ROCHA LIMA Uma Preposição Portuguesa Rio de Janeiro, 2010 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Carlos Henrique da Rocha Lima Professor catedrático de Português do Colégio Pedro II Uma Preposição Portuguesa (Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna) Tese de concurso para uma das cadeiras de Português do Colégio Pedro II Rio de Janeiro 1954 2 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna À memória do meu querido mestre e amigo QUINTINO DO VALLE, o professor perfeito de Português. CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 3 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Ao ilustre amigo Professor ROBERTO ACCIOLI, Secretário-Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal, em sinal de gratidão pelas constantes provas de confiança que me tem dado, desde que me concedeu a oportunidade honrosa de colaborar em sua magnífica obra de dignificação do ensino na Capital da República. 4 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna CAPÍTULO I A PREPOSIÇÃO A São tão variados os empregos da preposição a em português e confinam, com matizes tão tênues, suas acepções, que se afigura empresa sobremodo árdua surpreender-lhe e delimitar-lhe os mal definidos contornos semânticos. A partir do sentido fundamental de movimento dirigido a um termo, “como o da seta arremessada ao alvo” (LEÔNI, 1858, II, p. 7), passou a preposição a (< ad) por longa e acidentada evolução, entrecruzando-se associações de ideias que lhe foram ampliando, em progressivo enriquecimento, a área CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 5 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA significativa, até torná-la, pela frequência e abundância do seu uso, equivalente a quase todas as outras preposições portuguesas (cf. MAGNE, 1950, v/a, VIII, p. 28-31). Ao tentarmos classificar-lhe as mais importantes aplicações, situá-la-emos em dois grandes grupos, conforme indique ela movimento, ou repouso. “Al considerar el desenvolvimiento de las acepciones”, adverte Cuervo no seu monumental Diccionario de Construcción y Régimen de la Lengua Castellana, conviene, eso sí tener presente que, lo mismo que sucede en otras palabras, su enumeración no presupone un orden recto ascendente ó descendente, pues las hay que son colaterales. (v./a, p. 1). O primeiro grupo tem por base a ideia de movimento, que implica necessariamente a de direção e sugere a de limite e termo, a qual, por sua vez, conduz à de lugar onde. Da ideia central com suas ramificações podem inferir-se, em sequência, no sentido próprio e no figurado, as seguintes séries principais: extensão, distância, duração, prazo; tendência, destinação, fim; ponto onde termina uma atividade, convertendo-se, então, a partícula em sinal do objeto indireto (e, em certos casos, do 6 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna objeto direto, para ficar bem sublinhado o elemento atingido pela ação verbal). Ao segundo grupo serve de núcleo a ideia de proximidade com repouso, como também acontecia em latim: Bien que ad, dans la plupart de ses emplois, implique une idée de mouvement, cette notion ne lui était pas nécessairement attachée, et il lui arrive de marquer la proximité avec repos. (ERNOUT, 1951, § 46). Daí se passa facilmente para o sentido de situação em geral no espaço e no tempo. A ideia de aproximação no tempo provoca a de concomitância, de onde se transita para a de condição e causa; enquanto a noção de proximidade no espaço, gerando a de conformidade, faz que desta se desentranhe a relação de modo, que sempre se liga à de meio e instrumento, e, mais remotamente, à de quantidade, medida e preço. Tais valores, em sua maioria – porventura em sua totalidade –, já estavam estabilizados na Península Ibérica desde época muito remota. CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 7 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Capítulo II OBJETO INDIRETO O principal papel de preposição a é introduzir o objeto indireto, correspondente, portanto, o seu emprego ao emprego normal do dativo latino. Já ao tempo de Plauto (GRANDGENT, 1928, § 90), tendia o dativo a expressar-se pelo acusativo com ad. Nasceu essa construção, como assinala Bourciez (1946, §§ 116 e 31), não só do fato de ter desaparecido toda a diferença entre frases como dare alicui litteras e dare litteras ad aliquem, senão 8 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna também do cruzamento analógico de frases como misit ad patrem e dedit patri, de que surgiria o tipo dedit ad patrem. Dans bien des cas, l’emploi de ad et de l’accusatif était voisin de l’emploi du datif; et dès le début de la tradition, des verbes marquant les mouvements, tels que mittere, adferre, etc., se contruisent des deux façons, suivant que l’on considérait soit à l’intention de qui l’action était faite (datif), soit vers qui elle était dirigée (ad et accusatif). Souvent la distinction était fuyante. (ERNOUT-MEILLET, 1932, v./ad., p. 12). A substituição do dativo pelo acusativo com ad se tornou geral em quase todo o Império: das línguas românticas somente o romero conversou o dativo, já com o valor próprio, já com o do genitivo possessivo latino (MEYER-LUBKE, 1923, §§ 39). O objeto indireto representa “la persona o cosa a que se dirige o destina la acción, o, también, en cuyo provecho o daño se hace.” (ALONSO-UREÑA, 1943, I, p. 77). Nesta definição englobam-se os casos do dativo de atribuição e do dativo de interesse, cujos limites, aliás, são pouco nítidos; conforme muito bem acentua Ernout (1951, § 76), este não é senão uma categoria daquele. São várias as construções do objeto indireto: CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 9 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA 1) Serve de complemento a verbos acompanhados de objeto direto, representando o elemento onde termina a ação. Neste grupo incluem-se verbos que correspondem, ou etimologicamente ou na significação, a verbos latinos que regiam dativo ou ad, e, também, alguns outros que em latim se empregavam com duplo acusativo. Exemplos: senhora, vós sois senhora emperadora, não deveis a ninguém nada, sede isenta. (VICENTE, 1945, vs. 195-198). Novos mundos ao mundo irão mostrando. (CAMÕES, 1943, II, 45). O Capitão que a tudo estava atento, Tanto com estas novas se alegrou, Que com dádivas grandes lhe rogava Que o leve à terra onde esta gente estava”. (CAMÕES, 1943, I, 98). Agora tu Calíope me ensina, O que contou ao Rei, o ilustre Gama... (CAMÕES, 1943, III, 1). 10 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Deu a Costança a mão, mas a alma livre, Amor, desejo, e fé me guardou sempre. (FERREIRA, 1945, vs. 64-65). Pediu o filho pródigo a seu pai, que lhe desse em vida a parte da herança, que lhe pertencia. (VIEIRA, s/d., II, p. 106) Negou Labão a Jacó o prêmio de sete anos de serviço, em que se concertaram... (VIEIRA, s/d., II, p. 116). Este homem acusado de se fazer Rei, deu olhos a cegos, ouvidos a surdos, pés a mancos, fala a mudos... (VIEIRA, s/d., II, p. 18). ... foge depressa Ermelinde, e guarda a virgindade, que a Deos dedicaste. (BERNARDES, 1945, I, p. 3). Às Náiadas piedosas Minhas queixas magoadas Irei contar... (ELÍSIO, 1941, p. 194). Dar meia cidade aos monges queria o Rei liberal, mas os monges só quiseram uma casa monacal; contentes com Lorvão santo, seu paraíso terreal. (CASTILHO, 1863, p. 251) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 11 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Iracema, depois que ofereceu aos chefes o licor de Tupã, saiu do bosque. (ALENCAR, 1948, p. 65). Calisto escreveu numa página rasgada da carteira, e perguntou ao criado se sabia ler. (BRANCO, 1953, p. 70). Alguém disse a Castilho Elói que o circunspeto Vasco da Cunha não era estranho ao coração de Adelaide. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 91). Talvez eu exponha ao leitor, em algum canto deste livro, a minha teoria das edições humanas. (ASSIS, s/d.5, p. 15). O oficial que entregou ao inimigo os planos de defesa da pátria, emparelha com o que vende ao inimigo a vida dos seus camaradas. (BARBOSA, 1946, p. 25) A respeito de alguns verbos portugueses que em latim se construíam com duplo acusativo escreveu Said Ali, com a segurança de sempre, excelente lição na Revista de Língua Portuguesa (n° 11, maio, 1921, p. 67-69). 2) junta-se à unidade semântica formada de verbo + objeto direto, indicando o possuidor de alguma coisa. 12 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Neste caso, pode a preposição a ser substituída por de. Prender-se-á, talvez, esta sintaxe ao dativo simpatético – o qual, nas línguas clássicas, concorria com o genitivo. (Juret, 1926, p. 214; e Tovar, 1946, § 66). Exemplos: Vêm todos os cupidos servidores, Beijar a mão à Deusa dos amores. (CAMÕES, 1943, IX, 36) Mas a graça desse verde Tira a graça a toda cor. (CAMÕES, 1932, p. 7) De sorte que o fel daquele Peixe tirou a cegueira a Tobias o velho, e lançou os Demônios de casa a Tobias o moço. (VIEIRA, s/d., II, p. 318) ... mandou cortar a cabeça a Adonias. (VIEIRA, s/d., II, p. 100) ... porque basta que ele mude os nomes às cousas, para que elas mudem a natureza, e o que era, deixe de ser, e o que não era, seja. (VIEIRA, s/d., II, p. 100) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 13 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA E quem queres tu que tape a boa aos namorados ou lhes acerte com a vontade, com que o mesmo Amor não atina? (MELO, 1943, p. 3) Do filho do Trovão denominado, Que o peito domar soube à fera gente; O valor cantarei na adversa sorte, Pois só conheço Herói quem nela é forte. (DURÃO, 1791, I, 1) Gonçalo Lourenço entendeu-o. Beijou a não a el-rei e saiu. (HERCULANO, s/d.4, II, p. 28) ... e, cheia de júbilo, mata a fome ao filho. (ALENCAR, 1948, p. 123) Sendo caso, porém que o teu enxame ignavo, lasso de fazer mel, farto do lar sombrio, só quis espairecer-se e errar pelo ar vazio, tolhe esse brinco vão; prende-as nas próprias casas; é facílima empresa: arranca à mestra as asas. (CASTILHO, 1867, p. 237) E com os dedos hábeis e leves consertou a gravata ao marido... (ASSIS, 1923, p. 142) Mas, como, naquela época, os legisladores sabiam melhor os segredos à língua, em que falavam, natural havia de ser que os aproveitassem na contextura dos atos legislativos. (BARBOSA, 1949, p. 17) 14 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna 3) Acompanha certos conglomerados constituídos de verbo + objeto direto, de que depende o indireto. Tais conglomerados, que em latim regiam dativo (ERNOUT, 1951, § 80), formam uma massa verbal de significação indissolúvel, e muitas vezes equivalem a verbos simples: pôr grosa a (dificultar), pôr nome a (nomear, apelidar), pôr fim a, pôr termo a (terminar), pôr cerco a (cercar), pôr freio a (refrear); ter medo a, ter receio a (temer, recear); ter amor a (amar), ter ódio a (odiar), ter inveja a (invejar), ter respeito a (respeitar); fazer guerra a (guerrear), fazer frente a (enfrentar) etc... Alguns exemplos: Andemos a estrada nossa, olhai não torneis atrás, que o imigo à vossa vida gloriosa porá grosa... (VICENTE, 1945, vs. 120-124) Já que a bruta crueza e feridade Puseste nome esforço e valentia... (CAMÕES, 1943, IV, 99) De sorte que Alexandro em vós se veja, Sem à dita de Aquiles ter enveja. (CAMÕES, 1943, X, 156) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 15 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Já não fareis docemente Em rosas tornar abrolhos Na ribeira florescente; Nem poreis freio à corrente, E mais se for dos meus olhos. (CAMÕES, 1932, p. 43) Que, se o fino pensamento Só na tristeza consistente, Não tenho medo ao tormento: Que morrer de puro triste, Que maior contentamento? (CAMÕES, 1932, p. 45) E porque não pôs Deus os nomes aos animais, e quis que lhos pusesse Adão? (VIEIRA, s/d., II, p. 23) Se for para a guerra, poderá voltar coronel, tomar gosto às armas, segui-las e honrar assim o nome de seu pai. (ASSIS, s/d.3, p. 20) Não desconhecia o moço que a empresa a que metia ombros era crespa de dificuldades. (ASSIS, s/d.3, p. 35) Também outro tipo de conglomerado – formado de verbo + predicativo – aceita complemento com a para designar a pessoa ou coisa à qual vai o conjunto referir-se como útil ou prejudicial, ou, ainda, “em que relação está uma pessoa com outra.” (MADVIG, 1872, § 241, Obs. 4) 16 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna ...servi olhos a um cego. (SOUSA, 1946, I, p. 14) ... e o rei dos bosques serviu de pasto aos tragadores vermes. (HERCULANO, 1878, p. 31) sê mãe, conforto, providência, filha ao velho mártir que não tem ventura. (RIBEIRO, 1943, p. 112) Observações: Talvez se possa incluir nesta categoria o caso em que a preposição a (ou pronome pessoal na forma átona correspondente) “entra em certas combinações com o sentido de com relação a alguém, considerado agente, a origem, etc.” (DIAS, 1933, § 151). Exemplos: Ouvido tinha aos Fados que viria Uma gente fortíssima de Espanha, Pelo alto mar, a qual sujeitaria Da Índia, tudo quanto Dóris banha... (CAMÕES, 1943, I, 31) E se vires que pode merecer-te Alguma coisa a dor que me ficou Da mágoa, sem remédio, de perder-te... (CAMÕES, 1932, p. 153) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 17 