Revista da Gestão Costeira Integrada #(#):#-#8 (2010)
Número Especial 2, Manguezais do Brasil (2010)
Journal of Integrated Coastal Zone Management #(#):#-#8 (2010)
...em inglês...
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www.gci.inf.br
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Contribuição ao conhecimento e à conservação da planície costeira de
Guaratiba – Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro - Brasil
Contribution to knowledge and conservation of the Guaratiba coastal plain
– Sepetiba bay, Rio de Janeiro – Brazil
Filipe de Oliveira Chaves 1, José Rodrigues Gomes 2, Mário Luiz Gomes Soares 3,
Gustavo Calderucio Duque Estrada 4, Paula Maria Moura de Almeida 5 e
Viviane Fernandez de Oliveira 6
RESUMO
Na planície costeira de Guaratiba encontra-se um mosaico de ambientes que se conectam na paisagem através dos corpos
hídricos. A gestão destas áreas envolve a compreensão de diferentes processos ecológicos nos ecossistemas e a conectividade
biológica presente. Este estudo apresenta uma análise da distribuição dos elementos da paisagem da planície costeira de
Guaratiba, dos processos ecológicos que afetam os padrões e das mudanças dos padrões ao longo do tempo, fazendo
referência à estrutura da vegetação de mangue e à icitiofauna em diferentes habitats, a qual por sua mobilidade no sistema
hidrológico representa uma importante forma de conexão entre os diferentes sistemas que compõem a paisagem. As florestas
apresentam características distintas em termos de desenvolvimento e composição das três espécies de mangue presentes em
Guaratiba: Avicennia schaueriana, Laguncularia racemosa e Rhizophora mangle. Padrão que reflete a diversidade estrutural das
florestas com fisionomias particulares e algumas vezes únicas em pontos específicos da planície costeira estudada, os quais
estão em constante processo de adaptação às variações do ambiente, conferindo um caráter dinâmico ao ecossistema. Para a
ictiofauna foram registradas 19 espécies nativas e 1 espécie exótica (Poecilia reticulata) distribuídas desde a pequena rede
hidrográfica na vertente sudoeste do Maciço da Pedra Branca até a porção interna dos manguezais de Barra de Guaratiba.
Dentre as espécies encontradas, 50 % são dulcícolas primárias, 20 % são dulcícolas secundárias e 30 % são estuarinas. Três (15
%) das espécies dulcícolas secundárias, também são espécies estuarinas residentes, 2 (10 %) das espécies estuarinas são
residentes e 4 (20 %) são estuarinas relacionadas. A comparação com outra bacia de drenagem próxima evidenciou particularidades
Doutor em Oceanografia Biológica, Pesquisador Associado ao Núcleo de Estudos em Manguezais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(NEMA - UERJ), Pesquisador do Instituto Marés.
2
Mestre em Zoologia – Museu Nacional/UFRJ
3
Professor da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Coordenador do NEMA - UERJ
4
Doutorando em Ecologia – PPGE/UFRJ
5
Mestranda em Geografia – PPGG/UFRJ
6
Pesquisador Associado ao Núcleo de Estudos em Manguezais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEMA - UERJ), Pesquisador do
Instituto Marés.
1
Chaves et al.
Revista de Gestão Costeira Integrada / Journal of Integrated Coastal Zone Management #(#):#-# (2010)
da região de Guaratiba como a característica predominantemente lêntica dos rios, formando espaços únicos e interconectados
do litoral sul fluminense.
Palavras-chave: bacia hidrográfica, conectividade, manguezais, ictiofauna.
