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3º EM
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Caros Alunos,
A política é o fio condutor dos diferentes artigos que compõem esse quinto número do nosso
Caderno Atualidades. Política no sentido da construção da ética, da liberdade e da justiça a partir de
uma pluralidade de atores com distintos interesses, mas também política no sentido da prática (o voto, a
participação, a desobediência e a manifestação). Eis a promessa da política: a constante desconstrução
e reconstrução do mundo a partir do diálogo e da ação, prenhes de razão e emoção.
O primeiro texto tem o título de A dura tarefa de se opor ao que está dando certo, escrito pelo
economista Ladislau Dowbor. Nesse artigo, discute-se os avanços e os desafios do Brasil em múltiplas
dimensões (econômica, política, social e cultural) a partir dos esclarecimentos do autor sobre o que é
ser “oposição” e acerca da utilização oportunista de mobilizações e reivindicações.
Dando sequência à dura tarefa de participar politicamente sem ser oportunista, mas com senso
de oportunidade, o segundo texto, Entenda o que são: constituinte, plebiscito e reforma política,
aborda os sentidos de um plebiscito voltado à constituição de um processo constituinte para a
realização de uma reforma política no Brasil. Nesse sentido, a relação entre democracia representativa
e participativa vem à tona a partir da participação popular.
Manifestações de junho de 2013: qual é o saldo dos protestos um ano depois? é o terceiro
texto do Caderno Atualidades e desvenda os horizontes e desafios das mobilizações, indicando suas
possíveis conquistas e realizações, assim como apontando para a seguinte questão: é o resultado
necessário à realização da política?
Como uma possível resposta, surge Hong Kong promete “desobediência civil” por controle
chinês sobre eleição, desafiando a política enquanto representação a partir da luta por autonomia por
parte dos cidadãos da “província rebelde”.
Sendo a justiça um dos pressupostos à política e um dos horizontes delineados pelo
pensamento e pela ação, em Justiça com as próprias mãos: linchamentos desafiam ordem e
Estado resgatamos os questionamentos sobre ordem e desordem já trabalhados direta ou
indiretamente nos textos anteriores. A partir do texto, é possível tecer questionamentos sobre a
legitimação do Estado pela população no que concerne à justiça, fazendo alusão à emergência de
“justiceiros” na mídia.
No texto Em defesa das revoltas de Ferguson nos EUA é possível relacionar violência,
manifestação e revolta às questões raciais e urbanas, construindo, por fim, a ideia de que razão e
emoção, diálogo e ação são inerentes à política.
Não deixando de inserir o papel do desenvolvimento tecnológico, envolto de questões éticopolíticas, em Mosquito transgênico é liberado para combater a dengue no Brasil vem à tona os
questionamentos sobre bioética, fundamental aos inúmeros desafios políticos do século XXI.
Resgatando as palavras de Hanna Arendt, filósofa política alemã de origem judaica, é muito
difícil entendermos que há uma esfera em que podemos ser efetivamente livres, isto é, nem movidos
por nós mesmos, nem dependentes dos dados da existência material. A liberdade só existe no singular
espaço intermediário da política. E nós queremos escapar dessa liberdade na ‘necessidade’ da história.
Um total absurdo.
Boa leitura!!!
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Índice
1.
A dura tarefa de se opor ao que está dando certo .............................................................................4
2.
Entenda o que são: constituinte, plebiscito e reforma política ............................................................8
3.
Manifestações de junho de 2013: Qual é o saldo dos protestos um ano depois? ............................12
4.
Hong Kong promete 'desobediência civil' por controle chinês sobre eleição; entenda .....................15
5.
Justiça com as próprias mãos: Linchamentos desafiam ordem e Estado ........................................20
6.
Em defesa das revoltas de Ferguson nos EUA................................................................................22
7.
Mosquito transgênico é liberado para combater a dengue no Brasil ................................................25
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1. A dura tarefa de se opor ao que está dando certo
Ladislau Dowbor
Vivemos uma situação no mínimo esdrúxula, em que legítimas manifestações por mais
realizações do governo se veem confundidas com movimentos de direita, com amplo apoio na mídia,
que quer reverter o que se conseguiu. Do lado da oposição positiva, vale a pena deixar as coisas mais
claras…
Oposição nos traz a ideia de resistência, de buscar travar um processo que consideramos errado
ou nocivo. Os seringueiros se opuseram ao desmatamento, buscavam bloquear as máquinas. É uma
guerra dura contra interesses dominantes, mas pelo menos as coisas são claras. Bastante mais
complicado é se posicionar quando se trata não de reverter tendências, mas de acelerar e aprofundar o
processo. De certa maneira, trata-se de empurrar esse imenso paquiderme chamado governo,
carcomido por interesses de grandes grupos agarrados por todas as partes, para que avance mais e
melhor. A grande realidade, o elefante na sala, para ficarmos nos paquidermes, é que as políticas
adotadas nos últimos anos no Brasil estão dando certo. Mas poderiam dar muito mais.
Isso gera sem dúvida problemas grandes para a direita, a que quer reverter os processos, pois
não pode dizer a que vem: os programas sociais, o avanço da repartição do produto, os programas para
os segmentos mais pobre da sociedade e semelhantes só são atacáveis por quem queira fazer um
suicídio eleitoral. Sobra a improbidade administrativa, esse eterno cavalo de batalha que é a corrupção
(que soberba lição de ética nos deram Jânio Quadros com a “vassourinha”, os militares no poder ou o
caçador de marajás de Alagoas), ou a frágil proclamação de maior eficiência para fazer o mesmo. A
direita, para travar os avanços, apela para elevados sentimentos de ética, o que pode gerar confusão,
mas não constrói alternativas.
Mas, para os que apoiam os avanços do país, é também bastante complicado. Não dá para negar
os imensos avanços, mas não dá para negar a imensa paralisia política que gera a tal da
governabilidade, o travamento da reforma agrária, os imensos atrasos do saneamento, a continuidade
do financiamento dos grandes grupos de comunicação pela publicidade oficial, o escandaloso nível dos
juros dos bancos comerciais, a fortuna transferida anualmente para os bancos pela taxa Selic, a imensa
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injustiça do sistema tributário, e assim por diante. Muitos simplesmente baixam os braços e se tornam
espectadores, quando não se juntam a alguma alternativa que esperam ser mais promissora.
O resultado é uma situação no mínimo esdrúxula, em que legítimas manifestações por mais
realizações, ajudando de certa maneira a empurrar as coisas, se veem confundidas com movimentos de
direita, com amplo apoio na mídia, que quer reverter o que se conseguiu. Essa política da direita,
pegando carona em reivindicações legítimas, faz parte da confusão gerada. Do lado da oposição
positiva, da oposição “para a frente”, por assim dizer, vale a pena deixar as coisas mais claras.
Interiorização do desenvolvimento
Já era tempo de termos boas cifras sobre como anda o Brasil em sua base territorial. O Atlas de
Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 apresenta a evolução dos indicadores nos 5.565 municípios
do país. A confiabilidade é aqui muito importante. No caso, trata-se de um trabalho conjunto do Pnud,
que tem anos de experiência internacional e nacional de elaboração de indicadores de desenvolvimento
humano, do Ipea e da Fundação João Pinheiro de Minas Gerais, além de numerosos consultores
externos. Os dados são do IBGE. Não há como manipular cifras ou dar-lhes interpretação
desequilibrada com esse leque de instituições de pesquisa.1
Outro fator importante: o estudo cobre os anos 1991-2010, o que permite olhar um período
suficientemente longo para ter uma imagem de conjunto. Para os leigos, lembremos que o índice de
desenvolvimento humano (IDH) apresenta a evolução combinada da renda per capita, da educação e
da saúde. Isso permite desde já ultrapassar em parte a deformação ligada às estatísticas centradas
apenas no PIB, que mede a intensidade de uso dos recursos, e não os resultados. Um desastre
ambiental como o vazamento de petróleo no Golfo do México, só para dar um exemplo, elevou o PIB
dos Estados Unidos ao gerar gastos suplementares com a descontaminação, “aquecendo” a economia.
