MOLUSCOS EM PISCINAS NO PLATÔ RECIFAL DE COROA VERMELHA (LITORAL SUL DA BAHIA, BRASIL) Índira Oliveira da Luz¹, Erminda da Conceição Guerreiro Couto² ¹ Pós-graduanda em Sistemas Aquáticos Tropicais, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus, Bahia, Brasil ([email protected]) ² Professora doutora do Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus, Bahia, Brasil Recebido em: 30/09/2014 – Aprovado em: 15/11/2014 – Publicado em: 01/12/2014 RESUMO Ambientes recifais suportam grande riqueza de espécies. Entre seus habitantes os moluscos destacam-se como o filo mais diverso. O objetivo deste estudo foi identificar os moluscos presentes nas piscinas de maré no platô recifal de Coroa Vermelha (litoral sul da Bahia, Brasil). Foram amostradas dez piscinas com fundo de areia e dez com fundo de grava, durante a maré baixa de sizígia, em agosto de 2013. Um único coletor examinou ativamente cada piscina por dez minutos. Todos os moluscos encontrados foram coletados, fixados em álcool 70% e identificados. Foi calculada a riqueza (Chao 2), a equabilidade por Pielou (J’), a dominância de Margalef (d), a constância de Dajoz (C) e a diversidade de Shannon-Wiener (H’). Para comparar as piscinas foram utilizados o teste t e o teste de permutação ANOSIM. Foram coletados 51 indivíduos nas piscinas de fundo de areia, distribuídos em nove espécies (oito gastrópodes e um bivalve) e 99 indivíduos nas de fundo de grava, distribuídos em 19 espécies (dois poliplacoforas, 13 gastrópodes e quatro bivalves). A piscina de fundo de grava apresentou maior diversidade devido à maior heterogeneidade do ambiente. Há diferença significativa entre as piscinas de areia e de grava. O gastrópode Cerithium atratum foi classificado como a única espécie constante nas piscinas de fundo de areia e o bivalve Arcopsis adamsi de fundo de grava. PALAVRAS-CHAVE: constância, heterogeneidade, piscinas de maré, similaridade. CLAMS IN POOLS ON THE REEF PLATEAU IN COROA VERMELHA (SOUTH COAST OF BAHIA, BRAZIL) ABSTRACT Reef environments support high species richness. Among its inhabitants clam stand out as the most diverse phylum.The aim of this study was to identify molluscs present in tidal pools in the reef plateau of Coroa Vermelha (southern coast of Bahia, Brazil). Ten pools with a sandy bottom and ten gravel-rubble bottom were sampled during low tide in August 2013. A single collector examined each pool for ten minutes. All the molluscs encountered were collected, fixed in 70% alcohol and identified. Indices of species richness (Chao 2), Pielou’s evenness index (J’), Margalef’s index (d) and Shannon-Wiener diversity (H'), and of constancy of Dajoz (C) were calculated for the two types of pools. The tests t and permutation ANOSIM were used to compare ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.10, n.19; p. 2360 2014 them. Nine species (eight Gastropoda and one Bivalvia) totalling 51 individuals were collected in the sandy pools, while 19 species (2 Polyplacophora, 13 Gastropoda and 4 Bivalvia) totalling 99 individuals were found in the gravel-rubble pools. The higher diversity in the gravel-rubble pools was due to the greater heterogeneity of the environment. There are significant differences between the pools. The gastropod Cerithium atratum was classified as constant species in the sandy pools and bivalve Arcopsis adamsi in the gravel-rubble pools. KEYWORDS: constancy, heterogeneity, tidal pools, similarity. INTRODUÇÃO O nordeste brasileiro possui uma variedade de hábitats marinhos, incluindo diversos tipos de praias arenosas, recifes de corais, recifes areníticos (beach rocks), grandes estuários, manguezais