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ABSTRACT
In the coastal plain of Guaratiba (Rio de Janeiro, Brasil) there is a mosaic of environment that are connected at the landscape level through
the water bodies. The management of these areas involves the understanding of ecological processes into and between the different ecosystems
and the biological connectivity. This study presents an analysis of the distribution of landscape components at Guaratiba coastal plain, the
ecological processes that drive the patterns and changes in mangrove forests and the ichthyofauna in different habitats, as an agent of
connection between the different systems of the landscape. The mangrove forests present different characteristics in terms of structural
development and species composition, which reflect on the structural diversity of forests and on the observed mosaic pattern. For the Ichthyofauna
19 native species and 1 exotic species (Poecilia reticulata) were collected. The species were distributed from the small river system in the
southwest part of the Pedra Branca mountains to the inner zones of the mangrove forests of Barra de Guaratiba. 50% of the observed species
are primary freshwater, 20% are secondary freshwater and 30% are estuarine species. Three (15%) of the secondary freshwater species are also
resident estuarine species, 2 (10%) of the estuarine species are resident species and 4 (20%) are estuarine related. The comparison with other
watershed areas showed that Guaratiba region presents predominantly lentic characteristic for the rivers.
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Keywords: watershed, connectivity, mangroves, ichthyofauna.
1. INTRODUÇÃO
e oceânicos (Helfman et al., 1997), pois, devido a sua
mobilidade e ação nos vários níveis tróficos,
desempenham papel importante na dinâmica
energética do sistema (Helfman et al., 1997; Chaves
& Bouchereau, 2004). De forma similar Marone et
al. (2009) descrevem, para o litoral do Rio de Janeiro,
possíveis conexões entre os sistemas terrestres e o
ambiente marinho, tendo como principais vetores
dessa conexão os sistemas fluviais, estuarinos e os
manguezais.
No passado a região da baixada de Guaratiba/
Sepetiba sofreu com a inter venção humana.
Atualmente essa região é considerada um importante
eixo de desenvolvimento e crescimento do município
do Rio de Janeiro, com a expansão do setor
imobiliário, as propostas de ampliação do Porto de
Itaguaí, a instalação de empreendimentos do setor
siderúrgico e a construção do Arco Rodoviário
Metropolitano, todos potencializando os riscos de
alteração na região.
O presente estudo tem como objetivo principal
aumentar o nível de conhecimento da região de
Guaratiba. Para isso, apresentamos padrões e
processos ecológicos dos manguezais e a diversidade
de peixes no sistema hidrológico, como agente da
conexão biológica, além da distribuição espacial dos
ecossistemas presentes na paisagem, abordando
aspectos da manutenção de conectividade entre os
diferentes componentes da paisagem.
Bacias hidrográficas são espaços geograficamente
delimitados por divisores topográficos que captam
e conduzem águas fluviais e pluviais em uma mesma
direção. Nas unidades litorâneas, estes corpos hídricos
podem desaguar em planícies costeiras ocupadas por
diferentes ecossistemas.
A origem e a evolução das planícies costeiras do
Rio de Janeiro estão ligadas a eventos geológicos,
climáticos e principalmente variações do nível médio
relativo do mar, que através do tempo determinaram
os elementos da paisagem (Suguio et al., 1992). Na
planície costeira de Guaratiba encontram-se diversos
ambientes como, por exemplo, manguezais, planícies
hipersalinas e brejos, além de outras formações que
compõem o mosaico ambiental regional e que
interagem na paisagem.
A presença destes ambientes na planície permite
o sustento de muitas formas de vida na região, em
especial os manguezais pelos papéis exercidos em
toda zona costeira (Soares, 1997). Esta diversidade
de habitats é utilizada por diversos organismos, como
peixes de espécies tanto dulcícolas quanto marinhas.
Os corpos hídricos servem como ponte de conexão
entre diferentes habitats e ressaltam a importância
deste elemento biológico na composição e na
estrutura dos ambientes aquáticos interiores, estuarinos
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Figura 1. Visualização da área de estudo em 3 dimensões, demonstrando
a sub-bacia hidrográfica dos rios Portinho e Piracão (RJ = Rio de Janeiro).
Fonte: Google Earth.
2. MATERIAL E MÉTODOS
foram obtidas medidas de altura, DAP médio e
dominância de espécies por estação.
O tratamento desses parâmetros permitiu analisar
a composição das florestas, o grau de
desenvolvimento das mesmas e a variabilidade de
tipos estruturais, através de análises de regressão e
dados secundários disponíveis na literatura.
O inventário da fauna de peixes foi realizado nas
áreas de drenagem dos rios Portinho e Itapuca, áreas
palustres e na porção interna dos manguezais em
Barra de Guaratiba. Para a coleta foram utilizados
puçás e picarés de diversas dimensões, de modo a
minimizar a seletividade específica de cada petrecho.
