Construção de Indicadores de Vulnerabilidade Física e Social como subsídio à Gestão Costeira Integrada: estudo preliminar da Região dos Lagos, Rio de Janeiro Construction of Physical and Social Vulnerability Indices for Integrated Coastal Management: a preliminary study of the Região dos Lagos, Rio de Janeiro Flavia Moraes Lins-de-Barros1 e Dieter Muehe2 1 Doutoranda em Geografia - [email protected] 2 Dr.rer.nat. (geógrafo) – [email protected] 1,2 Laboratório de Geografia Marinha – UFRJ Projetos: CAPES/PROBAL e CNPq Desde meados do século XX a preocupação com os problemas ambientais é crescente em função, não apenas, do agravamento destes, como também da sua maior percepção devido ao crescimento populacional e à expansão urbana que levaram ao aumento de riscos potenciais e danos efetivos. Esta preocupação vem acompanhada por esforços para elaboração de metodologias de avaliação da qualidade ambiental, assim como para preservação e conservação do meio ambiente. Especificamente em relação às ciências do mar e da zona costeira observam-se nas últimas décadas alguns avanços conceituais e metodológicos importantes para o desenvolvimento de programas e políticas de gestão costeira. O surgimento do conceito de gestão costeira integrada nos anos 1980 possibilitou uma visão mais complexa e ampla dos problemas ambientais e sociais observados nas zonas costeiras. Mais recentemente, destacam-se estudos que sugerem o uso de indicadores para a avaliação sócio-ambiental a partir da matriz metodológica Pressão-Estado-Resposta (P-E-R), desenvolvida pela OECD (Em português: OCDE - Organização para Co-operação de Desenvolvimento Econômico). O objetivo deste trabalho é discutir o uso de indicadores de pressão, estado e resposta como subsídio à gestão costeira integrada visando desenvolver uma abordagem metodológica de caracterização e classificação do litoral em termos de vulnerabilidade física e social. Pretende-se alertar a necessidade de se considerar as especificidades do espaço costeiro e os conceitos associados como norteadores para a escolha de indicadores adequados. No Brasil estas especificidades estão relacionadas ao acelerado ritmo de crescimento urbano das cidades costeiras; à sazonalidade da atividade turística e a conseqüente superação da capacidade de suporte ambiental; e à falta de planejamento urbano adequado para as orlas costeiras resultando em áreas de risco. O presente trabalho insere-se no âmbito do Programa de Cooperação BrasilAlemanha – PROBAL, financiado pela CAPES / DAAD e intitulado “Avaliação da vulnerabilidade física e sócio-econômica da Região dos Lagos (RJ) – Brasil”. Espera-se contribuir a partir desta avaliação para a elaboração de índices de vulnerabilidade física e social para os municípios costeiros, entendendo vulnerabilidade como o resultado tanto de processos físico-geográficos (enchentes, escorregamentos, erosão, terremotos, mudança climática, degradação ambiental, etc.) quanto de processos sócio-econômicos (excesso populacional, redução da atividade turística, falta de infra-estrutura, segregação residencial). A região costeira da Região dos Lagos, localizada no Litoral Sul do estado do Rio de Janeiro, caracteriza-se por forte incremento populacional e importante atividade turística, com elevada variabilidade sazonal e expansão das áreas urbanizadas. Esta região é formada por 10 municípios costeiros com uma população urbana total de aproximadamente 467.000 habitantes. A ausência de um programa de gerenciamento costeiro na região e de planejamento urbano adequado resultou em problemas ambientais críticos, tais como a degradação de áreas de preservação, o loteamento de áreas frágeis, os aterros do espelho d’água das lagunas, a remoção da cobertura vegetal das dunas e o lançamento de esgoto sem tratamento nas lagunas e nos rios. Em associação ocorrem problemas no abastecimento de água e esgotamento sanitário, assim como ocupação ilegal de terras. Os riscos naturais predominantes derivam, principalmente, da ocupação inadequada das orlas marítimas e lacustres associada à vulnerabilidade física à erosão costeira e inundações. O processo de construção de um indicador deve obedecer a um objetivo programático inicial. A tabela a seguir expõe de forma esquemática os objetivos que se pretendem alcançar para cada grupo de indicadores, divididos em quatro funções e tipos de indicadores (Pressão, Estado e Resposta). Propõe-se, portanto, a utilização deste conjunto de funções e conceitos ou temas associados para a construção de indicadores de vulnerabilidade para a zona costeira, visto que estes contemplam as principais problemáticas sociais e ambientais e suas especificidades, tais como sazonalidade da atividade turística e vulnerabilidade física a eventos naturais. Figura 1: Diretrizes para construção de indicadores de vulnerabilidade física e social para a zona costeira Estado Pressão F U N Ç Õ E S U R B A N A R E C U S R S O R I S C O A M B I E N T E Evolução e estrutura urbana crescimento urbano densidade populacional urbanização turística Padrão urbano tamanho das cidades características demográficas estágio turístico segregação, favelização Usos e consumos dos recursos demanda X oferta Sazonalidade Déficits e Desigualdades superação da capacidade de suporte / áreas não atendidas Vulnerabilidade e Risco erosão costeira enchentes dunas Áreas de risco Áreas críticas Prejuízos e danos Alteração Ambiental ocupação ilegal de UCs lançamento de esgoto aterros de corpos d`água Degradação ambiental poluição perda de