O fato de prejudicar o meio ambiente e a população não entra na conta. A Inglaterra acaba de melhorar
seu PIB ao incluir estimativas de tráfico de drogas e prostituição, no valor equivalente a R$ 37 bilhões.2
O dado mais global mostra que nessas duas décadas o IDH municipal (IDHM) passou de 0,493,
ou seja, “muito baixo”, para 0,727, “alto”. Isso representa um salto de 48% no período. Em 1991, o
Brasil contava 85,8% de municípios no grupo “muito baixo”, portanto, abaixo de 0,5, e em 2010, apenas
0,6%, ou seja, 32 municípios. É um resultado absolutamente impressionante e retrata um avanço
sustentado na base da sociedade. A tendência já foi sentida nos anos 1990: claramente, a Constituição
de 1988, com a democratização, e a quebra da hiperinflação em 1994 permitiram os primeiros passos.
O número de municípios com IDHM “alto” ou “muito alto” passou de 0 em 1991 para 134 no ano
2000, e em 2010 atingiu 1.993 municípios. O que os dados gerais representam para este país tão
desigual é imenso: a interiorização do desenvolvimento.
A esperança de vida ao nascer passou de 64,7 anos em 1991 para 73,9 anos em 2010, o que
significa que na média o brasileiro ganhou nove anos extras de vida. Em 2012, segundo o IBGE,
atingimos 74,5 anos. Não há como mascarar esse imenso avanço. Os saudosos da ditadura têm hoje
em média dez anos de vida a mais para protestar contra a democracia.
No plano da educação, a porcentagem de adultos com mais de 18 anos que tinham concluído o
ensino fundamental passou de 30,1% para 54,9%. Em termos de fluxo escolar da população jovem,
segundo indicador do item educação, passamos do indicador 0,268 em 1991 para 0,686 em 2010, o
que representa um avanço de 128%. A área de educação é a que mais avançou, mas também continua
a mais atrasada, pelo patamar de partida particularmente baixo que tínhamos. E em termos de renda
mensal per capita, passamos de 0,647 para 0,739 no período, o que representou um aumento de R$
346. Isso é pouco para quem tem muito, mas, para uma família pobre de quatro pessoas, aumentar em
mais de R$ 1.000 a renda muda a vida.
São avanços extremamente significativos. Pela primeira vez o Brasil está começando a resgatar
sua imensa dívida social. Aqui não há voo de galinha, e sim um progresso consistente. Por outro lado,
os mesmos dados mostram quanto temos de avançar ainda. É característico o dado de população de
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18 a 20 anos de idade com o ensino médio completo: 13% em 1991, 41% em 2010. Grande avanço,
triplicou o nível, mas também revela o imenso campo pela frente, e copo meio vazio permite gritos e
denúncias, em particular quando se aproximam as eleições. O Nordeste ainda apresenta 1.099
municípios, 61,3% do total, com índice “baixo”, na faixa dos 0,5 e 0,6 no IDHM. Não se trata de
questionar o processo, e sim de reforçá-lo e aprofundá-lo. Guiar-se pelos dados, e não pelos ódios
ideológicos, é fundamental.
Além do PIB
Resumir os resultados do desenvolvimento de uma nação em uma cifra apenas beira o
surrealismo. Uma metodologia interessante apresentada em 2014 mede o desempenho de 132 países,
focando os resultados efetivos em termos de qualidade de vida das pessoas. São 54 indicadores
agrupados em três questões:3
1) O país assegura as necessidades mais essenciais de sua população?
2) Os fundamentos básicos que permitem aos indivíduos e às comunidades alcançar e sustentar seu
bem-estar estão assegurados?
3) Há oportunidades para todos os indivíduos alcançarem seus plenos potenciais?
Com o apadrinhamento de Michael Porter e o peso da Universidade Harvard, os resultados
dificilmente poderão ser tingidos de viés progressista. Fazendo coro com os já numerosos aportes
metodológicos que se multiplicam pelo mundo, o estudo desloca com clareza o foco das medidas.
“Tornou-se cada vez mais evidente que um modelo de desenvolvimento baseado apenas no
desenvolvimento econômico é incompleto. Uma sociedade que deixa de assegurar as necessidades
básicas, de equipar os cidadãos para que possam melhorar sua qualidade de vida, que gera a erosão
do meio ambiente e limita as oportunidades de seus cidadãos não é um caso de sucesso. O
crescimento econômico sem progresso social resulta em falta de inclusão, descontentamento e
instabilidade social” (p.11).
Na análise dos autores, “entre os países dos Brics, o Brasil apresenta o perfil de progresso social
mais forte e ‘equilibrado’” (the strongest and most “balanced”). Exibe uma fraqueza em Necessidades
Humanas Básicas (puxada pelo score muito baixo de 37,5 para Segurança Pessoal), mas tem uma
performance consistentemente boa em todos os componentes tanto dos Fundamentos de Bem-Estar
como de Oportunidades, com exceção de Educação Superior (38,09, 76o) (p.50).
O Brasil ocupa o 46o lugar entre 132 países, com um índice médio geral de 69,957. A Colômbia
ocupa o 52o lugar; México, o 54o. O PIB per capita brasileiro utilizado na pesquisa é de US$ 10.264 em
valores de 2012. Os dados sintéticos para o Brasil podem ser observados na Tabela 2.
Para termos uma referência, os Estados Unidos ocupam o 16o lugar, com um PIB per capita de
US$ 45.336 e um índice médio geral de 82,77. No caso do item Fundamentos do Bem-Estar, que
envolvem “Acesso ao conhecimento”, “Acesso à informação e comunicação”, “Saúde e bem-estar” e
“Sustentabilidade”, há uma dinâmica inversa interessante: os Estados Unidos estão recuando para uma
maior desigualdade nos últimos anos e gerando danos ambientais muito elevados, enquanto o Brasil
progride, o que explica os números muito semelhantes da tabela: 75,96 para os Estados Unidos e 75,78
para o Brasil.
Produtividade dos recursos
Um segundo eixo de análise que essa pesquisa permite é em termos da repartição dos recursos.
Constata-se uma forte correlação entre o aumento do PIB e a melhoria na área das necessidades
básicas (no caso, “Nutrição”, “Água e saneamento”, “Habitação” e “Segurança”), mas apenas para os
mais pobres: “As necessidades humanas básicas melhoram rapidamente quando o PIB per
capita aumenta, nos níveis baixos de renda, mas depois [a tendência] se torna mais horizontal [flattens
out] à medida que a renda continua a aumentar” (p.54).
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Para nós, isso é muito importante, pois mostra que o aumento de renda nos estratos mais pobres
melhora radicalmente o progresso social em geral. Em outras palavras, o dinheiro que vai para a base
da sociedade é muito mais produtivo em relação aos resultados para a sociedade, o que bate
plenamente com as pesquisas do Ipea sobre a produtividade dos recursos. Estamos aqui no centro do
problema da baixa produtividade econômica gerada pela concentração de renda, confirmando os efeitos
multiplicadores que geram a redistribuição, inclusive para o próprio PIB.