O material ictiológico foi fixado e identificado e
posteriormente tombado no Museu Nacional no Rio
de Janeiro.
A ictiofauna dulcícola autóctone em Guaratiba
foi comparada, através do Índice de Similaridade de
Jaccard, às associações nas drenagens do rio da
Calçada, tributário do rio da Guarda (22º40’S-43º50
W), Itaguaí e nas drenagens (22º56’S-43º59’W) da
Praia Grande, Mangaratiba (ambas localizadas na baía
de Sepetiba).
A planície costeira de Guaratiba está localizada
ao sul do Estado do Rio de Janeiro entre as
coordenadas 23° 04’ 39.90" (Sul), 43° 42’ 0.00"
(Oeste) e 22° 56’ 41.23" (Sul), 43° 29’ 34.17" (Oeste).
Distante cerca de 50 km do centro do município do
Rio de Janeiro, a planície pertence à sub-bacia dos
rios Piracão e Portinho da bacia da baía de Sepetiba
e estende-se entre o Oceano Atlântico e a Restinga
da Marambaia, a Sul; rio Piraquê, a oeste e a leste e a
norte pelo Maciço da Pedra Branca (Figura 1).
Nesta região montanhosa têm origem os
principais cursos d’água da região e seus tributários,
os quais ao atravessarem a planície formam baixios,
ilhas e canais de maré meandrantes, a exemplo dos
rios Piracão e Portinho (Roncarati & Barrocas, 1978
e Kneip et al., 1984). Ainda nessa área observam-se
florestas de mangue e planícies hipersalinas (apicuns),
os quais estão sob a proteção da Reserva Biológica e
Arqueológica de Guaratiba (RBAG).
A metodologia para caracterização estrutural das
florestas de mangue baseou-se em Cintron &
Schaeffer-Novelli (1984). Foram estabelecidas 39
estações em três locais (Piracão, Piraquê e Marambaia),
posicionadas em linhas perpendiculares ao corpo de
água salgada principal, com numeração crescente da
margem até a interface com o continente. Nessas
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Florestas de Mangue
As florestas de mangue de Guaratiba são
compostas por Avicennia schaueriana, Laguncularia
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racemosa e Rhizophora mangle apresentando elevada
diversidade estrutural, representada por diversas
fisionomias.
A análise de regressão linear apresentou para as
transversais (Figura 2) relações inversas entre os
parâmetros estruturais (altura média e DAP médio)
e as distâncias das estações com o corpo hídrico
principal. Na tabela I podemos observar que além
da redução do desenvolvimento estrutural das
florestas de mangue, ocorre uma distribuição das
espécies em diferentes zonas, com distintas
contribuições de cada espécie e consequentemente
variação da espécie dominante. Dessa forma ficam
evidentes as variações nos parâmetros: altura média,
DAP médio e espécie dominante relacionados
diretamente ao gradiente de freqüência de inundação
pelas marés local (tabela I). Assim, apesar da baixa
riqueza de espécies vegetais, a composição entre
diferentes níveis de desenvolvimento estrutural e de
composição de espécies, determina uma alta riqueza
de fisionomias vegetais para a região de Guaratiba.
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Figura 2. Análise de regressão entre altura média (A),
DAP médio (B) e a distância das estações em relação
ao corpo hídrico principal nas transversais da região
de Guaratiba.
Tabela I – Parâmetros estruturais das estações na região de Guaratiba,
numeração crescente em direção ao continente.
* spp dominantes com base na densidade relativa de troncos vivos, extraído de
Chaves (2001).
Onde Av = Avicennia schaueriana/ Rh = Rhizophora mangle/ Lg = Laguncularia racemosa
-4-
Chaves et al.
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Os manguezais crescem sobre a influência de
diversos fatores ambientais. A relação entre eles define
o tipo de desenvolvimento estrutural encontrado.
