ISSN 1413-8557 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) Semiannual Journal of the Brazilian Association of Educational and School Psychology (ABRAPEE) Revista Semestral de la Asociación Brasilera de Psicología Escolar y Educacional (ABRAPEE) Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 Volume 11 Number 2 Julio/December 2007 ABRAPEE EDITORA Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly Universidade São Francisco COMISSÃO EDITORIAL Denise de Souza Fleith Evely Boruchovitch Marilene Proença Rebello de Souza Universidade de Brasília Universidade Estadual de Campinas Universidade de São Paulo CONSELHO EDITORIAL Acácia Aparecida Angeli dos Santos Alexandra Ayache Anache Carla Witter Cristina Maria Carvalho Delou Donald Leu Elenita de Rício Tanamachi Elisabeth Brunini Sbardellini Eulália Henriques Maimoni Eunice M. L. Soriano de Alencar Fermino Fernandes Sisto Geraldina Porto Witter Gerardo Prieto Héctor Magaña Vargas José Aloyseo Bzuneck José Fernando B. Lomônaco Leandro de Almeida Maria Auxiliadora Dessen Maria Júlia Ferreira Xavier Ribeiro Nádia Maria Dourado da Rocha Sheyla Blumen Universidade São Francisco Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Universidade São Judas Tadeu Universidade Federal Fluminense University of Connecticut Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Universidade Tuiuti do Paraná Universidade de Uberaba Universidade Católica de Brasília Universidade São Francisco Universidade Camilo Castelo Branco Universidad de Salamanca Universidad Nacional Autónoma de México-FESZ Universidade Estadual de Londrina Universidade de São Paulo Universidade do Minho Universidade de Brasília Universidade de Taubaté Faculdades Ruy Barbosa Pontifícia Universidade Católica do Peru ASSISTENTES DO CONSELHO EDITORIAL Cláudia Aparecida Nascimento Martins Lucicleide Maria de Cantalice ABRAPEE Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 Itatiba/SP – 13.251.900 Home-page: http://www.abrapee.psc.br www.pepsic.bvs-psi.org.br E-mail: [email protected] Indexação em/Indexation in/ Indexación en: Disponível nas bibliotecas da Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia - ReBAP (www.bvs-psi.org.br/rebap/) Tiragem: 600 exemplares Index Psi LILACS Apoio Editorial: Psicologia Escolar e Educacional./ Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional.- v. 1, n. 1. 1996Campinas : ABRAPEE, 1996. Quadrimestral : 1996-1999. Semestral : 2000ISSN 1413-8557 l. Psicologia educacional. 2. Psicologia escolar. 3. Educação. 4. Brasil. I. Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. CONSULTORES AD-HOC Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla – Universidade São Francisco Ana Maria Jacó-Vilela – Universidade do Estado do Rio de Janeiro Ana Paula Porto Noronha – Universidade São Francisco Beatriz Belluzzo Brando Cunha – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Carmen Elvira Flores-Mendoza Prado – Universidade Federal de Minas Gerais Caroline Tozzi Reppold – Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre Claudia Araújo da Cunha – Universidade Federal de Uberlândia Claudio Garcia Capitão – Universidade São Francisco Eliane Porto de Nucci – Universidade São Francisco Liana Fortunato Costa – Universidade de Brasília Makilim Nunes Baptista – Universidade São Francisco Maria Auxiliadora Dessen – Universidade Católica de Brasília Maria Imaculada Cardoso Sampaio – Universidade de São Paulo Maria Regina Maluf – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Mitsuko Aparecida Makino Antunes - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Monica Giacomini – Universidade Estadual do Centro-Oeste Pedro Sales Luís Rosário – Universidade do Minho Roberta Gurgel Azzi – Universidade Estadual de Campinas Ronei Ximenes Martins – Universidade São Francisco Silvia Maria Cintra da Silva – Universidade Federal de Uberlândia Tânia Mara Campos de Almeida – Universidade Católica de Brasília Expediente A revista Psicologia Escolar e Educacional é um veículo de divulgação e debate da produção científica na área específica e está vinculada à Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Seu objetivo é constituir um espaço para a apresentação de pesquisas atuais no campo da Psicologia Escolar e Educacional e servir como um veículo de divulgação do conhecimento produzido na área, bem como de informação atualizada a profissionais psicólogos e de áreas correlatas. Trabalhos originais que relatam estudos em áreas relacionadas à Psicologia Escolar e Educacional serão considerados para publicação, incluindo processos básicos, experimentais, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artigos teóricos, análises de políticas e sínteses sistemáticas de pesquisas, entre outros. Também, revisões críticas de livros, instrumentos diagnósticos e softwares. Com vistas a estabelecer um intercâmbio entre seus pares e pessoas interessadas na Psicologia Escolar e Educacional, conta com uma revisão às cegas por pares e é publicada semestralmente. Seu conteúdo não reflete a posição, opinião ou filosofia da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Os direitos autorais das publicações da revista Psicologia Escolar e Educacional são da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, sendo permitida apenas ao autor a reprodução de seu próprio material, previamente autorizada pelo Conselho Editorial da Revista. As transcrições e traduções são permitidas, desde que no limite dos 500 vocábulos e mencionada a fonte. São publicados textos em português, espanhol e inglês. Psicologia Escolar e Educacional is a journal, associated to the Brazilian Association of Educational and School Psychology (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - ABRAPEE), for the communication and debate of the scientific production in its area of specificity. Its objective is to provide a medium for the presentation of the latest research in the field of Educational and School Psychology, for spreading knowledge, which is being produced in the area, as well as updated information to psychologists and other professionals in correlated areas. Original papers, which report studies related to Educational and School Psychology may be considered for publication, including, among others: basic processes, experimental or applied, naturalistic, ethnographic, historic, theoretical papers, analyses of policies, and systematic syntheses of research, and also critical reviews of books, diagnostic instruments and software. As a means of establishing an interchange among peers, as well as people who are interested in Educational and School Psychology, it employs a double blind review by peers and it is published semiannually. Its contents do not, in any way, reflect the positions, opinions or philosophy of the Brazilian Association of Educational and School Psychology. Copyrights on the publication of the Journal of Educational and School Psychology are property of the Brazilian Association of Educational and School Psychology, and each author will only be allowed to reproduce his or her own material, with prior permission from the Editorial Board. Translations and transcriptions will be permitted to a maximum of 500 words, provided that the source is mentioned. Texts in Portuguese, Spanish and English are published. La revista Psicología Escolar y Educacional es un medio de divulgación de debates de producción científica en su área específica y está vinculada a la Asociación Brasilera de Psicología escolar y Educacional (ABRAPEE). Su objetivo es constituir un espacio para la presentación de investigaciones actuales en el campo de la Psicología Escolar y Educacional y servir como un vehiculo de divulgación del conocimiento producido en el área, además de informaciones actualizadas a profesionales psicólogos y de áreas relacionadas. Trabajos originales que relaten estudios en áreas relacionadas a la Psicología Escolar y Educacional serán considerados para publicación, incluyendo procesos básicos, experimentales, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artículos teóri193 cos, análisis de políticas y síntesis sistemáticas de investigaciones, entre otros, además de revisiones críticas de libros, instrumentos de diagnóstico e software. Con el objetivo de establecer un intercambio entre pares y personas interesadas en Psicología, la revista tiene una revisión “a ciegas” hecha por pares y por consiguiente, los contenidos no reflejan la posición, opinión o filosofía de la Asociación Brasilera de Psicología Escolar y Educacional. Los derechos autorales de las publicaciones de la revista Psicología Escolar y Educacional son de la Asociación Brasilera de Psicología Escolar y Educacional, siendo permitido apenas al autor la reproducción de su propio material, mediante autorización previa del editor de la Revista. Las transcripciones y traducciones son permitidas, con un límite de 500 palabras y con mención a la fuente. Son publicados textos en portugués, español e ingles. 194 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 ISSN 1413-8557 Psicologia Escolar e Educacional PUBLICAÇÃO SEMESTRAL 199 Volume 11 Número 2 2007 Editorial Artigos Papers Publicaciones 201 Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso Variables of the first half of college integration and change of major Variables de la primera fase de la integración universitaria y cambio de curso António M. Diniz Leandro S. Almeida 211 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas utilizadas por docentes Associações entre rendimento em compreensão de textos e estratégias pedagógicas utilizadas por docentes Associations between achievement in reading understanding and pedagogical strategies used by teachers Lorena Canet Juric, María Laura Andrés Isabel Introzzi María Richard‘s 223 Criatividade na formação e atuação do professor do curso de letras Creativity in the linguistics course and the professor’s formation and performance Creatividad en la formación y actuación del Profesor del Curso de Letras Zélia Maria Freire de Oliveira Eunice Maria Lima Soriano de Alencar 239 Produção científica em avaliação psicológica no contexto escolar Scientific production in psychological evaluation in the school context Producción científica en evaluación psicológica en el contexto escolar Katya Luciane de Oliveira Acácia Aparecida Angeli dos Santos Ana Paula Porto Noronha Evely Boruchovitch Cláudia Araújo da Cunha Marucia Patta Bardagi Simone F. da Silva Domingues 195 253 Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da Aprendizagem Mental deficiency and scientific production in the CAPES database: the place of apprenticeship Deficiencia mental y producción científica en la base de datos del CAPES: el lugar del aprendizaje Alexandra Ayach Anache Albertina Martinez Mitjáns 275 Processos perceptuais e cognitivos na leitura de palavras: propriedades dos movimentos oculares Perceptual and cognitive processes in word reading: eye movement characteristics Procesos perceptivos y cognitivos en la lectura de palabras: propiedades de los movimientos oculares Elizeu Coutinho de Macedo Katerina Lukasova Juliana Emy Yokomizo Lívia Carolina Ariente Juliana Koakutu José Salomão Schwartzman 285 Escala de atitudes frente à escola: validade fatorial e consistência interna School attitudes scale: factor validity and reliability Escala de actitudes frente a la escuela: validez factorial y consistencia interna Patrícia Nunes da Fonseca Valdiney V. Gouveia Rildésia S. V. Gouveia Carlos Eduardo Pimentel Emerson Diógenes de Medeiros 299 Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem Change in negative sociometric status in students with learning disabilities Cambio en el status sociométrico negativo de alumnos con dificultades de aprendizaje Renata Cristina Moreno Molina Almir Del Prette 311 Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso Ways of research with visual handicapped youths: two case studies Formas de intervenir con jóvenes deficientes visuales: dos estudios de caso Marcia Moraes 323 Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica: o processo ensino aprendizagem em questão Historical-Cultural Psychology and Psychological Evaluation: the teaching learning process in focus Psicología Histórica-Cultural y Evaluación Psicológica: el proceso de enseñanza-aprendizaje en cuestión Marilda Gonçalves Dias Facci Nilza Sanches Tessaro Záira Fátima de Rezende Gonzalez Leal Valéria Garcia da Silva Cintia Godinho Roma 196 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 339 Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando crianças residindo com a mãe e com ambos os pais Maternal involvement and academic performance: comparing children residing with their mother and with both parents Envolvimiento materno y desempeño académico: comparando niños viviendo con la madre y con los dos padres. Carolina Severino Lopes da Costa Fabiana Cia Elizabeth Joan Barham 353 Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública Injustice in the daily school life: perceptions of the members of a public school Injusticias en el cotidiano escolar: percepciones de miembros de una escuela pública Thaise Beluci Alessandra de Morais Shimizu 365 Educação infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural Cooperation and competition in early education: a microgenetic analysis from a sociocultural approach Educación infantil, cooperación y competición: análisis micro genética bajo una perspectiva socio-cultural Marilícia Witzler Antunes Palmieri Angela Uchoa Branco 379 Diferença: condição básica para a constituição do sujeito Difference: basic condition of individual’s contitution Diferencia: condición básica para la constitución del sujeto Mercedes Villa Cupolillo Ana Beatriz Machado de Freitas 391 Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos Educational software can be psychological tools Softwares educacionales pueden ser instrumentos psicológicos Cristiano Mauro Assis Gomes Resenhas Reviews 403 As emoções no contexto escolar The emotion in the school context Fausto Eduardo Menon Pinto 405 Tecnologia de informação e comunicação no processo educacional Information and communication technology in educational process Moacir Wuo 409 Psicologia escolar em discussão School psychology in discution Tatiana Cristina Teixeira Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 197 História History 413 Entrevista com Mitsuko Aparecida Makino Antunes Interview with Mitsuko Aparecida Makino Antunes 417 O Psicólogo escolar como psicometrista 30 anos depois School psychologists psychometrist: 30 years later Geraldina Witter Sugestões práticas Practical suggestions 427 Orientações para busca bibliográfica on-line A guide to an on-line bibliographic search Isabel Cristina Dib Bariani Cristiane Guidetti Dias Íris de Miranda Marina Colosso Mirian Maria Zucareli Rosa Rafaela Paula Marciano Renan Ribeiro Vilela 431 Como educar para a paz How peace education can be achieved Elizabeth dos Santos Columa Informativo Informative 435 Notícias bibliográficas Bibliographic notes 437 Informe Events 439 Normas de publicação Instructions to authors 198 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 Editorial Psicologia Escolar e Educacional na América Latina O II Congresso de Psicologia da União Latino–Americana de Psicologia (ULAPSI) aconteceu em setembro de 2007 em Cuba com grande participação de psicólogos brasileiros. A temática do Congresso foi a psicologia latino-americana para os psicólogos latino-americanos, possibilitando, por meio das discussões e trabalhos apresentados, a consolidação de uma Psicologia para as necessidades e características da América Latina. A Psicologia Escolar e Educacional revelou sua identidade brasileira e buscou construir uma latino-americana, pela apresentação de muitos trabalhos com colegas de vários países. Isto resultou em intercâmbios profissionais e de pesquisa visando estreitar os laços com nossos parceiros na América Latina. Estabeleceram-se parcerias que possibilitaram a organização de um Grupo de Trabalho em Psicologia Educacional cuja meta principal é produzir referências latino-americanas para os profissionais que atuam na área. Definiu-se, também, pela organização de um número especial dedicado à Psicologia Escolar na revista Psicología para a América Latina publicada pela ULAPSI a fim de sintetizar e dar visibilidade às ações tanto no âmbito da pesquisa quanto às relativas aos profissionais nesta área. Isto posto, cabe considerar que tal avanço deve-se, especialmente, ao próprio desenvolvimento da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) que tem, desde sua fundação, crescido e se colocado como parceira dos profissionais, conquistando espaço de atuação nos contextos de aprendizagem. Manter-se vinculado à ABRAPEE é participar deste movimento pró-educação e aprendizagem, no qual a prevenção é a palavra de ordem. Lembro que em abril de 2008 ocorrerão as eleições para uma nova diretoria realizar a gestão da ABRAPEE para o biênio 2008 – 2010. Comprometer-se com a Psicologia Escolar e Educacional também significa participar ativamente do processo eleitoral – votando e sendo votado. Cabe-nos, a cada um e a todos, atender a este chamamento pela Psicologia Escolar e Educacional Brasileira e Latino-americana. Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly Editora 199 Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso Mudança de curso universitário António M. Diniz Leandro S. Almeida Resumo Estudou-se a relação entre variáveis académicas e psicossociais da primeira fase da integração universitária (escolha e colocação num curso) e a Mudança de Curso (MC). As análises bivariadas dos dados de uma amostra de conveniência de 375 estudantes do primeiro ano mostraram que mudaram mais frequentemente de curso aqueles que: tinham Notas de Candidatura (NC) ao Ensino Superior mais baixas; frequentavam cursos ligados a Recursos Tecnológicos (RT); e, atribuíam menor importância aos Determinantes Intrínsecos (DI) na escolha de curso (competências e interesses). Para operacionalizar esta última variável recorreu-se à Escala de Determinantes da Escolha de Curso (EDEC). Entretanto, as variáveis atrás referidas, bem como as outras duas dimensões da EDEC (Agentes Mediadores e Estrutura Ocupacional), também discriminavam os estudantes de acordo com Género. Presume-se, então, que o Género se relaciona indirectamente com a MC, através da interveniência das variáveis NC, Área de Estudos e DI. Palavras-chave: ensino superior; mudança de curso; diferenças de géneros. Variables of the first half of college integration and change of major Abstract This study concerned the relationship between academic and psychosocial variables of the first half of college integration (choice and admission to a major) and the Change of Major (CM). Bivariate analyses of data collected using a convenience sample of 375 freshman students showed that those who had changed major more frequently were those who: had lower Access Grades (AG) to Higher Education; were from majors in the field of Technological Resources (TR); and, gave less importance to Intrinsic Determinants (ID) in the choice of major (skills, interests). The latter variable was measured by the Escala de Determinantes da Escolha de Curso (EDEC) [Choice of Major Determinants Scale]. The variables above, as well as the other two dimensions of EDEC (Mediation Agents and Occupational Structure), also significantly discriminated students by gender. Then, we presume that gender is indirectly related to CM, through the mediation of AG, Field of Studies, and ID. Keywords: higher education; change of major; human sex differences. Variables de la primera fase de la integración universitaria y cambio de curso Resumen Se estudió la relación entre variables académicas y psico-sociales de la primera fase de la integración universitaria (elección y colocación en un curso) y el cambio de curso (CC). Los análisis bi-variados de los datos de una muestra de conveniencia de 375 estudiantes del primer año mostraron que cambiaron más frecuentemente de curso aquellos que: tenían notas de examen (NE) de ingreso para la universidad más bajas; frecuentaban cursos relacionados a Recursos Tecnológicos (RT); y atribuían una menor importancia a los Determinantes Intrínsecos (DI) en la elección del curso (competencias e intereses). Para evaluar la última variable se recurrió a la Escala de Determinantes da Escolha de Curso (EDEC). Por otro lado, las variables antes relatadas, así como también las otras dos dimensiones de la EDEC (Agentes Mediadores e Estrutura Ocupacional), también discriminaban a los estudiantes de acuerdo con el género. De esa forma, se presume que el género se relaciona indirectamente con la MC por medio de la intervención de las variables NC, Área de Estudios y DI. Palabras clave: enseñanza superior; cambio de curso; diferencias de géneros. 201 A influência de factores pessoais e contextuais na adaptação dos caloiros à instituição/curso de acolhimento tem sido analisada face a indicadores de (in)sucesso académico, como o rendimento e a desistência dos estudos. Encontramos estes critérios, principalmente o da desistência dos estudos, comummente referidos desde há muito tempo na literatura anglo-saxónica (e.g., Astin, 1997; Brawer, 1973; Cabrera, Nora, & Castañeda, 1993; Eaton & Bean, 1993; Murtaugh, Burns, & Schuster, 1999; Tinto, 1993). Também os encontramos em vários estudos recentes realizados em Portugal, principalmente voltados para o rendimento académico (Almeida e cols., 2004; Diniz, 2001, 2007; Diniz & Pinto, 2005; Soares, Almeida, Diniz, & Guisande, 2006a; Soares, Guisande, Diniz, & Almeida, 2006b). A hegemonia destes indicadores, justificável pela importância que assumem para os estudantes e suas famílias, e também como indicadores de eficácia institucional (Diniz, 2005), tem mitigado a relevância que a Mudança de Curso (MC) pode ter para a investigação neste domínio. Ora, esta situação não é razoável se pensarmos que a MC pode constituir-se como um critério de adaptação relevante, traduzindo iniciativa na procura de novas soluções face a mudanças vocacionais ou a uma situação académica não desejada, e resultando em permanência no Ensino Superior (ES). Parece, pois, relevante a exploração de factores de caracterização académica e psicossocial dos estudantes que possam estar relacionados com este fenómeno. Centrando-nos sobre a primeira fase da transição para o ES, a qual compreende a escolha e colocação num curso, devemos considerar a influência que a estrutura sócio-ocupacional exerce sobre a evolução das características, estatutos, escolhas e papéis do indivíduo. Derivando de uma abordagem macro para uma outra mais micro de descrição dessa influência, sabemos que, em função da origem social e do género, o sistema reprodutivo da sociedade condiciona a escolha e a probabilidade de acesso ao ES e mesmo a escolha de determinados cursos (Balsa, Simões, Nunes, & Campos, 2001; Bourdieu & Passeron, 1964, 1981; Cabrito, 2001). Os sujeitos consideram menos as escolhas que saem fora do seu habitus (vd. descrição analítica do conceito em Bourdieu, 1989), 202 sugerindo a pressão das normas sociais nas opções individuais (Merton, 1968). Também sabemos, da microssociologia do trabalho e das carreiras (Barley, 1989), que as histórias de vida remetem para um pano de fundo social e uma sub-cultura (familiar, comunitária) necessários para perspectivar o desempenho de diferentes papéis individuais. As trajectórias de vida emergem em cenários colectivos contingentes que condicionam os recursos interpretativos individuais, mormente, os significados atribuídos à carreira. Entretanto, na psicologia vocacional as significações sociais e os contextos relacionais são tidos como informadores do auto-conceito e expectativas, condicionando as aspirações ocupacionais individuais (Gottfredson, 1981, 1996). Com efeito, desde Super (1953) que a escolha ocupacional passou a ser analisada na interacção dinâmica do indivíduo em mudança (dimensão temporal) com um contexto mutável (dimensão sócio-ocupacional). É no seio desta dinâmica que encontramos agentes mediadores da tomada de decisão de carreira, quer de relacionamento íntimo quer de relacionamento institucional. Eles cumprem a função de elos de suporte transcénico (Bronfenbrenner, 1979). Mesmo que não intencionalmente, pais e professores, enquanto modelos profissionais, veiculam estereótipos, influenciando a representação dos jovens quanto ao trabalho e às profissões. Devemos, então, considerar três níveis interligados de determinação da escolha ocupacional: (1) individual, (2) interpessoal e (3) sócio-institucional. Estes níveis, para o caso da escolha de curso no ES foram operacionalizados através da Escala de Determinantes da Escolha de Curso (EDEC: Diniz, 2004; Diniz, De Abreu, & Almeida, 1999). Especificando, para (2) e (3) temos os Determinantes Extrínsecos da escolha (DE), englobando constrangimentos e oportunidades da estrutura ocupacional (escolar e profissional), bem como o papel de agentes mediadores (de relacionamento íntimo ou institucional). Para (1) temos os Determinantes Intrínsecos da escolha (DI), relativos às condições pessoais (competências e interesses) que o próprio pensa ter para fazer essa escolha. Estes determinantes poderão relacionar-se com a MC, na Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso • António M. Diniz e Leandro S. Almeida medida em que eles estarão na base de um processo de escolha de curso mais ou menos decidido. No que concerne às variáveis de caracterização académica dos estudantes, parece admissível considerar-se que o género estará ligado à MC. Ainda que diferenças masculino/feminino não tenham sido confirmadas nalguns estudos sobre (in)decisão vocacional (Crites, 1969; Da Silva, 1997; Gianakos & Subich, 1986), outros houve em que tais diferenças se verificaram (Lewis & Savickas, 1995; Lobato & Koller, 2003; Osipow & Winer, 1996). Também a Nota de Candidatura (NC) ao ES poderá estar relacionada com a MC, na medida em que essa nota traduz mais do que um simples número, indicando até que ponto os estudantes trazem consigo as “ferramentas” (e.g., hábitos de estudo, gestão do tempo, cultura académica) necessárias para o sucesso académico. Estudos demonstram que os estudantes com bons resultados no Ensino Secundário têm uma elevada probabilidade de alcançar também bons resultados no ES (Almeida e cols., 2004; Astin, 1997; Diniz, 2007; Diniz & Pinto, 2005; Marques & Miranda, 1996; Murtaugh et al., 1999; Soares et al., 2006a,b; Tinto, 1993), o que, putativamente, contribui para a permanência nos cursos. Acresce, ainda, que a existência de numerus clausus no sistema português de acesso ao ES faz com que certos estudantes ingressem em cursos não desejados (Diniz, 2005). A relação entre número de vagas por Curso/Instituição e a NC condiciona, então, a colocação no Curso da Primeira Escolha (CPE) e, consequentemente, numa dada Área de Estudos (AE). Note-se que mais de um quarto dos estudantes (entre 25 a 30%) que se encontram a frequentar o ES português não ficaram colocados nas instituições e cursos mais desejados, parecendo existir uma maior incidência destes casos nos cursos de ciências e tecnologias (Almeida e cols., 2004). Tavares, Santiago e Lencastre (1998), num estudo envolvendo várias universidades portuguesas, constataram que cerca de 40% dos estudantes de Engenharias não ingressaram no CPE. Com o presente estudo pretende-se testar as hipóteses que atrás se explanaram e que, muito sucintamente, agora são recordadas. Admite-se, então, a relação entre certas variáveis da primeira fase da integração universitária e a Mudança de Curso. São elas o Género, a Nota de Candidatura, a Área de Estudos, o Curso de Primeira Escolha e as relativas aos Determinantes da Escolha de Curso (DEC): Intrínsecos e Extrínsecos (Agentes Mediadores e Estrutura Ocupacional). Também se pretende, subsidiariamente, dar particular atenção aos DEC, na medida em que, para além de poderem evidenciar diferenças entre os estudantes que mudaram e os que não mudaram de curso, poderão evidenciar diferenças entre os géneros. Esta última hipótese assenta nas descrições feitas no âmbito da psicologia do desenvolvimento sobre as particularidades de cada um dos géneros nos jovens adultos, nomeadamente, no feminino, a notável saliência das relações sociais e da intimidade na sua vida e, no masculino, a também notável saliência dos objectivos de carreira para a organização da sua vida (Gilligan, 1997; Levinson, 1978). Método Participantes Colaboraram voluntariamente no estudo (amostragem de conveniência) 352 estudantes tradicionais (Pascarella & Terenzini, 1991) (leque etário = 17-24 anos; M = 18). Os estudantes frequentavam pela primeira vez o primeiro ano da Universidade do Minho e estavam distribuídos por cursos ligados a Recursos Humanos (RH: Formação de Professores/ Educadores, Psicologia e Comunicação Social, n = 195) e por cursos ligados a Recursos Tecnológicos (RT: Engenharias e Ciências Exactas Aplicadas, e.g., Química – Ramo Têxtil e Física Aplicada – Ramo Óptica, n = 157). Instrumento Para operacionalizar os três níveis de determinação da escolha de curso recorreu-se à Escala de Determinantes da Escolha de Curso (EDEC: Diniz, 2004; Diniz e cols., 1999). Trata-se de uma escala constituída por 12 itens para ordenar por grau decrescente de importância (1 = mais importante), os Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 201-210 203 quais estão organizados em torno de três dimensões (cada uma com quatro itens): (1) crença na importância de Determinantes Intrínsecos (DI) para fazer a escolha (e.g., item 7, “Interesse/gosto pela área profissional”; item 11, “Maneira de ser e características pessoais”); (2) crença na importância de Determinantes ligados à influência de Agentes Mediadores (DAM) para fazer a escolha (e.g., item 2, “Pais, irmãos ou outros familiares”; item 6, “Professores”); e, (3) crença na importância de Determinantes ligados à Estrutura Ocupacional (DEO) para fazer a escolha (e.g., item 1, “Fácil colocação profissional”; item 10, “Número de vagas e médias de ingresso no Ensino Superior”). Visando o teste da validade de constructo da EDEC, recorreu-se ao PREFerenceMAPping2 (Chang & Carroll,1972) para tratar os dados recolhidos junto de uma amostra de 370 estudantes universitários do primeiro ano. Este programa baseia-se no modelo do desdobramento (unfolding) criado por Coombs (1950) para o tratamento de dados ordinais de preferência, o qual foi ampliado de unidimensional para multidimensional por Bennett e Hays (in Carrol, 1972) e, depois, refinado por Carroll (1972). Parafraseando Borg e Groenen (1997), com a técnica do desdobramento, assume-se que os estudantes percebem da mesma maneira os 12 itens, mas diferem entre si quanto ao que consideram ser a combinação ideal dos seus atributos. Foi feita a análise interna do modelo (Carroll, 1972; Chang & Carroll, 1972) tridimensional definido pela EDEC, isto é, partindo das ordenações dos estímulos (escalas I), chegouse às suas coordenadas (escala J). Verificou-se que o modelo hipotético estava bem ajustado aos dados empíricos: R = 0.96, para o modelo em que os sujeitos atribuem diferentes pesos às dimensões, incluindo a rotação ortogonal dos eixos que as definem (sobre os modelos gerados pelo PREFMAP2, vd. Carroll, 1972). Procedimento A administração da EDEC decorreu em sala de aula, dispensando os professores a parte final do seu tempo lectivo para o efeito. A aplicação ocorreu antes 204 dos participantes no estudo completarem os seus primeiros dois meses de frequência universitária, por forma a captar com maior sensibilidade a realidade em análise, uma vez que estudos indicam que a maior parte das desistências dos cursos ocorre durante o primeiro semestre (Levitz & Noel, 1989; Myers, 1981; Tinto, 1993). As notas das dimensões resultaram do somatório dos resultados obtidos nos respectivos itens (dado o sentido da ordenação, notas mais elevadas reflectem menor importância). No protocolo de recolha de dados também se colheram informações sobre o Género (masculino=1; feminino=2) e a AE (cursos de RH=1; cursos de RT=2). Recorreu-se, ainda, à informação fornecida pelos Serviços Académicos da Universidade sobre a NC dos estudantes, a colocação no CPE (sim=1; não=2), a MC (sim=1; não=2) e se a MC havia sido para outra AE (sim=1; não=2). O tratamento dos dados foi realizado através do SPSS 14.0 for Windows (os valores omissos tiveram um tratamento listwise teste a teste), recorrendo a estatísticas descritivas univariadas (ocorrências, médias de ordenações, médias e desvios-padrão) e estatísticas inferenciais bivariadas, paramétricas (t-Student) e não-paramétricas (χ2ass. e U-Mann-Whitney). Resultados Centrando-nos sobre a MC, primeiro testámos eventuais diferenças nas variáveis de caracterização académica e psicossociológica na amostra, completando este estudo através de uma abordagem segundo o Género e de uma outra, mais fina, considerando cada um dos géneros e a MC. Assim, na Tabela 1 apresentam-se as estatísticas descritivas das variáveis de caracterização académica e psicossociológica da amostra, bem como as estatísticas inferenciais resultantes das comparações entre estudantes que mudaram e não mudaram de curso. Como se constata na tabela, revelaram-se estatisticamente significativas quatro das sete relações testadas. Por comparação com os estudantes que não mudaram de curso, mudaram de curso os estudantes com Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso • António M. Diniz e Leandro S. Almeida piores NC, que frequentavam mais a AE de RT e que atribuíam menor importância aos DI e maior importância aos DEO na sua escolha de curso (lembre-se que na EDEC notas mais elevadas significam menor importância). Destas quatro variáveis, a AE e a DEO foram as que apresentaram menor nível de significância estatística (p = 0.028 para a AE e p = 0.049 para a DEO), o que justifica especial prudência na inferência atrás feita a propósito desta última variável. Entretanto, na comparação dos resultados obtidos nas variáveis de caracterização académica e psicossociológica da amostra em função do Género (Tabela 2), verificou-se que somente o CPE não diferenciava os estudantes. Tabela 1. Caracterização academica e psicossociológica da amostra em função da Mudança de Curso a Entre os que mudaram e não mudaram de curso. assumindo igualdade de variâncias. * p < 0.05; **** p < 0.0001. b Médias (desvios-padrão). c Médias das ordenações. Teste t Tabela 2. Caracterização academica e psicossociológica da amostra em função do Género a * Entre os géneros. b Médias (desvios-padrão). p < 0.05; **** p < 0.0001. c Médias das ordenações. Teste t assumindo igualdade de variâncias. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 201-210 205 Quanto às restantes variáveis, quando comparados com os estudantes de género feminino, os de género masculino tinham piores NC, frequentavam mais a AE de RT, atribuíam menor importância aos DI e aos DAM e maior importância aos DEO. Destas variáveis a DI foi a que apresentou menor nível de significância estatística (p = 0.034). Note-se que, salvo as variáveis DAM e DEO, todas as outras são aquelas que se relacionavam de forma estatisticamente significativa com a MC. mudaram de curso, mudaram de curso as estudantes com piores NC, que frequentavam mais a AE de RT e que atribuíam menor importância aos DI. Para os estudantes do género masculino, verificouse que somente a variável DI apresentou resultados estatisticamente significativos (Tabela 4): quando comparados com os estudantes que não mudaram de curso, mudaram de curso os que atribuíam menor importância aos DI. Tabela 3. Caracterização académica e psicossociológica dos estudantes do género feminino em função da Mudança de Curso a Entre os que mudaram e não mudaram de curso. igualdade de variâncias. ** p < 0.01. **** p < 0.0001. b Médias (desvios-padrão). Note-se, ainda, que os resultados obtidos com as variáveis DI, DAM e DEO, demonstram a validade concorrente das dimensões da EDEC face ao critério Género dos estudantes. Considerando agora os resultados obtidos nas variáveis de caracterização académica e psicossociológica para cada um dos géneros, podemos observar, na Tabela 3, os resultados obtidos para os estudantes do género feminino. Na tabela encontramos três das seis relações testadas com resultados estatisticamente significativos: quando comparadas com as que não 206 c Médias das ordenações. Teste t assumindo Do conjunto dos resultados apresentados nas Tabelas 1 e 3 e 4 destacam-se a NC, a frequência de uma dada AE e a importância atribuída aos DI, enquanto variáveis que melhor diferenciam os estudantes quanto à MC. Existe, contudo, a nuance de nos estudantes do género masculino somente os DI diferenciarem aqueles que mudaram de curso face aos que o não fizeram. Por último, o ocorrido com a variável DI, tanto para a amostra como para cada um dos géneros, demonstram a validade preditiva desta dimensão da EDEC face ao critério MC. Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso • António M. Diniz e Leandro S. Almeida Tabela 4. Caracterização académica e psicossociológica dos estudantes do género masculino em função da Mudança de Curso a Entre os que mudaram e não mudaram de curso. assumindo igualdade de variâncias. * p < 0.05. b Médias (desvios-padrão). Discussão Os resultados deste estudo mostraram que, entre os estudantes tradicionais que pela primeira vez frequentavam o primeiro ano da Universidade do Minho, mudaram mais frequentemente de curso aqueles que: (1) possuíam piores Notas de Candidatura (NC), o que vai de encontro à importância desta variável para, no sistema de acesso ao Ensino Superior (ES) português, os estudantes ingressarem em cursos desejados (Diniz, 2005; Marques & Miranda, 1996) e para que, já no ES, alcancem bons resultados académicos (Almeida e cols., 2004; Astin, 1997; Diniz, 2007; Diniz & Pinto, 2005; Marques & Miranda, 1996; Murtaugh e cols., 1999; Soares e cols., 2006a,b; Tinto, 1993); (2) frequentavam cursos ligados a Recursos Tecnológicos (RT), nos quais parece existir uma maior incidência de ingressos em cursos menos desejados (Almeida e cols., 2004; Tavares e cols., 1998); e, (3) atribuíram menor importância aos Determinantes Intrínsecos (DI) e maior importância aos Determinantes ligados à Estrutura Ocupacional (DEO) para a escolha de curso. Contudo, a afirmação quanto aos DEO deve ser considerada com a maior prudência em razão da significância estatística do resultado obtido, a qual está muito pró- c Médias das ordenações. Teste t xima do limiar de rejeição. Já quanto aos DI, o resultado encontrado remete para uma menor congruência nos estudantes que mudaram de curso entre as condições pessoais (competências e interesses) associadas à sua escolha de curso e a sua colocação num dado curso. Este resultado revela a capacidade desta dimensão da Escala de Determinantes da Escolha de Curso (EDEC: Diniz, 2004; Diniz e cols., 1999) para discriminar grupos conhecidos (estudantes que mudaram versus não mudaram de curso), demonstrando a sua validade preditiva face à Mudança de Curso (MC). Realça-se, ainda, o facto de, na amostra, a colocação no Curso de Primeira Escolha (CPE) não se ter relacionado com a MC, o que vai de encontro a estudos com amostras idênticas à nossa (Soares e cols., 2006 a,b). Através do recurso à análise de trajectórias (path analysis), neles verificou-se a inexistência de qualquer efeito (directo ou indirecto) da variável CPE sobre o grau de investimento cognitivo (expectativas de envolvimento académico) e comportamental (envolvimento) dedicados pelos estudantes à vida académica, o grau de satisfação académica e o rendimento académico. Também se verificou no presente estudo que o Género não estava relacionado com a MC, o que estará ligado à indiferenciação entre masculino e feminino encontrada por outros autores quan- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 201-210 207 to ao fenómeno da (in)decisão vocacional (Crites, 1969; Da Silva, 1997; Gianakos & Subich, 1986). Entretanto, na comparação entre os géneros, foram os estudantes do género masculino que: (1) apresentaram piores NC, em consonância com o encontrado por Vasconcelos, Almeida e Monteiro (2005); (2) frequentavam mais os cursos de RT, em consonância com o encontrado em outros estudos com universitários portugueses (Diniz, 2001; Soares e cols., 2006a) e de acordo com o expectável em face da influência do estereótipo social do género na escolha ocupacional (Gottfredson, 1981, 1996) ou, por outras palavras, da influência do sistema reprodutivo da sociedade (Balsa e cols., 2001; Bourdieu & Passeron, 1964, 1981; Cabrito, 2001) sobre essa escolha; e, (3) atribuíram menor importância aos DI e aos Determinantes ligados a Agentes Mediadores e maior importância aos DEO para fazer a sua escolha de curso, o que poderá justificar-se em razão da sua maior orientação para a realidade ocupacional, fruto da saliência que tem na organização da sua vida a perseguição de objectivos de carreira (Levinson, 1978). Por outro lado, da maior saliência que o relacionamento interpessoal e a intimidade têm na vida dos sujeitos do género feminino (Gilligan, 1997), terão resultado as diferenças entre os géneros, favoráveis ao feminino nos DI e nos DAM. Estes resultados revelam a capacidade das três dimensões da EDEC (DI, DAM e DEO) para discriminar grupos conhecidos (estudantes do género masculino versus feminino), demonstrando a sua validade concorrente face ao critério Género. Então, confrontando resultados obtidos na comparação entre os géneros com os obtidos para a MC, ainda que o Género não esteja lhe directamente relacionado, é plausível crer numa relação indirecta entre estas duas variáveis, mediada pela NC, pela frequência de uma dada AE e pela importância atribuída aos DI na escolha de curso. Esta hipótese poderá ser verificada através do teste de um modelo de trajectórias (path analysis) que contemple essas relações indirectas entre Género e MC. Por fim, convém realçar que os resultados apurados provieram de uma amostra não representativa, com os consequentes problemas de generaliza208 ção, mesmo para os estudantes do primeiro ano da Universidade do Minho. Por exemplo, nela não constam os estudantes que faltaram às aulas em que decorreu a recolha de dados, nem os estudantes de outros cursos e de outras áreas de estudos, nem os estudantes que mudaram de curso para outra instituição. Assim, eles devem ser tidos como indicadores relativos aos estudantes que apresentam características académicas semelhantes às da amostra aqui considerada. Referências Almeida, L. S. (Coord.), Gonçalves, A., Soares, A. P., Marques, A. P., Fernandes, E., Machado, C., Casal, M., & Vasconcelos, R. (2004). Transição, adaptação e rendimento académico de jovens no Ensino Superior (Relatório Final de Projecto). Braga: Universidade do Minho. Astin, A. W. (1997). What matters in college? Four critical years revisited (1ª ed.). San Francisco, CA: Jossey-Bass. Barley, S. R. (1989). Careers, identities, and institutions: The legacy of the Chicago School of Sociology. Em M. B. Arthur, D. T. Hall & B. S. Lawrence (Eds.), Handbook of career theory (pp. 41-65). Cambridge, MA: Cambridge University Press. Balsa, C., Simões, J. A., Nunes, P., Carmo, R., & Campos, R. L. (2001). Perfil dos estudantes do Ensino Superior: Desigualdades e diferenciação. Lisboa: Colibri. Bourdieu, P. (1989). Langage et pouvoir simbolique. Paris: Seuil. Bourdieu, P. & Passeron, J.-C. (1964). Les héritiers: Les étudiants et la culture. Paris: Minuit. Bourdieu, P., & Passeron, J.-C. (1981). La reproduccion: Elementos para una teoria del sistema de ensañanza (2ª ed.). Barcelona: Laia. (Original publicado em 1970). Brawer, F. B. (1973). New perspectives on personality development in college students. San Francisco, CA: Jossey-Bass. Bronfenbrenner, U. (1979). The ecology of human development: Experiments by nature and design. Cambridge, MA: Harvard University Press. Cabrera, A. F., Nora, A., & Castañeda, M. B. (1993). Stuctural equations modeling test of an integrated model of student retention. Journal of Higher Education, 64(2), 123-139. Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso • António M. Diniz e Leandro S. Almeida Cabrito, B. G. (2001). Universidade e representação social. Revista de Educação, 10(2), 25-37. at the Annual Meeting of the Association for the Study of Higher Education, Pittsburg, PA. Carroll, J. D. (1972). Individual differences and multidimensional scaling. Em R. N. Shepard, A. K. Romney & S. B. Nerlove (Eds.), Multidimensional scaling: Theory and applications in the behavioral sciences (vol. 1, pp. 105-155). New York: Seminar Press. Gianakos, I., & Subich, L. M. (1986). The relationship of gender and sex-role orientation to vocational undecidness. Journal of Vocational Behavior, 29(1), 42-50. Chang, J. J., & Carroll, J. D. (1972). How to use PERFMAP and PREFMAP2: Programs which relate preference data to multidimensional scaling solution. Manuscrito não publicado. Murray Hill, NJ: Bell Telephone Laboratories. [On-line] Disponível: How to use PERFMAP: A program which relates preference data to multidimensional scaling solution, http:// marketing.byu.edu/htmlpages/books/pcmds/PREFMAP.html. Recuperado: jan. 2003. Coombs, C. H. (1950). Psychological scaling without a unit of measurement. Psychological Review, 57(3), 145-158. Crites, J. O. (1969). Vocational psychology. New York: McGrawHill. Da Silva, J. M. T. (1997). Dimensões da indecisão vocacional: Investigação com adolescentes. Tese de Doutorado, não publicada, Universidade de Coimbra, Coimbra. Diniz, A. M. (2001). Crenças, escolha de carreira e integração universitária. Tese de Doutorado, não publicada, Universidade do Minho, Braga. Diniz, A. M. (2004). Escala de Determinantes da Escolha de Curso. Em L. S. Almeida, M. R. Simões, M. M. Gonçalves & C. Machado (Coords.), Avaliação psicológica: Instrumentos validados para a população portuguesa (vol. 2, pp. 71-86). Coimbra: Quarteto. Diniz, A. M. (2005). A Universidade e os seus estudantes: Um enfoque psicológico. Lisboa: ISPA. Diniz, A. M. (2007, Janeiro). Integração e rendimento escolar dos estudantes universitários do 1º ano. Comunicação apresentada no Ciclo de Palestras do Departamento de Economia do Instituto de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa, ISEG, Lisboa. Diniz, A. M., De Abreu, J. G., & Almeida, L. S. (1999). Escalamento multidimensional de uma escala de dados de preferência. Psychologica, 21, 201-215. Diniz, A. M., & Pinto, M. S. (2005). Integração universitária e rendimento académico. Psicologia e Educação, 4(2), 43-56. Eaton, S. B., & Bean, J. P. (1993, November). An approach/ avoidance model of college student retention. Paper presented Gilligan, C. (1997). Teoria psicológica e desenvolvimento da mulher. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. (Original publicado em 1982). Gottfredson, L. S. (1981). Circunscription and compromisse: A development theory of occupational aspirations. Journal of Counseling Psychology (Monograph), 28(6), 545-79. Gottfredson, L. S. (1996). Gottfredson’s theory of circunscription and compromisse. E, D. Brown & L. Brooks (Eds.), Career choice and development (3ª ed., pp. 179-232). San Francisco, CA: Jossey-Bass. Levinson, D. (1978). The seasons of a man’s life. New York: Ballantine. Levitz, R., & Noel, L. (1989). Connecting students to institutions: Keys to retention and success. Em M. L. Upcraft, J. N. Gardner & Associates (Eds.), The freshman year experience: Helping students survive and succeed in college (pp. 65-81). San Francisco, CA: Jossey-Bass. Lewis, D. M., & Savickas, M. L. (1995). Validity of the Career Factors Inventory. Journal of Career Assessment, 3(1), 44-56. Lobato, C. R. P. S., & Koller, S. H. (2003). Maturidade vocacional e gênero: Adaptação e uso do Inventário Brasileiro de Desenvolvimento Profissional. Revista Brasileira de Desenvolvimento Profissional, 4(1/2), 57-69. Marques, J. F., & Miranda, M. J. (1996). Access to Higher Education in Portugal: Selection procedures revisited from studies at the University of Lisbon. Oxford Review of Education, 22(3), 337-347. Merton, R. K. (1968). Social theory and social structure (3. ed.). Glencoe, IL: The Free Press. Murtaugh, P. A., Burns, L. D., & Schuster, J. (1999). Predicting the retention of university students. Research in Higher Education, 40(3), 355-371. Myers, E. (1981). A comparative analysis of persisters, permanent dropouts, dropouts who transfer and stopouts at St. Cloud State University. Dissertation Abstracts International, 42, 105A. Osipow, S. H., & Winer, J. L. (1996). The use of the Career Decision Scale in career assessment. Journal of Career Assessment, 4(2), 117-130. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 201-210 209 Pascarella, E. T., & Terenzini, P. T. (1991). How college affects students: Findings and insights from twenty years of research. San Francisco, CA: Jossey-Bass. Soares, A. P., Guisande, M. A., Diniz, A. M., & Almeida, L. (2006a). Transición a la Enseñanza Superior: Contrucción y validación de um modelo multidimensional de ajuste de los jóvenes al contexto universitario. Psicothema, 18(2), 249-255. Soares, A. P., Almeida, L. S., Diniz, A. M., & Guisande, M. A. (2006b). Modelo multidimensional de ajustamento de jovens ao contexto universitário (MMAU): Estudo com estudantes de ciências e tecnologias versus ciências sociais e humanas. Análise Psicológica, 24(1), 15-28. Super, D. E. (1953). A theory of vocational development. American Psychologist, 8(1), 185-190. Tavares, J., Santiago, R. A., & Lencastre, L. (1998). Insucesso no 1º ano do ensino superior: Um estudo no âmbito dos cursos de licenciatura em Ciências e Engenharia da Universidade de Aveiro (Relatório de Pesquisa). Aveiro: Universidade de Aveiro. Tinto, V. (1993). Leaving college: Rethinking the causes and cures of student attrition (2. ed.). Chicago: University of Chicago Press. Vasconcelos , R. M., Almeida, L. S., & Monteiro, S. C. (2005). Métodos de estudo em alunos do 1º ano da universidade. Psicologia Escolar e Educacional, 9(2), 195-202. Recebido em: 05/10/2007 Revisado em : 05/12/2007 Aprovado em: 10/02/2008 Sobre os autores António M. Diniz ([email protected]) - Doutor em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho. Prof. Auxiliar no ISPA. Investigação em avaliação psicológica, construção e adaptação de provas psicológicas, métodos quantitativos e qualitativos aplicados ao estudo do jovem adulto universitário e do adulto idoso. Endereço para correspondência. ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada Rua Jardim do Tabaco, 34 1149-041 Lisboa, Portugal Leandro S. Almeida - Doutor em Psicologia da Educação pela Universidade do Porto. Professor Catedrático do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Investiga nas áreas da cognição, aprendizagem, avaliação psicológica, construção e validação de instrumentos. Autor de provas de avaliação cognitiva. Universidade do Minho, Braga, Portugal 210 Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso • António M. Diniz e Leandro S. Almeida Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas utilizadas por docentes Asociaciones entre comprensión lectora y estrategias docentes Lorena Canet Juric María Laura Andrés Isabel Introzzi María Richard‘s Resumen El objetivo de este trabajo ha sido explorar las asociaciones entre el rendimiento en comprensión lectora y distintas estrategias docentes utilizadas con alumnos de segundo y tercer grado de Educación Primaria Básica (EPB) de la Ciudad de Mar del Plata (Argentina). El supuesto de este estudio afirma que existe una asociación entre el rendimiento en comprensión lectora y las estrategias pedagógicas docentes. Se aplicó una adaptación del PROLEC para evaluar el rendimiento en lectura y un cuestionario construido para explorar las estrategias docentes. Los instrumentos fueron administrados a una muestra aleatoria de alumnos de 2º y 3º año de 10 escuelas municipales (n=258) y a sus respectivos docentes (n=64). Los resultados permitieron aportar evidencia empírica sobre la ausencia de asociaciones estadísticamente significativas entre ambas variables, lo que permite suponer que la lectoescritura es un fenómeno complejo que depende de numerosos factores como las diferencias cognitivas individuales, el contexto alfabetizador, etc. Palabras clave: comprensión lectora; estrategias pedagógicas; educación primaria pública. Associações entre rendimento na compreensão de textos e estratégias pedagógicas utilizadas por docentes Resumo O objetivo deste trabalho foi explorar as associações entre o rendimento em compreensão de leitura e diferentes estratégias docentes utilizadas em alunos da segunda e terceira série do ensino fundamental da cidade de Mar del Plata (Argentina). O pressuposto deste estudo afirma que existe uma associação entre o rendimento em compreensão de leitura e as estratégias pedagógicas docentes. Foi aplicado uma adaptação do PROLEC para avaliar o rendimento em leitura e um questionário elaborado para explorar as estratégias docentes. Os instrumentos foram aplicados em uma amostra aleatória de alunos da 2ª e 3ª série de 10 escolas municipais (n=258) e nos seus respectivos docentes (n=64). Os resultados permitiram contribuir com evidência empírica a respeito da ausência de associações estadisticamente significativas entre ambas as variáveis, o que permite supor que a leitura-escrita é um fenômeno complexo que depende de vários fatores, como ser as diferenças cognitivas individuais, o contexto de alfabetização, etc. Palavras-chave: compreensão em leitura; estratégias pedagógicas; ensino fundamental público. Associations between achievement in reading understanding and pedagogical strategies used by teachers Abstract The aim of this work has been to explore the relationships between reading comprehension achievement and strategies used by teachers in second and third class of public schools of Mar del Plata City. The assumption of this study affirms that exist an association between reading comprehension achievement and strategies used by teachers. It was applied an adaptation of PROLEC to evaluate reading comprehension achievement and a questionnaire to explore the educational strategies. The instruments were administered to a random sample of students of 2º and 3º year of 10 public schools (n=258) and their respective teachers (n=64). The outcomes allows contribute empirical evidence of the absence of statistically significant associations between both variables which allows to suppose that reading comprehension is a complex phenomenon that depends on numerous factors like individual cognitives differences and familiar support. 211 Introducción Leer no se reduce a decodificar las palabras sino que también significa comprender el mensaje escrito de un texto. Sin embargo, para conseguirlo resulta necesario, aunque no suficiente, el automatismo de los procesos de decodificación que genera la liberación de recursos atencionales (Perfetti, 1985, 1991). De acuerdo a la literatura científica, se supone que la comprensión lectora es un complejo proceso que genera una representación integrada y coherente del texto por parte del lector. La mayor parte de las investigaciones sobre dificultades en la lectura considera que las fallas en el proceso de decodificación es el problema principal que enfrenta un sujeto para la comprensión lectora. Sin embargo, el déficit de comprensión no puede ser atribuido exclusivamente a fallas en la decodificación, sino que hay un conjunto de factores que, sin duda, también tienen influencia: la confusión respecto a las demandas de la tarea, la pobreza de vocabulario, los escasos conocimientos previos, los problemas de memoria, la falta de entrenamiento en estrategias de comprensión, el escaso control de la comprensión o las diferencias en el modo de enseñar a buenos y malos lectores (Citoler, 2000). Según Defior Citoler (2000), existen una serie de investigaciones (Allington, 1983; Biemiller, 1977-1978) que demuestran que los malos lectores reciben menos enseñanza en comprensión y más en decodificación que los buenos lectores. Aunque suene extraño, estos estudios han permitido corroborar de forma empírica que los malos lectores no solamente recibían menos cantidad de instrucción en comprensión, sino que se les exigía demasiado tiempo práctica de la lectura oral con continuas interrupciones para corregir errores pero sin proponer reflexiones en relación al contenido del texto. La frecuente interrupción genera en los niños la sensación de que deben depositar en otra persona la tarea de evaluar su ejecución lectora, generando un déficit de las habilidades de control de la exactitud y de la comprensión lectora. Comprender el lenguaje requiere de dos niveles de procesamiento de los contenidos de una oración: el sintáctico y el semántico. Una oración es un conjunto de palabras que guardan entre sí determinadas relaci- ones sintácticas y para comprenderlas hay que identificarlas y vincularlas entre sí. Comprender una oración es conferirle un significado, procesar semánticamente su contenido como un todo. De acuerdo a Molinari Marotto (2000) “un texto no es un conjunto aleatorio de oraciones, sino un conjunto coherente” (p.119) y, por lo tanto, la comprensión del texto implica establecer relaciones que mantengan unidas las ideas, para que sea percibido y representado en la memoria como una estructura coherente. Además de distinguir entre comprensión de textos y de oraciones, es necesario establecer diferencias entre los distintos tipos textuales. Según la clasificación de Brewer (1980) se los denomina textos expositivos, narrativos y descriptivos. Cada uno de ellos requiere la aplicación de distintas estrategias y modalidades pedagógicas de enseñanza. Los textos narrativos incluyen personajes y acciones, acontecimientos desencadenantes y ocurrencia de sucesos en cadena temporal, relaciones causales y motivacionales, finales como consecuencia de una acción; el objetivo de los mismos es entretener y además poseen objetivos literarios estéticos (Molinari Marotto, 2000; Braslavsky, 2005). Para fomentar la comprensión en cuentos narrativos el docente puede realizar las siguientes actividades: Antes de la lectura: proponer una discusión sobre sus propósitos; generar hipótesis derivadas del título, realizar ilustraciones, conocer el nombre del autor, etc.; Durante la lectura: generar y responder preguntas, buscar el significado de las palabras que no resultan familiares; y Después de la lectura: revivir el cuento a través de la renarración oral, hacer dibujos y dramatizaciones, etc. (Braslavsky, 2005). Los textos expositivos describen conceptos de tipo abstracto y relaciones del tipo lógico con el fin de explicar, informar, persuadir. Estos textos deben ser, según Slater y Graves (1989): informativos, explicativos, orientativos e incluir la narración. Este tipo de texto informa sobre investigaciones, datos, personas, hechos, teorías, etc. Para que el alumno los comprenda, el docente debe incitarlo a tener un plan estratégico de comprensión y debe ayudarlo a reconocer cómo se diferencia este de otros tipos de texto (Braslavsky, 2005). 212 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas ... • Lorena Juric, María Andrés, Isabel Introzzi e María Richard‘s La estrategia general más frecuentemente aplicada por el docente con el objetivo de motivar la comprensión lectora es la realización de preguntas explícitas o inferenciales en relación al texto (Sánchez, Orrantia & Rosales, 1992). Un texto contiene más información de la que aparece explícitamente enunciada y es tarea del lector completar con sus conocimientos las lagunas que presenta (Davoudi, 2004; Borzone, Rosemberg, Diuk, Silvestre & Plana, 2004). La realización de inferencias ayuda a los lectores a construir y dar significados al texto, sin ellas sería prácticamente imposible comprender el texto a un nivel más macro que el de la oración (Paris, Wasik, & Turner, 1991; García Madruga et al., 1999; Cain & Oakhill, 2004). Numerosas investigaciones han demostrado que los niños tienen más dificultades en responder preguntas inferenciales que literales o explícitas (Paris et al, 1991). Según Geva (1985), los lectores hábiles aplican sistemáticamente varias estrategias de lectura como la paráfrasis, la solución de problemas y el repaso. Existe un acuerdo generalizado sobre la posibilidad de modelar diversas estrategias o habilidades y la importancia de su cesión gradual del control al alumno, para que recupere su autonomía (Schmitt & Baumann, 1989; Grimes, 2004; Sánchez, Orrantia & Rosales, 1992; del Río, 1985). De acuerdo a esto, se infiere la importancia de enseñar de forma sistemática estrategias que favorezcan la comprensión lectora. Teniendo en cuenta lo expuesto, este trabajo se propuso evaluar la relación entre las estrategias pedagógicas y la comprensión lectora en alumnos de 2º y 3º año de la EPB, bajo el supuesto de que es factible encontrar niveles más altos de comprensión en aquellos alumnos que han recibido una formación y un entrenamiento sistemático en estrategias de lectura.. Método Participantes Se trabajó con 64 docentes (64 mujeres, promedio de años de ejercicio en la docencia=17), de 2º año (n=33) y de 3º año (n=31), y con 298 de sus estudiantes (162 mujeres y 136 varones) pertenecientes a segundo grado (n=146) y tercer grado (n=152). La edad promedio fue de 7.57 años en segundo grado y de 8.60 años en tercer grado. La totalidad de la muestra fue seleccionada al azar mediante un registro áulico de 10 Escuelas Municipales de la ciudad de Mar del Plata, Argentina. Instrumentos Para evaluar la comprensión lectora se utilizó la versión adaptada del PROLEC (Andrés, Canet Juric, Introzzi y Urquijo, 2006). Las pruebas fueron administradas en forma individual durante los últimos dos meses del año lectivo. A los fines de este estudio, se consideraron las siguientes escalas: Escala Lectura de Palabras y Pseudopalabras. Esta prueba contiene 60 estímulos (20 palabras de alta frecuencia, 20 palabras de baja frecuencia y 20 pseudopalabras, en los tres casos la mitad son de longitud corta y la otra mitad de longitud larga). Permite verificar si los alumnos tienen automatizados los procesos léxicos. Escala de Comprensión de Textos. Incluye dos textos breves, uno narrativo y otro expositivo, con cuatro preguntas cada uno, dos expositivas y dos narrativas. Permite evaluar la comprensión lectora a nivel textos (ver ANEXO A). Cuestionario para el docente Para explorar las estrategias docentes, se confeccionó un cuestionario que fue aplicado en forma individual a cada docente. Del cuestionario mencionado se consideró la pregunta referida a las actividades de comprensión aplicadas por el docente. 