corpos d`água fragmentação de ecossistemas Respostas Planejamento urbano Políticas sociais Auto-segregação Movimentos Sociais Melhoria da distribuição de serviços Planejamento turístico Desvalorização Gerenciamento dos riscos Obras e abandonos das áreas Fiscalização ambiental, educação e zoneamento ambiental Movimentos Ambientais Além destas principais diretrizes a seleção de indicadores de vulnerabilidade teve como base a matriz metodológica Pressão-Estado-Resposta (PER), apresentada inicialmente pela OECD (OECD Core set of indicators for environmental performance reviews: A syntesis report by the Group on the State of the Environment, 1993) e debatida, aperfeiçoada e aplicada em diversos estudos internacionais e nacionais. A categoria pressão é aqui conceituada como a relação entre os fatores sociais (demografia, expansão urbana, demandas e usos) e os aspectos físico-ambientais (vulnerabilidades, fragilidades); o estado, por sua vez, é definido como sendo o diagnóstico sócio-ambiental, onde áreas críticas e prioritárias são identificadas a partir dos problemas urbanos e ambientais, dos desequilíbrios entre oferta e demanda de serviços e recursos, e das áreas de risco natural; as repostas, finalmente, não são apenas políticas e financeiras, mas envolve desde populações locais e empresas internacionais, representando um intricado de interesses conflitantes. A partir destas diretrizes e conceitos da utilização de fontes bibliográficas sobre o tema, com destaque para Cendrero et al. (Indicators and Indices of Environmental Quality for Sustainability Assessment in Coastal Areas: Application to case studies in Europe and the Americas In: Journal of Coastal Research v.19 nº4. 2003), foi elaborada uma lista preliminar de indicadores para o estudo de caso da Região dos Lagos (tabela 2). Tabela 2: Lista de Indicadores de Vulnerabilidade Física e Social para a Zona Costeira da Região dos Lagos, RJ Função Tipo pressão urbano / turístico estado resposta recursos pressão estado Indicadores população urbana (nº de habitantes e densidade) nº de visitantes (turistas e população flutuante) tráfico de veículos nas principais estradas nº de transatlânticos nº de pessoas empregadas em atividades turísticas nº de hotéis nº de casas de veraneio nº de casas de pescadores deslocadas da praia nº de pessoas em favelas nº acessos públicos às praias valor dos imóveis na orla projetos de planejamento urbano e turístico trabalhadores no setor informal área destinada à aqüicultura nº de barcos de pesca artesanal e industrial disponibilidade de água para abastecimento produção e renda média dos pescadores domicílios segundo distribuição de água consumo de água pela população urbana e flutuante vol. de água distribuído e vol. potencial consumido resposta pressão riscos estado resposta pressão ambiente estado resposta gastos com proteção e fiscalização da natureza habitat protegido gastos com economia e reciclagem de água gastos com serviços de água, esgotos e tratamento ocupação urbana até 200 m das praias nº de construção em áreas de risco estradas em áreas de risco danos por erosão costeira área sujeita a perigos naturais gastos com mitigação de riscos ocupação irregular das margens das lagoas (%) ocupação irregular / ilegal de Unidades de Conservação (%) nº de pontos de lançamento de esgoto in natura volume de esgoto lançado in natura produção de resíduos sólidos urbanos (ton.) domicílios por serviço de coleta de lixo e esgoto (%) nº salinas ativas e desativadas fragmentos de ecossistemas naturais poluição de aqüíferos resíduos sólidos urbanos não tratados (ton.) qualidade da água das lagoas locais de alta biodiversidade ou espécies endêmicas (%) corpos d'agua aterrados (%) zoneamento ambiental (Planos Diretores) tratamento de resíduos sólidos e descartes (R$) vol. água reciclada e tratada território protegido (%) A simples utilização das poucas variáveis da tabela acima já permite quantificar o impacto da sazonalidade da atividade turística. Uma primeira aproximação da estimativa da população flutuante nos municípios da Região dos Lagos (figura 1) revela a potencial pressão e aponta preocupações em relação à demanda e oferta de serviços básicos, como coleta de esgoto e de lixo e fornecimento de água e energia. 150 100 50 Ma ric Rio á da Sã sO oP st r as ed ro da Ald eia Sa qu are ma Bú zio s Ca Ca bo sim Fr io iro de Ab reu Igu ab aG ran de Ar aru am Ar rai a al do Ca bo 0 5000 0 -5000 -10000 -15000 -20000 -25000 -30000 ab o Bú z io s Ca Ca bo sm F r io iro de Ab Igu r eu ab aG ra nd e Ma Ri r o ic á d Sã as o Os Pe t ra dr s od aA lde Sa ia qu ar em a 200 Região dos Lagos: Pressão sobre o uso da água pela população urbana e flutuante Ar ra ial do C 250 Diferença do volume de água distribuído (m3/s) e a demanda máxima urbana e sazonal Região dos Lagos: im portância da população flutante s obre a população urbana - 2000 Figuras 3 e 4 – Importância da população flutuante urbana sobre a população urbana total e pressão sobre o uso da água O desenvolvimento de uma lista de variáveis diagnósticas e que reflitam as características locais deve considerar este componente da sazonalidade, assim como a identificação da capacidade de suporte ambiental. Desta forma, as variáveis e indicadores devem estar associados a estes aspectos, os quais associados ao estudo da dinâmica dos processos físicos do litoral permitem não apenas identificar áreas especiais para a gestão, como também compreender a complexidade e dinâmica dos processos que ocorrem nas zonas costeiras.