UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS MATHEUS FILIPE DA SILVA LEAL GEOPOLÍTICA CONTEMPORÂNEA DA POLÔNIA Florianópolis 2013 MATHEUS FILIPE DA SILVA LEAL Geopolítica Contemporânea da Polônia Monografia submetida ao curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de Bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Hélton Ricardo Ouriques _____________________________________ Florianópolis, 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 6,0 (seis) ao aluno Matheus Filipe da Silva Leal na disciplina CNM 7280 – Monografia, pela apresentação do trabalho GEOPOLÍTICA CONTEMPORÂNEA DA POLÔNIA. Banca Examinadora _________________________________________ Prof. Dr. Hélton Ricardo Ouriques ― Presidente da Banca _________________________________________ Profª Dra. Juliana Viggiano _________________________________________ Profª Dra. Mónica Salomon Gonzalez Florianópolis, Dezembro de 2013 DEDYKACJA DEDICATÓRIA Dla wszystkich mężczyzn i kobiet, A todos os homens e mulheres którzy walczyli que lutaram o wolną i suwerenną Polskę. por uma Polônia livre e soberana. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus e a Jesus Cristo por me darem a oportunidade de viver neste mundo maravilhoso e por me permitirem chegar aonde cheguei. Agradeço à minha família: minha mãe Rachel, minha avó Maria, meus irmãos Pedro e Gabriel, o marido de minha mãe Jonílson, por estarem sempre do meu lado ao longo desta longa caminhada, dispostos a me ajudar sempre que eu precisasse, e a me incentivar a sempre ir em frente. Agradeço meu pai Nivaldo e meu padrinho David por suas ajudas igualmente importantes e sua torcida para que eu tivesse sucesso na vida acadêmica e profissional. Agradeço aos demais familiares por estarem ao meu lado em momentos bons e ruins, entre os quais posso destacar o tio Eudalício e a tia Priscila, suas filhas Ananda e Caroline, a tia Mariam, a tia Silene, a tia Alcina, além dos amigos mais íntimos que já fazem parte da família, como a Lurdinha, a Benta, e o Fernando. Peço desculpas se esqueci de citar alguém. Agradeço os colegas de trabalho na Biblioteca Municipal de São José, Cacília, Renato e Silvana, por sua companhia durante o último semestre, e pela experiência excelente de trabalhar ao lado dos três. Agradeço aos demais colegas da Fundação Municipal de Cultura e Turismo por terem me recebido tão bem como seu estagiário. Agradeço a todos os professores que tive em toda a minha vida por contribuírem com minha formação e crescimento acadêmicos, e me ajudarem a compreender melhor os assuntos que tanto amo estudar. Agradeço especialmente à professora Karine, à professora Daniele Annoni, à professora Patrícia, ao professor Raphael Spode, ao professor Hoyêdo, ao professor Nícolas, ao professor Pablo, ao professor Saulo, e ao professor Hélton, por serem alguns dos melhores profissionais que eu já conheci por seu vasto conhecimento nos assuntos lecionados e por seu carinho e zelo com os alunos. Ao professor Hélton agradeço, também, por seu papel indispensável na minha formação acadêmica, especialmente pela orientação dada neste trabalho, que foi fator decisivo para meu sucesso no mesmo. Agradeço os colegas de sala e de curso que fiz durante todo esse tempo, em especial aqueles que passaram a maior parte do tempo nas mesmas turmas que eu; tenho muita saudade de todos os colegas da turma 2009.2, e a eles dedico meus agradecimentos especiais, e minha torcida para que tenham sucesso em suas vidas profissionais e pessoais. Ânderson Valter, Guilherme Bueno, Luís Eduardo, obrigado por serem alguns dos melhores amigos que eu tive em toda a minha vida! Agradeço aos amigos que fiz em outras turmas também. Torço pelo sucesso e pela realização acadêmica e profissional de todos. Agradeço aos amigos e colegas do Instituto Estadual de Educação que estiveram do meu lado durante um bom tempo. Eu levo cada um de vocês no meu coração aonde quer que eu vá! Por fim, quero agradecer de maneira especial minha namorada e futura esposa Ana Mayra, por estar sempre do meu lado, nas horas boas e nas horas ruins, e por entender sempre a minha necessidade de escrever “só mais um parágrafo”. Eu te amo, meu amor! RESUMO Este trabalho se propõe a analisar a Geopolítica contemporânea da Polônia, levando em conta os conceitos e as teorias geopolíticas e de geografia política, bem como elementos históricos indispensáveis para compreender os processos de formação, fortalecimento e consolidação de uma geopolítica puramente polonesa. Será dado enfoque às relações bilaterais entre a Polônia e diversos países do globo, às relações do país com organizações internacionais, em especial com a União Europeia. Uma análise referente à possibilidade ou não de uma mudança na estratégia geopolítica da Polônia será feita, levando-se em conta os desenvolvimentos em curso no sistema internacional dos dias de hoje. Palavras-chave: Polônia, geopolítica, geografia política, Europa Central ABSTRACT This work aims to analyze contemporary geopolitics of Poland, taking into account the concepts and theories of political geography and geopolitics, as well as historical elements indispensable to understand the processes of formation, strengthening and consolidation of a purely polish geopolitical approach. Focus will be given to bilateral relations between Poland and various countries of the globe, the country's relations with international organizations, in particular with the European Union. An analysis related to whether or not a change in the geopolitical strategy of Poland will be made, taking into account the ongoing developments in the international system of today. Keywords: Poland, geopolitics, political geography, Central Europe LISTA DE ABREVIATURAS CS ― Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas EUA ― Estados Unidos da América IDH ― Índice de Desenvolvimento Humano IIGM ― Segunda Guerra Mundial ONU ― Organização das Nações Unidas OTAN ― Organização do Tratado do Atlântico Norte PIB ― Produto Interno Bruto UE ― União Europeia URSS ― União das Repúblicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................10 1.1. Metodologia.......................................................................................................................12 2 CONCEITUANDO GEOPOLÍTICA...........….....................................................................13 2.1. A história da Geopolítica....................................................................................................18 2.2. Escolas de pensamento geopolítico....................................................................................25 3 HISTÓRIA DA POLÔNIA...........….....................................................................................29 3.1. A formação da Polônia como Estado nacional...................................................................31 3.2. As primeiras dinastias: Piast e Jagiełło..............................................................................35 3.3. A União de Lublin e a monarquia eletiva….......................................................................46 3.4. As partições e a perda da independência............................................................................51 3.5. A retomada da Independência e o entre-guerras................................................................60 3.6. Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria.............................................................................62 3.7. A nova Polônia...................................................................................................................70 4 GEOPOLÍTICA DA POLÔNIA.......................….................................................................73 4.1. Panorama geopolítico.........................................................................................................75 4.2. A Polônia entre a Rússia e a Alemanha..............................................................................78 4.3. As relações com o Ocidente: Estados Unidos e Europa.....................................................83 4.4. As relações com o Oriente: Rússia, China e Índia.............................................................85 5 CONCLUSÃO.......................................................................................................................88 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................90 10 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho se propõe a tratar da geopolítica da Polônia contemporânea, um país com uma história rica, e de importância ímpar para a Europa sob diversos aspectos. Será necessário abordar a história da Polônia, com destaque para o histórico de formação da Polônia como Estado-nação e sua afirmação como tal no coração da Europa Central. Será dado enfoque especial aos assuntos pertinentes à compreensão da geopolítica polonesa como um todo, como a participação polonesa em organismos internacionais de segurança coletiva e as parcerias com potências estrangeiras. O ponto principal do trabalho será a relação da Polônia entre a Rússia e a Alemanha, e todo o histórico das relações conturbadas do país com esses dois grandes Estados será levado em conta, ajudando na compreensão dos fenômenos que existem no país nos dias de hoje. O conceito de geopolítica como ciência será analisado. Serão trabalhadas a história da formação da geopolítica como ciência independente da geografia, as críticas a esse conceito, as principais escolas de pensamento geopolítico no mundo, e analisar porque a geopolítica é tão relevante nas relações internacionais. A noção de geopolítica que temos hoje foi construída principalmente ao longo do Século XX. Sabe-se que esta ciência existe há muitos séculos, porém, somente com a publicação do livro Staten som Lifsform, pelo sueco Rudolf Kjellén, o termo geopolítica ganhou aceitação. Por muito tempo, a geopolítica foi marginalizada como ciência, e esteve muito associada ao nazismo e à Alemanha do período da Segunda Guerra Mundial. Até os dias atuais a validade da geopolítica como ciência é questionada em certos círculos acadêmicos. Algumas perguntas são passíveis de ser feitas para compreender melhor o objeto de estudo. Em que medida a parceria com o Ocidente pode trazer segurança para o país? Até que ponto a Rússia é um risco para a Polônia, e de que maneira é possível fazer as relações complicadas entre os dois países tornarem-se melhores? De que maneiras a Polônia pode firmar-se no jogo internacional de nações como uma nação próspera, soberana, e segura, independente da ajuda de potências estrangeiras? Isso é possível? É desejável? Sabemos que a política internacional é como um jogo, repleto de variáveis, e sem uma fórmula pré-definida para que uma mesma ação tenha os mesmos resultados onde quer 11 que seja aplicada. Isto é ainda mais certo quando se trata de formular hipóteses para o futuro de qualquer nação, tendo em vista que no mundo interdependente no qual vivemos, as ações de um afetam aos demais. De qualquer maneira, a Polônia parece ter alguns caminhos muito bem definidos se analisarmos suas ações atuais. O país definitivamente está comprometido com a integração europeia, com seus bônus, e com uma parte dos seus ônus ― há de se lembrar que a Polônia é um dos países mais céticos em relação a determinadas atribuições da União Europeia na formulação de políticas conjuntas, preferindo não delegar certas parcelas de sua soberania para a organização supranacional no presente. Seu grau de proximidade com os Estados Unidos varia de acordo com o governo que está no poder, embora os últimos três governos pareçam estar bastante comprometidos em buscar relações cordiais e até mesmo amigáveis com a América. Por fim, a Polônia e a Rússia, na conjuntura atual, procuram caminhar em sentidos diferentes, por vezes até opostos, e qualquer tipo de cooperação entre os dois países é bastante improvável num futuro próximo. Porém, pensar numa mudança radical na formação de política externa do país é um exercício digno de ser feito. E se a Polônia abandonasse sua tendência pró-americana e se voltasse para a Rússia, como propõem alguns poucos setores da sociedade polonesa? E se a integração europeia não der certo para a Polônia, como vem acontecendo com outros países do continente? O que poderíamos esperar em uma mudança dessa natureza, e de que maneira isto seria benéfico para o país e para o mundo? Além disso há a emergência da China como um ator internacional relevante. É dito por muitos que este país irá se tornar a nova superpotência mundial no Século XXI. Obviamente, isso alteraria completamente o ambiente geopolítico da Eurásia. Como a Polônia poderia ser afetada? A análise da geopolítica da Polônia é importante por se tratar de um país crucial para a história e para o presente da Europa, e também do mundo atual. Antes um campo de batalha de potências estrangeiras que pretendiam subordinar os poloneses à força, e em outros momentos sendo ela mesma a potência lutando para expandir sua influência, a Polônia é um caso peculiar de nação que conquistou seu espaço ao longo do tempo, e seu caso ainda é pouco abordado por autores de língua portuguesa. 12 O país é um retrato da disputa dos Estados poderosos pelo poder e pela condição hegemônica em todo o mundo. Compreender seu caso pode nos fazer compreender as relações de poder entre os Estados em uma escala muito maior. Além disso, se faz necessário o estudo deste país por sua importância estratégica dentro da União Europeia e principalmente da “Nova Europa”, por todos os pontos até aqui abordados. Um país com uma história rica, um futuro promissor, geopoliticamente importante, além de pouco estudado no Brasil e em outros países de língua portuguesa, constitui um caso muito digno de ser analisado e estudado com atenção. Os aspectos citados aliados a fatores históricos e culturais tornam o estudo da geopolítica deste país um exercício fascinante e útil para compreender a geopolítica da Europa e do mundo como um todo. 1.1. Metodologia Foram utilizados livros e outros tipos de trabalhos acadêmicos, principalmente artigos científicos, com especial enfoque em trabalhos que lidem com a Polônia dos dias de hoje, com as organizações internacionais das quais o país faz parte, e com seus parceiros globais que não estão na Europa ― nomeadamente, os Estados Unidos. Não foi feita distinção entre o idioma original dos trabalhos usados como referência, sendo que fontes em inglês, português e polonês foram utilizadas, e sendo o idioma original claramente indicado em cada caso. Os esforços levados adiante são não apenas os de um semestre, ou mesmo de todo o período acadêmico, mas sim os de uma vida inteira. Mesmo o parágrafo mais curto e mais simples foi extensamente analisado e estudado até ser elaborado e incluído aqui. Este trabalho propõe-se a ser acessível a todos os públicos, tanto dentro quanto fora dos círculos acadêmicos. 13 2 CONCEITUANDO GEOPOLÍTICA O interesse do ser humano pelas relações entre a geografia e a política não é recente. Desde os primórdios da humanidade a necessidade por expansão territorial aliou esta à força do poder dos reis e dos chefes de nações. Antes de constituir uma ciência própria, esta área do conhecimento era abordada por diferentes disciplinas, como a geografia, a teoria política, e o que era chamada na antiguidade de "arte da guerra"1. Segundo Leonardo de Carvalho, "a geopolítica não se identifica com um campo limitado de estudos e absorve uma incontável quantidade de conhecimentos".2 Entretanto, definições de geopolítica e geografia política só foram surgir em meados do século XIX, como será abordado na seção 1.1. O interesse pela ciências rotuladas como geopolítica e geografia política, e o ritmo de produção acadêmica destas ciências, conforme afirma Wanderley Messias da Costa: "...mais do que em outros ramos das ciências sociais em geral, tem sido nitidamente regulado pelos processos relacionados à ''política dos Estados'' e à natureza e evolução das relações internacionais em suas vertentes civil e militar, pacífica e beligerante."3 Outra passagem marcante na obra de Wanderley Messias da Costa é quando ele se refere ao crescimento do interesse pela geopolítica e, em suas palavras, define que isto por si só não era, em tempos passados, um bom sinal: 1 A 'arte da guerra' é citada em muitas obras pertinentes ao estudo da geopolítica, da geografia política e das relações internacionais como um todo. O livro "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, por exemplo, é um dos exemplos mais clássicos de orientação aos militares e aos chefes de nações ou Estados, lidando em grande parte com a utilização da natureza e do terreno para a obtenção de vitórias militares. (TZU, Sun. A Arte da Guerra, os 13 capítulos; São Paulo: DPL, 2007) Posteriormente, segundo Leonardo A. de Carvalho, "Maquiavel lembra que o Príncipe deveria dedicar-se à 'arte da guerra' mesmo em tempos de paz; para tanto, deveria estudar e exercitar o ofício belicoso. As caçadas ajudariam a manter os homens resistentes e ensinariam ao Príncipe a natureza dos lugares, os pontos onde nascem as serras, onde se abrem os vales, vendo as regiões de planícies, e memorizando o curso dos rios e a configuração dos pântanos. Os conhecimentos absorvidos pelo Príncipe ajudariam a melhor defender o território, e possibilitariam a utilização do mesmo conhecimento em outros campos de batalha..." (CARVALHO, Leonardo A. de. Geopolítica: Isso serve às Relações Internacionais In: CARVALHO, Leonardo A. de. Geopolítica e Relações Internacionais. Curitiba: Juruá, 2002, p. 20.)" 2 CARVALHO, Leonardo A. de. Geopolítica: Isso serve às Relações Internacionais In: CARVALHO, Leonardo A. de. Geopolítica e Relações Internacionais. Curitiba: Juruá, 2002, p. 20. 3 COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica: Discursos sobre o Território e o Poder. São Paulo: Hucitec, Edusp, 1992, p. 13. 14 “Os últimos anos têm registrado um crescimento inusitado do interesse pelos temas que poderiam genericamente ser reunidos sob os rótulos de Geografia Política e Geopolítica. Em outras épocas, curiosamente, esse fato por si só não significava propriamente bons presságios, pois, como veremos adiante, em geral anunciava a proximidade de guerras.”4 Não é difícil encontrar uma definição aceita para esta ciência ― o que não é o mesmo que afirmar que esta definição não esteja livre de controvérsias ou críticas. Existem críticos ainda nos dias de hoje que afirmam que a geopolítica não passa de um subproduto da geografia política, ou que esta é essencialmente a geografia política em si quando aplicada na formulação das políticas internacionais de um Estado. A geopolítica pode ser definida como sendo a ciência encarregada de buscar compreender as relações entre o poder político nacional e o espaço geográfico. Ela estuda o Estado enquanto organismo geográfico: é o estudo da relação entre geografia e poder político, com todas as suas implicações na política e nas relações internacionais. A geopolítica também é um método de análise de política externa, pois busca compreender, explicar e antecipar o comportamento dos Estados. Noções como as de localização, território, recursos naturais, contingentes populacionais, clima, topografia, avanços tecnológicos, entre outros, são de extrema importância para esta ciência. Pode-se problematizar o papel da geopolítica com a seguinte questão: até que ponto as ações dos Estados nacionais são determinadas pela situação geográfica? Heinsfeld coloca alguns complicadores na tarefa de se definir a geopolítica. Ele alerta que além da falta de unanimidade em definir o que é geopolítica, há casos em que “as definições tornam-se contraditórias, incoerentes e até excludentes” (HEINSFELD, Adelar. 2008). Usando uma citação de Hans Weigert, ele lembra que existem tantas geopolíticas distintas quanto sistemas estatais fundamentalmente distintos. No entanto, o autor faz questão de colocar em pauta visões que mostram a geopolítica de forma positiva. Ele cita autores como Golbery do Couto e Silva, que trata a geopolítica não como uma ciência, mas como uma arte. Também é citado José William Vesentini, para quem a geopolítica é nobre por excelência, ou então, a verdadeira geopolítica.5 4 COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica: Discursos sobre o Território e o Poder. São Paulo: Hucitec, Edusp, 1992, p. 13. 5 HEINSFELD, Adelar. Pensamento geopolítico: da geopolítica clássica às novas geopolíticas. Passo Fundo: Clio Livros, 2008, p. 19. 15 Durante sua centenária história, a geopolítica se encarregou de estudar as ligações entre o poder político e o espaço geográfico, examinando as estratégias baseadas na importância relativa entre poder terrestre e poder marítimo ― como será exposto a seguir, na seção 2.1, a complementariedade entre esses dois tipos de poder geográfico foi objeto de estudo de um dos mais importantes teóricos da geopolítica de todos os tempos, Sir Halford Mackinder. Academicamente, esta é uma ciência de certa forma multidisciplinar, por lidar tanto com geografia e teorias políticas quanto com história, economia, ciências sociais, estratégias militares, direito internacional, e relações internacionais. E a existência dos interesses constantemente mutáveis dos atores internacionais, particularmente aqueles focados em uma determinada área, dão à geopolítica um caráter atual, fazendo desta uma ciência que precisa sempre se renovar e estar aberta a novas perspectivas e maneiras de abordar os acontecimentos em escala global. Philippe Hugon, em sua obra Geopolítica da África, define a ciência de uma maneira simples e objetiva, atentando para a sua importância no campo das relações internacionais, e até mesmo para os atores não-estatais que fazem parte do sistema internacional: "A geopolítica, em sentido restrito, é o estudo da influência dos fatores geográficos sobre a política (na tradição de J. Ancel, Y. Lacoste e F. Ratzel). De maneira mais ampla, pode ser definida como o estudo das forças atuantes no campo da política; faz parte das relações internacionais: relações entre nações, entidades coletivas distintas que reconhecem mutuamente o seu direito à existência; e se refere a uma pluralidade de atores não estatais: coletividades territoriais, firmas multinacionais, organizações de solidariedade internacional (OSIs), igrejas, migrantes, diásporas, em interação num espaço transnacional".6 Adelar Heinsfeld ressalta as críticas e os problemas de aceitação da geopolítica como ciência. A introdução de sua obra Pensamento Geopolítico cita, também, o quanto é necessário analisar a geopolítica como uma ciência dinâmica: "A Geopolítica tradicional está condicionada ao determinismo geográfico, que tem o espaço físico como pano de fundo. Ao centrar a Geopolítica como elemento 6 HUGON, Philippe. Geopolítica da África. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009 16 fundamental nas relações externas, é necessário analisá-la em sua dinamicidade, que vai além do espaço meramente físico."7 Não se pode separar a geopolítica da geografia política. É verdade que se costuma utilizar os dois adjetivos para a mesma ciência, embora isto não seja totalmente certo. José William Vesentini nos dá uma ideia de como se pode diferenciar uma e outra: "É freqüente a confusão entre geografia política e geopolítica, que na verdade são imbricadas, se sobrepoem em grande parte, mas não se identificam totalmente. Existe uma história de cada um desses saberes que mostra suas origens, suas especificidades, embora em alguns momentos eles tenham se mesclado, se identificado."8 Vesentini completa seu argumento, separando a geopolítica da geografia política e colocando claros pontos de distinção entre esses dois saberes: “Enfim, a palavra geopolítica não é uma simples contração de geografia política, como pensam alguns, mas sim algo que diz respeito às disputas de poder no espaço mundial e que, como a noção de PODER já o diz (poder implica em dominação, via Estado ou não, em relações de assimetria enfim, que podem ser culturais, sexuais, econômicas, repressivas e/ou militares, etc.), não é exclusivo da geografia. (Embora também seja algo por ela estudado). A geografia política, dessa forma, também se ocupa da geopolítica, embora seja uma ciência (ou melhor, uma modalidade da ciência geográfica) que estuda vários outros temas ou problemas.”9 A maneira de abordar e também a de aplicar o conhecimento ligado às duas áreas são os fatores que as diferenciam, ou que podem até mesmo colocá-las em um mesmo patamar. 7 HEINSFELD, Adelar. Pensamento geopolítico: da geopolítica clássica às novas geopolíticas. Passo Fundo: Clio Livros, 2008, p. 10. 8 VESENTINI, José William. Geocrítica - Geopolítica. 9 VESENTINI, José William. Geocrítica - Geopolítica. 17 Alguns estudiosos, como Otto Maul, afirma que a geopolítica é tão somente a geografia política aplicada na prática. Como afirma Ricardo Silva (2009): "Essas diferenças estariam baseadas, principalmente, na forma de abordagem. A Geografia Política deveria ser compreendida como um conjunto sistemático de estudos restritos às relações entre o território e o Estado (posição, situação, características das fronteiras, etc.), enquanto que à Geopolítica caberia a formulação de teorias e estratégias políticas voltadas à obtenção de poder sobre determinado território." Estas diferenciações nos permitem concluir que a função da geopolítica consiste em analisar não somente os fatores geográficos, como também os seus movimentos, e seus usos possíveis na formulação de políticas que visem fins estratégicos. Esta visão é compartilhada por Shiguenoli Miyamoto, conforme Heinsfeld afirma.10 Há quem acredite, ainda nos dias de hoje, que a geopolítica não passa de uma contração de “geografia política”, não apenas no sentido semântico, mas também como ciência. Basta uma busca rápida para constatar que os preconceitos em relação à geopolítica ― por conta da apropriação desta por pessoas com ligações com o nazismo, e de sua utilização pela Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial ― permaneceram presentes no imaginário de muitos círculos acadêmicos durante vários anos. Adam Heinsfeld inclui em seu livro uma passagem dita pelo alemão Leo Waibel sobre a Geopolítica, onde este exprime todo o seu desdém pela ciência e pelos profissionais que se propõem a estudá-la: “o que eu não quero é rebaixar o meu padrão profissional ao nível de um geopolítico! Para os geógrafos alemães a palavra Geopolitik tem sabor amargo. A geopolítica é aquela pseudo-ciência que é largamente responsável pela catástrofe da Alemanha atual, e não foi sem razão que o seu principal representante, o majorgeneral Karl Haushofer, em 1945 suicidou-se na idade de 73 anos!”11 10 HEINSFELD, Adelar. Pensamento geopolítico: da geopolítica clássica às novas geopolíticas. Passo Fundo: Clio Livros, 2008, p. 20. 11 HEINSFELD, Adelar. Pensamento geopolítico: da geopolítica clássica às novas geopolíticas. Passo Fundo: Clio Livros, 2008, p. 14, apud WAIBEL, Leo. Determinismo Geográfico e Geopolítica (contribuição ao problema da mudança da capital). Boletim Geográfico, Rio de Janeiro, Ano XIX, nº 162. Na verdade, o autor comete um erro ao citar a data da morte de Haushofer, que na verdade foi 1946. 18 Esta tendência, felizmente, segue um processo de enfraquecimento, sendo que a geopolítica está “na moda” nos dias de hoje. Isto por si só poderia parecer alarmante ― notese que a procura por material acadêmico voltado a geopolítica e geografia política costuma crescer à medida que controvérsias e conflitos entre Estados vão tomando forma. Porém, o interesse pela geopolítica nos dias de hoje transpõe a barreira dos conflitos entre Estados e nações, e demonstra ser um fenômeno próprio à compreensão das relações internacionais, independente da ocorrência de conflitos ou disputas entre países. 2.1. A história da Geopolítica É muito difícil determinar, mesmo com vaga precisão, quando determinadas ciências surgem. Entretanto, se podemos afirmar que existe uma exceção, esta é a geopolítica. Segundo Everaldo Backheuser, sua “certidão de nascimento” foi escrita na obra Staten som Lifsform, de autoria do jurista sueco germanófilo Rudolf Kjellén, Professor da Universidade de Uppsala, no ano de 1916. Nesta publicação houve a utilização e a definição aproximada, pela primeira vez, da palavra geopolítica.12 Na verdade o próprio Kjellén fez uso da palavra geopolítica antes dessa data. 13 Sua publicação caiu nas graças do círculo acadêmico voltado à área da geografia, principalmente na Alemanha, onde teve inegável sucesso e importância. Posteriormente, sua teoria e a de outros geógrafos e militares foi adaptada à ideologia oficiosa do Terceiro Reich para atender às necessidades do governo nazista. A geografia política, por sua vez, já era mencionada em livros dos Séculos XVII e XVIII, ainda que não houvesse uma concepção única do termo. Os livros intitulados 12 BACKHEUSER, Everaldo. Geopolítica e Geografia Política. Revista Brasileira de Geografia: 21-38, 1942, p.22. 13 Há controvérsias quanto à data exata em que Kjellén usou o termo pela primeira vez. Houve publicações atribuídas a ele datadas de 1899, 1905, 1908 e 1916 onde houve a utilização da palavra Geopolítica. Além disso, atribui-se a Emil Reich, um historiador austríaco, a utilização do termo geopolítica em inglês em seu livro de 1904 chamado Fundações da Europa Moderna. Costumou-se considerar 1916 como a data de criação da geopolítica pelo impacto do livro Staten som lifsform nos círculos geográficos, principalmente alemães e suecos. 19 'Geografia Política' costumavam lidar com a descrição dos espaços físicos dos reinos e dos Estados. Foi Friedrich Ratzel, através de sua obra Politische Geographie quem redefiniu o conteúdo do termo, apontando para o que seria um verdadeiro estudo político da geografia, no ano de 1897. Nesta obra, Ratzel vai demonstrar que o estudo da geografia política só vai levar o ambiente em conta quando este tiver relação com a vida política. O autor apresenta a teoria de que o Estado é como um organismo, não no sentido biológico, mas no de atrelar o povo a um solo por meio de políticas territoriais. A função primordial do Estado orgânico de Ratzel era mobilizar os indivíduos para a concretização de seu objetivo: a defesa e a organização do território. Sua força “estaria intimamente ligada ao espaço, levando em conta a disponibilidade de recursos naturais, o relevo, o clima, e as relações sociais estabelecidas entre o Estado e o seu meio circulante” 14. Ratzel criou uma verdadeira paranoia em cima da falta de correspondência entre a dimensão real da Alemanha e a dimensão espacial, sendo ele o responsável pela criação da teoria do Lebensraum, assim como a do Raumsinn ― sentido de espaço. O Lebensraum é a teoria que define que deve haver equilíbrio entre os recursos e o espaço territorial, e a população. Em outros termos, era o espaço necessário para a sobrevivência de uma dada comunidade ― podendo ela ser toda uma nação. A teoria do Lebensraum é perfeitamente compatível com uma frase que define o pensamento ratzeliano: Espaço é Poder. Esta teoria foi apropriada de maneira bem-sucedida pelo governo nazista, que viu o Lebensraum como justificativa moral e teórica para a expansão na direção do Leste. Eles, os nazistas, afirmavam que a Alemanha não poderia alimentar ao seu povo com seus recursos próprios, e a expansão territorial era a única maneira de contornar o problema e garantir bem-estar ao seu povo. O conceito de Raumsinn diz respeito à aptidão de uma comunidade em infundir dinamismo à natureza e organizá-la. É interessante notar que Kjellén foi inspirado por Ratzel na concepção de seu trabalho, e os dois, além de Alexander von Humboldt e Karl Ritter, foram os fundadores da teoria alemã da Geopolitik. Faz-se necessário destacar que algumas das obras de maior destaque, tanto de geopolítica quanto de geografia política, surgiram antes do surgimento desses termos ou da ampla aceitação de uma definição dada a eles. Alfred Thayer Mahan e Halford Mackinder, 14 SILVA, Ricardo. Geografia Política ou Geopolítica?: Conheça a história e a aplicação desses conceitos. 20 por exemplo, tiveram suas obras publicadas antes do surgimento do termo “geopolítica” ― desta maneira, os dois não chegaram nem mesmo a usar a palavra geopolítica. O primeiro destes importantes teóricos foi Alfred Thayer Mahan. Mahan, foi um estrategista americano que publicou a obra The Influence of Sea Power upon History, escrito em 1890. O livro relata a importância do poder marítimo durante os séculos XVII e XVIII, destacando o papel do poder naval britânico nesses séculos ― ele discute os fatores geográficos, demográficos e políticos necessários para manter esse poder ― assim como o que é necessário para ter poder marítimo. Seu ponto é demonstrar como boa parte das guerras desde a antiguidade foram vencidas por aqueles que usaram o poder marítimo como trunfo. Esta constante poderia ser aplicada em seu tempo, devendo uma potência aspirante deter supremacia e controle efetivo da utilização dos mares em termos de comércio e também militares. Isto explicaria porquê o Reino Unido, com um território tão pequeno mas com tão vasto poderio naval, foi a grande potência do mundo até meados do Século XX. Este livro influenciou e ainda influencia muitos estrategistas navais, e suas políticas foram adotadas por grande parte das marinhas de guerra nacionais na sua época. Desafortunadamente, a adoção desses princípios ajudou a causar a corrida armamentista naval anterior à Primeira Guerra Mundial. Mahan é considerado o Evangelista do Poder Naval por Heinsfeld15, que também afirma que “o general brasileiro Carlos de Meira Mattos o considera precursor da teoria geopolítica” (HEINSFELD, Adelar. 2008). Mahan julgou que caso os Estados Unidos não participassem da corrida pela hegemonia global, seus interesses essenciais à segurança estariam ameaçados. A fraqueza marítima do país era motivada pela falta de uma política expansionista ― apesar desta constatação, Mahan dizia-se contra o imperialismo ― o que poderia levar os EUA, caso esta falta perdurasse, a sacrificar futuramente sua prosperidade. Sua teoria sobre defesa do Estado pressupunha dois elementos: um deles dizia respeito à defesa que visa esperar o ataque ― chamada de defesa passiva ― e a defesa que visa atacar seu inimigo de maneira a assegurar a impossibilidade de ser atacado, que pode ser chamada de defesa ativa. As teorias de Mahan foram de grande importância para a elaboração de políticas no decorrer dos anos. Isso se deu com a chegada de Theodore Roosevelt à Casa Branca. A política do Big Stick em especial foi inspirada pela percepção de que os EUA deveriam atuar na sua vizinhança de acordo com a doutrina Monroe. A construção do Canal 15 HEINSFELD, Adelar. Pensamento geopolítico: da geopolítica clássica às novas geopolíticas. Passo Fundo: Clio Livros, 2008, p. 32. 21 do Panamá também pode ser vista como uma das consequências do pensamento de Mahan, pois esta obra permitiu um encurtamento no tempo de viagem entre o Pacífico e o Atlântico. O segundo importante teórico citado anteriormente é o Sir Halford John Mackinder. Mackinder era um respeitado geógrafo britânico, e suas teorias o põem em lugar de destaque entre os grandes pensadores da geopolítica ― pode-se afirmar, até mesmo, que Mackinder é até hoje o maior expoente da geopolítica que o mundo já conheceu. Nascido em uma pequena cidade do leste da Inglaterra em 1861, Mackinder inicialmente estudou ciências naturais, e posteriormente decidiu mudar seu foco para o estudo da história. Suas primeiras publicações foram em fins do Século XIX. A obra-prima de Mackinder, no entanto, foi conhecida somente em 1904. Durante a conferência na Royal Geographical Society de Londres Mackinder submeteu um artigo chamado The Geographical Pivot of History. Este artigo pode ter sido proposto pelo autor como resposta à teoria do poder marítimo de Mahan, e formulou-se assim uma teoria do poder terrestre. Sua mais importante teoria presente no artigo foi a da Heartland, termo que pode ser traduzido como “coração terrestre”. A supremacia do poder terrestre poderia ser explicada pela possibilidade de rápida locomoção em terra, ao contrário da locomoção marítima, que é mais lenta. Mackinder havia observado muitos aspectos geográficos, políticos e históricos da massa continental euro-asiática. Segundo ele, a chave para o poder global estaria no centro desta massa continental, em uma região que se expande desde antes da fronteira entre Europa Oriental e Ásia nos Urais até o Sul da Ásia Central, passando por quase toda a Sibéria, a Bacia do Tarim, o Cáucaso, e a Mongólia. Por toda a abundância de recursos naturais que a Heartland possuía, quem controlasse esta enorme área teria a possibilidade de controlar o que Mackinder chamou de Ilha Mundial ― composta pelas massas continentais até então contíguas de Europa, Ásia e África ― e assim, dominaria o mundo. Sua análise o levou a afirmar que somente dois países, naquela altura, estariam em condições de controlar a Heartland: Alemanha e Rússia. No entanto, nenhuma delas estaria preparada para exercer esse domínio sozinha, e seria necessária uma parceria ou a dominação completa de uma sobre a outra para isso acontecer. O medo de que isto se concretizasse motivou alguns políticos responsáveis pela criação do Tratado de Versailles a apoiar a independência de países entre a Alemanha e a Rússia, entre os quais estão a Polônia. Suas ideias foram entusiasticamente adaptadas pelos nazistas e também pelos comunistas soviéticos durante os próximos anos. 22 O grande responsável pelo confisco das ideias de Mackinder pela Alemanha foi o general Karl Haushofer. Este pensador não é considerado, de maneira geral, como um dos teóricos clássicos da geopolítica. Suas contribuições são posteriores às dos pensadores previamente citados, e muito do que ele fez foi esquecido e sepultado com a derrota da Alemanha Nazista. Haushofer foi o homem que apresentou a geopolítica a Adolf Hitler, conforme exposto por Heinsfeld16. A teoria do Lebensraum, considerando o momento de humilhação imposta à Alemanha por conta das disposições do Tratado de Versailles, foi considerada pelos dois mais importante e atual do que nunca. Haushofer, entretanto, não era um ávido nazista. Na verdade, sua lealdade era para com o exército, e sua participação no partido nazista seria um contrassenso, visto que sua mulher era judia. Haushofer foi fundamental na construção do Pacto Ribbentrop-Molotov, uma clara e assustadora resposta às teorias de Mackinder sobre a Heartland e a necessidade de haver uma parceria teuto-russa para o domínio efetivo da área. O rompimento da URSS e da Alemanha em 1941 foi previsto por ele como o começo da derrota alemã, visto que em seu modo de ver, o inimigo principal era o Reino Unido, e a impossibilidade de lutar em duas frentes debilitaria os esforços de guerra dos nazistas. Ele passou o restante da sua vida, após o fim da Segunda Guerra Mundial, empenhado em se distanciar do nazismo e das atrocidades cometidas por estes. Afirmou que sua proposta tinha um caráter meramente científico, e sua teoria foi apropriada indevidamente pelos nazistas. Julgado pelo Tribunal de Nuremberg, não chegou a ser preso, e depois de ter sua licença para lecionar cassada, suicidou-se em 1946. Nicholas Spykman, um professor universitário nos Estados Unidos nascido na Holanda, foi outro pensador importante para a geopolítica. O período em que os EUA decidiam que postura sua política externa tomaria foi o mesmo em que Spykman definiu seu pensamento geopolítico. Ele era realista, pois via a necessidade de proteger o país dos efeitos do sistema internacional essencialmente anárquico e belicoso, e por isso mesmo se tornou adepto da teoria do intervencionismo. Sua concepção de poder em geopolítica era a de que este significava a aptidão de um determinado Estado em impor sua vontade a Estados terceiros, e sua visão ajudou a estabelecer as diretrizes básicas da política de segurança nacional para a América. Spykman argumentava que tanto o poder terrestre quanto o marítimo eram importantes, e o verdadeiro potencial da Eurásia, em seu modo de ver, estaria 16 HEINSFELD, Adelar. Pensamento geopolítico: da geopolítica clássica às novas geopolíticas. Passo Fundo: Clio Livros, 2008, p. 48. 23 no “Crescente Interior”, uma região que incluía as áreas costeiras da Heartland de Mackinder, incluindo aí a Península Arábica e outras regiões, como partes da África e do subcontinente Indiano. A teoria que defendia a importância do Crescente Interior e dos mares destas regiões foi chamada de Rimland, e o controle sobre esta daria a quem o conseguisse a hegemonia mundial. Na Figura 1 um mapa com as principais áreas que entram nos conceitos formulados por Mackinder. Figura 1 ― Mapa do mundo com as áreas definidas como vitais para Mackinder. Fonte: Wikimedia Foundation: Wikipedia. http://en.wikipedia.org/wiki/ Um pensador importante para a geopolítica frequentemente esquecido ou negligenciado é o russo-americano Aleksander Seversky. Ele refugiou-se na América após o Golpe de Estado na Rússia em 1917, e lá se formou em engenharia aeronáutica. Seversky foi piloto durante a Primeira Guerra, e era considerado um dos mais eficientes da Força Aérea Imperial Russa. Nos Estados Unidos, ele fundou uma empresa de construção de aviões. Ele formulou uma teoria em contrapartida às de Mahan e Mackinder, a de que o poder aéreo estratégico de longo alcance ― transoceânico e transcontinental ― seria um instrumento de poder geopolítico no Século XX, da mesma forma que o marítimo fora no século anterior. Suas teorias não puderam ser confirmadas em sua totalidade. No entanto, há diversos resíduos 24 ― senão grandes indícios ― de que o poder aéreo é de fato um fator determinante para o poder dos Estados no mundo de hoje. As constantes inovações tecnológicas na aviação militar, além da importância dada atualmente às operações de guerra aéreas mostram que as teorias de Seversky possuíam fundamentos. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a nova configuração de poder global, a geopolítica foi obrigada a se renovar, mas manteve o respeito aos ensinamentos e princípios básicos delineados pelos clássicos. A verdade é que a ciência passou por uma fase de esquecimento e associação com o imperialismo e o expansionismo alemão. A associação da geopolítica com a Alemanha Nazista fez com que muitos acreditassem que a geopolítica poderia servir apenas aos interesses de regimes totalitários, sem respeito aos princípios morais, levando ao extremo a prática da Realpolitik. Entretanto, mesmo que a ciência tenha caído no esquecimento no meio acadêmico, os Estados nacionais passaram a utilizar seus princípios básicos. O realinhamento das nações ao fim da guerra e acontecimentos históricos, tais quais a descolonização da África e da Ásia e o surgimento de novos Estados como consequência disto, a nuclearização das principais potências mundiais, as guerras travadas entre os dois grandes grupos ideológicos através de seus aliados e outros, foram fatores importantes na promoção de mudanças na ciência. A geopolítica passou a considerar as divergências não somente entre Estados, mas também entre Estados, populações e organizações. O novo fenômeno de organizações internacionais de várias áreas de atuação é outra variável que recentemente veio a fazer parte da pauta de discussão geopolítica. Desta forma, mais do que nunca, ela deixou de ser uma ciência exclusivamente geográfica para considerar todos os aspectos econômicos, ambientais, culturais e históricos. Os novos geopolíticos, como Kenichi Ohmae, Edward Luttwak, Zbigniew Brzeziński, Samuel Huntington, se dedicaram ao estudo de estas e outras variáveis. Atualmente, como disposto anteriormente, a ciência vem conquistando novos espaços e recuperando muito de sua reputação positiva. A geopolítica pode ser vista não mais como um instrumento imperialista de dominação de Estados fracos pelos mais poderosos, mas sim como um canal legítimo de ligação entre a compreensão das ações dos Estados e sua situação demográfica, econômica, ambiental, entre outros. E com todas as incertezas que existem no sistema internacional em vigor atualmente, certamente esta ciência continuará em franca expansão pelos próximos anos. 25 2.2. Escolas de pensamento geopolítico Os pensadores americanos, britânicos e alemães expostos nas seções anteriores constituem as escolas de pensamento anglo-americana e alemã. Estas são sem sobra de dúvidas as duas principais tradições de pensamento geopolítico. Entretanto, não somente estas são relevantes para a geopolítica. Teóricos de outros países também são relevantes para a compreensão da ciência, e essa diversificação das origens dos que a analisam nos mostra as diferentes visões da geopolítica aos olhos de diferentes culturas. As escolas que serão aqui destacadas com mais ênfase são a escola francesa e a escola russa. A concepção francesa de geopolítica é essencialmente contrária à alemã, pois os franceses acreditam que a geopolítica não deve ser vista de maneira estática ou fixa, presa a um determinado território. Camille Vallaux em seu livro Geografia social: O solo e o Estado faz uma análise completa e sistemática da obra de Ratzel. Vallaux foi inspirado por outro geógrafo francês chamado Vidal de la Blache, a quem é atribuída a teoria de genre de vie. Vallaux procurou deixar claro que sua obra procurava diferenciar-se de Ratzel. Ele afirma que a aproximação das ciências da natureza com as ciências sociais produziu visões equivocadas em alguns casos, mas que, de qualquer maneira, contribuiu para o papel do meio nas teorias do Estado17. Vallaux questiona sobre de que modo o solo pode influenciar o desenvolvimento das sociedades e dos Estados. Sua conclusão é a de que a formação dos Estados passa “necessariamente pela definição da soberania de um povo sobre uma porção determinada do solo, definindo aí um território, ou seja, um espaço de domínio político”18. Desta maneira, para ele, um Estado pode ser considerado uma forma essencialmente geográfica da vida social. Vallaux inova quando afirma que o desenvolvimento econômico precede o desenvolvimento político. Seu principal ponto de discordância com Ratzel diz respeito ao conceito de espaço, pois o francês parte de uma ideia de espaço concreto, e portanto discorda das teorias de Ratzel sobre espaço abstrato. Também em relação à ideia ratzeliana de que “espaço é poder” há discordâncias. Para Vallaux, o espaço só é poder para aqueles que de fato 17 COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica: Discursos sobre o Território e o Poder. São Paulo: Hucitec, Edusp, 1992, p. 42. 