Lugo & Snedaker (1974) separam as florestas de
mangue, entre outras características, por similaridades
hidrológicas e fisiográficas, agrupando-as em diversos
tipos. Esta classificação é bastante aceita por diversos
autores por considerar a influência dos rios e a
“energia subsidiária das marés” proposta por Odum
(1968 e 1971). Os rios porque diminuem a salinidade
e carreiam nutrientes e as marés são responsáveis,
pela remoção de substâncias tóxicas, aumento dos
níveis de nutrientes e oxigenação do substrato, fatores
estes importantes na distribuição e crescimento das
espécies (Aksornkoae, 1993 e Mall et al., 1991).
Segundo Schaeffer-Novelli et al.(1990) esses fatores,
juntamente com outros fatores que atuam em escala
regional, preconizam uma multiplicidade de tipos e
formas dessa vegetação nos ambientes costeiros
brasileiros, definindo a configuração ambiental que
determina a estrutura da comunidade.
As florestas com domínio de Rhizophora mangle
são observadas em todas as transversais estudadas,
dominando as franjas e as regiões intermediárias das
florestas do rio Piracão e as porções intermediárias e
as zonas de transição com as planícies hipersalinas,
nas florestas do rio Piraquê e da Marambaia. As franjas
dessas duas últimas regiões são basicamente
dominadas por Avicennia schaueriana. Florestas mistas
são observadas basicamente em poucas áreas das
zonas inter mediárias, sendo principalmente
dominadas por A. schaueriana e R. mangle. Já as
formações florestais de Guaratiba, com domínio de
L. racemosa, estão situadas nas áreas internas/interface
com a planície hipersalina, próximas ao rio Piracão.
As análises anteriores evidenciam a
heterogeneidade das florestas na região, desenhando
espacialmente um mosaico estrutural sujeito à
influência ora marinha (marés) ora continental (rios).
A variabilidade temporal das florestas de mangue
também é presente na interface entre ambientes,
sendo descrita nos trabalhos de Oliveira et al. (2001)
e Estrada et al. (2003). Estes autores apresentam
resultados do monitoramento da interface entre a
floresta de mangue e a planície hipersalina
diagnosticando e quantificando o processo de
colonização e substituição de espécies dominantes
consolidando assim a mudança temporal do
ambiente.
A vegetação no interior das florestas de mangue
também apresenta relações dinâmicas ligadas a
alterações topográficas, hidrológicas ou
oceanográficas. A sucessão de espécies ocorre em
diferentes estágios e pontos da região como resultado
da influência de características ambientais locais e a
vegetação (Chaves, 2001). Segundo Chaves (op. cit.)
em locais protegidos do estuário, como as margens
do rio Piracão, existe a tendência de estabilidade
devido à reduzida exposição aos fatores geradores
de mudanças como a energia de ondas. Esse fato
permite o desenvolvimento de uma zonação bem
marcada e característica, com domínio de R. mangle
na margem e zonas interiores de A. schaueriana e L.
racemosa. Os demais locais estão sujeitos a fatores
ambientais que agem mais diretamente modificando
a vegetação, como é o caso da região do rio Piraquê
onde existem indícios de um processo erosivo da
margem do manguezal exposta à baía, o qual
modifica a estrutura fazendo com que ocorra uma
zonação truncada das espécies vegetais. Em ponto
oposto da baía, na Restinga da Marambaia, destacamse processos deposicionais levando à colonização de
novas áreas.
Estas características deixam claro que existem
diferentes níveis de suscetibilidade na região, onde
modificações, mesmo que de forma indireta, podem
trazer mudanças ao ambiente. Em outras palavras,
pequenas alterações nestes ambientes, como
mudanças da topografia ou das correntes costeiras
podem induzir novos padrões de alagamento pelas
marés que por sua vez podem ter reflexo na
organização das florestas.
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3.2 Ictiofauna
Associadas aos ambientes de manguezal, palustres
e rede hidrográfica, foram registradas 21 espécies
autóctones de peixes distribuídas desde a pequena
rede hidrográfica na vertente sudoeste (tributários dos
rios Portinho e Itapuca) do Maciço da Pedra Branca
até a porção interna nos manguezais em Barra de
Guaratiba. Dessas, 14 espécies são dulcícolas e 1
espécie é considerada exótica (Poecilia reticulata) - Tabela
II. A categoria ecológica descreve a capacidade das
espécies, tolerarem a salinidade da água e a utilização
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tolerância à salinidade (Helfman et al., 1997).