e baías. Além da importância turística e da sua beleza natural estes ambientes suportam uma enorme variedade de espécies (SOARES et al., 2011; SENNA et al., 2013). Ambientes recifais suportam grande riqueza de espécies e podem ser comparados, em termos de diversidade, às florestas tropicais. Esses ambientes fornecem habitat, proteção e alimento para muitos organismos, que em contrapartida influenciam o desenvolvimento dos recifes e assim desencadeiam atividades ecológicas e processos biológicos internos do ambiente recifal. Animais podem ser vistos como bons indicadores biológicos, já que habitam uma variedade de nichos ecológicos nestes ambientes (ZUSCHI et al., 2001). Entre seus habitantes os moluscos destacam-se como o filo mais diverso, com aproximadamente 10.000 espécies, pertencentes às quatro classes dominantes: Polyplacophora, Bivalvia, Gastropoda e Cephalopoda (SPALDING et al., 2001). No platô recifal acontecem descontinuidades, formadas durante a baixa-mar, designadas como “piscinas”, as quais podem ter seu fundo preenchido com areia ou grava (PEREIRA et al., 2010; SOARES et al., 2011). Estas piscinas apresentam diferentes níveis de complexidade, sendo umas mais heterogêneas que outras, podendo estar relacionado com espaço disponível, predação, competição, recursos alimentares, dentre outras relações ecológicas. Essa heterogeneidade suporta riquezas e abundâncias distintas, o que se reflete na diversidade local (BARRETO, 1999). Esta pesquisa compara a composição da assembleia de moluscos em duas categorias de piscinas, analisando como a heterogeneidade ambiental de seus fundos pode influenciar na diversidade para este grupo. MATERIAL E MÉTODOS Área de estudo O estudo foi desenvolvido na porção sul do platô recifal do recife de Coroa Vermelha (Santa Cruz Cabrália), litoral sul da Bahia, Brasil (16°19'57.16"S e 39° 0'1.83"O). O processo de urbanização na região de Santa Cruz Cabrália tem sido crescente nas últimas décadas, por ser uma área de grande atrativo turístico. A presença de um tômbolo facilita o acesso ao platô recifal durante a maré baixa, o que aumenta o fluxo de turistas e pescadores no local (COSTA JÚNIOR et al., 2006). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.10, n.19; p. 2361 2014 Desenho de amostragem A coleta foi realizada no mês de agosto de 2013, durante o período de maré baixa de sizígia. Foram categorizadas dez piscinas com fundo de areia e dez com fundo de grava. A amostragem foi conduzida por um único coletor, através de busca ativa, durante 10 minutos em cada piscina. As piscinas de fundo de areia tiveram seu fundo remexido, enquanto que nas piscinas de grava os blocos foram revirados. Todos os moluscos encontrados foram coletados, acondicionados em sacos plásticos e devidamente etiquetados. Após coleta, os organismos foram levados para o laboratório, onde foram identificados com o auxílio dos guias de identificação de moluscos marinhos (ABBOTT, 1974; RIOS 1994) e confirmados na base World Register of Marine Species (WoRMS). Depois de identificados os indivíduos foram fixados em álcool a 70%. Tratamento de dados Foi calculada a riqueza pelo estimador Chao 2, a equabilidade por Pilelou (J’), a dominância de Margalef (d) e a diversidade utilizando o índice de ShannonWiener (H’). Foi também realizado o cálculo de constância (DAJOZ, 1983). Para comparar as piscinas foram utilizados o teste t e o teste de permutação ANOSIM. Para os cálculos foi utilizado o programa Past (versão 2.17c). RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram coletados 150 indivíduos, sendo 51 (9 espécies) nas piscinas de fundo de areia e 99 (19 espécies) nas de grava. A Classe Gastropoda foi a mais rica nos dois casos, respectivamente 8 e 13 espécies, enquanto Polyplacophora esteve restrita à piscinas de grava (2 espécies) (Figura 1). FIGURA 1 Riqueza, por Classe e por categoria de piscina, no platô recifal de Coroa Vermelha (Bahia, Brasil). Em relação à abundância, gastrópodes foram mais abundantes nas piscinas de areia enquanto bivalves foram dominantes nas de grava (Figura 2). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.10, n.19; p. 2362 2014 FIGURA 2 Abundância, por Classe e por categoria de piscina, no platô recifal de Coroa Vermelha (Bahia, Brasil). A tabela 1 apresenta as espécies presentes e suas respectivas abundâncias para as duas categorias de piscinas estudadas. TABELA 1 Espécies e abundâncias, por categoria de piscina, dos moluscos registrados no platô recifal de Coroa Vermelha, Bahia. Classe Polyplacophora Areia Grava Familia Ischnochitonidae Ischnochiton sp. Stenoplax sp. Classe Gastropoda Familia Buccinidae Engina turbinella (Kiener, 1835) Pisania pusio (Linnaeus, 1758) Pisania tincta (Conrad, 1846) Familia Cerithiidae Cerithium atratum (Born, 1778) Cerithium eburneum Bruguìere, 1792 Familia Columbellidae Columbella mercatoria (Linnaeus, 1758) Familia Fasciolariidae Leucozonia nassa (Gmelin, 1791) Familia Fissurellidae Diodora patagonica (Orbigny, 1847) Fissurella clenchi Fanfante, 1943 Fissurella rosea (Gmelin, 1791) Familia Muricidae Vasula deltoidea (Lamarck, 1822) Stramonita haemastoma (Linnaeus, 1767) 0 0 6 5 0 1 0 1 1 2 29 2 14 2 0 1 5 4 0 0 0 2 3 1 5 1 0 0 ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.10, n.19; p. 2363 2014 Familia Olivellidae Olivella minuta (Link, 1807) Familia Phasianellidae Eulithidium affine (C. B. Adams, 1850) Familia Rissoinidae Zebinella decussata Montagu, 1803 Familia Tegulidae Tegula viridula (Gmelin, 1791) Classe Bivalvia Familia Arcidae Arca imbricata Bruguiere, 1789 Familia Mytilidae Lithophaga teres (Philippi, 1846) Familia Noetiidae Arcopsis adamsi (Dall, 1886) Familia Tellinidae Tellina sp. 5 0 0 2 0 1 1 1 0 8 0 1 2 42 0 2 Os gastrópodes Olivella minuta, Vasula deltoidea e Stramonita haemastoma foram exclusivos das piscinas de fundo de areia enquanto Columbella mercatoria, Diodora patagonica, Engina turbinella, Eulithidium affine, Fissurella clenchi, F. rosea Pisania tincta e Zebinella decussata, foram exclusivos das piscinas de fundo de grava, assim como os poliplacóforos Ischnochiton sp. e Stenoplax sp. e os bivalves Arca imbricata, Lithophaga teres e Tellina sp.. Para todos os índices calculados a piscina de fundo de grava apresentou maior diversidade (Tabela 2). TABELA 2 Número de espécies e de indivíduos, valores dos estimadores de riqueza Chao 2 e seu desvio padrão (SD), dominância de Margalef (d), equabilidade de Pielou (J’) e índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’). S N Chao2 Chao2 (SD) D J' H'(loge) Areia 9 51 14 0 2,03 0,68 1,49 Grava 19 99 43,33 14,53 3,92 0,71 2,12 Ambientes marinhos mais complexos sustentam maior número de espécies do que ambientes mais simples, mesmo que ambos pertençam a áreas adjacentes com similar potencial de diversidade, como as piscinas estudadas. Embora seja difícil discriminar quais forças irão determinar a diversidade de organismos em diferentes habitats (BARRETO, 1999), especialmente se estes são extremamente variáveis e intimamente correlacionados, como as piscinas em platôs recifais que exibem uma elevada conectividade, podemos atribuir a alta diversidade à maior disponibilidade de refúgios e a outros recursos que reduzem as perdas para competidores, predadores e eventos de perturbações