia.
Faz-se necessário ressaltar que os conflitos e litígios relativos à formação de
professores polivalentes no curso de Pedagogia não ocorrem apenas entre educadores e
os dirigentes públicos. Eles ocorrem também dentro da própria comunidade epistêmica.
Isto fica evidente na análise de textos de teóricos que, no Brasil, têm reconhecida
autoridade na produção de políticas educacionais. Tal análise foi fundamentada nos
escritos de Aguiar et al, (2006); Brzezinski, (2001, 2008); Franco et al (2007); Libâneo
(2001, 2006); Libâneo e Pimenta (1999), Saviani, (2007); Scheibe, (2007), Scheibe e
Aquiar (1999). Vale ressaltar que os cinco autores que assinam o primeiro texto (Aguiar
et al, 2006) se apresentaram como docentes da educação superior e como dirigentes de
entidades acadêmico-científicas, a saber: Presidente da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação (ANPED); Presidente da Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE); Presidente do Fórum de Diretores
de
Faculdades/Centros
de
Educação
das
Universidades
Públicas
Brasileiras
(FORUMDIR); Presidente do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e
Conselheira do Centro de Estudos Educação (CEDES).
A escolha destes textos está relacionada com o fato de que eles tratam da
Resolução CNE/CP Nº 1/2006 que instituiu as DCN para o curso de Pedagogia
(BRASIL, 2006). Este dispositivo legal gerou novas controvérsias ao estabelecer, no
Artigo 4º, que os propósitos do curso devem ser voltados explicitamente para a
formação de professores da Educação Infantil e AIEF, além da formação de
profissionais da educação não-docentes.
Dados deste estudo mostram que no interior da comunidade epistêmica analisada
há duas formações discursivas de assumem posição antagônicas em relação à formação
de professores para a educação infantil e AIEF, no interior do curso de Pedagogia. Uma
delas considera que as orientações expressas nas DCN não são compatíveis com os
propósitos da Pedagogia e com a formação do pedagogo, concebido como não-docente.
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A outra formação discursiva considera que o citado texto político não contempla todas
as demandas do movimento dos educadores, mas incorpora boa parte delas.
Franco et al (2007), Libâneo (2001, 2006), Libâneo e Pimenta (1999), Saviani,
(2007) fazem críticas contundentes às DCN por entender que ela contrapõe à natureza
epistemológica da Pedagogia, concebida como a ciência da e para a educação. Eles
amealham argumentos para explicar que “um professor é um pedagogo, mas nem todo
pedagogo precisa ser professor”. Por assim entender os autores afirmam que “a
docência não é marcador identitário para Pedagogia, mas o contrário: sem a Pedagogia,
permeando e dando sentido à prática docente, a ação docente transforma-se em mero
modo de fazer uma tarefa” (FRANCO et al, 2007, p. 69).
Libâneo (2001) afirma que a associação da Pedagogia como formação de
professores da educação básica é simplista, reducionista e um problema é histórico que
tem relações com a própria etimologia da palavra.
Há, de fato, uma tradição na história da formação de professores no Brasil
segundo a qual pedagogo é alguém que ensina algo. Essa tradição teria se
firmado no início da década de 30, com a influência tácita dos chamados
“pioneiros da educação nova”, tomando o entendimento de que o curso de
Pedagogia seria um curso de formação de professores para as séries iniciais
da escolarização obrigatória. O raciocínio é simples: educação e ensino
dizem respeito a crianças (inclusive porque “peda”, do termo pedagogia, é do
grego “paidós”, que significa criança). Ora, ensino se dirige a crianças, então
quem ensina para crianças é pedagogo. E para ser pedagogo, ensinador de
crianças, é preciso fazer um curso de Pedagogia. Foi essa idéia que
permaneceu e continua viva na experiência brasileira de formação de
professores. Aliás, a aceitar esse raciocínio, não sabemos por que os cursos
de licenciatura também não receberam a denominação de cursos de
Pedagogia. (LIBÂNEO, 2001, p. 5)
Os que defendem esta formação discursiva afirmam que a identificação do
pedagogo como um professor desqualifica o termo Pedagogia e tem muitos efeitos
nefastos como, por exemplo, a descaracterização do campo teórico-investigativo da
pedagogia e das ciências da educação (LIBÂNEO e PIMENTA, 1999, p. 247). Saviani
(2007) endossa essa idéia ao considerar que as DCN para Pedagogia são muito restritas
no que se refere ao essencial (estudos relativos aos fundamentos teóricos e
metodológicos da Pedagogia) e assaz excessivas no acessório. Este termo é utilizado
pelo autor para se referir ao que ele denomina de novos paradigmas da cultura
contemporânea:
questões
ambientais;
pluralidade;
interdisciplinaridade;
contextualização; democratização; ética; sensibilidade afetiva e estética; exclusões
sociais; questões étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas; diversidade;
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diferenças; gêneros; faixas geracionais; escolhas sexuais (SAVIANI, 2007, p. 127). Por
não reconhecer a validade das DCN para a formação do pedagogo os autores desta
formação discursiva reivindicam a elaboração de um texto oficial que seja, de fato,
compatível com a natureza epistemológica da Pedagogia.