1- Qué actividades utiliza para el refuerzo de los aprendizajes de la lectoescritura. 2- Describa que actividades utiliza para que los alumnos comprendan los textos que leen. 3- ¿Ha recibido alguna capacitación específica sobre enseñanza de comprensión lectora? 4- ¿Cómo considera usted que debiera reforzarse la comprensión de textos? Adicionalmente, para completar esta información se analizaron las actividades utilizadas por el docente a Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 211-221 213 través de la observación sistematizada de los cuadernos de los alumnos mediante una grilla de observación (ver ANEXO B), donde el examinador registraba las tareas de comprensión lectora observadas (Urquijo, Canet Juric, Andrés y Ané, 2006). Procedimiento Las entrevistas fueron realizadas individualmente con los docentes en el aula o algún lugar de la escuela destinado para tal fin. Los niños también fueron evaluados de manera individual en un lugar tranquilo de la escuela, se solicitó el consentimiento por escrito de los padres para tal fin. Análisis estadístico Para facilitar y resumir los resultados se construyeron tres índices en base a la clasificación de estrategias utilizada por Braslavsky (2005): Índice de antes de la lectura (reactivar conocimientos previos, vocabulario, predicciones o anticipaciones sobre el texto, ); Índice de durante la lectura (lectura, ordenar secuencias, estructura del texto, modelado de lectura, completar oraciones con las palabras que faltan, comprensión de instrucciones, ) e Índice de después de la lectura (preguntas sobre lo leído, renarración del texto en forma oral o escrita, dibujar sobre lo leído, debate oral sobre el texto, cambiar el final, responder verdadero o falso, unir con flechas, respuestas de opción múltiple). Para la comprensión de textos se tomó la escala de comprensión de textos del PROLEC (Andrés, Canet Juric, Introzzi & Urquijo, 2006). Final- mente, se analizaron las relaciones entre cada uno de los índices elaborados y los niveles de comprensión de textos, utilizando la Prueba de Independencia de Jicuadrado (χ2 , pd<05). Resultados Resultados PROLEC En la Tabla 1 se observa que el nivel de rendimiento en lectura presenta variaciones entre el 2º y el 3º curso, produciéndose un incremento en este último. El porcentaje de acierto en estas pruebas es alto en general., sin embargo los niveles de comprensión lectora son bajos tanto en segundo como en tercer año, presentando un porcentaje de acierto sólo del 54.9% en segundo y 59.62 % en tercero. En general, podemos afirmar que el desempeño en las tres pruebas de lectura es similar, siendo menor el desempeño en lectura de pseudopalabras y en lectura de palabras infrecuentes que en lectura de palabras frecuentes. En ambos cursos se presenta un mejor rendimiento en lectura de palabras y una disminución en el rendimiento en comprensión en general, sobre todo en comprensión de textos. En general, se observa una mejora de todas las habilidades en tercero. Se observa un desempeño superior en la variable comprensión de oración en los alumnos de 3º año (M= 5.21) que en la variable comprensión de textos (M= 4.76), presentándose mayores rendimientos en ambas pruebas en alumnos de tercer grado. Tabla 1. Estadísticos descriptivos de cantidad de aciertos en lectura y comprensión discriminados por curso para toda la muestra 214 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas ... • Lorena Juric, María Andrés, Isabel Introzzi e María Richard‘s Para poder realizar un análisis de las asociaciones entre el rendimiento en comprensión de textos y las estrategias usadas por los docentes, se seleccionaron aquellas escuelas que mostraron los rendimientos más altos y aquellas otras que mostraron los más bajos en Comprensión de textos. Para esto se tuvieron en cuenta los puntajes medios de la totalidad de la muestra de escuelas municipales en Comprensión de textos (M 2º año= 4,33, M 3º año= 4,71). Se seleccionaron aquellas escuelas que se encontraban un desvío estándar por encima y por debajo de la media de la muestra normativa (ver Tabla 2). Posteriormente, se incluye un análisis de cuáles son las estrategias pedagógicas que utilizan los docentes de estas escuelas. Resultados cuestionarios Estrategias utilizadas por los docentes para que los alumnos comprendan los textos que leen en 2do y 3er grado. En segundo grado se observa que existe toda una franja de estrategias que son utilizadas por las escuelas con puntaje alto y no son usadas por las escuelas con puntajes bajas (Comprensión de consignas y puesta en común, Expresión oral y escrita, Completar oraciones, Relectura, Relato de cuentos y Debate). A su vez, las escuelas consideradas dentro de las de bajos rendimiento, utilizan estrategias que no son utilizadas por las otras escuelas (Reconocer tipos textuales, Unir con flechas, Vocabulario, Predicciones sobre el texto, Modelado, Escritura de oraciones, Respuesta de opción múltiple y Completar oraciones) En tercer grado se puede observar de manera similar a lo que ocurre en segundo grado (ver Tabla 4), ya que existe toda una franja de estrategias que son utilizadas por las escuelas con puntaje alto y que no son usadas por las escuelas con puntajes bajos (Dictado, Reglas ortográficas, Separar en sílabas, Ordenar alfabéticamente, Familias de palabras, Producciones escritas de los alumnos, Dramatizaciones, Libros a casa). A su vez, las escuelas consideradas dentro de las de bajos rendimiento, utilizan estrategias que no son utilizadas por las otras escuelas (Debate, Modelado, Tabla 2. Resultados de comprensión lectora de 2do grado discriminados por medias y desvíos altos y bajos de 4 escuelas municipales Tabla 3. Resultados de comprensión lectora de 3ro grado discriminados por medias y desvíos altos y bajos de 4 escuelas municipales Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 211-221 215 Tabla 4. Comparación de frecuencias de estrategias enunciadas por los docentes entre escuelas con altos y bajos puntajesen segundo grado Cambiar el final de cuentos, Búsqueda de sinónimos y antónimos, Relacionar con conocimientos previos). Asociación entre el rendimiento en comprensión lectora y estrategias docentes. Las medias más altas en comprensión de textos no presentan asociaciones estadísticamente significativas con un tipo particular de estrategias docentes. Índice 3 χ2 (3, 19)= 3.026, p>= .05; Índice 2 χ2 (5, 19)= 4.93, p>= .05 e Índice 3 χ2 (7, 19)= 8.74, p>= .05. Un dato relevante es que las estrategias docentes incluídas en el Ìndice 3 de Después de la lectura presentan una media más alta (M= 2,16) en comparación con el resto de las medias pertenecientes a los restantes índices (Índice 1 M= 0,40; Índice 2 M=1,20). Discusión El elevado rendimiento en las escalas de lectura de palabras y pseudopalabras indica que los participantes han automatizado los procesos léxicos. Por lo tanto, las puntuaciones bajas en las tareas que evalúan la comprensión, indicarían que estas dificultades no se deben a un déficit en los procesos léxicos, sino que se encuentran relacionados a otras variables. Existen un conjunto de factores que tienen influencia en el rendimiento de esta variable, a saber: la confusión respecto a las demandas de la tarea, la pobreza de vocabulario, los escasos conocimientos previos, los problemas de memoria, la falta de entrenamiento en estrategias de comprensión, el escaso control de la comprensión o las diferencias en el modo de enseñar a buenos y malos lectores 216 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas ... • Lorena Juric, María Andrés, Isabel Introzzi e María Richard‘s Tabla 5. Comparación de frecuencias de estrategias enunciadas por los docentes entre escuelas con altos y bajos puntajesen tercero grado (Citoler, 2000, Allington, 1983; Biemiller, 19771978). Mostrar la existencia de estas diferencias constituía el objetivo de este trabajo. Al analizar la comprensión de oraciones se observó que los alumnos presentan rendimiento superior en la comprensión de oraciones que de textos. Esta actividad, si bien resulta compleja, presenta menos dificultad de procesamiento ya que el alumno sólo se debe preocupar del procesamiento individual de las oraciones, sin necesidad de realizar operaciones más complejas como las de integración en unidades superiores, actividad que sí es requerida para la comprensión global del texto. Nuestros resultados no han permitido obtener evidencia empírica confirmatoria a favor de la asociación entre el rendimiento en comprensión de textos y las estrategias pedagógicas usadas por los docentes. En coincidencia con algunos autores (Paris, Wasik, & Turner , 1991; García Madruga, Elosúa, Gutiérrez, Luque & Garate, 1999 y Cain & Oakhill, 2004 ) los resultados demostraron que una de las estrategias mayormente elegidas por los docentes para favorecer la comprensión del texto es elaborar preguntas sobre el texto para que los alumnos posteriormente las respondan. Otra estrategia enunciada como importante para la comprensión, fue la práctica de la lectura, quizás esto tenga que ver con el manejo de una teoría intuitiva por parte del docente en relación a la importancia de automatizar los procesos de decodificación y acceso léxico para así poder liberar recursos atencionales y ponerlos al servicio de procesos cognitivos más profundos, en este caso, al servicio de la comprensión. En general, no hay diferencias cuantitativas importantes en relación a las estrategias enunciadas por los docentes, sólo se observa mención de distintas estrategias en las escuelas que presentan buenos rendimientos y en las escuelas que presentan bajos rendimientos. Estas estrategias, tanto en un tipo de rendimiento como en otro, son enunciadas por el docente en forma aislada y no como un paquete de estrategias a ser utilizado en distintos momentos de la lectura. Es decir, que lo que se ha podido observar Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 211-221 217 es más bien la falta de sistematización y organización en el planeamiento de la enseñanza de la comprensión lectora. Se utilizan un número elevado de diversas estrategias pero éstas no presentan un ordenamiento lógico entre sí, o algún tipo de criterio clasificatorio que permita agruparlas y prever un entrenamiento en la comprensión textual, más bien se trata de una especie de abanico en que se incluyen multiplicidad de estrategias. Más allá de los resultados relacionados con los cuestionarios docentes, el hecho de que el docente enuncie una actividad no constituye un indicador de la frecuencia de uso de las mismas, lo que podría haber sido de mayor utilidad para la posterior comparación entre docentes. Consideramos que es necesario incluir otro tipo de mediciones o registros en estudios futuros que incluyan información más detallada acerca de las estrategias docentes tales como: la frecuencia de uso de las mismas, cantidad de horas dedicas a la instrucción en comprensión lectora, horas asignadas a tareas escolares que se relacionen con la comprensión lectora, etc. Bibliográfia Andrés, M. L., Canet Juric, L. & Introzzi, I. (2006). Modificación de una prueba para evaluar los procesos intervinientes en la Lectoescritura. Mesa Redonda. Em I Encuentro Nacional de Evaluación Psicológica y Educativa (pp. 36-39). Avances Teóricos y Técnicos de la Medición Psicológica, Córdoba, Argentina. Allington, R. L. (1983). The reading instruction provided to readers of differing reading abilities. Elementary Scholl Journal, 83, 548-559. Biemiller, A. (1977-1978). Relationships between oral reading rates for letters, words, and simple text in the development of reading achievement. Reading Research Quarterly, 13, 223-253. Borzone, A. M., Rosemberg, C. R., Diuk, B., Silvestri, A., & Plana, D. (2004). Niños y maestros por el camino de la alfabetización. Buenos Aires: Red de apoyo escolar. Bravslavsky, B. (2005). Enseñar a entender lo que se lee. La alfabetización en la familia y en la escuela. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica. Brewer, W. F. (1980). Theoretical sigues in reading comprehension. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates. Em C. Molinari Marotto (Ed.), Introducción a los Modelos Cognitivos de la Comprensión del Lenguaje. Buenos Aires: Eudeba. Cain, K., & Oakhill, J. (2004). Children’s reading comprehension ability: Concurrent prediction by working memory, verbal ability, and component skills. Journal of Educational Psychology, 96, 31-41. Davoudi, M. (2004). Inference generation skill and text comprehension. The Reading Matrix, (5), 106-123. Defior Citoler, S. (2000). Las dificultades del aprendizaje: un enfoque cognitivo. Lectura, escritura y matemáticas. (2ª ed.). Granada: Educación para la diversidad. Del Río, P. (1985). Investigación y Práctica educativa en el desarrollo de la comprensión lectora. Infancia y Aprendizaje, 31-32, 32-44. García Madruga, J. A., Eloúsa, M. R., Gutiérrez, F., Luque, J. L., & Gárate, M. (1999). Comprensión Lectora y Memoria Operativa. Aspectos evolutivos e instruccionales. Barcelona: Paidós. Geva, E. (1985). Mejora de la comprensión lectora mediante diagramas de flujo. Infancia y Aprendizaje, 31-32, 45-66. Grimes, S. (2004). The search of meaning. How you can boost kids’ reading comprehension. Scholl Library Journal, 50(5), 48-52. Molinari Marotto, C. (2000). Introducción a los Modelos Cognitivos de la Comprensión del Lenguaje. Buenos Aires: Eudeba. Paris, S. G., Wasik, B. A., & Turner J. C. (1991). The development of strategic readers. Em P. D. Pearson, R. Barr, M. L. Kamil & P. Mosenthal (Eds.), Handbook of reading research (pp. 609-640, v. 1). New York: Longman. Perfetti, C. A. (1985). Reading Ability. New York: Oxford University Press. Perfetti, C. A. (1991). Representations and awareness in the acquisition of reading competence. Em L. Rieben & C. A. Perfetti (Eds.), Learning to read: Basic research and its implications (pp. 33-44). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. Sánchez, E., Orrantia, J., & Rosales, J. (1992). Cómo mejorar la comprensión de textos en el aula. Comunicación, Lenguaje y Educación, 14, 89-112. Schmitt, C. M., & Baumann, J. (1989). Cómo incorporar las estrategias de control de la comprensión a la enseñanza con textos base de lectura. Comunicación, Lenguaje y Educación, 1, 45-50. 218 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas ... • Lorena Juric, María Andrés, Isabel Introzzi e María Richard‘s Slater, W. H., & Graves, M. F. (1989). Research on expository text: implications for teachers. Em K. D. Bluth (Ed.), Children’s Comprehension of text. Newark: International Reading Association. Urquijo, S., Canet Juric, L., Andrés, M. L., & Ané, A. (2006). Los Procesos Lectores en Primer Ciclo de EGB (Informe Técnico para la Municipalidad de General Pueyrredón). Mar del Plata, Buenos Aires: Universidad Nacional de Mar del Plata, Grupo de Psicología Cognitiva y Educacional. Recebido em: 06/08/2007 Revisado em: 05/12/2007 Aprovado em 29/01/2008 Sobre as autoras Lorena Canet Juric, ([email protected]) - doutoranda em Psicologia pela Universidade Nacional de Sao Luis. Trabaja en el Centro de Investigación en Procesos Básicos, Metodología y Educación, en la Universidade Nacional do Mar del Plata y es Becaria Doctoral de Investigación do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y técnicas y docente de la Facultad de Psicologia. (CONICET). María Laura Andrés ([email protected]) - Universidad Nacional de Mar del Plata. Trabaja en el Centro de Investigación en Procesos Básicos, Metodología y Educación, en la Universidade Nacional do Mar del Plata. Es Becaria de Iniciación en esta Universidade. Isabel Introzzi ([email protected]) - doutoranda em Psicología pela Universidade Nacional de Sao Luis. Trabaja en el Centro de Investigación en Procesos Básicos, Metodología y Educación, en la Universidade Nacional do Mar del Plata y es Becaria Doctoral de Investigación do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y técnicas y docente de la Facultad de Psicologia. (CONICET). María Richard‘s ([email protected]) - doutoranda em Psicología pela Universidade Nacional de Sao Luis. Trabaja en el Centro de Investigación en Procesos Básicos, Metodología y Educación, en la Universidade Nacional do Mar del Plata y es Becaria Doctoral de Investigación do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y técnicas y docente de la Facultad de Psicologia. (CONICET). Nota das autoras Este trabajo es resultado de la Investigación efectuada por el Centro de Procesos Básicos, Metodología y Educación (en ese entonces Grupo de Psicología Cognitiva y Educacional) en el marco del proyecto: Alfabetización y Psicología Cognitiva dirigido por el doctor Sebastián Urquijo. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 211-221 219 ANEXO A Texto Narrativo ERA EL CUMPLEAÑOS DE MARISA Y ALLÍ ESTABAN TODAS SUS AMIGAS ESPERANDO A QUE EMPEZARA LA FIESTA. DE REPENTE, OYERON UN RUIDO EN LA COCINA Y CUANDO ENTRARON VIERON QUE EL GATO HABÍA TIRADO LA TORTA. MARISA SE PUSO MUY TRISTE PORQUE YA NO PODÍA APAGAR LAS VELAS. PERO EN ESE MOMENTO LLEGÓ SU PADRINO CON UNA GRAN TORTA DE REGALO Y TODOS SE PUSIERON MUY CONTENTOS. Preguntas 1234- ¿QUÉ ESTABAN ESPERANDO LAS AMIGAS DE MARISA? ¿QUÉ ERA EL RUIDO QUE OYERON EN LA COCINA? ¿POR QUÉ NO PODRÍA MARISA APAGAR LAS VELAS? ¿QUÉ TRAJO EL PADRINO DE MARISA? Texto Expositivo A LA ORILLA DE LOS RÍOS CRECE UN ÁRBOL MUY BONITO DE FLORES AMARILLAS LLAMADO SAUCE. LOS SAUCES TIENEN UNAS RAMAS MUY LARGAS Y CON MUCHAS HOJAS POR LO QUE DAN UNA BUENA SOMBRA. SU TRONCO ES LARGO Y FLEXIBLE Y SE UTILIZA PARA FABRICAR BASTONES. EN LA ÉPOCA DE VERANO QUE LA TIERRA ESTÁ SECA, SUS RAÍCES SE ALARGAN MUCHOS METROS BUSCANDO EL AGUA. Preguntas 1234- ¿DÓNDE CRECEN LOS SAUCES? ¿POR QUÉ DAN BUENA SOMBRA LOS SAUCES? ¿PARA QUÉ SE UTILIZA SU TRONCO? ¿CÓMO SON SUS RAÍCES? 220 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas ... • Lorena Juric, María Andrés, Isabel Introzzi e María Richard‘s ANEXO B Trilla de observación Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 211-221 221 Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras Criatividade no curso de Letras Zélia Maria Freire de Oliveira Eunice Maria Lima Soriano de Alencar Resumo A pesquisa investigou como a criatividade era tratada na formação e atuação do professor do Curso de Letras. Foram entrevistados 20 professores de duas instituições de educação superior particulares e uma pública de uma cidade da região centro-oeste do Brasil e foi utilizada a análise de conteúdo para tratamento dos dados. Os resultados indicaram que os professores atribuem importância à criatividade no mundo atual; acreditam no potencial criativo de seus alunos; têm noção sobre criatividade, embora com dificuldade para defini-la; valem-se de vários procedimentos pedagógicos que a facilitam, embora não os utilizem de forma intencional; não sentem necessidade de uma disciplina específica sobre criatividade, percebendo-a mais como procedimento pedagógico; não tiveram em sua formação, de modo geral, informações sobre criatividade, nem tampouco em oportunidades de atualização; lembram-se de poucos professores criativos em sua própria formação e apontaram várias barreiras à promoção da criatividade em sala de aula. Palavras-chave: criatividade; professores; medida. Creativity in the Linguistics course and the professor’s formation and performance Abstract This study investigated how creativity has been worked upon in the Linguistics Course. Twenty professors from two private and one public higher education institutions in a city from the central west of Brazil were interviewed. Content analysis was employed to analyze the answers given by the professors’ enterviews. The results indicated that the professors recognized the importance of creativity in the current world; they believed in their student’s creative potential; they had difficulty in defining creativity and they used various pedagogical procedures they believed to foster creativity, even though they did not do it intentionally. The professors did not perceive the need for a specific course on creativity and they saw it more as a pedagogical procedure. Furthermore, they had not had any formal instruction on creativity either on their undergraduate program or in follow up courses. They remembered few creative professors and pointed out several obstacles to the implementation of creativity in the classroom. Keywords: creativity; college teachers; measurement. Creatividad en la formación y actuación del profesor del curso de Letras Resumen El estudio investigó como la creatividad era tratada en la formación y actuación del profesor del Curso de Letras. Fueron entrevistados 20 profesores de dos instituciones privadas y una pública de educación superior de una ciudad de la región centro-oeste del Brasil, y fue utilizado el análisis de contenido para el tratamiento de los datos. Los resultados indicaron que los profesores le atribuyen importancia a la creatividad en el mundo actual; creen en el potencial creativo de sus alumnos; tienen noción sobre creatividad, pese a también tener una cierta dificultad para definirla; utilizan varios procedimientos pedagógicos que la facilitan, pese a no hacerlo de forma intencional; no sienten necesidad de una disciplina específica sobre creatividad, percibiéndola más como un procedimiento pedagógico; en su formación, de manera general, no tuvieron informaciones sobre creatividad ni oportunidades de actualización; se recuerdan de pocos profesores creativos en su propia formación y apuntaron varias barreras a la promoción de la creatividad en clase. Palabras clave: creatividad; profesores; medida. 223 Introdução O momento atual da História possui características bem peculiares que exigem cada vez mais criatividade dos cidadãos para buscarem soluções aos inúmeros problemas. São incertos os desafios oriundos de um tempo de globalização, de mundialização da cultura, de sociedade em rede, de novas ciências e áreas do saber, de deslocalização e de desfragmentação da produção, características essas apontadas por diversos autores, como Alencar e Fleith (2003a; 2003b), Castells (1999, 2003), Hill (2003), Ortiz (1994), Rifkin (2000). Ao lado de tantas novidades e das transformações do mundo, cresceu o interesse por pesquisas no âmbito da criatividade, dando força ao novo, ao diferente, à busca de soluções para os inúmeros problemas e desafios e, segundo Alencar e Fleith (2003a), a necessidade de se pensar de forma criativa e inovadora tem levado vários sistemas educacionais de diferentes países a refletirem sobre o espaço que deve ser dado para o desenvolvimento das habilidades criativas no contexto educacional. Ressaltam ainda que os esforços nesse sentido têm sido precários, apesar de a criatividade ser um recurso natural do ser humano, não se constituindo um fenômeno exclusivamente cognitivo e nem exclusivo dessa ou daquela pessoa, porém seu desenvolvimento depende de vários fatores, tanto intrapessoais quanto do contexto sociocultural onde o indivíduo se insere e interage. Também é preciso que os cursos formadores de professores, nas instituições de educação superior, conscientizem os futuros professores da importância da criatividade para si próprios e para os alunos que formarão, colocando a criatividade como instrumento do ensino-aprendizagem e como mola-mestra de respostas inovadoras e soluções desse novo contexto mundial. A ação educativa deve acompanhar a dinamicidade e o momento de transformação do mundo atual. Professores criativos passam para seus alunos esse espírito criativo; cabe-lhes estimular o potencial criador de seus alunos, contribuindo para que se constituam homens criativos no futuro. Vários fatores contribuem para que os professores sejam criativos, destacando-se, entre eles, o fato de, 224 em sua formação, terem sido estimulados a serem criativos e conscientizados da importância da criatividade na formação da pessoa bem como terem conhecido práticas pedagógicas que estimulassem a criatividade. Entretanto, segundo Libâneo (1998), as universidades formam mal os futuros professores sem as competências necessárias para enfrentar as mudanças que estão ocorrendo no mundo atual. Faltando em sua formação algumas competências e habilidades, os professores irão, conseqüentemente, formar mal seus alunos. Grande parte dos professores universitários somente se preocupa, no dia-a-dia, em reproduzir conhecimentos, não enfatizando o ensino reflexivo e crítico bem como não alertam os alunos “para o ‘pulo do gato’, que só os que se aventuraram na fantasia, na criação conseguem.” (Rosas, 1987, p. 123). Muitos autores, segundo Alencar (2001), analisaram o ensino universitário, constatando ineficiência quanto à promoção da criatividade, o nãoencorajamento do pensamento criativo e independente, a ênfase na memorização e na reprodução de conhecimento. A mesma autora (1997), em pesquisa, a respeito da extensão em que a criatividade era estimulada no contexto universitário, observou que, segundo os estudantes de educação superior que participaram da mesma, os seus professores davam pouco incentivo a distintos aspectos da criatividade, eram pouco criativos e adotavam atitudes e metodologia de ensino também pouco criativas em sala de aula. Resultados similares a estes foram obtidos por Silva e Alencar (2003) com estudantes do Curso de Enfermagem. Pode-se afirmar, de acordo com Morejón (1996), que o componente criativo é essencial à saúde mental e que à medida que os professores e alunos o tenham incorporado em suas próprias vidas, poderão desfrutar de experiências incríveis e se espantarem com o potencial desconhecido que possuíam e não conheciam. Com base no exposto, a pesquisa objetivou analisar como a criatividade era percebida pelo professor do Curso de Letras, formador de professores da Língua Portuguesa, Literatura, entre outras disciplinas, nos seguintes aspectos: a importância atribuída à criatividade na formação do cidadão; as concepções de criatividade; a criatividade e o currículo do curso; o potencial criati- Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar vo dos alunos; a formação do atual professor, se estes receberam noções sobre criatividade e se tiveram contatos com professores criativos; a percepção da sua própria criatividade; os procedimentos pedagógicos utilizados e que propiciavam o desenvolvimento da criatividade dos alunos e as barreiras ao desenvolvimento da criatividade em sala de aula. Método Participantes Os participantes da pesquisa foram 20 professores do Curso de Letras, sendo 12 de duas instituições particulares e oito de uma instituição pública, todas situadas em uma cidade da região centro-oeste do Brasil. Dos entrevistados, oito (40%) eram do sexo masculino e 12 (60%) do sexo feminino A idade dos participantes variou de 26 a 66 anos, com a média etária de 48 anos. A respeito da formação dos professores, constatou-se: um (5%) com pós-doutorado; seis (30%) com doutorado completo; três (15%) com doutorado incompleto; oito (40%) com mestrado completo; (5%) com mestrado incompleto; um (5%) com outra especialização. A carga média horária de trabalho era de 16 horas, assim distribuída: seis professores trabalhavam até 10 horas, 10 professores trabalhavam de 11 a 20 horas, dois professores trabalhavam de 21 a 30 horas e dois professores trabalhavam de 31 a 40 horas. O tempo de magistério variou de um ano e meio a 38 anos, sendo que 11 (55%) professores tinham entre 20 a 30 anos de magistério e nove (45%) abaixo de 20 anos. Todos os professores afirmaram lecionar com grande satisfação e ministravam diferentes disciplinas no Curso de Letras. Instrumento O instrumento de pesquisa foi a entrevista, realizada de forma individual com professores do Curso de Letras e segundo roteiro, previamente preparado. Na sua parte inicial foram coletados dados pessoais do entrevistado (nome, gênero, idade, formação, disciplina(s) que lecionava, carga horária semanal, tempo de magistério e se tinham satisfação em lecionar). A seguir, foram feitas perguntas em que se buscou saber do entrevistado: o que ele achava da importân- cia da criatividade na formação do cidadão do mundo atual; qual o conceito que tinha a respeito de criatividade; se no currículo do curso de Letras da instituição onde lecionava havia uma disciplina específica para criatividade ou se ela era parte de alguma disciplina ou, ainda, se era apenas um procedimento pedagógico em sala de aula; se ele acreditava existir um potencial criativo em todas as pessoas e na possibilidade de desenvolvê-lo; se em sua formação, no curso superior, foi lhe dado conhecimentos sobre criatividade; se teve professores criativos em sua formação e o que deles se lembrava; se conhecia alguma técnica ou procedimento para desenvolver o potencial criativo das pessoas; se ele se considerava um professor criativo; que procedimentos pedagógicos/ técnicas/métodos de ensino utilizava e que, no seu entender, auxiliavam no desenvolvimento da criatividade de seus alunos; com quais barreiras se deparava em seu dia-a-dia de sala de aula e que percebia prejudicar o desenvolvimento do potencial criativo dos alunos. No encerramento da entrevista, permitiu-se ao entrevistado acrescentar o que quisesse e foram feitos os agradecimentos. Procedimento Primeiramente, houve um contato com a coordenação do Curso de Letras das duas instituições particulares para exposição dos objetivos da pesquisa e solicitar autorização para a realização das entrevistas. A partir de um primeiro professor entrevistado, outros foram indicados e assim, realizadas as demais entrevistas, em horários acertados com os professores. Na instituição pública, houve dificuldade de contato com a coordenação específica. Identificou-se, então, o horário de aula dos professores e a apresentação e solicitação de sua participação no estudo se deu diretamente com o professor, sendo a entrevista realizada em horário estipulado por ele. As entrevistas tiveram as seguintes etapas: apresentação da entrevistadora; explicação de seus objetivos e da confidencialidade; a realização propriamente dita; agradecimentos e despedida. As entrevistas, com uma duração média de 25 minutos, foram gravadas em áudio e transcritas verbatim. Como etapa inicial da coleta de dados, procedeuse a um estudo piloto, com a participação de três Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237 225 professores, objetivando identificar possíveis falhas e o nível de clareza das perguntas incluídas no Roteiro de Entrevista. Não se constatou necessidade de modificações no roteiro previamente preparado e, por esta razão, os dados coletados nesse estudo foram aproveitados na análise. resultados, a inferência e a interpretação. As freqüências e porcentagens de respostas em cada uma das categorias construídas foram calculadas. Análise dos dados A importância da criatividade na formação do cidadão no mundo atual Utilizou-se a análise de conteúdo, segundo orientações e prescrições preconizadas por diversos autores (Bardin, 2004; Bauer & Gaskell, 2002; Franco, 2005; Richardson, 1999). As três fases da análise de conteúdo foram efetuadas: a da pré-análise do material, quando se sistematizou as idéias iniciais e se fez uma organização preliminar; a da exploração do material, quando a montagem de quadros resultou em respostas e operações de codificação, com a definição do tema como unidade de registro, enumeração e categorização, baseada nas questões formuladas; e a do tratamento dos Resultados e Discussão Dezenove (95%) professores concordaram com a importância da criatividade no mundo de hoje; apenas um professor deu uma resposta evasiva. Os motivos explicitados relacionavam-se à profissão, à vida pessoal, ao mundo em geral e ao modismo, conforme Tabela 1. Algumas citações dos professores a respeito: Hoje eu acredito que a criatividade, ela faça a diferença entre dois profissionais [...] Para a escolha de Tabela 1. Motivos apontados pelos professores para justificar a importância da criatividade na formação do cidadão no mundo atual Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total de motivos explicitados e não a partir do número de professores entrevistados. 226 Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar um profissional, a criatividade influenciará nessa escolha, nessa seleção [...] o conhecimento pode ser equivalente e a diferença ser a criatividade. (P1)1. [...] a criatividade, sob meu ponto de vista, é uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. (P5). A importância da criatividade nos tempos atuais, discutidos por vários pesquisadores (Alencar & Fleith, 2003a; Castells, 2003; Ortiz, 1994, entre outros), foi também ratificada pelos participantes da pesquisa, que enfatizaram sua relevância, sobretudo no âmbito profissional. A criatividade foi considerada questão de sobrevivência no trabalho. A importância da criatividade no trabalho foi também apontada pela pesquisa de Melo (2001, p. 81) que afirmou ser a criatividade “um trunfo para os professores de Educação alcançar os objetivos traçados para suas aulas, ultrapassando os obstáculos encontrados”. Foi realçada a validade de sua utilização em sala de aula pelo professor, seja para deixar mais atrativa a forma de ministrar determinado conteúdo e motivar os alunos, seja para melhorar a relação entre professor e aluno, por meio de determinados procedimentos pedagógicos por eles adotados. Concepções de criatividade Várias idéias foram associadas ao conceito de criatividade, agrupadas em quatro categorias (Tabela 2): criatividade como geradora do novo; criatividade como transformadora de algo; criatividade como atributo pessoal e criatividade como geradora de soluções. Isso é demonstrado por algumas afirmativas dos professores: É a capacidade... é a inventiva... é apresentar algo novo, apresentar algo inédito, alguma coisa que poucos ou ninguém pensou antes. (F19)2. Então, assim eu entendo por criatividade uma que- bra de padrão, uma quebra de paradigma, seja no individual, seja no coletivo. (F20). O que entendo por criatividade é: inovar, ser crítico, é questionar, é não seguir a norma, embora tendo por base a norma, para ser criativo. (P3). Criatividade é fazer releituras, fazer reelaboração de idéias, é reorganização, é reconstrução de idéias, mesmo que a idéia seja antiquada, mesmo que a idéia seja tradicional, ela pode ser revista, refeita, relida e apresentar aquela mesma idéia de uma forma mais moderna [...] (P1). [...] é exatamente essa habilidade, esse traquejo, de conseguir às vezes do pouco o muito, essa coisa de você transformar o que é difícil numa coisa fácil, para o aluno entender [...] (P2). Diversos pesquisadores da criatividade (Alencar & Fleith, 2003a; Amabile, 1999; Feldman, Csikszentmihalyi & Gardner, 1994; Martínez, 1997; Niu & Sternberg, 2002; Prado-Diez, 1999; Wechsler, 2002, entre outros) evidenciaram que a criatividade está em todos os lugares, todas as pessoas a intuem, a percebem, mas uma definição precisa, única, concreta é difícil de ser estabelecida e que ao seu conceito ligam-se expressões como: novo, original, útil, valor social num momento histórico, diferente, desenvolvimento, melhoria, solução de problemas. Esses aspectos foram apontados pelos entrevistados que demonstraram saber o que é criatividade, no seu foro íntimo, mas tiveram dificuldade em defini-la, o que pode ser percebido pelas muitas reticências, silêncio para pensar, outras perguntas, exclamações e respostas indiretas, exemplificações de procedimentos que adotavam e que proporcionavam momentos criativos. Criatividade no currículo do Curso de Letras Uma análise das respostas (Tabela 3) indicou quatro enfoques: não havia uma disciplina específica so- 1 P1 – o professor entrevistado de instituição de educação superior particular foi codificado com a letra P e o número à direita representa a ordem em que ocorreu a entrevista. 2 F19 – o professor entrevistado de instituição de educação superior pública foi codificado com a letra F e o número à direita representa em que ordem ocorreu a entrevista. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237 227 Tabela 2. Concepções de criatividade explicitadas pelos participantes do estudo Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total das concepções explicitadas e não a partir do número de professores. bre criatividade no currículo do Curso de Letras; a criatividade como prática pedagógica; a criatividade como parte de outra disciplina; e a necessidade de uma disciplina específica sobre criatividade no curso de licenciatura. Embora os estudiosos do assunto profissão professor, como Freire e Shor (1996), Porto (2002), Tardif (2003), Tibeau (2002), Zabalza (1998), entre outros, enfatizem que é necessário que a criatividade seja enfocada nos cursos de formação, percebeu-se que o currículo do Curso de Letras não trata do assunto. Na melhor das hipóteses, é incluída nos procedimentos pedagógicos dos pro228 fessores, sendo uma prática individual e intuitiva, mas não de todos os professores ou faz parte de disciplinas práticas, como Didática, mas também não como um conteúdo explícito. Potencial criativo e suas possibilidades de desenvolvimento Uma análise das respostas à questão sobre o que o professor entrevistado pensava sobre o potencial criativo das pessoas e a possibilidade de desenvolvêlo indicou que, para 18 (90%) professores, o potencial criativo está presente em todas as pessoas, enfatizando terem algumas esse potencial desenvol- Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar Tabela 3. Criatividade no currículo do Curso de Letras Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total de enfoques explicitados e não a partir do número de professores. vido, ao passo que outras o apresentam em estado bruto, havendo necessidade de um esforço para aflorá-lo. Mas mesmo assim, acreditavam na possibilidade de desenvolvê-lo em todas as pessoas, sendo a ação e o método de ensinar do professor fundamentais. Somente dois (10%) professores consideraram que algumas pessoas não tinham potencial criativo. Seguem algumas respostas: Eu acredito, isso é cientificamente já comprovado, Gardner já provou isso. (P2). Sim, sem dúvida. Eu acho que todo o mundo tem a capacidade de estar disponibilizando o desenvolvimento dessa habilidade; sim, acho até que é uma competência; o que precisa é de um trabalho que estimule esse potencial criativo. (P6). Com certeza, com certeza, eu acho que as convenções, as normas, as leis, os sistemas inibem um pouco [...] (F13). A grande maioria das respostas está em consonância com o que os estudiosos da criatividade, como Alencar (2000a, 2000b, 2001, 2002), Alencar e Fleith (2003a), Fleith (2001), Feldman e cols. (1994), Freire e Shor (1996), Martínez (1997), Morejón (1996), Sternberg e Lubart (1996), Tardif (2003), Vallejo (2003), Vygotsky (1930/1987), Wechsler (2001, 2002), Zabalza (1998), entre outros, salientaram: todas as pessoas têm um potencial criativo e é preponderante a ação do professor no desenvolvimento desse potencial; muitas pessoas o têm em estado latente, algumas o têm desenvolvido naturalmente e outras o têm em desenvolvimento, de acordo com os estímulos que recebem pelos diversos ambientes por onde passa. A maioria acredita no potencial existente nas pessoas, havendo muita ênfase, entretanto, em se afirmar que é necessário um esforço para desenvolver esse potencial, até mesmo um “empurrãozinho, um pontapé inicial”. Criatividade na formação dos professores entrevistados Uma análise das respostas à questão (Tabela 4) indicou que a grande maioria delas demonstrou que os professores não receberam informações sobre criatividade em sua formação, tendo mesmo alguns ressaltados que, ao contrário, haviam sido castrados na sua criatividade em potencial e que a formação foi mais conteudista. Alguns tiveram noções em disciplina prática ou pela prática pedagógica de certos professores. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237 229 Tabela 4. Criatividade na formação dos professores entrevistados Nota: as porcentagens foram calculadas com base no total de respostas referentes às distintas categorias e não a partir do número de professores. Algumas respostas ilustrativas: [...] tive uma educação absolutamente tradicional, conteudista [...] (P2). Não, pelo contrário, o que houve em toda minha formação foi podar toda a criatividade, sempre. (F14). Não... uma disciplina específica também, mas justamente na prática de ensino, nós trabalhamos muito isso: criatividade e motivação, criatividade e motivação em sala de aula, no Curso de Letras [...] (P15). Formalmente não, mas assim, acho que tem mais a ver com minha formação de família [...] (F18). Nada, só no Mestrado. (P3). Com relação à formação dos professores entrevistados, observou-se que está em conformidade com o estabelecido legalmente, porém, a criatividade foi uma das lacunas deixada na formação do atual professor do Curso de Letras, que foi mais teórica e continua sendo. Todos sabem que a criatividade é importante, mas não sabem como desenvolvê-la eficazmente em seus alunos. 230 Professores criativos na formação dos participantes Constatou-se que 10 (50%) professores responderam afirmativamente, informando que se lembravam desses professores com enorme satisfação, o que transpareceu, inclusive, no semblante que expressaram, com um sorriso nos lábios. Um dos professores realçou as instituições onde estudou, as quais estimulavam os alunos a serem criativos por meio de práticas pedagógicas incentivadoras. Entretanto, observou-se que foram poucos os professores lembrados. Para nove (45%) participantes do estudo, a lembrança que tinham era somente de professores castradores da criatividade. Entre os professores entrevistados, apenas um não respondeu a essa pergunta, afirmando que criatividade era algo pessoal e não estava nos focos das suas preocupações. A seguir, algumas respostas dos professores entrevistados: Tive, tive professores criativos, tive nessa época, ah, eu tive um professor que fazia a gente desenhar, representar [...] (P2). Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar Tive, tive. Assim, a grande sabedoria dessas pessoas de não falar só de um assunto, mas estar sempre relacionando vários assuntos e voltando àquele assunto. (P4). Criativos? Tive... uma professora de Didática que é assim de quem mais eu me lembro quando estou preparando as minhas aulas, é dela que me lembro. (P7). Professores criativos serão lembrados por seus alunos, professores que apresentam inovações em sala de aula, que dão aula com prazer. Esse fato foi comprovado pelos professores que se recordaram dos poucos professores criativos que tiveram em sua formação, cuja lembrança veio acompanhada de satisfação demonstrada no semblante do professor. Professores castradores marcam negativamente por toda a vida e a maioria os tiveram em sua formação. Conhecimento sobre técnica ou procedimento específico para desenvolver o potencial criativo Dos 20 professores entrevistados, 18 (90%) informaram desconhecer a técnica ou o procedimento específico para desenvolver o potencial criativo, embora tenham aproveitado para apontar procedimentos utilizados durante as aulas e que consideravam estimuladores da criatividade dos alunos como, por exemplo: divisão dos alunos por habilidades e capacidades na hora de fazer um trabalho, utilização de muita leitura, experiências em sala de aula, diálogo, questionamentos, trabalhos em grupo, elaboração de jornal e poesias. Apenas um professor informou conhecer algumas técnicas para desenvolver o potencial criativo, pois cursou uma disciplina sobre criatividade durante o Mestrado, mas não as utilizava. Um professor não se interessava por criatividade em suas aulas. Algumas citações ilustrativas: Técnica que eu tenha feito, por exemplo, como disciplina, ou que tenha aprendido com professores, não [...]. Aprendi com os próprios alunos, com as necessidades deles [...] Por exemplo, então primei- ro minhas aulas são teóricas [...] assim é que funciona na academia; mas, em outro momento, eles utilizam este conhecimento para apresentações de trabalho, não em seminários, mas em dupla, ou em trio, que seria uma simulação de sala de aula [...] (P1). Eu conheço as técnicas que eu uso em sala de aula, né, eu normalmente divido por habilidades, por competências, os alunos é que estabelecem naquilo que eles se encontram, naquilo que eles melhor têm e trabalham em grupo de acordo com as habilidades que eles têm. (P2). Não, eu vou assumir para você, é uma coisa mais intuitiva que eu tenho, mas nenhuma técnica específica assim... ler um livro, ou alguém ter me indicado, não, nem curso. (P5). Quase a totalidade da amostra não conhece técnica ou prática pedagógica que possibilite o desenvolvimento do potencial criativo das pessoas, exercícios específicos que possibilitem a produção de idéias e soluções criativas como os citados por Alencar (2000), Alencar e Fleith (2003a), Buzan (2001), De La Torre (2003), Fleith (2001), entre outros. Desconhece também livros a respeito de criatividade. O que poderia suprir essa carência seria um programa de atualização, que também é precário nas instituições pesquisadas. Constatou-se grande desinformação em relação à criatividade, leituras correlatas, técnicas e procedimentos de desenvolvimento do potencial criativo e cursos sobre o tema. A pesquisa realizada por Alencar e Fleith (2004), com uma amostra de professores e alunos da educação superior, a respeito da extensão em que a criatividade era incentivada por aqueles professores em sala de aula, explicitou, entre seus resultados, a necessidade dos professores melhor se equiparem e se prepararem para terem condições de incentivar a criatividade de seus alunos. Percepção dos entrevistados quanto à sua criatividade Entre os 20 professores entrevistados, 14 (70%) se consideravam criativos, apresentando como justificativas estarem sempre buscando algo diferenciado para dinamizar sua aula, atrair a atenção dos alunos e Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237 231 motivá-los à participação. Cinco (25%) professores responderam que às vezes são criativos e apenas um professor não se considerava criativo. Algumas respostas obtidas são apresentadas a seguir: Me considero, porque consigo prender a atenção de meus alunos, eles gostam da aula, quando eu falto eles sentem falta de mim [...] (P8). Bastante, bastante, todo semestre eu invento uma coisa nova para os cursos, para as disciplinas [...] eu não fico repetindo, eu mudo o texto, mudo a estratégia, mudo a maneira de lidar com as pessoas na sala de aula [...] (F20). Olha, se eu me considero uma professora criativa? Eu poderia ser bem mais, se me permitissem, mas é que na sala de aula eu tento ser. (P3). Procedimentos pedagógicos adotados no dia-a-dia em sala de aula e que, segundo os professores, contribuem para o desenvolvimento da criatividade dos alunos Uma análise das respostas (Tabela 5) indicou que, com exceção de um professor que afirmou que a criatividade não fazia parte de suas preocupações pedagógicas e sim o conteúdo de sua disciplina, os demais professores citaram procedimentos pedagógicos que utilizavam e que propiciavam o desenvolvimento da criatividade em suas aulas. Ilustram as respostas: Procuro valorizar, ao invés de contar, exclusivamente, com aquilo, com as respostas de conteúdo, procuro onde foi que ele tentou... o que ele acrescentou com aquelas respostas ou aquele trabalho que ele fez, tem também um valor, ao lado do conteúdo. (P9). Tabela 5. Procedimentos pedagógicos que contribuem para o desenvolvimento da criatividade do aluno Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total do número de procedimentos pedagógicos adotados pelos professores e não sobre o número de professores entrevistados. 232 Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar [...]porque eles são danados para esse tipo de coisa, eles são muito criativos nesse sentido e eles se organizam de acordo com as habilidades que eles têm.” (P2) Os colegas detestam, às vezes, porque... se ela está fazendo assim, eu vou ter que fazer também [...] (F16). [...]aluno que reflete e que produz está sendo criativo[...] (F20). [...] falta de atualização dos professores, né... que faz com que não desenvolva o potencial dos alunos, fica preso à mesma coisa, acha que está sempre com a mesma turma, a falta de escuta também por parte dos professores - a gente escuta pouco os alunos. (P3). Os procedimentos pedagógicos utilizados e que os professores acreditavam desenvolver a criatividade não eram intencionalmente adotados, mas usados de forma intuitiva e para estimular a atenção dos alunos e motivá-los à disciplina. Mas mesmo assim, houve mostra de muitas atividades condutoras à criatividade, como incentivo a debates, elaboração de trabalhos criativos (jornal, diário, poesias, teatro e outros). Ressalta-se que Alencar (2000b) constatou, em pesquisa com estudantes de pós-graduação, que as técnicas instrucionais são forte referência para o desenvolvimento da criatividade. Fleith (2000) também investigou a percepção de professores e estudantes do ensino fundamental sobre criatividade no ambiente escolar e entre os vários resultados, estava o da percepção de que o ambiente escolar influenciava no desenvolvimento da criatividade dos estudantes, sendo identificados três pontos principais: atitudes, estratégias e atividades. Barreiras ao desenvolvimento da criatividade O último tópico focalizado nas entrevistas foram as barreiras percebidas pelo professor ao desenvolvimento da criatividade dos alunos (Tabela 6). Foram apontadas barreiras referentes ao aluno, à instituição, aos colegas de profissão, inerentes à formação do professor e relacionadas ao modo de ser do professor em sala de aula. São exemplos de respostas a essa questão: Se você criar métodos diferentes em sala de aula, questão de discussão, eles vão dizer que nós não estamos dando aula: ué, cadê a aula? (P5). E algumas vezes também a instituição não oferece grandes possibilidades – você tem o que ser feito naquela grade, dentro daquele momento, e se você foge demais [...] (P17). Alunos, ah, muitos não querem, por exemplo, os que não querem lecionar são mais inibidos, não querem esse tipo de aula prática, né? Outros acham, se esquecem que estão fazendo licenciatura e acham que o nível da aula do 3º grau deve ser absolutamente o mais próximo do mestrado. (P1). Notou-se que, para os entrevistados, o maior número de barreiras estava relacionado aos alunos. A timidez e as personalidades diferentes não os deixavam se expressar de forma criativa. O cansaço, sobretudo nos alunos das instituições particulares, cujos cursos eram noturnos e os alunos trabalhavam, de modo geral, durante o dia, foi considerada barreira para o professor tentar fazer algo diferente. Por outro lado, para os professores, os alunos demonstravam uma certa avidez por teoria, pois muitos pensavam que o professor que não agia dentro dos “padrões normais de despejar teoria”, era um professor que queria “enrolar o tempo”. Houve quem expressasse sua admiração pelos jovens que chegavam à educação superior absolutamente contra o novo, porque isso implicava esforçar-se mais mentalmente e percebia que eles queriam continuar a fazer o que todo o mundo fazia, porque o novo dava mais trabalho. Foi também citada a constatação de que os alunos do primeiro semestre eram mais resistentes dos que os dos semestres seguintes, porque vinham do ensino médio, voltado para o vestibular, cuja preocupação era fazer o maior número de ingressantes nos cursos superiores. Outra barreira indicada foi a pouca predisposição dos alunos à leitura, o que impedia a realização de trabalhos mais criativos. Foram também realçados fatores ligados à instituição, sobretudo rigidez no cumprimento da grade curricular e falta de material, principalmente nas ins- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237 233 Tabela 6. Barreiras ao desenvolvimento da criatividade do aluno Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total de barreiras apontadas pelos professores e não a partir do número de professores. tituições particulares. Foi também apontada como barreira a resistência dos colegas de profissão; vários deixaram de adotar procedimentos mais criativos em suas aulas por causa de colegas que se sentiam inferiorizados, mas não queriam ter mais trabalho. As barreiras relacionadas ao professor em sua formação ou em sua atuação em sala de aula se referiam, especialmente, à formação tradicionalista com ênfase no conteúdo, ao desconhecimento do assunto criatividade, à falta de atualização e ao ensino teórico, que tem sido transmitido nos cursos de formação de professor, inclusive no Curso de Letras. 234 Ratificando as palavras de Amabile (1999, p. 110) de que “sufocar a criatividade é fácil, difícil é estimulála”, a pesquisa demonstrou existirem, nos Cursos de Letras, barreiras ao desenvolvimento da criatividade, que constam das pesquisas de estudiosos do assunto (Alencar & Fleith, 2003a; Morejón, 1996; Perrenoud, 1999; Uano, 2002, entre outros). Resultados semelhantes foram alcançados em pesquisa com professores de História do ensino fundamental por Mariani e Alencar (2005) que constataram que, segundo os docentes, o aluno e a estrutura escolar eram fortes inibidores da criatividade. Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar Conclusões Esta pesquisa permitiu analisar o Curso de Letras sob outro olhar: o olhar da criatividade. O Curso de Letras dá margem ao uso intensivo da criatividade por sua característica de lidar com a fala, a escrita, a imaginação, a descrição, a leitura e a interpretação. Segundo Braga e Alencar (2003, p. 104), embora existam muitos estudos na área de Literatura e diversas teorias sobre um processo de ensino-aprendizagem, abordando mais significativamente os conteúdos, “o ensino da Literatura ainda não alcançou o seu amadurecimento”, pois ainda deixa muito a desejar a respeito da formação do pensamento crítico, por continuar sendo muito conteudista e a Literatura estudada como algo distante da realidade prática da vida. Para esses autores, os professores, na visão dos alunos, precisam repensar a prática pedagógica para conquistar uma verdadeira educação e utilizar as disciplinas, como a Literatura, para auxiliar na formação do cidadão de amanhã. Como assinalam Alencar e Fleith (2003a), embora haja reconhecimento da importância da criatividade e de se estimular as habilidades criativas nos alunos, pouco tem sido feito, intencionalmente, para favorecer seu desenvolvimento, o que ficou também demonstrado pela presente pesquisa. Isso se deve à desinformação dos professores quanto às estratégias e atividades promotoras do potencial criativo, às insipientes iniciativas das instituições de ensino para inclusão de uma disciplina ou conteúdos sobre criatividade e aos parcos programas de atualização dos atuais professores. Ratificando as palavras de Sousa (2006, p. 1): “até que ponto a formação de professores em criatividade poderá ditar uma melhoria efetiva na abordagem que estes fazem em relação ao ato pedagógico e a toda a envolvente escolar?” O autor tenta responder, afirmando que “não se tratará apenas de mais uma matéria, uma curiosidade, uma ‘gracinha’ da psicologia”, mas sim algo que ditará uma melhoria efetiva do ato pedagógico e de todo o processo educativo. Como afirma Sousa (2006, p. 3), o ensino tradicional precisa se alterar para ser um ensino criativo, que os alunos busquem a escola não só para adquirir conhecimentos já existentes, mas para adquirir perícias que lhes permitam lidar com desafios e acontecimentos imprevistos e que a educação não seja vista como suplementar e preparatória para a vida, mas como um componente da vida e do progresso do mundo. Referências Alencar, E. M. L. S. (1997). O estímulo à criatividade no contexto universitário. Psicologia Escolar e Educacional, 1, 29-37. Alencar, E. M. L. S. (2000a). O perfil do professor facilitador e do professor inibidor da criatividade segundo estudantes de pós-graduação. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, 19, 84-94. Alencar, E. M. L. S. (2000b). O processo da criatividade. São Paulo: Makron Books. Alencar, E. M. L. S. (2001). Criatividade em cursos universitários: o papel do professor. I Seminário interno sobre educação superior da Universidade Católica de Brasília. Brasília: Universa. Alencar, E. M. L. S. (2002). O contexto educacional e sua influência na criatividade. Linhas Críticas, 8, 165-178. Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2003a). Criatividade – múltiplas perspectivas. Brasília, DF: Editora da Universidade de Brasília. Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2003b). Contribuições teóricas recentes ao estudo da criatividade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 19, 1-8. Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2004). Creativity in university courses: Perceptions of professors and students. Gifted and Talent International, 19, 24-28. Amabile, T. M. (1999). Como não matar a criatividade. HSM Management, 3, 110-117. Bardin, L. (2004). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Bauer, M. W., & Gaskell, G. (2002). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes. Braga, A. E., & Alencar, E. M. L. S. (2003). Avaliação do ensino de Literatura por professores e estudantes do ensino médio. Educação Brasileira, 25, 89-107. Buzan, T. (2001). O poder da inteligência criativa. São Paulo: Cultrix. Castells, M. (1999). A era da informação: economia, sociedade e culturas. Fim de milênio. (vol. III). Rio de Janeiro: Paz e Terra. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237 235 Castells, M. (2003). A era da informação: economia, sociedade e culturas. (vol. 1). Rio de Janeiro: Paz e Terra. De La Torre, S. (2003). Dialogando com a criatividade. São Paulo: Madras. Feldman, D. H., Csikszentmihalyi, M., & Gardner, H. (1994). Changing the world. A framework for the study of creativity. Westport: Praeger Publishers. Fleith, D. S. (2000). Teacher and student perceptions of creativity in the classroom environment. Roeper Review, 22, 148-153. Fleith, D. S. (2001). Criatividade: novos conceitos e idéias, aplicabilidade à educação. Cadernos de Educação Especial, 17, 55-61. Franco, M. L. P. B. (2005). Análise do conteúdo. Brasília: LiberLivro. Freire, P., & Shor, I. (1996). Medo e ousadia – o cotidiano do professor. São Paulo: Paz e Terra. Hill, D. (2003). O neoliberalismo global, a resistência e a deformação da educação. Currículo sem Fronteiras, 3, 2459. [On-line]. Disponível em: http:// curriculosemfronteiras.org/artigos. Recuperado: 31/08/04. Libâneo, J. C. (1998). Adeus professor, adeus professora?: novas exigências profissionais e profissão docente. São Paulo: Cortez. Mariani, M. F., & Alencar, E. M. L. S. (2005). Criatividade no trabalho docente segundo professores de História. Psicologia Escolar e Educacional, 9, 27-35. Martínez, A. M. (1997). Criatividade, personalidade e educação. São Paulo: Papirus. Melo, A. C. R. (2001). Educação física adaptada e criatividade. Dissertação de Mestrado, Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF. Porto, G. (2002). A propósito da formação de professores. Revista de Pedagogia, 6, ago./dez. [On-line]. Disponível: http:/ /www.fe.unb.br/revistadepedagogia/numeros/06/ editorial.htm. Recuperado: 29 jun. 2005. Prado-Diez, D. (1999). Analogía inusual. Colección Monografías Master de Creatividad. Servicio de Publicacións e Intercambio Científico. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela. Richardson, R. J. (1999). Pesquisa social – métodos e técnicas. São Paulo: Atlas. Rifkin, J. (2000). La era del acceso: la revolución de la nueva economía. Barcelona: Paidós. Rosas, A. (1987). Universidade e criatividade. Anais do VII Seminário Nacional sobre Superdotados. Rio de Janeiro: SENAI, pp. 121-124. Silva, O. J. & Alencar, E. M. L. S. (2003). Criatividade no ensino de enfermagem – enfoque trísdico: professor, aluno, currículo. Revista Brasileira de Enfermagem, 56, 610-614. Sousa, F. C. (2006). A criatividade na formação de professores. Disponível: www.anhembi.br/forumpermanente/files/acriatividade-na-formacao-de-professores-sousa.doc. Recuperado: 24 set. 2006. Sternberg, R., & Lubart, T. (1996). Investing in creativity. American Psychologist, 51, 677-688. Tardif, M. (2003). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes. Tibeau, C. C. P. (2002). Entraves para a compreensão da criatividade no ensino e na formação do profissional de educação física. Lectura: Educación Física y Deportes, 51. [Online]. Disponível: http://www.efdeportes.com/efd51/criativ.htm. Recuperado: 20 ago. 2005. Morejón, J. B. (1996). Psicología y creatividad: apuntes y reflexiones. Guadalajara: Editorial de la Universidad de Guadalajara. Uano, L. M. (2002). La creatividad? Un talento exclusivo de los artistas o una capacidad de todo ser humano? Linhas Críticas, 8, 265-287. Niu, W., & Sternberg, R. (2002). Contemporary studies on the concept of creativity: the east and the west. The Journal of Creative Behavior, 36(4), 269-284. Vallejo, J. M. B. (2003). Escola aberta e formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A. Ortiz, R. (1994). Mundialização e cultura. São Paulo: Cultrix. Vygotsky, L. S. (1930/1987). Imaginación y el arte en la infancia. Cidade do México: Hispânicas. Perrenoud, P. (1999). Os dez não ditos ou a face escondida da profissão docente. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Genebra, Genebra. [On-line]. Disponível: http://www.centrorefeducacional.pro.br/perrenoud6.htm. Recuperado: 01 nov. 2005. Wechsler, S. M. (2001). A educação criativa: possibilidade para descobertas. Em: S. Castanho & M. E. Castanho (Orgs.), Temas e textos em metodologia do ensino superior (pp.165170). Campinas: Papirus. 236 Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar Wechsler, S. M. (2002). Criatividade: descobrindo e encorajando. Contribuições teóricas e práticas para as mais diversas áreas. Campinas: Livro Pleno. Zabalza, M. A. (1998). Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: Artmed. Recebido em: 04/06/2007 Revisado em: 14/12/2007 Aprovado em: 17/12/2007 Sobre as autoras Zélia Maria Freire de Oliveira ([email protected]) - Universidade Católica de Brasília - Mestre em Educação Endereço para correspondência: SHIS QI 13, Conjunto 13, casa 03, Lago Sul, CEP 71.635-130 Brasília - DF Eunice Maria Lima Soriano de Alencar ([email protected]) - Universidade Católica de Brasília – Psicóloga, Ph.D. pela University of Purdue nos Estados Unidos e professora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília. Endereço para correspondência: Programa de Mestrado em Educação - Universidade Católica de Brasília SGAN 916 Módulo B Asa Norte, CEP: 70.790-160 Brasília - DF Telefone: (61) 3248-5539 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237 237 Produção científica em avaliação psicológica no contexto escolar Avaliação psicológica no contexto escolar Katya Luciane de Oliveira Acácia Aparecida Angeli dos Santos Ana Paula Porto Noronha Evely Boruchovitch Cláudia Araújo da Cunha Marucia Patta Bardagi Simone F. da Silva Domingues Resumo Esta pesquisa objetivou analisar a produção científica em avaliação psicológica no contexto escolar publicada em 234 artigos de sete periódicos científicos indexados. A análise baseou-se em alguns critérios da metaciência, a saber, autoria, temática, discurso e análise dos tipos de avaliações. Os resultados evidenciaram que em alguns periódicos há maior concentração de publicações sobre a temática, acentuada nos últimos anos. A participação feminina foi predominante na autoria dos artigos e detectou-se ampla diversificação nos propósitos e contextos nos quais os testes psicológicos têm sido usados. Quanto ao tipo de avaliação, os instrumentos psicométricos foram os mais utilizados, sendo freqüente, também, o emprego de entrevistas e observação. A técnica projetiva foi empregada em apenas 2,3% das investigações. Sugere-se que outros estudos similares sejam realizados, visando a monitorar a expansão da área de avaliação psicológica no Brasil. Palavras-chave: avaliação psicológica; medida, ambiente educacional. Scientific production in psychological evaluation in the school context Abstract This paper analyses the scientific production in psychological evaluation in the school context published in 234 articles from seven scientific indexed periodicals. The analysis was carried out according to some metascientific criteria such as: authorship, thematic, discourse, and exam of the different types of evaluation, to name a few. Results evinced not only a greater concentration of publications regarding to educational psychology evaluation in certain journals, but also an increase of these types of studies recently as well. It was also found that most of the authors were females and that psychological tests were used both in a variety of contexts and with diverse purposes. Psychometric instruments were the most frequently employed. Interviews and observations were also used. Projective techniques were reported only in 2.3% of the investigations. It is recommended that similar studies be conducted in order to better monitor the expanding area of psychological evaluation in Brazil. Keywords: psychological assessment; measurement; school environment. Producción científica en evaluación psicológica en el contexto escolar Resumen Esta investigación tuvo como objetivo analizar la producción científica en evaluación psicológica en el contexto escolar publicada en 234 artículos de siete revistas indexadas. El análisis se basó en algunos criterios de la meta-ciencia, son ellos, autor, temática, discurso y análisis de los tipos de evaluaciones. Los resultados mostraron que en algunas revistas hay una concentración mayor de publicaciones sobre la temática que se intensificaron en los últimos años. La participación femenina fue predominante en los autores de los artículos y se detectó una gran diversificación en los propósitos y contextos en los cuales los testes psicológicos han sido utilizados. En relación al tipo de evaluación, los instrumentos psicométricos fueron los más utilizados, siendo también frecuente la utilización de entrevistas y observaciones. La técnica proyectiva fue usada en apenas 2,3% de las investigaciones. Se sugiere que sean realizados otros estudios semejantes, con el objetivo de monitorear la expansión del área de evaluación psicológica en el Brasil. Palabras clave: evaluación psicológica; medida; ambiente educacional. 239 Introdução Monitorar a produção científica em âmbito nacional e internacional é muito importante para avaliar o crescimento das diversas áreas do conhecimento. Uma das formas de se obter uma medida real desse crescimento é pela verificação da quantidade de artigos publicados em periódicos científicos indexados. A veiculação da produção científica depende de políticas de gestão científica, definidoras do papel das agências de fomento quanto ao desenvolvimento, à finalização e à publicação das pesquisas realizadas no país (Oliveira Filho, Hochman, Nahas & Ferreira, 2005; Witter, 2005; Yamamoto, Souza & Yamamoto, 1999). Vale, entretanto, ressaltar que dentre as principais agências destacam-se a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPEs), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Freitas (1998) observa que a região onde há maior concentração de produções científicas é a Sudeste. Essa região agrega 54% dos profissionais envolvidos com pesquisas, sendo que no cenário atual essa é a região que ainda concentra a maior parte dos financiamentos e o maior número de veículos de comunicação científica. Vários estudos têm procurado analisar a produção científica em diversas áreas do conhecimento (Bariani, Buin, Barros & Escher, 2004; Coimbra Jr., 1999; Figueira, Leta & De Meis, 1999; Freitas, 1998; Meneghini, 1998; Meneghini & Fonseca, 1990; Neves, Almeida, Chaperman & Batista, 2002; Noronha, 1998; Noronha, Vendramini & Freitas, 2004; Sampaio, Sabadini & Linguanotto, 2002; Santos, Oliveira & Joly, 2003; Zanella & Titon, 2005, entre outros). Contudo, a indisponibilidade de acesso a diversas bases de dados nacionais compromete a acuidade da medida no cenário científico. Atualmente o SciELO é um importantíssimo meio eletrônico da divulgação da produção nacional, recurso bastante utilizado por agregar parte significativa da produção científica brasileira. Outras bases que se destacam no panorama da divulgação da ciência são o PsycInfo, atrelado à American Psychological Association e 240 a base de dados LILACS e MEDLINE vinculada à National Library of Medicine e a LILACS que é por ela produzida. Outra alternativa importante é oferecida pelo Institute for Scientific Informaticon (ISI), em cuja base são inseridos periódicos de diversas áreas do conhecimento, após uma seleção rigorosa da qualidade de cada um. Nos últimos anos têm havido grande preocupação dos cientistas brasileiros em dar visibilidade às suas publicações, sendo a escolha de revistas indexadas no ISI um critério decisivo para a submissão dos manuscritos (Izique, 2002; Witter, 2005, 2006). No entanto, desde a criação da Biblioteca Virtual em Psicologia (BVS-PSI), em 2001, houve um diferencial no que se refere à divulgação da produção de conhecimento científico na psicologia, que tornou a área distinta das demais no que se refere à divulgação da produção científica nacional. O apoio tecnológico do Centro Latino Americano de Informação em Ciências da Saúde (BIREME) foi fundamental para que a BVS-PSI fosse implementada (Costa, 2006). Posteriormente foi criada a base de dados PePSIC, resultante de iniciativa da própria BVS-PSI em pareceria com a Associação Brasileira de Periódicos Científicos em Psicologia (ABECIP), estruturada de acordo com a metodologia SciELO, que permitiu o acesso livre a textos completos de 39 títulos de revistas da psicologia, possibilitando a utilização de mecanismos de metabusca para recuperação dos textos pelos descritores, títulos e/ou autores. Esses recursos permitiram o desenvolvimento de pesquisas que levantassem mais precisamente a produção científica. A bibliometria mensura a ciência por meio da abordagem empírico-analítica da produção científica, de tal sorte que a cumulatividade do conhecimento, sua divulgação e impacto são os focos dessa análise (Figueira e cols., 1999; Mostafá & Máximo, 2003). No que tange ao conteúdo da publicação, a metaciência, segundo Witter (1999), possibilita analisar as dimensões da produção científica em termos da qualidade do conteúdo dessa publicação, permitindo a visualização de mudanças no fluxo da produção em subáreas do conhecimento e, até mesmo, de temas específicos. Estudos têm constatado que as pesquisas em psicologia escolar e educacional têm se proposto a ex- Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues plorar as múltiplas dimensões dos aspectos cognitivos, afetivos, culturais e sociais relacionados. A investigação dessas variáveis tem fortalecido a compreensão das diversas esferas implicadas no escopo do processo escolar e educacional e, freqüentemente, são utilizados instrumentos de avaliação psicológica para acessar direta e/ou indiretamente os fenômenos abordados (Joly, 2000). É importante ressaltar que essa subárea tem ampliado o seu espaço na produção científica nacional (Azevedo & Aguiar, 2001; Bariani e cols., 2004; Neves e cols., 2002; Oliveira, Cantalice, Joly & Santos, 2006; Santos e cols., 2003; Witter, 1979; Witter, 1996). Nenhuma atenção, no entanto, tem sido dada ao rastreamento da produção em avaliação psicológica no contexto escolar e educacional. Esse fato talvez possa ser mais bem compreendido, considerando-se que no passado recente o uso de testes era visto com muita desconfiança como instrumento auxiliar nas avaliações realizadas na situação escolar. Muitos psicólogos atuantes na área encaravam o teste psicológico como um recurso meramente classificatório. Sisto, Sbardelini e Primi (2001) refutam essa idéia quando destacam que o teste psicológico deve ser mais um recurso e não o único no qual o psicólogo vai utilizar em um processo de avaliação psicológica. Nesse sentido, o teste deveria ser mais um elemento que deveria ser agregado a outras formas qualitativas de coleta de informações, como entrevistas e observações, por exemplo. Em estudo recente de meta-análise, realizado por Souza Filho, Belo e Gouveia (2006), foi analisada a utilização dos testes psicológicos na literatura científica brasileira nos últimos anos. A fonte utilizada foi a base de Periódicos CAPES, disponível em fevereiro de 2005, abrangendo os artigos publicados entre os anos de 2000 e 2004. Os resultados demonstraram predominância de trabalhos que não utilizaram nenhum teste. Dentre os que relatam o uso de testes, houve um equilíbrio entre aqueles que os utilizam de forma direta e indireta. Os autores destacaram que a maior concentração dessas produções está situada na Região Sudeste e que entre as universidades mais produtivas estão instituições públicas e privadas, especialmente aquelas que têm um histórico pautado pelo interesse na área da avaliação psicológica. Conclui-se, de forma geral, que a utilização dos testes psicológicos no contexto da produção nacional ainda é modesta e está, em grande parte, restrita aos âmbitos acadêmicos mais intensamente dedicados ao estudo dos testes. No ano de 2001, houve uma série de eventos que podem ser considerados marcantes para a área de avaliação psicológica. Assim, concomitantemente, foi promulgada a primeira resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre a construção e o uso de testes psicológicos, criado o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) e aprovado pela CAPES, o primeiro curso de mestrado em psicologia, com área de concentração em avaliação psicológica. A base de informação, analisada por Souza Filho e cols. (2006) sobre o uso de testes psicológicos na produção científica em psicologia no Brasil, incluiu relatos de pesquisas realizadas em anos anteriores à data de sua publicação. É importante lembrar que a publicação de um artigo é resultante da discussão de dados que são coletados num determinado momento e depois organizados dentro dos parâmetros exigidos para esse suporte de informação. Além disso, há o cumprimento de uma série de passos em uma tramitação editorial complexa, que envolve desde a submissão do manuscrito aos pares que emitem seus pareceres às cegas até a própria editoração, que inclui a diagramação, revisão, nova conferência pelos autores, entre outros. Sob essa perspectiva, observa-se que as informações avaliadas por Souza Filho e cols. (2006) refere-se a dados que, pelo menos parcialmente, devem ter sido coletados em época que antecedeu as mudanças mencionadas como marcantes para a área de avaliação psicológica. Considerando-se que outros trabalhos de meta-análise, citados neste texto, referentes à psicologia escolar não tiveram como objetivo focalizar o uso de testes, julgou-se pertinente investigar se no contexto educacional, e em especial, nesse período de transição na área, as produções publicadas em periódicos nacionais sofreram alterações em relação ao uso de instrumentos de avaliação psicológica, portanto, esse foi o objetivo deste estudo. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 239-251 241 Método Fontes Sete periódicos científicos na área de psicologia foram analisados, cujo critério de escolha foi o fato do periódico apresentar um conceito de avaliação ‘A’ nacional’, com toda a sua coleção disponível. As revistas analisadas foram Estudos de Psicologia da PUCCampinas, Estudos de Psicologia de Natal, Psicologia Escolar e Educacional, Psicologia: Reflexão e Crítica, Psicologia em Estudo, Psico-USF e Psicologia: Ciência e Profissão. Procedimento Nesses periódicos buscou-se analisar somente os resumos dos artigos que trabalharam com avaliação psicológica nos contextos escolar e educacional. Para tanto, estabeleceu-se um período de 10 anos (1995-2004) para a realização da análise. O total de artigos levantados foi de 1603. Todavia, apenas 234 tratavam especificamente de publicações relacionadas à avaliação psicológica no contexto escolar/educacional. Os periódicos foram analisados respeitando alguns critérios estabelecidos nos estudos realizados por Witter (1999). Desse modo, os seguintes itens foram considerados, Autoria, identificou- se a natureza da autoria (individual ou múltipla), bem como, o gênero dos autores; Temática, analisou-se a quantidade e a distribuição por temas de avaliação; Discurso, avaliou-se as palavras contidas no título do trabalho e número e escolaridade dos participantes; Análise das Avaliações, realizou-se a classificação do tipo de instrumentos empregados nas avaliações, bem como elencou-se os instrumentos utilizados. Resultados Os dados foram organizados em planilha e submetidos à estatística descritiva conforme o objetivo deste estudo. Para avaliar o universo geral de publicações efetuou-se a contagem da quantidade de artigos publicados por volume, em cada periódico, nos últimos 10 anos. As Tabelas 1 e 2 apresentam os dados obtidos. Observa-se um aumento da quantidade de volumes a partir de 1999, bem como da quantidade de publicações. Salienta-se que em 1995 apenas algumas revistas já publicavam seus artigos, apresentando inclusive volumes bem anteriores ao ano citado. As revistas que apresentaram maior quantidade de artigos publicados foram Psicologia: Reflexão e Tabela 1. Distribuição geral da quantidade de volumes, total de artigos publicados e média de publicações em avaliação psicológica 242 Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues Tabela 2. Distribuição da publicação sobre avaliação psicológica no contexto escolar por periódico científico Crítica e Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vale lembrar que alguns periódicos não tiveram muitas publicações em razão de terem iniciado suas impressões mais tardiamente em relação àquelas que já apresentavam constância na publicação. No que tange à quantidade de artigos publicados na área de avaliação psicológica no contexto escolar e educacional, foram analisados 234. A revista Psicologia: Reflexão e Crítica também apresentaram mais artigos publicados (27,3%) sobre o tema, sendo seguida pela Psicologia Escolar e Educacional (25,2%) e pelos Estudos de Psicologia (22,6%). No que se refere à avaliação da autoria, entre os 234 artigos analisados, observou-se que 75,2% (n=176) foram realizados com autoria múltipla e 24,8% (n=58) com autoria individual. Quanto ao gênero dos autores no total de trabalhos (n=234), a maioria foi escrita por pessoas do sexo feminino 51,3% (n=120), seguida de publicações em parceria entre ambos os sexos 39,3% (n=39,3) e em menor percentual 9,4% (n=22) foram constatados artigos, cuja autoria foi apenas masculina. A análise pelo teste Qui-quadrado mostrou que a distribuição não era eqüitativa, considerando [χ 2(2,234)=65,33; pd>0,001]. Pelo resultado verificou-se que as mulheres apresentaram mais publicações na área do que os homens, mas ressalta-se que a parceria entre ambos também ocorre com freqüência. A análise da Temática revelou a quantidade e a distribuição dos artigos, considerando os temas implicados na avaliação. A Tabela 3 mostra tal distribuição, salientando que alguns artigos trataram de duas ou mais temáticas ao mesmo tempo. Desse modo, todas as temáticas pesquisadas foram computadas totalizando 269 temas. A análise do teste Qui-quadrado apontou que a distribuição das temáticas não era eqüitativa, tendo em vista [χ2(12,269)=80,45; pd>0,001]. Nesse sentido, observou-se que a leitura e a escrita ainda são as Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 239-251 243 Tabela 3. Distribuição da freqüência dos artigos considerando a temática pesquisada temáticas mais investigadas. Ainda se manteve uma categoria Outros que reuniu as seguintes temáticas: conflito sóciocognitivo, educação ambiental, educação em saúde, expectativa de vida, faz de conta, histórias infantis, jogos recreativos/lúdicos, pesquisa ecológica, pesquisa intervenção e violência. No que concerne ao Discurso foram avaliadas as palavras contidas nos títulos dos trabalhos, número e escolaridade dos participantes. Quanto às palavras do título, a análise dos 234 manuscritos evidenciou que um grande número de artigos (64,1%; n=150) ultrapassa o limite definido de doze vocábulos no título. No que diz respeito às demais categorias relativas ao Discurso, as Tabelas 4 e 5 mostram as análises realizadas. Vale esclarecer que no caso da análise da quantidade de participantes/sujeitos nas pesquisas e respectiva escolaridade, o número de artigos avaliados passou de 234 para 219. Essa diminuição ocorreu em função de que 15 (6,4%) artigos não trabalharam com sujeitos de pesquisa. Essas publicações eram de cunho teórico ou documental, sendo que nesse caso, as pesquisas eram feitas em fontes documentais (disser244 tações, teses, artigos, manuais de testes psicológicos, entre outros). Observou-se que 21 trabalhos apresentaram, de forma genérica, os seus participantes, não especificando a quantidade de sujeitos incluídos no estudo. Foi também constatado que apenas 7 trabalhos foram realizados com amostras maiores que 1000 pessoas. Ao verificar a escolaridade dos participantes a distribuição não foi novamente eqüitativa, tendo em vista [χ2(8,219)=97,56; pd>0,001]. Sob esse aspecto, evidenciou-se uma concentração na realização de estudos com participantes matriculados no ensino superior, seguido das primeiras séries do ensino fundamental (1ª a 4ª). Todavia, estudos cujos participantes eram provenientes de diferentes fases de escolaridade, variando da pré-escola, ensino básico, médio e superior foram também encontrados. A Tabela 6 mostra a Análise das Avaliações, na qual se realizou a classificação do recurso (tipo de instrumento) empregado nas avaliações. Cabe destacar que novamente o número de artigos focalizados sofreu uma mudança, passou de 234 para 222 na análise dessa Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues Tabela 4. Análise do número de participantes/sujeitos nas pesquisas (n=219) Tabela 5. Distribuição dos trabalhos em razão da etapa de escolarização dos participantes (n=219) modalidade. Esse dado é justificável, tendo em vista que alguns artigos documentais trabalharam com a análise de instrumentos de medida, à luz dos seus manuais. Nesse sentido, se o universo de 234 passou para 219 no caso da análise dos artigos que trabalharam com sujeitos de pesquisa, na análise do recurso empregado na avaliação, o montante se restringiu a 222 (94,6%). Portanto, apenas três (1,2%) eram puramente teóricos. Recorreu-se mais uma vez ao Qui-quadrado para a análise da distribuição [χ 2 (7, 222)=243,57; pd>0,001], verificando-se que houve diferença esta- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 239-251 245 Tabela 6. Análise dos artigos por recurso empregado na avaliação (n=222) tisticamente significativa. Pela análise verificou-se que há uma tendência na utilização de instrumentos do tipo psicométrico/fatorial em detrimento de outros recursos de avaliação A lista completa de todos os instrumentos que foram utilizados nos artigos consta no Quadro 1. Discussão e Conclusão Observou-se que a revista Psicologia: Reflexão e Crítica apresentou mais artigos publicados na área de avaliação psicológica no contexto escolar/educacional. Ao lado disso, a Psicologia Escolar e Educacional apareceu como segunda colocada nas publicações com esse foco e, em terceiro lugar a Estudos de Psicologia. Chama atenção o fato de que um periódico especializado em publicações na área escolar e educacional tenha apresentado segunda colocação no ranking de publicações dessa natureza. Contudo, esse fato pode ser entendido à luz da “idade” desses dois periódicos, e nesse sentido, parece plausível que a Psicologia: Reflexão e Crítica apresente um número superior. A Psicologia Escolar e Educacional teve seu primeiro volume publicado em 1996 e, a partir de então, passou por algumas estruturações, sendo que somente em 2000 começou a oferecer regularidade em suas publicações. A análise da autoria indicou que as mulheres apresentaram uma maior prevalência nas publicações em 246 relação aos homens, com confirmação estatisticamente significativa (pd>0,001). Esse resultado pode ser discutido sob a perspectiva da própria categoria profissional que abriga, em sua maioria, profissionais do gênero feminino. Desse modo, nada mais comum do que as mulheres terem apresentado mais trabalhos publicados do que os homens. Não se pode deixar de mencionar que a parceria entre ambos também ocorreu com freqüência nas publicações. Na Temática se analisou a quantidade e a distribuição dos artigos, considerando os temas implicados na avaliação. Salienta-se que todos os temas tratados foram elencados nas categorias. O tema mais pesquisado foi a avaliação da habilidade de leitura e escrita, embora outros tenham se mostrado como foco de interesse; dentre eles, a avaliação da interação e habilidade sociais, a avaliação das dificuldades de aprendizagem e também da formação profissional. Todavia, muitos temas ainda carecem de investigações, o que promoveria o crescimento deste tipo de recorte da avaliação aplicada à área escolar e educacional com a discussão e ampliação das questões envolvidas nesse contexto. Ressalta-se que é uma área que necessita de estudos sistemáticos de avaliação que forneçam subsídios para que os resultados obtidos por meio dela gerem práticas educativas mais eficazes. Quanto às palavras contidas nos títulos dos trabalhos, os resultados mostraram que a distribuição não foi eqüitativa. Desse modo, os títulos dos trabalhos Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues Quadro 1. Relação dos instrumentos utilizados na avaliação Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 239-251 247 analisados se concentraram acima do número máximo de doze vocábulos. Entende-se que esse limite possibilita espaço suficiente para se intitular um trabalho, visto que títulos muito pequenos, em alguns casos, podem revelar pouco esclarecimento para o leitor sobre o real conteúdo que será lido. Sugere-se que os autores sejam mais concisos e empreguem palavras adequadas que expressem a real natureza do trabalho, sem se tornar prolixo. Outros itens analisados nos artigos foram a quantidade de participantes/sujeitos e sua respectiva escolaridade. No primeiro item chama atenção o fato de que 21 resumos apresentaram seus sujeitos de pesquisa de forma genérica, não podendo se ter uma idéia de características essenciais dos participantes. Entende-se que essa informação no resumo acadêmico, não pode ser ignorada, visto que muitas vezes os trabalhos nas bases de dados são rastreados justa248 mente pela tipicidade da população pesquisada. O resumo acadêmico não deve omitir esse dado, pois compromete a qualidade dele. Outro aspecto importante é que apenas 8 trabalhos utilizaram amostras maiores do que 1000 pessoas, talvez isso se deva principalmente da dificuldade de se trabalhar com amostras mais amplas. No que concerne à etapa de escolarização dos participantes das pesquisas analisadas, novamente não houve distribuição eqüitativa. Duas etapas da educação formal predominaram, o ensino fundamental de 1ª a 4ª séries e o ensino superior. Esses resultados mostram que as séries iniciais são preferencialmente pesquisadas. Assim, hipotetiza-se que essas séries são a base da escolarização, inclusive na ascensão para as outras etapas da educação. No entanto, no caso do ensino fundamental supõe-se que os estudos realizados nessa fase sejam, em sua maioria, amostras compostas por con- Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues veniência, considerando a maior facilidade de acesso em razão do interesse da escola em identificar o perfil de características psicológicas dos alunos. A análise dos instrumentos empregados nas avaliações, conforme consta no Quadro 1 apontou que há uma predominância no uso de recursos psicométricos/fatoriais em comparação a outros meios de avaliação. Esse resultado expressa que, de um modo geral, os pesquisadores elegem técnicas que apresentam alguma fundamentação estatística para realizar sua avaliação, o que pode gerar resultados mais confiáveis. Ainda que se trabalhe com o erro de medida, tais técnicas são mais pontuais em detrimento de outros recursos que apresentam um maior grau de subjetividade. Poucos foram os estudos que trabalharam com esse recurso avaliativo. Vale destacar que se optou por não trabalhar com a categorização dos instrumentos, o que geraria dados de freqüência e porcentagem, mas sim com a citação integral de todos os instrumentos empregados nas avaliações. O intuito dessa opção foi para que as portas não fossem fechadas, mas que houvesse o interesse de outros pesquisadores para levantar novos questionamentos acerca dos atributos avaliados por meio desses instrumentos. Ao vislumbrar os vários instrumentos ali elencados, pode-se aventar que muitos aspectos importantes relacionados ao contexto escolar e educacional ainda não foram objetos de investigação psicológica, o que sugere a necessidade de que novos estudos sejam realizados nesse contexto. Neste trabalho, em especial, a base de dados SciELO foi bastante utilizada, tendo em vista que parte dos periódicos analisados estavam indexados nessa base. Em todos os periódicos analisados observou-se um aumento da produção científica. Esse dado corrobora o fato de que a produção científica brasileira tem crescido e ganhado espaço no cenário científico nacional (Meneghini, 1998; Yamamoto e cols., 1999). Trabalhos que focam a análise da produção científica deveriam ser freqüentes na área da psicologia. A meta-análise poderia funcionar como um crivo que indicaria a qualidade da produção científica já que nem todos os periódicos nacionais encontramse indexados no Institute for Scientific Informaticon (ISI) (Izique, 2002). As pesquisas de Carelli (2002), Neves e cols. (2002), Santos e cols. (2003) e Bariani e cols. (2004) evidenciam que passos foram dados na realização de pesquisas que buscam avaliar a produção científica produzida na psicologia escolar e educacional. Sob esse aspecto, espera-se que esse estudo se configure no primeiro de uma série que fomentará novas investigações acerca da produção científica sobre o uso da avaliação psicológica nas várias etapas da educação formal. Considerações Finais Azevedo, J. M. L., & Aguiar, M. A. (2001). A produção do conhecimento sobre a política educacional no Brasil: um olhar a partir da ANPED. Educação e Sociedade, 22(77), 49-70. Quando se propõe uma análise bibliométrica da produção científica em psicologia, diversos aspectos devem ser considerados. Dentre eles, destaca-se o acesso aos periódicos que foram selecionados. Por vezes as bibliotecas institucionais não apresentam a coleção completa dos periódicos, desse modo, as bases de dados são importantes recursos para implementar um trabalho de análise da produção científica. Referências American Psychologial Association (2001). Manual de publicações da American Psychological Association (4ª ed.). Porto Alegre: Artmed. Bariani, I. C. D., Buin, E., Barros, R. C., & Escher, C. A. (2004). Psicologia escolar educacional no ensino superior: análise da produção científica. Psicologia Escolar e Educacional, 8(1), 17-27. Carelli, A. E. (2002). Produção científica em leitura: dissertações e teses (1990-1999). Tese de Doutorado, Centro de Ciências da vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 239-251 249 Coimbra Jr., C. E. A. (1999). Produção científica em saúde pública e as bases bibliográficas internacionais. Cadernos de Saúde Pública, 15(4), 883-888. Costa, A. L. F. (2006). Publicações e avaliações de periódicos científicos: paradoxos de classificação QUALIS em psicologia. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte, Natal. Figueira, I., Leta, L., & De Meis, L. (1999). Avaliação da produção científica dos principais periódicos brasileiros de psiquiatria no período de 1981 a 1995. Revista Brasileira de Psiquiatria, 21(4), 201-208. Freitas, M. H. A. (1998). Avaliação da produção científica: considerações sobre alguns critérios. Psicologia Escolar e Educacional, 2(3), 211-228. Izique, C. (2002). Produção crescente. Pesquisa FAPESP, (81), 18-22. Joly, M. C. R. A. (2000). A formação do Psicólogo escolar e a educação no terceiro milênio. Psicologia Escolar e Educacional, 4(2), 51-55. Meneghini, R. (1998). Avaliação da produção científica e o projeto SciELO. Ciência da Informação [On-line], 27, (2), [citado em 28 de setembro de 2002]. Disponível: http:// www.scielo.br. Meneghini, R., & Fonseca, L. (1990). Índices alternativos de avaliação da produção científica em bioquímica no Brasil. Ciência e Cultura, 42, 629-645. Mostafá, S. P., & Máximo, L. F. (2003). A produção científica da Anped e da Intercom no GT da educação e comunicação. Ciência da Informação, 32(1), 96-101. Neves, M. M. B. J., Almeida, S. F. C., Chaperman, M. C. L., & Batista, B. P. (2002). Formação e atuação em psicologia escolar: análise das modalidades de comunicações nos congressos nacionais de psicologia escolar e educacional. Psicologia Ciência e Profissão, 22(2), 2-11. Noronha, D. P. (1998). Análise das citações das dissertações de mestrado e teses de doutorado em saúde pública (19901994): estudo exploratório. Ciência da Informação [On-line], 27(1), [citado em 4 de outubro de 2002]. Disponível: http:// www.scielo.br Noronha, A. P., Vendramini, C. M. M., & Freitas, F. A. (2004). A avaliação psicológica no I Congresso Brasileiro de Psicologia. Em C. Machado, L. S. Almeida, M. Gonçalves & V. Ramalho 250 (Orgs.), Avaliação Psicológica: formas e contextos (pp. 11-15). Braga: Psiquilíbrios Edições. Oliveira, K. L., Cantalice, L., Joly, M. C. R. A., & Santos, A. A. A. (2006). Produção científica de 10 anos da revista Psicologia Escolar e Educacional (1996/2005). Psicologia Escolar e Educacional, 10(2), 283-292. Oliveira Filho, R. S., Hochman, B., Nahas, F. X., & Ferreira, L. M. (2005). Fomento à publicação científica e proteção do conhecimento científico. Acta Cirúrgica Brasileira, 20(2 suplemento), 35-39. Sampaio, M. I. C., Sabadini, A. A. Z. P., & Linguanotto, A. K. J. (2002). Periódicos Científicos: características e exigências. Mudanças, 10, 184-200. Santos, A. A. A., Oliveira, K. L., & Joly, M. C. A. (2003). Produção científica da área de escolar no I Congresso Brasileiro de Psicologia Ciência e Profissão. Psicologia Escolar e Educacional, 7(2), 135-144. Sisto, F. F., Sbardelini, E. T. B., & Primi, R. (2001). Contextos e questões da avaliação psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo. Souza Filho, M. L., Belo, R., & Gouveia, V. V. (2006). Testes Psicológicos: análise da produção científica no período de 2000-2004. Psicologia: Ciência e Profissão, 26(3), 478-489. Witter, G. P. (1979). A pesquisa educacional nas primeiras Reuniões da SBPC. Em G. P. Witter (Org.), Pesquisas Educacionais (pp. 15-23). São Paulo: Símbolo. Witter, C. (1996). Psicologia Escolar: produção científica, formação e atuação (1990-1994). Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo. Witter, G. P. (1999). Metaciência e leitura. Em G. P. Witter (Org.), Leitura: textos e pesquisas (pp. 13-22). Campinas: Alínea. Witter, G. P. (Org.). (2005). Metaciência e psicologia. Campinas: Alínea. Witter, G. P. (2006). Envelhecimento: referenciais teóricos e pesquisas. Campinas: Alínea. Yamamoto, O. H., Souza, C. S., & Yamamoto, M. E. (1999). A produção científica na psicologia: uma análise dos periódicos brasileiros no período de 1990-1997. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12(2), 549-565. Zanella, A. V., & Titon, A. P. (2005). Análise da produção científica sobre criatividade em programas brasileiros de pósgraduação em psicologia (1994-2001). Psicologia em Estudo, 10(2), 305-316. Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues Recebido em: 21/06/2007 Revisado em: 02/07/2007 Aprovado em: 28/01/2008 Sobre as autoras: Katya Luciane de Oliveira ([email protected]) – Psicóloga. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco; Doutoranda em Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação – Faculdade de Educação – UNICAMP. Docente do Curso de Psicologia da Universidade São Francisco. Acácia Aparecida Angeli dos Santos (acá[email protected]) – Psicóloga. Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP, docente da graduação no curso de psicologia e no Programa de Pós-graduação Stricto-sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco-SP. Bolsista produtividade do CNPq. Ana Paula Porto Noronha ([email protected]) – Psicóloga. Doutora em Psicologia pela PUC-Campinas, docente da graduação no curso de psicologia e no Programa de Pós-graduação Stricto-sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco-SP. Bolsista produtividade do CNPq. Evely Boruchovitch ([email protected]) – Psicóloga. Ph.D em Educação pela University of Southern Califórnia, docente da graduação e da pósgraduação do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da UNICAMP. Bolsista produtividade do CNPq. Cláudia Araújo da Cunha ([email protected]) – Psicóloga. Mestre em Psicologia pela Universidade Gama Filho. Doutora em Educação – Faculdade de Educação da UNICAMP. Docente da Universidade Federal de Uberlândia. Marucia Patta Bardagi ([email protected]) – Psicóloga. Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente da Universidade Luterana do Brasil e Universidade Santa Cruz do Sul. Simone F. da Silva Domingues ([email protected]) – Psicóloga. Mestre e Doutora em Educação pela PUC-SP. Docente da Universidade Cruzeiro do Sul. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 239-251 251 Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem Pesquisas sobre deficiência mental Alexandra Ayach Anache Albertina Martinez Mitjáns Resumo Este trabalho tem como objetivo realizar um levantamento das pesquisas sobre a deficiência mental e a partir dessa caracterização, compreender o lugar que nela ocupam as pesquisas direcionadas ao processo de aprendizagem da população com deficiência mental. Para este fim, pesquisamos produções acadêmicas em nível de mestrado e de doutorado no período de 1990 até 2005/2006, registradas no Banco de Teses do Portal da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que faziam referência à deficiência mental, bem como era o assunto privilegiado por elas. A análise de conteúdo dos resumos permitiu obter informações sobre a data, o locus das pesquisas, o tema tratado e o direcionamento teórico e metodológico. Foram encontradas 122 referências, sendo 38 dissertações e 84 teses. No conjunto dessas produções, os assuntos relacionados à avaliação e ao diagnóstico, ao ensino, às interações sociais, à saúde, à inclusão e à avaliação educacional foram os temas mais contemplados. O tema aprendizagem foi abordado em 6% dos trabalhos (7), demonstrando a necessidade de se construir estratégias para compreensão e aprofundamento desse aspecto visto que ele foi tratado de forma tímida pela academia brasileira. Os resumos das pesquisas assinalam resultados promissores sobre as possibilidades de aprendizagem dos alunos com deficiência mental. Palavras-chave: deficiência mental; aprendizagem; produções acadêmicas. Mental deficiency and scientific production in the CAPES database: the place of apprenticeshipabstract Abstract This paper has for its objective the data collection of research on mental deficiency and, from this characterization, the comprehension of the place occupied by research directed to the learning process of members of this group. We analyze the theoretical and methodological orientation of academic production at master’s and doctoral levels during the 1990 to 2005/2006 registered in the Theses Bank of the Portal da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES]. We had found 122 references, 38 dissertations and 84 theses. On the whole, the topics dealt with evaluation and diagnosis, teaching, social interaction, health, inclusion and educational evaluation were the most cited. Learning accounted for 6% of the works (7), demonstrating the necessity for constructing strategies for the comprehension and deepening of this aspect, given the timid form of treatment by the Brazilian academia. Keywords: mental retardation; learning; scientific research. Deficiencia mental y producción científica en la base de datos del CAPES: el lugar del aprendizaje Resumen Este trabajo tiene como objetivo realizar un levantamiento de las investigaciones sobre la deficiencia mental y a partir de esa caracterización entender el lugar que ocupan en ella las investigaciones dirigidas al proceso de aprendizaje de la población con deficiencia mental. Para ese fin investigamos producciones académicas a nivel de maestría y de doctorado en el período de 1990 hasta 2005/2006 registradas en el Banco de Teses del Portal de la Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que hacían referencia a la deficiencia mental, así como tambien era el asunto privilegiado por ellas. El análisis de contenido de los resúmenes permitió obtener informaciones sobre la fecha, el locus de la investigación, el tema tratado y el direccionamiento teórico y metodológico. Fueron encontradas 122 referencias, siendo 38 de maestría y 84 de doctorado. En el conjunto de esas producciones, los asuntos relacionados a la evaluación y al diagnóstico, a la enseñanza, a las interacciones sociales, a la salud, a la inclusión y a la evaluación educacional fueron os temas más contemplados. El tema aprendizaje fue abordado en 6% de los trabajos (7), demostrando la necesidad de construir estrategias para la comprensión y la ampliación de ese aspecto, una vez que fue tratado de forma tímida por la academia brasileña. Los resúmenes de las investigaciones señalan resultados positivos sobre las posibilidades de aprendizaje de los alumnos con deficiencia mental. Palabras clave: deficiencia mental; aprendizaje; producciones académicas 253 Introdução Este artigo apresenta um levantamento das pesquisas sobre deficiência mental e a partir dessa caracterização, compreende-se o lugar que nela ocupam as pesquisas direcionadas ao processo de aprendizagem da população em questão. Dentre os fatores que justificam este estudo, destaca-se a necessidade de analisar o direcionamento teórico e metodológico que as produções acadêmicas, tanto em nível de mestrado quanto de doutorado, têm construído no período de 1990 a 2005/2006 a fim de delinear estratégias pedagógicas que contribuam de modo efetivo para a aprendizagem e, conseqüentemente, para o desenvolvimento da população com deficiência mental. Desde Itard (1801-1806), há iniciativas na promoção do ensino formal para a população com deficiência mental, muitas delas registradas, e que geraram o acúmulo de conhecimentos em diferentes tempos históricos. No entanto, ainda há interrogações sobre as possibilidades de aprendizagem de pessoas com deficiência mental, o que justifica o interesse dos pesquisadores nessa área. O levantamento das produções que se ocuparam em realizar um diagnóstico geral sobre o conhecimento acumulado em Educação começa a surgir no Brasil a partir de 1970, nos trabalhos de: Gouveia (1971), Almeida (1972), Di Dio (1976), Cunha (1979), Goergen (1981), Sanches (1982 e 1987), Gatti (1983), Feldens (1983), Warde (1992), Weber (1992) e Costa (1994) e, mais recentemente, de Lima (2003). No que se refere especificamente à Educação Especial, destacam-se Dias e colaboradores (1987), Nunes, Glat, Ferreira e Mendes (1998), Nunes, Ferreira e Mendes (2003) e Bueno (2006). Sobre a deficiência mental, Silva, Vidal e Sousa (2003) realizaram um levantamento das pesquisas desenvolvidas nos Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Educação Física e Esporte situados na Região Sudeste do Brasil, no período de 1979 a 2002. Esses autores identificaram as tendências das temáticas estudadas bem como as implicações teóricas e práticas dessa produção. Eles encontraram, dentre os 1065 trabalhos produzidos no período 254 pesquisado (952 dissertações e 113 teses), 15 que tratavam do tema deficiência mental (14 dissertações e uma tese), o que significa 1,5% de dissertações realizadas nos Programas de Mestrado e 0,9% de teses nos Programas de Doutorado. Para os autores esse número foi considerado inexpressivo. Bueno (2006) analisou as inserções dos conceitos de inclusão escolar e de educação inclusiva, encontrando 127 dissertações e teses, sendo que 12,6% delas tratavam de temas relacionados à deficiência mental. Mais da metade das produções não explicitava o tipo de deficiência estudada, mencionando tão-somente que pesquisavam as “deficiências” ou as “necessidades educativas especiais”. Diante do exposto, Bueno observou que tais ambigüidades decorrem tanto das formulações políticas quanto da produção acadêmica recente, expressa pelas dissertações e teses defendidas no período compreendido entre 1997 e 2003, constantes do Banco de Teses da CAPES. Note-se que as pesquisas dos autores supracitados oferecem um panorama geral da produção acerca da Educação Especial e assuntos correlatos. No entanto, nossa preocupação neste momento é obter informações sobre o lugar ocupado pelos estudos sobre aprendizagem da população com deficiência mental no conjunto dos trabalhos. Assim, optou-se por analisar os resumos dos trabalhos de pesquisa produzidos nos últimos 15 anos uma vez que foi nesse período que a educação de pessoas com deficiência aparece nos discursos oficiais com maior ênfase. No Brasil, esse movimento surgiu nos anos de 1980, quando as lideranças da área começaram a questionar a base ética, a eficácia da lei e a prática de integração, pois estas, de fato, se mostravam segregadoras, considerando que imputavam ao sujeito à responsabilidade de movimentar-se para conseguir adaptação nos diferentes setores da sociedade. Após a promulgação da lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as diretrizes e as bases da Educação Nacional, assegurando a educação das pessoas que apresentam necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino, a Secretaria de Educação Especial, por meio da Coordenadoria Geral de Planejamento do Ministério da Educação, registrou, no período de 1998 a 2005, Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns um aumento de 20% de matrículas de estudantes com deficiência em escolas de ensino comum. Das 278.167 pessoas com deficiência mental, 141.868 (51%) estavam matriculadas em escolas públicas e 136.299 (49%) em escolas privadas (cf. Brasil. Ministério da Educação, INEP, SEEC. Censo Escolar, 2004). No entanto, o documento da Secretaria de Educação Especial não esclarece se os estudantes matriculados nas escolas de ensino comum freqüentavam classes especiais ou a sala de recursos. No que se refere às escolas da iniciativa privada, não se sabe, pelo documento oficial, se elas eram ou não de organizações não-governamentais, conforme ilustra o título da Tabela sobre a distribuição de matrículas na Educação Especial em 2005, Matrículas em Escolas Especiais/Classes Especiais e Escolas Regulares/Classes Comuns (cf; p. 6). Além disso, não se sabe a situação educacional das pessoas que apresentam deficiências mentais mais graves ou severas (cf. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Coordenação Geral de Planejamento, 2006). O tema em discussão carece de maiores e melhores estudos uma vez que no conjunto das produções da área de Educação seu número ainda não pode ser considerado expressivo. Silva e cols. (2003, p. 16), em suas pesquisas, demonstraram que as teses e as dissertações relacionadas à temática deficiência mental, realizadas no período de 1979 a 2002, referemse a 1,4% do total de trabalhos defendidos nos Programas de Pós-Graduação na área de Educação Física e Esporte da Região Sudeste. Ao analisarem os tipos de deficiência mais estudados, Manzini, Paulino, Corrêa, Silva e Lopes (2006) identificaram uma produção maior em deficiência física (11), em todas as deficiências (10) e na deficiência mental (9) no Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Marília – no período de 1993 a 2004. Se, por um lado, o tema deficiência mental não tem sido tratado com expressividade no conjunto das produções da área de Educação Física, por outro, ele preocupa os pesquisadores da área de Educação, pois é a pessoa com deficiência mental quem tem causado maiores dificuldades à prática cotidiana dos professores nas escolas (comum e especial), em decorrên- cia das dificuldades aferidas no processo ensino-aprendizagem. Segundo os estudos realizados por Bueno (2002), em 1998, tínhamos 127 trabalhos de pesquisa produzidos nas Instituições de Ensino Superior, sendo 83 deles referentes às deficiências de modo geral. Desse conjunto, a deficiência mental e a auditiva foram as mais contempladas. Nos últimos 15 anos, no conjunto das produções que trataram dos estudos sobre as deficiências, predominaram as pesquisas que versam sobre a deficiência mental, coincidindo com as informações obtidas por Bueno (2006), ao pesquisar as produções acadêmicas que tratavam do tema inclusão. Ele encontrou, entre os 127 resumos de trabalhos analisados, 16 que se referiam à deficiência mental (12,6%) e 10 destinados à deficiência física (7,09%). O autor não conseguiu identificar a população-alvo em 67 (57,75%) dos resumos analisados. Ele concluiu que essa incidência acompanhava os resultados já obtidos por outros autores, que realizaram o mesmo tipo de pesquisa, dentre eles, Nunes e cols. (1998 e 2003). Bueno (2006) identificou também que a deficiência mental vem associada às dificuldades de aprendizagem. Este fator pode justificar a incidência das produções sobre a deficiência mental que visaram contribuir com temas relacionados ao ensino, à avaliação, às interações sociais e à saúde. A Secretaria de Educação Especial, por meio da Coordenadoria Geral de Planejamento do Ministério da Educação, divulgou no documento Números da Educação Especial, em janeiro de 2006, que das 350.000 matrículas de alunos (as) com necessidades educacionais especiais, 278.167 (43,4%) ainda eram de pessoas com deficiência mental, o que pode justificar a demanda por pesquisas na área. Método O locus de pesquisa foi o Portal da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)1 , que integra os sistemas de informação de teses e de dissertações existentes nas Instituições de Ensino Superior brasileiras, Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 255 reunindo os trabalhos científicos em seu banco de dados. Quando se acessa o Banco de Dados da CAPES com a palavra-chave deficiência mental, encontram-se várias denominações para essa mesma expressão, com destaque para necessidades especiais, paralisia cerebral, deficiência cognitiva, deficiência intelectual e doenças infecto-contagiosas. Ainda que o propósito do Banco de Dados seja o de agrupar o maior número de trabalhos relacionados à área, há que ressaltar as dificuldades conceituais, que merecem discussões. Vale esclarecer que a deficiência mental é uma condição que se manifesta no curso do desenvolvimento da pessoa, resultando em dificuldades para processar informações, conceituar, avaliar, estabelecer relações conceituais, linguagem, entre outras, que podem se expressar em diferentes áreas que não apenas a acadêmica. Necessidade educacional especial não é sinônimo de deficiência bem como nem toda pessoa com paralisia cerebral apresenta deficiência mental. De posse dos títulos dos 122 trabalhos encontrados, aconteceu à busca dos resumos na Base de Dados da CAPES, visando caracterizar as produções sobre a deficiência mental. Desse conjunto, 86 deles apresentavam os resumos, os quais constituem o corpus desta análise, expressando 70% do total pesquisado. As produções foram identificadas pelos seguintes aspectos: número de dissertações e de teses registradas no período escolhido; instituição de origem; objeto específico para estudo e os itens que compõem o resumo dos trabalhos científicos, quais sejam: o tema, o objeto, a abordagem teórica e metodológica, os instrumentos e a síntese dos resultados. Essas informações foram fundamentais para a construção do primeiro eixo de análise identificado como a inserção da deficiência mental como tema de referência nas produções acadêmicas. Os títulos e os conteúdos (objeto de estudo e objetivos), contidos nos resumos analisados, identificaram as pesquisas de acordo com o assunto. Na incerteza sobre a classificação das informações, recorria-se à dissertação ou à tese. As produções acadêmicas que tratam dos processos de aprendizagem de pessoas que apresentam deficiência mental foram as 256 selecionadas, o que determinou a elaboração do segundo eixo de análise: o lugar da aprendizagem nas produções acadêmicas registradas na Base de Dados, escolhida para esta pesquisa. A análise foi conduzida, entendendo que a aprendizagem é um processo de subjetividade individual e social, portanto, relacional (cf. González Rey, 2005). Resultados e Discussão A inserção da deficiência mental como tema de referência nas produções acadêmicas O levantamento das produções acadêmicas disponibilizadas na Base de Dados – IBICT/Portal da CAPES, no período em que a pesquisa foi realizada, possibilitou encontrar 38 dissertações e 84 teses, perfazendo um total de 122 produções tratando de estudos sobre a deficiência mental nos últimos 15 anos. Pode-se observar um aumento progressivo nas produções acadêmicas na área, sendo mais expressivo no período de 2000 a 2005. Esse fato pode ser associado aos movimentos sociais em prol dos direitos humanos, manifestados no âmbito internacional e nacional, neste caso, após a Ditadura Militar bem como à expansão dos Programas de Pós-Graduação no Brasil. A expansão da Pós-Graduação stricto sensu no País ainda é recente, sobretudo no que se refere aos Programas em nível de doutorado, o que justifica o acúmulo de dissertações produzidas no certame do período pesquisado. Manzini, Paulino, Corrêa, Silva e Lopes (2006) afirmam que o incremento da produção na área de Educação Especial na UNESP – Campus de Marília – decorreu do aumento do número de orientadores nessa linha até 2001, o que pode ser relacionado ao aumento dos cursos de Pós-Graduação stricto sensu. A Pós-Graduação em nível de mestrado e de doutorado iniciou-se no Brasil nos meados dos anos de 1960 e, desde então, tem se expandido. Segundo os registros oficiais fornecidos pela CAPES, existem no Brasil 2.284 Programas e Cursos de Pós-Graduação recomendados e reconhecidos, sendo que há 929 mestrados acadêmicos, 42 doutorados e 175 mestrados profissionais. Há 1.138 Programas de Pós- Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns Tabela 1. Dissertações e teses sobre deficiência mental, registradas na BDTD (IBICT)/Portal CAPES (1990-2005/2006) Graduação em nível de mestrado acadêmico e de doutorado. A título de ilustração, em 1998, funcionavam 46 Cursos de Pós-Graduação em Educação em nível de mestrado e 21 em nível de doutorado (cf. Nunes e cols., 1998). Em 19 de setembro de 2006, a CAPES registrava 118 Programas de Pós-Graduação em Educação, sendo 82 mestrados e 36 doutorados. Naquela mesma data, o órgão supracitado registrava 87 Cursos de Pós-Graduação na área de Psicologia, sendo 56 mestrados e 31 doutorados. Na grande área das Ciências da Saúde, na qual a Educação Física está inserida, registraram-se 680 Cursos dessa natureza, distribuídos em 377 mestrados e 264 doutorados. Em hipótese, a expansão desses Cursos jus- tificou as iniciativas de outras áreas do conhecimento em estudar a temática em pauta neste artigo, como as áreas de Engenharia (Engenharia de Produção – 2%) e Letras (2%). A área de Ciências Humanas englobou o maior número de produções sobre a deficiência mental seguida das Ciências da Saúde e das Ciências Biológicas. Notou-se que os Programas de Pós-Graduação em Educação, incluindo os específicos em Educação Especial, tributaram 55% das produções de teses e de dissertações que tratam da temática pesquisada. Vale registrar que no Brasil tem se especificamente dois Cursos de Pós-Graduação stricto sensu em Educação Especial. Nos demais, a educação especial insere-se na Pós-Graduação como linha de pesquisa, Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 257 ou como objeto de estudo de outras áreas do conhecimento. Sobre a inserção da Educação Especial em Programas de doutorado, Bueno (2002, p. 57) informa que em 1998 havia um Curso nesse nível mantido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e um pela Universidade Federal Fluminense. 50% dos Programas estavam localizados na cidade de São Paulo e incorporavam alunos de Educação Especial. Quando Bueno (2002) realizou o levantamento das produções acadêmicas que versavam sobre a Educação Especial, ele encontrou 23 Instituições de Ensino Superior que possuíam Cursos de Pós-Graduação stricto sensu, em nível de mestrado, que aceitavam estudantes desejosos de desenvolver suas pesquisas com temas na área de referência. Ele registrou ainda que apenas dois deles ofereciam mestrado em Educação Especial. Essa pesquisa informou ainda que “[...] dos 21 mestrados em educação, quase dois terços (13) aceitam alunos nas Linhas de Pesquisas por elas mantidas, cerca de um terço (8) possui Linha de Pesquisa específica em educação especial” (Bueno, 2002, p.53). Assim, a organização dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu pode ser um dos indicadores da necessidade de aprimoramento da formação de profissionais para atuação com pessoas que apresentam deficiência. Bueno (1999) esclarece que não há oposição entre uma proposta de curso generalista ou especialista, pois a perspectiva da educação inclusiva exige que o docente do ensino comum adquira conhecimentos especializados para atender à demanda de estudantes com características peculiares e, do mesmo modo, o professor da Educação Especial precisa ampliar sua compreensão que, tradicionalmente, está centrada nessas características. No que se refere ao locus da produção, constatou-se a ampliação da oferta de Cursos de Pós-Graduação stricto sensu nas diversas regiões do País, fora do eixo Rio de Janeiro e São Paulo. A título de ilustração, os Cursos de Pós-Graduação stricto sensu estão distribuídos nas regiões do Brasil com os seguintes números: Região Sudeste do Brasil: 1.195; Região Sul: 456; Região Nordeste: 385; Região Centro-Oeste: 156; e Região Norte: 92. No entanto, a concentração das produções está nas Universidades do Estado 258 de São Paulo, fato que pode ser atribuído ao número de Instituições de Ensino Superior presentes nesse Estado. Acres. Além disso, os Cursos que incorporaram a Educação Especial estão situados preponderantemente nas Regiões Sudeste, com 56,5%, e Sul, com 21,7%, de um total de 23 Programas de PósGraduação mencionados. Os temas mais encontrados no conjunto dos 122 trabalhos foram os relacionados à avaliação e ao diagnóstico, ao ensino, às interações sociais, à inclusão e à saúde. Os demais foram referenciados com menor freqüência; no entanto, isso não significa que eles sejam menos importantes para a área. Cabe-nos aqui compreender de que forma eles foram estudados, conforme a Tabela 2. Avaliação e diagnóstico foram os trabalhos identificados que estudaram os encaminhamentos bem como os recursos metodológicos utilizados pelos profissionais que avaliam pessoas que apresentam indicadores de deficiência mental. Em um período de 15 anos (1990-2005/2006), 17% do conjunto de dissertações e de teses tratam de temas relacionados ao processo de avaliação e de diagnóstico da deficiência mental. Observou-se que houve um acréscimo de teses e um decréscimo em produções de dissertações sobre o tema. Tal indicador pode ser atribuído ao maior número de Programas de mestrado do que de doutorado no Brasil e a conseqüente pulverização de interesses dos pesquisadores. Quando Nunes e colaboradores (1998) analisaram o conjunto das produções realizadas na Região Sudeste no período de 1983 e 1996, eles identificaram um decréscimo de dissertações e sugeriram que esse fato poderia ser conseqüência do avanço das produções científicas que versavam sobre estratégias para a identificação de pessoas com deficiência. Contudo, eles também registraram que o diagnóstico para fins educacionais foi pouco estudado. Segundo os autores supracitados, os trabalhos anunciavam a necessidade de aprofundamento dos critérios de identificação e de encaminhamento de pessoas com deficiência mental para os serviços especiais, e da urgência da realização de pesquisas de caráter metodológico, para a intervenção na realidade. Assim, o aumento do número de teses produzi- Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns Tabela 2. Objeto de Estudo das dissertações e teses sobre deficiência mental registradas na BDTD (IBICT) /Portal CAPES (1990-2005/2006) das no período de 1994 a 2004 pode ser uma decorrência dessa necessidade. Pesquisas como as de Patto (1991), Machado (1994), Machado e Sousa (1997) e Anache (1997) já apresentavam críticas ao sistema de diagnóstico de encaminhamento de alunos (as) para as classes especiais, ou seja, já verificavam que a classe especial abrigava alunos cujo diagnóstico de deficiência mental não atendia aos critérios estabelecidos pela American Psychiatric Association, aqueles descritos no DSM-IV-TM (1995, p.45). As críticas produzidas no conjunto dos trabalhos, bem como os movimentos sociais de inclusão, colocaram sob suspeita os diagnósticos dos alunos (as) que estavam matriculados (as) nas classes especiais como também o sistema de avaliação educacional empregado pelas escolas brasileiras. As produções de Patto (1991), Machado (1994) Machado e Sousa (1997) e Anache (1997) problematizavam os métodos empregados para a identificação de estudantes com deficiência mental. Embora as críticas realizadas pelas pesquisas sobre os diagnósticos classificatórios tenham sido opor- tunas, alguns problemas não foram resolvidos, dentre eles, a necessidade de construção de outras formas de avaliação de pessoas com deficiência mental, capazes de oferecer informações sobre os seus processos de aprendizagem. Quanto aos resumos dos trabalhos agrupados com o tema ensino, eles tratam do currículo; da prática docente na aula, na escola e em outros espaços institucionais; dos projetos pedagógicos e das propostas de intervenções pedagógicas que visam analisar e construir estratégias metodológicas para promover a aprendizagem de estudantes com deficiência mental. Vale ressaltar os esforços dos pesquisadores em colocar em pauta o tema ensino, posto que esse assunto surge nos trabalhos produzidos no período de 1992 a 2005, perfazendo um total de 14% das produções acadêmicas. Dentre eles, Franco (2002) e Rossit (2003) registraram a eficácia do uso da Informática como recurso alternativo para a promoção do ensino das pessoas com deficiência mental. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 259 Machado (2000) estudou uma proposta de educação ambiental, resultante de uma experiência com adolescentes e adultos com deficiência mental. Solér (2001) pesquisou sobre o processo de alfabetização e suas relações com a construção do conhecimento, um estudo em deficiência mental leve. Maranhe (2004) propôs o ensino de categorias estruturais de histórias para crianças com dificuldades de aprendizagem por meio da aplicação dos programas de ensino, e observou uma melhora no desenvolvimento dos grupos de crianças com e sem dificuldades de aprendizagem, principalmente nas produções orais e no recontar das histórias. Tini (2004) analisou o ensino por modelação de discriminações condicionais, envolvendo diferentes estruturas de treino e de formação de classes de equivalência em deficientes mentais. A pesquisadora constatou que é possível ensinar a essas crianças discriminações condicionais por meio de modelação de estímulos. Nesse mesmo referencial, Sella (2005) estudou o ensino de discriminações condicionais por imitação, analisando os efeitos de dois arranjos de apresentação de tentativas, observando que há possibilidades de ensinar por imitação, comportamentos complexos, pois a maioria dos participantes apresentou aprendizagem por equivalência. Silva (2003) identificou os jogos e os brinquedos disponíveis e mais utilizados nas brincadeiras de crianças com deficiência mental em escolas especiais da educação infantil bem como o lugar ocupado por essas brincadeiras no processo de ensino. Miranda (2003) analisou a prática pedagógica de duas professoras do Ensino Fundamental, sendo uma da escola comum da rede municipal e a outra da escola especial que tem alunos com deficiência mental freqüentando as suas salas de aulas. Por meio do estudo etnográfico, constatou-se que as referidas práticas não permitiam o desenvolvimento do pensamento abstrato, pois eram repetitivas, mecânicas e descontextualizadas. Essa é uma crítica realizada pela maioria dos trabalhos realizados com o tema ensino. Já o tema interações sociais, englobou produções que analisaram e discutiram as relações estabelecidas entre as pessoas com deficiência mental e seus familiares, professores, colegas de escola, de trabalho e 260 de outros espaços sociais. No período de 1992 a 2006, encontram-se produções que apresentaram análises sobre as interações sociais, seja na escola comum, seja na escola especial, na família ou no trabalho, uma tentativa de buscar alternativas para se ensinar, conviver e viver junto como cidadão de direitos. No conjunto, houve um total de 11% (14) de trabalhos envolvendo esse tema. As teses assim identificadas foram as de BiascoviAssis (1997), Paula (2000) e Yano (2003), e as dissertações foram de Souza (s/d), Silva (1992), Chacon (1995), Franco (1998), Marques (2000), Queiroz (2000), Jordão (2001), Góes (2004), Valle (2004), Nunes (2006) e Turini (2006). Por hipótese, pode-se dizer que o tema interações sociais tornou-se candente nas pesquisas, em decorrência da demanda gerada na sociedade para inserir as pessoas com deficiência mental em diversos contextos. Nesse sentido, surgiram críticas sobre as práticas excludentes das redes de assistência em instituições asilares bem como em instituições especiais, escolas especiais e outras dessa natureza. O debate sobre o local mais adequado para se ensinar pessoas com deficiência mental ainda permaneceu como ponto de conflito e, portanto, merece maiores aprofundamentos. Denomina-se saúde ao conjunto das produções que estudaram aspectos etiológicos e intervenções terapêuticas das diversas áreas da Saúde junto à pessoa com deficiência mental. 11% (14) dos trabalhos produzidos na área da Saúde trataram de aspectos etiológicos e farmacológicos da deficiência mental. Além disso, destacam-se as pesquisas relacionadas aos processos de intervenções terapêuticas, ligadas à área da Psicologia. Pode-se considerar, por hipótese, que essas iniciativas devem-se à expansão da Pós-Graduação stricto sensu nas diferentes áreas do conhecimento bem como podem expressar o esforço dos pesquisadores brasileiros em contribuir nessa direção. As teses encontradas foram: Ciampone (1993), Oliver (1998), Fridman (1999), Silveira (2002) e Santos (2002). As dissertações com a mesma temática foram: Yoshico (1994), Cavalcante (1997), Barros (1998), Paiva (1998), Kulik (1999), Costa (2000), Puglia (2001), Carbone (2003) e Marra (2005). Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns Deve-se enfatizar, como Bueno (2006, p.12), que são necessários maiores investimentos da pesquisa sobre a relação saúde-educação, sendo esse eixo fundamental para o êxito das políticas escolares voltadas aos alunos deficientes. O avanço de estudos nessa direção poderia implicar em melhoria das condições de vida da população em pauta. No entanto, vale registrar que são temas de trabalho que têm crescido nas pesquisas acadêmicas. Os trabalhos que estudaram os processos de inserção dos estudantes com deficiência mental nos diferentes setores da sociedade foram identificados com o tema inclusão. A partir de 1990, as produções acadêmicas da Pós- Graduação que estudavam a integração das pessoas com deficiência faziam críticas aos conceitos e ao modelo médico dos diagnósticos que ainda pairavam sobre as práticas denominadas especiais. A partir de 1997, intensificaram-se os trabalhos com a temática inclusão, embora essa leitura já fosse alvo de debates na Europa, conforme expresso na Declaração de Salamanca (1994). Os debates sobre a exclusão social são recorrentes a partir daquele período, coincidindo com a mudança da legislação brasileira para a educação, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Temse, por exemplo, a implementação da Política Nacional de Educação Especial (1994) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – lei nº 9.394/1996. Dentre os direitos assegurados oficialmente, está o direito à educação para todas as pessoas, indistintamente. Houve um acúmulo de produções, no período de 1999 a 2005, direcionadas para o tema inclusão de pessoas com deficiência mental. Registra-se 11% (13) de teses e de dissertações tratando da temática, sendo maior o número de dissertações que se dedicou a pesquisar as diferentes formas de inserção dos estudantes com deficiência na escola, no trabalho e na saúde. Pode-se pesquisar, também, a tese de Souza (2006) e as dissertações de Xavier (s/d), Julia (1997), Bussab (1999), Almeida (1999), Silva (2001), Lima (2001), Tonini (2001), Saad (2002), Pamplim (2005), Sanches (2005), Tannous (2005) e Vieira (2006). A tese, produzida no período, problematizou a inclusão escolar no atual contexto do sistema de ensi- no (cf. Souza, 2006). O trabalho foi realizado no Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas da PUC/SP, o que pode ser um indicador da preocupação de outras áreas com o ensino de pessoas com deficiência. O tema inclusão, no conjunto das produções pesquisadas, foi utilizado para expressar a necessidade de garantir Educação para Todos como sendo um paradigma diferente da integração e que teve como marco fundamental a Declaração de Salamanca (1994). Esta reuniu um conjunto de declarações das Nações Unidas, que estabeleceu regras e padrões sobre a equalização de oportunidades educacionais para todas as pessoas que apresentam necessidades especiais. Na compreensão de Bueno (2006), compartilhada pelas pesquisadoras, o referido documento expressa a necessidade de revisão das políticas sociais em face da falência do Estado de direito, sobretudo em países de terceiro mundo onde o fracasso escolar foi e ainda é expressivo. Nesse sentido, faz-se mister a modificação tanto das políticas quanto das práticas educacionais assentadas na perspectiva da homogeneidade. Foi registrado crescimento no número de matrículas no período de 2000 a 2004 na rede pública nacional em relação à rede privada. Em 2004, 291.544 estudantes, com deficiência mental em idade escolar, foram matriculados no sistema de ensino brasileiro. No que se refere ao número total das matrículas realizadas nas escolas brasileiras (especial e comum), a SEESP/ME registrou, em 2005, 640.317 alunos que apresentavam necessidades educacionais especiais. As matrículas de pessoas com deficiência mental em idade escolar representaram 43,4% desse grupo. No que concernente às pessoas com deficiências mentais severas, não foi encontrada nenhuma referência nos documentos oficiais, assim como não há informações sobre o êxito ou fracasso desses alunos. Esses aspectos merecem pesquisas, sobretudo para que se questione o tipo de educação que tem se efetivado nas perspectivas das atuais políticas públicas brasileiras. Classifica-se como avaliação educacional as produções que analisaram os elementos pessoais, sociais e institucionais e os métodos empregados para aferi- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 261 ção do processo de ensino e aprendizagem, controle de disciplinas, expectativas do corpo discente, docente e familiar. Os pesquisadores que trataram de temas relacionados à avaliação educacional fizeramno com o objetivo de problematizar as práticas de avaliação das diferentes formas de aprendizagem. Esse assunto foi relacionado ao processo de ensino, bem como ao projeto político pedagógico da escola, apontando para as dificuldades de se encontrar métodos de avaliação que ofereçam indicadores sobre a aprendizagem das pessoas com deficiência mental. Nessa direção, destaca-se o interesse dos pesquisadores em estudar os processos de avaliação educacional empregados pelos professores de estudantes com deficiência mental. Utilizando os Sistemas de Avaliação de Habilidades Sociais elaborados por Gresham e Elliott (1990) e pelo sistema Raven, RosinPinola (2006) comparou os resultados de dois grupos diferentes, os de baixo rendimento acadêmico com deficiência mental e o outro de alto rendimento acadêmico, sem deficiência mental, matriculados no ensino comum. Nessa perspectiva, houve uma diferenciação no que se refere aos resultados apresentados nos itens de habilidades sociais, rendimentos acadêmicos e problemas de comportamento. Tafla (1994), Rodrigues (1998), Campelini (2004), Hansel (2003), Angélico (2004), Souza (2005) e Schutz (2006) também investiram nessa direção, porém, com orientações diversas, destacando-se a construção de um sistema de avaliação que visa ao acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem, envolvendo o aluno, o professor e o contexto escolar. Esse viés pretende superar o entendimento de avaliação restrito à verificação sistemática da prática educativa em relação aos conteúdos e aos objetivos previstos, o que faz prevalecer, ainda, uma avaliação de caráter somativo. Essa perspectiva exige um marco de referências que avance os ditames do currículo cognitivista, que se assenta no critério da homogeneização das classes escolares, impondo um tipo de inclusão que favorece a desigualdade social. Há um esforço da academia em quebrar idéias préestabelecidas sobre a deficiência entendida como problema e não como um desafio a ser enfrentado. Isso tem permitido aos envolvidos, possibilidades de cons262 trução de formas de comunicação com as pessoas deficientes (cf. Tunes, 2003). As teses e as dissertações que problematizaram o conceito de deficiência mental foram agrupadas sob o tema concepção de deficiência mental. As diferentes formas de conceber a deficiência mental e suas implicações para o processo educacional foram objeto de análise de 7% dos trabalhos encontrados, o que pode ser considerado um dos indicadores de que os pesquisadores brasileiros esforçam-se em quebrar as crenças e os mitos que pairam sobre as pessoas com deficiência mental. Foram classificadas com essa temática as teses de Mendes (1995), Marques (2000), Camargo (2000) e Oliveira (2002), e as dissertações de Ghur (1992), Ferreira (1997), Kalmus (2000) e Holanda (2000). A compreensão de deficiência mental adotada no interior das instituições especiais, que a vincularam a uma condição de incapacidade mediante as exigências cognitivas, emocionais e sociais das demandas do processo de desenvolvimento, foi objeto de críticas, o que coincidiu com as tendências das produções acadêmicas encaminhadas nestes últimos 15 anos. Nesse sentido, os diagnósticos da deficiência mental não atenderam de forma integral aos critérios mínimos estabelecidos pela Associação Americana de Retardo Mental, versão de 1973. E tal situação, até a presente data, ainda é uma realidade (cf. Anache, 2006). Sob o tema aprendizagem, reuniu-se um conjunto de teses e de dissertações que pesquisou as formas de aprender dos estudantes com deficiência mental, envolvendo aspectos cognitivos, afetivos, motricidade, personalidade e criatividade, ou seja, considerando-o como uma ação singular do sujeito que aprende. Com essa temática, foram encontrados 6% (7) entre o total de 122 trabalhos pesquisados. Luz (1999) analisou as condições e as possibilidades de abstração em jovens com deficiência mental, tendo por base o referencial histórico-cultural, e argumentou que a abstração, como modo de funcionamento mental, é uma elaboração coletiva e histórica e não uma pré-condição para que essas pessoas sejam incluídas nas práticas sociais. Portanto, há que se indagar sobre a efetividade das atividades propostas aos estudantes, que dissociam a teoria da prática, ou ainda, o abstrato do concreto. Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns Tijiboy (2001) estudou o modo como as pessoas com paralisia cerebral apropriam-se dos recursos tecnológicos de um ambiente computacional telemático e que processos de desenvolvimento ocorrem quando se valem desses recursos. Porém, não há alusão no resumo se os dois estudantes de 20 anos que freqüentavam o Núcleo de Informática na Educação Especial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul eram deficientes mentais. Vale registrar que a paralisia cerebral nem sempre está associada à deficiência mental. Oliveira (2002) investigou o papel da familiaridade dos estímulos na emergência de equivalência em pessoas surdas e com deficiência mental. A estratégia experimental consistiu em ensinar oito alunos, com idade variando entre 8 e 26 anos, utilizando duas relações condicionais, envolvendo os conjuntos de estímulos familiares e abstratos, seguidas pelos testes das relações emergentes de equivalência. A relevância desse estudo está na investigação de procedimentos de ensino que possibilitem a aprendizagem de pessoas com dupla deficiência. Rubim (2003) analisou o desempenho de jovens e adultos na faixa etária de 16 a 23 anos, com deficiência mental moderada, no processo de aprendizagem da leitura, da escrita e da Matemática, relacionado aos conteúdos das séries iniciais do Ensino Fundamental. A pesquisadora constatou que, ao receberem programas de intervenção que consideram a idade cronológica, seus interesses e suas necessidades individuais, as pessoas demonstraram potencial para a aquisição de conceitos pertinentes às áreas mencionadas. O trabalho produzido por Piccolo (2004), cujo resumo foi fiel ao título da tese, Aprendizagem observacional, formação e expansão de classes de equivalência, refere-se à aprendizagem observacional e à expansão de classe de equivalência por meio do uso de software de pesquisa de Spell. Visou-se à observação de como as classes de equivalência estabelecidas com base em discriminações condicionais aprendidas por observação podem ser ampliadas por meio de estímulos associados a outras/novas discriminações condicionais aprendidas pelas observações. Carvalho (2004) realizou sua pesquisa, no interior de uma escola especial, com jovens adultos que apre- sentavam deficiência mental, visando analisar a relação que eles estabelecem com o conhecimento e a importância das práticas educativas implicadas no processo de seu desenvolvimento. A pesquisadora apresentou as dificuldades enfrentadas pelos estudantes, mediante as contradições vividas no processo de escolarização. Os trabalhos que analisaram os cursos de formação de profissionais para atuação junto às pessoas com deficiência mental foram agrupados sob o tema formação profissional, perfazendo um total de 5% das produções acadêmicas recolhidas. Dechichi (2001), por exemplo, investiu na transformação do ambiente da sala de aula em um contexto promotor de desenvolvimento a partir das mudanças na relação professor-aluno. Com base em um referencial ecológico, a autora defendeu a necessidade de revisão da atuação bem como da formação do professor. Nessa mesma direção, Weiss (2003) propôs analisar o processo de formação em serviço de professores de estudantes com deficiência mental e, por meio dos recursos oferecidos pela Informática à Educação Especial, desenvolveu estratégias metodológicas para promover o desenvolvimento de uma postura reflexiva e crítica dos professores. Os resumos das produções indicaram que essas discussões fomentaram o debate entre os pesquisadores que se dedicam a estudar a formação de profissionais que atuam junto às pessoas com deficiência, pois, na perspectiva da inclusão, há que se pensar em uma outra configuração para o profissional das diferentes áreas do conhecimento. Alternativas educacionais que minimizem os efeitos da deficiência para o sujeito requerem dos profissionais orientações teóricas e metodológicas que ofereçam oportunidades de aprendizagem a todos os alunos. As produções que tiveram como objeto de estudo as intervenções construídas no âmbito da instituição escolar e que privilegiaram as diferentes formas de comunicação e de expressão ocorridas entre os professores(as) e os estudantes, classificam-se como ensino-aprendizagem. Essa relação foi tema de 4% das pesquisas desenvolvidas. A incidência desse tema expressa, por um lado, certo otimismo por parte dos pesquisadores sobre as possibilidades de aprendiza- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 263 gem das pessoas com deficiência mental. Contudo, por outro, também indicam as dificuldades que as instituições escolares possuem na promoção do ensino às pessoas com deficiência mental. Almeida (1993) pesquisou a construção da lectoescrita em estudantes com deficiência mental, tratando dos determinantes da deficiência mental em interação na sala de aula e na comunidade onde vivem. No entanto, o resumo desse estudo não está disponível no Portal da CAPES. Com esse mesmo objeto, temos o trabalho de Melo (2004), tendo por base a teoria da Modificabilidade Cognitiva de Feuerstein, ressaltando a importância da interação no processo de aquisição da leitura e da escrita. Ferreira (1994) analisou um conjunto de informações obtidas por intermédio de professores, de mães e de alunos com deficiência mental de uma instituição especializada, por meio da abordagem denominada pela autora de sociocultural, a partir da Teoria da Atividade proposta por Leontiev. Seu trabalho evidenciou que na prática educacional predomina o treino de habilidades básicas, restringindo-se as possibilidades de apropriação de formas culturais da atividade humana, havendo respaldo em concepções de desenvolvimento reduzidas a um somatório de aprendizagens, mesclado com uma visão inatista. Ainda nessa perspectiva, por meio do paradigma indiciário proposto por Ginzbug (1990) 2, Padilha (2001) construiu estratégias metodológicas de intervenção com Bianca, uma jovem de 17 anos que apresentava agenesia do corpo caloso e seu hemisfério esquerdo bastante diminuído em relação ao tamanho do direito. Segundo a avaliação clínica institucional, a jovem apresentava dificuldades sensoriais, motoras, verbal e cognitiva, o que lhe conferia o diagnóstico de deficiência mental. Tavares Silva (2003) pesquisou as relações de ensino e aprendizagem estabelecidas no interior das salas de recursos a partir de uma análise sociológica. A autora problematizou o currículo cognitivista presente no locus de seu estudo. A dissertação de Solér (2001) enfocou o processo de alfabetização e suas relações com a construção do conhecimento em uma perspectiva construtivista. As duas produções supra264 citadas, mesmo sendo de orientações teóricas diferentes, trazem em comum críticas ao modelo atual de ensino das escolas brasileiras bem como ao tipo de inclusão educacional oferecido por elas. As pesquisas realizadas por Nunes e cols. (1998) recomendam a continuidade dos estudos sobre o processo de ensino-aprendizagem, uma vez que esse é tratado de forma descontínua, abrangendo vários assuntos, dentre eles, procedimentos e processos de aprendizagem de habilidades acadêmicas, sociais, esportivas, artísticas e de comunicações e auto-cuidados. Segundo as pesquisadoras, os aspectos emocionais e afetivos do portador de necessidades especiais são pouco contemplados se comparados à relevância atribuída aos aspectos cognitivos. As produções que enfocaram o impacto dos programas dos cursos oferecidos para os estudantes com deficiência mental no interior das instituições (especiais ou não) foram identificadas com o tema formação para o trabalho, perfazendo um total de 5% dos trabalhos pesquisados. Lucena (1998) e Silva (2000) propuseram-se estudar os programas de educação profissional oferecidos por uma instituição especializada e de que modo eles se situavam mediante a realidade econômica e política de seus países (Brasil e Espanha). Os autores entrevistaram pessoas com deficiência e, entre elas, aquelas que apresentavam deficiência mental, com o objetivo de analisar a efetividade dos programas de reabilitação profissional para a sua inserção no mercado de trabalho. Giordano (1994) deu voz aos trabalhadores com deficiência mental e estudou as representações que eles possuem sobre o trabalho. As produções que se voltaram para temas relacionados à sexualidade de pessoas com deficiência mental como um atributo que se constitui no processo de desenvolvimento compreendeu três aspectos intercambiantes: o biológico, a socialização e o psicoemocional. Trata-se do papel sexual construído pela pessoa para viver as suas relações sociais e interpessoais. Computou-se 2% das pesquisas em foco estudando esse tema. Melo (2004) realizou uma pesquisa-intervenção junto aos professores do Ensino Fundamental que atuam com estudantes que apresentam deficiência Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns mental, e Amaral (2004) estudou a efetividade do programa de orientação sexual para pessoas com deficiência mental. Ambas as pesquisas alertam para a necessidade de se manter, construir e implementar trabalhos dessa natureza uma vez que esse é um campo ainda pouco referenciado nas pesquisas. As pesquisas sobre as tecnologias da informação e da comunicação foram aquelas que trataram dos recursos da Informática como possibilidade para a promoção do desenvolvimento de habilidades das pessoas com deficiência mental. 2% dos trabalhos voltam-se para esse tema. Franco (2002) analisou os recursos oferecidos pela Informática no processo de alfabetização de crianças de 8 a 12 anos com necessidades educativas especiais. A autora não esclarece no resumo se essa população é de estudantes com deficiência mental. Carrer (2005) avaliou a tecnologia de reconhecimento de fala, juntamente com software mestre, para verificar se há viabilidade de utilizá-lo para fins educacionais. O autor analisou 110 crianças com deficiência mental e transtornos fonológicos na faixa etária de 4 a 11 anos, concluindo que o referido recurso constitui-se em instrumento de auxílio para facilitar o processo de identificação da linguagem nas séries iniciais do Ensino Fundamental. As produções que tiveram como objetivo estudar os processos de desenvolvimento da pessoa com deficiência mental em uma perspectiva histórico-cultural foram identificadas como constituição do sujeito e analisou a significação do social nesse processo. Kassar (2001) apresentou a trama na qual a história social tem se manifestado na interpretação dos discursos, dos gestos e nas diferentes formas de expressões e de participações nas atividades cotidianas de oito jovens com idade variando entre 13 e 25 anos. Trabalhos que trataram das políticas públicas de atendimento à pessoa com deficiência mental, sobretudo àquelas que são mais comprometidas, foram registrados. Essa lacuna é também identificada nas legislações brasileiras atuais conforme foi evidenciado por Kassar (2001). Em que pesem as legislações oficiais que versam sobre a garantia de ensino a todos, há indícios de que as dificuldades são gestadas no interior de uma cultura acadêmica que não incluiu em seu projeto pedagógico o atendimento ao deficiente mental. O crescimento das produções acadêmicas que tratam de temas relacionados à educação e à saúde de estudantes com deficiência mental não esgotam as indagações sobre as possibilidades de aprendizagem dessas pessoas. Isso exige dos pesquisadores, contribuições para a descoberta das especificidades implicadas nesse tipo de deficiência. Assim, entendese ser necessário analisar a tendência teóricometodológica apresentada nos resumos dos trabalhos pesquisados. Marcos teóricos e metodológicos das produções acadêmicas Os resumos das produções acadêmicas, até a presente data, ofereceram possibilidades de identificação das bases teóricas e metodológicas em que eles se assentam. Registra-se que 27% deles não continham informações a respeito desse aspecto e 30% dos trabalhos não disponibilizaram os seus resumos na Base de Dados da CAPES. Contudo, isso não invalidou as reflexões que foram extraídas da ausência, da pertinência ou mesmo da impertinência de algumas delas, determinantes na construção da informação. O referencial teórico-metodológico é de grande valia para a construção de um trabalho científico, pois ele orienta o caminho do pesquisador. Assim, dependendo da concepção de sujeito, de ciência, de deficiência, de educação e de aprendizagem, o autor posiciona-se. Há uma “lente” escolhida para tal empreendimento. Ainda que o pesquisador busque a impessoalidade ou a neutralidade preconizada pela ciência positivista, elas também têm suas marcas, portanto, sua ideologia. A teoria não é um sistema estático, mas um sistema aberto que possibilita a interlocução com os momentos empíricos do processo. É necessário, porém, um marco teórico estabelecido. Nos 43% (53) trabalhos que disponibilizaram os seus resumos e informaram a abordagem teórica eleita, observou-se a diversificação dos aportes. Destacou-se o sócio-histórico, ou seja, as produções que definiram os seus aportes como sendo embasados nos princípios de Vygotsky (1997), com 32% do total informado, e a perspectiva comportamental, mencionada em 23% do conjunto das produções. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 265 Há predomínio do aporte da ciência positivista nos trabalhos, com o seu discurso de vanguarda e com a promessa de modernização do sistema de ensino por meio de tecnologias. Ao retomarem-se as críticas ao sistema educacional brasileiro, a partir de meados de 1980, as idéias de Vygotsky tiveram boa acolhida nesse cenário, mesmo com interpretações que separavam o referido autor de sua base teórica original, ou seja, o materialismo histórico, como discutem Gonzalez Rey (2005) e Duarte (1999). Segundo os autores, há a tendência em separar Vigotsky do marxismo e do contexto da Psicologia soviética como um fenômeno mundial, vigente por onde a ideologia neoliberal e pós-moderna tem se propagado. A interpretação do pensamento de Vigotsky pode ser realizada de diversas formas, dentre elas, associando-o a outras teorias que não se coadunam com o universo filosófico marxista. Como exemplo disso, tem-se a sua associação à obra de Jean Piaget. Na educação e, sobretudo, na Educação Especial, a junção entre os dois pensadores tem se apresentado como alternativa para os problemas educacionais. No conjunto das produções, foram detectadas outras abordagens, entre elas, a psicanalítica, a psicogenética e a ecológica. Ainda que inexpressivas em números, elas anunciam outras possibilidades de estudo da educação de pessoas com deficiência mental. Diante disso, entende-se ser pertinente identificar o foco dos estudos que se propuseram pesquisar a educação de pessoas que apresentam deficiência mental. No universo de 64% (78) trabalhos que informaram a população alvo de suas teses e dissertações, 56% (44) deles citaram como sujeito de suas pesquisas o estudante com deficiência mental, 16% (12) trataram dos professores e 13% (10), das famílias. Em uma análise mais profunda, observou-se que houve um esforço na análise dos processos pedagógicos, expressados em pesquisas sobre as intervenções junto aos estudantes e aos professores. Esse é um indício da preocupação em construir estratégias de ensino apropriadas para proporcionar aprendizagem e/ou como construção de recursos técnicos a fim de avaliar e diagnosticar a deficiência do grupo em destaque. 266 A título de ilustração, na dissertação de Valle (2004), entrevistaram-se jovens adultos com deficiência mental com o intuito de identificar em seus relatos pessoais fatos que tenham contribuído para sua inserção no mercado de trabalho. Rubim (2003) estudou o desempenho acadêmico em Língua Portuguesa e em Matemática de sete jovens adultos com deficiência mental. A dissertação de Hansel (2003) estudou as principais dificuldades que oito professores e 16 alunos encontraram no processo de avaliação mediadora. Piccolo (2004) realizou pesquisa experimental com sujeitos que apresentavam deficiência mental. Outras pesquisas também se destacaram ao dar voz à pessoa com deficiência mental, dentre elas, as realizadas por Padilha (1994 e 2001), Kassar (2001) e Carvalho (2004). Esses trabalhos valeram-se de técnicas de pesquisas citadas nos resumos, com destaque para as entrevistas, os estudos de casos, os experimentos e as observações. Num conjunto de 55% do universo de 122 trabalhos pesquisados, 67 disponibilizaram os instrumentos empregados nas produções; as entrevistas foram consideradas os prediletos dos autores, com 19% (13) do conjunto. Em seguida, está a pesquisa experimental 16% (11), depois a observação 12% (8) e, finalmente, os estudos de casos 12% (8), havendo também a conjugação de entrevistas e observações em 9% (6), cumprindo a tradição de trabalhos dessa natureza realizados pelas áreas da Educação e da Psicologia. Vale salientar a presença de alternativas de pesquisas, como a pesquisa-ação, em 9% (6) dos trabalhos, salutar, uma vez que isso pode ser um indicativo das possibilidades de obtenção de informações sobre uma população que se expressa pela incapacidade de se adaptar às normas vigentes na sociedade. Entretanto, esse é um aspecto que merece aprofundamentos, extrapolando os limites deste estudo. Considerações Finais O levantamento das pesquisas acadêmicas sobre a deficiência mental possibilitou compreender o lugar Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns que nela ocupam os trabalhos direcionados ao processo de aprendizagem da população com deficiência mental. Considerou-se que esse é um tema inquietante tanto para os pesquisadores quanto para os profissionais que atuam diretamente com as pessoas que apresentam essa deficiência. Vale ressaltar que este tipo de pesquisa demonstrou a necessidade de aprimoramento dos bancos e das bases de dados que registram as produções realizadas pela academia uma vez que vários trabalhos foram encontrados que poderiam ser analisados por meio de seus resumos e de seus textos na íntegra se eles estivessem disponibilizados na Base de Dados do Portal da CAPES. Um outro aspecto relevante diz respeito aos descritores referentes às teses e às dissertações catalogadas no Banco de Dados. Eles nem sempre coincidem com o conteúdo tratado nas produções às quais teve-se acesso. Desse modo, os pesquisadores deveriam dar maior atenção à escolha das palavras-chaves que identificam o trabalho. Com relação aos temas tratados no conjunto das produções acadêmicas, observou-se que as estratégias de avaliação e de diagnóstico bem como as questões relacionadas ao processo de ensino, às interações sociais, à saúde, à inclusão e à avaliação educacional sugerem, em uma primeira análise, que o tema aprendizagem foi pouco contemplado 6% (7). No entanto, todos os temas estão relacionados, ainda que indiretamente, à necessidade de construção de estratégias para a compreensão do processo de aprendizagem e de desenvolvimento da pessoa com deficiência mental. Essa hipótese se pauta na compreensão de que a aprendizagem não se refere ao domínio cognitivo. Ela é, sim, um processo no qual participam, de diversas formas, a subjetividade das pessoas com deficiência mental. Portanto, essas relações precisam conhecer um tratamento menos reducionista por parte dos estudiosos. A aprendizagem é um processo partilhado e relacional que ocorre nas condições concretas de vida das pessoas, possibilitando a constituição dos sistemas funcionais cerebrais. O desenvolvimento psicológico resulta da síntese entre os aspectos biológicos e psicossociais, admitindo a plasticidade cerebral, o que implica em transformações dos sujeitos envolvi- dos, por meio das suas diferentes formas de relações sociais. Percebeu-se o aumento de trabalhos que se respaldam na perspectiva sócio-histórica como possibilidade de romper com a visão ambientalista de educação, de sujeito e de deficiência, tradicional na educação de pessoas com deficiência mental. As críticas se referem à redução do processo educativo a uma lista de objetivos a serem atingidos. Desse modo, elimina-se a função do sujeito que aprende e, conseqüentemente, limita-se o ensino ao preparo de competências para adaptação às atividades humanas. Com base na perspectiva sócio-histórica, Luz (1999) e Carvalho (2004) criticaram as práticas educacionais realizadas no interior das instituições pesquisadas, que se orientavam na compreensão de que o desenvolvimento é um conjunto de aprendizagens que a pessoa adquire de forma linear e cumulativa, portanto, aprendizagem e desenvolvimento são entendidos como processos coincidentes. As autoras observaram que as práticas educativas são possibilidades de ampliação da participação social. A partir dessa percepção, desenvolveram-se proposições sobre a necessidade de um outro modelo educacional, capaz de possibilitar à pessoa com deficiência mental, com suas diferenças de desenvolvimento, a inserção na escola, no trabalho e em outros segmentos da sociedade (cf. Carvalho, 2004). Luz (1999, p. 119) afirma que o processo de abstração, necessário para o processo de formação de conceitos, portanto, uma categoria relacional e histórica, não pode deixar de ser considerado como “[...] pensamento hierárquico, categorial e único. Não mais como a única possibilidade de participação e ‘humanização’”. Rubim (2003) realizou sua pesquisa fundamentada em uma perspectiva ecológica, que compreende o currículo funcional como alternativo de programas de ensino especial. Conforme já mencionada neste artigo, a autora realizou uma avaliação inicial e processual do desempenho de jovens e adultos com deficiência mental quanto à aquisição de conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática. Desse modo, a deficiência mental é considerada uma condição desarmônica entre o indivíduo e o ambiente no qual ele funciona. Tanto as características do próprio sujeito como os com- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 267 ponentes ambientais que o circundam poderão impor limitações sobre o seu funcionamento e sua adaptação presente. A avaliação consiste em identificar a capacidade de adaptação das pessoas com deficiência mental, requerendo as habilidades para atuar nos ambientes dos quais ela participa. O ensino visa proporcionar a aprendizagem dos sujeitos sempre em situação real ou natural. As habilidades devem ser funcionais, visando aumentar a independência do sujeito em um determinado ambiente e tornando seu comportamento (global e não específico) o mais próximo possível do comportamento de outras pessoas naquela mesma situação. Sob essa orientação, Rubim (2003) constatou que os estudantes participantes da pesquisa apresentaram evolução significativa nos conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática, relacionados às séries iniciais do Ensino Fundamental, o que lhe permitiu afirmar que essas pessoas apresentavam potencial para a aquisição de conceitos necessários para alfabetização, desde que os programas de ensino fossem adequados às suas características individuais. Piccolo (2004) entendeu que investigar na área de equivalência de estímulos facilita a construção de estratégias de ensino que podem ser manipuladas, visando à eficiência da aprendizagem de discriminações condicionais e a formação de classes de equivalência, sobretudo na aprendizagem de pessoas com necessidades especiais. Essa terminologia foi empregada pela autora para se referir aos estudantes que apresentavam deficiência mental. Nesse enfoque, a aprendizagem por observação pode acelerar o processo de aprendizagem de novos comportamentos que são aprendidos por meio de modelos, uma vez que eles fornecem uma demonstração da resposta a ser emitida. Na compreensão de autores da linha comportamental, a imitação é um processo vinculado a esse tipo de aprendizagem. Esse tipo de abordagem pode ser viável para o ensino de diferentes populações. Entretanto, Piccolo (2004) alerta para a necessidade de mais pesquisas com estudantes com necessidades educacionais especiais. O uso de alternativas metodológicas para a aprendizagem dessas pessoas evidencia as suas possibilidades de desenvolvimento cognitivo. O esforço 268 deverá ser para realizar um planejamento que acompanhe o ritmo do estudante, o que requer uma avaliação rigorosa do comportamento dessa pessoa. O conjunto das produções analisadas, embora com aportes teóricos e metodológicos diferentes, mostrou o investimento dos pesquisadores no aprimoramento de conhecimentos sobre diversos aspectos que expressam direta ou indiretamente a crença nas possibilidades de desenvolvimento das pessoas com deficiência mental. Acredita-se que ainda há muito que pesquisar sobre os processos de aprendizagem de pessoas com deficiência mental. Contudo, as informações obtidas até o presente momento oferecem subsídios para a reflexão sobre o tipo de compromisso que se assume com nossas produções acadêmicas. Concluí-se, enfim, que ainda há escassez de pesquisas na área, alertando para a necessidade de realização de estudos sobre os processos de aprendizagem de pessoas com deficiência mental, sobretudo daquelas consideradas mais comprometidas, capazes de oferecer subsídios para possibilitar o seu desenvolvimento. Referências Almeida, D. B de. (1999). Do especial ao inclusivo? Um estudo da proposta de inclusão escolar da rede estadual de Goiás, no município de Goiânia. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Almeida, R. (1972). Avaliação das teses de mestrado na área de educação no Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Almeida, R. A. (1993). Deficiência mental e construção da lectoescrita: determinantes da deficiência mental de alunos de classe especial em interação na sala de aula e na comunidade em que vivem. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Amaral, M. C. (2004). Sexualidade e deficiência mental: um impacto de um programa de orientação para famílias. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns American Psychiatric Association. (1995). D.S.M.- IV-TM - R. Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais. (D. Batista, trad.). Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1994). Anache, A. A. (1997). Diagnóstico ou inquisição? Estudo sobre o uso do diagnóstico psicológico na escola. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo. Anache, A. A. (2006) Estudo sobre o processo de institucionalização de alunos que apresentam deficiência mental severa. Em: Neres, C. C. e Pulchério, S. S. L. Educação Especial em Foco. Campo Grande: Universidade Para o Desenvolvimento da Região do Pantanal – UNIDERP. (p. 133-150). Bueno, J. G. S. (2002). A Educação Especial nas Universidades Brasileiras. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial. Bueno, J. G. S. (2006). As políticas de inclusão escolar: uma prerrogativa da educação especial? Em XIII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino: Educação, questões pedagógicas e processos formativos: compromisso com a inclusão social (p. 114). Recife, PE: ENDIPE. Bussab, M. B. (1999). Da integração desejável à possível do portador de deficiência mental na classe comum da rede de ensino do Estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Anache, A. A. (2007). A pessoa com deficiência mental entre os muros da educação. Em H. R. Campos (Org.), Formação em Psicologia Escolar: realidades e perspectivas (pp. 231-244). Campinas: Alínea. Camargo, E.A. A. (2000). Concepções de deficiência mental por pais e profissionais e a constituição da subjetividade da pessoa deficiente. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Angélico, A. P. (2004). Estudo descritivo do repertório de habilidades sociais de adolescentes com Síndrome de Down. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP. Campelini, V. L. M. F. (2004). Avaliação das possibilidades do ensino colaborativo no processo de inclusão escolar de alunos com deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Barros, J. de F. (1998). Estudo comparativo dos índices de aptidão física em portadores de deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP. Carbone, P. H. L. (2003). Pesquisa de anticorpos dirigidos a antígenos de fase latente e lítica do herpes vírus humano tipo 8 (HHV-8): prevalência em populações sob risco epidemiológico em população sadia de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, SP. Biascovi-Assis, S. M. (1997). Lazer e deficiência mental: o papel da família e da escola em uma proposta de educação pelo e para o lazer. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Brasil, Ministério da Educação e Cultura. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: Senado Federal. Brasil. (1994). Declaração de Salamanca. Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais. Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília, DF: CORDE. Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. (1994). Política Nacional de Educação Especial. Brasília, DF: Secretaria de Educação Especial, MEC. Brasil. Ministério da Educação, INEP, SEEC. Censo Escolar. (2004). Evolução da matrícula de alunos com necessidades especiais por natureza de deficiência. 2000 a 2004. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/seesp/index.php. Recuperado: 7 mai. 2006. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Coordenação Geral de Planejamento. (2006). Números da Educação Especial no Brasil. Brasília-DF. Disponível em: http:/ /portal.mec.gov.br/seesp/index.php. Recuperado: 7 mai. 2006. SEESP/MEC registrou, em 2005. Carrer, J. H. (2005). Avaliação de um programa informatizado de reconhecimento de fala em indivíduos com deficiência mental e com problemas de linguagem. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Carvalho, M. F. (2004). A relação do sujeito com o conhecimento: condições de possibilidades no enfrentamento da deficiência mental. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Cavalcante, J. C. G. G. (1997). O fazer fonoaudiológico em instituição para o atendimento a pessoa com deficiência mental: um estudo de caso. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP. Chacon, M. C. M. (1995). A integração social do deficiente mental: um processo que se inicia na/pela família. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Ciampone, M. H. T. (1993). Assistência institucionalizada para indivíduos portadores deficiência mental: dimensões esquecidas. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 269 Costa, A. M. (2000). Atividade física e a relação com a qualidade de vida, ansiedade e depressão em pessoas com seqüelas de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI). Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Costa, M. C. V. (1994). Pesquisa em Educação: concepções de ciência, paradigmas teóricos e produção de conhecimentos. Cadernos de Pesquisa, 90, 15-20. Cunha, L. A. (1979). Os (Des)caminhos da pesquisa na pósgraduação. Em Seminário sobre a Produção Científica nos programas de mestrado em Educação (pp. 3-24). Brasília, DF: CAPES. Dechichi, C. (2001). Transformando o ambiente da sala de aula em um contexto promotor do desenvolvimento do aluno deficiente mental. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, São Paulo. Di Dio, R. A. (1976). A pesquisa educacional no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 136, 518-526. Dias, T., Goyos, C., Ferrari, C., Dall’Alba, L., Santos, L., & Omote, S. (1987). Caracterização da produção científica do Programa de Mestrado em Educação Especial: dissertações de mestrado. Trabalho apresentado no IV Ciclo de Estudos sobre Deficiência Mental. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Fridman, C. (1999). Os mecanismos genéticos nas síndromes de Prader-willi e Angelman. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Gatti, B. (1983). Pós-graduação e pesquisa em educação no Brasil – 1978-1981. Cadernos de Pesquisa, 44, 13-17. Ginzburg, C. (1990) Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras. Giordano, B. W. (1994). (D)eficiência: uma análise das representações do trabalho e do ser trabalhador com deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, São Paulo. Goergen, P. L. (1981). Pesquisa em Educação, sua função crítica. Revista Educação e Sociedade, 9, 65-69. Góes, F. A. de B. (2004). Os pais e seu filho portador de necessidades especiais – deficiência mental um encontro inesperado. Dissertação de Mestrado, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, PE. González Rey, F. L. (2005). Sujeito e Subjetividade. São Paulo: Thomson. Gouveia, A. A. (1971). A pesquisa educacional no Brasil. Cadernos de Pesquisa, 1(1), 1-48. Duarte, N. (1999). Vygotsky e o “aprender a aprender”: críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria Vygotskiana. Tese de Livre-Docência, Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista de Araraquara, Araraquara, São Paulo. Gresham, F. M. e Elliott, S. N. (1990) Social Skill Rating System: Circle Pines, MS: American Guidance Service. USA. Feldens, M. G. F. (1983). Alternativas Metodológicas para a pesquisa em Educação. Ciência e Cultura, 35(10), 121-126. Hansel, A. J. (2003). Avaliação mediadora: um processo em construção para os professores do ensino fundamental do Centro Federal de Educação tecnológica de São Vicente do Sul. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul. Ferreira, A. I. de F. (1997). Avaliação motora para a pessoa deficiente mental nas APAEs da região de Campinas – SP: um estudo de caso. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Guhur, M. de L. P. (1992). Representação da deficiencia mental: esboço de uma abordagem histórica. Dissertação de Mestrado, Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP. Ferreira, M. C. C. (1994) A prática educativa e a concepção de desenvolvimento psicológico de alunos com deficiência mental. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Hansel, A. J. (2003). Avaliação mediadora: um processo em construção para os professores do ensino fundamental do Centro Federal de Educação tecnológica de São Vicente do Sul. RS. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, RS. Franco, A. M. (2002). A informática como recurso pedagógico no processo de alfabetização de crianças como Necessidades Educativas Especiais. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Cantarina. Holanda, S. A. R. de. (2000). Sobre a questão da deficiência mental concebida como infância eterna: reflexões em direção à psicanálise. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Franco, A. R. F. (1998). Encontro afetivo em sala de aula: um estudo com professoras de alunos com deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Jordão, M. C. M. (2001). A criança, a deficiência e a escola: uma intervenção orientada pela psicanálise. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 270 Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns Júlia, C. H. (1997). A pessoa portadora de deficiência mental em nível educável e o mundo do trabalho: a visão dos empregadores no setor atacadista de Franca. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista, Marília, SP. Kalmus, J, (2000). A produção social da deficiência mental leve. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Kassar, M. C. M. (2001). Modos de participação e constituição de sujeitos nas práticas sociais: a institucionalização de pessoas com deficiência múltipla. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Kulik, S. M. (1999). Estudo descritivo para hepatite B em portadores deficiência de mental e em profissionais de saúde, em uma instituição fechada no Brasil. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Lima, A. F. (2001). Concepção de deficiência mental e da educação inclusiva. Dissertação de Mestrado, Fundação Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE. Lima, P. G. (2003). Tendências paradigmáticas na pesquisa educacional. Artur Nogueira: Amil. Lucena, N. M. G. (1998). Analisis de un programa de intervencion motriz (expresion corporal como factor de desarollo motor y eficácia laboral em um centro especial de empelo de trabajadores adultos com atraso mental). Tese de Doutorado, Universidad de Granada, Facultad de Ciências de la atividade física y el deporte – Departamento de Educação Física, Granada, Espanha. Luz, A. O. C. (1999). Será que precisa aprender isso? Um estudo sobre as condições e possibilidades da abstração em jovens com deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Machado, A. M. (1994). Crianças de Classe Especial – Efeitos do encontro da Saúde com a Educação. São Paulo: Casa do Psicólogo. Machado, A. M., & Sousa, M. P. R. (1997). As crianças excluídas da escola: um alerta para a Psicologia. Em P. R. (Orgs.), Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo. Machado, F. B. T. (2000). Educação ambiental: uma experiência com grupos de adolescentes e adultos portadores de deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo. Manzini, E. J., Paulino, C. V., Corrêa, P. M., Silva M. O., & Lopes, M. A. C. (2006). Análise de dissertações e teses em educação especial, produzidas no Programa de pós-graduação em Edu- cação da UNESP – Marília (1993-2004). Revista Educação Especial, 28(2), 341-359. Maranhe, E. A. (2004). Ensinando categorias estruturais de história a crianças com dificuldades de aprendizagem. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Marques, L. P. (2000). O professor de alunos com deficiência mental: concepção e pratica pedagógica. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Marra, R. A. da. (2005). Atendimento psicoterapêutico conjunto pais-crianças em serviço ambulatorial. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG. Melo, L. A. A. (2004). De Piaget a Feurstein: um estudo do letramento e da mediação na educação especial. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE. Mendes, E. G. (1995). Deficiência mental: a construção científica de um conceito e a realidade educacional. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Nunes, C. C. (2006). Interação entre irmãos de indivíduos com deficiência mental: o papel da idade e do apoio social da família. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP. Nunes, L. R. D. O. P., Glat, R., Ferreira, J. R., & Mendes, E. G. (1998). Pesquisa em Educação Especial na Pós-Graduação. Rio de Janeiro: Sette Letras. Nunes, L. R. O. P., Glat, R., Ferreira. J. R., & Mendes, E. G. (2003). Análise crítica das teses e dissertações sobre educação especial nas áreas de educação e psicologia. Relatório Final de Pesquisa. Processo CNPq. Oliveira, A. A. (2002). Sampaio de. Representações sociais sobre educação especial e deficiência: o ponto de vista de alunos deficientes e professores especializados. Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Marília, SP. Oliveira, C. S. (2002). Formação de classes de equivalência com estímulos arbitrários (presumidos familiares e não familiares) em portadores de deficiência mental surdos. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP. Oliver, F. C. (1998). Saúde mental e saúde da pessoa com deficiência: estudo do processo de incorporação de assistência e dos serviços municipais de saúde numa região do município de São Paulo. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 271 Padilha, A. M. (1994). Possibilidades de histórias ao contrário – ou como desencaminhar o aluno para escola especial. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Padilha, A. M. L. (2001). Bianca: o ser simbólico: para além dos limites da deficiência mental. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Paiva, A. C. de C. (1998). Monitorização terapêutica da teofilina em pacientes portadores de deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Pamplim, R. C. de O. (2005). A interface família-escola na inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais: uma perspectiva ecológica. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP. Patto, M. H. (1991). A produção do fracasso escolar. São Paulo, Queiroz. Paula, A. R de. (2000). Asilamento de pessoas com deficiência: Institucionalização da incapacidade social. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Piccolo, A. A. T. (2004). Aprendizagem observacional, formação e expansão de classes de equivalência. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Puglia, P. M. K. (2001). Porfiria aguda intermitente: estudo clínico de 37 casos. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Queiroz, R. M. (2000). A influência da interação entre crianças especiais e crianças normais na construção do conceito de digestão. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE. Rodrigues, J. L. (1998). Aspectos de formação e transição em programas para adolescentes e adultos portadores de deficiência mental em instituições especializadas. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Rosin-Pinola, A. R. (2006). Avaliação de professores sobre o repertório social e acadêmico de alunos com deficiência mental incluídos no ensino regular. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Rossit, R. A. S. (2003). Matemática para deficientes mentais: contribuições do paradigma de equivalência de estímulos para o desenvolvimento e avaliação de um currículo. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Rubim, M. H. (2003). Educação de Jovens e Adultos com deficiência mental: análise evolutiva da aprendizagem da língua portuguesa 272 e da matemática. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Saad, N. S. (2002). Preparando Caminho para a inclusão: dissolvendo mitos e preconceitos em relação à pessoa com Síndrome de Down. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Sanches, A. C. G. (2005). Contextos educacionais e o aluno com necessidade especial [transtorno mental]: um desafio indisciplinar marcado pela dialética exclusão/inclusão. Dissertação de Mestrado, Universidade São Paulo, São Paulo, SP. Sanches, G. S. A. (1982). Análise epistemológica dos métodos na pesquisa educacional. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília-DF. Sanches, G. S. A. (1987). Epistemologia da pesquisa em educação: estruturas lógicas e tendências metodológicas. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Santos, C. B. (2002). Síndrome do x frágil e retardo mental fraxe: distribuição dos alelos fraxa e fraxe em indivíduos portadores de retardo mental idiopático no Estado do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Schütz, M. R. R. dos S. (2006). Avaliação escolar como instrumento de mediação da aprendizagem na educação inclusiva: desafios no cotidiano escolar. Dissertação de Mestrado, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, RS. Sella, M. C. (2005). Ensino de discriminações condicionais por imitação: efeitos de dois arranjos de apresentação de tentativas. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP. Silva, A. F. da. (1992). Interações Sociais escolares entre alunos deficientes mentais e alunos normais. Dissertação de Mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Silva, A. G. (2000). A educação profissional de pessoas com deficiência mental: a história da relação educação especial / trabalho na APAE-SP. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Silva, C. C. B. (2003). O lugar do brinquedo e do jogo nas escolas especiais de educação infantil. Psicologia escolar e do desenvolvimento humano. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo. Silva, R. da. (2001). O processo de integração da pessoa portadora de deficiência mental no ensino regular municipal de Florianópolis. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns Silva, R. H. R., Vidal, M. H, C., & Sousa, S. B. (2003). Análise da Temática “deficiência mental” nas dissertações e teses na área de Educação Física e Esportes no Brasil. Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisadores em Educação. Caxambu, MG, 2002. Disponível: www.anped.org.br. Recuperado: 7 jul. 2006. Silveira, J. O. L. (2002). Manifestações estomatológicas em pacientes portadores de deficiência mental medicados com drogas anticonvulsivantes. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP. Solér, L. A. F. (2001). Alfabetização e suas relações com a construção do conhecimento: um estudo em deficiência mental leve. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo. Souza, A. A. (2005). A progressão escolar de alunos com deficiência em classes comuns – a experiência de Santo André. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP. Souza, C. M. (2006). Dilemas da escola inclusiva: Lingüística aplicada ao ensino de línguas. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, São Paulo. Souza, L. G. A. de. (2003). Cuidando do filho com deficiência mental: desvelamentos de vivências de pais no ser-com-o-filho. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Tafla, T. R. (1994). Visão lingüística do desempenho ortográfico em crianças normais e crianças portadoras de deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Tonini, A. (2001). Uma análise do processo de inclusão: uma realidade de uma escola estadual de Santa Maria – RS. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Tunes, E. (2003) Por que falamos de Inclusão? Linhas Críticas, Universidade de Brasília: Brasília, DF, v.9, n.16, Jan/Jun. Universidade de Brasília. Turini, F. A. (2006). Comportamentos pró-sociais em crianças com deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, ES. Valle, M. H. F. (2004). Vivências de pessoas com deficiência mental inseridas no mercado de trabalho. Dissertação de Mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Vieira, C. M. (2006). Programa informativo sobre deficiência mental e inclusão: efeitos nas atitudes e concepções de crianças não-deficientes. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP. Vygotsky, L. S. (1997). L. S. Vygotski – Fundamentos de defectología. Madri, Espanha: Visor Dis. S. A. Warde, M. (1992). A Produção discente dos Programas de Pós-graduação em Educação no Brasil (1982-1991): avaliação e perspectivas. Avaliação e Perspectivas na área de Educação (pp. 51-82). Porto Alegre: ANPEd/CNPq. Weber, S. A. (1992). A Produção recente na área de educação. Cadernos de Pesquisa, 81, 22-32. Tannous, G. S. (2005). Inclusão de aluno com deficiência mental: experiências psicossociais de professores da escola pública. Dissertação de Mestrado, Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS. Weiss, A. M. L. (2003). A hora e a vez do professor: desafios da formação reflexiva através da informática na educação. Dissertação de Mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Tavares Silva, F. C. (2003). As relações entre ensino, aprendizagem e deficiência mental desenhando a cultura escolar. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, São Paulo. Xavier, E. C. C. (2003). Mais falares de inclusão: diferenças ou repetições. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Tijiboy, A. V. (2001). Apropriação das novas tecnologias de informação e comunicação no desenvolvimento de pessoa com paralisia cerebral. Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Tini, J. R. (2004). Ensino por modelação de discriminações condicionais envolvendo diferentes estruturas de treino e formação de classes de equivalentes. Dissertação de Yano, A. M. M. (2003). As práticas de educação em famílias de crianças com paralisia cerebral diplégica espática e com desenvolvimento típico pertencentes a camadas populares da cidade de Salvador. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Yoshico, T. K. (1994). Pesquisa do sítio frágil no cromossomo X (Fraxa) em pacientes do sexo masculino, portadores de fissura de palato. Dissertação de Mestrado, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. Botucatu, SP. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274 273 Recebido em: 12/03/2007 Revisado em: 02/10/2007 Aprovado em 17/01/2008 Sobre as autoras Alexandra Ayach Anache ([email protected]) – Professora Doutora do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campo Grande – MS. Albertina Martinez Mitjáns ([email protected]) - Professora Doutora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília – Brasília – DF. Notas das autoras 1 Acessamos a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações nos dias: 6, 7 e 8 dez. 2005, 7 mar., 7 jun. e 21 e 23 set. 2006. Ginzburg (1989) discutiu um paradigma de natureza indiciária, fundamentado na Semiótica, valorizando o aspecto singular, assinalando a importância dos pormenores negligenciáveis no estudo dos fenômenos. Esses argumentos são apoiados nas formas de conhecimento do perito de arte, do detetive e do psicanalista. Nos três tipos de conhecimento, há posturas equivalentes de análise, orientadas para signos (na arte), indícios (na investigação do detetive) e sintomas (na psicanálise). Para maiores aprofundamentos, consultar: GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 2 274 Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns Processos perceptuais e cognitivos na leitura de palavras: propriedades dos movimentos oculares Processos perceptuais e cognitivos na leitura de palavras Elizeu Coutinho de Macedo Katerina Lukasova Juliana Emy Yokomizo Lívia Carolina Ariente Juliana Koakutu José Salomão Schwartzman Resumo A análise do padrão do movimento ocular auxilia discriminar leitores competentes daqueles com dificuldades de leitura. O padrão de leitura dos movimentos oculares é afetado por propriedades psicolingüísticas da palavra, tais como: comprimento, regularidade, freqüência e lexicalidade O objetivo do presente estudo foi analisar o padrão de movimentos oculares durante a leitura em português do Brasil e compará-lo com resultados de estudos de outras línguas. Os movimentos oculares durante a leitura de palavras e pseudopalavras foram analisados em 20 universitários com idade média de 20,5 anos (DP=2,9). Os resultados indicam que o número de fixações, tempo da primeira fixação e tempo total das fixações foram influenciados pelas variáveis, comprimento, lexicalidade e freqüência dos itens. Foi observado efeito de regularidade para todas as variáveis, exceto naquela do número de fixações. Os resultados obtidos foram semelhantes àqueles encontrados em outras línguas com predomínio de palavras regulares, mas não de palavras irregulares, como o inglês. Palavras-chave: leitura; movimentos oculares; linguagem; avaliação. Perceptual and cognitive processes in word reading: eye movement characteristics Abstract Analyses of eye movement’s pattern contribute significantly to the discrimination between good and poor readers. The pattern of eye movements during reading is affected by psycholinguistic properties of words such as: length, regularity, and frequency. The objective of the present study was to analyze eye movements during words and non-words reading in Brazilian Portuguese and compare the results with the data from other languages. Eye movements during the words and non-words reading were recorded from 20 university students with the mean age of 20.5 years (SD=2.9). Results showed significant effect of word length, regularity and frequency on number of fixations, first fixation duration and gaze duration. Regularity showed effect on all of the variables except on number of fixations. The results are similar to those found in languages with predominantly regular orthographies, but not with the irregular ones such as English. Keywords: reading; eye movements; language; measurement. Procesos perceptivos y cognitivos en la lectura de palabras: propiedades de los movimientos oculares Resumen El análisis del padrón del movimiento ocular ayuda a discriminar lectores competentes de aquellos con dificultades de lectura. El padrón de lectura de los movimientos oculares es afectado por propiedades psico-lingüísticas de la palabra, como por ejemplo: extensión, regularidad, frecuencia y lexicalidad. El objetivo de este estudio fue analizar el padrón de movimientos oculares durante la lectura en portugués del Brasil y compararlo con resultados de estudios de otros idiomas. Durante la lectura, los movimientos oculares de palabras y pseudo-palabras fueron analizados en 20 universitarios con un promedio de edad de 20,5 años (DP=2,9). Los resultados indican que el número de fijaciones, tiempo de la primera fijación y tiempo total de las fijaciones fueron influenciados por las variables extensión, lexicalidad y frecuencia de los ítems. Fue observado efecto de regularidad para todas las variables, excepto en aquella del número de fijaciones. Los resultados obtenidos fueron semejantes a los encontrados en otros idiomas con predominancia de palabras regulares pero no de palabras irregulares, como el inglés. Palabras clave: lectura; movimientos oculares; lenguaje; evaluación. 275 Introdução Avaliações padronizadas de desempenhos comportamentais durante a leitura produziram uma extensa literatura sobre o reconhecimento de palavras. Tipicamente, nestes estudos, têm sido usadas medidas de tempo de reação em tarefas de decisão lexical (Balota & Chumbley, 1984), provas de categorização semântica (Balota, 1990), nomeação de palavras (Macedo, 1999; Pulvermüller, Assadollahi & Thomas, 2001) e leitura auto-monitorada (Kello & Plaut, 2003). O registro de movimento ocular tem sido usado em diferentes paradigmas como nas provas de leitura de palavras isoladas (Blanchard, Pollatsek & Rayner, 1989), nos textos dinâmicos em que as palavras são precedidas ou seguidas de uma máscara (Sereno & Rayner, 1992) e na apresentação de sentença (McConkie & Rayner, 1975). As principais propriedades do movimento ocular, analisadas nos estudos de leitura são as fixações e os movimentos sacádicos. As fixações são breves períodos de tempo durante os quais o olho permanece examinando uma pequena área do estímulo. O movimento que o olho executa para a área de fixação é chamado de sacada. A função principal da fixação é analisar detalhadamente o texto no campo foveal, onde a informação é mais facilmente passível de ser obtida, ao contrário das regiões parafoveal e periférica (Rayner, 1998). Durante a leitura, os movimentos sacádicos e fixações adquirem um determinado padrão que difere do observado em outros tipos de tarefas como no processamento de paisagens ou objetos (Boyce & Pollatsek, 1992), mas semelhante ao de leitura de partitura musical (Land, 2004). Embora a leitura pareça ser um processo fluido e contínuo, na realidade não o é. As fixações acontecem somente sobre algumas palavras do texto, sendo que as palavras curtas com 2 a 3 letras são geralmente omitidas, enquanto que as maiores podem ser fixadas mais de uma vez (Rayner, 1998). Embora nem todas as palavras sejam fixadas, todas recebem algum tipo de processamento visual, pois se as palavras não-fixadas durante a leitura de uma frase forem excluídas e a frase for apresentada novamente, o texto se tor- nará incompreensível para este leitor (Rayner e cols., 1996). Na leitura de textos em voz alta, a fixação dura cerca de 275 milésimos de segundos e o comprimento médio de sacadas é de 6 letras. No entanto, antes da realização de uma sacada propriamente dita, pode-se identificar um breve período de planejamento, chamado de latência sacádica e dura aproximadamente de 150 a 175 milésimos de segundos (Abrams & Jonides, 1988; Rayner, Slowiazete, Clifton & Bertera, 1983; Salthouse & Ellis, 1980; Salthouse, Ellis, Diener & Sonberg, 1981). A variação na latência afeta a acurácia da localização da sacada ao alvo a ser lido, o que sugere que a programação da sacada é feita em paralelo com o processo de compreensão de leitura (Jacobs, 1987; Nazir & Jacobs, 1991). Nas línguas ocidentais, o movimento ocular durante a leitura normalmente ocorre da esquerda para direita. No entanto, alguns movimentos sacádicos podem ser observados no sentido inverso, ou seja, da direita para a esquerda. Esses tipos de movimentos se chamam sacadas regressivas e acontecem em 10 a 15% de vezes durante a leitura (Starr & Rayner, 2001). Sua função é re-fixar a palavra a fim de uma nova inspeção, sendo que as sacadas curtas numa mesma palavra denotam um problema no posicionamento da fixação, enquanto as longas mostram dificuldade no processamento da palavra. As sacadas regressivas, maiores que dez letras, refletem a dificuldade que o leitor tem na compreensão do conteúdo. Murray e Kennedy (1998) observaram diferença entre bons e maus leitores com relação à precisão das sacadas regressivas. Os bons leitores localizaram a área alvo com poucas sacadas de alta precisão, já os maus leitores apresentaram pequenas sacadas regressivas em busca da área alvo. Millet e Sparrow (2004) mostraram que o processo de leitura em bons leitores se inicia antes mesmo da primeira fixação e não se dá de forma seqüencial. Hyönä e Olson (1995) mostraram que a fixação inicial geralmente acontece na primeira metade da palavra. Caso a palavra seja processada com sucesso, o olho é movido para outra palavra; no caso de insucesso, uma segunda fixação de maior duração 276 Processos perceptuais e cognitivos na... • Elizeu de Macedo, Katerina Lukasova, Juliana Yokomizo, Lívia Ariente, Juliana Koakutu e José Schwartzman é efetuada perto do final da palavra. As informações que são extraídas antes da primeira fixação estão relacionadas com propriedades físicas e lingüísticas tais como comprimento da palavra e freqüência de ocorrência da palavra na língua. O comprimento da palavra determina a localização da primeira fixação e também o número de fixações dentro da palavra (Pollatsek & Rayner, 1982). Bons leitores tendem a ajustar, aumentar ou diminuir a amplitude da sacada de acordo com a amplitude da palavra aumentando a velocidade de leitura (O’Regan, 1980). Em maus leitores, essa capacidade foi encontrada limitada em palavras com mais de cinco letras (MacKeben e cols., 2004). Já a freqüência da palavra é determinada através da contagem de sua ocorrência na forma impressa de uma determinada língua. Assim, palavras de alta freqüência são aquelas com alto índice de ocorrência, sendo mais familiares aos leitores. A maior familiaridade com a palavra assim como a maior previsibilidade contextual, leva à diminuição na duração e no número de fixações (Monaghan & Ellis, 2002; Rayner, 1998). Estudos nos últimos 70 anos mostram que há uma correlação entre o aumento da habilidade de leitura e eficácia no padrão de movimento ocular. O tamanho das sacadas aumenta de acordo com a melhora nas habilidades de leitura, enquanto a duração da fixação, o número de fixações e a freqüência de sacadas regressivas diminuem (Buswell, 1922). McConkie e colaboradores (1991) realizaram estudos na língua inglesa e demonstraram que o comportamento do movimento ocular em crianças apresenta maior variabilidade do que em adultos; no entanto, ambos tendem a normatizar a localização onde o olhar é fixado, dirigindo-o para a parte central da palavra. Essa normatização do padrão de movimentos oculares ocorre com o progresso na aquisição de habilidades de leitura e escrita. O objetivo do presente trabalho foi verificar se o padrão de movimentos oculares durante a leitura de palavras e pseudopalavras de bons leitores da língua portuguesa apresenta as mesmas características já encontradas em outros idiomas. Método Participantes Foram avaliados 20 universitários, sendo metade da cada sexo e com idade média de 20 anos e 6 meses (DP=2,9). Nenhum dos participantes relatou, na entrevista inicial, ter tido dificuldades para aprender a ler e escrever. Também não foram observados problemas de leitura de familiares diretos: pais e irmãos. Os participantes relataram ler em média 6,2 livros por ano. Todos os sujeitos apresentavam visão normal ou corrigida com pontuação acima de 0,8 na escala Snellen. Instrumento e equipamento Foram aplicadas as provas de Leitura de Palavras Isoladas e Leitura de Pseudopalavras. A Prova de Leitura de Palavras é composta por 96 itens, sendo que 72 são palavras-alvo e 24 são palavras para controle do início e fim do registro de movimento ocular. As palavras foram apresentadas em 12 listas de 8 palavras posicionadas em duas colunas de 4 palavras cada. As palavras foram selecionadas em função das seguintes variáveis psicolíngüísticas: freqüência, regularidade e tamanho. A freqüência foi obtida a partir da lista de freqüência de palavras da Associação Brasileira de Dislexia (ABD) e aferidas com as do Corpus NILC da Universidade de São Carlos (www.linguateca.pt). Com relação à regularidade, as palavras foram classificadas como: regulares, regras e irregulares. Nas palavras regulares, cada letra corresponde a apenas um som e vice-versa (por exemplo, a palavra pata); nas palavras do tipo regra, a correspondência letra-som é regulada por regras de posição (por exemplo, a palavra casa, em que a letra soa como /z/ porque está entre duas vogais); e nas irregulares a correspondência não segue regra alguma, sendo a leitura totalmente arbitrária (por exemplo, a palavra exército, em que a letra x soa como /z/) (Lemle, 1991). Por fim, o comprimento foi analisado da seguinte forma: palavras curtas de 3 a 5 letras; médias de 6 a 8 letras e longas de 10 a 14 letras. Assim, a lista final das palavras alvo (72) contém: 24 palavras regulares, 24 irregulares e 24 regra, sendo 12 de cada uma delas de alta e 12 de Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 275-283 277 baixa freqüência. Destas, 4 são curtas, 4 médias e 4 longas. A Prova de Leitura de Pseudopalavras é composta por 48 palavras, sendo que 36 são palavras-alvo e 12 para controle. A disposição dos itens foi a mesma da Lista de Palavras. As pseudopalavras foram criadas a partir das palavras de alta freqüência na lista de prova de palavras isoladas com as seguintes modificações: para as palavras curtas foi modificada uma letra, para as médias duas e, para as longas três letras. Foram modificadas preferencialmente as consoantes, sendo a substituição feita dentro de mesmo grupo sonoro (Russo & Behlau, 1993), sem alterar as demais variáveis psicolingüísticas. As listas foram apresentadas na tela de um computador, com o equipamento EyeGaze® desenvolvido pela LC Technologies Inc. e registra os movimentos oculares. O programa Trace-CronoFonos 1.0 (Macedo, Lukasova, Capovilla, Capovilla & Schwartzman, 2005) foi usado para análise dos parâmetros de movimentos oculares e para criação de tabelas com os seguintes dados: localização e duração de fixações, tempo de início da cada fixação e duração das sacadas. O programa também registra, em tempo real, as locuções produzidas pelos leitores durante a avaliação. Procedimento Inicialmente foram conduzidas entrevistas para verificar hábitos de leitura e histórico de possíveis dificuldades de aprendizagem. Os sujeitos que leram pelo menos 5 livros no último ano e sem histórico familiar de problemas de leitura, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo comitê da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em seguida foram submetidos aos testes de leitura no computador. As avaliações tiveram duração média de vinte minutos. As aplicações foram individuais e cada sujeito era posicionado a uma distância de 50 centímetros da tela do computador. Foi usada uma mesa oftalmológica (LF-M4 da DFV S/A) com apoio da cabeça e uma queixeira a fim de evitar movimentos amplos de cabeça. O equipamento foi calibrado para cada sujeito. A apresentação dos estímulos foi feita de forma automática, com o tempo de exposição dependente do desempenho do próprio sujeito. A fim de controlar a posição inicial do olho e indicar o aparecimento de uma nova tela, um ponto intermitente era apresentado, entre as listas de palavras, no canto superior esquerdo da tela por 800 milésimos de segundos. Resultados Os movimentos oculares durante a leitura dos itens foram analisados em função das seguintes variáveis psicolingüísticas: lexicalidade-frequência (alta freqüência, baixa freqüência e pseudopalavra), comprimento (curta, média e longa) e regularidade (regular, regra e irregular). As variáveis dependentes analisadas foram: Número de Fixações (NF), Tempo da Primeira Fixação na palavra (TPF) e Tempo de Fixação Total na palavra (TFT). ANOVA de medidas repetidas revelou efeito principal para lexicalidade-freqüência no NF (F[2,38]=83,658; p<0,000). Análises Post Hoc (Bonferroni) revelaram diferença entre os tipos de palavras, sendo que o NF nas palavras de alta freqüência foi menor do que palavras de baixa freqüência, e estas menores do que as pseudopalavras. Diferença significativa foi encontrada também para TPF (F[2,38]=138,25; p<0,000), com média crescente na seguinte ordem: palavras de alta freqüência; baixa freqüência e pseudopalavras. O mesmo padrão foi encontrado para TFT (F[2,38]=207,64; p<0,000) com tempo total de fixação crescente pelas categorias: alta freqüência; baixa freqüência e pseudopalavras. A Tabela 1 sumariza os valores médios e desvio-padrão dos valores obtidos em função da lexicalidadefreqüência. O efeito de comprimento também foi analisado através de ANOVA de medidas repetidas. Resultados mostram que o NF variou nos três grupos, tanto para as palavras (F[2,38]=247,32; p<0,000) quanto para as pseudopalavras (F[2,38]=222,05; p<0,000). As médias de NF seguem uma curva crescente para os dois testes na seguinte ordem: curta, média e longa. O TPF variou tanto para o comprimento como para as palavras (F[2,38]=24,39; 278 Processos perceptuais e cognitivos na... • Elizeu de Macedo, Katerina Lukasova, Juliana Yokomizo, Lívia Ariente, Juliana Koakutu e José Schwartzman Tabela 1. Valores de média e desvio-padrão para Número de Fixação (NF), Tempo da Primeira Fixação (TPF) e Tempo de Fixação Total (TFT) em milésimos de segundos em função da lexicalidadefreqüência. Comparações Bonferroni: a) Palavras de Alta freqüência versus Palavras de Baixa; b) Palavras de Alta freqüência versus Pseudopalavras; c) Palavras de Baixa freqüência versus Pseudopalavras. p<0,000) quanto para as pseudopalavras (F[2,38]=10,41; p<0,000). No entanto, análises Pos Hoc indicaram não haver diferença entre os itens de comprimento curto e médio para nenhum dos dois tipos de itens. De maneira similar, foi observada diferença significativa no TFT em função do comprimento tanto para as palavras (F[2,38]=169,4; p<0,000) quanto para as pseudopalavras (F[2,38]=173,75; p<0,000). Como no caso de NF, as médias de TFT seguem uma curva crescente. A Tabela 2 apresenta os valores dos três parâmetros dos movimentos oculares em função do comprimento para as palavras e pseudopalavras. A Figura 1 ilustra os traçados dos movimentos oculares de um mesmo sujeito lendo palavras e pseudopalavras. Os traços retos ilustram os movimentos sacádicos, e os círculos as fixações. A duração das fixações é proporcional ao diâmetro dos círculos. O efeito de regularidade também foi analisado por meio de ANOVA de medidas repetidas. O NF não foi Tabela 2. Valores de média e desvio-padrão para Número de Fixação (NF), Tempo da Primeira Fixação (TPF) e Tempo de Fixação Total (TFT) em milésimos de segundos em função do comprimento e do tipo do item: palavras e pseudopalavras Comparações Bonferroni: a) itens curtos versus médio; b) itens curtos versus longo; c) itens médios versus longo. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 275-283 279 Figura 1. Traçados dos movimentos oculares durante a leitura da lista de palavras (esquerda) e de pseudopalavras (direita) afetado pela regularidade dos itens. Foram observadas diferenças significativas tanto para o TPF (F[2,38]=4,148; p=0,023) quanto para o TFT (F[2,38]=10,642; p=0,000). Tais diferenças podem ser atribuídas principalmente aos itens irregulares que demandaram mais tempo para as fixações. A Tabela 3 apresenta os valores de média e desvio-padrão para os parâmetros de movimentos oculares em função da regularidade dos itens. Discussão Os resultados gerais obtidos nesse estudo inédito no Brasil e em língua portuguesa podem ser comparados com aqueles já encontrados em outras línguas e países. Assim, o tempo da primeira fixação e tempo de fixação total aumentou de acordo com a familiaridade do leitor com a palavra, sendo este mais curto nas palavras de alta freqüência e mais longo nas pseudopalavras. Aumento do tempo indica que o movimento ocular durante a leitura em português, como seria de esperar, também sofre efeito de freqüência encontrado em outras línguas (Rayner, 1998). O tempo da primeira fixação reflete o acesso lexical, já o tempo de fixação total representa processo de integração contextual (Inhoff, 1984). De acordo com Sereno e Rayner (2003), a informação visual começa a ser processada 60 milésimos de segundos após o início da primeira fixação e o acesso lexical ocorre dentro dos primeiros 100 a 200 milésimo de segundos da fixação. Na ausência de um contexto, como foi o caso do presente estudo, pode se presumir que o tempo de fixação total reflete o processamento lexical e se- Tabela 3. Valores de média e desvio padrão para Número de Fixação (NF), Tempo da Primeira Fixação (TPF) e Tempo de Fixação Total (TFT) em milésimos de segundos em função da regularidade Comparações Bonferroni: a) regulares versus regra, b) regulares versus irregular, c) regra versus irregular. 280 Processos perceptuais e cognitivos na... • Elizeu de Macedo, Katerina Lukasova, Juliana Yokomizo, Lívia Ariente, Juliana Koakutu e José Schwartzman mântico integrando também o tempo da vocalização de palavra. Com base nestes dados, algumas hipóteses podem ser levantadas acerca dos resultados encontrados. No presente estudo, as palavras curtas freqüentemente receberam somente uma única fixação, com duração média de 540 milésimos de segundos. A primeira fixação em palavras curtas possibilitaria o acesso ao léxico ortográfico e a verbalização ocorreria de forma simultânea. Já nas palavras longas o tempo da primeira fixação diminuiu para 390 milésimos de segundos. Como na primeira fixação o acesso ao léxico ainda não seria suficiente para obter toda a informação necessária, o tempo diminui e o leitor apresenta outras fixações a fim de garantir a continuidade da decodificação da palavra (Sereno & Rayner, 2003). Os resultados de tempo total de fixação, encontrados em universitários brasileiros, diferiram consideravelmente dos estudos em língua inglesa (Starr & Rayner, 2001). O tempo de fixação em língua inglesa dura aproximadamente 275 milésimos de segundos, enquanto os dados deste estudo variaram entre 300-800 ms. Essa diferença pode ser explicada em função de duas hipóteses: características distintas das línguas ou procedimentos diferentes nos estudos. Assim, a primeira hipótese poderia ser fortalecida pelo tamanho médio das palavras diferentes nas línguas ou do grau de transparência das línguas, sendo que a língua inglesa é composta de muito mais palavras irregulares do que a portuguesa. A alta incidência de ocorrência de palavras irregulares na língua inglesa tenderia a ser lida pela rota lexical (Ellis, 1993) enquanto que as palavras em português poderiam ser adequadamente lidas pela rota fonológica que é mais lenta. Outra hipótese diz respeito à diferença entre os tipos de provas usadas. Enquanto que os estudos ingleses analisam o tempo de fixação durante a leitura de textos, no presente estudo foram apresentadas palavras isoladas. A leitura de um texto pode ser facilitada devido ao contexto em que cada palavra está inserida (Rayner, Reichle & Pollatsek, 2005), sendo possível deduzi-la e comprovar essa dedução mais rapidamente do que em palavras aleatórias, tal como as usadas neste estudo. O número de fixações aumentou, como esperado, de acordo com o comprimento da palavra. Assim, quanto mais letras uma palavra tem, mais fixações são necessárias para sua leitura. Como em cada fixação é possível extrair a informação de um conjunto limitado de letras, palavras maiores demandarão mais fixações. Assim, tais resultados podem ser explicados em funções das características do span perceptual durante a leitura que, segundo Rayner e colaboradores (2005), é de aproximadamente 3 a 4 letras em bons leitores de língua inglesa. Desta forma, como as palavras longas tinham de 10 a 14 letras, mais fixações foram necessárias. A redução do span perceptual foi encontrada em leitores de línguas cuja ortografia é compacta, tais como Hebraico e Chinês (Rayner e cols., 2005). Por fim, não foram observadas alterações no número de fixações com relação à regularidade dos itens. Tal ausência de efeito pode ser explicada pelo fato dos sujeitos serem todos universitários e com bom nível de leitura. De fato, o efeito de regularidade tem sido encontrado, para medidas de tempo de reação locucional, principalmente em crianças em fase inicial de alfabetização e diminuindo à medida que ocorre progresso nas séries escolares (Macedo, 1999; Pinheiro, 1995). Já as variáveis TTF e TPF apresentaram diferença entre palavras regra e irregulares. Estas duas variáveis de parâmetros de movimentos oculares parecem ser mais sensíveis ao efeito de regularidade do que aquelas de tempo de reação. Assim, o este estudo apresentou medidas de movimentos oculares como sendo mais sensíveis para o efeito de regularidade. Para concluir, as propriedades de movimento ocular, durante leitura em português do Brasil, sofrem efeito de freqüência e tamanho das palavras apresentadas para leitura o que é condizente com os achados em outras línguas. O procedimento usado no presente estudo foi de leitura de palavra isolada e isto pode ter contribuído com o maior tempo de fixação e tempo total encontrado em leitores brasileiros. Novos estudos que apresentem textos, em vez de palavras isoladas, podem encontrar resultados similares àqueles verificados em outros idiomas. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 275-283 281 Referências Abrams, R. A., & Jonides, J. (1988). Programming saccadic eye movements. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 14, 428-443. Macedo, E. C., Lukasova, K., Capovilla, F. C, Capovilla, A. G. S., & Schwartzman, J. S. (2005). Movimentos oculares durante a leitura: implicações para a compreensão de modelos de processamento lingüístico. Em L. E. R. Valle. (Org.), Neuropsicologia e aprendizagem: para viver melhor. (pp. 125137). Ribeirão Preto: TecMedd. Balota, D. A. (1990). The role of meaning in word recognition. Em D. A Balota, G. B. Flores D’Arcais & K. Rayner (Orgs.), Comprehension Processes in Reading (pp. 9-32). Hillsdale, NJ. Lawrence Erlbaum Associates. MacKeben, M., Trauzettel-Klosinski, S., Reinhard, J., Dürrwächater, U., Adler, M., & Klosinski, G. (2004). Eye movement control during single-word reading in dyslexics. Journal of Vision, 4, 388-402. Balota, D. A., & Chumbley, J. I. (1984). Are lexical decisions a good measure of lexical access? The role of word frequency in the neglected decision stage. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 10, 340-57. McConkie, G. W., & Rayner, K. (1975). The span of the effective stimulus during an eye fixation in reading. Perception and Psychophysics, 17, 578-586. Blanchard, H. E., Pollatsek, A., & Rayner, K. (1989). The acquisition of parafoveal word information in reading. Perception & Psychophys, 46, 85-94. McConkie, G. W., Zola, D., Grimes, J., Kerr, P. W., Bryant, N. R., & Wolff, P. M. (1991). Children´s eye movements during reading. Em J. F. Stein (Org.), Vision and visual dyslexia (pp. 251262). London: MacMillan Press. Boyce, S. J., & Pollatsek, A. (1992). Identification in objects in scenes: the role of scene backround in object naming. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory and Cognition, 18, 531-543. Millet, S., & Sparrow, L. (2004). Phonological codes are assembled before word fixation: evidence from boundary paradigm in sentence reading. Brain and Language, 90, 299-310. Buswell, G. T. (1922). Fundamental reading habits: A study of their development. Chicago, IL: University of Chicago Press Monaghan, J., & Ellis, A. W. (2002). Age of acquisition and the completeness of phonological representations, Reading and Writing, 15, 759-788. Ellis, A. W. (1993). Reading, writing and dyslexia: A cognitive analysis. Hove, UK: Lawewnce Erlbaum Associates. Hyönä, J., & Olson, R. K. (1995). Eye fixation patterns among dyslexic and normal readers: effects of word length and word frequency. Journal of Experimental Psychology, 21, 1430-1440. Inhoff, A. W. (1984). Two stages of word processing during eye fixations in the reading of prose. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 23, 612-624. Jacobs, A. M. (1987). On localization and saccade programming. Vision Research, 27, 1953-1966. Kello, C. T., & Plaut, D. C. (2003). Strategic control over rate of processing in word reading: a computational investigation. Journal of Memory and. Language, 48, 207-232. Land, M. F. (2004). Eye movements in daily life. Em L. M. Chalupa & J. S. Werner (Orgs.), The visual neurosciences (pp.1357-1368). Cambridge: The MIT Press. Lemle, F. (1991). Guia teórico do alfabetizador. São Paulo: Ática. Macedo, E. C. (1999) Competência de leitura: Tecnologia na avaliação de leitura em voz alta, por crianças e adultos, de itens psicolingüísticos isolados. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo. Murray, W. S, & Kennedy, A. (1988). Spatial coding in the processing of anaphor by good and poor readers: evidence from eye movement analyses. Quarterly Journal of Experimental Psychology, 40A, 693-718. Nazir, T. A., & Jacobs, A. M. (1991). The effects of target discriminability and retinal eccentricity on saccade latencies: An analysis in terms of variable-criterion theory. Psychological Research, 53, 281-289. O’Regan, J. K. (1980). The control of saccade size and fixation duration in reading: The limits of linguistic control. Perception & Psychophysics, 28, 112-117. Pinheiro, A. M. V. (1995). Reading and spelling development in Brazilian Portuguese. Reading and Writing, 7(1), 111-138. Pollatsek, A., & Rayner, K. (1982). Eye movement control in reading: the role of word boundaries. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 8, 817-833. Pulvermüller, F., Assadollahi, R., & Thomas, E. (2001). Neuromagnetic evidence for early semantic access in word recognition. European Journal of Neuroscience, 13, 201-205. 282 Processos perceptuais e cognitivos na... • Elizeu de Macedo, Katerina Lukasova, Juliana Yokomizo, Lívia Ariente, Juliana Koakutu e José Schwartzman Rayner, K. (1998). Eye movements in reading and information processing: 20 years of research. Psychological Bulletin, 124, 372-422. Rayner, K., Sereno, S. C., & Raney, G. E. (1996). Eye movement control in reading: a comparison of two types of models. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 22(5), 1188-1200. Rayner, K., Slowiaczek, M. L., Clifton, C., & Bertera, J. H. (1983). Latency of sequential eye movements: Implications for reading. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 9, 912-922. Rayner, K., Reichle, E. D., & Pollatsek, A. (2005). Eye movement control in reading and the E-Z Reader model. Em G. Underwood (Ed.), Cognitive processes in eye guidance (pp. 131-162). Nova York: Oxford University Press. Salthouse, T. A., & Ellis, C. L. (1980). Determinants of eye-fixation duration. American Journal of Psychology, 93, 207-234. Salthouse, T. A., Ellis, C. L., Diener, D. C., & Sonberg, B. L. (1981). Stimulus processing during eye fixations. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 7, 611-623. Sereno, S. C., & Rayner, K. (1992). Fast priming during eye fixations in reading. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 18, 173-184. Sereno, S. C., & Rayner, K. (2003). Measuring word recognition in reading: eye movements and event-related potentials. Trends in Cognitive Sciences, 7, 489-493. Starr, M. S., & Rayner, K. (2001). Eye movements during reading: some current controversies. Trends in Cognitive Sciences, 5, 156-163. Russo, I., & Behlau, M. (1993) Percepção da fala: análise acústica do Português Brasileiro. São Paulo: Lovise. Recebido em: 26/10/2006 Revisado em: 30/10//2007 Aprovado em: 05/11//2007 Sobre os autores Elizeu Coutinho de Macedo ([email protected]) - Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo e Docente da Faculdade de Psicologia e Programa de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Katerina Lukasova - Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie e docente da Faculdade de Psicologia, Universidade Cruzeiro do Sul. Juliana Emy Yokomizo - Aluna de graduação de Faculdade de Psicologia, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Lívia Carolina Ariente - Aluna de graduação de Faculdade de Psicologia, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Juliana Koakutu - Aluna de graduação de Faculdade de Psicologia, Universidade Presbiteriana Mackenzie. José Salomão Schwartzman - Doutor em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo e Docente da Faculdade de Psicologia e Programa de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Correspondência: Elizeu Coutinho de Macedo ([email protected]) Rua da Consolação, 876; Prédio Amantino Vassão, sala 62 – CEP: 01302-907 Apoio: Mackpesquisa, CNPq Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 275-283 283 Escala de atitudes frente à escola: validade fatorial e consistência interna Medindo Atitudes Frente à Escola Patrícia Nunes da Fonseca Valdiney V. Gouveia Rildésia S. V. Gouveia Carlos Eduardo Pimentel Emerson Diógenes de Medeiros Resumo Esta pesquisa objetivou adaptar a Escala de Atitudes frente à Escola (EAE), reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna. Realizaramse dois estudos em João Pessoa. No Estudo 1 participaram 242 estudantes, a maioria de escolas particulares (53,7%) e do sexo feminino (57,7%), com idade média de 14,3. No Estudo 2 participaram 249 estudantes, predominando aqueles de escolas particulares (51%) e do sexo feminino (54,6%), com idade média de 14,6. Nos dois estudos, os participantes responderam a EAE e perguntas demográficas. No primeiro estudo, realizou-se uma análise de Componentes Principais em que se observou a existência de um fator, explicando 33,9% da variância total (α= 0,73). No segundo estudo, comprovou-se através da análise fatorial confirmatória que este modelo unifatorial era aceitável (AGFI = 0,90 e RMSEA = 0,08), com α= 0,70. Concluiu-se que esta medida pode ser empregada adequadamente em pesquisas no contexto em que foi adaptada. Palavras-chave: atitudes; escolas; estudantes. School attitudes scale: factor validity and reliability Abstract This research aimed at adapting the School Attitudes Scale (SAS), jointing evidences of its validity factor and reliability. Two studies were performed in João Pessoa (Paraíba). In Study 1 participants were 242 students, most of them from private schools (53.7%) and female (57.7%), with a mean age of 14.3 years old. In Study 2 participated 249 students, predominantly from private schools (51%) and female (54.6%), with a mean age of 14.6 years old. Participants answered the SAS and demographic questions in both studies. In the first study, a Principal Component analysis indicated a unidimensional structure, accounting for 33.9% of the total variance (α= .73). In the second study, a confirmatory factor analysis revealed as acceptable the one-factor model (AGFI = .90, and RMSEA = .08), with reliability of .70. It was concluded that this measure can be adequately used in researches in the context where it was adapted. Keywords: attitudes; schools; students. Escala de actitudes frente a la escuela: validez factorial y consistencia interna Resumen Esta investigación tuvo como objetivo adaptar la Escala de Atitudes frente à Escola (EAE), reuniendo evidencias de su validez factorial y consistencia interna. Se realizaron dos estudios en João Pessoa. En el estudio 1 participaron 242 estudiantes, la mayoría de escuelas privadas (53,7%) y del sexo femenino (57,7%), con edad promedio de 14,3. En el Estudio 2 participaron 249 estudiantes, predominando los de escuelas privadas (51%) y del sexo femenino (54,6%), con edad promedio de 14,6. En los dos estudios los participantes respondieron la EAE y preguntas demográficas. En el primer estudio se realizó un análisis de Componentes Principales en el cual se observó la existencia de un factor explicando 33,9% de la variancia total (α= 0,73). En el segundo estudio se comprobó, por medio del análisis factorial confirmatorio, que este modelo unifactorial era aceptable (AGFI = 0,90 y RMSEA = 0,08), con α= 0,70. Se concluyó que esta medida puede ser empleada adecuadamente en investigaciones en el contexto para el cual fue adaptada. Palabras clave: actitudes; escuelas; estudiantes. 285 Introdução Em todas as culturas há sistemas organizados, de maior ou menor complexidade, que preparam os jovens para sua incorporação à sociedade. Entretanto, nas sociedades industriais desenvolvidas, as escolas são, por excelência, a instituição encarregada de transmitir conhecimentos, normas e valores da cultura, fontes basilares para o desenvolvimento adequado do jovem e da sua inserção à sociedade (Moreno & Cubero, 1995). De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB, 1996), a escola deve ter por finalidade desenvolver as competências dos alunos a fim de que os mesmos sejam capazes de refletir e intervir na realidade social, de forma a exercer ativamente sua cidadania. Por conseguinte, é na escola que a criança e os adolescentes constroem um conjunto de crenças sobre a sociedade, o contexto escolar, a relação professor – aluno e o processo de ensino-aprendizagem que irão subsidiar suas atitudes. Na atualidade, Cavaliere (2002) aponta que a escola têm sido incumbida de assumir responsabilidades e compromissos educacionais bem mais amplos do que tradicionalmente o fez. Nestes casos, observa-se uma incorporação de responsabilidades que não são típicas da escola, mas que tem sido desenvolvida no contexto escolar. Aqui, incluem-se atividades relacionadas à higiene, à saúde, à alimentação e aos hábitos primários (por exemplo, lavar a mão, tomar banho, escovar os dentes). Além disso, constata-se, em grande parcela do alunado, uma dependência afetiva que faz dos professores pessoas de referência. Se tudo isto não bastasse, a escola ainda parece ter a incumbência, quase que exclusiva, de instruir os alunos na sua formação moral, pois, conforme Tiba (2002), os pais não estão cumprindo com o seu papel primordial de educar. Esta situação fica patente quando se observam jovens com problemas de disciplina nas escolas ou ajustamento escolar, realidade cada dia mais corrente (Garcia, 1999). A propósito, Couto (2005) ressalta que 80% dos casos de alunos que apresentam comportamentos violentos na escola advém de problemas familiares, principalmente em virtude da falta de 286 estrutura familiar adequada e da ausência de imposição de limites aos filhos. Diante deste panorama, Cavaliere (2002) enfatiza que está havendo a ampliação do papel da escola, não por uma escolha político-educacional deliberada, mas por uma imposição da realidade social. Desta forma, a escola tem se tornado uma estrutura organizacional de grande importância na vida do estudante, a ponto de oferecer a base necessária para a formação acadêmica, afetiva e social. Não é de surpreender ao se constatar a fertilidade de pesquisas que abordam o contexto escolar como objeto de estudo. Na Psicologia do Desenvolvimento e na Psicologia Escolar/Educacional, os temas têm sido tratados sob diversos ângulos tais como: indisciplina (Couto, 2005; Garcia, 1999), dificuldade de aprendizagem (Oliveira & Santos, 2005; Suehiro, 2006), estratégias de leitura (Capovilla, Capovilla & Suiter, 2004), afetividade (Mahoney & Almeida, 2005) e estilos de ensino (Cruz, Aguiar & Barros, 2004). Na Psicologia Social, os estudos que têm o ambiente escolar como tema central são mais restritos e consideram predominantemente, por exemplo, as relações professor – aluno (Dell Prette, Dell Prette, Garcia & Puntel, 1998), o ajustamento social e escolar (Conduct Problems Prevention Research Group, 1997; Sharma, Mcgue & Benson, 1996; Sisto & Pacheco, 2002), as atitudes dos estudantes frente a uma determinada disciplina (Silva, Brito, Cazorla & Vendramini, 2002) e a influência do grupo na formação do jovem (Emílio, 2004). Como uma instituição composta de uma diversidade de pessoas (diretores, supervisores, psicólogos, assistentes sociais, professores, alunos, serventes, etc.) que pensam, relacionam-se e influenciam-se mutuamente, a escola pode ser compreendida como um sistema social complexo. Nesta, entretanto, os depositários de todos os esforços precisam ser os alunos, atores transitórios que precisam se ajustar às regras ali definidas com o fim de avançar no sistema formal de ensino e ter possibilidades de um futuro melhor. Isso poderá depender, no entanto, de como os estudantes percebem ou reagem à escola, isto é, suas atitudes (Cheng & Chan, 2003). Conhecer as atitudes que os estudantes apresentam frente à escola deveria contribuir para um melhor entendimento de alguns dos comportamentos Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros presentes neste contexto educacional (por exemplo, agressão, altruísmo, entrosamento, desajustamento escolar, fracasso escolar). O estudo das atitudes no contexto educacional O estudo das atitudes há muito ocupa os psicólogos, tendo em vista este construto se relacionar diretamente com o comportamento, objeto último do seu interesse. Rodrigues (1994) define as atitudes como um conjunto das crenças, sentimentos e tendências comportamentais das pessoas frente a um determinado objeto. Em certa medida, elas determinam como as pessoas tomam uma posição frente aos outros, a algum acontecimento ou objeto específico. Segundo Myers (2000), as atitudes constituem um meio eficiente de avaliar o mundo, pois abrangem três dimensões: afeto (sentimentos), cognição (pensamentos) e comportamento (intenção), constituindo-se poderosos preditoras do comportamento. As pesquisas sobre as atitudes no contexto escolar têm sido bastante diversificadas. Por exemplo, Silva e colaboradores (2002) procuraram verificar se as atitudes em relação à estatística poderiam estar correlacionadas com aquelas frente à matemática. Com outro enfoque, Colares e colaboradores (2002) visaram construir uma medida em que fosse possível conhecer as atitudes dos estudantes de Medicina frente a elementos relevantes ao exercício de sua profissão futura, como aspectos psicológicos e emocionais presentes nas doenças orgânicas e mentais, situações relacionadas à morte, atenção primária à saúde, doença mental e contribuição ao avanço científico da Medicina. De certo modo, pesquisas como estas vêm mostrar um novo foco de interesse na área escolar ou da educação. Por mais de vinte anos estas estiveram voltadas, predominantemente, em abordar o desempenho acadêmico dos estudantes de uma forma mais objetiva (isto é, notas nos exames escolares), o que atendia ao interesse imediato de pensar e modificar as políticas públicas de educação. Atualmente, entretanto, embora este tema ainda ocupe espaço importante na agenda daqueles que fazem a educação, aspectos mais subjetivos dos estudantes têm recebido cada vez mais destaque, a exemplo da satisfação do estudante com a escola, das experiências vivenciadas e das atitudes apresentadas frente ao contexto escolar (Daly & Defty, 2001), ou mesmo de seus estados emocionais e das variáveis de autopercepção ou eficácia enquanto aluno (Gouveia, Gaião e Barbosa, Gouveia & Barbosa, 2004). Coerente com esta linha de interesse, Willms (2003) constatou, em pesquisa realizada pelo Programa Internacional de Assistência ao Estudante, que os jovens que participavam mais das atividades oferecidas pela escola parecem ter melhor relação com seus colegas e administradores da escola, além de apresentar um bom desempenho acadêmico. Por outro lado, aqueles que apresentam atitudes negativas (por exemplo, agredir colegas), de desafeto com as pessoas inseridas na escola podem, gradualmente, vir a demonstrar comportamentos desajustados (por exemplo, brigas, repetência, envolvimento com drogas). Reforçando este aspecto, Duarte (2004) indica que a falta de envolvimento, interesse e vontade por parte dos jovens refletem seu descompromisso total frente às atividades da escola. Esta situação tem se agravado nos últimos anos e levado um número significativo de jovens a ter problemas com as drogas e de envolvimento em atos de violência no ambiente escolar. Algumas pesquisas têm mostrado que as atitudes positivas dos estudantes em relação à escola compreendem um fator de ajustamento escolar entre os adolescentes, exercendo a função de elemento de proteção quanto à delinqüência e ao uso de substâncias proibidas (Cheng & Chan, 2003; Conduct Problems Prevention Research Group, 1997; Sharma, Mcgue & Benson,1996). Desta feita, parece que as atitudes apresentadas pelos jovens frente à escola podem estar relacionadas a seu ajustamento escolar e, conseqüentemente, ao seu desempenho acadêmico. Apesar de as atitudes frente à escola compreenderem um construto relevante, especialmente no que diz respeito à vida acadêmica do aluno, Cheng e Chan (2003) advertem que as poucas medidas existentes a respeito abordam aspectos específicos e diferentes do fenômeno como: engajamento educacional, aspirações educacionais, satisfação escolar, pertencimento escolar e atitudes escolares. Nenhuma medida prévia Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 285-297 287 foi encontrada que considerasse os múltiplos elementos atitudinais, sejam eles, o cognitivo, o afetivo e o comportamental, que representam as atitudes (Myers 2000; Rodrigues, 1994). Neste contexto, Cheng e Chan (2003) propuseram uma medida que permitisse atender essas carências. Mensuração das atitudes frente à escola Em uma revisão da literatura, dois buscadores foram considerados: Index Psi (2006) e Google Acadêmico (2006), inserindo-se a expressão “atitudes frente à escola”. Como resultado, encontraram-se 15 publicações nacionais; destas, quatorze foram prontamente descartadas por não apresentarem relação com o tema objeto de interesse; e uma única, uma tese de doutorado, dizia respeito à atenção e sua relação com as atitudes de crianças no contexto escolar (Tonelotto, 1998), mas não apresentou qualquer instrumento de medida deste construto. Portanto, parece evidente a não existência de instrumento publicado em que se pretendesse avaliar as atitudes dos estudantes frente à escola no contexto brasileiro. Isso motivou adaptar a School Attitudes Scale (Cheng & Chan, 2003), cujos estudos de elaboração e descrição dos seus parâmetros psicométricos são relatados a seguir. A propósito, realizaram-se dois estudos. Estudo 1. Procurou-se conhecer evidências acerca da estrutura fatorial, consistência interna (Alfa de Cronbach) e validade convergente-discriminante desta medida. 2.105 estudantes do ensino médio de Wanchai (Hong Kong), com idade média de 14,8 anos (DP=1,58), sendo a maioria do sexo feminino (61,7%). Estes responderam a Escala de Atitudes frente à Escola e indicaram, em uma escala de sete pontos, variando de 0 (Nenhuma vez) a 6 (Mais de dez vezes), com que freqüência eles apresentaram alguns comportamentos (por exemplo, gazear aulas, participar de atividades extracurricular) nos últimos três meses. Através da análise fatorial confirmatória, seus autores reuniram provas da adequação desta medida como sendo unifatorial, com saturações variando de 0,50 a 0,67, e índices de ajuste satisfatórios, CFI (Comparative Fit Index)=0,94 e RMSR (Root Mean Square Error of Approximation)=0,068; seu Alfa de Cronbach foi 0,81. Atestando sua validade convergente, esta escala se 288 correlacionou (p<0,001) com estudar junto com colegas (+), participar de atividades extracurricular (+), pegar livros emprestados na biblioteca (+), argumentar com professores desrespeitando-os em público (-) e gazetear aulas (-); e, finalmente, sua validade discriminante se comprovou no sentido de que suas pontuações não se correlacionaram (p>0,05) com brincar no parque e confidenciar segredos aos amigos. Estudo 2. Este teve por objetivos verificar a estabilidade temporal das pontuações desta escala (testereteste) e sua correlação com a medida de desempenho acadêmico. 151 estudantes com idade média de 15 anos (DP=1,92) participaram. O tempo transcorrido entre as duas aplicações foi de duas a quatro semanas. Durante o reteste, os participantes indicavam a percepção de seu desempenho acadêmico em três disciplinas (inglês, chinês e matemática), considerando uma escala de cinco pontos, com três âncoras: 1 = Abaixo da média, 2 = Na média e 3 = Acima da média. As pontuações para estas três “avaliações” foram somadas, produzindo uma medida de percepção de desempenho global, possibilitando comparar os participantes. Sumariamente, a escala demonstrou ter estabilidade temporal (precisão teste-reteste), com correlações variando de 0,73 (intervalo de duas semanas) a 0,68 (intervalo de quatro semanas); as pontuações nesta medida se correlacionaram diretamente com aquela de percepção de desempenho global (r=0,25; p<0,01). Em resumo, os estudos acima descritos permitiram reunir evidências em favor da validade fatorial e convergente-discriminante da Escala de Atitudes frente à Escola, que também mostrou consistência interna e estabilidade temporal aceitável. Apesar destes aspectos favoráveis desta medida, além de contar com a vantagem de ser curta, formada por apenas nove itens, favorecendo seu uso em pesquisa que considera outras medidas e/ou que pretendam comparar culturas (Gosling, Rentfrow & Swann Jr., 2003), nenhum estudo foi encontrado em que esta tivesse sido adaptada ou empregada ao contexto brasileiro. Neste sentido, o presente artigo pretende justamente conhecer evidências de validade fatorial e consistência interna da versão brasileira desta medida. Complementarmente, avalia-se se suas pontuações Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros são influenciadas por variáveis de natureza demográfica (por exemplo, sexo, idade). Para a consecução destes objetivos, decidiu-se realizar dois estudos, descritos a seguir. Estudo 1 – Análise exploratória da escala atitudes frente à escola Este estudo procurou averiguar que estrutura fatorial poderia ser mais adequada para representar a Escala de Atitudes frente à Escola. Neste sentido, deuse ênfase a procedimentos de natureza mais exploratória, chegando à adequação de se realizar uma análise fatorial e checando o número de dimensões que poderiam ser obtidas. Método Participantes Tratou-se de uma amostra de conveniência (nãoprobabilística). 242 estudantes provenientes de escolas particulares (53,7%) e públicas (46,3%) da cidade de João Pessoa, PB participaram voluntariamente. A maioria era do sexo feminino (57,7%), com idades variando entre 11 a 20 anos (M=14,3; DP=1,88). Esta variável foi transformada em faixa etária, com a seguinte distribuição: até 13 anos compreenderam 32,5%, de 14 e 15, 39,56% e, finalmente, com 16 ou mais anos, 28,9%. Com relação à escolaridade, 23,2% e 38,4% cursavam, respectivamente, a sexta e oitava séries do ensino fundamental, e outros 38,4%, o segundo ano do ensino médio. Instrumentos Escala de Atitudes frente à Escola. Este instrumento foi originalmente proposto por Cheng e Chan (2003), sendo previamente detalhados os estudos que o embasaram e os parâmetros psicométricos observados. Compõe-se de nove itens (por exemplo, Sinto que sou parte da escola; A vida escolar é chata e desinteressante), respondidos em escala tipo Likert, de cinco pontos, variando de 1 = Discordo totalmente a 5 = Concordo totalmente. Empregou-se o método de back translation com o fim de criar a versão em português desta medi- da. Neste sentido, inicialmente esta foi traduzida do inglês para o português por um pesquisador bilíngüe, e logo esta versão foi traduzida novamente para o inglês por uma professora do curso de Letras, com habilitação em Língua Inglesa. Seguiu-se, finalmente, a comparação das duas versões em inglês, contando com a colaboração de uma terceira pessoa, também bilíngüe. Nenhuma modificação substancial foi observada, mantendo-se os significados do que se pretendia expressar com cada item. Deste modo, atestou-se a pertinência da versão em português da Escala de Atitudes frente à Escola. Contudo, antes de aplicá-la, procedeu-se à validação semântica. Na oportunidade consideramse 20 estudantes da sexta série do ensino fundamental de uma escola pública. Procurou-se verificar se os itens e o formato da escala de respostas eram compreensíveis. Informações Demográficas. Os participantes também responderam quatro perguntas de natureza demográfica, a saber: idade, sexo, escolaridade e tipo de escola (pública ou privada). Procedimento Os pesquisadores entraram em contato com as direções das escolas escolhidas, por conveniência a fim de obter permissão para aplicar os questionários. Após seu consentimento, a aplicação foi efetuada por dois colaboradores devidamente treinados. As turmas foram escolhidas pelo pesquisador e, conforme a disponibilidade dos professores e do quadro de aulas, a aplicação ia sendo realizada em ambiente coletivo de sala de aula. No caso, os colaboradores se apresentavam e solicitavam a participação dos estudantes no sentido de responderem individualmente o questionário, identificado como pretendendo conhecer como pensavam e agiam no seu dia-a-dia. Indicou-se que a participação seria voluntária, sendo assegurado a todos o anonimato. Deram-se oralmente as instruções gerais de como proceder no preenchimento dos questionários; os colaboradores permaneceram em sala de aula durante toda a coleta, disponibilizando-se a esclarecer eventuais dúvidas dos estudantes. O tempo médio para concluir a participação no estudo foi de aproximadamente 15 minutos. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 285-297 289 Análises de Dados Para a tabulação e as análises estatísticas dos dados foi utilizado o SPSS (versão 13). Estatísticas descritivas (medidas de tendência central e dispersão) foram calculadas e efetuadas análises de Componentes Principais. Neste caso, procurou-se previamente conhecer a adequação de se realizar este tipo de análise, considerando dois critérios: Kaiser-Meyer-Olkim (KMO), que precisa ser de ao menos 0,60 para suportar este tipo de análise, e o Teste de Esfericidade de Bartlett, cujo valor do qui-quadrado necessita ser estatisticamente significativo (Tabachnick & Fidell, 1996). Realizou-se ainda uma análise paralela para averiguar o número de componentes a extrair (O´Connor, 2000). Finalmente, a consistência interna (Alfa de Cronbach) da estrutura resultante foi calculada, e decidiu-se realizar uma ANOVA univariada para conhecer o efeito de variáveis demográficas nas pontuações desta escala. Resultados Inicialmente, comprovou-se a adequação de se realizar uma análise fatorial com a matriz de correlações entre os itens que compõem a medida analisada. Os indicadores observados são favoráveis à realização desta análise visto que as correlações parciais não são suficientemente grandes (KMO=0,79) e pode-se rejeitar a hipótese nula de que a matriz de correlações é de identidade com valores próximos a zero, fora da diagonal [χ²(36)=393,64; p<0,001). Deste modo, com o fim de conhecer o número de dimensões da Escala de Atitudes frente à Escola no contexto brasileiro, decidiu-se efetuar uma análise de Componentes Principais (PC), sem fixar o número de componentes a extrair. Três critérios foram levados em conta: quantidade de valores próprios (eigenvalues) iguais ou superiores a 1 (Critério de Kaiser), distribuição gráfica dos valores próprios, tomando como referência o ponto a partir do qual nenhum outro componente aporta consideravelmente para a estrutura (Critério de Cattell) e análise paralela. Neste caso, tomou-se em conta os parâmetros do banco de dados original, considerando 242 participantes e nove 290 itens/variáveis, realizando 1000 simulações. Adicionalmente, teve-se em conta a interpretabilidade da estrutura resultante. Os resultados destas análises estão sumarizados na Figura 1. Como se pode constatar, dois componentes apresentaram valores próprios que atendem o critério de Kaiser. Especificamente, os componentes tiveram valores próprios de 3,05 e 1,19, respectivamente, explicando conjuntamente 47,1% da variância total. Não obstante, o critério de Cattell não é suficientemente esclarecedor; no caso, podem ser defendidas as estruturas uni e bi-fatorial. Neste contexto, a análise paralela é mais robusta. O primeiro e o segundo componentes gerados aleatoriamente apresentam os valores próprios de 1,31 e 1,20, respectivamente. Este último é superior ao segundo que foi observado na análise PC, corroborando a pertinência de se extrair um único componente. Esta estrutura é coerente com o modelo inicialmente proposto pelos autores da medida considerada, sendo assim defensável. Desta feita, decidiu-se fazer novamente uma PC, atendendo a esta recomendação. Os resultados são mostrados na Tabela 1. De acordo com esta tabela, o componente único solicitado apresentou saturações geralmente acima de |0,40|; a exceção foi o item 7 (Vale a pena ir à escola, mesmo que isso não me ajude a conseguir um emprego), cuja saturação foi 0,27. Contudo, esta corresponde a uma correlação estatisticamente diferente de zero (t=4,34; p<0,001). Portanto, decidiuse não excluí-lo. A estrutura unidimensional observada apresentou valor próprio de 3,05, explicando 33,9% da variância total. Seu índice de consistência interna (Alfa de Cronbach) se situou em 0,73. Conhecendo a estrutura unidimensional deste instrumento, criou-se uma pontuação total (somatório de todos os seus nove itens), permitindo conhecer em que medida os jovens estudantes variam em suas atitudes frente à escola em função de características demográficas. No caso, estas pontuações entraram como variável critério, considerando o efeito principal de quatro variáveis antecedentes: idade, sexo, escolaridade e tipo de escola. Uma ANOVA univariada foi realizada, tendo revelado efeito entre os sujeitos unicamente para a variável faixa etária [F(2, Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros Figura 1. Distribuição Gráfica dos Valores Próprios da Escala de Atitudes frente à Escola. Tabela 1. Estrutura Fatorial da Escala de Atitudes Frente à Escola. Nota: *carga fatorial comumente aceita para interpretações dos componentes, |0,30| Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 285-297 291 212)=3,46; p=0,03]; porém, o teste post hoc de Bonferroni mostrou inexistir diferenças significativas entre as três faixas etárias no que se refere às atitudes frente à escola. Todas as demais variáveis apresentaram um F<1,00. Em resumo, estes resultados parecem indicar evidências de validade fatorial e consistência interna da Escala de Atitudes frente à Escola. Não obstante, reconhece-se aqui o caráter essencialmente exploratório da técnica estatística empregada (PC). As variáveis demográficas parecem ser pouco preponderantes para explicar as atitudes dos participantes frente à escola. Deste modo, planejou-se realizar uma nova pesquisa, contando com um mínimo de 200 participantes com características demográficas próximas aos deste estudo, efetuando uma análise fatorial confirmatória da estrutura desta medida. Este estudo é descrito a seguir. Estudo 2 – Testando a estrutura unidimensional da escala atitudes frente à escola Neste segundo estudo procurou-se, primordialmente, comprovar em que medida se poderia assumir adequadamente a estrutura de um único componente para descrever a Escala de Atitudes frente à Escola. Não obstante, este compreende igualmente uma ocasião para checar a consistência interna desta medida e avaliar se suas pontuações são influenciadas por características demográficas dos participantes. Método Participantes Participaram deste estudo 249 estudantes provenientes de escolas públicas (49%) e particulares (51%) da cidade de João Pessoa, PB. Destes, 30,1% e 31,7%, respectivamente, cursavam a sexta e sétima séries do ensino fundamental, e os restantes 38,2% cursavam o segundo ano do ensino médio. A maioria indicou ser do sexo feminino (55,1%), com idades variando entre 11 a 20 anos (M=14,6; DP=2,12). Esta variável, como no estudo anterior, foi transformada, compondo-se de três categorias: até 13 anos 292 (31,4%), 14 e 15 anos (32,6%) e 16 ou mais anos (36%). Instrumento Os participantes responderam a Escala de Atitudes frente à Escola e o mesmo conjunto de perguntas demográficas previamente descrito. Procedimento A aplicação ocorreu em ambiente coletivo de sala de aula, porém individualmente. Procurou-se seguir os mesmos passos do estudo anterior, inclusive contando com os dois colaboradores anteriormente recrutados. Análise dos Dados Para realização da análise fatorial confirmatória, empregou-se o AMOS (versão 4); no caso, pretendeu-se testar a adequação do modelo unidimensional. Considerou-se como entrada a matriz de covariâncias, tendo sido adotado o estimador ML (Maximum Likelihood). Este tipo de análise estatística é mais criterioso e rigoroso do que o anterior (PC), permitindo testar diretamente uma estrutura teórica, como é o caso da proposta por Cheng e Chan (2003). Esta análise apresenta alguns índices que permitem avaliar a qualidade de ajuste do modelo proposto (ver Byrne, 1989; Garson, 2003; Kelloway, 1998; Tabachnick & Fidell, 1996; van de Vijver & Leung, 1997): O χ² (qui-quadrado) testa a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados; quanto maior este valor pior o ajustamento. Este tem sido pouco empregado na literatura, sendo mais comum considerar sua razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.). Neste caso, valores até 3 indicam um ajustamento adequado. O Goodness-of-Fit Index (GFI) e o Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI) são análogos ao R² em regressão múltipla. Portanto, indicam a proporção de variância–covariância nos dados explicada pelo modelo. Estes variam de 0 a 1, com valores na casa dos 0,80 e 0,90, ou superior, indicando um ajustamento satisfatório. A Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA), com seu intervalo de confiança de 90% Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros (IC90%), é considerado um indicador de “maldade” de ajuste, isto é, valores altos indicam um modelo não-ajustado. Assume-se como ideal que o RMSEA se situe entre 0,05 e 0,08, aceitando-se valores de até 0,10 (Garson, 2003; Kelloway, 1998). Resultados Assumindo que todos os itens da Escala de Atitudes frente à Escola saturam em um único fator, decidiu-se testar este modelo. Os resultados estão sumarizados na Figura 2 a seguir. Todas as saturações (lambdas, λ) ou pesos de regressão são estatisticamente diferentes de zero (0; t>1,96; p<0,05), sugerindo a pertinência do conjunto de itens considerados. Os indicadores de qualidade de ajuste do modelo uni-fatorial podem ser considerados satisfatórios, como seguem: χ2/gl=2,59, GFI=0,94, AGFI=0,90, CFI=0,86 e RMSEA (90%IC)=0,08 (0,06-0,10). A consistência interna (Alfa de Cronbach) para este fator único foi 0,70. Finalmente, a pontuação total dos participantes na Escala de Atitudes frente à Escola foi considerada como variável critério em uma ANOVA, tendo sido incluídas como variáveis antecedentes às quatro analisadas no Figura 2. Estrutura Fatorial da Escala de Atitudes frente à Escola. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 285-297 293 estudo prévio, isto é, faixa etária, sexo, escolaridade e tipo de escola. Unicamente, a variável sexo do participante se revelou estatisticamente significativa para diferenciar suas atitudes frente à escola [F(1,184)=10,25; p=0,002, d=0,05]. O teste post hoc de Bonferroni indicou que os participantes do sexo feminino apresentaram atitudes mais favoráveis frente à escola (M=34,7) do que aqueles do sexo masculino (M=32,5), p<0,05. As demais variáveis demográficas não revelaram efeito principal nas pontuações dos participantes, F<1,60; p>0,05. Discussão A presente pesquisa teve como objetivo principal adaptar a Escala de Atitudes frente à Escola para o contexto brasileiro, conhecendo evidências de sua validade fatorial e consistência interna; procurou ainda verificar se suas pontuações variam de acordo com algumas variáveis demográficas (por exemplo, sexo, idade). Espera-se que estes tenham sido alcançados. Não obstante, cabe apontar limitações potenciais desta pesquisa que, embora não a invalidem ou comprometam seus objetivos, demandam pensar criticamente os resultados previamente descritos. Por exemplo, incluíram-se amostras de conveniência, não sendo representativas da população brasileira nem mesmo da pessoense. Contudo, não foi o propósito do estudo assegurar validade externa dos resultados (generalização), mas conhecer os parâmetros psicométricos desta escala. Neste sentido, as duas amostras atendem ao critério mínimo de 200 participantes, requeridos para análises estatísticas mais avançadas a exemplo da análise fatorial confirmatória (Watkins, 1989). Discutem-se a seguir os principais resultados. Na definição do número de fatores a serem extraídos, adotaram-se diversos critérios (Kaiser, Cattell, análise paralela; Hayton, Allen & Scarpello, 2004), tendo sido corroborada a adequação de assumir um modelo unifatorial, coerente com o que descrevem Cheng e Chan (2003). A análise PC no Estudo 1 revelou um componente geral claramente na linha observada por estes autores; um único item (7. Vale a pena 294 ir à escola, mesmo que isso não me ajude a conseguir um emprego) apresentou saturação abaixo da magnitude comumente recomendada (|0,30|; Gorsuch, 1983), embora estatisticamente diferente de zero. Cabe assinalar que este item reúne algumas propriedades semânticas não recomendadas [por exemplo, é relativamente mais cumprido do que os demais; é condicional (mesmo que) e contém uma negação (não me ajude); ver Pasquali, 2003. Reescrever este item ou substituí-lo por outro pode contribuir, por exemplo, para tornar mais clara a estrutura fatorial desta medida. No Estudo 2 foi realizada uma análise fatorial confirmatória que reforçou a adequação da estrutura unifatorial. Os indicadores de qualidade de ajuste deste modelo são muito próximos daqueles relatados quando do estudo original de criação desta escala (Cheng & Chan, 2003, p. 1065), atendendo recomendações apresentadas na literatura (Byrne, 1989; Garson, 2003; Kelloway, 1998; Tabachnick & Fidell, 1996; van de Vijver & Leung, 1997) como seguem: χ2/gl=2,59, GFI=0,94, AGFI=0,90, CFI=0,86 e RMSEA (90%IC)=0,08 (0,06-0,10). A consistência interna (Alfa de Cronbach) para este fator único foi 0,70. Quanto à precisão (consistência interna) da Escala de Atitude frente à Escola, avaliado através do coeficiente Alfa de Cronbach (α), procedimento comum e prático de checagem deste parâmetro no marco da Teoria Clássica dos Testes – TCT (Ledesma, Ibañez & Mora, 2002), os valores observados nos Estudos 1 e 2 são algo inferiores àqueles encontrados por Cheng e Chan (2003). Contudo, devem ser encarados como satisfatórios; cumprem a rule of thumb de ser ao menos 0,70 (Nunnally, 1991; Oviedo & Campo-Árias, 2005), sendo plenamente aceitáveis quando se trata de medida empregada com fins de pesquisa (Clark & Watson, 1995; Mueller, 1986), como parece ser o presente caso. Outros dois aspectos animam pensar com otimismo acerca deste parâmetro: (1) a escala não é dispendiosa, contando com menos de dez itens; e (2) o construto tratado é atitudinal, sendo menos estável do que se fossem traços de personalidade ou habilidades. Nestas circunstâncias é comum observar menores coeficientes Alfas de Cronbach (Ledesma & cols., 2002; Nunnally, 1991; Pasquali, 2003). Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros Comprovou-se também que as pontuações da Escala de Atitudes frente à Escola não dependem de variáveis demográficas, haja vista que nenhuma variável conseguiu explicar as diferenças em suas pontuações através dos dois estudos. É possível que tais atitudes tenham mais em comum com os valores que guiam a vida dos jovens estudantes ou as metas de realização por estes adotadas. Cheng e Chan (2003) constataram que as pontuações dos participantes nesta medida conseguiram explicar sua percepção de desempenho global. Recentemente, Gouveia e cols. (2007) constataram que jovens estudantes do ensino médio que pontuaram alto em metas de aprendizagem-aproximação se percebiam como bons estudantes e relatavam maiores notas nas disciplinas Português e Matemática. Contudo, esta presumível relação entre as atitudes frente à escola e as metas de realização precisam ser empiricamente comprovadas, demandando estudos futuros. Finalmente, a propósito de novos estudos, caberia replicar o estudo de Cheng e Chan (2003) no que se refere à estabilidade temporal (teste-reteste) e validade convergente-discriminante. Quanto a este último aspecto, poder-se-ia correlacionar (validade convergente) as atitudes frente à escola com medidas de engajamento ou ajustamento escolar (Conduct Problems Prevention Research Group, 1997; Sharma & cols., 1996; Sisto & Pacheco, 2002). Caberia também ter em conta medidas comportamentais (por exemplo, notas obtidas nos exames, número de faltas, reclamações recebidas na coordenação da escola), correlacionando-as com as pontuações nesta medida. Poder-se-ia, igualmente, correlacionar tais atitudes com alguma medida de desejabilidade social (validade discriminante), descartando este traço como um viés de resposta, freqüentemente presente em medidas de tipo auto-relato (Ribas Jr., Moura, & Hutz, 2004), como a que aqui é considerada. Referências Byrne, B. M. (1989). A primer of LISREL: Basic applications and programming for confirmatory factor analytic models. New York: Springer-Verlag. Capovilla, A. G. S., Capovilla, F. C., & Suiter, I. (2004). Processamento cognitivo em crianças com e sem dificuldades de leitura. Psicologia em Estudo, 9, 449-458. Cavaliere, A. M. V. (2002) Educação integral: uma nova identidade para a escola brasileira? Educação & Sociedade, 23(81), 247-270. Cheng, S. T., & Chan, A. C. M. (2003). The development of a brief measure of school attitude. Educational and Psychological Measurement, 63, 1060-1070. Clark, L. A., & Watson, D. (1995). Constructing validity: Basic issues in objective scale development. Psychological Assessment, 7, 309-319. Colares, M. F. A., Troncon, L. E. A., Figueiredo, J. F. C., Cianflone, A. R. L., Rodrigues, M. L. V., Piccinato, C. E., Peres, L. C., & Coleta, J. A. D. (2002). Construção de um instrumento para avaliação das atitudes de estudantes de medicina frente a aspectos relevantes da prática médica. Revista Brasileira de Educação Médica, 26, 194-203. Couto, S. C. S. (2005). Professores são vítimas de agressões de alunos em sala de aula. Disponível: http://rmtonline.globo.com/ mt/rmtespecial/materia.htm?id=113110 (consultado em 26 de janeiro de 2007). Conduct Problems Prevention Research Group (CPPRG). (1997). School adjustment – Child (Revised). Disponível: http:/ /www.fasttrackproject.org/ (consultado em 12 de abril de 2004). Cruz, O., Aguiar, C., & Barros, S. (2004). Escala de Avaliação dos Estilos de Ensino: Qualidades psicométricas dos dados. Psico-USF, 9, 165-171. Daly, P., & Defty, N. (2001). A longitudinal study of secondary school students’ attitudes to school life: gender and school gender influences. Third Internacional, Inter-disciplinary Evidence-Based Policies and Indicator Systems Conference, CEM Centre, University of Durham [On-line]. Disponível: http://www.cemcentre.org/Documents/ (consultado em 10 de Janeiro de 2007). Dell Prette, Z. A. P., Dell Prette, A. G., Garcia, A. T. B., & Puntel, L. P. (1998). Habilidades sociais do professor em sala de aula: Um estudo de caso. Psicologia Reflexão e Crítica, 11, 591-603. Duarte, V. C. (2004). Relações interpessoais: Professor e aluno em cena. Psicologia Educacional, 19(1), 119-142. Emílio, S. A. (2004). A escola como grupo e os grupos na escola. Revista SPAGESP, 5, 24-28. Garcia, J. (1999). Indisciplina na escola: Uma reflexão sobre a dimensão preventiva. Revista Paranaense de Desenvolvimento, 95, 101-108. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 285-297 295 Garson, G. D. (2003). PA 765 Statnotes: An online textbook. Disponível: http://www2.chass.ncsu.edu/garson/pa765/ statnote.htm (consultado dia 17 de maio de 2005). Mueller, D. J. (1986). Measuring social attitudes: A handbook for researchers and practitioners. New York: Teachers College Press. Google Acadêmico. (2007). Atitudes frente à escola. Disponível: http://scholar.google.com.br/ (consultado em 15 de janeiro de 2007). Myers, D. G. (2000). Psicologia social. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos. Gorsuch, R. L. (1983). Factor analysis. Hillsdale: Lawrence Erlbaum. Gosling, S. D., Rentfrow, P. J., & Swann Jr., W. B. (2003). A very brief measure of the Big-Five personality domains. Journal of Research in Personality, 37, 504-528. Gouveia, R. S. V., Gaião e Barbosa, A. A. G., Gouveia, V. V., & Barbosa, G. A. (2004). Depressão infantil e fracasso vs sucesso escolar: Um estudo correlacional. Psico, 35, 115-124. Gouveia, V. V., Diniz, P. K. C., Santos, W. S., Gouveia, R. S. V., Cavalcanti, J. P. N., & Medeiros, E. D. (2007). Metas de realização entre estudantes do ensino médio: Evidências de validade de uma medida. Manuscrito submetido à publicação. Hayton, J. C., Allen, D. G., & Scarpello, V. (2004). Factor retention decisions in exploratory factor analysis: A tutorial on parallel analysis. Organizational Research Methods, 7, 191-205. Index Psi. (2007). Atitudes frente à escola. Disponível: http:// www.bvs-psi.org.br/ (consultado em 15 de janeiro). Kelloway, E. K. (1998). Using LISREL for structural equation modeling: A researcher’s guide. Thousand Oaks: Sage Publications. LDB. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9.394/96. Brasília, DF: Ministério da Educação. Disponível: http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm (consultado em 24 de janeiro de 2007). Ledesma, R, Ibañez, G. M., & Mora, P. V. (2002). Análisis de consistencia interna mediante Alfa de Cronbach: Un programa basado en gráficos dinâmicos. Psico-USF, 7, 143-152. Nunnally, J. C. (1991). Teoría psicométrica. México: Trillas. O´Connor, B. P. (2000). SPSS and SAS programs for determining the number of components using parallel analysis and Velicer´s MAP test. Behavior Research Methods, Instruments, and Computers, 32, 396-402. Oliveira, K. L., & Santos, A. A. A. (2005). Avaliação da aprendizagem na universidade. Psicologia Escolar e Educacional, 9, 37-46. Oviedo, H. C., & Campo-Árias, A. (2005). Aproximación al uso del coeficiente alfa de Cronbach. Revista Colombiana de Psiquiatría, 34(4), 527-580. Pasquali, L. (2003). Psicometria: Teoria dos testes na psicologia e na educação. Petrópolis: Vozes. Ribas Jr., R. C., Moura, M. L. S., & Hutz, C. S. (2004). Adaptação brasileira da Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne. Avaliação Psicológica, 3, 83-92. Rodrigues, A. (1994). Psicologia social. Petrópolis: Vozes. Silva, C. B., Brito, M. R. F., Cazorla, I. M., & Vendramini, C. M. M. (2002). Atitudes em relação à estatística e à matemática. Psico-USF, 7, 219-228. Sisto, F. F., & Pacheco, L. (2002). Estudo Exploratório para construção de um instrumento de ajustamento social. Psicologia em Estudo, 7, 83-90. Sharma, A. R., Mcgue, M. K., & Benson, P. L. (1996). The emotional and behavioral adjustment of United States adopted adolescents: Part I. An Overview. Children and Youth Services Review, 18, 83-100. Suehiro, A. C. B. (2006). Dificuldade de aprendizagem da escrita num grupo de crianças do ensino fundamental. Psic: Revista de Psicologia da Vetor Editora, 7, 59-68. Mahoney, A. A. & Almeida, L. R. (2005). Afetividade e processo ensino-aprendizagem: Contribuições de Henri Wallon. Psicologia da Educação, 20(1), 11-30. Tabachnick, B. G., & Fidell, L. S. (1996). Using multivariate statistics. Needham Heights: Allyn & Bacon. Moreno, M. C. & Cubero, R. (1995). Relações sociais nos anos pré-escolares: Família, escola, colegas. Em C. Coll, J. Palácios & A. Marchesi (Orgs.), Desenvolvimento psicológico e educação: Psicologia evolutiva (vol. 1, pp. 190-202). Porto Alegre: Artmed. Tonelotto, J. M. F. (1998). Atenção e sua relação com atitudes de crianças no contexto escolar. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 296 Tiba, I. (2002). Quem ama educa. São Paulo: Gente. Van de Vijver, F., & Leung, K. (1997). Methods and data analysis for cross-cultural research. Thousand Oaks: Sage Publications. Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros Watkins, D. (1989). The role of confirmatory factor analysis in cross-cultural research. International Journal of Psychology, 24(6), 685-701. Willms, J. D. (2003). Student engagement at school: a sense of belonging and participation. Disponível: http://www.oecd.org/ document (consultado dia 20 de dezembro de 2006). Recebido em: 12/03/2007 Revisado em: 06/06/2007 Aprovado em: 12/06/2007 Sobre os autores: Patrícia Nunes da Fonseca ([email protected]) - Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba e Psicóloga Clínica. Valdiney V. Gouveia ([email protected]) - Doutor em Psicologia pela Universidade Complutense de Madri e Professor Adjunto IV da Universidade Federal da Paraíba. Rildésia S. V. Gouveia ([email protected]) - Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Carlos Eduardo Pimentel ([email protected]) - Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Emerson Diógenes de Medeiros ([email protected]) - mestrando em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Endereço para correspondência: Patrícia Nunes da Fonseca Rua: Silvino Chaves, 625, apto. 402 – Manaíra 58.038-420. João Pessoa, PB. Nota dos autores: A presente pesquisa contou com o apoio do CNPq através das bolsas de Doutorado e Produtividade em Pesquisa, concedidas ao primeiro e segundo autores, respectivamente. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 285-297 297 Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem Status sociométrico de alunos com dificuldades Renata Cristina Moreno Molina Almir Del Prette Resumo Estudos que investigam a aceitação de alunos com dificuldades de aprendizagem mostram que estes apresentam status sociométrico negativo, indicando um repertório inadequado de habilidades sociais. O presente trabalho buscou avaliar a promoção de habilidades sociais sobre o status sociométrico desses estudantes. Os participantes foram divididos em um grupo de intervenção GI (6 alunos com dificuldades de aprendizagem) e dois grupos sem intervenção GC1 e GC2 (6 e 12 alunos com e sem dificuldades de aprendizagem, respectivamente). Os alunos foram avaliados antes e depois da intervenção com o Protocolo de Indicação Sociométrica. O Treinamento em Habilidades Sociais com o GI abrangeu 10 sessões de uma hora e meia cada. A comparação entre as avaliações revelou melhora no status de cinco participantes do GI e em apenas dois participantes do GC1. Os dados obtidos ressaltam a importância das habilidades sociais na produção de um status sociométrico positivo. Palavras-chave: dificuldades de aprendizagem; avaliação psicológica; habilidades sociais. Change in negative sociometric status in students with learning disabilities Abstract Studies that investigate the acceptance of learning disabilities student point out that they present negative sociometric status, indicating an inappropriate social skills repertorie. This work has evaluated the improvement of social skills in social status of these students. The participants were divided in to one intervention group GI (6 learning disabilities students) and two without intervention group GC1 e GC2 (6 and 12 students with or no learning disabilities, respectively). The students were evaluated before and after the intervention with Sociometric Indication Protocol. The Social Skills Training was included 10 sessions of one hour and a half. The comparison between the evaluations showed improvement in social status of five GI participants and two of GC1. The results obtained show the importance of social skills in the production of a positive sociometric status. Keywords: learning disabilities; psychological assessment; social skills. Cambio en el status sociométrico negativo de alumnos con dificultades de aprendizaje Resumen Estudios que investigan la aceptación de alumnos con dificultades de aprendizaje muestran que ellos presentan un status sociométrico negativo, indicando un repertorio inadecuado de habilidades sociales. Este trabajo buscó evaluar la promoción de habilidades sociales sobre el status sociométrico de esos estudiantes. Los participantes fueron divididos en un grupo sin intervención GI (6 alumnos con dificultades de aprendizaje) y dos grupos sin intervención GC1 y GC2 (6 y 12 alumnos con y sin dificultades de aprendizaje respectivamente). Los alumnos fueron evaluados antes y después de la intervención con el Protocolo de Indicação Sociométrica. El entrenamiento en Habilidades Sociales con el GI abarcó 10 sesiones de una hora y media cada una. La comparación entre las evaluaciones reveló una mejoría en el status de cinco participantes del GI y en apenas dos participantes del GC1. Los datos obtenidos resaltan la importancia de las habilidades sociales en la producción de un status sociométrico positivo. Palabras clave: dificultades de aprendizaje; evaluación psicologica; habilidades sociales. 299 Introdução Nas últimas décadas, as explicações referentes à ocorrência do fracasso escolar em nosso meio foram relacionadas a diferentes terminologias utilizadas no âmbito educacional, sendo distúrbios e dificuldades de aprendizagem as mais comuns. No termo distúrbio de aprendizagem se encontra a idéia de se associar o fracasso escolar a características do aluno e de sua família. Por outro lado, sob o termo dificuldade de aprendizagem, a ênfase do fracasso escolar está relacionada à discrepância entre o que se presume que uma criança seja capaz de aprender potencialmente, sob uma dada situação normal de sala de aula, e o que ela efetivamente realiza (Almeida e colaboradores, 1995; Weiss, 1992). Sánchez (2004) e Sisto, Boruchovitch, Fini, Brenelli e Martinelli (2004), em uma revisão sobre o tema, diferenciam os alunos que apresentam episódios de fracasso escolar, caracterizados como um baixo rendimento, devido a causas extrínsecas (como ensino inadequado, baixa motivação e fatores econômicos), dos que revelam ter dificuldades de aprendizagem originadas por fatores intrínsecos (caracterizadas por discrepâncias no desenvolvimento dos processos psicológicos como a percepção, a atenção e a memória). Independentemente de quais aspectos estão envolvidos para dificultar o processo de aprendizagem, deve-se considerar que a superação do fracasso escolar demanda esforços conjuntos de profissionais visando não apenas a melhoria dos métodos pedagógicos de ensino, mas também a alteração de outros fatores do contexto de sala de aula, como a qualidade das relações sociais entre os alunos e destes com o professor. As interações sociais de qualidade são entendidas como educativas na medida em que representam condições para a aquisição de conceitos, habilidades e estratégias cognitivas que afetam o desenvolvimento social e a aprendizagem (Davis, Silva & Espósito, 1989; Gresham, 2001; Pontecorvo, sd; Romero, 1995; Vigotsky, 2003). Para Del Prette e Del Prette (2001) e Vigotsky (2003), a aprendizagem é um processo de construção do conhecimento que ocorre na interação do sujeito com a família, com a escola e com 300 a sociedade. Assim, dificuldades neste processo, que levam ao fracasso escolar, podem ser consideradas como decorrentes “de uma possível constelação de fatores de ordem pessoal, familiar, emocional, pedagógica e social que só adquirem sentido quando referidos à história de relações e interações do sujeito com seu meio, inclusive e, sobretudo, o escolar” (Almeida e cols.,1995, p.122). A compreensão das interações estabelecidas pelos alunos e de seus produtos acadêmicos requer uma análise das características (cognitivas, afetivas e comportamentais) que influenciam esse processo (Gresham, 2001; Saint-Onge, 1999). Uma abordagem voltada para a promoção do desenvolvimento interpessoal dos indivíduos é a das Habilidades Sociais, entendidas por vários autores (Del Prette & Del Prette, 2001; 2005; Gresham, 2001) como diferentes classes de comportamentos sociais do repertório do indivíduo, que contribuem para a competência social, favorecendo um relacionamento produtivo e saudável com as pessoas. A competência social é definida, por esses autores, como a capacidade de articular pensamentos, sentimentos e ações em função de objetivos pessoais e das demandas da situação e da cultura, gerando conseqüências positivas para o indivíduo e para a sua relação com as demais pessoas. Os critérios de funcionalidade, que definem um comportamento como socialmente competente ou não, supõem a capacidade do indivíduo em articular as habilidades sociais em um desempenho social que atende às demandas da situação e da cultura. Na infância, um repertório elaborado de habilidades sociais contribui decisivamente para a manutenção de relações harmoniosas com colegas e adultos sendo o status social, o julgamento positivo por outros significantes, além de alguns comportamentos adaptativos, como rendimento acadêmico, importantes para a avaliação da competência social (Del Prette & Del Prette, 2005; Merrell, 1993; Newcomb, Bukowski, & Patee, 1993). Para Caldarella e Merrell (1997), Gresham (2001) e Gresham e Elliott (1990), as crianças que apresentam comportamentos sociais apropriados reúnem um conjunto de habilidades sociais importantes para o sucesso das interações sociais em idade escolar: oferecer ajuda, cumprimentar, Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette juntar-se a grupo de amigos em brincadeira, demonstrar empatia, demonstrar senso de humor, controlar as emoções, seguir regras, cooperar com outros, aceitar críticas, iniciar conversação etc. Conforme alguns autores (Del Prette & Del Prette, 2005; Gresham, 1995; Malecki & Elliott, 2002; McClelland, Morrison & Holmes, 2000), as crianças que apresentam dificuldades em habilidades sociais, definidas como déficits de aquisição ou de desempenho adequados às demandas da situação e da cultura, comprometem sua competência social de duas formas: na forma encoberta de incômodo, mágoa, ressentimento, ansiedade acompanhada de esquiva ou fuga das demandas interpessoais (reações não habilidosas passivas ou reações passivas); na forma aberta de agressividade física ou verbal, negativismo, ironia, autoritarismo ou coerção (reações não habilidosas ativas ou reações agressivas). O repertório de habilidades sociais de crianças pode ser visto também como um fator para o sucesso acadêmico, dada a constatada associação entre características interpessoais negativas e dificuldades ou distúrbios de aprendizagem (Gresham, 1992; Gresham & Elliott, 1989; Vaughn & Hogan, 1990; Swanson & Malone, 1992). Pesquisas nesta área (Del Prette & Del Prette, 2003; Molina & Del Prette, 2002; O’Shaughnessy, Lane, Gresham & BeebeFrankenberger, 2002; Romero, 1995) têm mostrado que as crianças com distúrbios ou dificuldades de aprendizagem apresentam características interpessoais que incluem, entre outros aspectos, tendência à agressividade, a interações negativas com companheiros, a apresentarem mais problemas de personalidade, menos comportamentos orientados para tarefa e um repertório menos elaborado de comportamentos interpessoais apropriados e desejáveis socialmente. Em tarefas escolares, Romero (1995) afirma que os alunos com dificuldades de aprendizagem se distraem mais (apresentando índices baixos de atenção sustentada) e são mais dispersivos (levantam-se, falam inoportunamente etc.) que os seus colegas sem dificuldades de aprendizagem, interagem mais com seus professores, exigindo maior atenção (embora esta tenha caráter corretivo, em respostas às distrações) e participam menos das iniciativas de grupo. Essa caracterização negativa do desempenho social de crianças com dificuldades de aprendizagem aparece na avaliação de seus pais (Marturano, Linhares & Parreira, 1993; Melo, 2004), professores (Fad, 1989; Maluf & Bardelli 1991; Marturano & Loureiro, 2003) e colegas (Stone & La Greca, 1990; Vaughn & Hogan, 1990; Vaughn, McIntosh & Spencer-Rowe, 1991), sendo a destes últimos a que mais tem recebido atenção da literatura, já que os pares fornecem uma importante perspectiva do repertório comportamental de crianças em idade escolar. Alguns autores (Garcìa & Musitu, 1993; Parker & Asher, 1987; Stone & La Greca, 1990) têm mostrado que as informações que o estudante recebe de seus pares repercute em sua auto-avaliação social e afeta o desempenho acadêmico, além de predizer problemas posteriores como ajustamento, sucesso escolar e no trabalho. Estudos que investigam a aceitação por pares na escola (Asher & Coie, 1990; Gresham, Sugai & Horner, 2001; Parker & Asher, 1987; Stone & La Greca, 1990; Vaughn & Hogan, 1990; Vaughn, McIntosh & Spencer-Rowe, 1991) têm mostrado que os alunos com dificuldades de aprendizagem são menos aceitos que seus colegas com bom desempenho acadêmico. Um procedimento muito utilizado em pesquisas para medir o status social, a popularidade e aceitação/ rejeição de alunos por seus colegas de sala é a avaliação sociométrica. Alguns procedimentos sociométricos permitem a identificação das crianças rejeitadas, negligenciadas, populares e controvertidas da escola e destacam as seguintes características interpessoais associadas a esse status (Coie, Dodge, & Coppotelli, 1982; Frentz, Gresham, & Elliott, 1990): • Populares: alunos vistos como cooperativos e líderes e que tendem a exibir mais comportamentos sociais apropriados; • Rejeitados: alunos mais disruptivos e briguentos, menos cooperativos e com poucas características de liderança; • Controvertidos: alunos que tendem a oscilar entre comportamentos sociais apropriados e comportamentos disruptivos; • Negligenciados: alunos que apresentam timidez, isolamento social e são ignorados em sala. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 299-310 301 Coie, Dodge e Coppotelli (1982) avaliaram a aceitação de crianças em idade escolar por meio do procedimento de Indicação Sociométrica, o qual consiste no registro dos nomes dos colegas mais queridos e dos menos queridos em um determinado grupo, permitindo a sua classificação em um dos status sociométricos apresentados anteriormente. Os estudos que utilizaram este sistema de classificação encontraram os estudantes com dificuldades de aprendizagem bastante representados no status rejeitado e negligenciado e pouco representados no status popular (Asher & Coie, 1990; Bryan & Sherman, 1980; Stone & La Greca, 1990; Vaughn & Hogan, 1990; Vaughn, McIntosh & Spencer-Rowe, 1991). Para Asher e Rose (1999), uma explicação plausível para o status negativo é que as dificuldades de aprendizagem tornam-se visíveis aos colegas da sala nos primeiros dias do semestre letivo e, como as habilidades acadêmicas são bastante valorizadas pelo professor, a rejeição dos alunos estaria condicionada a um baixo desempenho em tarefas escolares. Por outro lado, para Coie e Dodge (1983), Del Prette e Del Prette (2005) e Gresham, Sugai e Horner (2001), a representação em um destes status negativos seria um indicativo de um repertório inapropriado de habilidades sociais, o que, por sua vez, prejudicaria a competência acadêmica. As crianças que apresentam comportamentos sociais apropriados são hábeis para entender as regras sociais, interagir com pares e adultos e regular suas emoções, especialmente as negativas e, por isso, estariam representadas no status popular (Coie & Dodge, 1983; Del Prette & Del Prette, 2005; Miras, 2004). Em contrapartida, as crianças com comportamentos sociais inapropriados (agressivos, disruptivos, timidez etc.) estariam representadas nos status rejeitado e negligenciado por apresentarem um repertório deficitário de habilidades sociais que se refletiria também sobre o desempenho acadêmico (Elliott & Greham, 1993; Stone & La Greca, 1990). Para Gresham (2001), a aceitação por pares estaria vinculada a habilidades como: cooperar, oferecer apoio, liderar pares e formar grupos, enquanto que as habilidades de exibir atitudes esnobes, agredir indiretamente, iniciar brigas e romper grupos seriam 302 os principais comportamentos “responsáveis” pela rejeição dos alunos em sala de aula. Ainda que não se disponha de normas de referência, a validade social das medidas sociométricas, em termos de sua correlação com problemas psicológicos, tem sido demonstrada por diferentes estudos (Coie & Kupersmidt, 1983; Parker & Asher, 1987). Na literatura especializada ainda são poucos os estudos que investigam o status sociométrico de crianças em idade escolar, sendo ainda mais escassos aqueles que investigam programas voltados à melhoria da aceitação dos alunos com dificuldades de aprendizagem por seus pares (Elliott & Greham, 1993; Gresham, Sugai & Horner, 2001; Vaughn & Hogan, 1990; Vaughn, McIntosh & Hogan, 1990). Um estudo conduzido por Molina (2003) mostrou os efeitos do Treinamento em Habilidades Sociais sobre o desempenho social e acadêmico de alunos com dificuldades de aprendizagem. O Treinamento em Habilidades Sociais consistiu em atividades lúdicopedagógicas estruturadas previamente e organizadas em ordem crescente de complexidade. O registro do repertório acadêmico dos alunos foi efetuado por meio de uma avaliação formal das habilidades de leitura, nomeação e ditado, e o de habilidades sociais por meio da auto-avaliação e da avaliação pelos colegas e professores. Os resultados mostraram que o grupo que participou da intervenção em habilidades sociais, além de ter apresentado aumentos percentuais em leitura e escrita, mostrou melhorias acentuadas no repertório social, em termos da auto-avaliação e avaliação pelos professores, e alterações positivas no status de 50% de seus participantes. Esses resultados fortalecem a idéia da importância da promoção de habilidades sociais em alunos com dificuldades de aprendizagem. Mesmo tendo sua importância reconhecida, o repertório de habilidades sociais dos alunos não tem sido explorado para a maximização da aprendizagem. Isto ocorre porque há uma tendência em se acreditar que as crianças podem adquirir as habilidades sociais como parte do processo de desenvolvimento ou como produto da educação formal. O desenvolvimento interpessoal pode, no entanto, ser promovido por treinamento de habilidades sociais, que representa um intento direto e sistemático de ensino de estratégias e habilidades interpessoais aos indivíduos com o objetivo Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette de melhorar a qualidade de suas interações sociais (Curran, 1979; Del Prette & Del Prette, 1999; 2005). Neste sentido, o Treinamento em Habilidades Sociais se configuraria como uma alternativa interessante para reduzir a baixa aceitação de alunos com dificuldades de aprendizagem, na medida em que o desenvolvimento do repertório social destas crianças repercutiria positivamente na avaliação pelos colegas, afetando seu autoconceito (representações sobre aspectos como capacidades intelectuais) e o próprio ato de aprender (Garcìa & Musitu, 1993; Miras, 2004). Com base nestas considerações, pode-se supor que a promoção de habilidades sociais em crianças com dificuldades de aprendizagem rejeitadas, negligenciadas ou controvertidas geraria avaliações mais positivas por seus pares. Neste sentido, a pesquisa ora relatada buscou elaborar e aplicar um programa de treinamento de habilidades sociais de crianças com dificuldades de aprendizagem simultaneamente incluídas nos status rejeitado, negligenciado ou controvertido; avaliar os efeitos da promoção de habilidades sociais sobre o status sociométrico desses alunos. Método Participantes Participaram deste trabalho 24 estudantes de ambos os sexos, sendo doze com dificuldades na aprendizagem da leitura e doze sem dificuldades, todos de duas escolas do ensino fundamental de uma cidade do interior de São Paulo (dezoito alunos da escola A e seis da escola B). A idade dos alunos variou de nove a 12 anos. Dos 15 alunos com dificuldades de aprendizagem inicialmente apontados pelas professoras (oito da escola B e sete da escola A), foram selecionados os doze que apresentaram ausência de leitura em uma tarefa com quinze palavras e que, concomitantemente, se enquadraram em um dos status negativos (controvertido, negligenciado e/ou rejeitado), segundo avaliação feita pela pesquisadora com o Protocolo de Indicação Sociométrica (Coie, Dodge & Copottelli, 1982). Para compor a amostra de alunos sem dificuldades de aprendizagem foi escolhida, por indicação da diretora da escola, a sala com os alunos de melhores rendimentos acadêmicos do local1. A Tabela 1 mostra a composição dos grupos de alunos DA (com dificuldades de aprendizagem) e NDA (sem dificuldades de aprendizagem) selecionados pela pesquisadora e o status sociométrico revelado por esses participantes. O Grupo de Intervenção (GI), composto por seis alunos com dificuldades de aprendizagem (todos da mesma sala-escola B), passou pelo programa de Treinamento em Habilidades Sociais. Os alunos do GC1 e GC2 não passaram por intervenção. Dos sete alunos indicados pela professora do GC1 foram selecionados seis (por sorteio) para compor uma amostra equivalente ao GI. Para compor o GC2 foram selecionados os doze alunos com altos rendimentos apontados pela professora, os quais serviram como grupo de comparação da diferença ente alunos com e sem dificuldades acadêmicas (grupo de referência). O critério de escolha entre GI e GC1 para passar pelo programa de intervenção foi a disponibilidade imediata da diretora da escola do primeiro grupo. Instrumento Para avaliar as crianças antes e depois da intervenção, o Protocolo de Indicação Sociométrica (Coie, Dodge & Copottelli, 1982) foi utilizado, no qual se pede que cada criança da classe liste três colegas que ela mais gosta e três que ela menos gosta. Os resultados dessa avaliação produzem dois escores imediatos (“gosto mais” e “gosto menos”) e dois posteriores: impacto social (soma dos dois imediatos) e preferência social (diferença entre “gosto mais” e “gosto menos”). Esses indicadores permitem identificar as crianças que se encaixam nos status apresentados ou em nenhum deles (nenhuma categoria). Procedimento A aplicação dos instrumentos de avaliação ocorreu nas escolas dos participantes (A e B), ambas situadas em um município do interior de São Paulo. O Trei- 1 Cabe destacar que na sala dos alunos com dificuldades de aprendizagem existiam estudantes sem dificuldades, porém com rendimento médio e, portanto, não foram incluídos na pesquisa. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 299-310 303 Tabela 1. Descrição geral dos grupos de alunos selecionados pela pesquisadora após a indicação inicial de suas respectivas professoras. namento em Habilidades Sociais (THS) foi conduzido na sala dos participantes no horário de aula. Fase I: Avaliação pré-intervenção Após a assinatura do termo de consentimento livre, esclarecido pelos pais ou responsáveis, os alunos com dificuldades de aprendizagem (indicados pelas professoras do GI e GC1) foram avaliados pela pesquisadora em uma tarefa que envolvia a leitura de 15 palavras simples (bule, gaveta, sino, rádio, suco, goiaba, rio, fogo, caju, tijolo, rede, macaco, mapa, roda e cabide), apresentadas em folhas sulfite com letra arial fonte 16. Os alunos que apresentaram ausência completa de leitura (porcentagem zero) nessa tarefa foram inicialmente selecionados pela pesquisadora. Em seguida, esses alunos foram avaliados pela pesquisadora por meio do Protocolo de Indicação Sociométrica (Coie, Dodge & Copottelli, 1982). Para a aplicação deste instrumento, realizada individualmente, perguntava-se à criança: a) Quais as três crianças de sua sala que você gosta mais, que você está 304 sempre junto, que gosta de brincar, conversar? e - Quais as três crianças de sua sala que você não gosta, não fica junto, não brinca, não conversa? Os nomes citados e a avaliação correspondente eram circulados no protocolo. Assim que o participante terminava a avaliação, enfatizava-se a possibilidade de mudança nas relações de amizade como forma de minimizar efeitos indesejáveis da própria avaliação. Lembrando que os alunos com dificuldades de aprendizagem que se enquadravam nos status negligenciado, controvertido ou rejeitado foram selecionados para compor o GI e o GC1. Fase II: Intervenção em Habilidades Sociais O Treinamento em Habilidades Sociais abrangeu 10 sessões de uma hora e meia cada e foi realizado na sala de aula do Grupo de Intervenção (GI). Foram utilizados procedimentos lúdico-pedagógicos associados a técnicas de modelação, instrução, solução de problemas, feedback, role-playing etc. (Caballo, 1987; Del Prette & Del Prette, 2001; Gresham, 1995; 2001). O programa de promoção Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette de habilidades sociais foi previamente planejado tendo em vista uma organização das habilidades consideradas significativas para os alunos em idade escolar (Caldarella & Merrell, 1997; Givvin, Stipek, Salmon & Mac Gyvers, 1998; Gresham, 2001; Gresham & Elliott, 1990). As sessões, previamente construídas pela pesquisadora, incluíam diferentes vivências, baseadas em Del Prette e Del Prette (1999), incluindo três partes: parte inicial – verificação de tarefas de casa e atividades de aquecimento que já podiam incluir algumas habilidades básicas (observação, atenção etc.); parte central – aplicação de procedimentos relacionados aos objetivos do programa, por exemplo, treinamento das habilidades de elogiar, perguntar, discordar etc.; parte final – avaliação da sessão e atribuição de tarefas de casa. Estas tarefas consistiam em atividades atribuídas aos participantes para promover a generalização das aquisições. Por exemplo, se em uma sessão era ensinado o comportamento de elogiar, era proposta como tarefa que os participantes emitissem três elogios para pessoas próximas (pai, mãe, colegas de sala etc) naquela semana. No início da sessão seguinte, o participante relatava a experiência. Fase III: Avaliação pós-intervenção Os alunos foram novamente avaliados pela pesquisadora por meio do Protocolo de Indicação Sociométrica (Coie, Dodge & Copottelli, 1982). Resultados e Discussão Os dados envolvendo os três colegas indicados (em termos de “mais gosto” e “menos gosto”) foram tratados para identificação dos alunos rejeitados, controvertidos, populares e negligenciado da sala de aula e para verificação da situação dos participantes com e sem dificuldades de aprendizagem deste trabalho, antes e depois da intervenção. Este tratamento envolveu a computação dos escores de “gosto muito” (GM), “não gosto” (NG), “preferência social” (PS) e “impacto social” (IS). Os escores GM e NG foram baseados no número total de indicações que cada aluno recebeu, enquanto os escores de PS e IS foram obtidos através do seguinte cálculo: PS = GM – NG e IS = GM + NG , respectivamente. A normalização dos dados da sala de aula para cada um destes indicadores foi feito por meio da fórmula: [(x - x)/σ], onde x = valor obtido pelo participante em termos de GM, NG, PS e IS; x = valor médio de todos os participantes da sala em termos de GM, NG, PS e IS; σ = desvio padrão dos alunos da sala. Assim, foi possível a classificação dos alunos, segundo os critérios, em: populares (PS > 1; GM > 0 e NG < 0); rejeitados (PS < 1; NG > 0 e GM < 0); negligenciados (IS < 1 e GM = 0) e controvertidos (IS > 1 e GM e NG > 0). Os alunos que não se enquadraram em uma das classificações explicitadas acima permaneceram sem status (nenhuma categoria). Figura 1. Resultados da avaliação inicial (pré-intervenção) e final (pós-intervenção) do Protocolo de Indicação Sociométrica dos grupos Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 299-310 305 A Figura 1 mostra os resultados da avaliação inicial (pré-intervenção) e final (pós-intervenção) do Protocolo de Indicação Sociométrica das crianças com dificuldades de aprendizagem que passaram por intervenção (GI) e daquelas com dificuldades (GC1) e sem dificuldades (GC2) que não passaram por intervenção. Os dados apresentados na Figura 1 mostraram que, na pré-intervenção, das crianças com dificuldades de aprendizagem (GI e GC1), nove eram rejeitadas (75%), uma delas era controvertida (8,33%) e duas eram negligenciadas (16,67%). Os resultados das crianças sem dificuldades de aprendizagem (GC2) nessa mesma avaliação mostraram que quatro desses alunos eram populares (33,33%), um era controvertido (8,33%) e os demais não foram incluídos em categorias distintas (58,33%). Os dados gerais obtidos confirmaram os estudos de Bryan e Sherman (1980), Elliott e Gresham (1993), Stone e La Greca (1990), Vaughn e Hogan (1990) e Vaughn, McIntosh e Spencer-Rowe (1991) que têm mostrado que os alunos com dificuldades de aprendizagem são menos aceitos que seus colegas com desempenho acadêmico satisfatório. A avaliação por grupo mostrou que, na pré-intervenção, das seis crianças componentes do GI, quatro eram rejeitadas (66,66%), uma era controvertida (13,33%) e uma era negligenciada (13,33%). Na pós-intervenção, apesar de um participante ter continuado a ser repre- sentado no status controvertido (13,33%), os demais alunos do GI deixaram de ser rejeitados e negligenciados (86,66%), confirmando pesquisas que demonstraram efeitos positivos da promoção de habilidades sociais sobre a aceitação de alunos com dificuldades de aprendizagem por seus colegas de sala de aula (Molina, 2003; Vaughn & Hogan, 1990; Vaughn, McIntosh & Hogan, 1990; Vaughn, McIntosh & Spencer-Rowe, 1991). Os dados do GC1 mostram que na pré-intervenção, cinco crianças eram rejeitadas (83,33%) e uma era negligenciada (16,67%); na pós-intervenção, apesar de um participante ter deixado de ser negligenciado (16,67%) e um não ter sido incluído um uma categoria distinta (16,67%), quatro participantes do CC1 (66,67%) continuaram sendo representados no status rejeitado. Quanto aos doze participantes sem dificuldades de aprendizagem do GC2 nas duas avaliações, uma elevada porcentagem dos alunos desse grupo foi enquadrada no status popular (33,33% antes e 41,66% após a intervenção) e em nenhuma categoria (58,33% antes e após a intervenção). Os dados do GC1 e GC2 confirmam os achados de Coie e Dodge (1983) sobre o grau de estabilidade de um sujeito dentro de um status. A Tabela 2 mostra o desempenho geral dos grupos na comparação entre pré e pós-intervenção, indicando mudanças positivas (melhora de status), negativas (piora de status) e sem mudanças (manutenção do status). Tabela 2. Porcentagem de alunos dos três grupos que permaneceram no status original e dos que obtiveram mudanças positivas e negativas na pós em comparação com a pré-intervenção Legenda: DA=alunos com dificuldade de aprendizagem; NDA=alunos sem dificuldade de aprendizagem; N=número de participantes. 306 Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette Os dados mostraram que a maioria dos alunos do GI apresentou mudanças positivas em seus status (83,33%), enquanto que a maior parte dos estudantes do GC1 e GC2 permaneceu com o mesmo status da pré-intervenção (50% e 83,33%, respectivamente). A estabilidade revelada pelo GC1, aliada à piora de status de um participante desse grupo, e a melhora no status da maioria dos alunos do GI, sugeriram que a melhor aceitação pelos colegas pode ter sido um reflexo de relações interpessoais mais satisfatórias entre estes e os estudantes avaliados, indicando benefícios do Treinamento em Habilidades Sociais sobre a avaliação do repertório social de alunos com dificuldades de aprendizagem. Conforme Givvin, Stipek, Salmon e Mac Gyvers (1998), comportamentos sociais adequados geram avaliações mais positivas pelos pares na escola. Isto, porque em todos os níveis de escolaridade os alunos atribuem uma importância primordial aos aspectos afetivos e de relação interpessoal em sala de aula. Mesmo considerando o número reduzido de participantes da pesquisa ora relatada, o programa de intervenção conduzido com o GI se mostrou efetivo e coerente com as metas previamente estabelecidas, apontando o Treinamento em Habilidades Sociais como uma alternativa para reduzir a baixa aceitação de alunos com dificuldades de aprendizagem no ensino brasileiro. Uma hipótese explicativa para a positividade dos resultados com o GI aponta que o desenvolvimento do repertório social das crianças desse grupo repercutiu positivamente na avaliação pelos colegas de sala de aula, diminuindo a porcentagem de rejeição encontrada na avaliação inicial daqueles estudantes. Uma outra hipótese diz respeito ao fato da inclusão de pares com bons rendimentos acadêmicos e sociais na intervenção aumentar a probabilidade de seguimentos de modelos pelos alunos com dificuldades de aprendizagem, auxiliando a generalização das mudanças vivenciadas no treinamento (Vaughn, 1991). Uma outra explicação para a alteração de status registrada pelos estudantes do GI nas duas avaliações refere-se ao fato de todos os alunos desta sala terem participado do programa de intervenção, o que pode ter contribuído para que os pares “socialmente normais” avaliassem de maneira mais positivas seus cole- gas com dificuldades de aprendizagem. Esse fato pode ainda ter sido reforçado pelo comando verbal emitido pela pesquisadora no momento da aplicação do instrumento utilizado, “Assim que o participante terminava a avaliação, enfatizava-se a possibilidade de mudança nas relações de amizade como forma de minimizar efeitos indesejáveis da própria avaliação”. Novas pesquisas visando avaliar o status sociométrico de crianças com dificuldades de aprendizagem com um maior número de participantes, possibilitando a inclusão de avaliações estatísticas, são necessárias e relevantes à área. A inclusão de um número razoável de participantes na pesquisa pode promover um rol maior de conhecimento sobre os tipos de déficits sociais encontrados em alunos com dificuldades de aprendizagem, auxiliando a descoberta de procedimentos de intervenção mais efetivos para estes estudantes. A realização das pesquisas nesta área exigirá iniciativas para a resolução dos diversos empecilhos típicos em trabalhos conduzidos com seres humanos. Os problemas mais comuns referem-se à falta de assiduidade dos alunos na escola e à dificuldade da obtenção da assinatura do termo de consentimento pelos pais. Assim, torna-se emergencial a necessidade de programas voltados a uma maior participação dos pais sobre as decisões relacionadas à educação de seus filhos, conscientizando-se acerca de suas dificuldades acadêmicas e da necessidade de recursos específicos para o ideal desenvolvimento das potencialidades destes alunos. Um outro ponto a ser considerado é que, apesar de representarem uma variável importante para o ensino e para a aprendizagem, as habilidades sociais têm constituído um subproduto esperado mais do que um objetivo planejado para a educação escolar (Asher & Rose, 1999). Isto ocorre porque, de certa forma, há uma tendência em se acreditar que tais habilidades são adquiridas espontaneamente no processo de desenvolvimento. Por outro lado, a promoção de habilidades sociais em sala, que envolveria um certo domínio conceitual e metodológico dessa área por parte do professores, passa a ser um produto incidental de sua experiência cotidiana e, quando ocorre, não se respalda em concepções e estratégias ade- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 299-310 307 quadas de ensino (Del Prette & Del Prette, 1997). Assim, a concretização dos objetivos de promoção de interações sociais educativas, em sala de aula, requer a elaboração de novas pesquisas voltadas para a construção e aplicação de programas que orientem o professor no sentido de (Del Prette, Del Prette, Pontes & Torres, 1998): compreender o papel das habilidades sociais para o desempenho acadêmico e social dos alunos, identificar a relação entre seu comportamento e o dos alunos, ampliar seu repertório de habilidades sociais e utilizar procedimentos para promoção de desenvolvimento interpessoal em sala. Programas voltados à promoção de habilidades sociais em sala poderiam facilitar a aprendizagem acadêmica e social de estudantes com dificuldades de aprendizagem, amenizando os efeitos do fracasso escolar. Referências Almeida, S. F. C., Rabelo, L. M., Cabral, V. S., Moura, E. R. O., Barreto, M. S. F., & Barbosa, H. (1995). Concepções e práticas de psicólogos escolares acerca das dificuldades de aprendizagem. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 11, 117-134. Asher, S. R., & Coie, S. D. (Eds.). (1990). Peer rejection in childhood. New York: Cambridge University Press. Asher, S. R., & Rose, A. J. (1999). Como promover a adaptação social e emocional das crianças com os colegas. Em P. Salovey & D. J. Sluyter (Orgs.), Inteligência emocional da criança: Aplicações na educação e no dia-a-dia (pp. 247-289). Rio de Janeiro: Campus. Bryan, T., & Sherman, R. (1980). Immediate impressions of nonverbal ingratiation attempts by learning disabled boys. Learning Disabilities, 3, 19-28. Caballo, V. E. (1987). Teoría, evaluación y entrenamiento de las habilidades sociales. Valencia: Promolibro. Coie, J. D., Dodge, K. A., & Coppotelli, H. (1982). Dimensions and types of social status: A cross-age perspective. Developmental Psychology, 18, 557-570. Coie, J. D., & Kupersmidt, J. B. (1983). A behavioral analysis of emerging social status in boy’s group. Child Development, 54, 1400-1416. Curran, J. (1979). Pandora’s box reopened? The assessment of social skills. Journal of Behavior Assessment, 2, 55-71. Davis, C., Silva, M. A., & Espósito, Y. (1989). Papel e valor das interações sociais em sala de aula. Cadernos de Pesquisa, 71, 49-54. Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (1997). Habilidades sociais e construção de conhecimento em contexto escolar. Em D. R. Zamignani (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: A Aplicação da Análise do Comportamento e da Terapia Cognitivocomportamental no Hospital Geral e nos Transtornos Psiquiátricos (pp. 234-250). Santo André: ARBytes. Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: Vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes. Del Prette, A., Del Prette, Z. A. P., Pontes, A. C., & Torres, A. C. (1998). Efeitos de um programa de intervenção sobre aspectos topográficos das habilidades sociais de professores. Psicologia Escolar e Educacional, 2, 11-22. Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (1999). Psicologia das Habilidades Sociais: Terapia e Educação. Rio de Janeiro: Vozes. Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2003). Habilidades sociais e dificuldades e aprendizagem: Teoria e pesquisa sob um enfoque multimodal. Em A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette (Orgs.), Habilidades sociais desenvolvimento e aprendizagem: Questões conceituais, avaliação e intervenção (pp. 167-206). Campinas: Alínea. Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Treinamento de Habilidades Sociais na Infância: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Vozes. Elliott, S. N., & Greham, F. M. (1993). Social skills intervention for children. Behavior Modification, 17, 287-313. Caldarella, P., & Merrell, K. W. (1997). Common dimensions of social skills of children and adolescents: A taxonomy of positive behaviors. School Psychology Review, 26, 264-278. Fad, K. S. (1989). The fast track to success: Social behavioral skills. Intervention in School and Clinic, 3, 39-42. Coie, J. D., & Dodge, K. A., (1983). Continuities and changes in children’s social status: A five year longitudinal study. MerrilPalmer Quarterly, 29, 261-281. Frentz, F., Gresham, F. M., & Elliott, S. N. (1990). Popular, controversial, neglected, and rejected adolescents: Contrasts of social competence and achievement differences. Journal of School Psychology, 23, 109-120. 308 Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette Garcia, F. J., & Musitu, G. (1993). Rendimiento acadêmico y autoestima em el Ciclo Superior de EGB. Revista de Psicologia da la Educacíon, 4, 73-87. Givvin, K. B., Stipek, D. J., Salmon, J. M., & Mac Gyvers, V. L. (1998). In the eyes of the beholder: students’ and teacher’s judgments of students’ motivation (texto mímeo). Gresham, F. M. (1992). Social skills and learning disabilities: Causal, concomitant or correlational? School Psychological Review, 21, 348-360. Gresham, F. M. (1995). Best practices in social skills training. Em A. Thomas & J. Grimes (Orgs.), Best Practices in School Psychology-III (pp. 1021-1030). Washington DC: The National Association of School Psychologists. Gresham, F. M. (2001). Assessment of social skills in children and adolescents. Em W. W. Andrews & H. Saklofske (Orgs.), Handbook of Psychoeducational Assessment: Ability, Achievement and Behavior in Children (pp. 325-355). San Diego: Academic Press. Gresham, F. M., & Elliott, S. N. (1989). Social skills as a primary learning disability. Journal of Learning Disabilities, 22, 120-124. Gresham, F. M., & Elliott, S. N. (1990). Social skills rating system. Circle Pines: American Guidance Service. Gresham, F. M., Sugai, G., & Horner, R. H. (2001). Interpreting outcomes of social skills training for students with highincidence disabilities. Exceptional Children, 67, 331-344. Melo, M. H. S. (2004). Crianças com dificuldades de interação no ambiente escolar: Uma intervenção multifocal. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, Universidade de São Paulo, São Paulo. Merrell, K. W. (1993). School social behavior scales. Austin: Pro-ED. Miras, M. (2004). Afetos, emoções, atribuições e expectativas: O sentido da aprendizagem escolar. Em C. Coll, J. Palácios & A. Marchesi (Orgs.), Desenvolvimento psicológico e educação: Psicologia da Educação Escolar 2 (pp. 209-222). Porto Alegre: Artmed. Molina, R. C. M. (2003). Habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem: Uma análise funcional. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. Molina, R. C., & Del Prette, Z. A. P. (2002). Habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem: Uma análise funcional. Anais do V Congresso de Pesquisa e Educação da Região Sudeste: Tendências e Desafios (CDD 370), ISBN 85-903167-1-8, Águas de Lindóia, SP. Newcomb, A., Bukowski, W., & Patee, L. (1993). Children‘s peer relations: A meta-analytic review of popular, rejected, neglected, controversial, and average sociométrico status. Psychological Bulletin, 113, 306-347. Malecki, C. K., & Elliott, S. N. (2002). Children’s social behaviors as predictors of academic achievement: A longitudinal analysis. School Psychology Quarterly, 17, 1-23. O’Shaughnessy, T. E., Lane, K. L., Gresham, F. M., & BeebeFrankenberger, M. E. (2002). Students with at risk for learning and emotional-behavioral difficulties: An integrated system of prevention and intervention. Em K. L. Lane, F. M. Gresham & T. E. O’Shaughnessy (Orgs.), Children with or at risk for emotional and behavioral disorders (pp. 3-17). Boston: Allyn & Bacon. Maluf, M. R., & Bardelli, C. (1991). As causas do fracasso escolar na perspectiva de professoras e alunos de uma escola de primeiro grau. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 7, 255-262. Parker, J. G., & Asher, S. R. (1987). Peer relation and later personal adjustement: Are low accepted children at risk? Psychological Bulletin, 102, 357-389. Marturano, E. M., Linhares, M. B. M., & Parreira, V. L. C. (1993). Problemas emocionais associados a dificuldades na aprendizagem escolar. Medicina Ribeirão Preto, 26, 161-175. Pontecorvo, C. (sd). Social context, semiotic mediation and forms of discourse in constructing knowledge at school (Mimeo). Marturano, E. M., & Loureiro, S. M. (2003). O desenvolvimento sócio-emocional e as queixas escolares. Em A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette (Orgs.), Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem: Questões conceituais, avaliação e intervenção (pp. 259-291). Campinas: Alínea McClelland, M. M., Morrison, F. J., & Holmes, D. L. (2000). Children at risk for early academic problems: The role of learning-related social skills. Early Childhood Research Quarterly, 15, 307-329. Romero, A. (1995). As relações sociais das crianças com dificuldades de aprendizagem. Em C. Coll, J. Palácios & A. Marchesi (Orgs.), Desenvolvimento psicológico e educação: Necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar (pp. 71-82). Porto Alegre: Artes Médicas. Saint-Onge, M. (1999). O ensino na escola: O que é, como se faz. São Paulo: Loyola. Sánchez, J. N. G. (2004). Dificuldades de Aprendizagem e Intervenção Psicopedagógica. Porto Alegre: Artmed. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 299-310 309 Sisto, F. F., Boruchovitch, E., Fini, L. D. T., Brenelli, R. P., & Martinelli, S. C. (2004). Dificuldades de aprendizagem no contexto psicopedagógico. São Paulo: Vozes. Stone, W. L., & La Greca, A. M. (1990). The social status of children with LD: A reexamination. Journal of Learning Disabilities, 23, 32-37. Swanson, H. L., & Malone, S. (1992). Social skills and learning disabilities: A meta-analysis of the literature. School Psychology Review, 21, 427-443. Keogh, (Orgs.), Learning Disabilities: Theoretical and Research Issues (pp. 175-191). New Jersey: Lawrence Erlbaum. Vaughn, S., McIntosh, R., & Hogan, A. (1990). Why social skills training doesn´t work: An alternative model. Em T. Scruggs e B. Y. L. Wong (Eds.), Intervention in Learning Disabilities. Springer Verlag Publ. Vaughn, S., McIntosh, R., & Spencer-Rowe, J. (1991). Peer rejection is a stubborn thing: Increasing peer acceptance of rejected students with learning disabilities. Learning Disabilities Research & Practice, 6, 83-88. Vaughn, S. (1991). Social skills enhancement in students with learning disabilities. Learning about Learning disabilities. Copyright by Academic Press. Vigotsky, L. S. (2003). Psicologia Pedagógica (edição comentada). Porto Alegre: Artmed. Vaughn, S., & Hogan, A. (1990). Social competence and learning disabilities: A prospective study. Em H. L. Swanson e B. K. Weiss, M. L. L. (1992). Psicopedagogia clínica - uma visão diagnóstica. Porto Alegre: Artes Médicas. Recebido em: 29/01/2007 Revisado em: 13/06/2007 Aprovado em: 14/09/2007 Sobre os autores: Renata Cristina Moreno Molina ([email protected]) - Doutora em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar - SP Almir Del Prette ([email protected]) - Professor Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar – SP e orientador do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial. Endereço para contato: Renata Cristina Moreno Molina Rua Carlos Gomes, 3.671, Bairro Santa Angelina - CEP 14.802-165 310 Araraquara-SP Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso Modos de intervir com jovens deficientes visuais Marcia Moraes Resumo Este trabalho investiga as relações entre corpo e cognição entre jovens deficientes visuais. Dois estudos de caso são apresentados, fundamentados em contribuições da pesquisa ação-crítica e da teoria ator-rede. Os dois sujeitos eram cegos congênitos, ambos os alunos inscritos na Oficina de Teatro do Instituto Benjamin Constant (IBC), no Rio de Janeiro. Estes alunos eram também membros da Oficina de Expressão Corporal do IBC, que tinha como finalidade promover experimentações corporais lúdicas que facilitassem a construção das personagens. As ações propostas baseavam-se nos impasses e nas dificuldades vivenciadas pelos sujeitos durante os ensaios da peça. Os resultados indicam que a noção de corpo implica um certo modo de relacionar humanos e não-humanos. Constatou-se ainda que intervir sobre o corpo implica produzir novos universos cognitivos. Com tais resultados, problematizamse as relações entre psicologia e educação. Palavras-chave: cegueira; estudo de caso; cognição. Ways of research with visual handicapped youths: two case studies Abstract This study investigates the relations between body and cognition among visual handicapped youths. Two case studies are presented based on contributions from critical action research and from actor network theory. The subjects were born blind, both regular students enrolled at Benjamin Constant Institute’s Theatre Troupe, in Rio de Janeiro. These students were also members of Benjamin Constant Institute’s Body Expression Group that aimed to promote ludic body experimentations to easy the character building. The activities proposed were based on the difficulties experimented by the subjects when they were rehearsing the play. The results underlines that the notion of body implies connection between humans and non-humans and that to change body gestures is the same of creating new cognitives experiences. These results show the relevance of the relation between psychology and education. Keywords: blind; case study; cognition. Formas de intervenir con jóvenes deficientes visuales: dos estudios de caso Resumen El trabajo investiga las relaciones entre cuerpo y cognición entre jóvenes deficientes visuales. Son presentados dos estudios de caso fundamentados en contribuciones de la investigación acción crítica y de la teoría actor-red. Los dos sujetos eran ciegos congénitos y alumnos inscriptos en el Taller de Teatro del Instituto Benjamín Constant (IBC), en Rio de Janeiro. Estos alumnos también eran miembros del Taller de Expresión Corporal del IBC, que tenía como finalidad promover experimentaciones corporales lúdicas que facilitasen la construcción de los personajes. Las acciones propuestas se basaban en las dificultades vividas por los sujetos durante los ensayos de la obra. Los resultados presentados indican que la noción de cuerpo implica una cierta forma de relacionar humanos y no humanos. Todavía, se constató que intervenir sobre el cuerpo implica en producir nuevos universos cognitivos. Con esos resultados se discuten las relaciones entre psicología y educación. Palabras clave: ceguera; estudio de caso; cognición. 