físicas. A maior diversidade registrada nas piscinas de fundo de grava do platô estudado deve estar refletindo uma maior oferta de microhabitats distintos, como já sugerido por ALDEA et al. (2011) em pesquisa realizada na costa chilena, referindo-se à importância de fatores ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.10, n.19; p. 2364 2014 locais, como temperatura e disponibilidade de alimentos na estruturação das assembleias e na heterogeneidade local. O teste t revelou que há diferença significativa entre as piscinas de areia e de grava (p=0,006) (Figura 3). FIGURA 3 Barplot representando a diferença na abundância de moluscos entre as piscinas de fundo de areia e de grava no platô recifal de Coroa Vermelha (BA). O teste de permutação (ANOSIM) confirmou a dissimilaridade entre as piscinas de areia e de grava (R = 0,42, p = 0,1%). Entre as nove espécies presentes nas piscinas de fundo de areia, 33,3% foram classificadas como acessórias e 55,6% como ocasionais, enquanto na de grava, entre as 19 espécies registradas na categoria, 31,6% foram acessórias e 63,2% ocasionais. Embora presente nos dois tipos de fundo, o gastrópode Cerithium atratum (Figura 4a) foi classificado como a única espécie constante nas piscinas de fundo de areia. Esta é uma espécie bastante comum em águas rasas, habitando fundos arenosos e lodosos (ABBOTT, 1974; RIOS, 1994). Devido ao seu hábito alimentar detritívoro pode ser encontrado em poças de marés, associado à presença de fragmentos de rocha, substratos com algas, entre outros (DENADAI et al., 2004). Nas piscinas de fundo de grava, o bivalve Arcopsis adamsi (Figura 4b) foi classificado como espécie constante. Esta espécie é comum sob rochas e corais mortos, distribuindo-se na região de entre marés até 50m (ABBOTT, 1974; RIOS, 1994). Neste trabalho dois espécimes foram registrados nas piscinas de areia (não fixadas). Esse registro, anômalo para a espécie, deve ser resposta a arraste de ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.10, n.19; p. 2365 2014 indivíduos retirados de sua localização original pela fragmentação do substrato devida ao pisoteio constante da área. a b FIGURA 4 Espécies classificadas como constantes nas piscinas. (a) Cerithium atratum, piscinas de fundo de areia. (b) Arcopsis adamsi, piscinas de fundo de grava (Arquivo pessoal). CONCLUSÃO A maior diversidade registrada nas piscinas de grava esta relacionada à maior heterogeneidade física deste ambiente que propicia maior proteção contra predadores, maior disponibilidade de recursos e maior possibilidade de interrelações no ambiente. AGRADECIMENTOS Esse trabalho foi desenvolvido no decorrer da disciplina obrigatória Métodos de Campo em Ecologia do curso de Pós-graduação em Sistemas Aquáticos Tropicais (Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC). Aos professores Drª Fernanda Jordão Guimarães e Drº José Glauco Ribeiro Tostes. REFERÊNCIAS ABBOTT, R. T. American Seashells. Van Nostrand Reinhold Company, 2 th ed., New York, 663p, 1974. ALDEA, C.; ROSENFELD, S.; CÁRDENAS, J. Caracterización de la diversidad de moluscos bentónicos sublitorales en Isla Carlos III y áreas adyacentes, estrecho de Magallanes, Chile. Anales Instituto Patagonia (Chile). v. 39, n. 2, p.73-89, 2011. BARRETO, C. C. Heterogeneidade espacial do habitat e diversidade específica: implicações ecológicas e métodos de mensurações. Oecologia Brasiliensis. V. 7, n. 1, p. 6, 1999. COSTA JÚNIOR, O. S.; ATTRILL, M. J.; NIMMO, M. Seasonal and spatial controls on the delivery of excess nutrients to nearshore and offshore corals reef of Brazil. 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