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA os cantares que ouvira aos bisavós incultos, torne-os a ouvir de nós... (CASTILHO, 1867, p. 115) Se alguma cousa lhe mereço... peço-lhe me ajude francamente neste empenho, com a autoridade de sua pessoa. (ASSIS, s/d.3, p. 23-24) 4) Figura num tipo especial de construção, na qual os verbos fazer, deixar, mandar, ouvir, e ver se combinam a infinitivo acompanhado de objeto direto, ou a verbo de ligação+ predicativo. Trata-se da contravertida estrutura “faire faire quelque chose à quelqu’un”, em cuja exegese se têm afadigado alguns mestres da filologia romântica, sem que até agora, nenhuma das teorias apresentadas haja alcançado aprovação geral. Exemplos: Três cousas acho que fazem ao douto ser sandeu... (VICENTE, 1953, vs. 1-2) Dali os pães semeados Ver a meus olhos deixárom, Que por não grados julgárom... (FALCÃO, 1945, vs. 366-368) 18 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Até que na cerviz seu jugo meta Dos soberba Tuí, que a mesma sorte Viu ter a muitas vilas suas vizinhas, Que por armas tu Sancho humildes tinhas. (CAMÕES, 1943, III, 89) Não matou a quarta parte o forte Mário, Dos que morreram neste vencimento, Quando as águas co sangue do adversário, Fez beber ao exército sedento... (CAMÕES, 1943, III, 116) Este a mais nobres faz fazer vilezas... (CAMÕES, 1943, VIII, 98) Divino, almo pastor, Délio dourado, A quem de Anfriso já viram os prados Guardar formoso, rico e branco gado... (CAMÕES, 1932, p. 320) – Assim é (disse Solino) que até óculos, que se inventaram para remediar defeitos da natureza, vi eu já trazer a alguns por galantaria. (LOBO, 1941, p. 39) Apareceu Deus na Sarça a Moisés e mandou-lhe descalçar os sapatos... (VIEIRA, s/d., II, p. 380) Antes já ouvi dizer a um pregador na minha igreja que cada um é obrigado a conhecer-se. (MELO, 1943, p. 2) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 19 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Mas observando, sem que o lenho o ajude, Em menos de um momento o fogo feito; O mesmo imaginou, que a Grécia creu, Quando viu ferir fogo a Prometeu. (DURÃO, 1791, II, p. 25) – Minha querida filha, tu dizes coisas! Pois? não tens ouvido, a teu tio Frei Jorge e a teu tio Lopo de Souza, contar tantas vezes como aquilo foi? (GARRETT, 1943, p. 38) Ribeiros, fazia-os galgar de um pulo ao meu ginete... (HERCULANO, s/d.4, I, p. 16) O comendador fez-lhes saber que compraria as terras oferecidas; mas pelo preço por que as tinham adquirido. (CASTELO BRANCO, 1885, p. 42) Onde li eu que uma tradição antiga fazia esperar a uma virgem de Israel, durante certa noite do ano, a concepção divina? (ASSIS, 1923, p. 73) Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas creem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros... (ASSIS, s/d.5, p. 4-5) Vi-lhe fazer um gesto... (ASSIS, s/d.5, p. 1) Em lugar do infinitivo pode vir uma oração de modo 20 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna finito. Exemplos: Quisera-o eu consolar, Mas em cujo poder ia Não me deu a mais lugar Que ouvir-lhe que dezia: Ó Guiomar, Guiomar, Em vós pus minha esperança... (FALCÃO, 1945, vs. 331-336) Mandou Cristo a S. Pedro, que fosse pescar... (VIEIRA, s/d., II, p. 342) Já o jurista começava a olhar com os primeiros toques de saudade para o instrumento, que, há dez lustros, lhe vibra entre dedos, lidando pelo direito, quando a consciência lhe mandou que despisse as modestas armas da sua luta... (BARBOSA, 1921, p. 16) Tem-se afirmado que, nas construções dos verbos fazer, deixar, mandar, ouvir e ver ligados a infinitivo, só tem cabimento junto a eles o pronome lhe(s), no caso de ser o infinitivo acompanhado de objeto direto. Entretanto, o exemplaríssimo Castilho, em harmoniosa passagem do Tratado de Metrificação Portuguesa (p. 48), abona o emprego da forma lhes, pertencente para mandar, não obstante ser destituído de objeto direto o infinitivo seguinte; CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 21 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA fê-lo, possivelmente, para guardar simetria com os outros dativos não pronominais que dependem do mesmo verbo: Primeiro aprendeu a dar com um pobre lápis algumas retas e curvas sem significação; bosquejou parte por parte, mas desconexas e mortas as feições humanas, depois compôs a cabeça, nela veio alvorecendo a vida; juntou o corpo e a atitude, compôs os grupos, mandou-lhes sentir, e falar; às plantas, que vegetassem; ao céu, que resplandecesse; às correntes, que fugissem; à natureza inteira, que saísse do nada! 5) Liga-se a verbos intransitivos unipessoais, designando a pessoa em quem se manifesta a ação. Tal ocorre com verbos de efeito moral (pesa, dói, apraz), de conveniência (convém, cumpre, importa), de dúvida (parece, consta), de fenômeno psicológico (lembra, esquece, admira, custa) etc. Exemplos: Prouvera a Deus, disse o ermitão, que tivéreis vós desimpedidos e alumiados os olhos do entendimento... (PINTO, 1940, I, p. 15) Os cortesãos a quem tão pouco pesa Soltar palavras graves de ousadia Dizem que provarão, que honras e famas Em tais damas não há, pera ser damas. (CAMÕES, 1943, VI, 44) 22 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Altamente lhe dói perder a glória, De que Nisa celebra inda a memória. (CAMÕES, 1943, I, 31) Pareceu a El-rei e aos seus que lhes acudia o Céu com socorro. (SOUSA, 1946, I, p. 10) ...e me admirou, que se houvesse estendido esta ronha, e pegado também aos peixes. (VIEIRA, s/d., II, p. 335) Ao sacerdote cumpre aceitar esta [vida] por verdadeiro desterro... (HERCULANO, s/d.2, p. IX) Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei... (ASSIS, s/d.5, p. 6) ... comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu. (ASSIS, s/d.5, p. 6) Capitu propôs metê-lo em um colégio, donde só viesse aos sábados; custou muito ao menino aceitar esta situação. (ASSIS, s/d.5, p. 361) Observação: Alguns desses verbos, e ainda outros, podem ter o sujeito precedido de preposição. CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 23 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Exemplos: Por isso sam, e a isso vim; mas em fim cumpre-vos de me ajudar a resistir. (VICENTE, 1945, vs. 88-91) Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa, Que bem cuidou comprá-la mais barata. (CAMÕES, 1943, V, 49) A boca e os olhos negros retorcendo, E dando um espantoso e grande brado, Me respondeu, com voz pesada e amara Como quem da pregunta lhe pesara. (CAMÕES, 1943, V, 49) – A noite passa. Horas são estas Impróprias de ir buscar outra pousada. Se vos não peja de aceitar a minha, Vinde. (GARRETT, 1844, canto I, p. XXI) O conde, olhando então para o topo da mesa, deu de rosto com licenciado e custou-lhe igualmente a conter-se. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 202) – Que novos males Nos resta de sofrer? (DIAS, 1937, p. 77) 24 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Dói-me também, senhor conde – acrescentou o cavaleiro – de ser eu quem vos houvesse de trazer tão desagradável mensagem. (HERCULANO, s/d.3, p. 227) É propriamente como sujeito de convir que o infinitivo precedido de a funciona na locução convém a saber, usada nos apostos explicativos e enumerativos: ...porém lembro-vos que são duas matérias as que tocou o senhor D. Júlio, convém a saber: a graça e composição do rosto e corpo no falar, e o concerto das palavras e descrição das razões. (LOBO, 1941, p. 158) 6) Une-se a verbos intransitivos pessoais, caso em que é necessário distinguir, pelo menos, dois importantes grupos: a) O primeiro, integram-no verbos com os quais, por ser óbvio, se pode omitir o objeto direto, figurando então somente o indireto: escrever (uma carta) ao pai. O mesmo ocorre em espanhol, onde o fato, já apontado por Cuervo (1886, v/a, p. 8, 2ª col.), é assim explicado pelo professor da Universidade de Chicago Hayward Keniston: With one group of verbs, those expressing communication between one person and another, such as escribir, hablar, and responder, the use of an indirect object is clearly a development of an original use in which there was a direct indicating the person to whom the communication was addressed. With the omission CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 25 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA of thedirect object of the thing, the indirect remains as though the verbs were intransitive. (1937, p. 20-21). Exemplos: Falar ao Rei Gentio determina; Porque com seu despacho se tornasse, Que já sentia em tudo da malina Gente impedir-se quanto desejasse...” (CAMÕES, 1943, VIII, 58) Destarte as aconselha o Duque experto, E logo lhe nomea doze fortes, E porque cada dama um tenha certo, Lhe manda que sobre eles lancem sortes, Que elas só doze são: e descoberto Qual a qual tem caído das consortes, Cada uma escreve ao seu por vários modos, E todas a seu Rei, e o Duque a todos. (CAMÕES, 1943, VI, 50) Ao mensageiro o Capitão responde, As palavras do Rei agradecendo, E diz... (CAMÕES, 1943, II, 5) Não vejo, nem escrevo a ninguém; mas enquanto me trago e me sofro, não me faltam cuidados nem pesares. (MELO, 1937, p. 45) D. Plácida foi buscar um espelho, abriu-o diante dela, Virgínia punha o chapéu, atava as fitas, arranjava os cabelos, falando ao marido, que não respondia nada. (ASSIS, s/d.5, p. 273) 26 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Escrevi imediatamente a Virgília, e segui duas horas depois para a Gamboa. (ASSIS, s/d.5, p. 225) A certa altura do famoso “Sermão de Santo Antônio”, recitado, em 1654, na cidade de São Luís do Maranhão, usou Vieira, na mesma página, do verbo pregar com a dupla sintaxe: pregar alguma coisa a alguém e pregar a alguém. Eis os lugares: Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? (VIEIRA, s/d., II, p. 312) Isto suposto, quero hoje à imitação de S. Antônio voltar-me da terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. (VIEIRA, s/d., II, p. 312) b) no segundo grupo reúnem-se verbos correspondentes a verbos latinos que exigiam, por sua própria significação, aquele “complément de valeur au datif”, de que nos fala Juret (1926, p. 207), e ainda outros que não se construindo em latim com dativo, tiveram alargado em português o campo semântico, bifurcando-se-lhes o regime paralelamente aos novos sentidos que adquiriram. CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 27 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Torna-se extremamente difícil, se não impossível, explicar à luz da sintaxe latina a construção de muitos desses verbos, não só porque alguns deles já foram transitivos em português, senão porque outros ainda hoje se podem aplicar transitiva ou intransitivamente, com diferenciação de sentido ou sem ela. Obedecer e resistir, por exemplo, que em nossos dias somente se usam com objetivo indireto, tinham dupla regência (obedecer-lhe e obedecê-lo; resistir-lhe e resisti-lo) na linguagem dos séculos XVI e XVII: Assi foi, porque tanto que chegaram A vista delas, logo lhe falecem As forças com que dantes pelejaram, E já como rendidos lhe obedecem. (CAMÕES, 1943, VI, 88) ...não só ofendiam a Antônio, mas o obedeciam, e reverenciavam. (VIEIRA, s/d., III, p. 193) Atai as mãos a vosso vão receio, Que eu só resistirei ao jugo alheio. (CAMÕES, 1943, IV, 18) Olha um Mestre que desce de Castela, português de nação, como conquista A terra dos Algarves, e já nela 28 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Não acha que[m] por armas lhe resista... (CAMÕES, 1943, VIII, 25) Crês tu que já não foram levantados Contra seu capitão se os resistira, Fazendo-se Pirtas, obrigados De desesperação, de fome, de ira? (CAMÕES, 1943, V, 72) Servire (> servir), que trazia habitualmente o complemento em dativo, apresenta especializações de sentido em português, as quais se podem exprimir por construções diferentes (servir-lhe e servi-lo), sem que, todavia, sejam nítidas, em certos casos, as fronteiras semânticas do verbo. Mais complexo é quaerere (> querer), com a dupla significação usurpada parte a velle e parte a amare (querer + acusativo da coisa = velle; querer + dativo da pessoa = amare), por isso que não se construía com dativo em nenhuma daquelas acepções. CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 29 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA CAPÍTULO III OBJETO DIRETO PREPOSICIONAL Ainda está por estudar a extensão do uso do objeto direto preposicional em português. Aliás, este curioso fenômeno, inexistente em algumas línguas românticas e comuníssimo em outras, não mereceu até agora da parte dos romanistas nenhum exame sério de conjunto que lhe aprofundasse os aspectos funcionais, estilísticos e históricos. Meyer-Lübke, sempre tão minucioso, dedicou a tal assunto quatro cautelosas páginas (1923, §§ 350-351). 