18 COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica: Discursos sobre o Território e o Poder. São Paulo: Hucitec, Edusp, 1992, p. 45. 26 podem exercê-lo, sendo que para um cidadão comum este conceito não teria qualquer validade ― em termos de dominação política, ao menos. Em uma de suas críticas a Ratzel, Vallaux afirma que ele sacrificou a ciência no altar da pátria alemã, deixando seu viés germanista falar mais alto que a razão. Wanderley Messias da Costa analisa a importância do francês para a geopolítica: “Sua importância, como procuramos assinalar, decorre principalmente de suas posições avançadas para aquele momento da geografia em geral, em especial o seu rigor metodológico e o inegável esforço de procurar situar o objeto da geografia política no campo de debate teórico das ciências sociais de seu tempo, entendendo-a como interdisciplinar desde logo.”19 Outro pensador relevante é Yves Lacoste. Este geógrafo propõe-se a analisar a face política da geografia, e suas contribuições para a ciência provocaram discussões sobre a ciência como ela é concebida na França. Uma de suas obras mais famosas possui um título um tanto emblemático: La géographie, ça sert, d'abord, à faire la guerre, que pode ser traduzido em português como “A geografia - isso serve, a princípio, para fazer a guerra”. Lacoste era comunista declarado, e apesar disto, era vocalmente contrário à incorporação do marxismo à compreensão da geografia. Isso poderia causar falhas na compreensão e na explicação de certos fenômenos essencialmente geográficos seguindo as teorias de Marx, pois o alemão não se preocupou em estudar os fenômenos ligados ao espaço. De qualquer maneira, sua visão de mundo estava bastante associada à sua ideologia, por conta das críticas ao capitalismo e às ações de Estados ocidentais durante a Guerra Fria ― particularmente os Estados Unidos. Contribuições de outros pensadores famosos com origem na França podem incluir também Montesquieu. Ele afirma que as condições climáticas interferem na sociedade e até mesmo nos indivíduos. Sua visão era a de que climas mais quentes influenciariam na personalidade da sociedade, fazendo a maior parte de seus indivíduos serem temperamentais. Por outro lado, climas mais frios ajudariam a criar indivíduos emocionalmente mais distantes, e alheios à política. Em sua visão, portanto, a França seria o lugar ideal para o florescimento de uma sociedade com suficiente engajamento político e seria lá que o sistema político ideal surgiria. Elisée Reclue, considerado o pai da geopolítica francesa, considerava a geografia uma ciência que não poderia ser vista de maneira estática, e a via de acordo com uma 19 COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica: Discursos sobre o Território e o Poder. São Paulo: Hucitec, Edusp, 1992, p. 53. 27 perspectiva global. Braudel analisou a relação interdependente entre o meio e o indivíduo. Sua visão foi composta com base em diferentes ciências sociais, e sua visão de longue durée ― para a qual os eventos históricos de longa duração influenciam o presente muito mais do que eventos recentes ― certamente o influenciaram na sua concepção da geopolítica. Aymeric Chauprade, um dos mais recentes acadêmicos com interesse na geopolítica, advoga o retorno da França às teorias realistas das relações internacionais. Ele foi influenciado por François Thual. Ele compartilha a visão de que a Europa deve permanecer nacional dentro de suas próprias fronteiras ― excluindo a Turquia, com pequeno território na Europa, mas com cultura diametralmente oposta à da Europa. A escola de pensamento geopolítico da Rússia, por sua vez, é ligada às teorias sobre o eurasianismo, e sua oposição ao atlanticismo anglo-americano. A tese do eurasianismo prega, antes de mais nada, que a Rússia não faz parte da civilização europeia, por conta das grandes diferenças culturais, e da percepção de que a cultura europeia é mais progressista e liberal do que a daquele país. O momento histórico em que o eurasianismo surge é o início do Século XX, quando a Revolução Russa ganha seus contornos, e quando ela ocorre, a ideia passa a ser adaptada ao socialismo soviético. Os principais defensores do eurasianismo passaram a defender o novo regime, argumentando que ele seria suficiente para afastar a Rússia da esfera de influência da Europa e do Ocidente, e também se demonstraram contrários aos grupos anti-bolchevique. No entanto, a comunidade de migrantes russos para outros países ― em sua maioria alvos do governo soviético, como nobres e pequenos burgueses ― também abraçou o eurasianismo como corrente de pensamento geopolítico. Algumas figuras importantes para a geopolítica russa são Nikolai Trubetzkoy, Dmitriy Mirsky, Konstantin Chkheidze, Nikolai Berdyaev, Lev Gumilev e especialmente Alexander Dugin. Dugin teve um papel importante em termos de geopolítica na Rússia. Ele ajudou a reviver o eurasianismo no país depois de um período de cerca de 40 anos de esquecimento. A publicação de sua obra The Foundations of Geopolitics: The Geopolitical Future of Russia no ano de 1997 trouxe à tona o tema geopolítica no país e nos círculos acadêmicos. Seu tom agressivo e ofensivo a certos países vizinhos à Rússia deixou muitos estadistas preocupados com o que poderia ser feito com as teorias de Dugin. O autor defende declaradamente a ideia de que a Rússia deve ser forte novamente ― aqui propõe-se retomar o conceito de Grande Rússia, um ideal irredentista, que tem como objetivo anexar novamente os territórios que 28 eram parte tanto da União Soviética quanto do Império Russo sob uma liderança russa forte e centralizada ― além de uma confrontação mais aberta com os Estados Unidos e o Ocidente, bem como a rejeição total dos valores liberais do ocidente. 29 3 HISTÓRIA DA POLÔNIA A Polônia é um país com rica história, frequentemente associada à luta pela sobrevivência de um Estado independente polonês e, em determinados momentos, associada à sua necessidade de expansão territorial. Sua localização entre dois Estados tão poderosos ― nomeadamente a Alemanha e a Rússia ― sempre foi um fator complicador, colocando a segurança da Polônia e de seus aliados em risco permanente. “A Polônia é um grande Estado cercado de Estados ainda maiores e que possuem uma grande força ofensiva devida ao despotismo e à disciplina militar”20 Figura 2 ― Representação satírica da localização da Polônia entre dois Estados poderosos e das constantes lutas entre estes. Fonte: Poland ball. http://www.facebook.com/polandball/ 20 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Considerações sobre o Governo da Polônia e sua reforma projetada. São Paulo: Brasiliense, 1982. 30 A Polônia pode ser vista como um divisor de mundos, estando situada no limite entre o mundo europeu ocidental e o mundo eslavo ortodoxo, que, apesar das diversas semelhanças, sempre possuíram diferenças quase irreconciliáveis. As constantes mudanças de fronteiras fizeram com que o país também estivesse em contato com outros mundos, como o do Império Otomano, o da Áustria católica, o da Suécia protestante, para citar alguns exemplos. A vocação do povo polonês para a democracia e para a tolerância religiosa 21, além da convivência pacífica de um grande número de etnias diferentes contrastam com a presença de monarquias absolutistas e autocráticas ao seu redor, não sendo raros os casos de perseguição de pessoas por motivos religiosos ou étnicos nesses países. Cercada por países protestantes ou ortodoxos, a Polônia é um dos bastiões do catolicismo na Europa até os dias de hoje, e a fé católica era um dos instrumentos que mantinham a sociedade polonesa unida. Mais do que 90% dos poloneses são católico nos dias atuais22. Os princípios democráticos do povo polonês também são fator de destaque, e sempre deixaram temerosos muitos outros monarcas europeus. A Constituição de 3 de Maio de 1791, por exemplo, foi considerada um marco democrático para a Europa naquela época, embora tenha sido vista como uma ameaça aos três Estados limítrofes ― Áustria, Prússia e Rússia. Costuma-se dizer que esta constituição foi a primeira lei orgânica escrita da Europa e a segunda do mundo, atrás apenas da Constituição dos Estados Unidos da América23. A história da Polônia costuma ser dividida, a princípio, de acordo com as dinastias que a reinaram ― Piast e Jagiełło ― ou com acontecimentos marcantes posteriormente ― a União com a Lituânia, as Partições do país, a reconquista da independência, as duas Guerras Mundiais, a Guerra Fria, e a reconquista da soberania. Esta divisão será utilizada nesse trabalho, a fim de que possa haver uma melhor compreensão de como os poloneses veem a 21 Diz-se que a Polônia e o povo polonês têm vocação para a democracia por todo o histórico do país em relação à tolerância religiosa e em relação a minorias étnicas, conforme exposto neste capítulo. As teorias que pregam que a Polônia representou o primeiro e o mais avançado exemplar de democracia na Europa encontramse entre as ideias de Iwo Cyprian Pogonowski. POGONOWSKI, Iwo Cyprian. The First Democracy in Modern Europe: Million Free Citizens Lived in Poland in 1600. New York: Hippocrene Books, Inc. 2010. 22 CZUBIŃSKI, Antoni. Historia Polski XX wieku. Poznań: Wydawnictwo Poznańskie, 2003. ISBN 837177-201-7. 23 GRODZISKI, Stanisław; KOZŁOWSKI, Eligiusz. Polska zniewolona. Warszawa: Seria Dzieje Narodu i Państwa Polskiego, Krajowa Agencja Wydawnicza RSW Prasa-Książka-Ruch, 1987. ISBN 83-0301912-3 31 história de seu próprio país e do mundo. Antes, porém, uma análise da formação da Polônia como nação, e da chegada dos povos eslavos à Europa Central será necessária. 3.1. A formação da Polônia como Estado nacional O que hoje é a Europa Central, mais precisamente os territórios que fazem parte da III República da Polônia, foram ocupados por etnias diversas ao longo da Idade Antiga. Tribos de origens celtas, germânicas e bálticas ocupavam estes territórios com os eslavos. Os eslavos, ao que tudo indica, são originários da Europa Central e sua ocupação da região ocorreu no Século V d.C. Os eslavos têm como seu Urheimat a região do rio Dnipro, entre a Polônia e a Ucrânia, região onde acredita-se que os pré-proto-Eslavos tenham vivido desde o Século VII a.C. O momento do surgimento dos povos eslavos coincide com o momento histórico do declínio do poder romano, declínio este que contribuiu para que os germânicos do Leste migrassem para o Ocidente. Isso significa dizer que o povoamento das terras polonesas não envolveu grandes guerras ou resistência dos antigos moradores, pois muitos destes já haviam deixado aquele local. Os que restaram, em vez de resistir à chegada de novos grupos, se misturavam com os novos moradores, e isto pode explicar os indícios deixados de culturas que reuniam aspectos tanto célticos quanto eslavos. Foi a partir desta mistura e da recepção razoavelmente pacífica que surgiu o povo polonês. O nome da Polônia vem de polane, derivado do termo “campo”, ou “plano”, sendo esta uma das tribos que ajudaram a construir a nação polonesa ― além dos polanos, haviam masóvios, mazúrios, silésios, e vistulanos habitando o território polonês. O primeiro príncipe do país, Mieszko I, sobre quem será tratado posteriormente, era da tribo dos polanos. O nome é uma referência às terras da Grande Polônia, que, em geral, possuem baixas atitudes. Sua chegada às terras polonesas se deu juntamente à dos outros povos eslavos, em meados do Século V d.C24. A distribuição dos povos ancestrais dos poloneses na Europa Central no Século IX era aproximadamente como exposto na Figura 3. 24 KURNATOWSKA, Zofia. Początki Polski. Poznań: Poznańskie Towarzystwo Przyjaciół Nauk, 2000. 32 Figura 3 ― Mapa das terras da Europa Central por volta do Século IX d.C. com a divisão por tribos e etnias Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ Por volta do Século VIII, os povos eslavos ocidentais já haviam formado entidades políticas semelhantes às dos Estados daquela época. Muito pouco se sabe sobre a forma de organização política destes povos, e somente fontes não-científicas atestam a existência de príncipes e reis que comandavam determinados povos. Esta é uma tendência de outras localidades não apenas nas atuais terras polonesas, mas também no restante da Europa, onde a tradição oral baseada nos contos e nos mitos é um dos canais de aquisição de informação sobre o passado remoto. O que se pode deduzir é que todos estes povos se organizavam em principados e reinos, em Estados pequenos e fortificados. Posteriormente estes se reuniam em Estados maiores, como foi o caso da Polônia. 33 Mieszko I, o primeiro governante de um Estado polonês independente, é considerado o criador do Estado Polonês. Ele era da tribo pagã dos polanos, como citado anteriormente. Esta etnia se estabeleceu na região da Grande Polônia, onde fundaram cidades como Gniezno, Poznań e Giecz. Mieszko I era um político hábil, muito respeitado por seu povo e bastante carismático. Antes mesmo de sua cristianização, isto é, sua conversão ao Cristianismo, suas terras estavam em expansão. Isso se devia ao fato de todos os povos ao redor de seu principado falarem idiomas similares, quando não um único idioma, além de compartilharem elementos comuns da fé pagã eslava. No ano de 966, em meados do mês de Abril, Mieszko I converteu-se ao catolicismo, em um ato que é tido até os dias de hoje como o surgimento do Estado Polonês. Esta conversão surgiu em um momento em que o duque Mieszko procurava uma aliança com os tchecos, assim se distanciando dos germânicos. Sua esposa Dobrawa era tcheca, e muito se deve a ela pela conversão de seu marido e a subsequente conversão de todo o povo polonês. A conversão não se deu pelo uso da força militar, como em outras regiões do continente ― pode-se citar a conversão dos povos Bálticos ao cristianismo, processo muito mais longo e sangrento ― embora certa desconfiança quanto à nova fé tenha surgido, e uma pequena parcela dos habitantes se opôs à conversão. O duque promoveu a construção de igrejas e de órgãos eclesiásticos encarregados de converter o povo ao catolicismo. Esta política foi continuada pelos seus sucessores, o que ajudou ainda mais a firmar a Polônia no cenário político europeu daquela época. Mieszko demonstrou muita habilidade ao converter a si e a seu povo ao Cristianismo. Ao mesmo tempo que este ato o fortaleceu no poder, criando o elemento centralidade na governança de suas terras, o surgimento da fé como um elemento comum a todos os povos que compartilhavam a mesma língua e as mesmas origens os colocava em igualdade, com um senso de pertencer a uma comunidade maior. A conversão ajudou a substituir os diversos cultos diferentes entre si ― ainda que com origens comuns ― por uma fé una e identificada com sua corte. Isto também ajudou a criar nos outros países da Europa daquele momento histórico um respeito pela Polônia, impossibilitando a ocorrência de guerras para promover a cristianização forçada do povo polonês ― conforme dito anteriormente, este foi o caso de outras regiões do continente. A união da Polônia com a Igreja Católica também foi uma via de mão dupla, onde tanto poloneses quanto os clérigos do Vaticano saíam ganhando. Para a Igreja era importante ter mais povos sob sua esfera de influência, ao mesmo tempo que muitos bispos recebiam títulos honorários do recém-estabelecido governo polonês. O batismo ajudou 34 a levar à Polônia a cultura latina ocidental, sendo que os membros da corte de Mieszko aprenderam Latim, facilitando sua tarefa de serem consultores do duque. Por fim, as estruturas de poder anteriores à Cristianização foram sendo sufocadas e substituídas pelo governo centralizado e forte do duque Mieszko I. Ao final de seu governo, em 992, suas terras eram cerca de duas vezes mais extensas do que ele havia herdado de seu pai. A Polônia havia expandido suas fronteiras em todas as direções, possuindo um território bastante similar ao dos dias de hoje, conforme exposto na Figura 4. Ao olhar o mapa pode-se ver a grande expansão territorial promovida por Mieszko. O território da Grande Polônia, o berço de sua tribo e local de onde a expansão começou, assim como outros territórios que antes de seu batismo haviam sido conquistados por ele, como a Pequena Polônia e a Mazóvia, estão marcados pela cor rosa em seu tom mais escuro. Suas aquisições posteriores, o que inclui a Silésia, a Pomerânia, as terras cracovienses, partes da Morávia, da Lusácia, da Cuiávia e da Galícia estão grifadas com os tons mais claros de rosa. As divisas da Polônia também estão destacadas no mapa. Pode-se ver a presença dos povos germânicos a Oeste, bem como outros povos eslavos ocidentais, como os lusácios. As divisas ao Sul eram com a Boêmia, a Morávia, e a Eslováquia. Havia também uma pequena divisa com a Hungria. A Leste, a divisa com o Principado de Kyiv, primeiro Estado russo da história, precursor também dos Estados e das nações ucraniana e bielorrussa, além dos próprios russos. Ao norte a Polônia tinha divisa com os povos bálticos, que não haviam sido cristianizados. 35 Figura 4 ― Mapa da Polônia entre 966 e 992, ou seja, durante o governo do Duque Mieszko I, o primeiro governante de um Estado polonês independente. Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ 3.2. As primeiras dinastias: Piast e Jagiełło Após os esforços levados a cabo por Mieszko I que culminaram com a unificação da Polônia, seu filho Bolesław, conhecido nos dias de hoje como Bolesław Chrobry ― sendo que Chrobry significa “Bravo” ― assumiu o título de Duque da Polônia, sendo ele também da 36 dinastia dos Piast. Bolesław não só era um homem tão hábil e tão respeitado quanto seu pai como também estendeu o território que herdara do mesmo. Suas conquistas incluem as terras da Morávia, da Eslováquia, da Lusácia, e até mesmo da Boêmia25. As conquistas da Polônia sob sua liderança podem ser vistas no mapa da Figura 5. Figura 5 ― Mapa da Polônia entre 992 e 1025, ou seja, durante o governo do Duque Bolesław Chrobry, posteriormente chamado de Rei Bolesław I da Polônia. Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ 25 1978. WYROZUMSKI, Jerzy. Historia Polski do 1505 roku. Warszawa: Wydawnictwo Naukowe PWN, 37 As relações internacionais da Polônia no reinado de Bolesław não foram tão tranquilas quanto na época de seu pai. A necessidade do país de consolidar fronteiras e até mesmo agregar novos territórios foram fatores complicadores disso. A Polônia teve que enfrentar uma guerra contra o Império Romano-Germânico entre 1002 e 1018, da qual sagrou-se vencedora. Este não foi o primeiro confronto entre um Estado alemão e um Estado polonês organizado, pois houve uma tentativa de invasão da Polônia pelos alemães no ano de 979, na qual a Polônia também venceu. No entanto, foi este o conflito mais longo do país até então, e a conclusão da guerra foi em termos amplamente favoráveis ao Reino da Polônia. No outro extremo do país, a Polônia também travou guerras contra o Principado de Kyiv. A primeira delas foi em 1018, quando Bolesław interferiu na crise de sucessão do Principado, favorecendo o marido de uma de suas filhas, Svyatopolk. Apesar de sair vencedor, já que a Polônia era um Estado muito maior e mais organizado que o Principado, sua saída prematura de Kyiv provou ser um erro. O oponente de Svyatopolk logo foi derrotado, e o novo príncipe, Yaroslav, atacou a Polônia em 1022. Neste conflito a Polônia prevaleceu sobre os russos mais uma vez. Bolesław I morreu em 1025, poucas semanas depois de ser coroado Rex Poloniae, ou Rei da Polônia, deixando para trás um legado muito positivo para seu país, pois a Polônia havia ganho o respeito de todos os vizinhos e das outras nações europeias como um importante ator no jogo europeu de nações da época. A morte de Bolesław trouxe ao trono seu filho, Mieszko II. Seu reinado foi muito mais complicado que o de seus antecessores. Mieszko II sofreu com a emergência de uma revolta pagã instigada por forças externas e por seu irmão Bezprym. Apesar disso, algumas de suas políticas foram bem-sucedidas. Ele invadiu duas vezes a Saxônia germânica, causando devastação e anexando estes territórios à Polônia. No entanto, a resposta dos alemães veio pouco tempo depois, com a retomada destes territórios e tratados de paz desfavoráveis à Polônia. Ao mesmo tempo, o Principado de Kyiv apoiava o seu irmão Bezprym, e em 1031 o país foi invadido e Mieszko II foi retirado do poder em favor de seu irmão Bezprym. A crueldade do último causou seu assassinato não mais que um ano depois, e logo, com muita habilidade e destreza, Mieszko II retornou à condição de Rei da Polônia. Sua morte em 1034 deixou o país em uma grave crise, e seu filho Kazimierz I teve de contorná-la. Kazimierz não assumiu o trono imediatamente após a morte do pai, visto que havia problemas internos que o impediam de assumir a coroa polonesa. Foi somente por conta de 38 muita diplomacia e de suas sucessivas vitórias militares contra os boêmios que a Polônia voltou a ter estabilidade política. Seu filho Bolesław II assumiu o trono e o manteve entre 1058 e 1079, após a morte de Kazimierz. Bolesław foi um dos monarcas poloneses mais hábeis, e também um dos mais intervencionistas. A posição de estabilidade na qual se encontrava a Polônia assim que ele assumiu o trono o fez ter como principal foco a política externa, tendo como um dos principais objetivos ter apenas Estados amigáveis nas suas fronteiras. Ele promoveu guerras contra os russos, os boêmios, os pomeranos, e também contra a Hungria, onde ajudou a colocar no poder um aliado seu, Béla I. Seus conflitos constantes com a nobreza e até mesmo com o clero causaram sua deposição em 1079. Quem assume o trono, então, é seu irmão Władysław. Seu reinado é lembrado por ser o momento histórico onde muitos judeus chegaram à Polônia, e foram positivamente recebidos e permitidos a ficar. A promulgação de um estatuto, conhecido como o Estatuto Polonês, garantia liberdades importantes aos judeus, e permaneceu em vigor até a terceira partição do país, em 1795. O sucessor de Władysław é Bolesław III que, apesar dos notáveis sucessos militares, contando aí vitórias contra o Império Romano-Germânico e a conquista da Pomerânia, cometeu graves erros políticos. O mais notável deles foi a divisão do país entre seus quatro filhos, o que causou uma fragmentação que durou mais de dois séculos. Sua intenção original era manter a estabilidade interna e evitar guerras entre os irmãos. Isto não apenas não foi evitado como de fato ocorreu, com sucessivas guerras entre os principados divididos e perdas territoriais de todos os lados. As invasões e as constantes guerras contra os alemães e os russos causaram estas perdas, sendo que a Polônia teve seu território muito reduzido se comparado ao de Bolesław II26. Após muitos anos de divisão, a Polônia foi novamente governada por um Rei, que foi Przemysł II. Seu pai era Przemysł I, Grão-Duque da Grande Polônia. Por conta de suas negociações, Przemysł II se tornou o Duque mais poderoso entre os duques dos Estados poloneses e foi um dos grandes responsáveis pela reunificação do país em 1295. Seu reinado durou pouco, pois foi assassinado em 1296 por um grupo de germânicos alegadamente instigados por nobres poloneses temerosos do fortalecimento do poder real. A tentativa, no entanto, provou ser bem-sucedida, pois o Reino permaneceu unificado pelos próximos 500 26 1978. WYROZUMSKI, Jerzy. Historia Polski do 1505 roku. Warszawa: Wydawnictwo Naukowe PWN, 39 anos. A consolidação da Polônia unificada foi alcançada por Władysław I 27. Este monarca conseguiu vencer importantes conflitos contra opositores e legitimou a sua conquista do trono. Ainda assim, o país vivia sérios problemas econômicos e de reconhecimento internacional da legitimidade de seu governo. Seu filho Kazimierz III, o Grande, foi o monarca que conseguiu reverter estes problemas e fazer da Polônia um país forte e respeitado internacionalmente. Os domínios do país ao final de sua vida, em 1370, eram ainda maiores do que os dos primeiros reis, ainda que grandes partes do território anteriormente governado pelos poloneses tenham sido perdidos. Na Figura 6 podemos ver um mapa que mostra a Polônia entre 1333 e 1370, período em que Kazimierz III reinou o país. As guerras contra os russos acabaram em vitórias decisivas para a Polônia e fizeram o país dobrar de tamanho em termos territoriais. 27 Note que Władysław é o nome de outro Rei da Polônia citado anteriormente, conhecido como Władysław Herman. No entanto, a historiografia polonesa conta, para efeitos de numeração e sucessão hereditária, Władysław Łokietek como Władysław I. 40 Figura 6 ― Mapa da Polônia durante o reinado de Kazimierz III, o Grande, de 1333 a 1370. Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ Desafortunadamente, Kazimierz III não produziu um herdeiro legítimo para assumir o trono polonês ― apesar de ter sido pai de um ou mais homens, o mais conhecido deles era chamado de Niemierz, de Stopnica. O trono da Polônia, então, foi passado ao Rei Luis I da Hungria, parente de Kazimierz, formando assim uma união pessoal entre a Polônia e a Hungria. Sua morte em 1382 causou a coroação de sua filha Jadwiga como rainha da Polônia 41 em 138328. Jadwiga possuía parentescos com as casas reais da Bósnia e da França, além de sua nativa Hungria e da própria Polônia. Jadwiga foi uma das mais importantes figuras de seu tempo para a Polônia, pois foi figura chave na transição da dinastia Piast para a dinastia dos Jagiełło, de origem lituana. Seu casamento com Jogaila da Lituânia, quando ela ainda tinha doze anos de idade, promoveu uma união pessoal entre a Coroa Polonesa e o Grão-Ducado da Lituânia, transformando a Polônia no maior país da Europa, à frente até mesmo da Rússia. O casamento ainda ajudou no processo de Cristianização da Lituânia, o último país da Europa a aceitar o Cristianismo como sua religião. O acordo entre a nobreza da Polônia e Jogaila, agora chamado também de Władysław II, ficou conhecido como a União de Krewo 29. A Figura 7 mostra como ficou o território do Reino após a união pessoal entre as coroas dos dois países. Jadwiga morreu em 1399 após complicações no parto, o que deixou a posição de Jogaila e sua legitimidade como Rei deveras delicada. Ainda assim, o Rei conseguiu manter o trono e o país unido, criando as fundações necessárias para uma aliança de muitos séculos entre Polônia e Lituânia. Seu reinado ficou marcado pela famosa Guerra Teuto-Polonesa entre 1409 e 1411, que acabou com vitória decisiva da Polônia, e ajudou a conter o poder dos teutônicos por muito tempo, mudando a balança de poder em favor do Reino da Polônia na Europa Central. A Batalha de Grunwald, uma das maiores da Idade Média, ainda é um episódio lembrado com orgulho pelos poloneses e pelos lituanos. A batalha foi usada pela propaganda anti-nazista durante a Segunda Guerra Mundial nestes países, como sendo a reação de uma nação jovem e em formação ao ataque de uma outra bem estabelecida motivada pelo expansionismo e o imperialismo. Jogaila é tido como um dos grandes governantes que a Polônia teve. 28 De fato, Jadwiga foi coroada como Rex Poloniae, e não Regina Poloniae, por conta da ausência de uma legislação que previa a existência de uma rainha reinante na Polônia, e a vontade de enfatizar que ela não era uma rainha consorte, ou seja, a esposa de um rei reinante. 29 WYCZAŃSKI, Andrzej. Historia Powszechna: wiek XVI. Warszawa: Wydawnictwa Szkolne i Pedagogiczne, 1987. 42 Figura 7 ― Mapa da Polônia no momento da União com a Lituânia, em 1386. Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ Jogaila faleceu em 1434, e seu sucessor não foi decidido até o momento de seu falecimento. Sob muita controvérsia a Coroa foi passada ao seu filho primogênito Władysław III, que teve um reinado curto, interrompido prematuramente em 1444 por sua morte na Batalha de Varna contra os turcos. Władysław III também era Rei da Hungria, título oferecido a ele em 1440 e aceito sob ainda mais controvérsias. O período imediatamente posterior à sua 43 morte ficou marcado por um Interregnum que durou três anos, até a coroação de seu irmão Kazimierz IV em 1447. Kazimierz é lembrado por seu papel na transformação dos territórios dos povos prussos em um protetorado do Reino da Polônia, fundando as bases para a existência de um Estado prusso. Houve nova guerra contra os teutônicos, da qual a Polônia novamente saiu vitoriosa. Também há confrontos contra os turcos, que haviam se tornado rivais importantes de toda a Europa Cristã. Seu filho e sucessor Jan Olbracht teve que lidar com as constantes incursões turcas às regiões fronteiriças da Polônia. Jan era um político muito popular, e sua morte prematura em 1501 deixou seu irmão Aleksander no trono. Aleksander sofreu com o expansionismo dos russos e com a insubordinação da Moldávia, um dos protetorados da Polônia. As reformas internas promovidas por ele, no entanto, foram de extrema importância e sucesso para o país na época. A principal foi a instituição do ato legal conhecido como Nihil novi, que transferia determinadas prerrogativas do Rei para o Sejm, o parlamento polonês. O ato estabelecia, em outras palavras, que nada poderia ser deliberado sem o consentimento e a aprovação do poder legislativo, composto pela nobreza polonesa: “Ponieważ ogólne prawa i ustawy publiczne nie jednostek, lecz całego narodu dotyczą, przeto na tym walnym sejmie radomskim, wraz ze wszystkimi Królestwa naszego prałatami, radami i posłami ziemskimi za słuszne i sprawiedliwe uznaliśmy, jakoż postanowiliśmy, iż odtąd na potomne czasy nic nowego stanowionym być nie ma przez nas i naszych następców, bez wspólnego senatorów i posłów ziemskich przyzwolenia, co by było na niekorzyść Rzeczypospolitej, na krzywdę i niewygodę czyjąkolwiek, tudzież zmierzało ku zmianie prawa ogólnego i wolności publicznej.”30 (Grifos do autor) “Considerando que as leis gerais e os atos públicos não se aplicam a uma única pessoa, mas à nação inteira, portanto, temos nesta Sejm Geral realizada em Radom, juntamente com todos os prelados, conselheiros e deputados da terra de nosso reino, determinado que seja legítima e justa, e ter assim resolvido, que de agora em diante nada de novo deve ser decidido por nós ou os nossos sucessores, sem o consentimento comum dos senadores e dos deputados de terras, que possa ser prejudicial ou oneroso à República ou nocivo e injurioso a quem quer que seja, ou que tenha tendência a alterar a lei geral e a liberdade pública.”31 (Grifos do autor) 30 Texto integral do Nihil novi, de 1505. Wikimedia Foundation:Wikisource. Konstytucja Nihil Novi. Radom, 1505. Disponível em http://pl.wikisource.org/wiki/Konstytucja_Nihil_Novi. 44 O reinado de Zygmunt ficou marcado por este estatuto, e pelas relações conturbadas com os russos e os germânicos. Seu temor de uma aproximação entre os Habsburgo e a Rússia levou-o a assinar um Tratado de amizade com a França, país com o qual a Polônia sempre teve relações positivas. O reinado de Zygmunt ainda foi decisivamente afetado pelo Renascentismo. Zygmunt era apreciador do humanismo, e ele e sua terceira esposa foram os patronos do Renascentismo na Polônia. Seu filho e futuro rei Zygmunt II também foi influenciado pelo Renascentismo, e tolerante às minorias religiosas. Durante seu reinado, o impacto das Reformas Protestantes chegou à Polônia, e em vez de perseguir os protestantes, garantiu-lhes liberdades que não existiam nos países da Europa Ocidental 32. Zygmunt II levou a Polônia a mais uma série de pequenas expansões territoriais, sendo a principal delas a Livônia. Ele compreendeu perfeitamente como deveria ser a relação do Rei com o Sejm, e seu governo foi marcado por estabilidade política interna. Zygmunt II teve três esposas, mas não gerou nenhum herdeiro homem. Sua popularidade e o desejo de que a dinastia sobrevivesse fizeram o Sejm aceitar qualquer filho que ele pudesse gerar, mesmo que fosse ilegítimo. Quando ficou claro que ele faleceria sem deixar herdeiros, Zygmunt e a nobreza polonesa assinaram a União de Lublin em 1 de julho de 1569, um ato que unia a Lituânia e a Polônia em um único Estado, que seria governado por um monarca eleito daquele momento em diante sob os títulos tanto de Rei da Polônia quanto de Grão-Duque da Lituânia. Na Figura 8 pode-se ver o mapa da Polônia no momento da União de Lublin. Quando Zygmunt II faleceu, a dinastia dos Jagiełło chegou ao fim. Depois de quase 200 anos governando a Polônia e a Lituânia, esta dinastia deixou um legado positivo para seu país e para a Europa, garantindo liberdades que não haviam em outros países. Não apenas isso, mas a própria natureza democrática da Polônia ― para os padrões daquele tempo ― serviu de exemplo para outros países na sua própria época. As bases nas quais os Jagiełło firmaram a Polônia eram bastante sólidas, e o país vivia um florescimento que prosseguiu após sua extinção como Casa Real. A União de Lublin criou uma espécie de federação entre a Polônia e a Lituânia, no qual as duas partes eram formalmente iguais. Isto pode ser explicado 31 Texto integral do Nihil novi, de 1505. Disponível em Wikimedia Foundation:Wikipedia. Nihil Novi. Radom, 1505. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Nihil_novi. 32 POGONOWSKI, Iwo Cyprian. The First Democracy in Modern Europe: Million Free Citizens Lived in Poland in 1600. New York: Hippocrene Books, Inc. 2010. 45 pelo fato de os Jagiełło serem originalmente lituanos, além do que não seria possível governar sem o apoio da nobreza lituana, que não concordaria em ser colocada em condição de inferioridade diante da nobreza polonesa. Entretanto, algumas das políticas adotadas pelos nobres do país com a intenção de garantir igualdade aos nobres e prolongar a existência de um Estado polonês ad infinitum tiveram o efeito contrário, e ajudaram a contribuir para a derrocada do poder polonês e para os acontecimentos trágicos do final do Século XVIII. Figura 8 ― Mapa da Polônia no momento da União de Lublin, em 1569. Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ 46 3.3. A União de Lublin e a monarquia eletiva Após a morte de Zygmunt II em 1572 a Polônia elegeu seu novo Rei, Henryk Walezy, conhecido no Ocidente também como Henry Valois. Seu reinado não durou muito tempo, sendo que ele volta à sua França nativa quando sabe que o trono está vago. A maneira como as votações eram levadas a cabo criou o temor de que a influência estrangeira nos negócios internos da Polônia cresceria dramaticamente. Muitos eram os governantes estrangeiros que se aproximavam dos nobres poloneses para elegerem candidatos de seu interesse. De qualquer maneira, a Polônia ainda vivia sua “Era de Ouro”, uma época em que o florescimento da cultura, o avanço civilizacional e a prosperidade eram vigentes. O Estado polonês era o grande promotor da cultura Ocidental no meio da Europa Central e Oriental. E a promoção dos valores democráticos e de liberdade religiosa na Polônia contrastavam com a perseguição a minorias religiosas e dissidentes políticos em países do Ocidente e do Oriente 33. Um dos grandes reis da história da Polônia reinou nesta época. Stefan Bátory era húngaro, e assumiu o trono polonês em 1575. A Polônia continuou se envolvendo em guerras com outros países mesmo após a União de Lublin. Nesta altura, não havia um Estado alemão unificado, ou mesmo um que se sobressaísse perante os demais, e os conflitos com os germânicos deixaram de ocorrer por um bom tempo. As principais rivalidades da Polônia eram com a Rússia e a Suécia, e muitas guerras foram travadas com estes países ao longo da história da Polônia entre 1569 e 1795. O expansionismo tanto russo quanto sueco tinham como obstáculo a existência de uma nação mais numerosa e mais organizada nas suas fronteiras. Interessante notar que apesar de toda a Europa estar na Guerra dos Trinta Anos entre 1618 e 1648, a Polônia não participou em grande escala do conflito, apoiando apenas diplomaticamente a Aliança Católica. Um conflito digno de menção no início do Século XVII foi a Guerra Civil Russa que durou de 1605 a 1618. A Rússia estava sem um imperador, e a nobreza polonesa viu ali a oportunidade perfeita para criar uma união pessoal entre os dois países, ao custo de acabar com a independência russa. Dois poloneses chegaram a ser coroados imperadores da Rússia, o primeiro deles foi Dmitriy I, em 1605, e posteriormente 33 POGONOWSKI, Iwo Cyprian. The First Democracy in Modern Europe: Million Free Citizens Lived in Poland in 1600. New York: Hippocrene Books, Inc. 2010. 47 Dmitriy II, coroado em 1608. Após o assassinato do segundo Dmitriy em 1610 a Polônia invadiu a Rússia e marchou sobre a capital Moscou para garantir seus interesses. Outro polonês foi coroado como imperador, o príncipe polonês ― e futuro rei ― Władysław IV. Os planos dos poloneses estavam dando certo, mas quando Zygmunt III quis tomar o trono para si, a nobreza russa reagiu e se revoltou contra ele. Na conclusão do conflito, o plano estratégico de criar uma união pessoal entre os dois países não foi bem-sucedido, apesar de que a Polônia conseguiu conquistar territórios russos importantes. A Figura 9 mostra como estava o território da Polônia em 1619. Os territórios marcados em laranja foram anexados pela Polônia às custas da Rússia. Figura 9 ― Mapa da Polônia após a conclusão da Guerra Civil Russa, em 1618, com o ganho de territórios da Rússia. Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ 48 Ironicamente, uma das famílias reais que assumiu o trono polonês foi a família real sueca, dos Vasa. Os temores de que uma união pessoal com um país rival foram concretizados. E, coincidentemente, o momento em que a Polônia começou a dar sinais de instabilidade foi marcado pelo reinado de um Vasa. Zygmunt III procurou criar uma união pessoal de fato e de juro entre os dois países. No entanto, ele perdeu o trono na Suécia, e tentou posteriormente retomá-lo, jamais renunciando à coroa sueca. Ele ainda é visto como um dos piores reis que a Polônia já teve, por conta de seu relaxamento quanto à situação da Polônia, da preocupação exagerada em assumir o trono russo, e da situação ambígua na qual o país estava quando seu filho Władysław IV assumiu. Władysław promoveu reformas militares e deu continuidade às políticas de tolerância religiosa. Durante seus anos de reinado, a Polônia travou guerras contra a Rússia, o Império Otomano, e contra minorias étnicas que haviam se rebelado. Na mais famosa, a Guerra de Smolensk, a Polônia conseguiu defender-se da invasão russa e manteve o status quo ante bellum. Ele não foi um rei melhor do que seu antecessor, no entanto, conspirando contra a Polônia, e ajudando a criar o cenário perfeito para a invasão do país pelos suecos no futuro34. O sucessor de Władysław IV não teve tanto sucesso quanto seu irmão. Jan II Kazimierz ficou a vida toda à sombra de seu irmão. Ele nutria grande antipatia pela cultura polonesa e por seu povo. Ele tinha relações bem amigáveis com a Áustria, e graças aos Habsburg foi eleito rei da Polônia em 1648. Logo nos primeiros anos de governo teve que lidar com um grande problema, a Revolta de Khmelnytsky, que teve resultados inconclusivos. O certo é que o país ficou debilitado militarmente, e os dois grandes rivais do país, Rússia e Suécia, se aproveitaram da situação para entrar em guerra com a Polônia. O episódio que ficou conhecido como Dilúvio foi uma grande invasão sueca e russa da Polônia, onde a colaboração dos três monarcas da casa real sueca, aliando-se a isto a imobilidade da nobreza polonesa, facilitaram muito a tarefa dos invasores. Os suecos ocuparam a parte ocidental do país, e os russos ocuparam o oriente. A destruição foi sem precedentes. O país perdeu cerca de 40% de sua população. Os invasores destruíram muitas das cidades do país, entre elas a capital Varsóvia. As riquezas roubadas da Polônia nunca foram devolvidas ao país. E mais 34 O historiador Adam Kersten faz menção à ação de Władysław no sentido de fragilizar o país internamente e permitir o avanço da Suécia. KERSTEN, Adam. Historia Powszechna: wiek XVII. Warszawa: Wydawnictwa Szkolne i Pedagogiczne, 1984. 49 importante do que isso foi a perda do status de potência regional que a Polônia havia sido nos últimos séculos. Ironicamente, a Polônia terminou a guerra como vencedora, por conta da expulsão dos suecos e dos russos. No entanto, o cenário desolador no qual o país se encontrava após a expulsão definitiva dos invasores tornou-a uma vitória pírrica. A Rússia e a Suécia emergiram como os dois Estados mais poderosos da Europa Central e Oriental ao final da guerra, em 1660. Após os acontecimentos do Dilúvio, o trono voltou a ser ocupado quase que exclusivamente por poloneses ― apenas August II era estrangeiro, da Saxônia. Primeiro Michał Wiśniowiecki, depois Jan III Sobieski. O primeiro não se destacou, pois ainda tinha um país destruído sob seu comando. Jan Sobieski, no entanto, foi decisivo na estabilização da Polônia. Sob sua liderança, a Polônia modernizou completamente seu exército, reorganizando-o em regimentos, fornecendo novas tecnologias de combate, e diversificando as táticas de artilharia. Quanto às relações internacionais, Jan Sobieski forçou a assinatura de um tratado de paz com os Otomanos, com quem uma série de guerras estavam sendo travadas nos cinquenta anos anteriores. O tratado teve disposições favoráveis à Polônia, mas logo as guerras entre os países recomeçaram. A conquista de uma série de cidades ao longo da fronteira entre os países ajudou a Polônia a criar uma linha defensiva eficiente contra os turcos. Havia planos de recaptura da Prússia e de outros territórios perdidos para a Suécia no Dilúvio, que não deram certo por conta das constantes e longas guerras contra o Império Otomano. O grande sucesso da vida de Jan Sobieski foi o papel indispensável desempenhado por ele na Grande Guerra Turca, no final do Século XVII. Seu objetivo era garantir a estabilização da fronteira sul da Polônia, a mesma onde poloneses e turcos vinham travando guerras constantemente. Para isso, a Polônia se aliou à Áustria, à Hungria, à Croácia, à Espanha e a outros reinos cristãos europeus contra o Império Otomano, em uma Guerra Santa para expulsar definitivamente os muçulmanos da Europa35. Esta aliança foi bastante incomum para o seu tempo, por reunir muitos países católicos e protestantes. A guerra foi longa, pois durou mais de 15 anos, entre 1683 e 1699. A famosa Batalha de Viena em 1683 foi travada sob a liderança do Rei da Polônia, e constituiu uma das mais importantes vitórias militares da Europa na sua tentativa de defesa contra os muçulmanos. O próprio Papa definiu Jan Sobieski 35 KERSTEN, Adam. Historia Powszechna: wiek XVII. Warszawa: Wydawnictwa Szkolne i Pedagogiczne, 1984. 