A interconexão dos rios Portinho e Itapuca com
os ecossistemas palustres e manguezal, e a
disponibilidade de biótopos, possibilitam a ictiocenose
euritópica, ocupar diversificados sistemas ambientais
(brejos, manguezais e rios), sendo assim, ampliar a
distribuição espacial. A conservação das áreas
palustres, além do suporte na dinâmica de sedimentos
possibilita, no período de chuvas, a recarga dos
aqüíferos, o escoamento das águas superficiais para
as áreas de manguezal e auxiliam ainda na minimização
de alagamentos nos períodos de elevada pluviosidade,
além de proporcionarem ambiente único para a
preservação da população local da espécie, Leptolebias
minimus, cuja distribuição geográfica é dependente da
presença cíclica de brejos na região (COSTA, 1988).
dos ecossistemas parálicos e continentais pelas
mesmas. A distribuição espacial das espécies também
é apresentada na Tabela II. Das 21 espécies, 6 (28,57%)
são dulcícolas primárias (possuem distribuição nos
corpos fluviais e paludiais), 8 (38,09%) são dulcícolas
secundárias (ocorrem em ambientes de água doce e
em sistemas mesoalinos) e 7 (33,33%) são
exclusivamente estuarinas. Três (14,28 %) das 8
espécies dulcícolas secundárias, também são espécies
estuarinas residentes, 2 (9,52 %) das 7 espécies
estuarinas, são residentes e 5 (23,80 %) são estuarinas
relacionadas.
Neste estudo todos os poecilídeos, rivulídeos e
ciclídeos foram caracterizados aqui como espécies
dulcícolas secundárias, pois podem ocupar um amplo
espectro de habitats e também apresentar baixa
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Tabela II - Ictiofauna registrada nos ambientes aquáticos no entorno da
baía de Sepetiba: drenagens do rio Portinho (D), áreas palustre (P) e
interna dos manguezais (M); em Barra de Guaratiba: drenagens do rio
da Calçada (D) e áreas palustres (P) em Itaguaí; e drenagens da Praia
Grande (D), em Mangaratiba. Categoria ecológica (C ecológica) das
espécies: dulcícola primária (DP), dulcícola secundária (DS), estuarina
residente (ER), estuarina relacionada (ED).
-6-
Chaves et al.
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O resultado do índice de Similaridade de Jaccard
(Sj) entre as ictiofaunas dulcícolas de Barra de
Guaratiba com as ictiofaunas no rio da Calçada
indicam similaridade baixa (Sj= 0,31) e também,
similaridade baixa com a ictiocenose na drenagem
na Praia Grande (Sj= 0,21). As espécies registradas
nas drenagens de Itaguaí e Mangaratiba constam na
tabela II.
A diversidade da ictiocenose dulcícola parece
aumentar conforme a extensão dos ambientes de
planície (áreas palustres, planície de inundação) e o
tamanho da rede de drenagem e/ ou também com
a conexão com grandes sistemas hidrográficos, fato
este confirmado por outros autores (Helfman et al.,
1997; Lowe-Mcconnell, 1999; King, 2005) em
sistemas aquáticos de outras regiões.
A baixa diversidade de espécies dulcícolas
primárias (11,11%) e secundárias (44,44%) registrada
na Praia Grande (Mangaratiba) - Tabela II - pode ser
explicada pelo tamanho reduzido da bacia de
drenagem e planície de inundação e também pela
conexão direta com a baía de Sepetiba, o que
possibilita às espécies estuarinas eurihalinas (44,44%)
explorarem o baixo curso dos riachos. Enquanto
isso, no rio da Calçada (Itaguaí), a extensão e a
diversidade de habitats na planície de inundação, além
da conexão com o baixo curso do rio da Guarda,
contribuem para a diversidade ictiofaunística
registrada – 73,33% são dulcícolas primárias e
26,66%, secundárias.