Isso nos leva de volta ao principal desafio: avançar na redução da desigualdade. Esta continua
crescendo no mundo e está atingindo limites insustentáveis. É a razão do imenso sucesso do livro de
Thomas Piketty, O capital no século XXI. A desigualdade foi tema central do último Fórum Econômico
Mundial. Grande impacto gerou também o relatório da Oxfam, Working for the few,4 que com cifras
insuspeitas do Crédit Suisse, que gerencia fortunas e sabe do que fala, constata que 85 pessoas
acumularam mais riqueza do que a metade mais pobre da população mundial.
A dimensão brasileira aparece no relatório da Forbes, com os principais bilionários brasileiros.5 A
origem das fortunas, no nosso caso, é particularmente interessante: trata-se essencialmente dos
banqueiros (concessão pública, com carta patente, para trabalhar com dinheiro do público); de donos de
meios de comunicação (concessão pública de banda de espectro eletromagnético para prestar serviço
de comunicação à população); de construtoras (as grandes, que trabalham com contratos públicos, nas
condições que conhecemos); e de exploração de recursos naturais (solo, água, minérios), que são do
país e os quais mais se extraem do que se produzem. É o divórcio crescente entre quem enriquece e
quem contribui para o país. Piketty é claro: “A experiência histórica indica que desigualdades de fortuna
tão desmesuradas não têm grande coisa a ver com o espírito empreendedor e não têm nenhuma
utilidade para o crescimento”.6
Moral da história? O avanço social, a redução das desigualdades e a sustentabilidade ambiental
não constituem entraves, e sim condição do desenvolvimento em geral. No nosso caso, ao mesmo
tempo que se constatam avanços impressionantes, temos um imenso caminho pela frente. Dizer que a
dinamização do desenvolvimento pela inclusão se esgotou é bobagem. Estamos no caminho certo, mas
o processo precisa de um sólido impulso.
Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e
Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e
Democracia econômica – um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).
1 Documento completo disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130729_AtlasPNUD_2013.pdf; vídeo explicativo de treze
minutos disponível no site do Pnud: www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=3771.
2 Angela Monaghan, The Guardian, 29 maio 2014. Disponível em:
www.theguardian.com/society/2014/may/29/drugs-prostitution-uk-national-accounts?CMP=twt_gu.
3 Social Progress Index 2014, from the Social Progress Imperative – 2014. Disponível
em:www.socialprogressimperative.org/data/spi.
4 Disponível em: http://dowbor.org/2014/01/working-for-the-few-janeiro-2014-34p.htm; e disponível em
espanhol em: www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/bp-working-for-few-political-capture-economicinequality-200114-es.pdf.
5 Ver lista das famílias mais ricas do Brasil em Carta Capital, 16 maio 2014. Disponível em:
www.cartacapital.com.br/economia/15-mais-ricos-tem-patrimonio-10-vezes-mais-ricos-que-14-milhoesdo-bolsa-familia-3783.html. Artigo original Forbes, 5 mar. 2014. Disponível em:
www.forbes.com/sites/andersonantunes/2014/05/13/the-15-richest-families-in-brazil/.
6 Thomas Piketty, Le capital au XXIe siècle[O capital no século XXI], p.944; texto completo em inglês
disponível em: http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2014/06/14Thomas-Piketty.pdf
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2. Entenda o que são: constituinte, plebiscito e reforma
política
A presidente Dilma Rousseff propôs na segunda-feira (24), em reunião com governadores e
prefeitos de capitais, um debate sobre a convocação de um plebiscito para que os eleitores decidam se
querem ou não a criação de uma Constituinte específica destinada a fazer a reforma política, que pode
mudar a atual forma de escolha de governantes e parlamentares, financiamento de campanhas
eleitorais, coligações entre partidos, propaganda na TV e no rádio, entre outros pontos.
"Quero neste momento propor um debate sobre a convocação de um plebiscito popular que
autorize o funcionamento de um processo constituinte específico para fazer a reforma política que o
país tanto necessita. O Brasil está maduro para avançar e já deixou claro que não quer ficar parado
onde está", disse a presidente, no Palácio do Planalto, quando defendeu ainda a adoção de outros
quatro pactos nacionais: por responsabilidade fiscal, saúde, transporte, e educação.
O pedido de Dilma Rousseff, no entanto, provocou divergências entre lideranças da oposição e
membros governistas do Congresso. As questões legais que envolvem a convocação de uma
Constituinte específica para um só tema também foram polêmicas entre juristas ouvidos pelo G1.
Constituinte
O que é
A Assembleia Nacional Constituinte reúne pessoas escolhidas para redigir ou reformar uma
Constituição, lei maior de um país e que rege todas as outras leis vigentes. A atual Carta do Brasil é de
1988 e não contou com pessoas eleitas exclusivamente para a tarefa, tendo sido elaborada por
deputados e senadores eleitos em 1986, que puderam cumprir o restante dos mandatos depois de
terem terminado de escrever a Carta Magna.
Problema
Segundo juristas ouvidos pelo G1, não há previsão legal de uma constituinte específica para um
único tema, como propôs Dilma em relação à reforma política, visto que os constituintes, como tais,
teriam poder para deliberar sobre quaisquer assuntos. Além disso, a Constituição brasileira não prevê a
convocação de constituinte.
Possibilidade
Outros especialistas, no entanto, dizem que a reforma de apenas uma parte da Constituição pode,
sim, ser feita por uma constituinte exclusiva. Para isso, no entanto, seria preciso que o Congresso
Nacional aprovasse uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que preveja a convocação de
constituinte para debater determinado tema.
Opiniões
Carlos Velloso, ex-presidente do STF
"Uma Constituinte é convocada para mudar uma Constituição inteira. Isso é um despropósito. Não
se tem Constituinte pela metade, não se tem poder constituinte originário só em alguns pontos. Mas não
precisamos disso. Temos uma boa Constituição, democrática, que só precisa ser alterada em alguns
pontos."
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Ives Gandra Martins, professor de Direito e jurista
"É este [aprovação de PEC] o único caminho, porque a Constituição, no artigo 14, declarou que o
plebiscito só pode ser convocado pelo Congresso Nacional através de lei, o que vale dizer, lei ordinária.
Para um plebiscito, para mudar a constituição, só pode ser através de emenda constitucional."
Luís Roberto Barroso, ministro do STF
"O Congresso pode conduzir a reforma política diretamente e, se ele desejar, acho que o Congresso,
por emenda constitucional, pode convocar um plebiscito submetendo uma proposta de reforma
política. Pode também deliberar pela convocação de um órgão específico para a elaboração da reforma
política, mas nunca uma Constituinte Originária, mas uma Constituinte que vai se pautar nos limites
estabelecidos pelo Congresso."
Marcus Vinícius Furtado, presidente nacional da OAB
"É muita energia gasta em algo que pode ser resolvido sem necessidade de mexer na
Constituição. Basta alterar a Lei das Eleições e a Lei dos Partidos. É isso o que queremos com o projeto
de lei de iniciativa popular, que já está pronto, de reforma política. É prático e direto. Acaba com o
financiamento de campanhas por empresas e define regras para eleições limpas".
Plebiscito
O que é
O plebiscito é a convocação dos eleitores do país a aprovar ou rejeitar questões de natureza
constitucional, legislativa ou administrativa. A Constituição estabelece como competência exclusiva do
Congresso propor um plebiscito. Para ser criado, ele precisa ser encaminhado em projeto de decreto
legislativo na Câmara ou no Senado. A medida deve ser aprovada em cada uma das Casas por maioria
absoluta (metade mais um de todos os parlamentares). Na Câmara, são necessários 257 votos
favoráveis. No Senado, 41.
Como funciona
O texto do projeto deve prever se a votação será obrigatória ou não e sobre qual assunto a
população vai decidir, podendo indicar a data da consulta e a pergunta exata que será feita. Depois de
promulgado pelo Congresso, o decreto legislativo é enviado ao Tribunal Superior Eleitoral, a quem cabe
definir data da votação, tempo de propaganda, regras da campanha. O processo ocorre exatamente
como numa campanha eleitoral comum, com tempo de rádio e TV e possibilidade de distribuição de
panfletos.