50 como o “Salvador da Cristandade e da Civilização Ocidental da Europa”. A vitória é vista como o momento em que a balança de poder na Europa Central muda em favor da Áustria e dos Habsburgo. Jan Sobieski foi talvez o último grande Rei que a Polônia teve, pois nenhum de seus sucessores conseguiram governar o país sem controvérsias e obter vitórias tão importantes quanto as dele. Ele faleceu em 1696. A sucessão de Jan III foi bastante confusa, sendo que dois reis disputaram o poder por muitos anos, sendo estes o eleitor da Saxônia August II e o nobre polonês Stanisław Leszczyński. August II foi eleito logo após a morte de Jan Sobieski. Sua chegada ao trono polonês marcou o início do reinado de mais uma dinastia estrangeira, e se deu com a ajuda tanto da Rússia quanto da Áustria, demonstrando o quão sujeita a intervenções estrangeiras a Polônia estava. August inicialmente formou alianças com a Prússia, com a Dinamarca e com a Rússia para atacar a Suécia na Grande Guerra do Norte, entre 1700 e 1721. Eventualmente a guerra acabou se tornando um confronto quase exclusivo entre a Polônia e a Rússia contra a Suécia. A guerra foi desastrosa para ambos, já que causou o enfraquecimento da Suécia e forçou August II a renunciar ao trono pela primeira vez. Stanisław Leszczyński foi conduzido ao poder por intermédio dos suecos, que viam nele um político mais moderado e mais inclinado a apoiar a Suécia na guerra contra a Rússia. Leszczyński era um homem honrado, possuía bons antecedentes e vinha de uma família nobre e poderosa. No entanto, sua juventude e inexperiência não o ajudariam a manter-se como Rei de um país marcado agora pelas instabilidades e pelas intervenções de outros países. Assim que foi coroado, Stanisław voltou-se contra a Rússia, aliando-se à Suécia. Ele foi um aliado importante dos suecos durante os anos em que esteve no poder, de 1705 a 1709. No entanto, por conta da já citada instabilidade do país e de sua própria inexperiência como monarca, ele foi forçado a abdicar novamente em favor de August II, novamente com ajuda austríaca e russa. O segundo reinado de August II foi marcado por sua tentativa de transformar a Polônia em uma monarquia absolutista, e na sua eventual transformação de facto em um mero protetorado russo. A nobreza polonesa resistiu às tentativas de August II e às suas políticas extremamente impopulares ― entre as quais pode-se destacar a taxação excessiva sobre os nobres poloneses. O czar Pedro I da Rússia aproveitou-se da instabilidade na Polônia para ameaçar militarmente o país, a menos que ele servisse para mediar o conflito entre o Rei e os nobres. Sem muitas opções, visto que a Polônia ainda sofria com a destruição causada pelas 51 últimas guerras, o Rei August nada pode fazer senão aceitar a mediação russa. Durante o Sejm Silencioso de 1717 muitas das disposições adotadas foram delineadas pelo czar russo, mostrando o quanto a Polônia estava sob o domínio da Rússia, a potência regional da Europa Oriental naquele momento. A tentativa de August de centralizar o poder e transformar-se num monarca absolutista também foi impossibilitada pela ação dos russos. August II morreu em 1733 sem conseguir usurpar o trono polonês para si ou para sua família, apesar do que seu filho August III foi conduzido ao poder pelo Império Russo como resultado da Guerra da Sucessão Polonesa. Antes disto, Stanisław Leszczyński assumiu o trono novamente, tendo sido eleito como Rei da Polônia pela segunda vez. Seu reinado pouco durou, por conta da oposição interna e externa a sua coroação. Leszczyński abdicou em 1736 e recebeu o Ducado de Lorraine e Bar até a sua morte, em 1766. O Rei da Polônia eleito após a saída de Stanisław Leszczyński do poder foi August III, filho de August II, que também possuía o apoio de russos e austríacos. Este foi outro péssimo rei que a Polônia teve, e era descrito como um homem que preferia recreações a governar o país. Ele passou menos do que três dos trinta anos de seu governo na Polônia. Enquanto isso, os nobres poloneses continuavam a disputarem futilmente o poder dentro do país, defendendo cada um o seu interesse familiar, ignorando completamente a situação de desrespeito internacional e de entreguismo aos interesses dos czares da Rússia. 3.4. As partições e a perda da independência Com a morte de August III em 1763 e a ajuda da Rússia, um nobre polonês chamado Stanisław August Poniatowski foi coroado Rei da Polônia, já debilitada e sujeita a intervenções externas. Poniatowski tinha uma relação especial com a imperatriz da Rússia, Catarina. A escolha dele para assumir o trono polonês teve participação dela, que esperava que Stanisław fosse não mais do que um seguidor obediente dos russos. Ao mesmo tempo, o Rei procurou contornar os problemas que minaram a Polônia e a transformaram em um palco para intervenção de potências estrangeiras. Um dos principais pontos que causaram este problema foi o liberum veto, que estabelecia que qualquer voto negativo no Sejm representaria um veto, possibilitando a qualquer nobre paralisar o executivo com um simples 52 voto. Isto permitia às potências estrangeiras, interessadas em parar as reformas democráticas necessárias para modernizar a Polônia, comprar os deputados para conseguirem seus objetivos. O princípio democrático do liberum veto, que previa que nenhuma deliberação da maioria poderia desrespeitar a vontade das minorias, degenerou-se em um estado de anarquia36. O liberum veto continuou em vigor durante o reinado de Stanisław Poniatowski. Poniatowski tinha noção de que a própria sobrevivência da Polônia dependia de sua modernização e da garantia de estabilidade interna. Alguns nobres formaram um grupo rebelde, chamado de Confederação de Bar, que buscava defender a Polônia da influência externa russa, e ao mesmo tempo lutar contra o Rei. A confederação provocou uma revolta que durou quatro anos, e serviu como pretexto para que a Áustria, a Rússia e a Prússia invadissem o país e anexassem territórios da Polônia. Este episódio, ocorrido em 1772, ficou conhecido como a Primeira Partição da Polônia. Na Figura 10 é possível ver como o território polonês ficou após este ato. Em um dos últimos atos, que pode ser definido como um ato de desespero para preservar a independência e a soberania da Polônia, o Grande Sejm convocado em 1788 elaborou a famosa Constituição de 3 de Maio, inspirada pelo Iluminismo e pelas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade entre todos os homens livres. Este documento é considerado até os dias de hoje como a primeira lei orgânica escrita da Europa e a segunda do mundo, atrás apenas da Constituição dos Estados Unidos da América. A constituição instituía e oficializava, entre outras coisas, a forma monárquica eletiva de governo, a liberdade religiosa na Polônia, a igualdade de todos os seus cidadãos ― independentemente de pertencerem ou não à nobreza ― a abolição do liberum veto e a adoção do sistema de maioria simples, além de disposições sobre o exército, os poderes do Rei, e a regência. Esta constituição tornou a Polônia o país mais democrático de toda a Europa, e mesmo após seu desaparecimento a constituição polonesa se tornou um modelo de democracia a ser seguido por outros países. Não fosse por sua dependência e pela infindável interferência das potências inimigas, a constituição teria fundado as bases de uma Polônia reformada e democrática. Dois dos autores, Ignacy Potocki e Hugo Kołłątaj, a constituição foi a “última vontade e o testamento do país em extinção”37. Uma aliança improvável com a Prússia também foi 36 KERSTEN, Adam. Historia Powszechna: wiek XVII. Warszawa: Wydawnictwa Szkolne i Pedagogiczne, 1984. 53 forjada, com a esperança de que a Polônia pudesse se defender de um provável ― e posteriormente confirmado ― ataque russo. Figura 10 ― Mapa da Polônia após a Primeira Partição do país, em 1772. Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ A Constituição de 3 de maio obviamente não foi bem recebida nos países inimigos da Polônia. Até mesmo alguns membros da nobreza polonesa se reuniram em torno da Confederação de Targowica e se aliaram à Rússia, esperando o retorno à condição anterior. No ano de 1792 a Rússia invadiu a Polônia sem uma declaração formal de guerra. Os poloneses lutaram sem esperanças de vencer, embora a Rússia não tenha conseguido mostrar 37 Presente em KOŁŁĄTAJ, Hugo; POTOCKI, Ignacy. O ustanowieniu i upadku Konstytucji 3 Maja. Warszawa, 1793. 54 que era superior. A guerra só acabou quando Stanisław Poniatowski tentou uma solução diplomática para o seu fim, e concordou em fazer parte da Confederação de Targowica, condição imposta pela Rússia para o fim dos conflitos. Ao mesmo tempo, a Rússia e a Prússia dividiram entre si territórios da Polônia, no que ficou conhecida como Segunda Partição da Polônia. Na Figura 11 é possível ver como o território polonês ficou reduzido e o Estado polaco incapaz de se existir de maneira independente após este fato. Figura 11 ― Mapa da Polônia após a Segunda Partição do país, em 1793. Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ 55 O que sobrou da Polônia foi um território de cerca de 215 mil quilômetros quadrados, um território cinco vezes menor do que o do país menos de 100 anos antes 38. Além disso, a população que permaneceu nas terras polonesas era de cerca de 4 milhões, sendo que os territórios anexados em 1793 sozinhos possuíam um maior contingente populacional que o que sobrou do país. Os targovitas ― nome pelo qual ficaram conhecidos os membros da Confederação de Targowica ― perderam o pouco apoio que tinham, e o próprio Rei Stanisław Poniatowski teve sua imagem bastante manchada por sua participação na confederação. Ainda hoje ele é visto como um governante ambíguo, por horas considerado um homem realista e pragmático, preocupado com a sobrevivência de seu país, podendo fazer alianças consideradas impossíveis para alcançar seu objetivo. Por outro lado, a participação na confederação, assim como a percepção de sua submissão aos interesses da Rússia e indecisão em certos momentos cruciais, colocam-no em uma posição de figura controversa da história polonesa. Historiadores recentes tendem a minimizar a culpa de Poniatowski pelo desaparecimento da Polônia. Ele foi o último Rei, aquele que não conseguiu salvar o Estado de seu fim esperado. Esta posição o tornou um alvo conveniente como o culpado pelo fracasso de muitos outros. O seu único erro foi juntar-se aos targovitas, o que minimizou seus feitos e seus sucessos, que permaneceram em segundo plano pelos séculos que se seguiram. O respeito do povo pelo Rei e pelos nobres havia sido liquidado. O país agora não passava de um Estado exíguo, dependente da Rússia para sua existência. Apesar disso ― e provavelmente por este motivo ― muitos patriotas ardentes se mobilizaram para tentar a libertação do país e sua sobrevivência como um Estado independente. O mais notável deles, considerado um herói nacional da Polônia, foi Tadeusz Kościuszko. Kościuszko é lembrado também na Lituânia, na Bielorrússia e até mesmo nos Estados Unidos, onde participou da Guerra de Independência Americana ao lado dos rebeldes americanos. Entre seus amigos notáveis encontram-se homens como Thomas Jefferson. Ele lutou na guerra contra a Rússia em 1792 e obteve vitórias praticamente improváveis. Chocado com a decisão do Rei de se juntar à Confederação de Targowica, recusou-se a permanecer no exército e decidiu planejar uma Revolta contra os inimigos externos. Em 24 de março de 1794 ele proclamou o início da revolta na cidade de Kraków (conhecida em português como Cracóvia). Ele conseguiu mobilizar homens interessados em lutar, graças à sua grande popularidade como líder militar 38 GRODZISKI, Stanisław; KOZŁOWSKI, Eligiusz. Polska zniewolona. Warszawa: Seria Dzieje Narodu i Państwa Polskiego, Krajowa Agencja Wydawnicza RSW Prasa-Książka-Ruch, 1987. 56 capaz de vencer os russos ― ele não havia perdido nenhuma batalha na guerra de 1792. A imperatriz da Rússia logo soube da agitação e mandou tropas para a cidade de Cracóvia, tropas estas que foram derrotadas pelos patriotas poloneses. Ainda que esta vitória tenha significado pouco em termos estratégicos, as notícias da vitória de Kościuszko espalharam-se por toda a Polônia e incentivaram muitos a lutar pela libertação de sua terra. Sob sua liderança cidades importantes foram sendo libertadas do domínio russo. Foi durante a revolta que Kościuszko decidiu proclamar a extinção da escravidão e a afirmação da igualdade entre todos os cidadãos, influenciado por seus ideais Iluministas. A fortuna de Kościuszko só mudou quando a Prússia e a Rússia decidiram atuar em conjunto para derrotar a revolta, o que mesmo assim conseguiram a muito custo. O líder patriota foi capturado em outubro e mandado à Rússia. Conta a lenda que, quando capturado, um soldado russo lhe disse “Finis Poloniae”, que pode ser traduzido como “Fim da Polônia”, ao que Kościuszko respondeu “Jeszcze Polska nie zgięła!”, ou seja, “A Polônia ainda não pereceu!”. A revolta foi o estopim que as potências agressoras precisavam para acabar definitivamente com a independência da Polônia. Pouco depois da derrota da Revolta de Kościuszko, Áustria, Rússia e Prússia (que mais tarde seria o Estado que unificaria a Alemanha) dividiram entre si os territórios restantes da Polônia. Na Figura 12 pode-se ver o mapa da Polônia na Europa, dividida entre as antigas rivais, após 1795. Era o fim da independência daquele que já fora o maior e mais poderoso Estado europeu pelos próximos 123 anos. 57 Figura 12 ― Mapa da Polônia na Europa após as três partições do país, em 1795. Foi o fim de um Estado independente Polônia pelos próximos 123 anos. Fonte: Wikimedia Foundation:Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/ Os nobres poloneses, mesmo aqueles que fizeram parte da Confederação de Targowica, não esperavam que suas ações fossem acabar com a independência da Polônia. Alguns procuraram refúgio em outros países europeus, notavelmente a França. As relações positivas entre os dois países foi o que motivou essa busca por refúgio no país. Também pode ser creditada às ideias iluministas e revolucionárias, ainda muito presentes na França. A “Questão Polonesa” foi um dos pontos que dominou a agenda internacional durante os anos que se seguiram, sem que ninguém conseguisse encontrar uma solução definitiva para o problema. O clima de surgimento e fortalecimento dos nacionalismos que surgiram por toda a 58 Europa durante o vindouro Século XIX forneceram mais subsídios para a Polônia tentar reconquistar sua independência. O apelo político que o nacionalismo romântico tinha sobre as classes políticas era sem precedentes, por conta do seu dinamismo e da sua efetividade. A separação clara e a pretensa superioridade de uma nação determinada sobre as demais fizeram muitos abraçar o nacionalismo romântico e abandonar o racionalismo. Na Polônia, em especial, o romantismo e o nacionalismo político estiveram especialmente juntos após o Congresso de Viena, em 1815, pois sonhava-se com o dia em que a nação voltaria a ser guiada por si própria, e não pelas potências invasoras. O nacionalismo também deixou de ser um fenômeno propriamente nobre, abarcando também as camadas mais humildes da sociedade. O final do Século XVIII e início do XIX ficaram marcados pelo relativo fracasso da Revolução Francesa e na sua transformação em um regime conhecido como Terror, que passou a perseguir e promover assassinatos de dissidentes políticos, e assim foi perdendo a legitimidade. No desenrolar dos fatos, Napoleão Bonaparte assumiu o poder no Golpe de 18 brumário e tornou-se Cônsul da França, posteriormente coroando-se Imperador. Napoleão passou a travar guerras com outros países europeus, conhecidas como Guerras Napoleônicas, onde ele não apenas se consolidou como Imperador, mas onde ele tornou a França a grande potência hegemônica europeia de seu tempo. A história de Napoleão é importante para a Polônia por conta da criação do Ducado de Varsóvia, um Estado criado por revolucionários poloneses e sustentado pela França, que tinha como objetivo causar instabilidade interna na Rússia e criar os fundamentos necessários para uma futura independência da Polônia. A queda de Napoleão em Waterloo, no entanto, frustrou o plano de independência. Ainda que o Congresso de Viena em 1815 tenha deliberado pela criação de um Estado polonês no território que coube à Rússia, muito pouco avanço foi sentido, pois a Constituição do Reino da Polônia especificava que o Czar da Rússia seria seu governante. A insatisfação do povo levou a novas revoltas em 1830 (Revolta de Novembro), 1846 (Revoltas de Cracóvia e da Grande Polônia), 1848 (na chamada Primavera dos Povos), 1863 (Revolta de Janeiro) e 1866 (Revolta dos poloneses na Sibéria). Os poloneses ganharam a reputação de um povo irresignado, pronto a aproveitar qualquer descuido das potências estrangeiras e lutar por sua independência, mesmo que o preço a pagar fosse muito alto ― como de fato foi em cada uma destas revoluções, ostensivamente reprimidas pelos três invasores. 59 A vida dos poloneses em geral não era fácil nos países invasores. Processos de assimilação cultural ocorreram fortemente na Alemanha e na Rússia, e em menor escala na Áustria39. A autonomia política era apenas nominal, pois o poder estava concentrado todo nas mãos dos três imperadores dos países invasores. O próprio uso do idioma nativo era proibido e punido com multas e prisões. Isso dificultou ainda mais o projeto polonês de pavimentar o caminho para uma futura independência através da educação e do ensino dos costumes poloneses para os futuros líderes da nação. Este projeto ficou conhecido como “Trabalho Orgânico”. A prática da religião também foi dificultada na Alemanha protestante e na Rússia ortodoxa, e mesmo a prática individual da religião era restringida. A Áustria, predominantemente católica, via na nobreza polonesa uma aliada, e este era o país onde os poloneses mais possuíam liberdades individuais. A fama de irresignação do povo polonês e as sucessivas revoltas fizeram a Rússia abolir qualquer tipo de autonomia nas terras polonesas. Foi somente em 1905 que uma nova revolta aconteceu, desta vez com o auxílio dos revolucionários russos, aproveitando o momento da Revolução de 1905. A revolta também foi reprimida, embora a situação parecesse mudar. A população já não via o governo do czar com bons olhos, e a Europa passava por um processo de militarização e criação de alianças que logo ajudariam a provocar a Primeira Guerra Mundial. A falta de um Estado independente polonês e a sua divisão entre três potências lutando em lados opostos causou destruição e perdas humanas à Polônia durante o conflito. Seu território foi um dos principais campos de batalha no fronte oriental da guerra. Os poloneses se viram em situação complicada de diversas maneiras, incluindo-se aí a quem apoiar. Todos os lados prometiam autonomia ou independência política em troca do apoio na guerra ― se estas promessas seriam ou não cumpridas é uma questão sujeita a análises mais profundas. Um dos líderes dos poloneses durante este tempo de dificuldades foi Józef Piłsudski. Este homem era um revolucionário com origens na esquerda, que, no entanto, sentia maior apreço pela pátria do que por uma ideologia. Piłsudski previu com exatidão o que seria necessário para que a Polônia voltasse a ser independente: a derrota da Rússia na frente oriental e a da Alemanha na frente ocidental. Sua previsão era vista como impossível no início do conflito, mas ao final dele, todos os três monarcas dos países invasores haviam caído. 39 GRODZISKI, Stanisław; KOZŁOWSKI, Eligiusz. Polska zniewolona. Warszawa: Seria Dzieje Narodu i Państwa Polskiego, Krajowa Agencja Wydawnicza RSW Prasa-Książka-Ruch, 1987. 60 W tej chwili Polska jest właściwie bez granic i wszystko (…) na Zachodzie zależy od ententy, o ile zechce ona mniej lub więcej ścisnąć Niemcy. Na Wschodzie to sprawa inna – tu są drzwi, które się otwierają i zamykają i zależy, kto i jak szeroko siłą je otworzy40. Neste momento a Polônia está virtualmente sem fronteiras e nada mais (…) No Ocidente dependemos da Entente, no quanto ela pode querer sufocar a Alemanha. No Oriente as coisas são diferentes ― há portas, que podem se abrir ou se fechar, depende de quem abri-las e do quanto serão forçadas41. 3.5. A retomada da Independência e o entre-guerras Piłsudski tratou de criar uma Legião de soldados para lutar contra a Rússia, apesar de também não ver os alemães como aliados. Os poloneses receberam os alemães como invasores, ao contrário do que foi quando Bonaparte entrou no país em 1812. Ainda antes do final da Guerra, a Rússia retirou-se do conflito derrotada. A revolução bolchevique em 1917 provocou a saída do país do conflito, e as Potências Centrais forçaram à Rússia um humilhante tratado de paz que tirou boa parte do território ocidental do país de seu controle. Isso era especialmente importante para a Polônia, que constituía a parte mais ocidental do Império Russo. Alemanha e Áustria, no entanto, não tinham nenhum interesse em criar uma Polônia independente e soberana, e sim em transformar o território polonês em uma espécie de protetorado ou Estado satélite. Logo a opinião pública polonesa voltou-se a favor dos aliados, quando os Quatorze Pontos de Woodrow Wilson deliberava que a paz na Europa passaria pelo estabelecimento de um Estado polonês independente. Piłsudski foi preso pelo governo alemão já em 1918 e isso ajudou no crescimento de sua popularidade. Com a derrota dos inimigos e o vácuo de poder causado pela queda das duas monarquias, a Polônia poderia voltar a se tornar uma nação independente novamente, e Piłsudski foi escolhido para assumir a chefia do novo Estado. O armistício decretou e o Tratado de Versailles confirmou a independência da Polônia em 11 de novembro de 1918, e assim se encerravam 123 anos do 40 MACMILLAN, Margaret. Paris 1919 : Six Months That Changed the World. Random House Trade Paperbacks, 2003, ISBN 0375760520, p. 211. 41 Tradução do autor. 61 pesadelo polonês de não ter um Estado. A data é comemorada como o Dia da Independência na Polônia. Piłsudski foi aclamado como um herói no seu papel indispensável para a independência e é venerado até os dias de hoje42. Os anos após a independência não foram tranquilos. A presença de alemães nos territórios poloneses, as lutas por expansão territorial e os planos expansionistas da União Soviética foram alguns dos problemas enfrentados nos primeiros anos. A Polônia enfrentou uma guerra contra a União Soviética entre 1919 e 1921, um episódio motivado tanto pela necessidade de expansão da Polônia quanto pelo desejo da União Soviética de reunir sob sua tutela todos os territórios controlados pelo Império Russo e espalhar o socialismo pela Europa. A guerra ameaçou a existência do Estado polonês mais uma vez, mas a vontade dos poloneses em garantir sua liberdade prevaleceu. Em um dos episódios mais memoráveis da história polonesa, a Batalha de Varsóvia foi vencida inesperada e decisivamente pela Polônia, que forçou uma retirada desorganizada e desesperada dos soviéticos que sobreviveram. Cerca de um quarto dos soldados invasores foram mortos, e outros dois quartos capturados ou feridos. O que ocorreu depois foi um rápido avanço dos poloneses, que derrotaram a potência invasora em cerca de um ano, e ajudou a Polônia a expandir suas fronteiras a leste, em detrimento dos territórios povoados por ucranianos e bielorrussos. Houve a realização da reforma agrária, que distribuiu as terras entre os mais ricos e os mais pobres, e o país conseguiu crescer economicamente no período do entre guerras. A política polonesa viveu anos conturbados por conta da anarquia na qual se degenerou a democracia dos anos 20, que só a usurpação do poder absoluto por Józef Piłsudski em 1926 conseguiu contornar. A polarização da política polonesa entre o partido de Piłsudski ― considerado por todos como um partido de esquerda ― e a direita nacionalista de Roman Dmowski tomou conta do país durante todo o período entre-guerras. Seu regime não era baseado em um autoritarismo puro sem um fim em si mesmo: era o de exercer com mais poderes o executivo, largamente limitado pela constituição anterior da Polônia. Foi somente com a saída de Piłsudski do poder, em 1935, por culpa de sua morte prematura, que o panorama político mudou. As minorias étnicas, presentes em grande parte das novas províncias orientais e na Silésia, tornou a questão dos direitos das minorias uma realidade com a qual o novo governo polonês teve que lidar. Houve um processo de assimilação 42 FOLFAS, Paweł. Polityka zagraniczna IV RP. Warszawa: Instytut Międzynarodowych Stosunków Gospodarczych, 20??. 