A baixa similaridade entre a ictiofauna dulcícola
da drenagem de Barra de Guaratiba com as
ictiofaunas das drenagens da Serra do Mar deve-se à
característica predominantemente lêntica da primeira
região, além da ictiocenose, em sua maior parte,
composta por táxons comuns a ambientes de
baixadas (Gomes, 2006). Características como
ictiofauna de ambientes predominantemente lênticos,
como áreas palustres, planície de inundação e baixo
curso dos rios são similares às observadas em
Guaratiba. A similaridade ictiofaunística observada
deve-se também às espécies com ampla distribuição
geográfica nas bacias do território brasileiro como:
Hoplias malabaricus, Hyphessobrycon bifasciatus, Phalloceros
caudimaculatus, Symbranchus marmoratus, Callichthys
callichthys e Geophagus brasiliensis (Buckup et al., 2007) e
a espécie Astyanax hastatus com distribuição geográfica
em algumas bacias no Estado do Rio de Janeiro
(Melo, 2001).
Outros fatores, além das características ambientais
mencionadas, são fundamentais para a diversidade
ictiofaunística de uma região. Os eventos climáticos,
eustáticos e geológicos são os agentes físicos
modeladores da paisagem regional. Esta área apresenta
uma longa história biogeográfica, exemplificada pela
presença de vários grupos de peixes filogeneticamente
basais e com ampla distribuição biogeográfica nas
bacias da América do Sul até clados que tiveram uma
subseqüente diversificação na maioria das bacias do
continente (Ribeiro, 2006).
Em relação aos processos relacionados à evolução
e à distribuição biogeográfica da ictiofauna nas bacias
costeiras do Brasil, Weitzman et al. (1988) comentam
que a captura dos rios, os complicados eventos
vicariantes e de dispersão associados à variação do
nível do mar durante os períodos glacial e inter-glacial
do pleistoceno, afetaram a conexão entre os demais
rios costeiros. Sendo estes, os eventos mais
importantes no isolamento de faunas aquáticas,
permitindo ainda, a especiação e configuração
geográfica da ictiofauna nas distintas bacias
hidrográficas. Modelo este aplicado à Serra do Mar.
Melo (2000) observou três padrões de distribuição
geográfica da ictiofauna na Serra dos Orgãos: espécies
endêmicas do rio Paraíba do Sul, espécies
encontradas apenas nas drenagens costeiras e espécies
com ampla distribuição ocorrendo nos dois lados
da Serra do Mar (drenagens dos rios costeiros e
drenagens do rio Paraíba do Sul). O mesmo autor
ressalta que a existência de espécies com ampla
distribuição indica que a Serra dos Órgãos e demais
conjunto de montanhas da Serra do Mar não
representam uma barreira geográfica permanente e
completamente intransponível. Já Melo (2001),
enfatiza que a distribuição das espécies do grupo
Characidium lauroi, ao longo da Serra do Mar, se
encaixa no modelo de especiação alopátrica, onde as
barreiras vicariantes como os eventos de separação
das bacias e as variações climáticas ocorridas durante
o pleistoceno, foram responsáveis pela segregação
das populações ancestrais em áreas diferentes. Por
sua vez, Melo (2005) ainda ressalta que as linhagens
podem se modificar ao longo do tempo através de
processos como a seleção natural, deriva genética e
mutação.
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As características ambientais, a história evolutiva
da biota regional, além da influência antropogênica
local, são fatores inter-relacionados e modeladores
da paisagem (fisiografia) e biodiversidade de uma
área. Já as ações antrópicas recentes são mais
preocupantes em termos de descaracterização
ambiental, perda de diversidade e comprometimento
da função ecossistêmica. Segundo Becker et al. (2004)
a magnitude da alteração da cobertura do solo pode
influenciar a estrutura e função dos rios. Sendo ainda,
o desflorestamento nas bacias hidrográficas,
intervenção comprometedora do funcionamento
hidrológico e estabilidade do ecossistema aquático
(Lima & Zakia, 2000).