311 Introdução Este trabalho tem o objetivo de apresentar alguns resultados obtidos através do estudo de caso desenvolvido a alguns anos no Instituto Benjamin Constant (IBC), um centro de referência sobre deficiência visual, com mais de 150 anos de existência, situado no bairro da Urca, no Rio de Janeiro. Além disso, este trabalho apresenta algumas reflexões acerca das relações entre Psicologia e Educação, considerando em particular o modo como o saber psicológico produz conhecimento em suas interfaces com o campo da Educação. A pesquisa desenvolvida no Instituto Benjamin Constant foi elaborada numa parceria que envolveu pesquisadores ligados à psicologia1, a professora de teatro do IBC2 e os alunos desta instituição regularmente inscritos nas oficinas de teatro. De início o trabalho consistia em observar as atividades de teatro, as quais incluem jogos e experimentações lúdicas com a finalidade de promover a encenação de uma peça ao final de cada ano letivo no IBC. A encenação da peça no final do ano é um grande momento para toda a instituição, uma grande festa da qual participam alunos e professores. Nas primeiras observações foi delimitado o interesse em seguir a construção das personagens, isto é, havia interesse mais pelo processo do que pelo produto final, ainda que não se desconhecesse a importância do produto – a peça encenada – para todos os envolvidos naquele trabalho. Neste processo de observação das oficinas de teatro notou-se que havia naquela atividade um ponto relevante e que seria central nas reflexões posteriores. O grupo de teatro era formado por crianças e jovens com diferentes resíduos visuais e a platéia para a qual a peça era encenada era também formada por pessoas com e sem deficiência visual. Esta heterogeneidade da condição visual tanto dos membros do grupo quanto da platéia produzia uma série de questões: Como levar os alunos cegos a construírem personagens que seriam representados para tal platéia? De um lado, era preciso criar dispositivos que levassem os cegos a elaborarem seus personagens. De outro lado, era necessário fazer com que a peça pudesse ser inteligível também para a platéia. Assim, refletiu-se sobre os modos de intervenção com este grupo de teatro que pudessem agir no espaço entre o ver e o não ver, isto é, modos de intervir que pudessem levar em conta os referenciais que o cego utiliza para construir o seu universo cognitivo e, ao mesmo tempo, produzissem efeitos inteligíveis e capazes de afetar tanto cegos quanto videntes. De saída, seguindo as indicações de Masini (1994) buscouse modos de intervir imanentes – isto é, cujos referenciais partissem dos membros da oficina de teatro. Este desafio implicava, portanto, em problematizar as relações entre a psicologia e a educação uma vez que o trabalho era muito mais um mapeamento dos referenciais cognitivos dos membros da oficina de teatro do que a “aplicação de uma teoria” sobre a aprendizagem ou sobre o desenvolvimento cognitivo. É certo que este mapeamento era condição para que se pudesse planejar e organizar modos de agir e intervir naquele grupo. Após um ano de observação delimitou-se uma proposta de trabalho conjunto que consistia em atrelar à oficina de teatro uma oficina de expressão corporal cuja finalidade era criar dispositivos e experimentações corporal-sensoriais que levassem os alunos a construírem as suas personagens. O trabalho foi desenvolvido adotando alguns referenciais da perspectiva metodológica da pesquisa-ação crítica que se diferencia em alguns pontos da pesquisa-ação, tal como proposta por Lewin (1965) no final dos anos 60. Seguindo a argumentação de Rocha e Aguiar (2003), pode-se afirmar que o trabalho de Lewin é de fundamental importância no sentido de reformular os métodos de investigação em Psicologia. Foi Lewin quem ressaltou a importância da implicação do pesquisador no processo de investigação, desestabilizando a noção de neutralidade e objetividade que marcaram as pesquisas experimentais e, ao mesmo tempo, abriu o campo de investiga- 1 A equipe de pesquisadora era coordenada pela autora. Dela participavam as seguintes alunas da graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense: Luciana de Oliveira Pires Franco, Ana Gabriela Rebelo dos Santos, Aline Alves de Lima, Carolina Cardoso Manso. 2 Professora Marlíria Flávia Coelho da Cunha. 312 Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes ção em psicologia para além dos muros do laboratório. O enfoque lewiniano foi decisivo para a inserção dos grupos e coletivos sociais no campo de investigação da psicologia. No entanto, ainda que a pesquisa de campo lewiniana tenha constituído uma nova forma de ação no contexto social, “a ordem social é [neste enfoque] naturalizada e as crises e os conflitos são interpretados como desordens, efeitos disfuncionais, cujas resistências à mudança são alvos de intervenção” (Rocha & Aguiar, 2003, p.65). Diferentemente desta abordagem a pesquisa ação - crítica, proposta por Thiollent (2000), está ligada a projetos emancipatórios e autogestionários que visa a construir coletivamente o conhecimento, promovendo, portanto, uma imbricação inequívoca entre sujeito e objeto de pesquisa, de tal modo que o conhecimento produzido pelas ações implementadas pelo pesquisador é co-construído e partilhado entre pesquisador e pesquisado. Segundo Rocha e Aguiar (2003, p.65) entendida como uma ação que visa mudanças na realidade concreta com uma participação social efetiva, a pesquisa ação crítica está centrada no agir, através de uma metodologia exploratória, tendo seus objetivos definidos no campo de atuação pelo pesquisador e pelos participantes (...) Tais experiências caminham no sentido da articulação entre teoria/prática e sujeito/objeto, na medida em que conhecimento e ação sobre a realidade se fará na investigação das necessidades e interesses locais (...). Com relação aos pontos destacados, pode-se dizer que o trabalho encontra ressonâncias com a pesquisa ação-crítica. No entanto, reconhece-se que esta aproximação tem alguns limites. Isso porque, instruídos com as propostas de Latour (1994) e Despret (1999), buscou-se refletir acerca das relações entre humanos e não-humanos na construção do conhecimento, o que não é de modo algum tematizado na perspectiva da pesquisa ação-crítica. Se forem seguidas as pistas destes autores, pode-se afirmar que a construção do conhecimento se faz em rede (Latour, 1994), isto é, num plano de conexões híbrido no qual se articulam humanos e não-humanos. Ainda adotando as indicações da teoria ator-rede, proposta por Latour (1994) e de algum modo, seguida por Despret (1999), considera-se que as intervenções em psicologia produzem unidades de medida imanentes, ou seja, os referenciais de medida daquilo que é produzido pelas intervenções são pactuados e negociados com o grupo. Como já ressaltado, as ações realizadas com os participantes da pesquisa eram circunscritas nos limites entre o ver e o nãover. O desafio era encontrar modos de agir que fizessem sentido e fossem pertinentes aos modos de conhecer e viver daquele grupo. Assim, as ações que eram levadas a cabo eram retificadas, negociadas. Algumas ações planejadas e executadas não produziam efeitos – pelo menos não aqueles efeitos que eram esperados. Despret (1999) sublinha que a produção de conhecimento em psicologia implica em risco: não o risco de ser desmentido, mas sim o risco de não formular a boa pergunta para os sujeitos que participam da pesquisa. E a boa pergunta é aquela que faz derivar o conhecimento, colocando em análise e variação as versões do conhecimento que estavam em pauta. Desse modo, considera-se que este trabalho conduz a um modo de tratar das relações entre corpo e cognição entre jovens deficientes visuais e, ao mesmo tempo, a problematizar as relações entre psicologia e educação. Porque se de um lado, as ações executadas eram em certa medida, planejadas, de outro lado, elas eram modificadas pelo grupo. Assim os sujeitos da pesquisa não são passivos, submissos às ações da pesquisadora. Ao contrário, eles são ativos, são co-participantes, talvez fosse possível dizer, coautores do trabalho. Adotando esta postura metodológica, considera-se a ética um exercício da imanência, isto é, um modo de considerar o não-ver seguindo os referenciais do não-ver, um modo de pactuar com o grupo os limites entre o ver e o nãover. Limites que eram efetivamente pactuados quando se procurava elaborar um personagem que fizesse sentido para um cego e para um vidente. Questões epistemológicas: pensar longe das visões e afirmar as versões Em seu livro sobre as emoções, Despret (1999) estabelece uma interessante distinção entre visão e Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 311-322 313 versão no que diz respeito à construção do conhecimento. Um conhecimento que se propõe como visão do mundo se impõe de fora, “[a visão] invade o campo” e o desvela sob o modo da evidência e da revelação. Assim, uma visão exclui outras. Neste sentido, o trabalho não se propõe a afirmar uma visão sobre o papel do corpo como suporte da cognição entre jovens deficientes visuais, isto é, não se pretendeu revelar o que são e como funcionam o corpo e a cognição em um jovem cego. No estudo pretendeuse produzir uma versão desta relação entre cognição e corpo. A propósito do termo versão, Despret (1999, p. 37) afirma que ele “parece melhor do que qualquer outro para dar conta desta coexistência múltipla de saberes, de definições contraditórias e de controvérsias”. A versão não se impõe, ela se constrói. Ela não se define no registro da verdade ou da mentira e da ilusão, mas naquele do devir: devir de um texto incessantemente retrabalhado e revirado, devir de um mundo comum, devir das reviravoltas e das traduções. A versão não desvela o mundo nem o vê-la, ela o faz existir num modo possível. A versão não é o feito de um homem sozinho, ela é fonte e fruto da relação, ela é trabalho, no seio da relação, ela é negociação que se desvia, se transforma, se traduz (Despret, 1999, p.44). Um dispositivo pode se definir em termos de ocasiões para uma versão, isto é, um dispositivo se constitui como uma oferta de oportunidade feita a um fenômeno. Por esta via, foi proposta uma reflexão sobre o trabalho na oficina de expressão corporal com jovens deficientes visuais como um dispositivo que faz existir uma certa relação entre o corpo e a cognição e, ao mesmo tempo, um certo modo de tematizar esta relação. É neste sentido que se entende que tal dispositivo implica uma relação de co-produção entre o objeto e o sujeito da pesquisa. O trabalho se situa numa linha de investigação herdeira da psicologia do século XIX, já que a atenção dirigiu-se para a cognição em suas articulações com o corpo. No entanto, neste ponto é necessário estabelecer duas ressalvas fundamentais. A primeira diz res314 peito ao sentido dado ao termo herdeira: Ao se considerar de algum modo, herdeiros da psicologia do século XIX, que sentido atribui-se a esta idéia de herança? A segunda ressalva diz respeito ao estatuto conceitual da noção de corpo como suporte da cognição: Considera-se como eixo deste trabalho a noção de corpo-máquina, fundada na física mecanicista e retomada pela fisiologia experimental do século XIX ou estabeleceu-se novos referenciais teórico-práticos para tratar desta noção? A herança como vetor de transformação Despret (1999) apresenta uma concepção de herança que se afasta das idéias de continuidade histórica e de origem na história. Para afirmar esta idéia a autora baseia-se na conhecida fábula árabe sobre os 12 camelos, que é apresentada por Tahan (1955) numa versão um pouco diferente, mas que serve aos mesmos propósitos: um homem muito velho, próximo da morte, reúne seus três filhos para dividir com eles os seus únicos bens que são onze camelos. Ao primogênito, deixa metade dos bens; ao filho do meio, a quarta parte e ao mais novo a sexta parte. Quando o pai morre, os filhos ficam atônitos. Como dividir esta herança? 11 camelos não são divisíveis por dois, por quatro nem por seis, como podiam os filhos partilhar a herança conforme a vontade do pai? Atônitos, os filhos decidem procurar ajuda recorrendo aos conselhos de um sábio. Este lhes diz que a única coisa que pode fazer é dar-lhes o seu velho camelo, desdentado, magro, mas muito valioso uma vez que ele irá ajudar os jovens na divisão da herança. Com o presente recebido do sábio os filhos somam 12 camelos e podem finalmente dividir a herança segundo a vontade do pai: o mais velho recebe seis camelos, ou a metade dos bens; o do meio fica com três, o que equivale à quarta parte; e o mais novo herda dois camelos, ou seja, a sexta parte dos 12 camelos. Ao final da divisão o camelo desdentado é devolvido ao velho sábio como forma de reconhecimento e gratidão. Esta fábula permite levantar a questão acerca da transmissão através da herança. Os filhos recebem do pai algo que não pode ser transmitido sem se transformar. A herança não está dada, antes deve ser construída a partir do 12º camelo. Este por si só não Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes é a solução do problema, mas sim aquilo que transforma o problema de modo a que ele possa ser solucionado. Segundo Despret “uma herança se constrói e tudo o que participa desta construção torna-se um devir possível desta herança” (1999, p.28). Desse modo, se de um lado os filhos são produtos de uma herança, de outro lado, eles são os vetores de transformação desta herança. Entender, portanto, a herança como vetor de devir e de transformação leva a uma reflexão que diz respeito ao problema desta pesquisa, isto é, através dos estudos de caso, analisar as relações entre a cognição e o corpo, temática de certo modo herdada da psicologia do século XIX. No entanto, herdaram-se os impasses, as controvérsias, não as soluções prontas e definitivas. Neste sentido, considera-se o corpo a partir daquilo mesmo que aparecia como o seu limite na psicologia do século XIX: a sua labilidade, sua parcialidade. Se a cognição enraíza-se no corpo, que desenho da cognição pode-se esboçar se são consideradas como positivas as noções de labilidade e parcialidade do corpo? A psicologia experimental do século XIX investigava a cognição a partir de sua articulação com o corpo considerado como referencial de objetividade, de quantificação e de controle. A aliança entre a psicologia e a fisiologia experimental foi neste sentido uma aliança em torno de uma certa concepção de ciência. Ciência positivista cujo modelo era representado pelas ciências da natureza. Definiu-se este trabalho como herdeiro do século XIX na medida em que esta herança implica um vetor de devir e de transformação: o que interessa não é seguir o corpo entendido como extensão e movimento, mas sim, acompanhar as suas derivas, as suas errâncias, as suas variações a partir das múltiplas conexões que estabelece com o mundo. Trata-se, portanto, de uma herança que levará ao mesmo tempo a definir um outro objeto para a psicologia e a entender de outro modo as relações entre a cognição e o corpo. Por esta via, neste trabalho operou-se um duplo deslocamento. Por um lado, deslocou-se a centralidade da visão nos estudos sobre a cognição quando se perguntou o que é o conhecer sem o ver. A relação entre o conhecer e o ver estabelece um referencial de investigação bastante forte tanto na psicologia quanto na filosofia. O paradigma visuocêntrico (Belarmino, 2004) marcou as pesquisas no campo da psicologia cognitiva, em particular nos estudos acerca da percepção. Por outro lado, deslocaram-se as alianças teórico-práticas que se estabeleceram para definir a psicologia. Os aliados não são mais os instrumentos da psicofísica, nem a bancada do laboratório de pesquisa experimental. Propõe-se estabelecer uma aliança entre a psicologia e as artes, em particular as artes cênicas. Daí, o interesse em seguir um grupo de teatro formado por jovens cegos e portadores de baixa visão a fim de acompanhar os impasses corporal-cognitivos que são produzidos a partir dos jogos teatrais. Neste percurso, impõe-se como tarefa seguir as marcas, os vestígios, os rastros que estes jogos teatrais produzem nos corpos dos deficientes visuais levando-os a conhecer diferentemente o mundo a sua volta. A experiência do teatro com cegos e portadores de baixa visão permite acompanhar o modo como a pessoa utiliza os sentidos para a elaboração do mundo e do universo do personagem. O espaço cênico cria um campo de aprendizagem que engloba diversos pontos fundamentais no desenvolvimento cognitivo da criança cega: a orientação e a locomoção, as relações interpessoais, a orientação do corpo no espaço etc. O trabalho de construção dos personagens bem como a memorização do texto implica, portanto, um dispositivo cognitivo que leva à criação e a produção de um universo cognitivo cujos efeitos são incorporados pela criança em seu dia-a-dia. O ponto central a ser destacado neste processo é aquele que diz respeito ao papel que a arte assume na construção do mundo cognitivo/perceptivo das crianças. Isso significa dizer que as percepções e aprendizagens que o teatro viabiliza passam a ser incorporada à vida da pessoa deficiente visual, ao seu cotidiano. Masini (1994) comenta que a educação do cego e da pessoa com baixa visão é, na maior parte das vezes, centrada em padrões adotados pelos videntes. Segundo a autora, educar deficientes visuais de acordo com padrões dos videntes produz um desconhecimento das especificidades do ser deficiente visual. Isso significa que conhecer o modo como estas pessoas conhecem o mundo é fundamental para a elaboração de estratégias pedagógicas voltadas para o cego Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 311-322 315 e o portador de baixa visão. Outros autores que investigam o tema da cegueira seguem a mesma argumentação de Masini (1994) no que toca à necessidade de buscar conhecer os modos singulares e próprios pelos quais o deficiente visual conhece e se relaciona com o mundo a sua volta. Assim, Belarmino (2004) analisa historicamente a centralidade da visão nas pesquisas sobre o conhecer e chama a atenção para a necessidade de se investigar outras modalidades de conhecimento, em particular aquela que se centra na percepção tátil. Para a autora, o tato é um órgão de conhecimento que se estende por todo o corpo. Belarmino (2004) sublinha a importância de na educação da pessoa com deficiência visual se tomar como referência a mundividência tátil, isto é, a construção da cognição por meio do exercício da percepção tátil. Caiado (2003) apresenta várias entrevistas com deficientes visuais a fim de investigar os impasses vividos por estas pessoas durante suas vidas escolares. Muitos dos relatos apresentados indicam a importância de enraizar o ensino nas experiências corporais do deficiente visual, buscando assim mobilizar a experiência corporal do deficiente visual a fim de promover a aquisição de conhecimentos. Batista (2005) também aponta considerações que vão nesta mesma direção quando analisa a formação de conceitos em pessoas cegas. No teatro, a elaboração de cada personagem passa por diversas etapas e o que se pode notar é o progressivo envolvimento da criança com o universo da personagem. Merece destaque o papel que o corpo assume na construção e elaboração das personagens. Falar da importância do corpo na construção da personagem não traz em si nenhuma novidade. O que significa, portanto, dizer que entre as crianças deficientes visuais é o corpo o suporte das elaborações e do trabalho de construção das personagens? Qualquer ator poderia afirmar o mesmo, sem dúvida. O que nos interessa circunscrever com esta afirmação é que não se trata do corpo-máquina, mas sim de um corpo construído, elaborado a partir das múltiplas conexões que estabelece com o universo teatral: o texto, o cenário, o figurino, o espaço do palco, os outros atores, a música etc. O processo de construção e elaboração das personagens engloba a produ316 ção de tais articulações do corpo com o mundo. A partir destas articulações são produzidos tanto o corpo, com sua fala e gestos próprios, quanto ao mundo conhecido. Corpo e mundo são co-construídos a partir de tais articulações. Partindo destas contribuições teóricas, este trabalho de pesquisa pretendeu investigar o papel da arte cênica como recurso pedagógico voltado para o ensino do deficiente visual, focando principalmente na relação entre corpo e cognição. Para alcançar este objetivo geral foram estabelecidos dois objetivos específicos: elaborar e executar intervenções que visassem produzir as posturas, gestos e cognições dos personagens a serem interpretados na peça. Destaca-se que para a realização deste objetivo era fundamental levar em conta as demandas do grupo; analisar dois casos a fim de acompanhar os efeitos que estas intervenções produziram. Método Participantes As oficinas de expressão corporal aconteceram durante todo o ano de 2005, uma vez por semana, com duração de uma hora e meia cada encontro. Tais oficinas eram coordenadas pelas pesquisadoras e dela participaram 10 alunos do IBC que fazem a oficina de teatro. Dentre estes alunos 3 tinham cegueira congênita e 7 eram portadores de baixa visão, com graus variados de resíduos visuais, com idades entre 9 e 16 anos. Para a definição de cegueira adotou-se o critério funcional ou educacional referido por Amarilian (1997). Segundo este referencial é considerado cego o sujeito que faz uso exclusivamente do Sistema Braille para a leitura e a escrita e é considerado portador de baixa visão aquele que, através de recursos óticos e outros, lê e escreve fazendo uso de material impresso em tinta. Assim, sabe-se que alguns dos sujeitos cegos possuíam algum resíduo visual – por exemplo, a capacidade de distinguir luz e sombra, capacidade para perceber alguns obstáculos. Os sujeitos que ficaram cegos antes dos 5 de idade são considerados cegos congênitos. Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes Os estudos de caso foram realizados por meio das notas e observações do que se passou na Oficina de Expressão Corporal com dois dos seus participantes. Todos os alunos que eram membros do grupo de teatro faziam parte também das Oficinas de Expressão Corporal que eram organizadas em torno dos impasses que os jovens vivenciavam na construção dos seus personagens. A proposta de intervenção implicava um processo de construção recíproca no qual as ações eram constantemente renegociadas com o grupo, modificadas, colocadas em risco. Ao mesmo tempo, observou-se que os jovens problematizavam suas experiências, seus modos de conhecer o mundo a partir dos trabalhos na Oficina de Expressão Corporal. Descrição dos sujeitos dos estudos de caso Caso 1- Participante – menina de 11 anos, cega congênita que estava participando do grupo de teatro pela primeira vez. A menina fazia outras atividades artísticas como canto e piano. No entanto, até aquele momento nunca havia realizado nenhum trabalho que envolvesse atividades de experimentação corporal. Caso 2- Participante – rapaz de 16 anos, cego congênito, participava pela primeira vez do grupo de teatro. Este rapaz apresentava em seu cotidiano movimentos estereotipados de balançar as mãos e o corpo. O rapaz não se locomovia com o auxílio da bengala, andava sempre amparado pelos colegas, pelo responsável ou tateando. O rapaz ainda não tinha feito nenhuma atividade voltada para a orientação e a mobilidade, comuns entre os deficientes visuais de sua faixa etária e não estava envolvido em nenhuma outra atividade artística. Procedimento Cada encontro era construído em torno dos impasses que os alunos experimentavam na construção dos seus personagens. A cada impasse relatado pelos alunos, uma estratégia de ação era proposta. Algumas vezes tais estratégias eram redimensionadas pelos alunos, algumas apareciam como intervenções fracas, com as quais os alunos não se articulavam, com relação às quais eles eram recalcitrantes. A noção de recalcitrância proposta por Latour (1997) é comen- tada por Tsallis (2005, p.20-23) ao afirmar que a “recalcitrância acontece no terreno do vínculo, da relação. Ela explicita (...) um acontecimento singular [e pode ser utilizada como] uma medida para estabelecer os possíveis mapas sobre a movimentação dos vínculos”. A recalcitrância colocava então todo o dispositivo em análise, fazendo a reformulação das ações. Deste modo, os efeitos cognitivos iam sendo criados, inventados ao mesmo tempo em que o conhecimento sobre tais efeitos era articulado. Os grupos eram coordenados por duas pesquisadoras, enquanto as outras três tomavam notas em um caderno e faziam registros através de fotos. As notas eram digitalizadas e reunidas num único documento. Alguns encontros foram registrados em gravador e depois transcritos. Os responsáveis pelos jovens que participaram da Oficina de Expressão Corporal assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido autorizando a realização dos estudos de caso e a publicação dos resultados. Resultados e Discussão Os resultados foram discutidos em parceria com a professora de teatro do IBC. Na análise dos resultados consideraram-se pertinentes alguns eixos: o papel dos não-humanos, as transformações do corpo, as transformações no modo de conhecer o mundo, as negociações dos limites entre o ver e o nãover no dispositivo do grupo de expressão corporal. Caso 1: Corpo de bailarina Partiu-se de uma questão levantada pelo grupo de teatro durante os ensaios da peça A Loja da Alegria (Cunha, 2005) encenada no IBC em novembro de 2005. A peça contava a história de uma loja de brinquedos onde estes ganhavam vida sempre que o dono de loja dela se ausentava. Havia vários personagensbrinquedos: um motociclista, um corredor, um lutador, uma bailarina. Na análise do caso 1 acompanhouse a construção desta última personagem. Durante os ensaios da peça e nas oficinas de expressão corporal havia um impasse no que diz respeito à personagem bailarina: aqueles alunos com re- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 311-322 317 síduos visuais tinham uma concepção do ser bailarina inteiramente desconhecida da menina cega que faria o personagem porque muitos tinham memórias visuais envolvendo bailarinas. Esta menina não conseguia entender o que os colegas diziam acerca da bailarina: “ela é leve, dança levantando as mãos, gira em torno do próprio corpo”. Embora entendesse o sentido das palavras, a menina não conseguia “encarná-las”, isto é, não conseguia devirbailarina, ter um corpo-bailarina. O impasse que tal dificuldade produzia atingiu todo o grupo e fez aparecer um problema: O que é ter um corpo-bailarina? O que pode um corpo-bailarina? Tais questões nortearam o trabalho do grupo por vários encontros e foram deslocadas, traduzidas para uma outra questão: Como produzir um corpo-bailarina numa menina cega congênita? Como fazê-la afetar-se pelo mundo da bailarina levando-a a inventar o seu corpo-bailarina? Num primeiro momento, as psicólogas explicaram o que é ser bailarina. Tal estratégia mostrou-se pouco articulada, a menina não era afetada pelas palavras, não se modificava a partir do que lhe era dito. Tal situação produziu um deslocamento nas intervenções propostas. Foi planejada uma série de atividades que tinha como finalidade produzir um campo de experimentações, um mundo-bailarina. Primeiramente, foi perguntado ao grupo de alunos o que cada um conhecia da bailarina. Algumas posturas corporais da bailarina foram destacadas pelo grupo: · a bailarina fica toda esticadinha; · a bailarina pula alto, “quase voa”; · parece que ela é leve, leve, como se fosse uma pluma; · ela usa roupas leves, a saia da bailarina é toda leve e é bem diferente de uma saia feita de jeans, por exemplo. Estas e outras características foram apontadas pelo grupo. A partir deste levantamento, foram propostas experiências corporais e sensoriais que mobilizassem o corpo todo e que pudessem fazer conexão com o que era dito sobre a bailarina. Portanto, buscavam-se mecanismos de tradução que produzissem um deslocamento do universo das palavras para aquele dos sentidos e das experiências corporais. Destaca-se que por tradução entendia-se 318 um deslocamento, um desvio de rota, uma mediação ou invenção de uma relação antes inexistente que de algum modo modifica os atores nela implicados. Tradução não se confunde com interação (...) O sentido de tradução envolve ao mesmo tempo um desvio e uma articulação de elementos díspares e heterogêneos (Moraes, 2004, p.326) Desse modo, a primeira atividade proposta foi experimentar as roupas da bailarina: uma saia feita de plumas e outra de um tecido bem leve foram tateadas pelos alunos. As saias passaram de mão em mão, foram cheiradas, alisadas e os alunos constataram que ela era bem diferente de uma saia feita com tecido grosso como o jeans. Os alunos vestiram as roupas da bailarina e solicitaram que as pesquisadoras colocassem música para que eles pudessem perceber como a saia podia ser movimentada ao som das músicas. As pesquisadoras decidiram colocar dois tipos de música: valsas e músicas brasileiras cujas letras falavam de bailarinas. Ao som das músicas os alunos começaram a dançar: “como se dança na ponta dos pés?”- perguntou uma aluna cega. E concluiu ela mesma: “a bailarina dança e anda na ponta dos pés, com passos de formiga que quer guardar um segredo, anda sem fazer barulho”. Outras experiências foram trabalhadas: o som da música, o tatear de outras peças do vestuário da bailarina. Uma poesia sobre bailarinas, de autoria de Meireles (1996), foi lida para o grupo e cada um pôde comentar o que era indicado naquela poesia sobre o corpo da bailarina, o mundo da bailarina. Uma questão, no entanto, permanecia em aberto para a menina que iria interpretar o personagem: “a leveza, o que é isso, como fazer para que o corpo pareça leve?” A fim de dar conta desta questão, as pesquisadoras propuseram duas atividades que envolviam um enorme balão de gás. Dentro do balão de gás foram colocados grãos de arroz de modo que quando o balão era movimentado os grãos de arroz produziam um som suave. Optou-se pelo uso deste material e não de guizos, muito comuns, por exemplo, no jogo de futebol com cegos. Por que o arroz e não o guizo? Considerou-se que o guizo produzia um som Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes descontínuo, quando a intenção era que o som também pudesse transmitir a continuidade dos movimentos da bailarina. A primeira atividade, com o balão de gás consistiu em articulá-la aos movimentos dos braços da bailarina. Desse modo, as pesquisadoras pediam que a menina segurasse o balão e diziam: “a bailarina abraça este balão na frente do corpo, depois o levanta até o alto da cabeça, depois o leva para o lado”. Com estes movimentos dos braços articulados ao balão, a menina ia construindo os movimentos dos braços da bailarina que sobem ao ar arqueados, depois descem para um lado e depois para o outro. Todas as crianças, inclusive aquelas com baixa visão, fizeram estes movimentos com a mediação do balão. A segunda atividade, com o balão consistiu em colocá-lo sobre um enorme lençol que era segurado pelas pesquisadoras. As crianças ficaram sob o lençol e empurravam o balão. Esta experiência produziu comentários: “como a bola é leve, ela voa alto, basta um toquinho e ela já voa”, foi o que disse uma menina com baixa visão. Ao final destas experiências a menina cega finalmente concluiu: “a bola é leve e a bailarina também é leve” e em seguida disse: “meu corpo pode ficar leve como esta bola”. Interessante notar que estas intervenções produziram um grupo-bailarina, com o qual a menina se articulava. Naquele grupo-bailarina não havia mais a distinção entre cegos e portadores de baixa visão, bailarinas e não-bailarinas. Ali havia um grupo, um coletivo, no sentido proposto pela teoria ator-rede, ou seja, uma articulação de humanos e não-humanos que produzia efeitos, inventando um mundo bailarina único, singular. Considerou-se relevante ressaltar que o grupo de expressão corporal funcionou como um dispositivo, no sentido afirmado por Despret (2004), isto é, um dispositivo que produz novas formas de falar, novas formas de articular humanos e não-humanos e, ao mesmo tempo, novas formas de interrogar o que é a cognição e o corpo. Caso 2: Articulando ritmos musical e corporal As posturas corporais deste rapaz eram marcadas por vários movimentos estereotipadas os quais, conforme informado pelo seu responsável, apareceram quando ele tinha entre 7 ou 8 anos. Nas atividades do dia-a-dia no IBC era comum que ele balançasse repetidamente as mãos, coçasse as pernas, pulasse, movimentos que também se faziam notar tanto durante os ensaios da peça quanto nos encontros da Oficina de Expressão Corporal. Tais movimentos não faziam parte do contexto corporal do seu personagem na peça: um velhinho, um pouco distraído, dono da loja de brinquedos. Do mesmo modo que no caso da construção da bailarina, observou-se que não era suficiente dizer ao rapaz que ele devia parar de balançar as mãos ou de coçar as pernas. A professora de teatro sugeriu que o personagem fizesse uso de uma bengala, um objeto que muitas pessoas velhas utilizam para auxiliar o caminhar. O objetivo era “ocupar” as mãos do rapaz de modo a que as estereotipias fossem deixadas de lado. Destaca-se que este rapaz, embora cego congênito, nunca havia sido treinado para o uso de bengala. Portanto, duas questões devem ser sublinhadas. Em primeiro lugar, o rapaz embora soubesse que muitas pessoas cegas usam bengalas, não tinha, ele próprio, a experiência corporal com o uso deste instrumento já que se locomovia com a ajuda de outros colegas ou tateando a sua frente para evitar os obstáculos. Em segundo lugar, e na mesma direção, o rapaz sabia que existem no mundo pessoas chamadas de “velhinhas”, mas ele não tinha nenhuma vivência corporal que pudesse auxiliá-lo na construção dos gestos e das posturas do velhinho que iria interpretar. A fim de conhecer o modo como o rapaz conhecia os usos de uma bengala, as pesquisadoras perguntaram a ele: “Para que serve uma bengala?” E ele respondeu: “para ver se tem obstáculos no caminho”. E as pesquisadoras: “então mostre como se pode usar a bengala para ver se tem obstáculo”. O rapaz colocou o braço esticado para o alto e a bengala suspensa no ar sendo agitada de um lado para outro. Tais movimentos indicavam que ele desconhecia o habitual modo como um cego utiliza a bengala, isto é, à frente do corpo, sendo levada de um lado para outro e com uma de suas extremidades em contato com o chão. As pesquisadoras então perguntaram: “Você sabe por que pessoas velhas usam bengalas?” O jovem não sabia. Após estas experiências, uma das pesquisadoras sugeriu ao rapaz que, ao invés de usar a bengala, o seu Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 311-322 319 personagem tocasse um tambor. As pesquisadoras sabiam que ele tinha uma enorme capacidade de produzir ritmos com pandeiros, tambores e quaisquer outros objetos que pudesse batucar. A articulação do corpo com o tambor produziu efeitos interessantes. O ritmo das batidas que ele dava no tambor pareciam se coadunar com o ritmo de suas estereotipias. O resultado era uma produção sonora bastante rica que algumas vezes parecia um samba, outras vezes um som circense. A partir deste momento, o trabalho foi o de articular o som produzido com as falas do personagem que o menino interpretava. Um universo de novas questões abriu-se a partir desta articulação: corpo-tambor-música-fala do personagem. Que sons poderiam ser produzidos para cada um dos personagens da peça? Em que momentos batucar e em que momentos silenciar o tambor? Eram questões trabalhadas em grupo. Merece destaque ainda que a presença do tambor foi crucial para que se desenvolvesse um traço cômico do personagem. Como ele era um velhinho meio distraído, o rapaz inventou um certo modo de desafinar: o velho batucava, cantava, mas desafinava um pouco, tossia e engasgava no meio das músicas, errava as letras das músicas. Estas intervenções mobilizavam todo o grupo porque os outros alunos da Oficina de Expressão Corporal participavam das decisões acerca do quando batucar, quando silenciar o tambor, além de opinarem também quanto à escolha das músicas que deveriam ser tocadas para marcar a interação do velhinho com os demais personagens. Assim, ao interagir com a bailarina, o velhinho cantava e batucava uma música muito diferente daquela que era dirigida a outro personagem, por exemplo, ao motociclista, ou ao lutador. Era o grupo todo que se articulava com o tambor e seus sons e músicas. Considerações Finais Estes resultados indicam a necessidade de retomar o tema do corpo como suporte da cognição. Nos casos observados, considera-se o corpo, não como corpo-máquina, mas como algo que é produzido, que é efeito de conexões entre actantes díspares e heterogêneos, humanos e não-humanos. 320 No grupo observado, os não-humanos foram actantes importantes que, ao se articularem com os corpos das crianças cegas, produziram universos cognitivos que não foram dados, anteriormente. Em outras palavras, parece que se pode considerar que, no caso da bailarina, o corpo-balão foi um actante que produziu efeitos que não foram dados anteriormente e nem previstos. A articulação corpo-balão produziu uma bailarina única, singular, própria daquela menina que experimentou esta articulação. Na perspectiva da teoria ator-rede, proposta na atualidade por Latour (1997), entre outros autores, pode-se dizer que o corpo-balão é um híbrido, um actante, que não se reduz nem a um sujeito puro, entendido como pura abstração, nem a um corpo, entendido como pura materialidade. A cognição foi produzida na interface corpo-balão. Foi esta articulação que produziu por um lado, um conhecimento de si, do seu corpo, do que ele pode fazer em termos de gestos, movimentos, etc. e por outro lado, um conhecimento do mundo, do mundo da bailarina, com a música, as suas roupas, a sua leveza. A cognição neste caso, longe de ser atributo de um sujeito isolado, é efeito de conexões que se estabelecem em rede: numa rede que articula actantes díspares. Do mesmo modo, na experiência corpo-tambor observa-se a produção de uma articulação entre o ritmo do corpo e o ritmo da música. Dito em outras palavras, parece que a articulação corpo-tambor pode ser entendida como um híbrido que produziu como um de seus efeitos outros sentidos para as estereotipias. Assim, pode-se dizer que a articulação estereotipia-música-tambor modifica a estereotipia. Na perspectiva das redes, seguiram-se alianças entre os actantes, seus rastros, suas transformações. Longe de considerar cada elemento isoladamente, enfocaram-se as conexões entre os actantes e os efeitos que tais conexões produziram. O trabalho de campo levou, portanto, a redefinição do corpo como suporte da cognição. Para isso, buscaram-se alianças não no enfoque experimental, mas em ferramentas conceituais que permitissem refletir sobre corpo e suas redes. No campo da filosofia retomam-se algumas contribuições do filósofo Michel Serres, que entende o corpo como variação, como dife- Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes renciação que implica na construção do mundo e de si. Assim, o trabalho de campo leva a concluir que o sujeito e o mundo são co-construídos através das atividades do teatro. Nas palavras do filósofo, “o corpo é o suporte da intuição, da memória, do saber, do trabalho e, sobretudo, da invenção” (Serres, 2004, p.36). Na atualidade, Bruno Latour (1999) afirma que ter um corpo é ser afetado, movido e efetuado por conexões com outros homens e com não-humanos. Isso significa dizer que o corpo é o efeito de redes de articulação que ligam humanos e dispositivos técnicos os mais heterogêneos e díspares. Foram estas afetações que foram acompanhadas por meio das observações no campo pesquisado. Tais observações permitiram ainda levantar dois pontos relevantes: No trabalho desenvolvido com os deficientes visuais foi extremamente relevante considerar o referencial que estas pessoas têm do mundo, os seus modos singulares de conhecer. O ponto de partida das atividades observadas eram as questões vivenciadas pelo grupo. Percebe-se que de nada adiantava dizer ao rapaz cego para usar a bengala: ele não conhecia a bengala do mesmo modo que os videntes a conhecem. O mesmo ocorria com a menina cega: ela não conhecia os movimentos típicos de uma bailarina, portanto, era inútil apenas dizer para ela: levante os braços, ande na ponta dos pés. Tais palavras, centradas nas experiências cognitivas dos videntes careciam de sentido para a menina cega. Portanto, conclui-se que, como indicado por Masini (1994), a educação da pessoa com deficiência visual deve ser guiada pelos referenciais que o deficiente visual possui do mundo. A construção do conhecimento ocorre numa rede que articula humanos e não-humanos. Trata-se de uma cognição distribuída por diversos actantes, cognição que ocorre numa articulação com o corpo, com os não-humanos. Nos casos observados, os não-humanos foram actantes fundamentais para a produção do conhecimento. Sem o balão de gás, o tambor, a música, as roupas da bailarina, não seriam produzidos os efeitos cognitivos que levaram aquelas pessoas a conhecerem o ser bailarina e o ser velho. Por esta via, é necessário a buscar novas ferramentas conceituais para definir o que é a cognição e, conseqüentemente, novas ferramentas para pensar o que é a própria psicologia, para construir uma psicologia em ação. Neste sentido, a relação entre a psicologia e a educação são também relações de construção recíproca, de invenção e criação de modos de agir que podem produzir modos de ensinar distintos dos tradicionais modelos centrados na repetição e na imitação. Assim, de um lado este trabalho pode oferecer subsídios aos profissionais de educação que lidam com deficientes visuais para refletirem sobre suas práticas; de outro lado, ele também levanta questões que levam a perguntar sobre o modo como a psicologia produz conhecimento, sobre quais são os seus alcances e limites. Em última instância, seguindo os termos de Despret (1999), pode-se dizer que a interface entre psicologia e educação produz derivas, transformações em ambos os domínios. Referências Amarilian, M. L. T. (1997). Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da cegueira por meio de desenhos-estórias. São Paulo: FAPESP. Batista, C. (2005). Formação de conceitos em crianças cegas: questões teóricas e implicações educacionais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 21(1), 7-15. Belarmino, J. (2004). Aspectos comunicativos da percepção tátil: a escrita em relevo como mecanismo semiótico da cultura. Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Caiado, K. (2003). Aluno Deficiente Visual na Escola: lembranças e depoimentos. Campinas: Autores Associados. Cunha, M. F. (2005). A Loja da Alegria. Roteiro de peça teatral não publicado. Despret, V. (1999). Ces émotions que nous fabriquent. Paris: Lês empecheurs de penser en rond. Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos. (C. I. Costa, trad.). Rio de Janeiro: Editora 34. Latour, B. (1997). Des sujets recalcitrants. La Recherce, 301, 88-90. Latour, B. (1999). How to talk about the body? The normative dimension of science studies. [On line]. Disponível: http:// www.ensmp.fr/~latour/articles/article/077.html. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 311-322 321 Lewin, K. (1965). Teoria de Campo em Ciência Social. (C. M. Bori, trad.). São Paulo: Pioneira. Serres, M. (2004). Variações sobre o corpo. (E. A. Carvalho, trad.). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Masini, E. (1994). O perceber e o relacionar-se do deficiente visual. Brasília: Coordenadoria Nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência. Tahan, M. (1955). Os trinta e cinco camelos. Em M. Tahan (1955) Seleções – Os melhores contos. Rio de Janeiro: Conquista. Meireles, C. (1996). A bailarina. Em C. Meireles (Ed.), Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Thiollent, M. (2000). Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez. Moraes, M. (2004). A ciência como rede de atores: ressonâncias filosóficas. História, Ciência e Saúde – Manguinhos, 11(2), 321-333. Tsallis, A. (2005). Entre terapeutas e palhaços: a recalcitrância em ação. Tese de doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Rocha, M., & Aguiar, K. (2003). Pesquisa intervenção e a produção de novas análises. Psicologia: Ciência e Profissão, 23(4), 64-73. Recebido em: 28/05/2007 Revisado em: 03/12/2007 Aprovado em: 29/01/2008 Sobre a autora: Marcia Moraes ([email protected] ou [email protected]) - Professora do Programa de Pós-graduação strito senso em Psicologia da Universidade Federal Fluminense. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC / SP. Consultora Científica no Centro de Estudos sobre Subjetividade, Cegueira e Baixa Visão do Instituto Benjamin Constant. Endereço para correspondência: Rua Desembargador Cesínio Paiva 15 São Francisco - Niterói - RJ - CEP: 24360 – 530 Nota da autora: O trabalho contou com o apoio financeiro dos programas de iniciação científica (PIBIC) da Faperj e do CNPq. Agradeço à professora de teatro do Instituto Benjamin Constant (IBC) Marlíria Flávia Coelho da Cunha, por ter permitido que o trabalho de campo fosse realizado. Agradeço também aos profissionais do IBC que me acolheram naquela instituição, aos responsáveis pelas crianças que autorizaram a realização da pesquisa. Por fim, agradeço de modo especial às alunas de graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense que estiveram vinculadas a esta pesquisa através do programa de iniciação científica: Luciana de Oliveira Pires Franco, Ana Gabriela Rebelo dos Santos, Aline Alves de Lima, Carolina Cardoso Manso. 322 Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica: o processo ensino aprendizagem em questão Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica Marilda Gonçalves Dias Facci Nilza Sanches Tessaro Záira Fátima de Rezende Gonzalez Leal Valéria Garcia da Silva Cintia Godinho Roma Resumo Este estudo teve por objetivo verificar a forma como tem sido desenvolvida a avaliação psicológica de crianças que apresentam dificuldades no processo de escolarização bem como analisar a contribuição dos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural nesse processo. Inicialmente, uma revisão bibliográfica sobre o tema da avaliação psicológica e sobre os conceitos fundamentais da Psicologia Histórico-Cultural, fundamentada no marxismo, foi realizada e, em seguida, entrevistas com doze profissionais de Psicologia que atuam na área escolar. Os principais resultados revelaram que os testes psicológicos têm sido os instrumentos mais utilizados no processo de avaliação psicológica, quando se trata da literatura brasileira, mas não mantiveram hegemonia entre os participantes deste estudo, o que se considera um avanço para a Psicologia escolar-educacional. Conclui-se, com esta pesquisa, que são necessários processos de avaliação que analisem o potencial dos sujeitos considerando o que se encontra na zona de desenvolvimento próximo. Palavras-chave: avaliação psicológica; aprendizagem; educação. Historical-Cultural Psychology and Psychological Evaluation: the teaching learning process in focus. Abstract This study aimed, firstly, verifying the way psychological evaluation assists children who present difficulties during the educational process, and secondly, analyzing the contribution of Historical-cultural Psychology assumptions to that process. Initially, a bibliographical search on the theme ‘psychological evaluation’ and on fundamental concepts, concerning Historical-cultural Psychology, was carried out and afterwards, twelve psychological professionals, acting in schools, were interviewed. Regarding Brazilian specific literature on the subject, the main results revealed that psychological tests have been the instruments mostly used in the process of psychological evaluation. But, on the other hand, that procedure has not maintained hegemony among the participants during the investigation, what, in fact, is considered a progress for Psychology addressed to education. As a result, it was concluded that evaluation processes are necessary to analyze the potential of individuals considering all that is found in the zone of proximal development. Keywords: psychological assessment; learning; education. Psicología Histórica-Cultural y Evaluación Psicológica: el proceso de enseñanza-aprendizaje en cuestión Resumen Este estudio tuvo como objetivo verificar la forma como viene siendo desarrollada la evaluación psicológica de niños que presentan dificultades en el proceso de escolarización, así como también analizar la contribución de los presupuestos de la Psicología Histórica-Cultural en ese proceso. Se realizó, inicialmente, una revisión bibliográfica sobre el tema de la evaluación psicológica y sobre los conceptos fundamentales de la Psicología Histórica-Cultural basada en el marxismo. En seguida fueron realizadas entrevistas con doce profesionales de Psicología que actúan en el área escolar. Los principales resultados revelaron que los testes psicológicos han sido los instrumentos más utilizados en el proceso de evaluación psicológica cuando se trata de la literatura brasileña, pero no mantuvieron una hegemonía entre los participantes de este estudio, lo que se considera un progreso para la Psicología escolareducacional. Con esta investigación se concluyó que son necesarios procesos de evaluación que analicen el potencial de los sujetos considerando lo que se encuentra en la zona de desarrollo próximo. Palabras clave: evaluación psicológica; aprendizaje; educación. 323 Introdução Uma questão rotineira que se apresenta ao psicólogo escolar-educacional é a avaliação das queixas escolar, compreendida, conforme estudos de Souza (2000), como “problemas escolares” ou “distúrbios de comportamento e aprendizagem”. Neste sentido, desenvolveu-se na Universidade Estadual de Maringá, uma pesquisa intitulada Psicologia HistóricoCultural e Avaliação Psicológica: o processo ensino aprendizagem em questão. Esse artigo versará sobre os resultados desta pesquisa. O fracasso escolar defronta-se, ainda hoje, com elevado índice e, em muitos casos, os psicólogos são convocados a explicar as causas da não-aprendizagem das crianças. No Brasil, esse fracasso pode ser observado conforme dados oficiais do MEC/INEP (Brasil, 2003), na taxa de repetência no Ensino Básico, pois em 2001 somente 20,0% dos alunos do Ensino Fundamental foram aprovados. Entender o porquê de a criança não aprender implica em analisar como se dá o processo inverso, ou seja, como ela aprende. Para essa compreensão, apoiar-se-á nas idéias de Vigotski1, autor russo de fundamentação marxista, segundo o qual o aprendizado é um aspecto necessário e fundamental para que as funções psicológicas superiores se estabeleçam. Para Vigotski (2000), o indivíduo desenvolve-se, em parte, graças à maturação do organismo individual, mas é o aprendizado que provoca a interiorização da função psíquica; no entanto, essa visão não é predominante na atualidade e nem mesmo nos anos de 1920 e 1930. Nessa época, Vigotski (2000) considerava existirem pelo menos três grupos de teorias mais importantes referentes à relação entre desenvolvimento e aprendizagem. O primeiro grupo de teorias parte da premissa de que desenvolvimento e aprendizagem são independentes. Esta idéia é bem representada na teoria de Piaget, que esclarece que a aprendizagem segue o desenvolvimento. O segundo grupo afirma que aprendizagem é desenvolvimento, e cada etapa de aprendizagem corresponde a uma etapa de desenvolvimento. Uma dessas teorias, elaborada por Willian James (18421910), baseia-se no conceito de reflexo. A terceira posição teórica, representada por Kurt Koffka (18461941), tenta conciliar as teorias anteriores. Entende o autor que elas coexistem e que o desenvolvimento se baseia, de um lado, no processo de maturação, que depende do desenvolvimento do sistema nervoso, e de outro, no processo de aprendizado, que também é um processo de desenvolvimento. Aprendizagem é desenvolvimento; desenvolvimento é aprendizagem, e o desenvolvimento segue, pari passu, a instrução. Vigotski (2000) aponta essa relação de forma diferenciada, considerando que aprendizagem e desenvolvimento não constituem dois processos independentes, existindo entre eles relações complexas. Atualmente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997) trazem em sua fundamentação principalmente pressupostos piagetianos, que dão alicerce ao Construtivismo. No Construtivismo, além da Epistemologia Genética, aspectos da Aprendizagem Significativa de Ausubel, a Teoria das Emoções de Wallon e, principalmente, a Zona de Desenvolvimento Próximo de Vigotski são apresentados. Embora não seja objetivo deste texto polemizar essa questão, não se concorda com a defesa de que Vigotski e Piaget possam ser colocados como interacionistas, como se esses autores utilizassem o mesmo arcabouço teórico. Vigotski (2000) deixa muito claro que não coaduna com a forma que Piaget compreende a relação desenvolvimento e aprendizagem. Facci (2004) destaca que Vigotski analisa o desenvolvimento do psiquismo humano como atrelado às condições históricas em que o homem se desenvolve enquanto Piaget parte de um modelo biológico para a compreensão de desenvolvimento. Em suas pesquisas, Vigotski (2000) identificou dois níveis de desenvolvimento: o real ou efetivo, que constitui as funções psicológicas já efetivadas, formadas e amadurecidas pelo indivíduo, como resultado de certos ciclos de desenvolvimento, identificados por meio da solução individual do problema; e o nível de desenvolvimento potencial, proximal ou próximo, defi- 1 A grafia do nome desse autor na literatura tem sido apresentada de diversas formas. Adotar-se-á como padrão Vigotski, mas no caso de fazer-se referência a uma obra específica, será escrito da forma que aparece na obra. 324 Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma nido como aquelas funções em vias de amadurecimento, identificadas pela solução de tarefas com o auxílio de adultos e de outras crianças mais experientes. Enquanto aquele nível caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, este o caracteriza prospectivamente. Vygotski (1993, p. 239) esclarece que “... a zona de desenvolvimento próximo tem um valor mais direto para a dinâmica da instrução que o nível atual de seu desenvolvimento”. O processo de desenvolvimento segue o processo de aprendizado e este é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal; portanto, o ensino deve incidir sobre a zona de desenvolvimento proximal. A escola tem como função trabalhar com os conceitos científicos, sistematizando e organizando os conteúdos, pois a apropriação destes conceitos, por parte dos alunos, concorre para a formação dos seus processos psicológicos superiores. Petroviski (1985) assevera que a escola deveria ter como um de seus objetivos desenvolver nos alunos as atividades mentais necessárias para a apropriação do conhecimento. Ela, como esclarece Saviani (2003), deve socializar os conteúdos já elaborados pela humanidade, de forma que os alunos possam participar do processo de humanização. Nesse processo, conforme observa Facci (2004), o professor tem papel destacado. Ele é o mediador entre o aluno e o conhecimento, por isso lhe cabe intervir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos e conduzir a prática pedagógica considerando a potencialidade de cada aluno. A mediação do professor implica, necessariamente, em ensinar. Vigotski destaca que todos os indivíduos têm capacidade de se desenvolver desde que se elaborem mediações diferenciadas. Considera-se esse aspecto primordial; no entanto, a forma como as dificuldades de aprendizagem são compreendidas e avaliadas pode conduzir a estereotipias que nada fazem avançar na compreensão do desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos alunos que apresentam queixas escolares, dificuldades essas que podem ser remetidas ao fracasso escolar. Autores como Patto (1997, 2000), Moyses e Collares (1997), Mazzotti (2003), Souza (2000), Machado (2000), Angelucci, Kalmus, Paparelli e Patto (2004) têm pesquisado este tema e constatado que ora a criança é culpabilizada por não aprender, ora a família é destacada como responsável pelo insucesso escolar; por vezes, ainda, fatores intra-escolares são arrolados e o professor entra em cena como vilão. Angelucci e cols., (2004) analisaram 71 teses e dissertações, defendidas entre 1991 e 2002, na Faculdade de Educação e no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e chegaram à conclusão de que nesse período os estudos apresentam rupturas teórico-metodológicas, compreendendo-se o fracasso escolar da seguinte forma: como um problema psíquico, sendo o insucesso escolar decorrente de prejuízos da capacidade intelectual dos alunos, causados por problemas emocionais; como um problema técnico, culpabilizando o professor por não utilizar metodologias adequadas à aprendizagem dos alunos; como questão institucional, entendendo a escola como inserida em uma sociedade de classes regida pelos interesses do capital e, desta forma, as políticas públicas seriam responsáveis pelo fracasso escolar; como questão política, enfocando a cultura escolar, a cultura popular e relações de poder estabelecidas no interior da escola que privilegiam a cultura dominante em detrimento da cultura popular. Essas autoras demonstram que um dos aspectos presentes nos estudos sobre o fracasso escolar é o viés psicologizante, não contribuindo para o avanço do conhecimento acerca dessa problemática. As autoras constataram, ainda, a existência de uma outra vertente, com base materialista histórica do fracasso, iniciada em 1980, cujos autores apresentam uma revisão bibliográfica pautada em teorias críticas. No entanto, segundo as pesquisadoras, na hora de coletar os dados e selecionar os procedimentos adotados, os autores dos trabalhos analisados contradizem o que enfocaram na fundamentação teórica das dissertações e teses, demonstrando, em muitas situações, superficialidade de conhecimento da teoria e métodos. As análises, de forma geral, são particularizadas, pois os profissionais têm realizado um processo de avaliação psicológica que contribui para a cristalização das explicações e, localizam no indivíduo, a culpa do seu insucesso na escola, patologizando um fenômeno que é social. Considera-se, assim, que existe uma relação direta entre fracasso escolar e fracasso da sociedade capita- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338 325 lista, pois se a escola não vai bem é porque a sociedade não vai bem. O fracasso escolar é apenas um dos aspectos desta crise geral. Para compreender esse fenômeno, não se deve permanecer no limite do cotidiano da escola, e sim, buscar analisar as relações de determinação deste cotidiano, repleto de problemas, para compreender a totalidade do processo educacional, porque com ele estão imbricadas todas as questões da sociedade capitalista. Para se chegar à compreensão das formas de superação do entendimento, avaliação, encaminhamento e tratamento do fracasso escolar, identificado na escola como queixas escolares, é preciso estabelecer a relação entre escola e processo histórico. No que se refere à atuação da Psicologia, constata-se que a introdução dessa ciência no processo educativo se deu por meio da Psicometria na avaliação psicológica, principalmente das queixas escolares. Alchieri e Cruz (2003) afirmam que a Psicologia se desenvolveu associada à sistematização dos processos psíquicos básicos e ao uso experimental de formas de medidas psicológicas que tinham como objetivo verificar os estágios de desenvolvimento e aprendizagem humana. A avaliação psicológica, conforme definição de Alchieri e Cruz (2003, p. 24), se refere ao “modo de conhecer fenômenos e processos psicológicos por meio de procedimentos e diagnóstico e prognóstico e, ao mesmo tempo, aos procedimentos de exame propriamente ditos para criar as condições de aferição ou dimensionamento dos fenômenos e processos psicológicos conhecidos”. Os instrumentos de medida mais utilizados no processo de avaliação psicológica têm sido os testes, principalmente no que se refere à avaliação da inteligência. Segundo Dal Vesco, Mattos, Benicá e Tarasconi (1998) e Noronha, Primi e Alchieri (2005), no Brasil, o WISC é um dos instrumentos mais completos e conhecidos, disponíveis para avaliação global da inteligência. Gerk-Carneiro e Neves Ferreira (1992) fizeram um estudo buscando identificar, na literatura brasileira, produzida na década de 1980, os métodos de avaliação de inteligência mais utilizados nas pesquisas empíricas, publicados em 7 periódicos nacionais. Esses autores constataram que a inteligência foi avaliada, nesse período, segundo três modelos teóricos: a 326 aborgadem psicométrica, a desenvolvimentista e a cognitivista. Por outro lado, segundo pesquisas realizadas por Facci e Silva (2006) e Facci e Roma (2005, 2006), por meio de consultas a periódicos de Psicologia e Educação, a meta para localizar artigos que tratavam da avaliação das queixas escolares, quando se trata desse tema, a visão psicométrica é a que mais tem se destacado. Em pesquisas em 2488 artigos de periódicos de Psicologia, Facci e Silva (2006) constataram que somente 6,43% dos trabalhos continham, em suas referências, Piaget, destacando principalmente conteúdos relacionados à Teoria da Moralidade, noções físicas e matemáticas e desenvolvimento cognitivo, e não o processo de avaliação. Facci e Roma (2005) constataram que a partir de 1980 foram poucas as produções que mencionaram os autores russos. Dos 3092 artigos pesquisados, apenas 122 continham em sua bibliografia pelo menos um ou mais de um ou os três autores russos Vigotski, Lúria e Leontiev. Assim, os artigos que apresentavam pelo menos um desses três autores, constituíram apenas 3,5% do total de artigos pesquisados, e apenas 0,11% estava relacionado à questão da avaliação psicopedagógica. Em pesquisa posterior, as mesmas autoras (Facci & Roma, 2006), ao analisarem 1663 artigos, concluíram que apenas 4,87% continham em sua bibliografia pelo menos um ou mais de um ou os três autores russos. Os artigos que faziam menção a Piaget totalizaram 43 (2,58%) e os que tratavam da avaliação psicológica foram apenas 15 (0,90%). Constatou-se, a partir das pesquisas mencionadas, que as queixas escolares têm sido pouco investigadas por psicólogos brasileiros e, quando analisadas, guardam em seu arcabouço a visão psicometrista já presente na origem da Psicologia na área educacional, que tinha como grande preocupação procurar as causas da não-aprendizagem utilizando recursos de testes psicológicos para medir inteligência. Partindo de uma abordagem psicométrica, pode-se remeter a uma concepção inatista do desenvolvimento, a qual, conforme menciona Rego (1995), se caracteriza por compreender que os fatores maturacionais e hereditários são responsáveis pela constituição do ser humano e do processo de conhecimento. Mesmo com a intro- Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma dução do Construtivismo no contexto educacional brasileiro, principalmente a partir da década de 1990, que parte de um modelo interacionista piagetiano, analisando o desenvolvimento como decorrente da inter-relação entre indivíduo e meio ambiente, esse quadro no processo de avaliação não se alterou. Fica bastante contraditório constatar-se que a psicometria, e não o método clínico, tem servido de referência para os psicólogos realizarem o processo de avaliação das queixas escolares. No caso da psicometria não é possível compreender a influência das condições histórico-sociais no desenvolvimento da inteligência, questão defendida pela Psicologia HistóricoCultural, destacando quanto a aprendizagem promove o desenvolvimento. Na realidade, segundo Machado (2000), tornouse “natural” acreditar na possibilidade de medir a inteligência; no entanto, a padronização dos testes psicológicos tem desconsiderado as desigualdades sociais e culturais existentes em nosso sistema capitalista, avaliando a capacidade individual das pessoas como se estas fossem construídas fora das relações sociais. Para essa autora, a queixa escolar é constituída de uma história coletiva e a avaliação implica em buscar alterar a produção dessa queixa. Beatón (2001), por sua vez, também critica a vulgarização e a prática anticientífica do uso dos testes; a falta de uma base teórica que fundamente os testes; a utilização de seus resultados somente para fazer diagnóstico, e não para propor alternativas de trabalho; a padronização inadequada para determinadas classes sociais; a utilização de testes somente para classificar e discriminar. Geralmente, pode-se constatar na atualidade que o entendimento e atendimento das queixas escolares ainda são enviesados por uma visão tradicional da Psicologia, tendo como encaminhamento final as unidades básicas de saúde para sanar esse problema. Souza (2000) enfatiza que o encaminhamento para atendimento médico e psicológico das dificuldades de aprendizagem tem sido uma tônica presente nos meios escolares, sem uma análise ampla dos processos que produziram a queixa escolar. É com o processo que o psicólogo deve se preocupar, e sua intervenção, segundo Souza (2000, p. 127), deve primar por “[...] pensar com a criança e com o professor essa relação estereotipada e produtora de repetência, da repetição de práticas que estigmatizam, excluem, oprimem e rotulam”. Nesse sentido, Tanamachi e Meira (2003, p. 27) destacam que o psicólogo, ao lidar com as queixas escolares, deve fazer uma “análise da relação entre o processo de produção da queixa escolar e os processos de subjetivação/objetivação dos indivíduos nele envolvidos, como uma mediação necessária à superação das histórias de fracasso escolar”, pois a “queixa” deve ser compreendida como uma “síntese de múltiplas determinações”, dependendo da sua superação na ação conjunta de todos os aspectos envolvidos no processo de escolarização: relações familiares, grupos de amigos e contexto social e escolar. Em termos gerais, o desenvolvimento das funções psicológicas e a aprendizagem de conteúdos são considerados como um fenômeno estanque, e não como um processo que acontece na interação entre professor, aluno e conhecimento. Neste sentido, concorda-se com Meira (2000, p. 57), quando afirma que “[...] parece que cada vez mais se evidencia a necessidade de se compreender a questão do desempenho escolar, contextualizando-o no âmbito de um processo maior”, pois tal atitude ainda está muito longe de ser hegemônica entre os psicólogos. Não se pode, nesse aspecto, afirmar que todas as práticas psicológicas se desenvolvem dessa forma. Facci (1996), Souza (2000), Machado (2000), entre outros pesquisadores, têm buscado propor formas de avaliação psicológica que analisem as causas das queixas escolares como fruto das relações instituídas na escola, necessitando, portanto, do envolvimento mais amplo possível de professores, pais, equipe pedagógica e do próprio aluno na compreensão das problemáticas enfrentadas no processo de escolarização; no entanto, essa prática não é hegemônica entre os psicólogos. A partir da década de 90, outra forma de avaliação, denominada avaliação dinâmica (ou mediada, ou assistida) começou, também, a ser discutida no Brasil. De acordo com Lunt (1994, p. 232), esse tipo de avaliação “[...] envolve uma interação dinâmica entre examinador e aluno (examinado) com mais ênfase so- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338 327 bre o processo do que sobre o produto da aprendizagem” (grifos do autor). Interessa, nesse aspecto, compreender “como” a criança aprende, ao invés de avaliar “o quê” ela já aprendeu. Linhares, Escolano e Enumo (2006, p. 16) propõem, também, esse tipo de avaliação assistida e afirmam: “A idéia da avaliação assistida ou dinâmica, a qual defende a avaliação de ‘processos’ mais do que ‘produtos’ de aprendizagem, surgiu com a introdução da teoria de Vygotski por Brown e Ferrara, e das idéias de Reuven Feuerstein por C. Haywood, na Psicologia norte-americana atual. Originou-se de concepções teóricas sobre a plasticidade da cognição humana e da necessidade prática de encontrar novas medidas de diagnóstico para crianças que não se saiam bem em testes convencionais. Os conceitos de ‘zona de desenvolvimento proximal’ (ZDP), de Vygotski e a ‘teoria de aprendizagem mediada’ ou da ‘experiência da aprendizagem mediada’ (MLE), de Feüerstein, formam a base conceitual para elaboração da avaliação assistida ou dinâmica [...]”