Caso mais recente
O último plebiscito realizado no Brasil ocorreu em dezembro de 2011 e abordou a divisão do Pará.
O projeto de decreto legislativo havia sido aprovado em maio daquele ano. O processo eleitoral levou
sete meses para ser organizado. A população do estado rejeitou a criação dos estados do Carajás e de
Tapajós. Naquela ocasião, a consulta custou R$ 19 milhões.
Opiniões
Marco Aurélio Mello, ministro do STF
"Talvez seja necessário o povo se pronunciar. Tecnicamente, não há necessidade de convocar
Constituinte, mas [fazer a mudança] por emenda."
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Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF
"Não se pense que o povo pode ir além em plebiscito do que o Congresso pode por lei. O povo só
pode decidir sobre aquilo que o Congresso pode legalmente."
José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça
"Achamos fundamental que a reforma política passe por um processo de ampla discussão com a
sociedade, e o plebiscito tem um papel muito importante para que essa reforma política ocorra, na
medida em que se dará a possibilidade de a sociedade, de as entidades, de as pessoas se
manifestarem e indicarem qual o rumo que acham correto para a reforma política."
Gustavo Binenbojm, jurista
"Sob o regime da constituição de 1988, não existe a figura do plebiscito e da assembleia
constituinte como formas de alteração do texto constitucional. A constituição muito claramente dispõe
de um instrumento, que é a emenda constitucional para que se altere o seu texto. Qualquer tentativa de
alteração do texto fora dos marcos constitucionais deve ser compreendido como uma medida
inconstitucional."
Reforma Política
O que é
A reforma política é um conjunto de propostas debatidas no Congresso Nacional para tentar
melhorar o atual sistema eleitoral e político brasileiro. Entre os temas estão sistema eleitoral,
financiamento eleitoral e partidário, coligações, alteração das datas de posses, entre outros. O caráter
polêmico da maioria das propostas é responsável para os sucessivos adiamentos das votações,
atrasando mudanças com relação ao tema.
Projetos
Uma das PECs sobre reforma política na Câmara dos Deputados tem relatoria do deputado
Henrique Fontana (PT-RS) e prevê o fim de coligações partidárias em eleições proporcionais, a
realização de todas as eleições em uma única data, a alteração da data de posse de presidentes,
prefeitos e governadores, e a facilitação da participação popular na proposição de projetos de lei e
emendas constitucionais. Um projeto de lei do deputado gaúcho prevê o financiamento exclusivamente
público das campanhas eleitorais e a possibilidade de o eleitor votar ou no candidato ou no partido.
Adiamento e alternativas
Em abril de 2013, líderes da Câmara dos Deputados negaram conceder caráter de urgência para
que projetos de reforma política fossem apreciados pelo plenário antes de passar pelas comissões da
Casa. Na segunda (24), três entidades da sociedade civil - OAB, CNBB e Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral (MCCE) - apresentaram texto de projeto de lei de iniciativa popular para reforma
política. Para que a proposta seja oficialmente apresentada ao Congresso e comece a tramitar, é
preciso o apoio de 1% do eleitorado do país.
Opiniões
Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara dos Deputados
"As propostas que as entidades e a presidente queiram apresentar serão bem recebidas. Faremos
um grupo de trabalho para que no segundo semestre ela [reforma política] possa ser aprovada nesta
Casa."
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Henrique Fontana (PT-RS), relator de um projeto de reforma política na Câmara
"Há quantos anos ouço falar que a reforma política é prioridade, mas na hora de votar sempre se
busca um consenso impossível e há uma dificuldade de construir uma maioria. Esta Casa tem que
começar a votar, como puder, a reforma política. Se não pode votar três itens, vote um."
Aécio Neves, senador e presidente do PSDB
"Cobraremos do governo federal sua proposta de reforma política, mas que venha através de uma
emenda constitucional. Achamos que esse é o leito mais seguro, mais natural. Uma reforma que possa
ser discutida pelo Congresso e, se aprovada, submetida a um referendo da população brasileira."
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3. Manifestações de junho de 2013: Qual é o saldo dos
protestos um ano depois?
Andréia Martins
26.jun.2013 - Manifestantes passam diante da tropa de choque durante caminhada em Belém (PA)
“Vem! Vem pra rua! Vem!”
“O Gigante Acordou.”
“Não é por 20 centavos.”
Esses foram alguns dos slogans mais comuns nas manifestações de junho de 2013 quando centenas
de milhares de pessoas foram para as ruas exigir mudanças, simultaneamente e em diferentes cidades,
refletindo a multiplicidade de bandeiras que poderiam ser classificadas como mais "festivas" (Vem! Vem
pra rua! Vem!), consideradas mais conservadoras (houve quem atribuísse "O Gigante Acordou" aos
mesmos setores nacionalistas que apoiaram os militares), ou ainda, bordões tidos como apartidários
(Não é por 20 centavos se referia ao aumento da tarifa em São Paulo).
Um ano depois
De maneira resumida, há três “heranças” dessa onda
de protestos: a percepção da sociedade de que sua
mobilização pode dar resultado, a capacidade de articulação
e de engajamento das pessoas na rede social que pode
chegar às ruas e a proliferação do uso das táticas black bloc
em todas as manifestações a partir de então.
Com os protestos do ano passado, os questionamentos
sobre políticas públicas parecem ter mais visibilidade.
Movimentos sociais com histórico de lutas por direitos
aproveitaram o impulso das manifestações de 2013 e a
atenção interna sobre os gastos com a Copa e reforçaram
demandas antigas -- caso da greve dos professores no Rio
de Janeiro, as marchas do MTST (Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto) e as greves dos rodoviários e
metroviários em diversas cidades.
Boa parte do barulho que conseguiram fazer se deveu
à repercussão nas redes sociais, que eram lugar para
combinar os protestos e, também, de denúncia das violências
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e de divulgação das ações. O sociólogo Sérgio Amadeu, no documentário zerovinte, aponta a
importância das “redes distribuídas”: “hoje ninguém tem mais dúvidas [de] que as redes sociais e toda a
conversa que existe dentro da internet têm uma enorme relevância para a condução do país para a
formulação até das políticas públicas”. Em uma análise feita em junho do ano passado na revista Teoria
e Debate, a filósofa Marilena Chauí já elaborava uma “conclusão provisória” de que os protestos faziam
uma “contrabalança” aos problemas urbanos e políticos da cidade de São Paulo.
Os protestos também chamaram a atenção para a tática dos “black blocs”, presente nas
manifestações contra a crise econômica na Grécia, Espanha e outros. Usando roupas pretas e com os
rostos encapuzados, eles manifestam-se contra o capitalismo e globalização e costumam depredar
empresas e bancos. A tática agora é frequente em protestos realizados por diferentes segmentos no
Brasil – o que não quer dizer que esses indivíduos sejam adeptos do movimento.
Na época, a presidente Dilma Roussef anunciou cinco pactos em resposta aos protestos.
Supressão de direitos ou medidas de segurança?
Os constantes confrontos entre manifestantes e policiais geraram propostas mais repressivas por
parte dos governantes que se justificam na tentativa de conter a violência e têm sido criticadas como
supressão do direito aos protestos, que é garantido por lei.
O governo do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, propôs a proibição do uso de máscaras. No
Senado, foram apresentadas propostas para limitar o direito à greve – caso dos metroviários de São
Paulo, pouco antes da Copa--, e considerar alguns atos como terrorismo (principalmente as ações dos
black blocs). O governo federal também tentou passar uma lei que aumentava a punição de atos de
vandalismo cometidos durante protestos -- a ideia era coibir a ação durante os jogos da Copa, mas o
Planalto desistiu da medida.