30 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Na Península Ibérica, os primeiros exemplos de ad a preceder o objeto direto que designa ser animado aparecem nos princípios do século XI, fase a que pertence a passagem “Decepit ad sua germano”, da Esp. Sagr., XXXVI, p. XXXIX, ano 1032 (BOURCIEZ, 1946, § 236 a). Das línguas nacionais são o espanhol e o romeno, este com a preposição pe (> per), as que lhe cultivam mais amplamente o emprego, o qual já se encontra satisfatoriamente sistematizado nos tratados de sintaxe e nas boas gramáticas normativas de um e outro idioma. Descrições mais ou menos desenvolvidas podem ler-se, por exemplo, sobre o espanhol, em Cuervo (1886, v. /a, 10), Keniston (1937, p. 7-18), Bello y Cuervo (1945, §§ 889-900), Hanssen (1945, § 692); e na Gramática da Real Academia (§§ 240-242); e a respeito do romeno, em recente trabalho de Alain Guillermou (1953, § 143). São geralmente omissas, ou muito pobres de informações, as gramáticas do português. Epifânio da Silva Dias (1933, § 27) apenas aflora o problema, e, no curto parágrafo em que o faz, reúne casos muito heterogêneos, que cumpria ordenar segundo um critério mais lógico. CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 31 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA No substancioso artigo de Harri Meier intitulado “Sobre as Origens do Acusativo Preposicional nas Línguas Românticas” (1948, p.115-164), vem a matéria debatida com certa amplitude e profundidade. Todavia, não teve o autor propriamente em vista estudar, em si mesmo, este difícil ponto da sintaxe portuguesa; examinou-o tão somente na medida em que o confronto com o espanhol lhe poderia ser útil ao objetivo de pesquisar as raízes linguísticas e a evolução histórico-geográfica do fenômeno. Em português, a preposição tem, amiúdem papel distintivo evidente: serve de impedir que se tome por sujeito o objeto direto, sempre que o contexto não excluir, de pronto, tal incerteza. Apossando-se desse recurso, estenderam-na os escritores a outras construções em que a partícula não apresenta por exigência da clareza, senão que figura arbitrariamente, a título de mero ornamento, com frequência variável de época para época, ao sabor do gosto de cada um. Passemos a apontar, com preocupação meramente expositiva, os principais usos do objeto direto com a em português. Emprega-se, ou pode empregar-se, a preposição: 32 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna 1) – com as formas tônicas dos pronomes pessoais: Que direi, Prudência minha? A vós quero por espelho. (VICENTE, 1953, vs. 25-256) Tudo me é contrairo assi: descuido matou meu gado, cuidado matou a mim. (FALCÃO, 1945, vs. 218-220) A vós, e a mi, e o mundo todo doma... (CAMÕES, 1943, VI, 30) Júlio César conquistou O mundo com fortaleza; Vós a mim com gentileza. (CAMÕES, 1932, p. 75) Não culpamos a ti: nem desculpamos As descorteses mãos de teus ministros, Constantes no conselho, crus na obra. (FERREIRA, 1945, vs. 1514-1516) Igualmente trocamos nossas almas, Esta que te ora fala, é de teu filho, Em mim matas a ele... (FERREIRA, 1945, vs. 1379-1381) Mor alteza, e mor ânimo é as grandezas Desprezar, que aceitar: e mais seguro A si cada um reger, que o mundo todo. (FERREIRA, 1945, vs. 605-607) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 33 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Um coração que, frouxo, a grata posse de seu bem difere, a si, Marília, a si próprio rouba, e a si próprio fere. (GONZAGA, 1942, p. 36) romper a nuvem que os meus olhos cerra, amar no céu a Jove e a ti na terra! (GONZAGA, 1942, p. 102) Rubião viu em duas rosas vulgares uma festa imperial, e esqueceu a sala, a mulher e a si. (ASSIS, 1923, p. 264) Quem sabe se o destino marcara justamente a ela como a eleita? (LOBATO, 1943, p. 454) Na linguagem arcaica, como é sabido, não havia tal exigência. E mesmo na linguagem moderna, e, até na de nossos dias, não é raro aparecer um ou outro giro, às vezes determinado pela construção especial que o escritor dá à frase, no qual formas tônicas se empregam, desacompanhadas de proposição, como objeto direto. Em artigo publicado na Revista de Cultura (n.º 199, julho, 1943, p. 5-8), estuda Souza da Silveira esse interessante fato, e cita numerosos exemplos, alguns dos quais transcrevemos a seguir: 34 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna ANTÔNIO FERREIRA: Eles falem por mim, eles sós ouve: Mas não te falarão, Senhor, com língua, Que inda não podem... (Castro, f. 226 [está por erro 225] dos “Poemas Lusitanos, ed. de 1598). CORTE REAL: E quando mais fortuna s'esforçava Com ímpeto cruel, e brava fúria, Supitamente viu num mesmo ponto As ondas aplacadas, e ele salvo. (Naufrágio de Sepúlveda, I, p. 51) JOÃO DE DEUS: Ricas prendas! Todas elas Me deu ele; sim, donzelas, Que não vo-lo negarei! Ah meu cinto de fivelas, Nunca mais te cingirei! (Campo de Flores, 5ª ed., I, p. 63) GONÇALVES DIAS: Subiu! – e viu como seus olhos Ela a rir-se que dançava, Folgando, infame! nos braços Por que assim o assassinava. (Poesias, ed. de Said Ali, I, p. 115) Além de se prenderem diretamente ao verbo, podem as formas tônicas antecedidas pela preposição acompanhar, ou CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 35 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA por amor da clareza, ou por servir à ênfase, ao objeto direto expresso por formas átonas. É um pleonasmo literário muito aceito aos escritores de todas as épocas: Isabel não buscava coroas, antes as coroas a buscavam a ela... (VIEIRA, s/d., II, p. 17) ...mudou o Hábito, mudou o nome, e até a si mesmo se mudou... (VIEIRA, s/d., II, p. 317) Porque está longe, julgas que não pode Castigar-vos a vós, e castiga-los? (GAMA, 1941, II, 32) Assinar uma fraca mulher?! E ela não me assassinou a mim? (HERCULANO, s/d.4, I, p. 5) Exultarão do abismo os moradores, Vendo o hipócrita vil, mais ímpio que eles, Que escarnece do Eterno, e a si se engana... (HERCULANO, 1878, p. 13) Se os deixarmos a eles jurar e mentir à sua vontade, a monarquia portuguesa daqui a pouco não terá mais realidade no mapamúndi que a ilha Baratária do Miguel Cervantes, ou as ilhas beatas do poeta Alceu! (CASTELO BRANCO, 1953, p. 33) Quem me pôs no coração este amor da vida, senão tu? e, se eu amo a vida, porque te hás de golpear a ti mesma, matando-me? (CASTELO BRANCO, s/d., p. 23) 36 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Daí vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima os alcança a eles mesmos. (ASSIS, s/d.5, p. 365) Algumas pessoas começaram a mofar do Rubião e da singular incumbência de guardar um cão em vez de ser o cão que o guardasse a ele. (ASSIS, 1923, p. 18) 2) com outros pronomes referentes a pessoa: Nunca esta moça sessega nem samica quer fortuna: anda em saltos com pega, tanto faz, tanto trasfega, que a muitos emportuna. (VICENTE, 1953, vs. 340-344) Que vença o sogro a ti, e o genro a este. (CAMÕES, 1943, III, 73) A grita se alevanta ao Céu, da gente, O mar se via em gogos acendido: E não menos a terra, e assi festeja Um ao outro a maneira de peleja. (CAMÕES, 1943, II, 91) A todos encanta Tua parvoíce... (CAMÕES, 1932, p. 91) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 37 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Dura jurisdição, por não dizer tirania, exercitam hoje muitos pais sobre as condições, e a natureza dos filhos. Em nascendo, já fazem a um, clérigo, a outro frade, a outro soldado; de espreitar a inclinação e jeito que cada um tem pera as cousas, não há tratar. (SOUSA, 1946, I, p. 16-17) Desejava o arcebispo doutrinar a todos, repartir-se por todos e ser tudo a todos, como outro Paulo. Não podia um só corpo abranger a tantos... (SOUSA, 1946, I, p. 112) ...a uns granjeava com favores, e mercês, como Rei, a outros sojeitava com rigores, e castigos, como tirano. E por este modo dominava de tal sorte a todos, que não havia no seu Reino, mais que uma só vontade, que era a sua. (VIEIRA, s/d., II, p. 413) ...para que não suceda, que assi como hoje vemos a muitos de vós tão diminuídos, vos venhais a consumir de todos. (VIEIRA, s/d., II, p. 329) ...é ambição, de que a Natureza, ou a Fortuna tem excluído a muitos... (VIEIRA, s/d., II, p. 254) Diz Cristo universalmente sem excluir a ninguém, que ninguém pode servir a dous Senhores... (VIEIRA, s/d., II, p. 254) ...se torno a ouvir de vós queixa algũa, juro pela fé, que devo a Balduíno meu predecessor, que vos hei de coser vivo em ũa caldeira,como ele coseu a outro, que roubou ũa viúva pobre. (BERNARDES, 1945, I, 70A) 38 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna E já que o Emperador admirava a austeridade de sua vida naquele retiro, procurasse imitá-la no seu tanto: pois a ambos esperava a mesma conta diante do Juiz supremo... (BERNARDES, 1945, I, 79C) Correm anos, torno a vê-la, damos três ou quatro giros de valsa, e eis-nos a amar um ao outro com delírio. (CASTELO BRANCO, s/d., p. 158) Não é que os óbolos enriqueçam a ninguém, mas há outras moedas de maior valia. (ASSIS, 1923, p. 296) A noite, mãe caritativa, encarregava-se de velar a todos. (ASSIS, 1923, p. 64) A viúva chorou como mamoeiro lanhado – fosse de sentimento, de remorso ou para iludir aos outros. (LOBATO, 1943, p. 81) Até me espanta que tão grosseiramente pudesse o tal Lorena iludir a todos com esse pilhéria... (LOBATO, 1943, p. 495) Nas construções deste tipo, exceto com um... outro a denotar reciprocidade, também se pode omitir a preposição: E consiste ela (a humildade) em quatro cousas, a primeira é em desprezar a si, a segunda em não desprezar ninguém, a terceira em desprezar o mundo, a quarta em desprezar os desprezos... (PINTO, 1940, I, p. 54) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 39 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Assi o tinha dito muito antes falando de Jacó e seu irmão, que amara um e aborrecera outro. (SOUSA, 1946, I, p. 6) A toda parte voa o Grão Barreto, E um anima, outro ajuda, outros exorta... (DURÃO, 1791, IX, 70) Mil amazonas mais à guerra manda: Paraguaçu gentil todas comanda. (DURÃO, 1791, IV, 45) Perguntar não ofende ninguém. (HERCULANO, s/d.4, II, p. 106) ...chumbava no pavimento os pés do fugitivo. Fazia horror ver este. (HERCULANO, s/d.4, II, p. 289) Quando funcionam como aposto de objeto direto expresso por pronomes pessoais átonos, tais formas costumam ser usadas com preposição: ...já nos tendes a todos por filhos. (GARRETT, 1846, Alfageme, ato I, cena VII) ...foi uma inspiração divina que os iluminou a ambos. (GARRETT, 1943, p. 110) 40 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna O bravo Caubi os afrontava a todos. (ALENCAR, 1948, p. 39) Quando nem mãe nem filho estavam comigo o meu desespero era grande, e eu jurava matá-los a ambos, ora de golpe, ora devagar, para dividir pelo tempo da morte todos os minutos da vida embaçada e agoniada. (ASSIS, s/d.5, p. 360) Não obedece a qualquer regra de emprego da preposição junto aos pronomes de tratamento (V. Ex.ª, V. S.ª etc.) Em Meier (1948, p. 161) leem-se numerosos exemplos, os mais deles com preposição, colhidos na prosa epistolar de Vieira, autor no qual, talvez por influência espanhola, quase chega a ser um cacoete de estilo a preferência das formas preposicionais. Às abonações do distinto romanista ajunto as seguintes, de dois escritores mais próximos de nós: Não atribuo isto a falta de equidade de V. Ex.ª, porque reconheço a retidão da sua alma, e que nem ódio nem afeição seriam capazes de torcer os princípios de V. Ex.ª; antes o lanço à conta dos muitos cuidados e negócios que cercam a V. Exª no alto cargo em que o colocou o voto unânime da Nação e a livre escolha de S. M. a Rainha. (HERCULANO, s/d.1, I, p. 176) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 41 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Procurarei oportunamente a V. Exª para saber o resultado de uma pretensão em que estou certo V. Exª já de interessar-se. (HERCULANO, s/d.1, I, p. 161) ...colocaram a V. Exª na desgraçada situação de mentir na sua carta narrativa dos Atos dos Apóstolos. (HERCULANO, s/d.1, I, p. 78) Eu já tive a honra de cumprimentar a V. Ex.ª... (CASTELO BRANCO, 1953, p. 71) Sem preposição: Respeito tanto V. Exª quanto estimulo seu venerando pai. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 69) Calar-me-ei, se estou magoando V. Ex.ª. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 97) 3) com pronome quem, de antecedente expresso: Qual vai dizendo: Ó filho a quem eu tinha Só pera refrigério, e doce emparo Desta cansada já velhice minha... (CAMÕES, 1943, IV, 90) ... perdi meu pai e senhor, a quem muito amava... (LOBO, 1941, p. 119) 42 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna S. Pedro, a quem muito bem conheceram vossos antepassados, tinha tão boa espada, que ele só avançou contra um exército inteiro de soldados Romanos... (VIEIRA, s/d., II, p. 333) Eu sou Daniel, e aquele Eremita, a quem tal ano, e dia hospedaste em tua casa... (BERNARDES, 1945, I, 129A) ... espalhando-se vários por várias partes, como gado a quem açouta o furor da tempestade... (BERNARDES, 1945, I, 52A) Outra segue o Consorte, a quem namora... (DURÃO, 1791, III, 35) Ungi as mãos e a face com o nardo Crescido nos jardins do Oriente, A receber com pompa, dignamente, Misteriosa visita a quem aguardo. (QUENTAL, 1943, I, p. 87) Tão confusa ficou, tão desorientada com a presença de um homem que conhecera em especiais circunstâncias, e a quem não vira desde 1877, que não pôde reparar em nada. (ASSIS, s/d.2, p. 82) Na linguagem de nossos dias, o pronome quem, preposicionado e com antecedente expresso, reserva-se para entes animados (de um ou outro sexo, no singular e no plural) e mais propriamente para seres humanos. Outrora, porém, podia ter CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 43 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA antecedente a seres não animados. Em Os Lusíadas é tão amiudado este último uso, que nos fica “a impressão de que o poeta quis dar vida e personalidade ainda às cousas mortas.” (SAID ALI, 1931, 1ª parte, p. 114). Exemplos: Entre a Zona que o Cancro senhorea, Meta Septentrional do Sol luzente, E aquela, que por fria se arracea Tanto, como a do meio por ardente, Jaz a soberba Europa, a quem rodea, Pela parte do Arcturo, e do Ocidente: Com suas salsas ondas o Oceano, E pela Austral, o Mar Mediterrano. (CAMÕES, 1943, III, 6) Cidade nobre e antiga, a quem cercando O Tejo em torno vai suave e ledo... (CAMÕES, 1943, IV, 10) Ó glória de mandar, ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama... (CAMÕES, 1943, IV, 95) Vindo o antecedente envolto (cf. BELLO-CUERVO, 1945, §§ 332 e 1042; e REAL ACADEMIA, Gram., § 367) na própria palavra quem, é facultativa a preposição: 44 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna a) Assim como a própria sombra foge de quem corre após ela, e vai após quem dela foge, assim a verdadeira glória desta vida foge a quem a busca e busca a quem a foge, quere a quem a não quere, dá a quem lhe não pede, despede-se de quem a tem em muito, segue a quem a tem em pouco, esquece-se de quem a traz escrita na lembrança, e lembra-se de quem a traz riscada do livro da memória. (PINTO, 1940, I, p. 56) Não me tenha amor ninguém Para obrigar meu querer, Que aborreço a quem me quer. (LOBO, 1940, p. 149) Como não havemos de amar muito, a quem nos amou tanto, que jamais poderemos alcançar, nem conhecer? (VIEIRA, s/d., II, p. 400) Nos brutos para doutrina dos homens parece que imprimiu o Autor da Natureza particular instinto de amarem a quem os ama. (BERNARDES, 1946, II, 158A) Mas, grande Deus, que vês nossa fraqueza No duro transe desta cruel hora, Não sofras quem essas feras com crueza Hajam de devorar a quem te devora... (DURÃO, 1791, I, 87) A quem não tem virtudes, nem talentos, ela, Marília, faz de um cetro dono; cria num pobre berço uma alma digna de se sentar num trono. (GONZAGA, 1942, p. 122) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 45 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA b) Daqui me parto irado, e quase insano Da mágoa e da desonra ali passada, A buscar outro mundo, onde não visse Quem meu pranto, e de meu mal se risse. (CAMÕES, 1943, V. 57) Eu, disse o Americano, antes de tudo Amei do coração quem ser me dera... (DURÃO, 1791, I, 56) Era uma daquelas trovoadas do estio que arrebatam com a sua solene terribilidade quem as contempla. (HERCULANO, s/d.4, II, p. 227) Eu, para a outra vez, elegerei deputado quem me arranje o hábito de Cristo. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 147) Responde que quer enganar quem lhe roubou seu marido. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 167) Nas frases acima transcritas, o pronome quem se desmancha em antecedente + que, servindo o antecedente de objeto direto à oração principal, e o que de sujeito à subordinada. Ainda se podem apresentar os seguintes casos: a) o antecedente é objeto direto da oração principal, e o 46 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna pronome que, também objeto direto da subordinada: Com um temeroso prazer que sói ter quem recea, desejava eu de ver a quem eu ainda veja antes da vida perder. (FALCÃO, 1945, vs. 636-640) E assi não tendo a quem vencer na terra Vai cometer as ondas do Oceano. (CAMÕES, 1943, IV, 48) b) o antecedente é predicativo da oração principal, e o pronome que, o objeto direto da subordinada: Muito a vi eu mudada; mas, com tudo, conheci ser a minha desejada a quem, assi vendo, vi, a vista no chão pregada com o seu cantar pensoso e passadas esquecidas... (FALCÃO, 1945, vs. 646-652) Precedido de a, o pronome quem ainda pode ter os seguintes valores: CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 47 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA a) aquele a quem: Ao vento estou palavras espalhando; A quem as digo, corre mais que o vento. (CAMÕES, 1932, p. 232) b) àquele a quem: Não receo, Senhor, que a fé tam firme Queiras quebrar a quem tua alma deste... (FERREIRA, 1945, vs. 133-134) c) àquele que: O sprito deu a quem lho tinha dado... (CAMÕES, 1943, III, 28) 4) com o nome de Deus: Nós não nascemos para conhecer o Sol, senão para conhecer a Deus... (PINTO, 1940, I, p. 35) A Deus temo. Tu no corpo só podes, ele n’alma. (FERREIRA, 1945, vs. 418-419) 48 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna ...todo seu cuidado era trazer sempre a Deus diante dos olhos da alma... (SOUSA, 1946, I, p. 25) Os Reis também arremedam, ou querem arremedar a Deus na soberania deste poder. (VIEIRA, s/d., II, p. 23) ...que quanto mais buscava a Deus, tanto mais fugia dos homens. (VIEIRA, s/d., II, p. 317) Quanto melhor me fora não tomar a Deus nas mãos, que tomá-lo tão indignamente! (VIEIRA, s/d., II, p. 344) Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com as palavras... (VIEIRA, s/d., II, p. 344) Vós não haveis de ver a Deus, e podereis aparecer diante dele muito confiadamente, porque o não ofendeste... (VIEIRA, s/d., II, p. 344) Não há cousa mais vil, nem mais cara que o pecado mortal; mais vil, pois é desonrar a criatura a Deus; mais cara, por tem pena de morte eterna. (BERNARDES, 1945, I, 89A) Que muito fazes em louvar a Deus, quando vives em prosperidade, quando em abundância, quando sem vexação nem injúria de alguém? (BERNARDES, 1945, I, 33C) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 49 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA ...com que um se faz indigno de conhecer a Deus. (BERNARDES, 1945, I, 64C) Eu sou relógio cristão, e louvo a Deus por tão grande mercê... (MELO, 1943, p. 51) Que quem recorre ao Céu no mal que geme, Logo que teme a Deus, nada mais teme. (DURÃO, 1791, I, 83) já nada vos dê cuidado, que a Deus levamos por guia. (CASTILHO, 1863, p. 158) Só há uma coisa necessária: possuir a Deus. (BARBOSA, 1950, p. 74) É raro omitir-se a preposição, como fez Herculano nos passos seguintes: Louvava Deus somente, á luz da aurora, E ao esconder-se o sol entre as montanhas De Betoron... (HERCULANO, 1878, p. 23) Bem negra avulta aqui, na paz do vale, A imagem desse povo, que reflui Das moradas à rua, à praça, ao templo; Que ri, e chora, e folga, e geme, e morre, Que adora Deus, e que o pragueja, e o teme... (HERCULANO, 1878, p. 59) 50 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Especialmente com verbos que indicam reverência e adoração, destoa da índole da língua o suprimi-la. “Diz-se sempre: Amar a Deus como tradição da sintaxe antiga conservada no catolicismo, e temente a Deus.” (DIAS, 1933, § 27). Esta é, aliás, a construção generalizada nas línguas românicas. 5) com nomes próprios ou comuns – para evitar a ambiguidade, ou por fatores outros (não bem caracterizados) que se condicionam ao sentimento de certas épocas ou de certos escritores: a) por necessidade de clareza: Lia Alexandro a Homero de maneira Que sempre se lhe sabe à cabeceira. (CAMÕES, 1943, V, 96) Em prática o Mouro diferentes, Se deleitava, perguntando agora, Pelas guerras famosas e excelentes, Co povo havidas, que a Mofoma adora. (CAMÕES, 1943, II, 108) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 51 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, que a Marte tanto ajuda... (CAMÕES, 1943, I, 5) Este é o primeiro Rei que se desterra Da pátria, por fazer que o Africano Conheça polas armas, quanto excede A lei de Cristo à lei de Mafamede. (CAMÕES, 1943, I, 5) A mãe ao próprio filho não conheça. (CAMÕES, 1932, p. 170) Uma, porque fugia ao deus do mar; Outra, porque temera o pátrio leito; E Cila, que a seu pai pôs em perigo, Só por ser muito amiga do inimigo. (CAMÕES, 1932, p. 229) Vence o mal ao remédio. Vejo o ifante De todo contra mim determinado, Duro a meus rogos, mais duro aos mandados. (FERREIRA, 1945, vs. 642-644) Judas abraçou a Cristo, mas outros o prenderam... (VIEIRA, s/d., II, p. 341) De alguns animais de menos força, e indústria se conta, que vão seguindo aos Leões na caça; para se sustentarem do que a eles sobeja. (VIEIRA, s/d., II, p. 335) 52 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Tal havia que ao meu consertador julgava digno de um hábito de Cristo. (MELO, 1943, p. 23) b) por fatores não bem caracterizados: Louvai, anjos do Senhor, ao Senhor das altezas... (VICENTE, 1953, vs. 549-550) Nas alparcas dos pés, enfim de tudo, Cobrem ouro e aljôfar ao veludo. (CAMÕES, 1943, II, 95) Benza Deus aos teus cordeiros. (LOBO, 1928, p. 54) ...pois só a perla com que conquistou a Servília, mão de Bruto, lhe custou seiscentos sestércios. (LOBO, 1941, p. 144) Festejaram todos a Solino. (LOBO, 1941, p. 50) O trabalho era contentar aos sátrapas, queria dizer, que parecesse bem a eleição aos senhores e aos nobres da Corte. (SOUSA, 1946, I, p. 43) ... o verdadeiro conselho é calar, e limitar a S. Antônio. (VIEIRA, s/d., II, p. 334) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 53 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Os homens perseguindo a Antônio, querendo-o lançar da terra... (VIEIRA, s/d., II, p. 314) Tu, que foste o terror da índica gente, Que da Lísia humilhaste aos Reis Augustos; Lá estava entanto a tua sorte escrita De vires a acabar nesta desdita. (DURÃO, 1791, X, 36) Se o mundo conhece males, tu os maiores fizeste; sim, tu a Troia queimaste, tu a Cartago abrasaste, e tu a Antônio perdeste. (GONZAGA, 1942, p. 64) Eu estimei e respeitei sempre a D. João de Portugal... (GARRETT, 1943, p. 54) à justiça dos céus!, insondável!, terrível!, seguiu logo a da terra; a da terra; a falível; a que esgrime sem ver; a que pregou na cruz ao bom e ao mau ladrão, e entre ambos a Jesus... (CASTILHO, 1863, p. 38) Não culpo ao homem; para ele, a cousa mais importante do momento era o filho. (ASSIS, s/d.5, p. 243) Apenas executo exíguo número, e pode ser que, unicamente, a Péricles, teu tutor; porque tem cursado os filósofos. (BARBOSA, 1921, p. 34) 54 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente, aos desiguais, na medida em que se desigualam. (BARBOSA, 1921, p. 25) Amara uma dúzia de meninas em duas centenas de sonetos parnasianos, e por fim elegeu como diva à Nonoca Fagundes, uma loura translúcida, magrinha, de falas melífluas – Botticelli temperado à moderna, dizia ele. (LOBATO, 1943, p. 182) De Lobo (1941, p. 19) é este magnífico exemplo, que atesta aquela arbitrariedade a que aludimos (p. 43), variável ao sabor do gosto do escritor: ... que a história verdadeira apascenta os doutos, adelgaça os grosseiros, encaminha os moços, insina os mancebos, recreia os velhos, anima aos baixos, sustenta os bons, castiga aos maus, ressuscita aos mortos, e a todos dá fruito a sua lição. 6) quando se coordenam pronome átono e substantivo: “É este um fato” – diz Mário Barreto (1916, p. 95) – “de que não tratam os que se têm ocupado do emprego da preposição a no acusativo”. E arrola os seguintes exemplos: O nobre barão satisfez essa curiosidade, narrando, não só o que se passara no ajuntamento da cúria, mas tudo o que depois sucedera, e como o bobo o salvara e a Fr. Hilarião. (HERCULANO, s/d.3, cap. XII, p. 212) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 55 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Sabes, acaso, a quem os homens das trevas pretendem submeterte e a teus filhos e netos? (Id., 1873, t. I, p. 107). D. Henrique, não podendo conter mais a cólera, despediu-o e aos colegas. (SILVA, 1860-1871, t. I, p. 524). Diogo de Melo suplicara ao corregedor que o salvasse e aos seus inocentes companheiros das iras do povo, já sabedor do engano. (CASTELO BRANCO, Sentimentalismo e História, I, p. 20, ed. de 1879). Minha irmã então conta-me que toda a gente em Viseu sabia que meu marido vivia em Lisboa ligado publicamente com uma mulher muito conhecida, e em breve me reduziria e aos filhos a esmolar o pão dos parentes. (CASTELO BRANCO, A mulher fatal, cap. X, p. 203). Ora, ao depois, quando eu voltara de Alijó de lhe ir chamar o cirurgião, tornei a topar os tais homens a irem já para casa; e, assim eu me viram a mais ao cirurgião, aperraram as clavinas e meteram-nos a cara para nos conhecerem. (CASTELO BRANCO, O santo da montanha, cap. XXII, p. 203) Por furtá-la a olhos pagãos, envolveu-a numa nuvem, e a Doroteu também. (CASTELO BRANCO, Os mártires, v. II, p. 218, ed. de 1865). Que pena a que temos de não poder recebê-la e aos seus no dia marcado! (LAET, Jornal do Brasil, 11 de julho de 1915). Conforme se vê, dos oito exemplos citados por Mário Barreto nenhum é anterior ao século XIX. Em nossas leituras, por mais que diligenciássemos encontrá-la, jamais topamos tal construção em escritores dos séculos XVI, XVII e XVIII. Com autores de quinhentos pode abonar-se facilmente a 56 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna coordenação de pronome átono e pronome tônico e substantivo: Aqui os ponho todos juntos, e a mim com eles a este fogo que em vós arde... (JESUS, 1865, I, p. 59) De um seiscentista é o exemplo seguinte, que, todavia, hesitamos em pôr no mesmo plano dos outros: Sabem todos quão grande vitória aquela é que V. S. de si mesmo vai alcançando, conhecendo-se a si e ao mundo. (MELO, 1937, p. 165) Fundamenta-se nossa dúvida