Barrela et al. (2000) ressaltam que os diferentes
tipos de habitats existentes na bacia hidrográfica,
apresentam composição (biológica) e funcionamento
distintos. Sendo assim, as matas inundadas, os brejos
entre outros biótopos, reúnem características
biológicas e abióticas diferentes daquelas encontradas
nos rios contribuintes, embora apresentem
componentes biológicos comuns, fazendo com que
o equilíbrio ecológico de um habitat dependa da
manutenção do outro (Barrela et al., 2000).
Na Figura 3 são apresentados dados da salinidade
da água intersticial ao longo de uma transversal desde
a margem do rio Piracão (estação 1) até a planície
hipersalina (estações 14 a 20). A salinidade aumenta
gradativamente até a transição da floresta de mangue
com a planície hipersalina (estações 9 e 10), variando
de 29,8 ± 5,7, na margem, até 43,1 ± 7,9 na estação
9. Na estação 14, no centro da planície hipersalina,
observa-se um salto da salinidade para 102,1 ± 9,3.
A partir da estação 17, inicia-se uma redução da
salinidade, atingindo 59,0 ± 7,5 na estação 20, que
marca o início de um banco contínuo da herbácea
Salicornia gaudiauchiana até a transição com sistemas
brejosos adjacentes.
O aumento progressivo da salinidade da água
intersticial desde a margem do rio Piracão até o início
da planície hipersalina se deve ao gradiente de
elevação topográfica demonstrado por Pellegrini
(2000) para essa transversal, determinando um
gradiente de freqüência de inundação pelas marés.
As áreas mais elevadas estão expostas a uma menor
freqüência de inundação pelas marés, o que provoca
aumento da salinidade da água intersticial, devido à
evaporação da água acumulada no substrato. No caso
da planície hipersalina, a freqüência de inundação é
tão baixa que a salinidade atinge valores não-toleráveis
para a sobrevivência das espécies típicas de mangue,
além da influência de outros fatores associados à baixa
freqüência de inundação pelas marés (ex. pH, Eh e
disponibilidade de nutrientes).
A redução da salinidade a partir da estação 17,
apesar da manutenção da elevação topográfica
(Pellegrini, 2000), demonstra o início da influência
do escoamento terrestre de água doce sobre o
sistema. Ou seja, embora o gradiente de freqüência
de inundação pelas marés se mantenha até a estação
20, esperando-se a manutenção do gradiente de
aumento da salinidade nesse sentido, o que se observa
é a redução da salinidade devido à diluição provocada
pela água doce proveniente do escoamento terrestre.
Esse fato demonstra, portanto, a conectividade entre
os sistemas terrestre e estuarino sendo a água o
principal agente dessa conectividade. Semeniuk (1983)
encontrou um padrão similar para um sistema
floresta de mangue-planície hipersalina da Austrália,
em área com significativa influência de escoamento
terrestre. De forma similar Chaves et al. (2009)
demonstram a importância da água como fator de
conexão entre sistemas terrestres (restingas),
manguezais e estuários.
Jimenez (1994) cita o escoamento superficial e a
infiltração como um dos fatores hidrológicos mais
importantes que afetam os manguezais. Nos
manguezais de Guaratiba, onde há locais com
hipersalinidade, é evidente a importância da chuva e
do escoamento superficial, principalmente na porção
interna onde a ação das marés e dos rios não é tão
direta. Neste local, quando ocorre a saturação do
solo pela chuva o escoamento superficial se torna
um efetivo meio de diminuição do estresse salino e
hídrico e um input adicional de nutrientes para as áreas
de manguezal.
Ainda segundo Jimenez (op. cit.) muitos processos
das florestas de mangue (ex. floração, produção de
frutos) estão associados ao balanço hídrico local e,
portanto, seu comportamento está regulado pela
periodicidade e volume de aporte de água doce.
Assim, características relativas à biologia reprodutiva
e desenvolvimento estrutural das florestas de mangue
de Guaratiba estão intimamente associadas à
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Figura 3. Salinidade da água intersticial ao longo de gradiente na região de Guaratiba,
desde a margem do rio Piracão (estação 1), até a planície hipersalina (estações 14 a
20).
Figura 4. Elementos da paisagem da planície costeira de Guaratiba, Rio de Janeiro.
preservação das funções exercidas pelos ambientes
de brejos, tanto do ponto de vista da infiltração do
solo como pela manutenção do volume fluvial, sendo
sua manutenção vital para a conservação de toda a
paisagem local, como observado por Chaves et al.