62 cultural de bielorrussos, ucranianos e alemães, para que aprendessem o idioma e os costumes poloneses de maneira forçada. Nas relações internacionais e na economia, o período entre guerras não foi menos caótico, pelo contrário. A ascensão de regimes comunistas ou nazistas por todo o continente ― ambos vistos pelos poloneses como regimes totalitários associados ao domínio russo e alemão até os dias de hoje ― tornou a Polônia frágil e isolada. A política externa era orientada pelo desejo de manter relações positivas com a Alemanha, e se preparando para a guerra contra a União Soviética. As constantes desavenças com os vizinhos menores foram outro fator importante em diminuir as possibilidades da Polônia se defender de uma agressão alemã. Foram travados pequenos conflitos com a Tchecoslováquia e a Lituânia pela posse de duas ou três cidades ― a mais importante delas é Wilno, atual capital da Lituânia, conquistada pelos poloneses em 1920. A grande aliada da Polônia, como havia sido nos séculos anteriores, era a França. Essa aliança, entretanto, não servia como garantia da segurança da Polônia e de uma resposta francesa em caso de guerra. Quando Hitler assumiu o poder na Alemanha, este país assinou um tratado de não-agressão com a Polônia, e certas concessões em áreas na Alemanha povoadas por poloneses foram acatadas por Berlim. Após isso, o que se viu foi uma escalada na retórica expansionista alemã. Os territórios onde a Polônia se encontrava eram o alvo óbvio da política do Lebensraumm, e apesar disso, as autoridades polonesas preferiram se voltar mais ainda contra a URSS, ignorando o perigo que representava a Alemanha Nazista43. 3.6. Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria Assim que Hitler começou sua expansão pela Europa, anexando a Áustria e a Boêmia (parte da atual República Tcheca), com a permissão dos países do Ocidente, sabia-se que o seu próximo passo seria a Polônia. Mesmo com a garantia de resposta da França e do Reino Unido, poucos no país acreditavam que a ajuda externa fosse chegar. O surgimento da Eslováquia independente, aliada da Alemanha, assim como a Hungria e a Romênia, e a 43 O erro estratégico polonês durante o entre-guerras foi o de sobrevalorizar o perigo representado por um dos dois vizinhos e minimizar o do outro, arriscando-se a ser absorvida pelo poder deste último ― no caso, a Alemanha. CZUBIŃSKI, Antoni. Historia Polski XX wieku. Poznań: Wydawnictwo Poznańskie, 2003. 63 situação sempre tensa com a URSS manteve a Polônia ainda mais isolada e mais suscetível a uma invasão estrangeira que não teria resposta à altura dos aliados. Outro evento surpreendente foi a assinatura do Tratado Ribbentrop-Molotov entre a URSS e a Alemanha Nazista, que definia os termos de não agressão entre os dois países e continha provisões que deliberavam sobre a partilha da Polônia e do Leste Europeu. A Alemanha queria um pretexto para a guerra, e uma série de operações de provocação, com o intuito de fazer a Polônia atacar e levar toda a culpa como a causadora do conflito. O incidente da torre de rádio de Gliwice é o mais famoso deles. Na época parte da Alemanha, a torre foi alvo de um ataque fabricado pelo exército nazista para parecer uma provocação polonesa, embora tudo tenha sido forjado e a opinião pública internacional não acreditava na veracidade do ocorrido. Ainda assim, Hitler utilizou isso como pretexto para invadir a Polônia em 1 de setembro de 1939, dando início a um dos piores pesadelos que o mundo e a Polônia já viveram: a Segunda Guerra Mundial. O lado polonês possuía cerca de dois milhões de homens entre soldados e reservistas. A máquina de guerra construída por Hitler, no entanto, não se comparava ao exército da Polônia, que carecia de tecnologias avançadas tais quais a do vizinho agressor. Os alemães utilizaram aproximadamente 80% do seu pessoal na invasão da Polônia. Para complicar a situação, a Polônia foi invadida pela Eslováquia ao sul e pela União Soviética a leste em 17 de setembro, tornando esta uma guerra em três frentes diferentes, impossível de ser vencida 44. A ajuda exterior que seria insuficiente também não veio, pois França e Reino Unido declararam guerra à Alemanha, como haviam prometido, mas nenhuma ação militar aconteceu num primeiro momento. A falta de resposta causou o avanço da Alemanha Nazista sobre o Leste Europeu e a proporção que a guerra tomou poderia ter sido evitada caso franceses e britânicos cumprissem com suas obrigações. A guerra teve diversos períodos distintos, e a princípio não se esperava que ela durasse muito. O próprio governo polonês acreditava que os nazistas apenas tomariam os territórios habitados por seus nacionais e o corredor que dava à Polônia saída para o mar Báltico. Entretanto, o real motivo não era apenas a conquista dos territórios habitados por alemães, e sim pelo expansionismo da Alemanha Nazista. A União Soviética, “honrando” sua parte do acordo, avançou sobre a parte leste da Polônia, alegando que o Estado polonês já não 44 CZUBIŃSKI, Antoni. Historia Polski XX wieku. Poznań: Wydawnictwo Poznańskie, 2003. 64 existia e era ela a responsável pela proteção dos ucranianos e bielorrussos. A verdade é que mesmo com a situação caótica da nação e a invasão por todos os lados, o governo polonês nunca concedeu a derrota e nunca se rendeu, tal qual os poloneses, que fundaram uma estrutura secreta similar à de um Estado, um exército nacional ― a Armia Krajowa ― e lutaram por sua liberdade e pela liberdade de outros povos até o fim da guerra. O governo exilou-se na França e posteriormente no Reino Unido, e lá permaneceu até o fim da Guerra Fria. A luta dos poloneses também se deu pelas minorias presentes no seu Estado, em especial os judeus, que apesar da perseguição às minorias antes da guerra, estavam sendo protegidos pelos poloneses comuns nos anos da guerra. Eles não poderiam compactuar com a deportação de pessoas para os campos de trabalho forçado ― acredita-se que a população comum não tinha noção exata do que ocorria nesses campos. Um lema comum usado pelos soldados poloneses era Za wolność naszą i waszą! que significa “Pela nossa liberdade e a vossa”, representando o desejo dos poloneses de livrar a si e aos seus similares dos horrores do nazismo e do comunismo. A luta dos poloneses era contra dois agressores mais fortes e em melhor situação em vários aspectos. Os instrumentos de repressão e a forma de tratamento dos cidadãos nos territórios ocupados eram em grande parte desfavoráveis, sendo possíveis as execuções sem julgamento, torturas, estupros, e outros crimes que caracterizam genocídio. O trabalho forçado nos campos e nas indústrias alemãs de guerra era praticamente mandatório. Estima-se que um quinto de toda a população da Polônia tenha perdido a vida na guerra ― inclui-se neste número os judeus e outros alvos dos nazistas e também dos comunistas, que promoveram massacres contra poloneses. A Polônia sofreu tanto os efeitos dela que somente na década de 1980 a população do país voltou a números similares aos de antes da guerra. O país teve o terceiro maior número de perdas humanas contando militares e civis, atrás de URSS e Alemanha, mesmo possuindo uma população menor do que a destes dois países. Massacres como os de Katyń (onde mais de 20 mil poloneses foram assassinados a mando de Moscou) e o da Revolta de Varsóvia (em que cerca de 150 mil pessoas perderam a vida, graças à decisão soviética de deixar os alemães e os revoltosos poloneses se destruírem mutuamente) deixaram cicatrizes profundas na demografia de certas regiões e são lembrados como episódios obscenos da história dos países agressores. A “solução final” encontrada por Hitler para os judeus, no entanto, é o maior destes episódios. Cerca de 6 milhões de judeus foram assassinados, a metade destes eram judeus poloneses. Os campos se concentravam no 65 território polonês controlado pelos nazistas, por questões de logística ― a Polônia era e ainda é ponto de passagem de grande parte das ferrovias europeias que vinham do Leste. Não há dúvidas de que o genocídio dos judeus foi causado pelos alemães, embora alguns refiram-se aos campos de extermínio como “campo de concentração polonês”. Isto não só distorce totalmente a história do país e dos campos, como um empreendimento levado adiante como sendo obra de poloneses, mas também remove nominalmente a responsabilidade dos alemães, verdadeiros perpetradores do crime. Quando a derrota da Alemanha parecia clara e os aliados marchavam juntos rumo à Alemanha, ficou claro que quem ocuparia a Polônia seria a União Soviética, e não os aliados do ocidente. O governo em exílio opôs-se a esta possibilidade, mas a pressão de Stalin pelo controle sobre a Polônia era grande. O único homem capaz de fazer os aliados confrontarem Stalin, Władysław Sikorski, havia morrido sob condições suspeitas em um acidente aéreo, ainda em 1943. A URSS insistia na anexação dos territórios anexados após o tratado de não agressão com a Alemanha, que seriam compensados por anexações de terras alemãs ao ocidente da Polônia. Por não haver reais condições de negar esta exigência, o território da Polônia foi movido para o Oeste, formando assim um território muito parecido com o da Polônia do Século X. Na Figura 13 estão detalhadas as mudanças territoriais do país após 1945. A nova divisão de territórios causou deportações forçadas e a completa substituição dos habitantes de muitas cidades pelos que viriam do Leste, agora ocupado pela URSS. Muitos milhões de habitantes daquela região se instalaram nos novos territórios do ocidente da Polônia. 66 Figura 13 ― Mapa da Polônia após o final da IIGM e a delimitação das fronteiras. Em azul o território perdido para a URSS, e em rosa, o território conquistado da Alemanha. Fonte: Wikimedia Foundation: Wikipedia. http://pl.wikipedia.org/wiki/ Nos anos seguintes ao do fim da IIGM, a URSS forjou resultados de eleições para justificar a tomada de poder pelos comunistas poloneses e implantar um regime alinhado a Moscou no país. Ocorreram reformas importantes que ajudaram o país a se reconstruir após a destruição extrema causada pela guerra, embora não houvesse nenhum tipo de liberdade política e a economia tenha ficado estagnada por muitos anos. Houve a formação de guerrilhas que lutavam para desestabilizar o governo comunista. As guerrilhas eram formadas, em sua maioria, pelos soldados do Armia Krajowa, que eram considerados não heróis, mas 67 sim traidores da nação pelo novo governo, por lutarem por sua pátria acima de quaisquer ideologias. O regime formado imediatamente após o fim da guerra seguiu o mesmo padrão da URSS, uma ditadura governada com mão de ferro por um governante que promovia culto à sua própria personalidade. Foi assim com Stalin na União e era assim com Bolesław Bierut na Polônia. Durante seu governo os generais e soldados que lutaram tanto com nazistas quanto com comunistas, foram sentenciados à morte sob suas ordens. O controle da vida dos cidadãos era extremamente alto nestes anos iniciais, sendo que havia um policial secreto para cada mil cidadãos poloneses. As práticas das instituições do governo caem em muitas vezes nas categorias de crimes contra a humanidade e crimes contra a paz. Bierut morreu em 1956 enquanto estava em visita oficial à URSS, sob condições suspeitas. Ainda hoje não se sabe muito sobre sua morte. Com a morte de Bierut, chegou ao fim o período stalinista na Polônia. No mesmo ano de 1956 aconteceram agitações importantes na Hungria, na Tchecoslováquia e na Polônia, todas motivadas pela rejeição aos regimes similares ao stalinista na URSS. Os protestos poloneses foram particularmente impactantes. A resposta agressiva do governo no início contrastou com os anos posteriores, marcados por uma pequena liberalização. As condições de vida da população pioravam aos poucos. A educação era para todos, mas fortemente doutrinada e enviesada. A liberdade de religião também foi sendo restringida, pois as tentativas do governo de criar uma igreja submissa aos interesses do Estado não foram frutíferas. Aos poucos as propriedades que ainda restavam nas mãos de alguns eram coletivizadas à força, e a economia polonesa passou por um processo forte de planificação45. A vida na Polônia socialista pode ser estudada a partir de uma das obras de Częsław Miłosz, de nome Mente Cativa. Este livro é considerado um clássico da literatura polonesa e um livro indispensável para a compreensão da vida pessoal dos cidadãos de países com regimes totalitários. No capítulo intitulado “Fitando o Oeste” ele demonstra com riqueza de detalhes os aspectos da vida de um cidadão comum no país. 46 Muitas anedotas humorísticas famosas no Leste Europeu ilustram bem o clima de cuidado com cada palavra e cada opinião 45 CZUBIŃSKI, Antoni. Historia Polski XX wieku. Poznań: Wydawnictwo Poznańskie, 2003. 46 MIŁOSZ, Częsław. Mente Cativa. São Paulo: Novo Século, 2010. ISBN 9788576793168. 68 expressa. Mesmo as suspeitas de que a pessoa discordava do governo em certos pontos eram o suficiente para que alguém fosse levado para “averiguações”. As contradições do regime comunista na Polônia ficavam mais claras e mais aparentes dia após dia. Um governo que se dizia representante dos trabalhadores e de seus interesses era visto por todos como algo distante na prática. A verdade é que somente altos funcionários do partido tinham seus interesses atendidos, enquanto a população sofria cada vez mais com crises de abastecimento e inflação. A economia ia mal, estagnada por conta do atraso tecnológico e do sistema de planificação. A situação econômica mudou na década de 1970, quando certas liberdades próprias aos países capitalistas foram adotadas. Mesmo os imigrantes políticos chegaram a voltar para a Polônia, convidados pelo governo a investir seu dinheiro na sua terra natal. No entanto, a melhora era apenas temporária. Logo o povo teria acesso às informações sobre a prosperidade e a liberdade no Ocidente, e passaram a comparar com as suas vidas. Não somente isso, mas as crises de abastecimento voltaram, e os preços também subiram. Os trabalhadores passaram a hostilizar o governo e ameaças de greve eram constantes, ao mesmo tempo em que se pressionava por maiores liberdades. Esta combinação de fatores era extremamente perigosa, levando em conta o que havia ocorrido na Tchecoslováquia em 1968 e a resposta que a União Soviética deu à iniciativa daquele país. Um momento marcante do final dos anos 1970 foi a escolha de um polonês, Karół Wojtyła, para ser o Papa da Igreja Católica Apostólica Romana com o nome de João Paulo II. A Polônia é um dos países mais fervorosamente católicos de todo o mundo, e a escolha dele no momento histórico da Guerra Fria levou muita felicidade ao povo polonês. Na sua primeira visita ao país, milhões de poloneses foram às ruas vê-lo. Sua Santidade não pregava nenhum tipo de rebelião ao governo comunista, mas deixava claro que era possível haver uma Polônia diferente, composta por instituições sociais independentes do governo e de ideologias. Se durante as dificuldades do passado uma das únicas esperanças de união do povo era a religião católica, isso se tornou ainda mais verdadeiro com João Paulo II no Vaticano. Na década de 1980 os sinais de que as coisas não iam bem ficaram cada vez mais claros e evidentes. Os dilemas político e econômico eram grandes demais para serem maquiados. A falta de apoio da população era tão grande que se temia até mesmo uma eleição, onde o partido dominante jamais conseguiria a vitória. O surgimento de movimentos de trabalhadores em prol da liberdade e da democracia, sendo o mais notável deles o Solidarność 69 de Lech Wałęsa, obrigou o governo a chamar os trabalhadores às mesas de negociação para fazer concessões. Os acordos não eram suficientes, porém prolongaram a sustentação do governo comunista por mais alguns anos. Logo o Solidarność se tornaria o primeiro movimento anticomunista a atuar legalmente em toda a Cortina de Ferro. A febre do Solidarność espalhou-se pela Polônia com rapidez incrível. Muitos eram os setores da sociedade que se juntavam a ele, desde os religiosos à esquerda moderada. Nove milhões de pessoas haviam se tornado membros da instituição em poucos meses. Aliando isso ao medo do governo de uma grande crise econômica, o novo chefe de governo do país, Wojciech Jaruzelski, decretou o Stan wojenny, ou “Estado de exceção” em 13 de dezembro de 198147. Jaruzelski decretou a ilegalidade do Solidarność e colocou seus líderes na prisão. O governo deu instruções explícitas aos policiais para reprimir com força qualquer manifestação ou greve; houve morte de civis enquanto o estado de exceção durou, até junho de 1983. A crise econômica piorou consideravelmente neste período. A falta de produtos básicos e as longas filas nos supermercados eram o principal sintoma de que as coisas iam mal. O governo sabia que teria que lidar com a oposição e encaminhar uma transição de poder pacífica, ao mesmo tempo que permitisse à Polônia a desejada volta à economia de mercado sem que a União Soviética interviesse no país. O momento era propício, visto que Mikhail Gorbachov era o governante soviético no momento, e seu período ficou marcado pelas reformas democratizantes no país. Entre 6 de fevereiro e 4 de abril de 1989 ocorreu o Okrągły Stół, ou [Negociações da] Mesa Redonda, onde todo o processo de democratização foi discutido entre o governo comunista e os líderes do Solidarność. Uma eleição foi acordada, em que um terço dos assentos no Sejm, o parlamento, seriam reservados para a oposição e o restante para o governo. A vitória do Solidarność foi tão grande que os comunistas não conseguiram nem mesmo o número mínimo de votos para serem eleitos, e assim o comunismo chegava ao fim na Polônia. 47 CZUBIŃSKI, Antoni. Historia Polski XX wieku. Poznań: Wydawnictwo Poznańskie, 2003. 70 3.7. A nova Polônia O novo governo foi formado após nova eleição, desta vez para a presidência. Lech Wałęsa venceu com grande diferença o candidato independente. Com a formação do novo governo, muitas reformas foram postas em prática, encabeçadas em grande parte pelos planos formulados por Leszek Balcerowicz. O Plano Balcerowicz foi posto em prática ainda em 1989, para conter uma inflação de cerca de 640% ao ano, modernizar e privatizar as ineficientes empresas estatais e fechar as já condenadas. O Plano possibilitou uma recuperação acelerada da economia polonesa nos anos que se seguiram, e fizeram a economia polonesa dobrar de tamanho ― em termos de PIB ― em menos de duas décadas. Os primeiros anos da democracia foram marcados pela promulgação de uma pequena constituição, em 1990, além do plano Balcerowicz – que deu início à transição de uma economia planificada para a economia de mercado. O governo Wałęsa trouxe mudanças, mas não trouxe estabilidade. O desemprego era alto e a inflação também, e ainda que o país crescesse, o povo não estava satisfeito. Nas eleições de 1995 foi eleito Aleksander Kwaśniewski, político de esquerda, antigo membro do partido comunista. Houve temor de alguns setores da sociedade de que ele pudesse transformar a Polônia em um país comunista novamente, mas Kwaśniewski se comprometeu com a reconstrução do país e com a integração com a Europa. Durante seu primeiro mandato, o país se tornou membro da OTAN, em 1999. O crescimento da economia continuava alto, na casa de 7% ao ano. Somente a crise russa tirou da Polônia o fôlego desenvolvimentista, e após dois anos de crescimento tímido, o PIB voltou a crescer significativamente, após 2002. Em 1 de maio de 2004, durante o segundo mandato de Kwaśniewski, o país se tornou membro da União Europeia, junto com outros 7 países do antigo bloco comunista – além de Chipre e Malta. Este fato marcante selou a bemsucedida transição da Polônia, de um atrasado país comunista para uma moderna democracia ocidental em 15 anos. As eleições de 2005 viram o triunfo do conservador Lech Kaczyński, um político anticomunista do partido Prawo i Sprawiedliwość. Kaczyński era um patriota convicto, comprometido com o crescimento e com o fortalecimento da Polônia sem que esta se esquecesse de suas tradições, de seu passado, e de sua fé cristã. O governo de Kaczyński 71 combateu a corrupção, cortou gastos e diminuiu impostos, promoveu a valorização da família, agiu com cautela na integração do país com a UE, e fortaleceu a relação amigável e cordial com os Estados Unidos da América. A derrota nas eleições parlamentares de 2007, no entanto, deixou Kaczyński sem a maioria no Sejm e impossibilitou algumas reformas do seu governo. Em 10 de abril de 2010, o presidente Kaczyński, acompanhado de diversas autoridades militares e políticas polonesas, além de ilustres civis poloneses, iam em um Tupolev para a Rússia, para participar do memorial aos 70 anos do massacre de Katyń. A poucos quilômetros do aeroporto de Smoleńsk, em um acidente que até hoje não foi esclarecido, o avião presidencial caiu, matando os 95 tripulantes, em condições extremamente suspeitas. O governo russo negou qualquer responsabilidade no acidente e eximiu os controladores de voo do aeroporto de culpa, dizendo que o responsável pela tragédia foi o próprio piloto. A resposta russa foi vista como uma provocação à Polônia, porém, nada pode ser feito até hoje. Nas eleições ocorridas em 2010, o