Uma das reações do governo no ano passado foi o uso da Lei de Segurança Nacional, exemplo
disso foi um casal de manifestantes preso em São Paulo. Criada em 1935 e reformulada pela Ditadura
Militar em 1983, essa legislação versa, principalmente, sobre práticas que ameaçam a integridade
territorial, os chefes de Estado, a democracia e a soberania nacional.
Segundo a Anistia Internacional, autoridades brasileiras fizeram "uso impróprio de leis penais
severas contra os manifestantes. Indivíduos que participaram de protestos foram presos com base na
Lei sobre Organizações Criminosas" (Lei nº 12.850), criada para combater o crime organizado. Pessoas
presas na mesma manifestação foram acusadas de organização criminosa, mesmo sem conhecer umas
às outras.
Aqueles que são contra a adoção desse tipo de medida argumentam que esse tipo de estratégia
equivale a criminalizar o livre direito à manifestação e ao protesto. Analistas e organizações sociais
avaliam que o Estado Democrático de Direito ficou suspenso em diversos momentos durante junho de
2013, representando o Estado de exceção, situação de forma mais intensa em 1937 com o Estado
Novo de Getúlio Vargas e na ditadura militar (1964-1985) no Brasil, que teve seu ápice com o decreto
do AI-5 em 1968.
Direto ao ponto
Para especialistas, ainda é difícil avaliar o legado dos protestos ocorridos em junho de 2013 no
Brasil. Inicialmente os protestos mobilizaram ativistas e estudantes universitários, articulados por meio
de redes sociais.
Junto com as manifestações veio a forte repressão policial e a tentativa, por parte de políticos, de
conter a violência e coibir os atos de protesto com medidas severas, recorrendo à Lei de Segurança
(EJB)
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Nacional, Estado de exceção e novas leis, associando o terrorismo, por exemplo, de forma vaga, a
quem participasse das passeatas.
Por enquanto, o que podemos listar como heranças dos protestos iniciados em São Paulo e que
se espalharam por diversas capitais brasileiras foi que eles trouxeram uma nova forma de organização
por parte dos manifestantes, colocaram o tema da mobilidade urbana de vez na pauta política,
introduziram na rotina de protestos a tática dos black blocs, até então muito forte na Europa, mas, acima
de tudo, mostrou o descontentamento da população com o atual sistema político.
(EJB)
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4. Hong Kong promete 'desobediência civil' por
controle chinês sobre eleição; entenda
Manifestantes prometeram 'era de desobediência civil' contra influência chinesa na política local
Manifestantes foram às ruas em Hong Kong prometendo uma "era de desobediência civil"
anunciou que continuará a controlar os nomes dos candidatos ao governo local nas próximas eleições.
As eleições de 2017 serão as primeiras em que os cidadãos da ex-colônia britânica, que tem
status de território autônomo, poderão escolher diretamente seu governador. Mas os nomes terão de
passar antes por um comitê especial apontado por Pequim.
O anúncio gerou revolta e manifestações em frente à sede do governo local. "É o fim de qualquer
diálogo. Nas próximas semanas, haverá muitos protestos", disse Benny Tai Yiu-ting, cofundador do
grupo Occupy Central, que quer parar o distrito financeiro da ilha.
Juliana Liu, correspondente da BBC em Hong Kong, disse que os novos requisitos eleitorais são
ainda mais rígidos que os das eleições anteriores, quando só um comitê de 1,2 mil eleitores foi
autorizado a votar.
"Agora, os candidatos precisam do apoio de mais de 50% dos membros de um comitê especial,
enquanto que, em 2012, eram necessários 12,5% dos votos deste comitê", explicou a correspondente.
À BBC, o único candidato pró-democracia das eleições passadas, Albert Ho, disse que as novas
regras impedirão que haja um novo candidato como ele.
Economia aberta, política fechada
"O governo chinês claramente decidiu que é melhor enfrentar a desobediência civil no curto prazo
do que permitir que Hong Kong tenha um processo político que possa vir a desafiar sua autoridade no
longo prazo", disse a editora da BBC na China, Carrie Gracie.
Sob a liderança de Xi Jinping, a China se tornou mais resistente às reformas democráticas, com o
Partido Comunista reforçando seu monopólio do poder.
(EJB)
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"Hong Kong é o único local em que os cidadãos podem criticar o Estado. A liberdade de
expressão e de associação em Hong Kong já são um teste para os limites de Pequim e, apesar de não
querer quebrar sua promessa de eleições diretas, o governo prefere não correr o risco de ver surgir um
líder que vá contra seus interesses", diz Gracie.
"Esta é a forma da China de fazer política. Enquanto aceita que haja concorrência em certas
áreas de sua economia, o governo quer enviar uma mensagem clara a todo o país de que estes
princípios não se aplicam à política."
Entenda a seguir alguns aspectos da tensão entre o governo chinês e seu território autônomo.
Quanta autonomia Hong Kong tem da China?
Hong Kong, ex-colônia britânica, foi devolvida à China em 1997, em cumprimento a um acordo de
1984 entre o governo chinês e o Reino Unido.
A China havia concordado em governar Hong Kong sob o princípio de "um país, dois sistemas",
no qual a cidade teria "um alto grau de autonomia, com exceção de assuntos diplomáticos e de defesa",
por 50 anos.
Assim, Hong Kong tem seu próprio sistema legal e outorga a seus cidadãos direitos como o de
associação e liberdade de expressão.
Seu governador é atualmente eleito por um comitê eleitoral formado por 1,2 mil membros, dos
quais a maioria é vista como alinhada com Pequim.
A miniconstituição de Hong Kong, a Lei Básica, diz que o objetivo final é eleger o governador por
eleições gerais.
O governo chinês aceita a concorrência em setores da economia, mas não na política.
(EJB)
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Por que a tensão?
O governo chinês prometeu realizar eleições gerais e diretas para o governo em 2017.
Mas, no último domingo, o principal comitê legislativo chinês decidiu por unanimidade que os
eleitores só poderão escolher os candidatos de uma lista formada por dois ou três nomes selecionados
por um comitê especial.
Esse comitê, por sua vez, será formado "em acordo" com o comitê eleitoral de Hong Kong.
Qualquer candidato terá que obter o apoio de mais de 50% dos membros do comitê especial chinês
para poder participar das eleições.
Ativistas pró-democracia acreditam que a China usará este comitê para impedir que candidatos
não-alinhados com Pequim disputem eleições.
Quem lidera as manifestações?
Os protestos foram convocados pelo grupo Occupy Central, que é liderado pelo acadêmico Benny Tai.
O grupo organizou um referendo não-oficial sobre a reforma política de Hong Kong em junho
deste ano.
Os eleitores tinham que votar em três propostas para as eleições de 2017, e todas elas conferiam
aos cidadãos o direito de aprovar diretamente os candidatos ao governo.
Foram registrados 792,808 votos. A alta participação - de um em cada cinco eleitores registrados indicou que a ideia tem grande apoio popular.
Pouco depois da votação, dezenas de milhares de manifestantes participaram do maior protesto
em prol da democracia em Hong Kong na última década.
A manifestação ocorreu em 1º de julho, dia em que Hong Kong foi devolvida à China em 1997.
Em 2017, cidadãos de Hong Kong poderão escolher diretamente seu governador pela primeira vez
(EJB)
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O que diz a China?
O governo chinês defendeu sua decisão, dizendo que a indicação aberta de candidatos criaria
uma "sociedade caótica" e que qualquer governador deve "amar o país".