(2009), no que se refere à função de formações de
restinga de Caravelas (Bahia), na manutenção do lençol
freático, que representa a principal fonte de água doce
para os manguezais da região.
A conectividade na paisagem de Guaratiba está
estruturalmente apresentada na Figura 4, onde está
representada a bacia hidrográfica, limitada pelo
Maciço da Pedra Branca e pelo oceano. São
apresentados os principais ambientes naturais
dispostos de maneira transversal desde a parte
montanhosa até a região de oceano aberto, onde
destacam-se os brejos e sua conexão com as planícies
hipersalinas, através do fluxo de água doce, as florestas
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de mangue e o sistema estuarino representado pela
baía de Sepetiba. Nessa figura ainda evidencia-se, no
contexto da paisagem, a intima relação entre os
sistemas montanha (Mata Atlântica), planície costeira
(rios, brejos, restingas, planícies hipersalinas e
manguezais), baía de Sepetiba (estuário, canais de
maré, manguezais em ilhas e bancos lamosos),
Restinga de Marambaia (manguezais, restingas, dunas,
brejos e praias) e Oceano, fato esse que corrobora a
proposta de Marone et al. (2009) e Costa et al. (2009)
para a manutenção dessa área como um potencial
corredor de conexão entre os sistemas terrestre,
estuarino e marinho, no domínio da Mata Atlântica
no estado do Rio de Janeiro.
CONCLUSÃO
A abordagem considerando as categorias
ecológicas da ictiofauna e o processo ecológico no
manguezal introduz uma nova dimensão nas políticas
de proteção ambiental. A conexão biológica entre
os ambientes na paisagem deveria ser considerada
na gestão de unidades de conservação na região de
Guaratiba. A tendência de aumento da diversidade
da ictiofauna conforme a extensão dos ambientes na
planície demonstra a dependência com o atual estado
de conservação dos ambientes. Os manguezais
destacam-se funcionalmente, pois desempenham
papel também na zona costeira, contribuindo para o
aumento da riqueza e diversidade biológica na região.
Visando a conservação da biodiversidade e
funcionalidade dos ecossistemas contíguos, drenagens
– áreas palustres – manguezais, os ambientes palustres
no entorno da Reserva Biológica e Arqueológica,
deveriam estar incluídos nas áreas prioritárias e
estratégicas para a conservação da biodiversidade
Neotropical local. Sendo assim, espécies endêmicas
e ameaçadas de extinção Leptolebias minimus, Astyanax
hastatus e Kryptolebias brasiliensis (SMAC, 2000; IBAMA,
2004) deveriam ser o foco em programas de
conservação da paisagem, os quais ao mesmo tempo
preservam habitats, sistemas e espécies.
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As informações apresentadas demonstram
claramente que os ambientes não estão isolados na
paisagem de Guaratiba, ao contrário, como os
manguezais, eles estão envolvidos por habitats
complexos e dinâmicos com conexões bióticas e
abióticas. Entre os abióticos estão os relacionados
ao fluxo e qualidade de água, que são determinados
por flutuações sazonais das chuvas e por mudanças
na composição da água e poluição de fontes distantes
e diversas. Assim, os manguezais e os demais
ambientes aquáticos da paisagem são extremamente
dependentes das condições de uso do solo na bacia
de drenagem.
Os corpos hídricos constituem a principal força
mantenedora dos ambientes na planície costeira de
Guaratiba, bem como o principal vetor de
conectividade dos diferentes ambientes. Atravessam
desde o Maciço da Pedra Branca até a área de
influência marinha criando uma heterogeneidade
estrutural marcada na flora com ecótonos entre os
ambientes. A ictiofauna presente, tanto dulcícola
quanto marinha, é favorecida pela disponibilidade e
diversidade de habitats e sustentada, provavelmente,
pelo material orgânico carreado destes locais
circundantes. Exercem importante papel no
transporte local de energia e material contribuindo
para manutenção da diversidade biológica.
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Contribuição ao conhecimento e à conservação da