liberal Bronisław Komorowski foi eleito presidente, derrotando o irmão de Lech Kaczyński, Jarosław Kaczyński. O novo governo reafirmou suas obrigações com a União Europeia e tomou medidas em um sentido de distanciamento dos Estados Unidos. A construção de um escudo antimísseis entre a Polônia e a República Tcheca, proposto pelos EUA como uma defesa a possíveis ataques nucleares iranianos, provocou a ira do governo russo contra os dois países e contra a administração Bush. A Polônia não tinha interesse em desgastar mais ainda suas relações com a Rússia, e a população polonesa não era favorável a este empreendimento conjunto. Houve até mesmo ameaças de retaliação nuclear por parte da Rússia caso os planos fossem levados a cabo. Por estes motivos e pela saída dos Republicanos do poder nos Estados Unidos, os planos de construção do escudo foram abandonados. A Polônia vive tempos positivos, por conta do crescimento econômico que o país tem conseguido, na contramão do continente europeu, e pelo florescimento e fortalecimento da democracia. O povo polonês compreendeu as dificuldades na transição para a economia de mercado dos anos passados e a economia polonesa se reergue rapidamente, tendo o país sofrido muito poucos efeitos da crise econômica do final dos anos 2000. O cenário econômico para o futuro é promissor: estima-se que a Polônia venha a ter um crescimento acelerado do Produto Interno Bruto, tal qual o de meados da década de 1990. A política polonesa continua seu processo de democratização e fortalecimento de instituições, além do combate à 72 corrupção. Da mesma forma, a política externa polonesa parece ser guiada rumo ao Ocidente, em especial os Estados Unidos e a União Europeia como um todo. 73 4 GEOPOLÍTICA DA POLÔNIA O nome oficial da Polônia é Rzeczpospolita Polska, ou República da Polônia. Em sentido horário, suas fronteiras são o Mar Báltico (ao norte), a Rússia, a Lituânia, a Bielorrússia, a Ucrânia, a Eslováquia, a República Tcheca e a Alemanha. Seu litoral totaliza 440 km. Há quatro rios principais: o Wisła, o Odra, o Warta e o Bug, sendo que os dois primeiros deságuam no Mar Báltico. O clima polonês é temperado, com o verão relativamente quente e inverno frio. Os recursos naturais são relativamente abundantes, e suas principais fontes de riquezas são a agricultura e as indústrias de aço, ferro, maquinaria elétrica, eletrônicos, e naval. Porém, o setor de energia é largamente dependente das importações da Rússia. A energia elétrica polonesa ainda é dependente do carvão e de outras fontes fósseis, e a produção de energia provinda de fontes renováveis representa não mais do que 8% da produção anual. Sua área territorial de 312,685 km² faz do país o 69° mais extenso do mundo e o 9° na Europa – considerando Turquia e Cazaquistão como países europeus, seria o 11°. A população polonesa é de cerca de 38 milhões e 400 mil habitantes, fazendo do país o 34° mais populoso no mundo e o 8° na Europa, sendo o 6° da União Europeia. A vasta maioria da população do país é de poloneses étnicos, cerca de 98% da população48. O catolicismo romano é a religião dominante, cerca de 90% dos cidadãos poloneses a professam. Há tolerância religiosa, sendo as minorias respeitadas tanto pelo governo quanto pela sociedade, fruto de mais de 900 anos de convívio pacífico com aderentes de outras religiões. A Polônia sempre esteve voltada para a Europa e para o Ocidente em geral. Sua cultura se modernizou, sem perder características tradicionais únicas. O país advoga veementemente o processo de integração europeia, tanto para si quanto para os países da antiga Cortina de Ferro, ajudandoos no processo de adesão às instituições europeias. Atualmente, a Polônia tem um IDH de 0.813 – o 39° maior do mundo – e é considerado um país desenvolvido, baseado nos novos cálculos do índice instituídos pela ONU em 2010. Seu PIB é de 815 bilhões de dólares, e vem crescendo a passos largos desde o 48 Todos os dados são da CENTRAL INTELIGENCE AGENCY. Poland. CIA, 2013 (Disponível em https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/pl.html, acessado em 18-09-2013) 74 fim do comunismo. Durante a crise econômica mundial do final dos anos 2000, foi o único país europeu a não sofrer retração econômica. O país é membro da Organização das Nações Unidas, da União Europeia, do Conselho da Europa, da Organização do Tratado do Atlântico Norte, do Grupo de Visegrád, do Triângulo de Weimar, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, da Organização Mundial do Comércio, e de outras organizações de menor importância. Geograficamente falando, a Polônia é um território plano com poucas elevações desde sua saída para o mar Báltico até o sul, nos Cárpatos. No sentido leste-oeste há pequena variação do terreno, permanecendo a formação plana do território polonês. As formações hídricas que não os rios também são dignos de menção. O nordeste do país é conhecido pela presença de muitos lagos, além de possuir baixa densidade demográfica, baixo nível de recursos naturais e não é industrialmente desenvolvido. Quanto mais ao sul se olha, maior é o nível de desenvolvimento e povoamento. As principais regiões metropolitanas da Polônia são as de Varsóvia, a da Cracóvia, e a de Katowice, sendo esta última a maior do país. O país é um dos grandes produtores e também um dos grandes consumidores de carvão no mundo. Praticamente toda a sua base energética provém de fontes termoelétricas, e o gás natural vindo da Rússia é também importante ― isso torna o país deveras dependente energeticamente da Rússia, pondo em risco, assim, sua segurança energética. A economia da Polônia tornou-se uma das mais dinâmicas da Europa Central e do Leste. O país representa a sexta maior economia do bloco e continua em franca expansão. As reformas liberais postas em prática nos anos subsequentes aos do fim do comunismo deram impulso a esse crescimento, porém, ao custo de resultados impopulares, como o desemprego e uma inflação em alta. Abalada em média escala pela crise russa do fim dos anos 90, a Polônia conseguiu atingir sua estabilidade apostando ainda mais na liberdade econômica. As privatizações de empresas estatais ineficientes, e até mesmo eficientes, ajudou a fomentar toda uma classe de pequenos empresários a criar seus próprios negócios. Esta classe é uma das que está por trás do grande crescimento econômico que alcançou a Polônia em tempos recentes. A agricultura já não constitui mais a fonte de sustento mais importante para os poloneses. Há problemas no campo como a falta de tecnologia adequada, a falta de investimentos diretos, e outros fatores que estão ligados à baixa produtividade. A principal fonte de riqueza do país é o seu setor de serviços. A indústria no país é bastante diversificada. 75 A economia polonesa é altamente atrativa aos estrangeiros. Seja por conta do comércio com outras nações, seja pelo investimento direto, a Polônia firmou-se como um destino popular de empresas transnacionais e empreendedores estrangeiros. Durante os governos Kwaśniewski e principalmente Kaczyński foram dadas garantias de isenção de impostos para empresas estrangeiras que quisessem se instalar no país. Em termos de política interna, a Polônia é um Estado democrático de direito, conforme sua Constituição, promulgada em 1997. É uma república parlamentarista, tendo o Presidente como chefe de estado e o Primeiro-Ministro como chefe de governo. O poder executivo é exercido pelo Gabinete de Ministros, liderado pelo Primeiro-Ministro. O poder legislativo é exercido por um Parlamento bicameral, composto pelo Sejm e pelo Senat. O Sejm é composto por 460 deputados, eleitos em distritos pelo método da representação proporcional. O Senat é composto por 100 senadores, eleitos por distritos, em um sistema de votação em blocos, utilizado apenas na eleição para o Senat. O poder judiciário é exercido por uma corte suprema, uma corte administrativa, um tribunal constitucional e um tribunal de Estado. Os dois principais partidos políticos da Polônia são o Prawo i Sprawiedliwość, de direita, e a Platforma Obywatelska, centrista. O último tem o controle da presidência, do Sejm e do Senat desde 2010. A Polônia, desde o fim do comunismo, tem buscado criar relações mutuamente benéficas com muitos dos seus vizinhos e com todos os países ocidentais. O país apoia a integração dos países da Europa Oriental às instituições da Europa, tentando ancorar seus vizinhos para longe da zona de influência da Rússia. As relações com outros países tendem a ser cordiais e positivas. Suas relações com o Brasil, por exemplo, são amigáveis, tendo sido estabelecidas em 1919. Há uma embaixada do Brasil em Varsóvia, e uma embaixada da Polônia em Brasília, além de um consulado polonês em Curitiba. 4.1. Panorama geopolítico Por todos os motivos até aqui elencados, a Polônia constitui um caso único em termos geopolíticos. A grande estratégia geopolítica do país sempre foi desenvolvida em torno de um mesmo objetivo: garantir sua independência, sua identidade nacional e sua soberania. 76 Num ambiente tão instável como o das relações internacionais na Europa, qualquer movimento de qualquer Estado afeta os demais. Isso é especialmente verdadeiro no caso polonês. Como apresentado nos capítulos anteriores, a Polônia já exerceu a liderança regional, assim como também foi dividida entre vizinhos poderosos. Isso torna a geopolítica neste país uma questão muito séria e muito vital para a existência do mesmo, e qualquer deslize ou pequeno problema pode acabar em grandes complicações, como no passado. Some-se a isso a centralidade da Polônia no mapa da Europa e todo o histórico de conflitos com os países vizinhos. O grande problema geopolítico da Polônia é o território desprotegido. O país é composto em sua maior parte por terras de baixa altitude, exceto pelos Cárpatos e pelos Tatras ao sul ― nas divisas com a Eslováquia e a Ucrânia. As outras fronteiras são compostas por planícies com rios que oferecem pequena ou nenhuma proteção contra invasores. A história mostrou o quanto estes fatores não ajudaram a Polônia a defender-se de maneira bemsucedida de ataques em larga escala. Diga-se de passagem que a ocorrência de invasões por mais de uma frente também significa impossibilidade de defesa, e a presença de dois Estados poderosos como Alemanha e Rússia (e seus respectivos antecessores) tornava esse cenário bastante plausível durante boa parte da história do país. George Friedman afirma que, para lidar com o poderio dos seus vizinhos, a Polônia teve, ao longo de sua história, três principais opções. A primeira delas, e certamente a mais indicada para qualquer país ainda que haja grandes riscos em sua escolha, é a de se tornar um país igualmente próximo de Berlim e de Moscou, mantendo a independência e a autonomia em relação a ambos. A debilidade desse plano está na impossibilidade de lidar de maneira igual com estes países ― como diz um ditado popular, não se pode agradar a gregos e a troianos. Uma aliança com somente um destes também é uma possibilidade, apesar de isto tornar a Polônia dependente e sujeita a uma incorporação, ou gradual ou a qualquer momento. Em terceiro, o país pode procurar proteção externa, de uma grande potência amigável longe de seus limites ou mesmo longe da Europa. Esta é certamente a mais arriscada, e já houve exemplos no passado do quanto a dependência externa está sujeita a falhas. O cenário atual nos mostra que a Polônia tem buscado em especial a última opção, com a participação nos organismos de integração europeia ― ou seja, colocando-se em pé de igualdade com e contrabalançando a posição da Alemanha ― e uma ligação forte com os Estados Unidos. 77 A estratégia de aderir à OTAN e UE é bastante funcional e goza de grande popularidade no país. A aproximação com o Ocidente apenas afirma o que anos de história e tradição diplomática demonstram: a Polônia é um país ocidental, e seu destino é estar ao lado das nações democráticas da Europa e de todo o mundo. Entretanto, a eficiência dessa estratégia depende muito do estado em que se encontra a Rússia. Enquanto o vizinho gigante esteve debilitado com o fim da URSS, a estratégia funcionou perfeitamente. Mas como a dinâmica da Rússia como país muda drasticamente em pouco tempo ― como está mudando atualmente ― a possibilidade de se contar com uma Rússia fraca ou benigna ad eternum é altamente improvável e nem um pouco recomendável. Pensar nos piores cenários torna-se um exercício obrigatório para analisar o quanto as alianças de fato trazem segurança ao país. Some-se a isso a incerteza sobre o papel e a eficiência dos organismos internacionais do qual a Polônia faz parte. A OTAN e a UE são blocos grandiosos, com discrepâncias grandes de membro para membro. A probabilidade de uma guerra com a Rússia, por exemplo, a princípio deveria ter uma resposta da OTAN ― obviamente levada a cabo sob a liderança dos Estados Unidos. Mas até que ponto os americanos estariam interessados em uma guerra que rapidamente desencadearia um conflito nuclear? Mesmo a possibilidade de os americanos simplesmente não honrarem seu papel como membro pleno de uma organização de segurança coletiva é real. A história mostra o quanto as grandes potências não se mobilizam em torno de um “sócio minoritário”, e a própria Polônia é um exemplo de como a dependência externa é, por si só, insuficiente e demasiadamente arriscada49. Quanto à economia, a UE também não aparenta ser um organismo 100% confiável e permanente, visto que a crise que abalou a economia mundial no final dos anos 2000 atingiu em cheio o continente e a organização. Com um futuro incerto e com todos os ônus da manutenção de um regime destes, a Alemanha poderia voltar-se contra o bloco e assumir relações econômicas mais estreitas com a Rússia. Este seria o pior dos cenários para a Polônia, que ficaria espremida no meio de dois rivais economicamente alinhados. Do sucesso da própria União Europeia depende a soberania de países como a Polônia. O grande fator amenizador da situação crítica na qual a Polônia poderia se encontrar no caso destes prognósticos estarem corretos é a existência de um pequeno “cordão sanitário” entre ela e a Rússia, que são a Bielorrússia e a Ucrânia. Trazê-los para a esfera de influência do Ocidente e 49 FRIEDMAN, George. Poland's Strategy. Stratfor Global Inteligence, 2012. (Disponível em http://www.stratfor.com/weekly/polands-strategy, acessado em 10-10-2013). 78 da própria Polônia traria maior segurança para o país, que os teria como um muro, dificultando assim uma agressão direta russa. 4.2. A Polônia entre a Rússia e a Alemanha A Polônia, como demonstrado ao longo do capítulo anterior, sempre esteve envolvida em controvérsias, conflitos diplomáticos e grandes guerras com a Alemanha e a Rússia. São mais de mil anos de existência da Polônia como nação, e em grande parte desse tempo o país limitou-se diretamente com Rússia e Alemanha. E como exposto anteriormente, nenhuma das características geográficas da Polônia permite uma defesa natural contra agressões externas ― à exceção do sul, onde se encontram atualmente Eslováquia e República Tcheca. Isso torna o país vulnerável do ponto de vista geopolítico e geoestratégico. Por conta da centralidade do país e de seus recursos naturais, este foi durante toda a história moderna e contemporânea um país cobiçado pelos Estados maiores que se localizavam nas proximidades ― em outras palavras, Rússia e Alemanha. E como havia restrições naturais e políticas para a expansão desses países para outras direções, o alvo mais óbvio se tornou a Polônia. A Rússia, um país gigantesco com mais de 17 milhões de quilômetros quadrados atualmente, teve suas fronteiras definidas ao longo dos Séculos XVII e XVIII, sendo que regiões como a Sibéria e a Ásia Central ficaram sob sua tutela. A possibilidade de expandir-se era pouca, visto que as fronteiras do país eram enormes e a defesa de novos territórios conquistados de outros países seria demasiadamente custoso. A Rússia passou boa parte do Século XIX e do Século XX dividindo fronteiras com a Mongólia, a China, a Pérsia (ou Irã), o Afeganistão e o Império Otomano ― posteriormente a Turquia. A proximidade com o Japão também há de ser ressaltada, país que viveu um processo de abertura após a metade do Século XIX. A presença russa na Ásia Central e sua ambição pelo domínio do Afeganistão era contrabalançada pela posição do Reino Unido de impedir que os russos tivessem controle total da região. O temor dos britânicos era que a Rússia pudesse querer dominar a Índia, sua grande colônia na Ásia e um dos motivos de orgulho da coroa britânica. A esta disputa tácita entre os dois países dá-se o nome de Grande Jogo. Atualmente estas regiões citadas estão sob influência direta, mas não dominação explícita, de Moscou. Em 79 relação à Alemanha, a expansão territorial não seria possível para o Oeste, visto que as fronteiras do país eram com Holanda, Bélgica e Luxemburgo, países pequenos ou médios, que não ofereciam grandes quantidades de recursos naturais ou posição geopolítica mais privilegiada ― em tese, o controle sobre a Holanda, por exemplo, poderia ampliar o acesso alemão ao Mar do Norte, ajudando o país a desafiar o Reino Unido, mas isso não seria possível nos Séculos passados, visto que a marinha britânica era extremamente poderosa, e a única maneira de confrontar diretamente os ingleses da parte da Alemanha passava pelo mar. Ao norte, a Alemanha tem como vizinha a Dinamarca, um país composto de terras baixas e poucos atrativos geopolíticos. Um controle maior alemão sobre a Dinamarca poderia trazer a este país uma posição privilegiada sobre os países nórdicos, muito embora a península escandinava tenha sempre orbitado mais em torno da Alemanha e até mesmo da Rússia do que do Reino Unido. Ao sul a Alemanha limita-se com Suíça e Áustria, sendo o último destes em especial visto como uma extensão natural da Alemanha, país com o qual a Áustria compartilha o idioma, a cultura, e a história. Portanto, o único meio de ambos expandirem seus domínios tinha como alvo o Leste Europeu. Isso tornava a Polônia a principal rival das duas potências citadas, visto que este é sem dúvida o maior e mais importante país da região. Outros territórios também foram alvo da cobiça teuto-russa, como os dos atuais países Bálticos, a região onde hoje estão Romênia e Moldávia, e os próprios Bálcãs, objeto de desejo da Rússia para que o país tivesse acesso a águas quentes durante todo o ano. Por conta destes fatores todos, a necessidade polonesa em se defender e em criar alianças defensivas com Estados grandes era um fator obrigatório para a sobrevivência do seu Estado. Isso é especialmente verdadeiro nos dias atuais, já que o país diminuiu muito em termos territoriais e continua sem proteção natural a invasões a leste ou oeste. Com pouco mais de 300 mil quilômetros quadrados, a Polônia tem uma divisa longa com a Alemanha de mais de 400 quilômetros. Esta fronteira foi acordada com o governo da Alemanha Oriental no período histórico da Guerra Fria, e inicialmente declarada inválida pelo governo alemão do Ocidente ― as duas Alemanhas diziam-se representantes de todo o povo alemão, ou seja, não reconheciam de jure a soberania uma da outra, e consequentemente, a validade dos tratados celebrados com Estados terceiros. A divisa com o país foi negociada logo após a Segunda Guerra Mundial, e causava apreensão na época pensar em territórios alemães sob a guarda da Polônia. Existia o temor de que em algum momento no futuro a Alemanha pudesse querer tomar estes territórios novamente à força. Winston Churchill era um dos mais ardentes 80 opositores da anexação de territórios anteriormente alemães à Polônia. No entanto, era necessário contornar o problema de uma divisa grande entre os dois países. Apesar de ainda ser extensa para os padrões europeus, a divisa entre Polônia e Alemanha nos dias de hoje é cerca de quatro vezes menor do que na época da II República Polonesa. A Alemanha possuía partes da Silésia e da Prússia Oriental, e a totalidade da Pomerânia. À Polônia restava o que se convencionou chamar de Corredor Polonês, uma estreita faixa de terra que ligava o país ao Mar Báltico. Isso representava uma fronteira maior do que mil quilômetros, e foi um dos fatores decisivos para o rápido avanço da Alemanha sobre a Polônia em setembro de 1939. As negociações no pós-guerra contemplaram a Polônia nesse aspecto, o de diminuir os riscos de uma invasão alemã por diversas frentes diminuindo a divisa comum entre os dois países50. A divisa atual entre Polônia e Rússia se dá pelo exclave russo no Mar Báltico, onde situa-se o Oblast51 russo de Kaliningrado ― em polonês, esta cidade é chamada de Królewiec. Isso por si só constitui um perigo à situação geopolítica da Polônia pois, apesar do tamanho reduzido, este território russo é extremamente bem guarnecido e altamente militarizado ― de certa forma isso se explica por este território ser cercado exclusivamente por países membros da OTAN. A ausência de fronteiras maiores entre Polônia e Rússia nos dias de hoje contrasta com os Séculos anteriores, especialmente o XVII, onde Polônia e Rússia dividiam entre si uma fronteira de cerca de mil quilômetros. No Século XX, com a retomada da independência da Polônia, as fronteiras não ficaram definidas até o Tratado de Riga, que pôs fim à Guerra Polaco-Soviética de 1919. O acordo firmado previa uma fronteira comum de não menos do que mil e quinhentos quilômetros em um território que fora negligenciado por boa parte da existência da II República ― eram ali que estavam as terras menos produtivas e menos industrializadas do país. Essa fronteira comum, entretanto, era muito bem guardada no período do Entre-Guerras, pois esperava-se um enfrentamento direto entre Polônia e União Soviética em algum momento52. Durante toda a Guerra Fria, Polônia e União Soviética ― sucessora direta do poderio do Império Russo ― dividiam uma fronteira extensa, de cerca de mil e duzentos quilômetros quadrados. No entanto, dado o posicionamento ideológico de 50 ROSZKOWSKI, Wojciech. Najnowsza historia Polski 1945–1980. Warszawa: Świat Książki, 2003, s. 634-648. ISBN 83-7311-992-2. 51 O termo oblast é empregado no idioma russo para uma das categorias de entidade administrativa subnacional nas quais o país está dividido. O Oblast é um território habitado por russos étnicos em sua maioria, e goza de pouca autonomia interna. 