A China criticou os protestos e disse que o referendo não-oficial foi uma "farsa".
Em junho, o governo disse que algumas pessoas estão confusas quanto ao sistema de "um país,
dois sistemas" e destacou que Hong Kong tem um alto grau de autonomia, mas não autonomia total.
Essa posição gerou fortes críticas em Hong Kong, com alguns avaliando que a China estava
impondo sua autoridade sobre a cidade.
A China vem insistindo que a unidade é o único caminho a ser seguido, enquanto enfrenta
demandas por mais autonomia na região autônoma de Xinjiang e no Tibet.
Todos querem uma democracia sem restrições?
Não. Grupos pró-Pequim, como o Maioria Silenciosa e o Caring Hong Kong Power criticaram os grupos
pró-democracia por "colocar a cidade em risco".
Eles argumentam que a desobediência civil e a oposição a Pequim só trariam danos à reputação e à
economia de Hong Kong, assim como à sua relação com a China.
Estes grupos organizaram diversos protestos contra o Occupy Central e o movimento pró-democracia.
O maior deles foi realizado em 17 de agosto, com a participação de milhares de pessoas.
A manifestação foi incomum, já que grandes protestos de apoio ao governo são raros em Hong Kong.
Muitos questionaram sua legitimidade, especialmente depois que vieram à tona de que alguns manifestantes
foram pagos para participar.
Empresários, que preferem a estabilidade, também se opuseram aos protestos em prol da democracia.
Um estudo recente da Universidade de Hong Kong mostrou que mais cidadãos de Hong Kong vêm a China
positivamente do que negativamente.
Legisladores pró-China dizem que as propostas de Pequim são um avanço em relação ao sistema atual.
Qual é a posição do governo de Hong Kong?
O atual governador de Hong Kong, Leung Chun-ying, aprovou a decisão do governo chinês.
(EJB)
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O atual governador de Hong Kong, Leung Chun-ying, aprovou a decisão chinesa e a considerou
um "grande passo à frente no desenvolvimento da sociedade de Hong Kong".
Ele acrescentou que Hong Kong tem se beneficiado do sistema de "um país, dois sistemas". Seu
governo disse que o referendo de junho não tinha qualquer base legal.
Em um relatório enviado a Pequim em julho, Leung disse que a maioria da sociedade de Hong
Kong concorda com a forma que o processo eleitoral deve prosseguir.
O relatório foi baseado em uma consulta pública, mas criticado por ativistas, para quem o
documento não representa a opinião do povo.
E agora?
Após o anúncio da decisão pelo governo chinês, Benny Tai, do Occupy Central, disse que não
haveria mais diálogo e que haveria uma "era de desobediência civil", com protestos em massa a serem
organizados no distrito financeiro de Hong Kong.
O governo de Hong Kong ainda precisa debater a decisão e criar uma lei a ser aprovada pelo
Legislativo para implementá-la.
(EJB)
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5. Justiça com as próprias
desafiam ordem e Estado
mãos:
Linchamentos
Andréia Martins
Um jovem acusado de assalto é amarrado a um poste no Rio de
Janeiro. O mesmo acontece com um ladrão de 26 anos em Itajaí (SC). Em
Goiânia (GO), um adolescente é espancado pela população após um furto,
enquanto em Teresina (PI), um suspeito de assalto é amarrado e tem seu
rosto posto em um formigueiro.
Direto ao ponto: Ficha-resumo
Esses são apenas alguns dos casos de linchamento ou do que se
chama "fazer justiça com as próprias mãos" que ocorreram no país neste
início de ano. Para especialistas e sociólogos, tais ações refletem o
descontentamento e a descrença da população na Justiça e no Estado e
funcionam como reação à onda de violência. Ocorrem não como medida
preventiva, mas punitiva para com o suspeito de cometer algum delito.
No entanto, pelo menos no Rio, a ação não foi bem vista pela
população. Pesquisa do Datafolha apontou que 79% da população reprovou
a ação de justiceiros que espancaram e amarraram a um poste um suspeito
de roubo de carros.
4.fev.2014 - Adolescente
de 16 anos nu é preso a
um poste por uma trava de
bicicleta no Rio de Janeiro
Origem dos linchamentos
A origem da expressão “linchamento” é controversa. Alguns dizem que a palavra foi criada
inspirada nas práticas de Charles Lynch, que durante a guerra de independência dos Estados Unidos
matava dessa forma os pró-britânicos. A hipótese mais aceita, no entanto, é que a palavra tenha sua
origem ligada ao capitão norte-americano William Lynch (1742-1820), que durante a Revolução de
1780, também nos Estados Unidos, era conhecido por linchar os negros até a morte.
No passado, os “justiceiros” teriam a premissa para devolver o troco na mesma moeda por causa
do Código de Hamurabi, criado em 1780 a.C., um dos primeiros códigos de leis escrito na História,
também conhecido como Lei de talião, que pregava o princípio de proporcionalidade da punição, no
"olho por olho, dente por dente".
Fenômeno frequente
Os últimos levantamentos sobre o tema mostram que linchamentos acontecem em grande número
no país. Segundo o Núcleo de Estudos da Violência da USP, entre os anos de 1980 e 2006 o Brasil
registrou 1.179 casos de linchamentos, sendo os Estados de São Paulo (568), Rio de Janeiro (204) e
Bahia (180) os que apresentaram os maiores números. Ampliando a pesquisa até 2010, o Estado de
São Paulo somou 662 casos de linchamentos, tendo 839 vítimas, enquanto no Rio de Janeiro foram 215
casos e 273 vítimas.
Mas essa prática “fora da lei” não é apenas uma característica do Brasil. Entre o final de março e
início de abril deste ano a Argentina também registrou uma onda de linchamentos. Em dez dias foram
pelos menos dez casos, sendo que um resultou na morte de David Moreira, de 18 anos, que teria
supostamente tentado roubar a carteira de uma mulher que carregava o filho no colo e morreu após
apanhar de uma multidão em Rosário, terceira maior cidade de Argentina, na província de Santa Fé.
Em 2013, o Egito, em plena crise política pela queda de mais um governo, viu uma série de
linchamentos públicos, fruto de um momento que combinava o enfraquecimento do Estado e a
desmoralização da polícia.
(EJB)
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Volta ao Estado Natural
O comportamento livre e “justificado” dos linchadores reflete um pouco os conceitos de Estado
Natural de Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632 - 1704).
Para Hobbes os homens são maus por natureza. Tal pensamento explica uma de suas mais
conhecidas frases: "o homem é o lobo do próprio homem". Ao falar do Estado Natural, ele refere-se a
um Estado em que o homem pode tudo, há ausência de regras e de uma instituição estabelecendo a
ordem e a liberdade pode ser usada de qualquer forma, não necessariamente para fins pacíficos. É uma
etapa pré-civilizatória, anterior à sociedade civil organizada, que, para Hobbes, surge não pela “boa
vontade de uns para com os outros, mas o medo recíproco”. O Estado aparece, então, com autoridade
absoluta para estabelecer a ordem.
Já o Estado Natural de Locke significava a ampla liberdade dos homens, mas ela não deveria ser
usada para prejudicar o outro, ou seja, deve existir dentro da lei. Ao contrário de Hobbes, que acredita
que a confiança no Estado deva ser absoluta, Locke diz que se houver quebra de confiança no Estado
ou se este não cumprir com as suas obrigações, o povo pode se rebelar. Nessa linha, os linchamentos
seriam formas de se rebelar contra um Estado em que não se confia mais.
Desordem?