Aguiar et al, (2006); Brzezinski, (2001, 2008); Scheibe, (2007), Scheibe e
Aguiar (1999) fazem parte da formação discursiva que defende o curso de Pedagogia
como lócus privilegiado para a formação de professores para a educação básica. No
discurso por eles apresentado o fundamento do currículo na docência não é um
reducionismo, mas sim uma possibilidade de superação da histórica dicotomia entre
teoria e prática, entre ensino e pesquisa, entre especialista e docente e, por conseguinte,
entre bacharelado e licenciatura. Na opinião de Scheibe (2007) as DCN aprovadas
mantêm antigas ambigüidades, mas, representam uma “solução provisória” para velhos
conflitos do campo da Pedagogia. Isto explica porque ela dá a seu texto o seguinte
título: Diretrizes curriculares para o curso de Pedagogia: trajetória longa e inconclusa.
Do nosso ponto de vista este título reitera a tese defendida por Ball (2002) de política
como um ciclo contínuo.
3. O lugar do ensino de ciências naturais no curso de Pedagogia
A análise desta questão foi desenvolvida com base em seis Projetos Políticos
Pedagógicos (PPP) de curso de Pedagogia, sendo três ofertados UFT e três pela UFMT.
Tais cursos são realizados em campi diferentes. Antes de apresentar os resultados das
nossas análises é pertinente destacar que consideramos o PPP como um texto curricular
resultante de complexos processos de discussões, de negociação e articulações políticas
para fixação de sentidos. Supomos que, no processo de produção dos referidos PPP
algumas vozes foram ouvidas enquanto outras foram silenciadas. As vozes não
contempladas podem continuar operando no contexto da prática na defesa de suas
demandas, influenciando assim nos processos de recontextualização da política
curricular.
Um dos aspectos que salta aos olhos na leitura dos textos é a forte influência da
Resolução CNE/CP Nº 1/06. Todos os PPP foram orientados pelo propósito de formar
professores (para exercício do magistério na Educação Infantil, nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, em
Educação Profissional), bem como de formar profissionais da educação para outras
áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, em conformidade com o
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que foi preconizado na citada resolução. Esta formação de caráter abrangente explica o
amplo repertório de disciplinas obrigatórias e optativas. As disciplinas optativas
relacionadas, especialmente, com aquilo que Saviani (2007) chamou de “acessório”
(educação ambiental, educação indígena, cultura afro-brasileira, educação especial,
informática na educação, etc.)
As influências das DCN nos PPP não permitem falar em homogeneidades. Cada
PPP tem as suas singularidades e trazem marcas de processos de recontextualização. As
singularidades tornam-se mais evidentes quando se observa, por exemplo: os princípios
teóricos e metodológicos que orientam a formação; a carga horária das disciplinas
relacionadas com os fundamentos da educação (alguns PPP destinam cerca de 120 horas
ou mais para cada disciplina desta área enquanto outros destinam apenas 60 horas); a
composição, organização e desenvolvimento do núcleo de estudos integradores.
Os localismos, hibridismos e as recontextualizações mostram que os autores dos
textos oficiais não podem controlar os significados dos seus textos ainda que realizem
esforços no sentido de possibilitar uma “correta” leitura. Isso pode ser explicado pelo
fato de que “um texto físico que chega ao contexto da prática não ingressa num vazio
social ou institucional. O texto, seus leitores e o contexto de respostas têm histórias
(Ball, 2002, 22). As dificuldades inerentes ao contexto da prática também são aspectos
que afetam as políticas, resultando em respostas diferenciadas.
No que diz respeito ao lugar do ensino de ciências naturais no curso de
Pedagogia é imperativo destacar que se trata de uma exigência da Resolução citada
anteriormente, pois, o curso volta-se para a formação de professores polivalentes. Como
a legislação não determina conteúdos mínimos, as variações são previsíveis. Nas
análises observamos que as variações referem-se particularmente à denominação da
disciplina, à carga horária e à organização da ementa. A denominação mais recorrente é
“Fundamentos e Metodologia do Ensino das Ciências Naturais”. Quanto à carga horária,
em quatro dos seis cursos analisados, a disciplina é desenvolvida em 60 horas-aula.
Dois cursos da UFMT ofertam duas disciplinas com a mesma denominação seguida da
indicação: I e II. No caso do curso desenvolvido na modalidade presencial, em Cuiabá,
a carga horária das duas disciplinas corresponde a 135 horas. No curso a distância a
carga horária das duas disciplinas é 180 horas. Podemos dizer, portanto, que na maior
parte dos cursos, o ensino de ciências naturais ocupa um lugar modesto no currículo,
sendo vinculado ao segundo núcleo de estudos que trata da formação didáticopedagógica para o exercício do magistério.