52 ROSZKOWSKI, Wojciech. Historia Polski 1914-1994, Warszawa 1995, ISBN 83-01-11942-X. 81 ambos os países, a geopolítica da Polônia em relação à URSS era negligenciado, e a maior preocupação do país era um possível confrontamento dos blocos Ocidental e Oriental, que certamente aferia a Polônia ― na verdade, o país seria uma vítima secundária, pois esperavase durante toda Guerra Fria que o conflito começaria pela Alemanha dividida e se expandiria por toda a Europa. A Polônia, entretanto, estaria sujeita a uma rápida invasão soviética em casos similares aos de Hungria em 1956 e Tchecoslováquia em 1968, e houve o temor de que isso acontecesse durante o auge do Solidarność, na década de 1980. Atualmente a fronteira entre Rússia e Polônia se dá apenas através de Kaliningrado, pois a fragmentação da URSS e a independência de suas antigas repúblicas tenha criado uma zona intermediária entre os dois países. A existência da Ucrânia e da Bielorrússia protege de certa maneira a Polônia de uma possível invasão russa. A Bielorrússia não é vista como um parceiro confiável por Varsóvia, pois o país ainda é comandado pelas mesmas forças políticas que estavam no poder na época da URSS, e a Bielorrússia ainda orbita a zona de influência russa. A Ucrânia, por sua vez, é um parceiro mais confiável. Durante sua ainda curta existência como país independente, a Ucrânia aproximou-se do Ocidente, e viu na Polônia um parceiro estratégico para alcançar a almejada integração europeia. Mesmo com as mudanças de governo e programas políticos, o país parece seguir um caminho próprio, distinto da Rússia em muitos aspectos, e em alguns momentos chegando a promover conflitos diplomáticos com sua poderosa vizinha ― como durante o governo de Viktor Yushchenko, onde a Ucrânia expressou formalmente sua intenção de aderir à OTAN, algo inaceitável na visão do governo russo. A Polônia tem nestes países a esperança de ter sua segurança protegida. Como não é provável que Moscou aja no sentido de anexar novamente estes dois países em um curto prazo, isto põe a Polônia numa posição deveras confortável em termos de segurança atualmente. Em relação à Alemanha, nos dias de hoje, há uma sensação de que um conflito entre os dois não é possível de ser imaginado. Muito ressentimento e muitos sentimentos de vingança se fizeram presentes na vida dos poloneses após a IIGM, visto que a causadora dela foi a Alemanha. As relações durante a Guerra Fria eram positivas com a Alemanha Oriental, alinhada à URSS, e bastante negativas com a Alemanha Ocidental. Os ocidentais chegaram até a recusar-se a aceitar o acordo delimitando as fronteiras da Alemanha Oriental com a Polônia inicialmente, mas quando ocorreu a reunificação alemã, foi assinado um tratado com o país definindo que a fronteira estipulada com o oriente era válida. Muitos aspectos das relações entre os dois países são assuntos delicados demais para ser tratados, e é praticamente 82 impossível que não haja discussões acaloradas ou ressentimentos de qualquer uma das partes que esteja envolvida emocionalmente com um dos lados. Com a adesão à UE por parte da Polônia, no entanto, muitos dos desafios antigos parecem ter sido vencidos, inaugurando uma era de proximidade e convivência pacífica dos dois Estados. Os acordos celebrados no âmbito europeu no sentido de garantir livre acesso aos mercados de outros países-membros, a eliminação teórica das fronteiras políticas através do Acordo Schengen, além da própria existência de relações amistosas com os dois países minimiza a possibilidade de um novo conflito entre Alemanha e Polônia. É necessário destacar também que a associação entre os dois países vai além do âmbito da UE, e também se faz presente na Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN. Com a entrada da Polônia em 1999 os dois países também fazem parte de uma organização internacional de defesa coletiva ― em outras palavras, em caso de conflito de um destes países com um Estado terceiro, o outro também estará em guerra com este. A adesão da Polônia à OTAN veio em um momento histórico em que os Estados Unidos eram a única grande potência do mundo, e sua posição era praticamente inquestionável. A debilidade da Rússia, fragmentada após o fim da URSS, imergida em uma grave crise financeira, e com problemas internos relativos a autodeterminação de povos como os chechenos, também possibilitou a expansão dos limites da OTAN à porta de entrada da Rússia. A crescente importância da Alemanha reunificada no continente, entretanto, era um fator de risco que precisava ser contornado. A entrada da Polônia e outros países do Leste Europeu, durante a última década do Século XX e a primeira do Século XXI, trouxe um contraponto ao poder da Alemanha. País extenso e numeroso para os padrões europeus, além de um confiável aliado dos Estados Unidos, a Polônia foi convidada a fazer parte da OTAN em 1999. Desta maneira o país passava a fazer parte da mesma organização internacional de alguns de seus aliados históricos além dos EUA, como a França e o Reino Unido. A OTAN reverteu em parte o quadro de incertezas que povoava a mente do Ocidente no fim da década de 1990, pois com o fim da URSS, muito do sentido da organização havia sido perdido. O papel da OTAN como organização protetora do Ocidente capitalista não tinha mais cabimento, e a necessidade de renovação fez com que os países do Leste fossem integrados ao bloco. Ao mesmo tempo, isso preocupou os russos, que nada puderam fazer, senão protestar. Ainda nos dias de hoje a existência da OTAN na proximidade da Rússia é fator de preocupação para os russos. 83 4.3. As relações com o Ocidente: Estados Unidos e Europa A Polônia é um dos mais estáveis aliados dos Estados Unidos na Europa. Estabelecidas em 1919 e intensificadas em 1989, as relações entre Polônia e Estados Unidos são amigáveis, e bastante próximas. Mesmo depois da “Traição de Yalta”, e durante o período comunista, o povo polonês via os EUA como uma potência amiga. Essa percepção ajudou o governo pós-comunista a apoiar a presença militar dos americanos na Europa. A necessidade de se distanciar e de se proteger da Rússia fez a Polônia forjar essa aliança, além dos motivos históricos e estratégicos. Uma potência externa, alheia a interesses territoriais no país, os EUA são vistos positivamente pela maioria dos poloneses, ao contrário de outros países da Europa e do mundo. Assim como os Estados Unidos, a Polônia faz parte da OTAN. Ambos participaram em conjunto de várias ações militares, como no Afeganistão, no Iraque – onde a Polônia foi um dos primeiros países a contribuir com o envio de tropas – sendo que a Polônia apoia veementemente a Guerra contra o Terrorismo. A necessidade de se proteger das suas vizinhas fez a Polônia buscar os EUA como aliado. Um país localizado fora da Europa, ligado à Polônia pela existência de uma grande comunidade polonesa e de um histórico comum em defesa da democracia, das liberdades individual e religiosa, fez os Estados Unidos serem o melhor candidato à potência protetora da Polônia. Como exposto no capítulo anterior, Tadeusz Kościuszko, um patriota polonês, lutou na Guerra Revolucionária Americana e foi influenciado pessoalmente por nomes como Thomas Jefferson. As partições da Polônia também causaram um êxodo de poloneses para outros cantos do mundo, pois a falta de liberdade na Alemanha e na Rússia contrastava com os princípios americanos de respeito às liberdades individual e religiosa. Durante a Segunda Guerra os poloneses esperavam que sua libertação fosse promovida pelos americanos, que entraram no conflito em 1941. A Guerra Fria não prejudicou a visão favorável dos poloneses dos EUA, e a relação cordial entre os dois países segue até os dias de hoje. A cooperação entre os dois países vai de questões de proliferação nuclear a democratização e respeito aos direitos humanos. A proximidade da Polônia com países em transição, como a Bielorrússia e a Ucrânia, também é um fator que os coloca como aliados óbvios e espontâneos. 84 Em 2008 foi planejada a instalação do escudo antimísseis em Słupsk, na Polônia, para proteger a Europa e os Estados Unidos de mísseis balísticos intercontinentais vindos de Irã e Rússia. No entanto, a sociedade polonesa respondeu negativamente à promoção deste empreendimento conjunto, e o presidente russo Dmitri Medvedev chegou a ameaçar a Polônia com um ataque nuclear em larga escala caso o projeto fosse levado adiante. Com a derrota do candidato republicano John McCain nas eleições americanas de 2008, o plano original foi abandonado; porém, um novo escudo antimísseis baseado no Mar Negro, operado pelos EUA, protege a Polônia de mísseis de médio e curto alcance, além de não desagradar Moscou. As relações entre Polônia e Reino Unido melhoraram consideravelmente depois de 1989. Os britânicos viam a Polônia com desconfiança no entre guerras, por conta do expansionismo do país. Durante a Segunda Guerra, os britânicos prometeram defender a nação polonesa no caso de uma invasão, que, quando concretizada, não obteve a resposta esperada. Apesar de esquecer sua aliada, a Grã-Bretanha recebeu tropas polonesas, que lutaram contra os nazistas junto das tropas britânicas, sob seu comando. As relações entre ambos os países esfriaram durante a Guerra Fria, porém, com o fim do comunismo, Reino Unido e Polônia voltaram a ter relações amigáveis. As duas nações são os mais estáveis aliados dos Estados Unidos da América na Europa. Há a coexistência dos dois países nos mecanismos europeus de integração e defesa coletiva. É interessante frisar que tanto Reino Unido quanto Polônia são dois dos países mais eurocéticos do continente. As relações entre Polônia e França são bastante próximas nos dias de hoje. Aliadas durante o reinado de Napoleão, e durante o período entre guerras, Polônia e França tiveram relações bastante tímidas – quando não inexistentes – durante o século XVIII e a Guerra Fria. A França, assim como o Reino Unido, tinha um pacto de assistência militar com a Polônia em caso de invasão da última, que não foi cumprido. Durante a Guerra Fria, os dois países estavam em blocos opostos, e suas relações eram distantes. Após o fim do comunismo na Europa, no entanto, elas melhoraram consideravelmente. Os dois países fazem parte tanto da OTAN e da UE, e suas relações bilaterais são muito positivas e amigáveis. Boa parte dos investimentos estrangeiros na Polônia provém da França. A queda da União Soviética representou também a independência de novos países nas proximidades da Polônia. O país tem procurado forjar relações positivas com todos os seus vizinhos e países próximos do Oriente. A Polônia evita claramente se pronunciar como 85 potência regional ou afirmar que este é um dos seus objetivos, porque são muitos os que veriam nisso uma expressão do desejo polonês de expansão, medo ainda presente no imaginário de ucranianos, bielorrussos e lituanos. Ainda assim, seu desejo é ancorar estes Estados para longe da zona de influência da Rússia. O apoio tácito às revoluções coloridas em países como Ucrânia e Geórgia enfureceu o regime de Moscou e demonstrou o quanto a sociedade polonesa é favorável à integração destes países aos organismos multilaterais europeus. Quando a Geórgia foi atacada pela Rússia em 2008, a Polônia demonstrou solidariedade ao pequeno país do Cáucaso, e apelou à Rússia para que respeitasse a integridade territorial da Geórgia. As relações com os dois vizinhos ao sul, República Tcheca e Eslováquia, se tornaram muito boas depois de anos de polarização entre Polônia e Tchecoslováquia. Tanto tchecos quanto eslovacos tendem a ver a Polônia positivamente. A Bielorrússia é a mais notável exceção, embora o regime de Minsk é fechado a qualquer nação que não seja a Rússia. 4.4. As relações com o Oriente: Rússia, China e Índia As relações da Polônia com a Rússia não são amigáveis. Poloneses e russos sempre foram rivais no conflito pela hegemonia de poder na Europa Oriental. Inúmeras guerras foram travadas entre estes, e estratégias de desestabilização interna também foram utilizadas dos dois lados. A Rússia sempre foi vista como uma potência agressora pelo povo polonês. Após 1795, quando a Polônia foi dividida entre seus três vizinhos, coube à Rússia a maior parte do território e da população polonesa, e coube aos russos, também, lidar com a resistência ferrenha à ocupação. Em 1918 a Polônia se tornou independente, e apenas um ano mais tarde entrou em guerra com a Rússia Comunista. Depois disso os soviéticos passaram a ver a Polônia como um inimigo a ser destruído. A Segunda Guerra Mundial foi prova disso, quando a URSS promoveu a morte de milhares de poloneses. Com o fim da guerra, os russos ocuparam a Polônia, e implantaram um regime “amigável” no país. Nesse momento as duas nações passaram a cooperar, pois se tornaram aliadas em ocasião da Guerra Fria. O sentimento esse dividido por grande parte dos poloneses, no entanto, era o de dominação russa sobre a Polônia. Com o fim desta e a derrota da União Soviética, as relações entre as duas nações voltaram a ser delicadas. Há discordâncias econômicas, históricas, e principalmente 86 políticas entre ambas. A Polônia buscou seu lugar na Europa, e sempre foi aliada dos outros países do Leste que pretendiam seguir o mesmo caminho. A Rússia quer o Leste Europeu sob sua influência direta, e a integração europeia atrapalha essa pretensão. A invasão russa à Geórgia teve pronta resposta do governo polonês, que esteve abertamente ao lado dos georgianos contra o agressor. A Polônia liderou o movimento pró-Geórgia durante o conflito, o que piorou ainda mais as relações russo-polonesas. Com os planos dos EUA de construir um escudo antimísseis, a Rússia ameaçou a Polônia de um ataque nuclear em larga escala, caso os planos fossem levados adiante. O governo polonês acabou por recuar, aliando isso à derrota dos republicanos nas eleições americanas de 2008, o que fez o plano ser abandonado. A queda do avião presidencial polonês em 2010 em território russo, sob condições extremamente suspeitas, e a resposta dos russos ao acidente, é uma das questões de discordância mais importantes neste momento. Há insuficiência de provas, o que bastou para que muitos passassem a acreditar que a Rússia estaria diretamente envolvida na morte de Lech Kaczyński, um estadista admirado em seu país, e mesmo fora dele, pela defesa dos interesses de sua nação. Um desenvolvimento recente que diz respeito à Polônia nas suas relações com a Rússia é a construção do Nordstream, o gasoduto do mar Báltico. Este empreendimento russo e alemão é um duto subaquático pelo qual a Rússia abastece a Alemanha e a Europa Ocidental. O temor de que a Rússia possa usar este gasoduto como instrumento de pressão contra os países do Leste Europeu é bastante presente no imaginário desses povos. Com a construção do Nord Stream, um gigantesco gasoduto que irá levar gás da Rússia à Alemanha, submerso no Mar Báltico, o problema da Europa ocidental seria resolvido. E é exatamente este o temor de boa parte dos governantes e dos políticos dos países da Europa Oriental. Com a possibilidade de cortar o fornecimento dos países próximos a si sem atingir a Europa Ocidental e, consequentemente, evitar pressões destes países, seria fácil para a Rússia pressionar os países vizinhos. O problema que era apenas o de alguns países próximos, como Lituânia, Letônia e Estônia, pode se tornar o de todo o Leste Europeu. Com a China, as relações se iniciaram em 1949. Durante o período comunista, ambos os países eram aliados e suas relações eram extremamente positivas. As discordâncias políticas entre URSS e China fizeram a relação polonesa com Pequim se tornar mais distante, porém, ainda amigável. As mudanças ocorridas na Polônia coincidiram com as reformas 87 instituídas por Deng Xiaoping na China. As relações econômicas têm crescido ano a ano, com a Polônia importando da China 11 bilhões de dólares em 2008. No campo político, porém, as relações esfriaram, devido ao fato de a China ser alinhada à Rússia em suas decisões no âmbito da ONU e do CS. A China é um país digno de ser mencionado, pois espera-se que ela se torne uma grande potência no futuro, o que certamente mexeria com o equilíbrio de poder na Eurásia afetando assim a Polônia. A Índia e a Polônia são países distantes geograficamente, que cooperam em questões internacionais e relacionam-se de forma bastante amigável. A Índia também é um importante player, pois além de seu notável peso demográfico, é um país do qual se espera uma era de crescimento econômico e busca pela hegemonia continental. Ambos mantêm relações bilaterais desde 1957. Com o fim da URSS a Índia, assim como a Polônia, procurou forjar relações positivas com a Europa e os EUA. A cooperação econômica e comercial vem crescendo, tal qual a cooperação com a China, e acordos na área militar foram assinados nos últimos anos entre poloneses e indianos. Outros pontos de cooperação são nas áreas de tecnologia e ciência. 88 5 CONCLUSÃO Considerando os aspectos aqui abordados, foi visto o quanto o papel da geopolítica pode ser importante para uma nação grande e importante como a Polônia. Sua localização é ao mesmo tempo um privilégio e um risco à sua segurança, estando localizada na Europa Central. Sua formação geográfica não lhe permite o uso da natureza como defesa ou efeito retardante das ações de um possível inimigo, e só o que resta para o país é juntar o máximo de forças para lutar neste cenário. Por se tratar de um grande país cercado por outros países maiores, não é possível que a Polônia tenha ela própria os recursos para se defender sozinha de possíveis agressões externas. Por esse motivo os formuladores de política externa do país posicionam-se favoravelmente aos Estados Unidos, pois este é um aliado que pode se tornar um fator de impedimento de uma nova guerra na Europa. A adoção de parceiros internacionais e países aliados, seja quais forem, sempre foi uma opção da geopolítica na Polônia. Por vezes esse plano teve sucesso, como no empreendimento de Napoleão Bonaparte em restaurar uma Polônia independente por alguns anos. Em outras, no entanto, a parceria tornara-se antes uma questão de dependência do que proteção, e o resultado final foi desastroso ― a Segunda Guerra Mundial é o melhor exemplo disso. Essa parceria estratégica com os americanos é o melhor caminho agora, por conta do contexto mundial global, em que os EUA garantem segurança a seus aliados por força de tratados multilaterais e acordos bilaterais. Em caso de guerra da Polônia com Estados terceiros, tendo em vista que a Carta da OTAN prevê esse mecanismo, todos os paísesmembros da OTAN estariam em guerra com esse país. A OTAN, encabeçada pelos EUA e tendo como membros plenos países como Reino Unido e França é uma força militar extremamente considerável, chegando a intimidar possíveis adversários por sua superioridade em relação a boa parte dos países do mundo. É chegado o Século XXI, e a Polônia encontra-se firme junta dos países do Ocidente. E se pensarmos, porém, em uma mudança radical? Seria possível a Polônia cooperar com a Rússia e com outros países vistos hoje como “párias” do sistema internacional? Será possível pensar que a Polônia pode abandonar as instituições às quais está ligada para adotar uma instância mais pró-Rússia em sua política externa? E a China, com quem Varsóvia já não se 89 relaciona positivamente, que papel poderá ter a China no Século XXI e quais são as implicações disso? Ressalta-se aqui que se voltar para Moscou significa necessariamente abandonar a proteção do Ocidente, a parceria estratégica com os EUA e os bons frutos da integração europeia. A probabilidade é, sem dúvidas, muito pequena. A percepção na Polônia de que a Rússia não é um país amigo é reflexo da rejeição da sociedade polonesa a qualquer tipo de parceria com o país que causou anos de sofrimento e atraso aos poloneses tantas vezes na história. Seguir a Rússia não se trata de uma escolha baseada em ideologias ou em segurança. A verdade é que a Rússia por si só constitui uma ideologia, e um ideal de uma Rússia dominante e hegemônica povoa as mentes de muitos russos. Estar ao lado daquele país significaria, para a Polônia, estar contra si mesma. E mais do que isso, como exposto por Friedman, a adoção de uma estratégia pró-Rússia acarretaria, mais cedo ou mais tarde, na absorção do país pelo seu gigantesco vizinho. Essa estratégia é falha em termos de sobrevivência do Estado. Ao mesmo tempo, teme-se que os esforços empregados na construção de uma comunidade econômica que contemplasse todos os países livres e democráticos do continente ― representada pela União Europeia ― venham a fracassar por causa das contradições internas do bloco, da falta de centralização política, e da própria percepção de que uns Estados pagam mais que outros. Esses fatores podem tornar a União Europeia um bloco moribundo no futuro. Esse temor é real e assusta todo o continente, pois o fracasso da Europa Unida poderia ter efeitos catastróficos inimagináveis. A história mostra que durante as mais graves crises na Europa, quando hoje fechamento e protecionismo, a situação ficou mais propensa à existência de conflitos. O que poderia ser da Alemanha caso a UE deixasse de ser relevante amanhã? A resposta para esse questionamento pode ser encontrado no próprio âmbito europeu. A UE tem mostrado, ao longo de sua história, que em tempos de crise, a solução encontrada pelo bloco é fomentar mais a integração e coibir os protecionismos e particularismos desnecessários, fórmula essa que vem dando certo. Dessa forma, é pouco provável que a Alemanha decida seguir seu próprio caminho, por ser ela própria é um dos máximos expoentes da integração europeia. Feitas estas constatações, é muito provável que a Polônia siga o mesmo caminho ao longo do Século XXI, buscando seu lugar no Ocidente e nas instituições multilaterais europeias, ao mesmo tempo em que se preocupa em manter relações positivas com as potências aliadas, assim como com todos os seus vizinhos. 90 REFERÊNCIAS ARRIGHI, Giovanni; HUI, Po-Keung; Ray, Krishnendu e Reifer, Thomas Ehrlich. Geopolítica e Altas Finanças In: ARRIGHI, Giovanni e SILVER, Beverly J. (Orgs). Caos e Governabilidade no Moderno Sistema Mundial. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora UFRJ, 2001 BACKHEUSER, Everaldo. Geopolítica e Geografia Política. Revista Brasileira de Geografia: 21-38, 1942. BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Geopolítica e política exterior: Estados Unidos, Brasil e América do Sul, capítulo 1: 9-42. Brasília: FUNAG, 2010. ISBN 85-7631-239-0 CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. Geopolítica e Relações Internacionais. Curitiba: Juruá, 2002. CENTRAL INTELIGENCE AGENCY. Poland. 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