no fato de trazer o pronome átono o reforço de um pronome tônico precedido de preposição, o que teria, talvez, provocado insensivelmente o aparecimento da partícula no segundo membro da coordenação, sob o império daquela “tendência paralelizante”, de que nos fala Meier (1948, p. 163). De qualquer forma, se não é privativa do português contemporâneo, é pelo menos um tanto rara antes do século XIX a construção que estamos estudando. Eis algumas passagens, que aditamos às do grande mestre da sintaxe portuguesa: CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 57 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA ... o reitor o esperava e aos seus respeitáveis hóspedes... (HERCULANO, s/d.4, II, p. 200) Foi a comadre do Rubião, que o agasalhou e mais ao cachorro, vendo-os passar defronte da porta. (ASSIS, 1923, p. 357) De resto, não pude mirá-lo por muito tempo, nem ao agregado, que, paralelamente a mim, erguia a cabeça com o ar de se ele próprio o Deus dos exércitos. (ASSIS, s/d.5, p. 89) 7) quando vem o objeto direto acompanhado de aposto predicativo: A qual logo aquele dia que soube de seus amores, aos parentes de Maria fez certos e sabedores de tudo quanto sabia. (FALCÃO, 1945, vs. 41-45) A muitos tenho eu por inimigos... (LOBO, 1941, p. 94) Erotes, escravo de Marco Antônio, se matou de pesar de ver a seu senhor vencido de Augusto. (LOBO, 1941, p. 95) 58 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Pintaram pois ao Amor, minino, fermoso, com os olhos tapados, despido, com asas nos ombros e armado de arco e setas... (LOBO, 1941, p. 124) Depois que Deus criou o mundo, e o povoou, e fez a Adam Rei, e Senhor de todo ele, mandou que todos os animais viessem à presença do mesmo Adam, para que ele lhe pusesse os nomes... (VIEIRA, s/d., II, p. 23) Posto que elegante, não é obrigatória a preposição: Nem se pode esquecer aquele grande ânimo de Lázaro Cherdo, escravo, de nação serviano, que, vendo seu senhor cativo de turcos, e depois morto, desejando vingar-lhe a morte por preço de sua vida, fingindo que vinha fugido dos húngaros entrou no campo turquesco, e dizendo que queria falar a Amurates, primeiro emperador daquele Império, o matou a punhaladas... (LOBO, 1941, p. 95) Curioso caso é o desta passagem de D. Francisco Manuel de Melo, a qual teria sentido diferente do que tem, se o predicativo levasse preposição: ... sendo eu dos mais anciãos relógios da cidade, me deram por aio um mentecapto. (MELO, 1943, p. 5) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 59 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA 8) com nomes antecedidos de como, nas comparações: ... e eu, com o resto que do meu dote ficara, aborrecendo a pátria como a madrasta, determinei logo buscar em Reino alheio segura morada. (LOBO, 1941, p. 121) É o que há poucos meses a teus pés e de joelhos, este pobre velho, que te ama como a filho, te pediu em nome de Deus: perdão! perdão! (HERCULANO, s/d.4, I, p. 107) Iracema saiu do banho; o aljôfar da água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. (ALENCAR, 1948, p. 11) Isto causou estranheza e cuidados ao amorável Sarmento, que prezava Calisto como a filho. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 80) Cada um daqueles amigos do Rubião estava afeito a ver as pessoas do lugar, as caras da manhã e as tarde, alguns chegavam a cumprimentá-las, como aos seus próprios vizinhos. (ASSIS, 1923, p. 304) Mas nada me entusiasma. Olho-te como a um fantasma. (OLIVEIRA, 1912, 1ª série, p. 348) “Tal é a construção” – anota Mário Barreto – “pontualmente obervada pelos nossos escritores-modelos. Valem-se de 60 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna como para o referir ao nominativo, e dão-lhe a partícula a se o referem a dativo ou acusativo.” (1911, p. 84; cf., também 1916, p. 184-185). Não perigando a clareza, pode ir o complemento com preposição ou sem ela. No seguinte trecho de Camilo Castelo Branco (1947, p. 129), dispensou-se o a depois do segundo como por não haver nenhum risco de anfibologia: – Maridos dignos são unicamente aqueles que afagam como a filhas as mulheres estremecem como pais... Ou não terá Camilo, que possuía como poucos o sentimento da língua, buscado aí uma leve matização de sentido, ao pôr em contraste as duas construções? Com efeito, houve quem estabelecesse sutil diferença entre frases dos tipos “tratavam-no como pai” e “tratavam-no como a pai”. Na primeira, pai figuraria à guisa de um predicado, um modo de ser atribuído a o (no); assim se diria de alguma pessoa a quem se olhasse como se fora pai, sem que de fato o fosse. Na segunda, ao contrário, pai denotaria um “entre” com todas as qualidades de pai. Os exemplos seguintes parece confirmarem a observação: CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 61 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Não ando gente estes dias; porém nem por isso deixam os desgostos de me tratar muito como a gente. (MELO, 1937, p. 131) ... e nós habituamos-nos a tê-la em conta de segunda mãe: também ela nos amava como filhos. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 21) 9) quando o objeto direto antecede ao verbo: Ao vão, nem o gavo, nem o repreendo. (LOBO, 1721, p. 22) ... enfim, ainda ao pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. (VIEIRA, s/d., II, p. 326) ... aos ministros todos os adoram, mas ninguém os crê. (MELO, 1943, p. 8) Não façais caso disso, que a relógios do chão ninguém os escuta... (MELO, 1943, p. 57) Ao cristão infeliz acolhe no ermo, E consolando-o, diz-lhe... (HERCULANO, 1878, p. 64) 62 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Dali o nosso olhar vê tão estranhas Cousas, por esse céu! e tão ardentes Visões, lá nesse mar de ondas trementes! E às estrelas, dali, vê-las tamanhas! (QUENTAL, 1943, p. 73) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 63 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA CAPÍTULO IV ADJETIVOS E SUBSTANTIVOS 1) Constroem-se com a os adjetivos (e os substantivos tomados adjetivamente) que correspondem, ou etimologicamente ou na significação, a adjetivos latinos que se usavam com dativo ou ad. Tais são especialmente os que significam: a) disposição de ânimo em relação a um objeto: aceito, agradável, caro, grato, favorável, benigno, fiel, dócil, propício, leal, amigo, contrário, hostil, traidor, avesso, adver64 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna so, rebelde, odioso, refratário, útil, nocivo, prejudicial, pernicioso, sensível, duro, surdo, cego, mudo, atento, alheio; b) aproximação: próximo, propínquo, vizinho, adstrito, comum; c) semelhança: semelhante, análogo, igual, idêntico, equivalente, conforme, paralelo; d) concomitância: coevo, coetâneo, contemporâneo. Além desses: e) os adjetivos em – nte, derivados de verbos que se constroem com a (sobrevivência, correspondente); f) os particípios passivos de verbos reflexos que se constroem com a (afeiçoado, acostumado, parecido); g) os comparativos formais anterior, posterior, superior e inferior. Alguns desses adjetivos também se empregam com de, fundamentando-se tal duplicidade na sintaxe latina. CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 65 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA aceito: O sacrefício a Deus aceito É o spírito atribulado Polos males que tem feito... (VICENTE, 1928, fls. CCLI) Trabalhos, que vos façam ser aceitos Às eternas esposas, e formosas, Que coroas vos tecem gloriosas. (CAMÕES, 1943, X, 142) Pera servir-vos braço às armas feito, Pera cantar-vos mente às Musas dada, Só me falece ser a vós aceito, De quem virtude deve ser prezada... (CAMÕES, 1943, X, 155) Aos padres mais graves da Província, foi em especial aceita a eleição, entre os quais o mestre frei Luís de Granada, que então era provincial, foi o que mais a festejou... (SOUSA, 1946, I, p. 34) ...que por suas grandes partes e provada virtude, foi sempre aceito aos príncipes deste Reino... (SOUSA, 1946, I, p. 41) ... fundavam a esperança no valimento de João conhecidamente o mais aceito a Cristo... (VIEIRA, s/d., II, p. 87) 66 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Os Nigromantes, que o Brasil respeita, Um marraque descobrem venerado; Insígnia na Nação, que ao povo aceita, Consideram por Símbolo Sagrado... (DURÃO, 1791, V, 75) Sim, que estudo e razão lhe persuadiram Que ao vate aceito a Apolo, aceito às Musas, Cabe espertar no ouvinte imagens vivas... (ELÍSIO, 1941, p. 26) O pai destes fidalgos, tão aceitos a D. João IV, foi D. João da Silva, conde de Portalegre... (CASTELO BRANCO, 1874, p. 16, nota) Pois eu digo que este é o templo aceito a Deus... (BARBOSA, 1949, p. 17) E a causa aceita aos deuses não pode ser mal vista a Catão. (BARBOSA, 1949, p. 183) É o particípio passivo acceptus, do verbo accipere = receber. Também se pode dizer: aceito nos olhos de alguém ou aceito diante dos olhos de alguém. Magne (1950, v/aceito) cita dois exemplos de Bernardo de Brito: não há diante dos olhos de Deus sacrifício mais aceito que a obediência. CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 67 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA as obras eram aceitas nos olhos de Deus. fiel: Mas não posso convir no exposto rogo, Sendo fiel ao Rei, português sendo... (DURÃO, 1791, VIII, 8) E foi fiel ao juramento santo... (ELÍSIO, 1941, p. 202) ...ficando eu viúva aos trinta e nove anos, fui, sou e serei fiel à sua memória. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 119) contrário: Vencerei (não só estes adversários:) Mas quantos a meu Rei forem contrários. (CAMÕES, 1943, IV, 19) Julgaram nossos Pais na antiga idade, Que se ofende no incesto o impresso lime, Como contrário à paz da sociedade... (DURÃO, 1791, III, 77) avesso: ... convém não esquecer que essas qualidades eram justamente as mais avessas à índole do filho de Valéria. (ASSIS, s/d.3, p. 42) 68 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna caro: noite cara a amor e aos cantos... (CASTILHO, 1863, p. 23) traidor: traidor foi seu padre ao reino... (CASTILHO, 1863, p. 160) rebelde: Rebelde às admoestações sisudas de amigos... (CASTELO BRANCO, 1953, p. 48) surdo: O pranto dos hebreus não Te comove? És surdo a seus lamentos? (HERCULANO, 1878, p. 29) duro: Seu cepticismo não o fazia duro aos males alheios...” (ASSIS, s/d.3, p. 22) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 69 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA semelhante: Andavam com mantos algum tanto semelhantes aos das mulheres... (BERNARDES, 1945, I, 4C) vizinho: Uma, que às mais precede em gentileza, Não vinha menos bela, do que irada: Era Moema, que de inveja geme, E já vizinha à nau se apega ao leme. (DURÃO, 1791, VI, 37) igual: Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, que a Marte tanto ajuda... (CAMÕES, 1943, I, 5) conforme: E mais lhe diz também, que ver deseja Os livros de as lei, preceito, ou fé, Pera ver se conforme à sua seja, Ou se são dos de Cristo, como crê... (CAMÕES, 1943, I, 63) Este adjetivo aceita, inda, a preposição com, segundo se lê neste lanço do elegantíssimo Frei Luís de Sousa: 70 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna A criação que nos tempos passados tinham os moços neste Reino, era tão austera e tão conforme com as regras de prudência, que daí nascia saírem na guerra valentes e animosos e na Religião sábios e penitentes. (SOUSA, 1946, I, p. 19-20) alheio: Mas os Estados Unidos confiam nas vantagens da sua posição privilegiada, soberana neste continente e alheia aos conflitos do outro... (BARBOSA, 1946, p. 162) inferior: Lembra-me agora o que vi suceder a um cágado com uma águia, lá em certa lagoa da minha aldeia: veio a águia, e de repente o levantou nas unhas, não com pequena inveja das rãs, e de outros cágados, que o viram ir subindo vendo-se eles ficar tão inferiores a seu parceiro. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 95) anterior: A noite em que me dizias – alma e corpo, dou-vos tudo – foi, se bem me recordo, anterior a esta... (HERCULANO, s/d.4, II, p. 210) superior: Que motivo tão forte a obriga a exigir desse moço um sacrifício superior a suas posses? (ASSIS, s/d.3, p. 33) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 71 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA 2) Alguns substantivos verbais, tal como em latim, (ERNOUT, 1951, § 80), conservam o complemento com a do verbo correspondente: obediência, submissão, sujeição, adaptação, adesão, alusão, assistência etc. Exemplos: ...podia tanto comigo a consciência da sujeição ao dever, que... (CASTELO BRANCO, 1953, p. 131) Não conhecem a obediência aos superiores e a reverência aos mestres. (BARBOSA, 1924, p. 284) De ordinário, o substantivo (como objeto direto) forma corpo com o verbo, e o complemento se prende mais propriamente ao conjunto (fazer guerra a, ter horror a), conforme vimos no Capítulo II, 3. Terá sido por aparecerem com frequência em locuções desse tipo que muitos substantivos abstratos, quando empregados isoladamente, se passaram a construir com a: Impediam-no o natural acanhamento de provinciano, e o afeto entranhado aos seus clássicos... (CASTELO BRANCO, 1953, p. 36) 72 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Eis aqui a razão do ódio de Calisto à raça do mau português. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 45) ...nestas cegas agitações de ódio a outros povos... (BARBOSA, 1921, p. 52) “No tocante a este ponto", diz Magne (1950, p. 24), “cuja exposição exaustiva levaria muito longe, baste notar que, em muitos casos, a par com a, podem ocorrer por, para, para com, de, com”. CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 73 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA CAPÍTULO V COMPLEMENTOS CIRCUNSTANCIAIS I) Encabeçando complementos circunstanciais, a preposição a exprime um sem número de relações: 1) termo de um movimento: Tudo isso se descarrega ao porto da sepultura. (VICENTE, 1945, vs. 338-339) Isto dizendo, o Mouro se tornou A seus batéis com toda a companhia... (CAMÕES, 1943, I, 56) 74 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Aqui se lhe apresenta que subia Tão alto que tocava à prima Esfera... (CAMÕES, 1943, IV, 69) Não será assi, porque antes que chegado Seja este Capitão, astutamente Lhe será tanto engano fabricado, Que nunca veja as partes do Oriente: Eu descerei à terra; e o indignado Peito, resolverei da maura gente... (CAMÕES, 1943, I, 76) Deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar... (VIEIRA, s/d., II, p. 311) Os homens tinham entranhas para deitar Jonas ao mar... (VIEIRA, s/d., II, p. 315) É possível, que os peixes ajudam à salvação dos homens, e os homens lançam ao mar os ministros da salvação? (VIEIRA, s/d., II, p. 315) ... a transmigração das Almas de uns corpos em outros; crendo que as dos maus ficavam no inferno, mas as dos bons tornavam a este mundo. (BERNARDES, 1945, I, 5B) Até que entrando nas ardentes Zonas, Chegamos à Região das Amazonas. (DURÃO, 1791, VI, 28) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 75 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Lembrei-me umas poucas de vezes de atirar a minha alma ao inferno, apunhalando-me... (HERCULANO, s/d.4, I, p. 59) Mas a nossa barca, ou antes a barca afretada por Fr. Lourenço, abicou a Restelo. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 65) Meu fado errante de novo arremessa a longes plagas. (CASTILHO, 1863, p. 121) Pois que a tanta vileza chagaste, Que em presença da morte choraste, Tu, cobarde, meu filho não és. (DIAS, 1937, p. 81) Apenas alvorou o dia, ela moveu o passo rápido para a lagoa e chegou à margem. (ALENCAR, 1948, p. 105) Venha jogo: os zagais provem qual tem mão destra, dardos vibrando ao olmo... (CASTILHO, 1867, p. 133) Recolhia ao casal já noite; e que riqueza de iguarias de graça a assoberbar-lhe a mesa. (CASTILHO, 1867, p. 241) Como seus olhos baixassem ao chão não pôde ver no rosto da viúva uma ligeira cor que avermelhou e desapareceu. (ASSIS, s/d.3, p. 34) 76 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Recolhiam-se a casa os lavradores. Dormiam virginais as coisas mansas: Os rebanhos e as flores, As aves e as crianças. (JUNQUEIRO, 1946, p. 162) 2) termo de uma extensão, ou de um transcurso de tempo: Estas duras montanhas adversárias De mais conversação, por si mostravam Que des que Adão pecou aos nossos anos Não as romperam nunca pés humanos. (CAMÕES, 1943, IV, 70). ... parece que tinham algũa desculpa os Monarcas da terra, em que entender a diferença, que há do aparente ao verdadeiro, do Real, ou Imperial ao Santo, de ũa coroa a outra coroa, e de reinar a reinar. (VIEIRA, s/d., II, p. 5) ... a infinita diferença que vai da arte à natureza... (BERNARDES, 1945, I, 6B) Depois de ũa vida mortificada dormiu ũa morte preciosa: as Angélicas Ordens lhe assistiram com discantes, e lhe deram sepultura: da qual, sendo dali a 48 anos conhecida e aberta por indício da mesma celestial música, que ali soava, brotou ũa copiosa e clara fonte de várias e notáveis milagres. (BERNARDES, 1945, I, 3C) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 77 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Mas temos tempo: isto são oito horas, à meia-noite vão quatro... (GARRETT, 1943, p. 50) ...era mancebo de vinte e dous a vinte e cinco anos... (HERCULANO, s/d.4, I, p. 6) ...corre a emanação magnética desta extremidade à oposta. (BARBOSA, 1921, p. 66) Já se vê quanto vai do saber aparente ao saber real. (BARBOSA, 1921, p. 33) A ideia de termo tangencia a de lugar onde, e neste caso entra a preposição a em contacto com em. A distinção de ad e in, análoga à que contrapõe ab e ex, já preocupava os gramáticos latinos. Diomedes, repetindo ensinamento de Varrão, assim se expressa: Ad et in non unum idemque significant, quia in forum ire est in ipsum forum intrare, ad forum autem ire, in locum foro proximum; ut in tribunal et ad tribunal venire non unum est, quia ad tribunal venit litigator, in tribunal vero praetor aut iudex. (cf. MAGNE, 1952, v/ad, p. 68). A respeito do destino dessas preposições nas línguas românicas pode ver-se o extenso estudo de Meyer-Lübke (1923, §§ 433 a 438). 78 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Na sintaxe literária portuguesa de nossos dias é comum encontrar-se em com verbos de movimento, a não ser em expressões feitas como ir de porta em porta, de casa em casa, tornar em si, saltar em terra, cair no laço etc. No período anteclássico era, porém, frequente tal construção, de que não escasseiam exemplos também na linguagem renascentista. Documentemo-la com Camões: Nalgum porto seguro de verdade: Conduzir-nos já agora determina. (CAMÕES, 1943, II, 32) Triste ventura, e negro fado os chama Neste terreno meu... (CAMÕES, 1943, V, 46) Os cabelos da barba, e os que devem Da cabeça nos ombros, todos eram, Ũs limos prenhes d’água, e bem parecem Que nunca brando pentem conheceram... (CAMÕES, 1943, VI, 17) Enquanto Júlio Moreira (1907, p. 120-124) filia este uso na tradição do emprego do in latino para exprimir o termo do movimento, Epifânio Dias (1933, § 183, b) é de opinião que, em casos assim, o termo do movimento se designa não como tal, mas como lugar onde, sendo que se considera prolepticamente, não o movimento a que se referem aqueles CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 79 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA verbos e locuções, mas o estado que se segue àquele movimento. Observação: Em muitos casos, concorrem as preposições a e até na indicação da ideia de termo, empregando-se de preferência a última quando se deseja acentuar bem a noção de limite. E, a partir do século XVII (DIAS, 1933, § 211), começou-se a usar também das duas preposições combinadas. Eis alguns exemplos de Rui Barbosa, segundo parece, inclinava deliberadamente para a conjugação delas: ... na região onde a consciência estende os seus pensamentos até às plagas da outra vida... (BARBOSA, 1948, p. 33) ... à custa de liberalidades infinitas, da gorjeta estendida como sistema de governo a todas as classes, do dessangramento do tesoiro até ao extremo da anemia. (BARBOSA, 1946, p. 201) ... desde as porfias da escola até às meditações do gabinete. (BARBOSA, 1924, p. 283) ... suas vaias sobem nas escolas até à cátedra dos professores. (BARBOSA, 1924, p. 284) não era porque requintasse o apuro da gramática até às mais ligeiras minúcias da ortografia. (BARBOSA, 1953, p. 17) 80 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Onde pretende gracejar, mergulha até ao topete na chocarreria insulsa e grossa (BARBOSA, 1953, nº 23, p. 76-77) Descendo até aos pronomes e às partículas... (BARBOSA, 1953, nº 31, p. 93) ... alteia o voo soberbo, além das regiões siderais, até aos páramos indevassáveis do infinito. (BARBOSA, 1921, p. 23) ...o segredo feliz, não só das minhas primeiras vitórias no trabalho, mas de quantas vantagens alcancei jamais levar aos meus concorrentes, em todo o andar dos anos, até à velhice. (BARBOSA, 1921, p. 32) Na frase seguinte, aproveitam-se ambas as possibilidades que a língua oferece: Tudo assim, desde os astros, no céu, até os micróbios no sangue, desde as nebulosas no espaço, até aos aljôfares do rocio na relva dos prados. (BARBOSA, 1921, p. 25) Ao rever, em 1921, para publicação em livro, o que escrevera, 32 anos antes, no Diário de Notícias, emendou Rui “até o sangue” em “até ao sangue”, no artigo Nossos Ídolos: ... zurze, de quando em quando, o ministério até ao sangue... (BARBOSA, 1947, I, p. 338, nota 7) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 81 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA 3) proximidade, contiguidade: Deixas criar às portas o inimigo Por ires buscar outro de tão longe... (CAMÕES, 1943, IV, 101) ... estando ainda Leonardo à mesa, porém no fim das iguarias, bateram à porta Píndaro e Solino... (LOBO, 1941, p. 6-7) Um curioso em Itália (segundo um autor de crédito conta) estando com sua mulher ao fogo lendo o Ariosto... (LOBO, 1941, p. 17) ...se armou uma mesa e o arcebispo se assentou a ela em uma cadeira... (SOUSA, 1946, I, p. 92) ...começou o que depois usou por toda vida, que era ter uma escudela de água à cabeceira, pera se servir dela contra a força do sono. (SOUZA, 1946, I, p. 20) Pôs à porta do Paraíso um Querubim com ũa espada de fogo... (VIEIRA, s/d., II, p. 104) ... a igreja estava fechada e o sacristão à porta com as chaves na mão. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 17) 82 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna ...assentai-vos aqui ao lar, bem juntos ao pé de mim, e contarvos-ei a história de D. Diego Lopes, senhor de Biscaia. (HERCULANO, 1877, II, p. 7) Luís Garcia esperava por eles, sentado à porta, ou encostado à janela... (ASSIS, 1923, p. 152) Os Presos, às grades da triste cadeia, Olhavam-me em face! (NOBRE, 1898, p. 19) Não a matei por não ter à mão ferro nem corda, pistola nem punhal; mas os olhos que lhe deitei, se pudessem matar, teriam suprido tudo. (ASSIS, s/d.5, p. 235) A esta categoria pertence a aplicação do a nos complementos que indicam “parte do corpo onde uma coisa está posta, presa, acomodada ou conchegada” (SILVEIRA, 1937, p. 296): E as mães que o som terríbil escuitaram, Aos peitos os filhinhos apertaram. (CAMÕES, 1943, IV, 28) Criava-o a mãe a seus peitos com cuidado de mãe, e mãe de grande virtude. (SOUSA, 1946, I, p. 13) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 83 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Dizendo isto, apertou ao peito o mancebo... (HERCULANO, s/d.4, II, p. 220) Raimundo, nove anos mais velho que o senhor, carregava-o ao colo, e amava-o como se fora seu filho. (ASSIS, s/d.3, p. 5) – Não gosto que um homem me aperte o corpo ao seu corpo, e ande comigo, assim, à vista dos outros. (ASSIS, 1923, p. 147) ... um cãozinho que tinham dado a Sofia, pequeno, delgado, leve, buliçoso, olhos negros, com um guizo ao pescoço. (ASSIS, 1923, p. 118) E violetas e cravos quando passa, Rosas, jasmins, rindo, com as mãos nervosas Colhe. Volta, e ante o espelho às tranças pretas Prende os jasmins, os cravos e as violetas Prende à cintura, prende ao seio as rosas. (OLIVEIRA, 1912, 2ª série, p. 139) Com o verbo apertar e sinônimos também se usa, em nossos dias, da preposição contra: Apertei contra o coração o punho da espada. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 39) O guerreiro parou, caiu nos braços Do velho pai, que o cinge contra o peito, Com lágrimas de júbilo bradando: 84 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna – Este, sim, que é meu filho muito amado! (DIAS, 1937, p. 83) Agarra o saco, e apalpa-o, e contra o peito o aperta, Como para o enterrar dentro do coração. (BILAC, 1935, p. 272) Em Durão (1791, III, 88) depara-se-nos o emprego da preposição em: Às armas, grita, às armas, e o eco horrendo, Retumbando nas árvores sombrias Fez que as mães, escutando os murmurinhos, Apertassem no peito os seus filhinhos. Observação: A propósito da construção à mesa, escreve Sousa da Silveira, em comentário a versos de Gonçalves de Magalhães (1939, p. 121-122, nota 52): É a a preposição que se costuma usar na língua literária, com substantivo mesa, quando se denota a situação de alguém junto à mesa para comer, escrever etc., ou o tempo que dura a refeição: “E estando ele à mesa com os ditos hóspedes” (BERNARDES, 1945, I, 1706, p. 414). “põe-se à mesa, e prepara-se para escrever” (GARRETT, 1846, IV, p. 127) Contudo, há exemplos de emprego da preposição em: CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 85 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA ... mandou-se vir, assentou-os na cabeceira da mesa junto consigo. (SOUSA, 1763, I, p. 540) Achara particular gosto naquele jantar, não só porque partia com pobres, que esse era seu cotidiano exercício, mas porque via pobres na sua mesa, e com eles comia. (SOUSA, 1763, I, p. 540) Nos seguintes versos o nosso Alberto de Oliveira (1928, 3ª série, p. 52) mostra a diferença que geralmente se faz entre na mesa (=em cima da mesa, sobre a mesa) e à mesa (= junto à mesa, para nela fazer algo): E na mesa a que escrevo, apenas fica Sobre o papel – rastro das asas tuas, Um verso, um pensamento, uma saudade. 