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A análise das ementas indica predomínio de conteúdos relacionados com os
fundamentos teóricos e metodológicos do ensino de ciências naturais (Concepção de
ciência, finalidades do ensino de ciências, tendências no ensino de ciências,
características do pensamento infantil, metodologia do ensino de ciências,
experimentação, projetos de ensino, etc.). Indica também preocupação com o ensino de
conteúdos trabalhados nos AIEF. Fica evidente o entendimento de que a disciplina
integra o currículo de um curso de formação de professores. Por essa razão precisa ser
organizada na perspectiva de ensinar o futuro professor a ensinar ciências para alunos
da educação básica. Em outras palavras, busca-se articular, permanentemente,
conteúdos e metodologias na perspectiva de adaptar as disciplinas científicas para fins
de ensino.
Há razões para crer que as disciplinas são orientadas preferencialmente para o
magistério nos AIEF. Poucas ementas fazem referência à educação infantil e à educação
de jovens e adultos. Há silêncio também quanto ao propósito de organizar o currículo de
forma interdisciplinar. Cada disciplina é apresentada como se fosse uma unidade
separada do todo.
Considerações finais
As análises desenvolvidas neste estudo remetem ao entendimento de que a
comunidade epistêmica da Pedagogia tem atuado efetivamente na produção de políticas
educacionais para formação dos profissionais da educação. Os antagonismos
observados nas duas formações discursivas elucidam a luta pela produção de
hegemonia. Esta é entendida como “uma relação em que um conteúdo particular
assume, num certo contexto, a função de encarnar uma plenitude ausente” (LACLAU,
apud MENDONÇA, 2006, p. 76). No contexto de produção das DCN em tela, o
discurso potencialmente capaz de “encarnar a plenitude ausente” foi o que caracteriza o
curso de Pedagogia como um espaço privilegiado para a formação de professores para
os primeiros anos da educação Básica. Entendemos que a hegemonia deste discurso está
relacionada com, pelo menos, três fatores: a) por incluir princípios defendidos pelo
movimento dos educadores; b) por representar uma solução, mesmo que provisória,
para históricas controvérsias inerentes ao curso de Pedagogia; c) pelo fato de que, no
Brasil, centenas de cursos de Pedagogia já haviam orientado o currículo do curso para a
formação de professores para a educação infantil e para os AIEF.
É pertinente destacar que os autores dos textos analisados assumem
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posicionamentos divergentes em relação à identificação do curso de Pedagogia como
uma licenciatura. Porém, em situações nas quais a existência do curso é ameaçada eles
promovem articulações para defender a manutenção dele. Nas situações de conflito
interno eles comportam-se como adversários que reconhecem o Outro não como um
inimigo a ser destruído, mas sim como alguém que tem o direito de defende idéias
contrárias. Esta postura mostra que é possível produzir políticas com base no
“pluralismo agonístico” referido por Mouffe (2003, 2006).
No que diz respeito ao lugar do ensino de ciências no currículo do curso de
Pedagogia observamos que se trata de uma exigência da Resolução CNE/CP Nº 01/2006
em função do propósito de formar professor polivalente. Do nosso ponto de vista a
carga horária destinada ao ensino de ciências naturais (60 horas) pela maior parte dos
cursos não é suficiente para uma formação adequada para o exercício do magistério na
educação infantil e nos AIEF (que inclui a educação de jovens e adultos). Por essa razão
defendemos a proposta formulada pela CEEP que previu a diversificação na formação
do pedagogo. A diversificação permitiria o aprofundamento não apenas dos conteúdos
da formação básica, mas também dos conteúdos voltados às áreas de atuação
profissional priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições de educação superior.
Em síntese, entendemos que existência de ambigüidades referente às DCN para
o curso de Pedagogia e as manifestações de insatisfação em relação a elas é uma
evidência de que a produção de políticas é um processo complexo e sempre provisório.
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pedagogia em questão. Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro. 1999. P.
220 – 238.
Documentos analisados:
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Resolução
CNE/CP Nº 01/2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília, DF: MEC/SESU, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Comissão de
Especialistas do Curso de Pedagogia. Proposta de diretrizes curriculares para o
curso de pedagogia. Brasília, DF: MEC/SESU, 1999.
UFMT, Projeto Político Pedagogia do curso de Pedagogia. Campus Cuiabá, 2008
UFMT, Projeto Político Pedagogia do curso de Pedagogia. Campus Rondonópolis, 2009
Junqueira&Marin Editores
Livro 1 - p.001909
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
25
UFMT, Projeto Político Pedagogia do curso de Pedagogia – UAB. 2011
UFT, Projeto Político Pedagogia do curso de Pedagogia. Campus Palmas. 2007
UFT, Projeto Político Pedagogia do curso de Pedagogia. Campus Arraias. 2007
UFT, Projeto Político Pedagogia do curso de Pedagogia. Campus. Tocantinópolis. 2007
Junqueira&Marin Editores
Livro 1 - p.001910
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