José de Souza Martins, sociólogo que estuda há mais de 20 anos linchamentos no país, disse
recentemente que hoje existe em média um linchamento por dia no Brasil. Em suas pesquisas, o caso
mais antigo registrado no Brasil data de 1585, em Salvador (BA). A vítima foi Antônio Tamandaré, índio
que liderava um movimento messiânico, tendo brancos entre seus adeptos. Foram os próprios índios
que o seguiam que o prenderam, queimaram e estrangularam, além de destruir seu templo.
O sociólogo aponta que "os linchamentos que aqui ocorrem, pela forma que assumem e pelo
caráter ritual que parecem ter, são claramente punitivos" e oferece outra reflexão: a de que o
linchamento não seria necessariamente uma manifestação de desordem, mas pode ser interpretado
como um questionamento da desordem.
Direto ao ponto
O início de 2014 foi marcado por uma série de casos envolvendo linchamentos e da população
fazendo “justiça com as próprias mãos” no Brasil. Os casos foram desencadeados após um grupo de
"justiceiros" amarrar um adolescente nu, acusado de assalto, a um poste no Rio de Janeiro. Ações
semelhantes se espalharam pelo país, boa parte registrada em vídeos postados na internet.
Para especialistas e sociólogos, tais ações refletem o descontentamento e a descrença da
população na justiça e funcionam como reação à onda de violência. A sensação de impunidade e
insegurança chegou também à Argentina, que também neste ano, registrou dez casos de linchamentos
em dez dias, sendo que um resultou na morte do suposto ladrão.
O sociólogo José de Souza Martins, que há 20 anos estuda o assunto, aponta que "os
linchamentos que aqui ocorrem, pela forma que assumem e pelo caráter ritual que parecem ter, são
claramente punitivos" e oferece outra reflexão: a de que o linchamento não seria uma manifestação de
desordem, mas um questionamento da desordem.
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6. Em defesa das revoltas de Ferguson nos EUA
Robert Stephens II (*)
Os manifestantes em Ferguson não são nem irracionais nem apolíticos. Estão a chamar a atenção
sobre as suas necessidades básicas não alcançadas.
No fim de semana de 9 de agosto a polícia em
Ferguson, Missouri, assassinou o adolescente negro
Michael Brown. Enquanto os detalhes ainda estão a
chegar a conta-gotas, o que está claro é que durante um
confronto com um carro patrulha perto da casa da sua
avó, um polícia disparou e matou o adolescente
desarmado no meio da rua. As testemunhas dizem que
Brown corria afastando-se do polícia e que tinha as mãos
levantadas precisamente antes do policial disparar contra
ele.
Ferguson é uma cidade com uma grande concentração de população negra sob o controlo de
instituições predominantemente brancas. O assassinato imediatamente tocou uma corda sensível.
Manifestações e protestos irromperam e as pessoas tomaram as ruas, o que poderá eventualmente
culminar numa revolta. As multidões oscilavam desde pessoas que faziam vigília transportando velas no
lugar da morte de Brown até outras que queimavam estabelecimentos comerciais e lançavam cocktails
molotov durante os confrontos com a polícia. Como chegamos até aqui?
Longe de ser uma multidão violenta e sem cérebro, as pessoas de Ferguson atravessaram um
processo de elevação do seu nível de consciência política que as levou à insurreição. Um vídeo mostra
vários agitadores políticos a falar entre a multidão, convertendo a raiva momentânea em unidade
política. Um orador em particular, um jovem negro, oferece uma convincente análise política que
denuncia a injustiça da brutalidade policial como um subproduto da desordem económica da
comunidade.
“Continuamos a dar o nosso dinheiro a esses meninos brancos que estão nos seus complexos
residenciais, e não podemos obter justiça. Nem respeito. Eles estão dispostos a atacar-te se não pagas
uma fatura.... É normal que estejamos fartos.”
As revoltas, como outras formas de ação política, podem construir solidariedade. Podem criar
fortes sentimentos de identidade comum. A indignação que eclodiu em Ferguson atraiu rapidamente as
pessoas pertencentes dos meios marginais de toda a região. Mais do que um facto que lhe tire
legitimidade, a presença destas pessoas “de fora” reflete o poder magnético do momento político.
Desde o início, as manifestações contra a polícia que precederam as revoltas tiveram uma clara
dinâmica “nós contra eles”. Num ponto da manifestação, uma mulher com uma câmara diz: “Onde estão
os rufias? Onde estão os gangues de rua quando precisamos de todos?” e então as pessoas começam
a apelar aos diversas gangues de rua para abandonarem a violência do “negro contra negro” e a se
unirem na luta contra a opressão. A comunidade estava unida e preparada para empreender ação. A
polícia era o problema, e tinha que ser parada.
Smith identifica o que muitos que se autoproclamam como antirracistas e esquerdistas não
compreendem, que o racismo não é uma questão moral ou de carácter. Ele reconhece que o
ordenamento econômico facilita e beneficia da opressão racial, e é por isso que procura vias para
interferir nesse processo e o alterar. Esta análise não é somente mais real do que a que normalmente é
dada pela esquerda, mas, além disso, intervir com base nela é a única forma para erradicar a hierarquia
racial que está tão arraigada.
A multidão que se congregava não era nem irracional nem apolítica. Tentavam utilizar a sua
oportunidade para abordar as suas necessidades políticas que iam mais além. Sabiam que a violência
(EJB)
22
inter-racial na comunidade era não só uma das suas preocupações, e que na maioria dos casos quem
perpetrava ações violentas eram os próprios meninos, primos, amigos e vizinhos da comunidade. Ainda
que muitos argumentem que a população negra não se preocupa com a violência nas suas
comunidades, os apelos que se fizeram para que os gangues de rua se unissem demonstra que os
levantamentos anti-policiais abrem oportunidades únicas para unir as pessoas em formas que pugnam
por resolver questões de fundo como a violência dos gangues.
Depois da insurreição, os participantes continuaram a debater sobre o levantamento em termos
políticos. Deandre Smith, que estava presente no fogo da loja da QuikTrip, disse às notícias locais:
“acho que estão demasiado preocupados sobre o que acontece nas suas lojas, comércios e tudo isso.
Mas não estão preocupados com o assassinato.” Um segundo homem acrescenta: “Eu simplesmente
acho que o que aconteceu foi necessário para demonstrar à polícia que eles não controlam tudo”. Smith
conclui: “não acho que tenha sido suficiente.”
Numa segunda entrevista, desta vez com Kim Bell do St. Louis Post-Dispatch, Smith ampliou a
sua opinião sobre as revoltas como uma estratégia política viável.
“Isto é exatamente o que se supõe que tem que se passar quando uma injustiça acontece na tua
comunidade... Eu estava aqui fora com a comunidade, é tudo o que posso dizer... Para dizer a verdade,
não acho que isto tenha acabado. Acho que o que receberam foi uma lição do que significa contraatacar, no próprio St. Louis, o último estado a abolir a escravatura. Por acaso acham que ainda
ostentam o poder sobre certas coisas? Eu acho que assim pensam.
Eles obtêm dinheiro da seguinte maneira: negócios e impostos, com a polícia parando as pessoas
e multando-as, levando-os a julgamento, encerrando-as, é assim que eles fazem dinheiro em St. Louis.
Tudo gira à volta do dinheiro em St. Louis. De modo que quando alguém trava esse fluxo de
rendimentos eles tem tudo organizado...'nós vamos comer, vocês vão passar fome’, gentrificação. Vai tu
própria a um bairro e vê se és capaz de suportar a fome.... Isto não vai passar aqui, não em St. Louis.”
