Múltiplos critérios
SALMORASKIN
E
xistem pelo menos,20 crité~
rios para definir o início da
vida(verdetalhesemhttp://www.
ufrgs,brlbioetica/illivida.htm).Os
que são contra a pesquisa com
- embriõesargumentamque a vida
começa na fecundação. Se fosse
tão simples, não haveria polêmica.
Não existe mn momento único em
que ocorre a fecundação, O encontro do óvulo com o espennatozóide não é instantâneo, Em um pri,meiro momento, o espennatozóide
penetra no óvulo, deixando sua
cauda para fora. Horas depois, já
está dentro do óvulo, mas os dois
ainda são entidades distintas,
Atualmente,
os pesquisadores
de "vida" embrionária poderíamos,
com muito penar, abrir mão da "vida" do embrião de 50-100 célu-
Estima-se que
mais de 50% dos
óvulos fertilizados
sejam abortados
espontaneamente;
como se pode ver,
não é tão simples
afirmar que a
vida começa na
fecundação
pre-
ferem enxergar a fertilização como um processo que ocorre em um
período de 12 a 24 horas, Além
disso, são necessárias outras 24
horas para que os cromossomos
contidos no espermatozóide se
encontrem com os cromossomos
do óvulo.
Quando a fecundação tellIlina,
temos mIl novo ser, certo? Thmbém
não é bem assim. A teoria da
fecundação corno uúcio de vida
sofre mn abalo quando se leva em
conta que o embrião pode dar origem a dois ou mais embriões até
14 a 15 dias após a fertilização.
" C01l10uma pessoa pode surgir na
fecundação se depois ela se transfonna em dois ou três indivíduos?
E há mais complicações. A própria
natureza torna itnprovável que
qualquer embrião chegue a ser um
feto, menos chances ainda de chegar a nascer. Estitna-se que mais
de 50% dos óvulos fertilizados
sejam abortados espontaneamente, Como se pode ver, não é tão
simples àfinnar que a vida começa
na fecundação.
Ao fonnular a pergunta "Quando a vida começa?", o STF terá
cometido, apesar da melhor das
intenções, dois erros: o primeiro é
buscar uma resposta absoluta para
um tema tão complexo, ignorando
queas ciênciasda vida não trabalham com o absoluto, mas com possibilidades, O segundo erro seria o
de ter fornllllado a pergunta errada. O STF e a sociedade brasileira
ganhariam se fôssemos capazes de
responder outra pergunta: a partir
de qual o momento é inconcebível
deixar de proteger a vida humana,
mesmo se com isto pudéssemos
salvar outras? Será que a maior
parte da sociedade brasileira consideraria aceitável a eliminação
de "vida" em "estágio embrionário" para fins de pesquisa? Poderíamos atribuir valor diverso ao
embrião de 50-100 células daquele que se que se atribui a um recém-nascido? E se discutíssemos
os níveis de proteção à vida humana que diferentes legislações, "éticas" ou religiões conferem aos
diferentes estágios de desenvolvimento embrionário-fetal? Se a sociedade concluir que nem no está, gio embrionário poderíamos abrir
mão da "vida" por uma causa semelhante (gerar mais vida e menos sofrimento), então encerrarse-ia toda a pesquisa que afete ou
destrua o embrião em qualquer
estágio. Seria o fim também da fertilização in vitro com embriões
sobressalentes. Por outro lado, se a
sociedade concluir que no estágio
~~
las para pesquisa, manter-se-ia o
artigo 5.0 da Lei de Biossegurança. A não ser que tenhamos coragem de separar estas duas questões - o início da vida e o momento da vida humana em que é ulconcebível deixar de protegê-Ia, mesmo se com isto pudéssemos salvar
outras vidas - não acredito que
possamos atingir qualquer grau de
clareza a respeito do status moral
do embrião~
Melhor que comemorar o resultado fmal da audiência do STF,
será comemorar o minuto em que
ela IDiciar.Dificilaté acreditar, mas
será a primeira vez em sua história
que o STF realizará urna audiência
pÚblica para ouvir especialistas
antes de julgar o mérito de uma
ação. Concordo com o ministro
Carlos Ayres Britlo, relator da
ação no Supremo, quando este diz
que "a causa em si justifica a convocação da audiência. Homenageamos o pluralismo".
Pessoalmente torcerei para
que o STF valide o uso de célulastronco de embriões humanos em
pesquisa científica. Compreendo
que os milhares de pacientes que
já atendi com doenças degenerativas na mUlha prática diária de
médico geneticista, e aqueles que
ainda vou atender nos próxitnos
anos, infelizmente estão vivendo
em uma época em que dificilmente se beneficiarão dos resultados
destas pesquisas. Mas que ao
menos as futuras gerações olhem
para trás e se orgulhem de uma
sociedade que teve coragem de
abrir mão de certos paradigrnas
em prol da redução do sofrimento
de muitos.
SALMORASKINÉMÉDICO,
professor. membro do Projeto Genoma
Humano. presidente da Sociedade Brasileira
de Genética Clínica e diretor do Centro de
Aconselhamento e Laboratório Genelika,
Download

19/04/2007 - Jornal Gazeta do Povo