4) posição, situação: Assi fomos abrindo aqueles mares Que geração algũa não abriu, As novas Ilhas vendo, e os novos ares, Que o generoso Enrique descobriu: De mauritânia os montes e lugares Terra que Anteu num tempo possuiu, Deixando à mão esquerda, que à direita Não há certeza doutra, mas sospeita. (CAMÕES, 1943, V, 4) 86 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Vi, diz Davi, uma Rainha colocada à destra de Deus, a qual estava vestida com duas galas diferentes... (VIEIRA, s/d., II, p. 15) Aquela cinta azul, que o Céu estende À nossa mão esquerda... (COSTA, 1768, p. 10) Imediatamente se abriu uma porta à esquerda, e os dous precipitaram-se numa espécie de vasto sótão... (HERCULANO, s/d.4, II, p. 119). Cavaleiros, – disse o conde de Seia depois de escutar um instante e aproximando-se da mesa – assentai-vos. Marechal, à cabeceira. Que ninguém ocupe esse lugar junto a vós. E’ para o bom do vilão. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 182) e o povo, quase todo, é pária em toda a parte; é Lázaro esfaimado aos pés do grão festim. (CASTILHO, 1863, p. 46) Têm zonas cinco os céus: a média, eternamente coruscante de sol, e em fogo eterno ardente; duas, as lá da extrema, à destra e sestra, imensas, rijas de gelo azul, atrás de nuvens densas; entre estas e a central, mais duas... (CASTILHO, 1867, p. 31) No regaço daquela dama alguns portugueses, ajoelhados, não à rainha, mas ao anjo, depunham o produto das esmolas colhidas em Portugal. (CASTELO BRANCO, 1872, p. 85) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 87 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Ficou o padre um amor de reverendo, liso e bem amanhado como cônego de oleografia. Ele próprio o reconheceu ao espelho... (LOBATO, 1935, p. 39) 5) direção: Mas que lá donde sai o Sol, se abalam Pera onde a costa ao Sul se alarga, e estende... (CAMÕES, 1943, V, 77) Mas não lhe sucedeu como cuidava, Que nenhum deles há que lhe ensinasse A que parte dos Céus a Índia estava. (CAMÕES, 1943, II, 70) Ao longo do canavial corria um regato... (HERCULANO, s/d.4, I, p. 94-95) – Como se chama? – perguntou-lhe o notário, fitando-a por cima dos óculos, com a pena de pato apontada à página da nota. (CASTELO BRANCO, 1885, p. 43) Eis-nos longe de tudo, em pleno Oceano. Ao Poente E ao Levante o que vês são água e céus somente, Oh! céus e água! e ao Norte, e ao Sul, por toda parte! (OLIVEIRA, 1912, 2ª série, p. 192) Já me não era pouco a graça (pela qual erguia as mãos ao céu) de abrir os olhos à realidade evidente da minha impotência... (BARBOSA, 1921, p. 17) 88 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna 6) distância: O mesmo fazem estes Pegadores, tão seguros ao perto, como aqueles ao longe... (VIEIRA, s/d., II, p. 335) E quando a tiro de canhão se via, Fez que se ouvisse a formidável tromba... (DURÃO, 1791, VI, 21) A um tiro de besta abria-se um vale entre dous montes, cujos cimos se prolongavam para o norte. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 91) Algumas [almas] não tornam. Outras param a meio caminho. (ASSIS, 1923, p. 62) Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensanguentada. (ASSIS, 1903, p. 19) 7) tempo: Mas logo ao outro dia seus parceiros Todos nus, e da cor da escura treva, Descendo pelos ásperos outeiros As peças vêm buscar que estouro leva... (CAMÕES, 1943, V, 30) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 89 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Tudo cabia na pessoa do provincial, o qual estava a este tempo em Santarém... (SOUSA, 1946, I, p. 42) Aos 22 de setembro partiu de Lisboa. (SOUSA, 1946, I, p. 66) Levantava-se infalivelmente todos os dias às três horas da manhã... (SOUSA, 1946, I, p. 71) Cinquenta açoutes num estrangeiro, ao meio-dia, na praça – prosseguiu o chanceler esfregando as mãos, depois de breve pausa. – Admirável! (HERCULANO, s/d.4, II, p. 29) Beatriz apenas saíra do letargo em que ficara à partida do monge... (HERCULANO, s/d.4, II, p. 174-175) Adeus, rouxinol dos hortos, Que às matinas acordavas. (CASTILHO, 1863, p. 159) Calisto, ao outro dia da primeira noite de esposo, por volta das sete horas da manhã, já estava a ler a Viagem à Terra Santa, por Frei Pantaleão de Aveiro; e, à mesma hora, a noiva andava de pé sobre um catre de pau preto rendilhado, com uma vassoira de giesta, a limpar teias de aranha de teto. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 62) 90 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Mais se afervorou a estima da prima Teodora, quando viu que Lobo, na ausência de Caslisto, amiudava as visitas, e lhe fazia companhia ao serão nas noites de inverno. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 149) Abriam-se as aulas a 15 de fevereiro. (POMPEIA, s/d., p. 27) Era lido, posto que de atropelo, o bastante para divertir ao serão e à sobremesa... (ASSIS, s/d.5, p. 15) Tudo à sazão de amor deve cantar de amor. (OLIVEIRA, 1912, 1ª série, p. 312) Além de indicar o momento rigoroso como no último exemplo, ainda pode a preposição a traduzir o tempo habitual: ...e jejuavam dous dias cada sábado; isto é, casa semana; que era às segundas, e quintas-feiras... (BERNARDES, 1945, I, 4C) 8) concomitância: ... cantando certas cantigas ao som de adufes e pandeiros, com uma toada mui de folgar. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 83) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 91 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA ...e recitava versos dele ao piano... (CASTELO BRANCO, 1953, p. 25) e a mulher ao tear, toda aguçosa em teias, cantando engana o tempo, e alterna a lançadeira ao compasso do canto, alegra tecedeira... (CASTILHO, 1867, p. 39) À mistura com as inversões, confusões e omissões, os equívocos, as trocas, as alusões inexatas. (BARBOSA, 1949, p. 13) Em certas construções torna-se mais complexa a ideia de simultaneidade: a preposição denota “fenômeno ou ação, em concomitância como qual ou a qual, ou em consequência ou por influência do qual ou da qual outro fenômeno ou ação se produz” (SILVEIRA, 1937, p. 294): Fechai logo esta porta por dentro, e não abrais se não à minha voz. (GARRETT, 1943, p. 116) Que a teus passos a relva se torre... (DIAS, 1937, p. 81) Ao fresco arrepio dos ventos cortantes Em musico estalo rangia o coqueiro. (ALVES, 1876, p. 89) 92 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna O oceano impõe deveres. O mar é uma escola de resistência. Às suas margens os invertebrados e os amorfos rolam nas ondas e somem-se no lodo, enquanto os organismos poderosos endurecem às tempestades, levantam-se eretos nas rochas e criam, ao ambiente puro das vagas imensas, a medula dos imortais. (BARBOSA, 1946, p. 164) Acordei aos gritos do coronel, e levantei-me estremunhado. (ASSIS, 1903, p. 155) Mas, a mau sonho, inquieta, Ema no leito move-se, grita... (OLIVEIRA, 1912, 2ª série, p. 29) Neste tópico, a nosso ver, cabe classificar os complementos que indicam o agente físico a que alguém ou alguma coisa está exposta: Lá, como é uso do país, roçando Dous lenhos entre si, desperta a chama, Que já se ateia nas ligeiras palhas, E velozmente se propaga. Ao vento Deixa Cacambo o resto... (GAMA, 1941, III, 53) Uma tarde a Brites tecedeira sentara-se em um toro de castanho à porta do casebre, aquentando-se à réstia do sol... (CASTELO BRANCO, 1885, p. 28) E não há neste labor nem dureza, nem arranque. Todo ele é feito com mansidão com que o pão amadurece ao sol. (QUEIRÓS, 1900, p. 209) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 93 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA 9) motivo: ...à petição del-rei D. João, teve frei Bartolomeu conclusões de Teologia. (SOUSA, 1946, I, p. 27) A pedido de Calisto Elói fora o abade de Estevães levar as entradas ao magistrado... (CASTELO BRANCO, 1953, p. 92) ...fora à terra a férias de Natal... (CASTELO BRANCO, 1885, p. 19) Deixei-os, a pretexto de brincar... (ASSIS, s/d.5, p. 110) Então, a rogos, promessas e protestos dos companheiros, Francia volta. (BARBOSA, 1946, p. 196) Admitido, todavia, a insistência suas, com a nota de “indiferente”, embora primasse entre os mais aplicados, tudo lhe eram, no estudo, espessas trevas. (BARBOSA, 1921, p. 27) 10) fim: Pera isso sam, e a isso vim... (VICENTE, 1945, vs. 88) 94 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Chama o Rei is senhores a conselho... (CAMÕES, 1943, IV, 76) Porque o Piloto falso prometido, Que toda a má tenção no peito encerra, Pera os guiar à morte lhe mandava, Como em sinal das pazes que tratava. (CAMÕES, 1943, I, 94) Ora, pois todos somos de campanário, será bom que nos vejamos os jogos, como bons parceiros: a que vindes a esta casa? (MELO, 1943, p. 5) ...era domingo: o sino tocava à missa... (HERCULANO, s/d.4, I, p. 38) ...não seria ele que por si próprio se viesse oferecer ao castigo... (HERCULANO, s/d.4, I, p. 54) Pararam todos à escura... (CASTILHO, 1863, p. 166) Que desse dinheiro a juros. Asseverava-lhe que uma dúzia de contos bem administrados, era obra para dar oitenta contos em dous anos. (CASTELO BRANCO, 1885, p. 54) Os sinos tocam a noivado No Ar levado! (NOBRE, 1898, p. 68) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 95 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA No sentir, por que assim digamos, unânime de Paris, Dreyfus devia ter sido condenado à morte. (BARBOSA, 1946, p. 25) Vendeu a fazendola e os escravos, comprou alguns que pôs ao ganho ou alugou, uma dúzia de prédios, certo número de apólices, e deixou-se estar na casa de Matacavalos, onde vivera os dous últimos anos de casada. (ASSIS, s/d.5, p. 20) O pai era comerciante de café, – comissário, – e andava então a negócios por Minas... (ASSIS, s/d.4, p. 31) 11) modo: vivei à vossa vontade e havei prazer. (VICENTE, 1945, vs. 153-154) Todos dormem a prazer Sem lhes vir pela memória que per força hão de morrer, e não querem acender a santa vela da glória. (VICENTE, 1953, vs. 580-584) E vão a seu prazer fazer aguada, Sem achar resistência, nem defesa... (CAMÕES, 1943, VI, 93) 96 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Amaina, disse o mestre a grandes brados Amaina, disse, amaina a grande vela... (CAMÕES, 1943, VI, p. 71) ...e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. (VIEIRA, s/d., II, p. 311) ... partiram a galope ambos para o mesmo lado... (HERCULANO, s/d.4, II, p. 120) D. Cipriana refastelou-se mais a seu cômodo na poltrona, enquanto Briolanja tornava a persignar-se. (HERCULANO, s/d.4, II, p. 168) Dom Rodrigo rei dos godos à rédea larga fugia. (CASTILHO, 1863, p. 154) Eu quero, com o Dr. Aires, que todo o preso seja de todo barbeado semanalmente, lave rosto e mãos duas vezes por dia, e tenha o cabelo da cabeça cortado à escovinha. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 87) Possuindo muitos bens, que lhe davam para viver à farta, empregava uma partícula do tempo em advogar o menos que podia... (ASSIS, s/d.3, p. 26) Quincas Borba vai atrás dele pelo jardim fora, contorna a casa, ora andando, ora aos saltos. (ASSIS, 1923, p. 42) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 97 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Pode incluir-se nesta classe o emprego de preposição a nos complementos que denotam o regímen de alimentação a que alguém está sujeito ou se submete: ...jejuava quase todo anos a pão, e água... (VIEIRA, s/d., II, p. 9) Prometeu à virgem jejuar três dias a pão e água... (HERCULANO, s/d.4, I, p. 5) Dantes alimentara-se a leite e ovos... (CASTELO BRANCO, 1885, p. 55) 12) conformidade: Ponde-vos a for da corte, desta sorte viva vosso parecer que tal nasceu. (VICENTE, 1945, vs. 291-294) Sou ũa alma que pecou culpas mortais contra o Deus que me criou à sua imagem. (VICENTE, 1945, vs. 436-439) 98 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Senhora, a meu parecer, pera esta escuridade candea não há mester, que o Senhor qu’há de nacer é a mesma claridade... (VICENTE, 1953, vs. 645-649) Como a cantiga mostrava, femenil, a meu cuidar, era a voz de quem cantava que, por mais de bem cantar, eu ouvir me contentava... (FALCÃO, 1945, vs. 626-630) Bem junto dele um velho reverente, Cos giolhos no chão, de quando em quando Lhe dava a verde folha da erva ardente Que a seu costume estava ruminando. (CAMÕES, 1943, VII, 58) Nós, que a teu parecer mal te matamos, Não viveremos muito... (FERREIRA, 1945, vs. 1345-1346) ...e como em tudo precedia com grande prudência e ânimo de acertar, e era a primeira prelacia que lhe tocava prover, desejava empregá-la em tal sujeito, que, a juízo de todos, fosse dela digníssimo... (SOUSA, 1946, I, p. 40-41) Ao longo da parede umas estantes a uso fradesco que diziam com a mesa na feição e pobreza. (SOUSA, 1946, I, p. 70) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 99 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Isto suposto, quero hoje à imitação de S. Antônio voltar-me da terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. (VIEIRA, s/d., II, p. 312) Vedes vós? Pois, se olharmos bem a cousa, nenhum deles tem grande culpa, a meu juízo... (MELO, 1943, p. 39) Os teólogos dir-vos-ão: Deus fez o homem à sua imagem e semelhança... (HERCULANO, s/d.4, I, p. 144) – Falou à portuguesa, Sr. morgado; mas extemporaneamente... (CASTELO BRANCO, 1953, p. 35) – Esse homem que aí está dá ares de criado? – Não, senhor: é assim um jarreta vestido à antiga, com uma gravata que parece um colete. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 71) Aquilo, a meu ver, é que já o ouviu no parlamento, e apaixonouse. Há muitos casos assim cá em Lisboa de senhoras apaixonadas pelos homens de talento. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 119) As meninas pentearam-lhe os opulentos e negros cabelos à Stuart... (CASTELO BRANCO, 1953, p. 170) 100 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Sentia um não sei quê com aquele chim De olhos cortados à feição de amêndoa. (OLIVEIRA, 1912, 1ª série, p. 177) E, ainda quando aos olhos do mundo, como aos do nosso juízo descaminhado, tenham logrado a nossa desgraça, bem pode ser que, aos olhos da filosofia, aos da crença e aos da verdade suprema, não nos hajam contribuído senão para a felicidade. (BARBOSA, 1921, p. 23) Financeiro, administrador, estadista, chefe de Estado, ou qualquer outro lugar de ingente situação e assustadoras responsabilidades, é, a pedir de boca, o que se diz mão de pronto desempenho, fórmula viva a quaisquer dificuldades, chave de todos os enigmas. (BARBOSA, 1921, p. 33) 13) meio: Uns vão nas almadias carregadas, Um corta o mar a nado diligente, Quem se afoga nas ondas encurvadas, Quem bebe o mar, e o deita juntamente... (CAMÕES, 1943, I, 92) Quantos troféus alçados, quanto muros Rotos a suas vitórias... (FERREIRA, 1939-1940, I, p. 168) Que às expensas do Rei seja educado O Neófito, que abraça a Santa Igreja... (DURÃO, 1791, X, 76) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 101 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA ... deixa ainda ondulando o berço do filhinho, o qual adormeceu a custo de muito embalar. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 96) O lavor artístico demanda mais pausa, não se obtendo senão a poder de tempo, estudo e mimo. (BARBOSA, 1949, p. 3) ...a mãe era filha de Taubaté, S. Paulo, amiga de viajar a cavalo. (ASSIS, s/d.4, p. 31) 14) causa: Deus não desempara ao justo, nem o deixará parecer à fome. (BERNARDES, 1946, II, p. 224) Eu ainda tentei espaçar a cerimônia a ver se tio Cosme sucumbia primeiro à doença, mas parece que esta era mais de aborrecer que de matar. (ASSIS, s/d.5, p. 307) Não é raro também entrar o a, com valor causal, em locuções prepositivas; eis dois exemplos, ambos de João de Barros, dentre os que cita o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (Boletim nº 1, v/a, 23), publicado pela Academia Brasileira de Letras: 102 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna a cheiro de: Os primeiros daquela costa, que vieram ter a esta terra de Sofola a cheiro deste ouro, foram os moradores da Cidade de Magadaro... à força de: ... o qual haverá quatro anos que anda embrulhado com uma má mulher, a força dos feitiços que lhe tem feito. 15) instrumento: Mas ele enfim com causa desonrado, Diante dela a ferro frio morre, De outros muitos na morte acompanhado... (CAMÕES, 1943, IV, 5) Enfim, enfim, às mãos dos teus morreste. (CAMÕES, 1932, p. 285) Que de cidades, povoados, A ferro e fogo assolou? (LOBO, 1928, p. 33) Este brado, semelhante ao grito de homem que matam a ferro, despedaçava o coração. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 58) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 103 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA D. Bruno releu a linha escrita a lápis, e disse entre si: – Que Custódio é este!? (CASTELO BRANCO, 1953, p. 71) Até, até se viram terrenos a enxadão com agro afã rasgados, os grãos da semeadura a unhas soterrados, e entesando o pescoço os próprios lavradores puxarem serra acima os carros gemedores. (CASTILHO, 1867, p. 215) De um lado cunhavam pedra cantando; de outro a quebravam a picareta; de outro afeiçoavam lajedos a ponta de picão; mais adiante faziam paralelepípedos a escopro e maceta. (AZEVEDO, 1943, p. 61) ...e antes que ela raspasse o muro, li estes dous nomes, abertos ao prego, e assim dispostos: BENTO CAPITOLINA (ASSIS, s/d.5, p. 41) 16) quantidade, medida e preço: Mais quis dizer, e não passou daqui, Porque as lágrimas já corendo a pares Lhe saltaram dos olhos... (CAMÕES, 1943, VI, 34) 104 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Amostram-vos num momento Favores assim a molhos; Mas na mudança dos olhos Se lhe muda o pensamento. (CAMÕES, 1932, p. 10) A um mesmo tempo começaram uns e outros a entender com o que estava à sua conta: os frades com a crasta, os seculares com a igreja; e foi cousa de ver a requestra e cobiça com que os seculares a dividiram entre si às braças; e como eram muitos e cada um, como em uma roca herança, desejava ser melhorado em quinhão, foi a partilha quase aos palmos. (SOUSA, 1946, III, p. 217) ... porque é loucura Comprar a tanto preço as minhas dores... (COSTA, 1768, p. 17) Mas a noite ia cada vez mais fria: os trovões e os raios eram uns atrás de outros: a chuva era aos cântaros. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 98) As lágrimas escorregavam-lhe pelas faces a quatro e quatro. (HERCULANO, s/d.4, II, p. 352) Quando ela deu a alma a Nosso Senhor tínhamos 20 moedas de ouro. Teve um ofício de 40 padres a doze vinténs a vela, e trinta missas no dia. (CASTELO BRANCO, 1885, p. 31) ...declamavam enfaticamente versos a milhares... (CASTELO BRANCO, 1885, p. 70) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 105 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Que te valeram as máximas de boa vida colhidas a centenares nos teus clássicos, e enceladas nessa alma...? (CASTELO BRANCO, 1953, p. 109) E eu caía, único vencido! e o tropel, de volta, vinha sobre mim, todos sobre mim! sopeavam-me, calcavam-me, pesados, carregando prêmios, prêmios aos cestos! (POMPEIA, s/d., p. 46) ...passar os dias fazendo barbas a vintém... (CÂMARA, 1893, p. 10) E erguem por vias enluaradas Minhas sandálias chispas a flux... (CORREIA, 1910, p. 111) É uma voragem a minha casa. Quando entro numa sapateira é para comprar doze, quatorze pares de sapatos! Das lojas nunca trouxe fazenda aos metros, é às peças. (LOBATO, 1935, p. 135) 17) referência “de uma cousa a outra que serve de norma ou tipo” (DIAS, 1933, § 156, letra f): Aborrecia aquele ânimo limpíssimo de cobiça toda a cousa que cheirava a interesse... (SOUSA, 1946, I, p. 96) 106 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Muito me retinis a letrado, relogiozinho de por aí além. Dizei vosso dito! (MELO, 1943, p. 12) Que é isto? Assassinato é coisa que me não cheira a idioma de Bernardes e Barros. (CASTELO BRANCO, 1953, p. 99) – Abra aquela janela, disse esta ao criado; tudo cheira a mofo. (ASSIS, 1923, p. 347) II) Junto a verbo no infinitivo, forma a preposição a orações reduzidas que expressam condição, tempo, fim etc. Exemplos: 1) condição (equivale a se acompanhado do pretérito ou do futuro do subjuntivo): cada ovo dará um pato, e cada pato um tostão, que passará de um milhão e meo, a vender barato. (VICENTE, 1953, vs. 465-468) A ser tal culpa sabida sei certo que este desvairo pagarei com minha vida... CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 107 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA (FALCÃO, 1945, vs 868-970) Retrato, vós não sois meu; Retratavam-vos mui mal; Que, a serdes meu natural, Fôreis mofino como eu. (CAMÕES, 1932, p. 99) Foi ventura, que houvesse no Evangelho outro Príncipe de sangue, para que nos fizesse exemplo nesta dúvida, porque a faltar ele, ainda que na balança se pudessem todos os quatro metais da Estátua de Nabuco... não pesaria um átomo. (VIEIRA, s/d., II, p. 300) Tristes! que a ver algum, qual fim o espera Com quanta sede a morte não bebera! (DURÃO, 1791, I, p. 13) A ser a fama crida, já se hão visto abelhais buscar por mais seguro contra inclemências do ar, da terra o bojo escuro. (CASTILHO, 1867, p. 229) ...mas tudo tão caro que, a não haver inconveniência, ousarei dizer que a comedela foi a maior fraude que se tem feito com santos em Braga. (CASTELO BRANCO, 1885, p. 23) Contava muita vez uma viagem que fizera à Europa, e confessava que, a não sermos nós, já teria voltado para lá... (ASSIS, s/d.1, p. 15) 108 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna 2) tempo (vale por quando, e neste caso é o infinitivo precedido de artigo): ...porque a natureza ao formar um corpo humano, começa do coração, e mais entranhas, e acaba na pele; e a arte ao esculpir ũa imagem, trata só do exterior, e nunca chega dentro... (BERNARDES, 1945, I, 6B) Invoca no perigo o Céu impiedoso; Ao ver eu a fúria horrível da procela Rompe a nau, quebra o leme, e arranca a vela. (DURÃO, 1791, I, XI) Ao entrar na câmara de sua irmã, o monge viu que Domingas o enganara. (HERCULANO, s/d.4, II, p. 178) Casou o morgado, ao tocar pelos vinte anos, com sua segunda prima... (CASTELO BRANCO, 1953, p. 17) Ao vir da primavera, a rosa lhe floria mais cedi que a ninguém... (CASTILHO, 1867, p. 241) A natureza nos está mostrando com exemplos a verdade. Toda ela, nos viventes, ao anoitecer, inclina para o sono. (BARBOSA, 1921, p. 29) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 109 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA 3) fim (concorrentemente com para): Sairás ao campo mundano a dar crua e nova guerra aos imigos... (VICENTE, 1953, vs. 515-517) Que havendo tanto já que as partes vendo, Onde o dia é comprido, e onde breve, Inclinam seu propósito, e perfia A ver os berços, onde nasce o dia. (CAMÕES, 1943, I, 27) Chegada a frota ao rico senhorio, Um português mandado logo parte, A fazer sabedor o Rei gentio Da vinda sua a tão remota parte... (CAMÕES, 1943, VII, 23) ... pranteara, a morte de Zerbino com tanto sentimento que lhe acudiu a vezinhança a saber o que era. (LOBO, 1941, p. 17) ...e logo se recolhia com um desembargador pera a câmara em que dormia, a despachar as petições e papéis que havia... (SOUSA, 1946, I, p. 72) Perdoai-me Rainha Santa este discurso; mas não mo perdoeis; porque todo ele foi ordenado a avaliar o preço, a encarecer a singularidade, e a sublimar a grandeza de vossas glórias. (VIEIRA, s//d., II, p. 8) 110 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna Que te conceda Deus, Ministro justo, (Diz-lhe a Alma venturosa) o prêmio eterno; Pois vens do antigo Mundo a tanto custo A libertar-me do poder do Inferno. (DURÃO, 1781, I, 62) ... pescadores que daí saíam em seus batéis a pescar no Tejo. (HERCULANO, s/d.4, I, p. 74) ...corria uma rua escura e triste, como quase todas as de Lisboa: era a rua de Mestre Gonçalo. Ao entrarem nela, o escudeiro e o pajem pararam a examiná-la. (HERCULANO, s/d.4, II, p. 119) Às onze horas entrou na Câmara. Dir-se-ia que entrava Cícero a delatar a conjuração de Catilina. (CASTELO BRANCO, 1947, p. 37) ...sentia-se uma ressurreição de cavaleiro medievo, saindo a combater por amor de sua dama... (ASSIS, s/d.3, p. 37) Pode dar-se, em frases deste gênero, que o infinitivo tenha passivo: ...come-o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que cantando o levam a enterrar... (VIEIRA, s/d., II, p. 326) Saía a enterrar um moço, filho de sua mãe, a qual era viúva, e ia grande multidão do povo com ela. (VIEIRA, s/d., II, p. 417) CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 111 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA Então o imperador dava outra vez a mão a beijar, e saía, acompanhado de todos nós... (ASSIS, s/d.5, p. 84) Elegante construção, já pouco usada, é esta de Vieira (s/d., II, p. 21), na qual a preposição a enceta oração final de forma não reduzida: Eu já quisera acabar, mas está-me chamando a nova Primavera, que vemos, a que repare naquelas rosas. 4) concessão (corresponde a ainda que, e é construção arcaizada): Os perigosos, os casos singulares. Que por mais de mil léguas toleramos, Não contara, depois que no mar erro A ter peito de aço, e a voz de ferro. (DURÃO, 1781, VI, 26) III) – Ainda que preceder o infinito, acerta a preposição a de entrar em combinação com numerosos verbos. Anotemos somente, como observação final, que, em frases como estas de Machado de Assis: Ia a entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me atrás da porta. (s/d.1, p. 7), 112 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA Aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna A mulher ia a sair, o marido deteve-se, ela estremeceu. (1923, p. 85), a preposição parece denotar que já se encontra em início de execução, e não apenas em pensamento, a ação expressa pelo verbo. Comentando duas passagens dos Contos Gauchescos (p. 48-49) de Simões Lopes Neto, o professor Aurélio Buarque Holanda sente do mesmo modo o valor da preposição. Eis os exemplos do regionalista gaúcho, citados por aquele professor: Quando ia a entrar na venda, saiu-lhe o castelhano, pelo lado de laçar... (p. 156). Foi nesse apuro, que o touro carregou, e veio, de língua de fora, berrando surdo... e entreparado, baixou a cabeça, retesando o cogote largo e ia a levantar a guampada, guampada, quando, meio maneado no laço e ladeado por um sofrenaço de pulso, o bagual planchou-se... (p. 232-233). CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 113 UMA PREPOSIÇÃO PORTUGUESA BIBLIOGRAFIA ACADEMIA Brasileira de Letras. Dicionário brasileiro da língua portuguesa, boletim nº 1, Rio de Janeiro, 1928. ALENCAR, José de. Iracema. Reproduz a edição de 1878 com introdução, notas e apêndice por Gladstone Chaves de Melo. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1948. ALONSO, Amado; UREÑA, Pedro Henríquez. Gramática castellana. 3. ed. Buenos Aires, 1943, 2 v. ALVES, Castro. A cachoeira de Paulo Afonso. Bahia, 1876. ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 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