O que costuma acontecer quando ocorrem acontecimentos como a rebelião de Ferguson, é que
pessoas bem intencionadas se apressam a condenar os participantes. No mínimo, acusam as revoltas
como não produtivas e oportunistas, umas quantas maçãs podem apodrecer o resto da cesta. Esta
atitude é precisamente a que Deandre Smith criticava na sua primeira entrevista. Muitos dos detratores,
alguns dos quais também são negros, tentam vigiar estas comunidades com “políticas respeitáveis”, um
apelo a que as pessoas oprimidas se mostrem a si próprias em formas que sejam aceitáveis para a
classe dominante num esforço para conseguir créditos políticos.
Tal como o cientista Frederick Harris escreveu num artigo este ano:
O que começou como uma filosofia promulgada pelas elites negras para “elevar a raça”, mediante
a qual se deviam corrigir os traços “maus” da população negra pobre, evoluiu agora para uma que se
converteu num dos traços distintivos da política na era Obama, uma filosofia de governo que se centra
no controle do comportamento da população negra abandonada, no quadro de uma sociedade que é
'vendida' como repleta de oportunidades.
Mas a política da respeitabilidade ficou retratada como uma estratégia emancipadora que
abandona os debates sobre as forças estruturais que entravam a mobilidade social da população negra
e da classe operária.
Enquanto as revoltas com frequência galvanizam os acontecimentos dentro de uma comunidade,
com o potencial de desencadear uma energia política concentrada em dinâmicas e direções
imprevisíveis, as obsoletas políticas da respeitabilidade conduzem apenas a mais marginalização e
desestruturação. Bem, é possível não estar de acordo com a utilidade da insurreição. Mas a forma com
que as comunidades reagem à opressão tem de ser debatida em termos políticos e não simplesmente
desprezada.
(EJB)
23
Vivemos num contexto de supremacia branca e de capitalismo neoliberal onde as políticas
racialmente neutras estão a ser utilizadas para manter a exploração de classe e a hierarquia racial, e
qualquer tentativa de abordar o racismo é recusada ou ignorada. Estas políticas só intensificam a
desestruturação econômica e a pobreza e são aqueles que vivem nas margens da sociedade que as
experimentam.
O que tanto os entrevistados nas notícias locais, como as pessoas que se amontoavam no lugar
onde morreu Brown pareciam entender, é que o que é preciso é desmontar a interação que existe entre
a opressão racial e o capitalismo. Sentiam que uma manifestação ou qualquer outra forma aceitável de
indignação não atendia às suas necessidades políticas, e não se equivocavam.
(*) Artigo de Robert Stephens II publicado em jacobinmag.com, traduzido para espanhol pro Viento Sur
e para português por Carlos Santos para esquerda.net
(EJB)
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7. Mosquito transgênico é liberado para combater a
dengue no Brasil
Herton Escobar
Inseto é geneticamente modificado para não deixar descendentes; testes realizados na Bahia
mostraram bons resultados; liberação comercial é a primeira para esse tipo de produto no
mundo Herton Escobar / O Estado de S. Paulo A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio) aprovou hoje o pedido de liberação comercial de mosquitos transgênicos contra a
dengue, [...]
Inseto é geneticamente modificado para não deixar descendentes; testes realizados na Bahia
mostraram bons resultados; liberação comercial é a primeira para esse tipo de produto no mundo
FOTO: Mosquitos transgênicos sendo preparados para liberação na fábrica da Moscamed, em Juazeiro, Bahia. Crédito: Celso
Junior/Estadão (2011)
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou hoje o pedido de liberação
comercial de mosquitos transgênicos contra a dengue, desenvolvidos por uma empresa britânica,
chamada Oxitec. Os mosquitos são geneticamente modificados para serem estéreis, de modo que, ao
copularem com as fêmeas de Aedes aegypti na natureza, bloqueiam a reprodução da espécie. Testes
realizados em dois bairros da cidade de Juazeiro, na Bahia, resultaram em uma redução de até 90% do
número de insetos transmissores da dengue nessas localidades.
A decisão da CTNBio, por 16 votos a 1, atesta que os mosquitos transgênicos são seguros, tanto
para a saúde humana quanto para o meio ambiente, autorizando a empresa a buscar o registro
comercial para colocá-los no mercado — o que deverá ocorrer nos próximos meses. A Oxitec já tem
uma fábrica pronta para entrar em operação em Campinas, com capacidade para produzir 2 milhões de
mosquitos transgênicos por semana, além de uma parceria com a empresa brasileira Moscamed, com
sede em Juazeiro, que produziu os mosquitos para os testes de campo na Bahia.
“Estamos muito satisfeitos com a aprovação”, disse ao Estado o diretor global de
desenvolvimento de negócios da Oxitec, Glen Slade. “Vencemos uma etapa fundamental, mas é só o
início de um trabalho muito grande”, completou ele, ressaltando que ainda não está claro em qual
ministério a empresa deverá solicitar o registro de comercialização. Por ser o primeiro produto desse
tipo aprovado no País — e no mundo –, não há um trâmite já estabelecido para isso. O mais provável é
que o processo passe pela Anvisa.
(EJB)
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“Seja como for, a aprovação pela CTNBio significa que devemos continuar a investir no Brasil”,
observa Slade. O objetivo da empresa é ter várias fábricas de mosquitos espalhadas pelo País, para
atender a demandas localizadas com mais eficiência. Os mosquitos são frágeis e não podem viajar
longas distâncias, por isso é importante que as fábricas estejam próximas das cidades que
eventualmente serão atendidas pelo serviço.
INFOGRÁFICO ESTADÃO
Como funciona. Os mosquitos transgênicos da Oxitec têm um gene a mais em seu DNA que faz
com que seus descendentes morram antes de chegar à fase adulta, ainda no estágio de larva. Apenas
mosquitos machos são produzidos, pois são apenas as fêmeas que picam as pessoas e transmitem a
dengue (dessa forma, evita-se acrescentar mais mosquitos com potencial para transmitir a doença no
ambiente).
A estratégia, basicamente, é liberar grandes quantidades desses mosquitos transgênicos na
“natureza” (mais especificamente, nas áreas urbanas onde a dengue é um problema), em número muito
maior do que o de machos selvagens, de forma que os transgênicos estéreis tenham uma probabilidade
muito maior de copular com as fêmeas daquela população e, assim, a reprodução da espécie seja
suprimida.
Os mosquitos transgênicos sobrevivem apenas de 2 a 4 dias na natureza, de modo que a
população de mosquitos é aumentada apenas temporariamente após a liberação. Os mosquitos
machos não picam pessoas, e a modificação genética não é transmitida para as fêmeas na cópula.
Os testes de campo em Juazeiro foram realizados nos bairros de Itaberaba e Mandacaru. No
primeiro, a população de mosquitos transmissores foi reduzida em 81%; e no segundo, em 93%. Um
terceiro ensaio, conduzido pela Moscamed, está em andamento na cidade de Jacobina, com patrocínio
do governo do Estado da Bahia. Seis meses após as primeiras liberações de machos transgênicos, a
população de mosquitos no bairro de Pedra Branca foi reduzida em 79%, segundo resultados
preliminares divulgados pela Oxitec.
“Os resultados são muito promissores e mostram que a tecnologia funciona para reduzir a
população de mosquitos”, diz a pesquisadora Margareth Capurro, do Instituto de Ciências Biomédicas
da USP, que coordenou os estudos de campo em Juazeiro e está redigindo um trabalho científico sobre
eles para publicação. Ela não tem vínculo com a Oxitec. O próximo passo, que será dado em Jacobina,
é medir o impacto dessa redução populacional de mosquitos na transmissão local da dengue. “É algo
que só poderemos medir aplicando a tecnologia na cidade toda”, explica. O projeto começou em
meados de 2013 e deve durar mais dois anos. “É muito provável que a transmissão também caia, mas
precisamos fazer o experimento para poder dizer isso com certeza.”
(EJB)
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Caderno Atualidades – Vol. 5