. A avaliação dinâmica pode complementar, mas não substituir os testes de QI e sua contribuição mais significativa, de acordo com Linhares (1995), advém da possibilidade de fazer a sondagem da sensibilidade do examinando à instrução e identificar as estratégias cognitivas que ele usa para a solução de tarefas, permitindo verificar alterações no seu desempenho durante a situação de avaliação assim como estimar o potencial de transferência e generalização de aprendizagem. Pode-se afirmar, quanto a esse aspecto, que a avaliação é mediada pelo examinador, que fornece pistas e orienta o sujeito na realização das atividades. O conceito de aprendizagem mediada, de acordo com Linhares (1995), teve implicações significativas na área de avaliação do desempenho intelectual, buscando se apropriar dos conceitos de mediação e de zona de desenvolvimento próximo, elaborados por Vigotski. No contexto de questionamentos dos testes padronizados de medida de desempenho e habilidades, os estudiosos soviéticos da escola de Vigotski propuseram a avaliação do potencial de aprendizagem por meio do método instrumental. Esse méto328 do supera a concepção inatista, ambientalista e interacionista do desenvolvimento humano, pois para esses autores, as funções psicológicas superiores, tipicamente humanas (tais como a atenção voluntária, memória, abstração, comportamento intencional etc.), são produto da atividade cerebral e têm uma base biológica, mas, fundamentalmente, são resultantes da interação do indivíduo com o mundo, interação mediada pelos objetos construídos pelos homens. Para Vigotski, que parte da base filosófica marxista, o traço fundamental da atividade humana é a mediação, através de instrumentos que se interpõem entre o sujeito e o objeto de sua atividade, instrumentos esses desenvolvidos pelo processo de trabalho. Vigotski (2004) enfatiza que todo e qualquer comportamento se transforma em uma operação intelectual, mediada por dois tipos de instrumento: instrumento psicológico e instrumento técnico. Uma diferença muito importante entre o instrumento psicológico e o técnico é a orientação do primeiro para a psique e o comportamento e do segundo para o objeto externo, provocando modificações no objeto. O instrumento psicológico, ao contrário, é um meio de influir em si mesmo (ou em outro), mas não no objeto. Vygotsky e Luria (1996, p. 183) afirmam que a capacidade de fazer uso de ferramentas torna-se um indicador do nível de desenvolvimento psicológico dos indivíduos, pois os “processos de aquisição de ferramentas, juntamente com o desenvolvimento específico dos métodos psicológicos internos e com a habilidade de organizar funcionalmente o próprio comportamento, é que caracterizam o desenvolvimento cultural da mente da criança”. De acordo com Vygotski (1995), o método instrumental pode ser muito útil para o estudo das funções psicológicas superiores. O importante é fazer uma análise do processo, e não do objeto, e uma análise explicativa, e não descritiva; e, finalmente, a análise genética. Nesse sentido, é fundamental, nesse método, investigar os momentos iniciais do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, numa perspectiva histórica, pois essas funções foram constituídas por diversos processos elementares e pri- Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma mários do comportamento. O principal aspecto do método de análise psicológico, proposto por Vigotski, é estudar o todo, as propriedades e funções das partes que o integram, não como somatória das partes, mas possuindo propriedades particulares que o determinam. A partir do método instrumental, a avaliação daqueles conhecimentos que estão no nível de desenvolvimento próximo é fundamental, ultrapassando as avaliações estáticas por meio de testes psicológicos de inteligência, que têm tido a preocupação de avaliar apenas o que se encontra no nível de desenvolvimento real do sujeito, desconsiderando, inclusive, o crescimento que este tem no próprio processo avaliativo. Nesta introdução buscou-se destacar algumas visões presentes em relação a uma concepção de desenvolvimento e aprendizagem, passando por estudos sobre a queixa escolar e o processo de avaliação destas queixas e chegando a uma discussão de teorias que tratam dessa problemática, enfatizando pressupostos da escola de Vigotski. Na seqüência, dar-se-á continuidade ao texto, desta vez apresentando o resultado de entrevistas, realizadas com psicólogos, cujo objetivo constituiu-se em verificar a forma como os profissionais realizam a avaliação psicológica de crianças que apresentam dificuldades no processo de escolarização. Método Participantes Participaram desta pesquisa doze profissionais da área de Psicologia, sendo duas psicólogas escolares da rede particular de ensino; três supervisoras de estágio em Psicologia Escolar; duas psicólogas do Núcleo Regional de Ensino de Maringá; quatro psicólogas escolares de Rede Municipal de Ensino; um psicólogo de escola especial. Dos participantes, onze (91,7%) são do gênero feminino e um do masculino, com idades variando entre 26 a 60 anos (um participante); 25% deles encontram-se na faixa etária de 26 a 30 anos e 66,8% entre 31 e 50 anos. Quanto à escolaridade, oito (66,7%) possuem curso de pós- graduação latto sensu e dois stricto sensu (um mestrado e um doutorado). O tempo de atuação profissional varia de um a trinta e cinco anos (um participante); 33,3% deles estão entre a faixa de um a cinco anos de experiência profissional, 25% de onze a quinze anos, 16,8% entre seis e dez anos; 8,3% possuem experiência entre as faixas que vão de dezesseis a vinte anos; também 8,3% de vinte e um a vinte cinco anos e, ainda, 8,3% para os que possuem de vinte seis a trinta anos de experiência na profissão. Material Durante a pesquisa, foram utilizados: Termo de consentimento livre e esclarecido: entregue aos participantes para que pudessem confirmar o recebimento de informações sobre o objetivo do estudo e dar o seu consentimento para a participação na pesquisa; Ficha de identificação dos participantes: por meio da qual foi possível obter dados relativos à idade, sexo, nível escolaridade etc; Um questionário composto pelas seguintes questões: Como você compreende o processo ensinoaprendizagem? Do seu ponto de vista, quais são as causas das dificuldades no processo de escolarização? Quais são os autores contemplados nos seus estudos sobre o processo de avaliação psicológica na escola? Que instrumentos, incluindo os testes psicológicos, você tem utilizado para avaliar as dificuldades no processo de escolarização? Após a avaliação, quais os procedimentos adotados para o encaminhamento e intervenção em relação às dificuldades no processo de escolarização? Procedimentos Inicialmente, realizou-se uma revisão bibliográfica sobre o tema da avaliação psicológica e sobre os conceitos fundamentais da Psicologia Histórico-Cultural com o objetivo de subsidiar a análise dos dados levantados junto aos participantes. Em seguida, foram feitos os contatos com os profissionais por meio de telefone, pela coordenadora do Projeto, convidando-os a participar da pesquisa. Após, foi realizado um outro contato com Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338 329 os mesmos, para agendar o local e o horário para a aplicação do questionário. Na hora estabelecida, foi solicitado que os participantes preenchessem o termo de consentimento, momento também em que foram fornecidas as informações gerais do projeto assim como endereço de contato. Vale ressaltar ainda que o projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, da UEM, conforme Parecer no. 154/ 2003 Posteriormente ao consentimento de cada um deles, o questionário foi aplicado, sendo que alguns participantes optaram por respondê-lo oralmente e outros preferiram responder por escrito. Resultados e Discussão A organização dos dados foi feita com base nos questionários aplicados. Esses dados foram categorizados, apresentados em tabelas e discutidos/ analisados com base no referencial teórico, utilizado no presente estudo. A Tabela 1 apresenta os dados relativos à concepção do processo ensino-aprendizagem, presente entre os participantes. Os resultados mostram que a concepção prevalente entre os participantes (25%) foi a de que se trata de um processo que envolve um sujeito que ensina (professor), o aluno e o conhecimento; seguida da concepção que se refere a um processo que envolve planejamento, organização e mediação, considerando o aluno como ativo (16,6%). Destaca-se, entre as respostas fornecidas pelos profissionais, diversidade na compreensão do processo ensino-aprendizagem, passando por aspectos que vão desde uma visão vigotskiana, uma visão piagetiana, incluindo ainda uma visão comportamental. Esta diversidade foi também constatada por Vigotski (2000), que por volta de 1930, identificou algumas concepções de desenvolvimento e aprendizagem presentes, as quais continuam até hoje norteando o trabalho do psicólogo na escola. Considera-se que uma questão fundamental para a atuação do psicólogo escolar-educacional é ter clareza acerca da concepção teórica sobre a rela- Tabela 1 - Como você compreende o processo ensino-aprendizagem 330 Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma ção desenvolvimento e aprendizagem, pois somente desta forma empreenderá práticas consistentes já que sua ação reflete sua concepção e as escolhas quanto à metodologia a ser utilizada em seu trabalho. Não obstante, a partir da análise desta questão e das respostas dos participantes como um todo, não se pode afirmar que estes tenham clareza quanto aos fundamentos teórico-metodológicos, utilizados em seu trabalho. Isso pode ser exemplificado pelos autores contemplados nos estudos empreendidos pelos participantes da pesquisa, que citam, quando se trata da avaliação psicológica na escola, autores de correntes teóricas bem diversas, colocando-os lado a lado. Os dados apresentados na Tabela 2 revelam que os autores mais citados pelos participantes foram tam da questão da Psicologia e da Educação assim como recorrem, muitas vezes, a autores de outras linhas da Psicologia, como a psicanálise e a análise comportamental. Foram, ainda, arrolados autores que escrevem sobre educação em uma vertente crítica da Psicologia Escolar-Educacional sobre problemas e distúrbios de aprendizagem. O que merece ser destacado é a grande indicação de autores da psicologia da escola russa para a compreensão do processo de avaliação psicológica na escola, o que se contrapõe às pesquisas realizadas por Facci e Silva (2006), Facci e Roma (2005, 2006), que constataram, nos artigos analisados em periódicos de psicologia e educação, pouca utilização, nas referências, de autores da Psicologia Histórico-Cultural e grande ênfase na psicometria. Tabela 2 - Quais são os autores contemplados nos seus estudos sobre o processo de avaliação psicológica na escola? Luria, Leontiev, Vigotski, Davidov com 14,3% das respostas. O que se pode constatar é que Piaget e Vigotski foram os autores mais pesquisados ou lidos pelos participantes da pesquisa. Torna-se importante destacar, neste momento, que os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997), documento que norteia o processo pedagógico na escola, também trazem em sua fundamentação idéias desses autores, o que sugere que os sujeitos estão se embasando, de forma geral, nesses autores que tra- Em relação às causas das dificuldades no processo de escolarização, a Tabela 3 aponta maior consenso entre os participantes. Das respostas, 43,6% referem-se às causas das dificuldades no processo de escolarização como oriundas de fatores intra-escolares, como formação do professor, vínculo entre professor e aluno, adequação e adaptação curricular, métodos e objetivos do ensino. Os fatores extrínsecos - tais como falta de estimulação visual, condições sócio-econômicas e culturais desfavoráveis da família se refletindo no desempenho escolar dos alunos - apa- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338 331 Tabela 3 - Do seu ponto de vista, quais são as causas das dificuldades no processo de escolarização? recem com um percentual de 26,1%. Alguns participantes atribuem as dificuldades a fatores sociais (8,7% das respostas), outros consideram que o problema é a falta de recursos (8,7%). Outras explicações fornecidas pelos participantes remetem-se à falta de envolvimento do psicólogo no processo ensino-aprendizagem; causas vinculadas à totalidade histórico-social; à falta de condições da escola (professor auxiliar, contraturno); a fatores intrínsecos, que se referem a aspectos individuais, como deficiências, síndromes, dificuldades cognitivas, problemas do desenvolvimento socio-emocional, aspectos neuropsicológicos. Reportando-se ao artigo de Angelucci e cols. (2004), observa-se que as respostas dos participantes também refletem a presença de rupturas teórico-metodológicas, tal como a pesquisa realizada por aquelas autoras que apresentam as causas do insucesso escolar como decorrentes de problemas psíquicos, extrínsecos aos alunos. Para tanto, partem do princípio de que o insucesso escolar é decorrente de prejuízos da capacidade intelectual dos alunos oriundos de problemas emocionais, ou resulta de fatores intra-escolares. Algumas consideram o fracasso escolar como questão institucional, decorrente de a escola estar inserida em uma sociedade capitalista. O viés psicologizante, de que tratam Angelucci e cols. (2004), parece estar presente na amostra 332 pesquisada na qual muito pouco se levam em consideração os determinantes histórico-sociais que produzem o fracasso escolar. Os dados, apresentados na Tabela 4, demonstram que dentre os instrumentos, incluindo os testes psicológicos, utilizados para avaliar as dificuldades no processo de escolarização, a entrevista com pais e a anamnese aparecem com a maior freqüência de respostas (14,1%), seguindo-se observação do aluno na escola (12,5%) e análise do desempenho escolar por meio de materiais produzidos pelos alunos (10,9%). Esses procedimentos foram os mais freqüentes na indicação dos participantes, mas são citados, ainda, outros, conforme a Tabela. Recorrendo mais uma vez à pesquisa de Facci e Silva (2006) e Facci e Roma (2005, 2006), as autoras constataram que existe predominância de uma visão psicométrica na avaliação das queixas escolares. No entanto, esse grupo de psicólogos parece, de certa forma, avançar em relação a este aspecto, buscando outros procedimentos, como entrevistas com pais, com a criança e com o professor, observações em sala de aula, análise do desempenho escolar, entre outros recursos, para analisar o potencial de aprendizagem dos alunos. Os dados da Tabela 5 demonstram que os testes mais utilizados pelos participantes são o teste de in- Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma Tabela 4 - Que instrumentos, incluindo os testes psicológicos, você tem utilizado para avaliar as dificuldades no processo de escolarização? teligência WISC (27,6%), o Teste Gestáltico Visomotor – Bender (13,9%), o Colúmbia (13,9%), seguidos pelos testes Raven (7%) e as Provas Piagetianas (7%). Outros testes também foram citados, porém com menor freqüência. A maioria dos psicólogos entrevistados utiliza mais de um teste, de forma combinada. Entretanto, é importante destacar que, segundo Gerk-Carneiro e Neves-Ferreira (1992), a psicometria constitui-se como um modelo teó- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338 333 Tabela 5 - Testes Psicológicos rico para avaliação de inteligência na literatura brasileira e não ocupa lugar de destaque entre os sujeitos entrevistados. Quando estes recorrem à aplicação de testes, constata-se que o Wisc é mais utilizado. Este fato demonstra haver uma certa hegemonia entre os brasileiros, conforme observam Dal Vesco e cols. (1998), Noronha e cols. (2005). Em relação aos procedimentos adotados para o encaminhamento e intervenção relativos às dificuldades no processo de escolarização, os participantes demonstraram utilizar mais de um procedimento de forma combinada. A Tabela 6 mostra que 20% das respostas dos participantes dizem respeito ao encaminhamento do aluno para a área de saúde. Além desse procedimento, o que aparece em seguida é a devolução à escola, envolvendo a professora e a equipe pedagógica (13,4%). São utilizados, também, encaminhamentos para trabalho psicopedagógico (6,8%); entrega de relatório sobre o aluno avaliado para a escola (6,8%); devolução em conjunto para a família, a escola e a criança 334 (6,8%). Outros procedimentos são também utilizados em menor freqüência, como se observa na Tabela 6. Neste aspecto vale recorrer aos estudos desenvolvidos por Souza (2000), pois concluiu que a maioria dos encaminhamentos feitos aos profissionais de Psicologia em unidades básicas de saúde apresenta como queixa os problemas de aprendizagem das crianças. Por esta amostra, pode-se dizer que boa parte dos psicólogos entrevistados continua, ainda, encaminhando crianças com queixas escolares para essas unidades. Está certo que se deve ressaltar positivamente a preocupação em envolver a escola na devolução do processo de avaliação, mas não se pode deixar de questionar até que ponto se tem prestado um serviço de apoio a crianças no próprio espaço escolar. Compreende-se que tal encaminhamento implicaria na utilização de recursos externos à possibilidade de intervenção da Psicologia, mas não se pode deixar de mencionar quanto as escolas precisam se organizar melhor para que todas as crianças se apropriem do conhecimento. Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma Tabela 6 - Após a avaliação, quais os procedimentos adotados para o encaminhamento e intervenção em relação às dificuldades no processo de escolarização? Considerações Finais Durante a pesquisa bibliográfica foi possível não só conhecer práticas exercidas por psicólogos escolares no Brasil como também procedimentos e instrumentos utilizados para avaliação de queixas escolares, assim como ter acesso a aspectos teóricos relacionados à compreensão das queixas escolares e avaliação psicológica. Foi também possível analisar várias produções teóricas que tinham como pressuposto a Psicologia Histórico-Cultural. De forma geral, verifica-se na literatura estudada a presença de pelo menos três linhas de estudo da ava- liação psicológica na escola: uma que defende o uso dos testes psicológicos padronizados, sendo a Psicometria o método adotado; outra que defende a utilização de testes psicológicos, mas utiliza o recurso da mediação, pautado nos pressupostos vigotskianos, tratando-se, portanto de avaliação mediada ou assistida, e uma terceira que utiliza outros recursos como entrevistas com professores, com as famílias e com as próprias crianças, atividades realizadas pelos alunos, observações no contexto escolar, análise dos fatores intra-escolares, assim como outros aspectos. Entre os participantes deste estudo não foi possível identificar nenhuma destas três ten- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338 335 dências citadas, visto que se observou uma utilização combinada de diversos instrumentos, ampliando o uso de testes padronizados com outras atividades nãoformais para lidar com as queixas escolares encontradas em seu cotidiano. Pode-se inferir que as críticas formuladas no decorrer dos anos aos testes psicológicos provavelmente influenciaram os psicólogos entrevistados, provocando a busca de outras estratégias para analisar as queixas escolares de modo a fugirem do uso exclusivo dos testes. Machado (2000) e Molyses e Collares (1997) e Beatón (2001), conforme abordou-se no decorrer deste artigo, têm questionado o uso exclusivo de teste. De acordo com os estudos realizados acerca da Psicologia Histórico-Cultural, utilizando o método instrumental, não interessa estudar uma função psicológica isolada no processo de avaliação psicológica, mas sim, o funcionamento conjunto dessas funções, em atividades diversificadas. Não se trata de analisar o repertório de conhecimentos já adquiridos pela criança, e sim os recursos que ela utiliza para responder a uma questão. No caso da avaliação através de testes psicológicos padronizados não é possível compreender a influência das condições histórico-sociais no desenvolvimento da inteligência, questão defendida pela Psicologia Histórico-Cultural, destacando quanto a aprendizagem promove o desenvolvimento. Não se pode deixar de mencionar, aqui, a mediação do avaliador, pois quando esta é utilizada e pistas são fornecidas ao indivíduo, podem-se ter resultados diferentes daqueles obtidos quando este realiza a atividade, sozinho. No entanto, não basta apenas mediar a aplicação dos testes psicológicos, tão questionados por diversos psicólogos. É importante estudar a origem de determinado comportamento, como se deu seu desenvolvimento e que fatores condicionaram sua manifestação. Os resultados da pesquisa demonstram que os autores citados com mais freqüência pelos participantes são integrantes da Escola de Vigotski, ou Teoria Histórico-Cultural, porém a utilização de estratégias e instrumentos para realizar a avaliação das queixas escolares não mostra serem considerados os pressupostos desta vertente teórica, uma vez que, nesta 336 perspectiva, a avaliação deve compreender como a criança está mediando suas respostas. Faz-se necessário investigar o seu comportamento e desenvolvimento por meio da descoberta dos instrumentos psicológicos que ela mesma emprega. Neste estudo, observou-se, ainda, que as causas das dificuldades no processo de escolarização devemse, para muitos participantes, a fatores intra-escolares, como formação do professor, vínculo entre professor e aluno, adequação e adaptação curricular, métodos e objetivos do ensino. Apesar de considerarem estes fatores, os participantes continuam a buscar, na própria criança, as justificativas para suas dificuldades uma vez que continuam a utilizar amplamente testes e outros procedimentos do gênero. Neste aspecto, podem-se retomar os estudos realizados por Angelucci e cols. (2004) que destacam o quanto o viés psicologizante ainda está presente nas explicações acerca do fracasso escolar influenciado, principalmente, por uma visão ideológica pautada no liberalismo que coloca no indivíduo a responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso, desconsiderando a divisão de classes sociais, fruto do capitalismo, que pelas relações sociais estabelecidas diferenciam os indivíduos, não dando a todos as mesmas condições para o desenvolvimento de todas suas potencialidades, inclusive a de se apropriar do conhecimento. Constatou-se que, após a realização da avaliação da queixa escolar, o procedimento mais utilizado para o encaminhamento e intervenção, pelos participantes, foi o encaminhamento do aluno para a área da saúde, o que reforça a concepção de que as dificuldades encontram-se na própria criança, o que estaria de acordo com uma concepção inatista de desenvolvimento, a qual, conforme menciona Rego (1995), se caracteriza por compreender que os fatores maturacionais e hereditários são responsáveis pela constituição do ser humano e do processo de conhecimento. Destaca-se, neste momento, que aqui tem se defendido que a análise do desenvolvimento da criança, das suas dificuldades e potencialidades, deve ser permeada por uma compreensão de que o sucesso escolar depende de mudanças estruturais que dêem destaque à educação e à escola, na transmissão dos conhecimentos científicos. Partindo das idéias de Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma Vigotski, Facci (2004) ressalta quanto a apropriação dos conhecimentos científicos provoca o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Destarte, a escola deve criar meios para que esses conhecimentos sejam apropriados por todos os indivíduos que passam pelos bancos escolares. Para finalizar, considerando a perspectiva Histórico-cultural na avaliação psicológica das queixas escolares, é importante salientar como analisar a história da produção da queixa, o contexto em que ela foi produzida, as medidas pedagógicas tomadas para a superação das dificuldades e as superações já alcançadas em relação às dificuldades apresentadas pelos alunos. Envolver equipe pedagógica, professores e pais no processo de avaliação é primordial, de forma que todos possam auxiliar na compreensão e na avaliação da potencialidade da criança; na utilização de testes psicológicos como complemento da avaliação e não como critério de classificação e discriminação. Por fim, fazer uma avaliação analisando todos os aspectos que podem estar interferindo na apropriação do conhecimento pelo aluno, considerando as condições histórico-sociais, fatores intra-escolares e a dinâmica de funcionamento psicológico do aluno, compreendendo a avaliação como o início de uma intervenção que deve contribuir para o processo de humanização. Referências Alchieri, J. C., & Cruz, R. M. (2003). Avaliação Psicológica: conceitos, métodos e instrumentos. São Paulo: Casa do Psicólogo. Angelucci, C. B., Kalmus, J., P., Paparelli, R., & Patto, M. H. S. (2004). O estado da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar (1991-2002): um estudo introdutório. Educação em Pesquisa, 30(1), 51-72. Beatón, G. A. (2001). Evaluación y Diagnóstico en la Educación y el Desarrollo desde el enfoque Histórico-Cultural. São Paulo: Laura Marisa C. Calejón. Brasil (1997). Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília. Brasil (2003). Ministério da Educação. Ensino Básico – Taxa de repetência por série – 1981-2001. Brasil. Disponível: www.inep.goc.br/download/informativo/2003/taxarepetência.xls. Recuperado: 25 out. 2003. Dal Vesco, A., Mattos, D., Benicá, C., & Tarasconi, C. (1998). Correlação entre WISC e rendimento escolar na escola pública e na escola particular. Psicologia: Reflexão e Crísica, 11(3), 481-495. Facci, M. G. D. (2004). Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores Associados. Facci, M. G. D., & Roma, C. G. (2005). O método instrumental de Vigotski e a avaliação psicológica. Relatório final de Projeto de Iniciação Científica. Maringá, UEM. Mimeo. Facci, M. G. D., & Roma, C. G. (2006). A avaliação psicológica das queixas escolares. Relatório final de Projeto de Iniciação Científica. Maringá, UEM. Mimeo. Facci, M. G. D., & Silva, V. G. (2006). Problemas de escolarização e avaliação psicopedagógica: a visão de pesquisadores e psicólogos. Relatório final de Projeto de Iniciação Científica. Maringá, UEM. Mimeo. Facci, M. G. D., Marchi, E. L., Bega, R. M. A. P., Brogim, R., Plepis, R. S., & Sguarezi, S. M. F. D. (1996). Psicologia e a escola pública: a atuação do setor de psicologia no município de Maringá. Psicologia em Estudo, 1(1)205-212. Gerke-Carneiro, E., & Neves-Ferreira, I. C. (1992). Avaliação da inteligência segundo diferentes modelos: a situação brasileira. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 44(3/4), 157-194. Linhares, M. B. M. (1995). Avaliação Assistida: fundamentos, definição, característica e implicações para a avaliação psicológica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 11(1), 13-22. Linhares, M. B. M., Escolano, A. C. M., & Enumo, S. R. F. (2006). Avaliação assistida: fundamentos, procedimentos e aplicabilidade. São Paulo: Casa do Psicólogo. Lunt, I. (1994). A prática de avaliação. Em H. Daniel (Org.), Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos (pp. 219-252). Campinas: Papirus. Machado, A. M. (2000). Avaliação psicológica na educação: mudanças necessárias. Em E. R. Tanamachi, M. L. Rocha & M. P. R. Proença (Orgs.), Psicologia e Educação: desafios teóricopráticos (pp. 143-167). São Paulo: Casa do Psicólogo. Mazzotti, A. J. A. (2003). “Fracasso Escolar”: representações de professores e de alunos repetentes. Anais da 26ª Reunião Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338 337 Anual da ANPEd (pp.1-17). Poços de Caldas: local onde foi realizado o encontro. Meira, M. E. M. (2000). Psicologia Escolar: pensamento crítico e práticas profissionais. Em E. R. Tanamachi, M. L. Rocha & M. P. R. Proença (Orgs.), Psicologia e Educação: desafios teóricopráticos (pp. 35-72). São Paulo: Casa do Psicólogo. Moyses, M. A. A., & Collares, C. A. L. (1997). Inteligência Abstraída, Crianças Silenciadas: as Avaliações de Inteligência. Psicologia USP, 8(1), 63-89. Noronha, A. P. P., Primi, R., & Alchieri, J. C. (2005). Instrumentos de avaliação mais conhecidos/utilizados por psicólogos e estudantes de psicologia. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(3), 390-401. Souza, M. P. R. (2000). A queixa escolar na formação de psicólogos: desafios e perspectivas. Em E. R. Tanamachi, M. L. Rocha & M. P. R. Proença (Orgs.), Psicologia e Educação: desafios teórico-práticos (pp. 105-142). São Paulo: Casa do Psicólogo. Tanamachi, E. R., & Meira, M. E. M. (2003). A atuação do psicólogo como expressão do pensamento crítico em Psicologia da Educação. Em M. E. M. Meira & M. A. M. Antunes (Orgs.), Psicologia Escolar: práticas críticas (pp. 11-62). São Paulo: Casa do Psicólogo. Vygoski, L. S. (1993). Obras escogidas II. Madrid: Centro de Publicaciones del M.E.C. y Visor Distribuciones. Vygoski, L. S. (1995). Obras escogidas III. Madrid: Centro de Publicaciones del M.E.C. y Visor Distribuciones. Patto, Maria Helena Souza (1997). Para uma Crítica da Razão Psicométrica. Psicologia USP, 8(1), 47-62. Vigotski, L. S. (2000). A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo: Martins Fontes. Patto, M. H. S. (2000). A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. (2ª ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo. Vigotski, L. S. (2004). Teoria e método em psicologia. (3ª ed.). São Paulo: Martins Fontes. Rego, T. C. (1995). Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. (2ª ed.). Petrópolis: Vozes. Vygotsky, L. S., & Luria, A. R. (1996). Estudos sobre a história do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas. Saviani, D. (2003). Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. (8ª ed.). Campinas: Cortez – Autores Associados. Recebido em: 04/04/2007 Revisado em: 26/12/2007 Aprovado em: 17/01/2008 Sobre as autoras Marilda Gonçalves Dias Facci ([email protected]) – Doutora em Educação Escolar pela UNPES/Araraquara; professora do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá-UEM e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia-PPI; coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia/UEM. Nilza Sanches Tessaro Leonardo - Doutora em Psicologia pela PUC/Campinas; professora do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá –UEM e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia-PPI Záira Fátima de Rezende Gonzalez Leal - Mestre em Educação pela UNESP/Marília; doutoranda em Psicologia na USP/SP, professora do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá-UEM Valéria Garcia da Silva - Aluna do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá-UEM Cintia Godinho Roma - Aluna do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá-UEM Endereço para correspondência Marilda Gonçalves Dias Facci Rua Parque do Horto, 124, Jardim Parque do Horto Fone: (44) 3261-4416 (UEM) CEP: 87.060-285 – Maringá-PR e-mail: [email protected] 338 Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando crianças residindo com a mãe e com ambos os pais Envolvimento materno e desempenho acadêmico Carolina Severino Lopes da Costa Fabiana Cia Elizabeth Joan Barham Resumo Este estudo objetivou comparar o envolvimento materno de crianças que vivem com a mãe e com ambos os pais e o desempenho acadêmico de crianças que vivem nesses dois contextos e relacionar a freqüência de envolvimento materno com o desempenho acadêmico das crianças. Participaram 30 crianças com idades entre 9 e 11 anos, alunos de 3a e 4a séries, metade vivendo em famílias monoparentais e metade com ambos os pais. Para avaliar o desempenho escolar das crianças, utilizou-se o Teste de Desempenho Escolar (TDE). Para caracterizar o envolvimento materno, usou-se o Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos. Os resultados mostraram que houve algumas diferenças significativas no envolvimento materno nos dois grupos. Além disso, o envolvimento materno no grupo monoparental apresentou uma relação muito maior com o desempenho escolar de seus filhos do que no grupo biparental. Palavras-chave: famílias monoparentais; família; desempenho acadêmico. Maternal involvement and academic performance: comparing children living with their mother and with both parents Abstract This study aimed to compare maternal involvement among children living with their mother or with both parents and the academic performance of children in these two family contexts and correlate the frequency of the mother’s involvement with their child’s academic performance. The 30 children who participated in this study ranged in age from 9 to 11 years, studying in the third or fourth grade, with half living in single-parent families and half living with both parents. The Academic Achievement Test (AAT) was used to evaluate the children’s academic performance. The Questionnaire on the Quality of Family Interactions – Child Version captured maternal involvement. Results showed that there were several significant differences between the two children’s groups, in terms of their mothers’ involvement. In addition, maternal involvement in the single parent group showed a much stronger relationship with the children’s academic performance than in the two parent groups. Keywords: singles parents; family; academic achievement. Envolvimiento materno y desempeño académico: comparando niños viviendo con la madre y con los dos padres. Resumen Este estudio tuvo como objetivo: comparar el envolvimiento materno de niños que viven con la madre y con los dos padres; comparar el desempeño académico de niños que viven en esos dos contextos y relacionar la frecuencia de envolvimiento materno con el desempeño académico de los niños. Participaron 30 niños con edades entre 9 y 11 años, alumnos de 3º y 4º grado, siendo que mitad vivía en familias mono parentales y mitad con los dos padres. Para evaluar el desempeño escolar de los niños se utilizó el Teste de Desempenho Escolar (TDE). Para caracterizar el envolvimiento materno se utilizó el Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos. Los resultados mostraron algunas diferencias significativas em el envolvimiento materno em los dos grupos. Además de eso, el envolvimiento materno en el grupo mono parental presentó una relación mucho mayor con el desempeño escolar de sus hijos en comparación al grupo bi-parental. Palabras clave: familias mono parentales; família; desempeño académico. 339 A família, como instituição social, tem passado por muitas mudanças em sua estrutura. Ferreira (2005) aponta que as mudanças ocorridas no último século caminham para uma redução do número de membros da família. O modelo que predominava nas sociedades rurais, no início do século XX, denominado a Família estendida, compreendia pai, mãe, filhos, tios, avós, primos etc. Entretanto, com a urbanização e o aparecimento de meios cada vez mais eficazes e socialmente aceitáveis no controle de natalidade, houve redução no tamanho da família, passando para uma nova estrutura predominante, denominada Família nuclear (pai-mãefilhos). Esta estrutura estava mais bem adaptada aos custos de vida na cidade e ao novo papel social e profissional da mulher que deixou de ser exclusivamente uma dona de casa, tornando-se, ao lado do marido, provedora do lar (Brandth & Kvande, 2002; Dantas, Jablonski & Féres-Carneiro, 2004). Apesar do conceito da família nuclear “intacta” permanecer como a estrutura ideal na cultura ocidental, a existência de outras estruturas aumenta a cada dia (Kauffman, 2001). Dados do censo do IBGE-2000 (conforme citado por Ferreira, 2005) destacam questões importantes para a compreensão da vida familiar atual, em relação ao censo anterior: a família de tipo nuclear diminuiu de 58,4% para 55%; o número de mulheres sem marido (viúvas, mães solteiras, divorciadas) aumentou de 15,1% para 17,1% e o número de pessoas vivendo sozinhas aumentou de 7,3% para 8,6%. Conclui-se que a prevalência do modelo da família nuclear está diminuindo, enquanto outros modelos de vivência têm emergido (Dessen & Silva, 2004). Um fator que mantêm a visão da família nuclear como um modelo ideal diz respeito à comprovada importância do envolvimento dos pais com os filhos para o desenvolvimento sócio-emocional e acadêmico das crianças (Applyard, Egeland, Dulmen & Sroufe, 2005; Dunn, 2004; Hill & Taylor, 2004). O progresso no aprendizado escolar, por exemplo, está associado à supervisão e à organização das rotinas no lar, a oportunidades de interação com os pais e à oferta de recursos no ambiente físico (Marturano, 2004). Contudo, existem muitas crianças que não gozam da oportunida340 de de serem educadas, diariamente, por ambos os pais. Quando os dois pais não vivem no mesmo domicílio com seus filhos, quase sempre há uma freqüência baixa de contato com o pai não-residente. Sabe-se que uma proporção substancial de crianças tem sido criada ou educada dentro de famílias monoparentais, usualmente resultante de divórcio, mas também provenientes de nascimentos fora do casamento, viuvez precoce, em função de um local de trabalho distante por parte do pai, entre outros motivos (Dessen & Silva, 2004; Kauffman, 2001). Em geral, o divórcio é considerado de forma negativa, pois é visto como um evento traumático, tanto para os pais como também para as crianças. No início, muitas crianças manifestam alguns distúrbios emocionais, tipicamente envolvendo uma combinação de raiva, ansiedade, depressão, dependência e nãosubmissão. O período de adaptação ao divórcio é de aproximadamente três anos, embora existam crianças que se ajustem rapidamente e seguem suas vidas sem apresentarem problemas emocionais e/ou comportamentais (Kauffman, 2001). Apesar do período de adaptação poder ser difícil, deve-se ressaltar que a separação dos pais pode ter aspectos positivos para todos os membros da família, principalmente quando a criança vivenciava situações de violência física e verbal, ou quando um dos pais tem comportamento anti-sociais, o que poderia trazer maiores intercorrências para o seu desenvolvimento se os pais permanecessem unidos (Guille, 2004; Jaffee, Moffitt, Caspi & Taylor, 2003). A forma como as crianças se ajustam ao divórcio depende de várias circunstâncias associadas à dissolução familiar, incluindo a idade das crianças quando o divórcio ocorreu, nível de conflito familiar antes e após o divórcio, nível de afeiçoamento da criança ao cônjuge possuidor da custódia, características do cuidador que tem a custódia, comportamento do progenitor visitante, situação econômica do responsável pelas crianças, suporte de outros membros da família e características cognitivas e afetivas das crianças (Zigler & Finn-Stevenson, 1997). Não é possível predizer com precisão a ocorrência de desordens afetivas e comportamentais infantis decorrentes do divórcio, porém muitas crianças e Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham adolescentes que têm pais separados apresentam desempenho escolar mais baixo e menor confiança em suas habilidades acadêmicas, quando comparadas com crianças de famílias intactas (Kauffman, 2001). Além da intensificação desses fatores de risco que acompanham o divórcio, é preocupante os impactos desta separação dos pais sobre a freqüência e a qualidade da interação entre o principal cuidador (normalmente a mãe) e as crianças. Por um lado, o contexto monoparental pode reduzir o tempo que o cuidador principal tem para interagir com seus filhos, uma vez que este se encontra sozinho para executar muitas funções (trabalhar fora, realizar tarefas domésticas, dar atenção aos filhos). Por outro lado, pode ser que esta pessoa passe a contar com a maior colaboração de seus filhos do que em famílias bi-parentais, gerando uma interdependência familiar maior e elevado senso de responsabilidade entre estas crianças, que pode estreitar e fortalecer esta relação. Soma-se o fato que a ausência ou baixo envolvimento do pai, em si, constitui um fator de risco adicional ao desenvolvimento das crianças, pois várias pesquisas demonstraram que o envolvimento do pai afeta a dedicação dos seus filhos aos estudos, com impactos no seu desempenho acadêmico (Flouri & Buchanan, 2003; Gutman, Sameroff & Cole, 2003; Lamb, 1997). Em uma pesquisa envolvendo crianças em idade escolar, Cia, D’Affonseca e Barham (2004) verificaram a relação entre a qualidade do relacionamento com o pai (na visão do pai e da criança) e o desempenho acadêmico das crianças. Participaram deste estudo 58 pais (homens) e seus filhos da quinta e sexta série, de classes socioeconômicas baixa, que viviam com ambos os pais biológicos. Os resultados demonstraram que a maior freqüência de comunicação entre pai e filho, bem como, a de participação do pai nas atividades escolares, culturais e de lazer do filho estava positivamente correlacionada com melhor desempenho da criança em leitura, escrita e na pontuação total do Teste de Desempenho Escolar. Considerando que a ausência paterna se configura como fator de risco para o desenvolvimento infantil, pesquisas que possam averiguar a freqüência do envolvimento de mães sozinhas com seus filhos, comparadas com mães em contextos bi-parentais, podem contribuir na identificação de fatores de proteção, que reduzem o risco para o desenvolvimento infantil. Além disso, podem fornecer dados importantes que subsidiam o planejamento de intervenções para auxiliar as famílias monoparentais a organizarem e distribuírem seu tempo de modo a maximizar oportunidades de interação e o desenvolvimento acadêmico dos filhos. Sendo assim, os objetivos deste estudo são comparar o envolvimento materno de crianças que vivem com a mãe ou com ambos os pais e o desempenho acadêmico de crianças que vivem nesses dois ambientes familiares e relacionar a freqüência de envolvimento materno com o desempenho acadêmico das crianças. Método Participantes Participaram deste estudo 30 crianças, com idades variando entre 9 e 11 anos (média de idade de 9,6 anos), sendo 13 do sexo feminino e 17 do sexo masculino. Exatamente metade estava na 3a série e a outra metade na 4a série do Ensino Fundamental, assim como, metade vivia com ambos os pais e metade apenas com a mãe. Todas as crianças eram de classe sócio-econômica baixa. Local A pesquisa foi realizada em uma instituição que atende crianças carentes, disponibilizando aulas de reforço, atividades esportivas e recreativas, em período oposto ao das aulas. Essa instituição está localizada em uma cidade de médio porte do interior do estado de São Paulo. Materiais e Instrumentos Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein, 1994). O TDE é um instrumento com propriedades psicométricas adequadas para avaliar capacidades fundamentais para o desempenho escolar. Pode ser empregado para avaliar crianças desde a 1a à 6a séries do Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351 341 Ensino Fundamental, composto por três subtestes: escrita, envolvendo a escrita do nome próprio e de 34 palavras isoladas, apresentadas sob a forma de ditado; aritmética, que requer a solução oral de três problemas e cálculos de 35 operações aritméticas, por escrito e leitura, requerendo o conhecimento de 70 palavras, isoladas do contexto. Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos (Cia e cols., 2004). Este instrumento é composto por várias escalas, tipo Likert, e contemplam uma diversidade de indicadores de envolvimento positivo dos pais com os filhos. Neste estudo, foram utilizadas três escalas, com a pontuação de freqüência para os itens, variando entre 1, ‘nunca’ a 5, ‘sempre’, que foram adaptadas para utilização nessa pesquisa, sendo elas: 1- Escala de freqüência de interações iniciadas pela mãe, para com seu filho, contendo 16 itens (α = 0,81); 2- Escala de freqüência de interações iniciadas pelo filho, para com sua mãe, contendo 15 itens (α = 0,67); 3- Escala de freqüência de participação das mães nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos, contendo 32 itens (α = 0,85). Procedimento de coleta de dados Para obter a autorização dos responsáveis (neste estudo, sempre as mães) e para solicitar a participação das crianças, foi agendada, primeiramente, uma reunião em que foram apresentados os objetivos do estudo, a forma de participação das crianças e, para as interessadas, solicitou-se a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, foram agendados horários para aplicar o TDE e para preenchimento do questionário pelas crianças. Apesar de o questionário ser um instrumento preenchido pelo participante, todos os itens das escalas foram lidos para cada criança, sendo dado um cartão contendo as cinco opções de resposta (que variou de ‘nunca’ a ‘sempre’) para a criança apontar a freqüência aproximada da ocorrência de cada tipo de interação ou de acompanhamento. Essa aplicação foi feita de forma individual, em uma sala disponibilizada pela instituição, livre de interferências. 342 Procedimento de análise dos dados Os dados provenientes do TDE foram pontuados com base no manual do instrumento. Com os dados quantitativos, provenientes do Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos, análises descritivas (medidas de tendência central e dispersão) foram realizadas. Além disso, para os conjuntos de itens que compõem cada escala, foi feita uma análise de consistência interna da escala como um todo (calculando o alfa de Cronbach). Para comparar os dois grupos de crianças (pais juntos e mães separadas) em relação ao envolvimento das mães com os filhos e ao desempenho acadêmico das crianças, utilizou-se o Teste-t. Para correlacionar a freqüência de envolvimento materno com o desempenho acadêmico das crianças, o teste de correlação linear de Pearson foi utilizado. Todas as análises quantitativas foram realizadas, usando o aplicativo SPSS 10.0. Resultados Os resultados comparam e relacionam a freqüência da interação entre mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças, entre crianças que viviam com ambos os pais e crianças, com as mães, sendo apresentados em três conjuntos: interação entre mãe e filho; desempenho acadêmico das crianças e relações entre a interação mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças. Interação entre mãe e filho A Tabela 1 apresenta a freqüência de interações iniciadas pelas mães, para com seu filho, segundo a opinião dos filhos, comparando crianças que viviam com ambos os pais e crianças que viviam com as mães. De modo geral, as mães de ambos os grupos mostraram alta freqüência de interação com os filhos. As duas diferenças encontradas, segundo a opinião das crianças, foram as seguintes: no grupo em que os pais moravam juntos, as mães perguntavam onde os filhos estavam indo e com quem, quando saíam de casa, com uma freqüência significativamente maior do que Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham as mães monoparentais. Além disso, segundo as crianças, as mães monoparentais gritavam, xingavam ou De novo, a maior parte dos itens não apresentou diferença estatisticamente significativa, entre os Tabela 1. Interação entre mãe e filho: Comparação de crianças que viviam com ambos os pais e crianças de mães monoparentais Nota: A freqüência foi apontada usando uma escala que variou de 1, ‘nunca’ a 5, ‘sempre’. *p<0,05. batiam nas crianças, sem que tenham feito algo de errado, com uma freqüência significativamente maior que as mães que eram casadas. A Tabela 2 apresenta a freqüência de interações iniciadas pelos filhos, para com sua mãe, segundo a opinião dos filhos, comparando crianças que viviam com ambos os pais e crianças de mães separadas. dois grupos de crianças. Os dois itens envolvendo diferenças entre os dois grupos foram os seguintes: as crianças cujos pais moravam juntos apontaram que elas (as crianças) respondiam às perguntas que a mãe fazia, sem mentir ou esconder as coisas, com uma freqüência significativamente maior do que as crianças cujas mães eram separadas e as crian- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351 343 Tabela 2. Interação entre filho e mãe: Comparação de crianças que viviam com ambos os pais e crianças de mães monoparentais Nota: A freqüência foi apontada usando uma escala que variou de 1, ‘nunca’ a 5, ‘sempre’. *p<0,05. ças cujos pais eram separados apontaram que elas (as crianças) pediam que a mãe ajudasse a fazer atividades escolares, com uma freqüência significativamente maior do que as crianças cujas mães eram separadas. A Tabela 3 apresenta a freqüência de participação das mães nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos, segundo a opinião dos filhos, comparando crianças que viviam com ambos os pais e crianças com mães monoparentais. 344 Todas as mães mostraram um bom envolvimento em relação às atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos, segundo o relato das crianças. No entanto, as crianças que moravam com ambos os pais apontaram que suas mães realizavam as seguintes atividades com uma freqüência significativamente maior do que as crianças com mães monoparentais: Pede que você faça tarefas domésticas; Procura te ajudar quando você tira notas ruins; Olha seus cadernos para ver se você tem tarefa de casa e Compra ou pega emprestado livros, gibis, revistas para você ler. Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham Tabela 3. Participação das mães nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos: Comparação de crianças que viviam com ambos os pais e crianças de mães monoparentais Nota: A freqüência foi apontada usando uma escala que variou de 1, ‘nunca’ a 5, ‘sempre’. + p<0,1; *p<0,05; **p<0,01. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351 345 Desempenho acadêmico das crianças A Tabela 4 apresenta as médias das crianças nos subtestes do TDE. Não houve diferenças estatisticamente significativas no desempenho acadêmico, entre as crianças que série para ter uma distribuição equivalente à das crianças da 3ª série. Para tanto, foram retirados quatro pontos dos escores de cada criança da 4ª série em aritmética, três pontos em escrita e sete pontos da pontuação total no TDE. Tabela 4. Pontuação obtida no Teste de Desempenho Escolar por série Nota: Pontuação máxima possível nos subtestes do TDE: aritmética = 38; escrita = 35; leitura = 70. viviam com ambos os pais e as crianças vivendo com mães monoparentais. Por isso, optou-se por apresentar as médias das crianças da 3ª e 4ª séries, sem separá-las pelas constituições familiares. Em aritmética, as crianças da 3ª série estavam na média e as da 4ª série estavam ligeiramente abaixo da média, de acordo com as normas de classificação do TDE. No subteste de escrita, as crianças de ambas as séries estavam na média e, no subteste de leitura, ambas estavam abaixo da média. No escore total, as crianças da 3ª série estavam na média e as da 4ª série estavam abaixo da média. Relações entre a interação mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças Para correlacionar as três medidas do envolvimento mãe-filho com o desempenho acadêmico das crianças, foi necessário combinar os escores das crianças da 3a e 4a séries no TDE. Sempre que é preciso combinar dados de dois grupos independentes, com distribuições normais, mas médias diferentes pode-se subtrair ou somar um valor fixo a todos os escores de um dos grupos, para transpor a média para o mesmo valor do segundo grupo, sem afetar a forma da distribuição dos escores do primeiro grupo (Hays, 1981). Sendo assim, optouse por transformar os escores das crianças da 4ª 346 A Tabela 5 mostra as correlações entre as medidas de interações mãe-filho e o desempenho acadêmico das crianças, considerando as crianças que moravam com ambos os pais. Pode-se verificar que houve uma correlação positiva e significativa entre a pontuação total no TDE e os dois itens das escalas de envolvimento materno: a freqüência de a mãe gritar com o filho, quando faz algo errado, e a freqüência da criança falar para sua mãe quando não gostou de algo que ela fez ou disse. A Tabela 6 mostra as correlações entre as medidas de interação mãe-filho e o desempenho acadêmico das crianças, considerando as crianças que moram apenas com a mãe. Pode-se verificar que algumas habilidades comunicativas e várias atividades que as mães estavam realizando com os filhos estavam correlacionadas com pelo menos um dos subtestes do TDE. Ou seja, percebe-se que o envolvimento materno no contexto monoparental estava altamente relacionado com o desempenho acadêmico dos seus filhos. Em relação ao primeiro conjunto de dados – envolvendo a comparação do grupo de crianças com mães monoparentais com o de crianças cujos pais viviam juntos, em relação à freqüência de cada tipo de interação mãe-filho, de modo geral, segundo relato das crianças, houve alta freqüência de interação das Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham Tabela 5. Correlações significativas (Pearson) entre os indicadores de envolvimento materno e o desempenho escolar de crianças cujos pais moravam juntos Nota: *p<0,05. Tabela 6. Correlações significativas (Pearson) entre os indicadores de envolvimento materno e o desempenho escolar de crianças com mães monoparentais Nota: *p<0,05; **p<0,01; ***p<0,001. mães com os filhos em ambos grupos de crianças. De acordo com a literatura (Alvarenga & Piccinini, 2001; Anselmi, Piccinini, Barros & Lopes, 2004; Atzaba-Poria, Pike & Deater-Deckard, 2004; D’Affonseca, 2005; D’Avila-Bacarji, Maturano & Elias, 2005; Hill & Taylor, 2004; Kenny & Gallagher, 2002), o bom envolvimento de um adulto responsável contribui para a maximização de diversas áreas do de- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351 347 senvolvimento infantil, especialmente o desenvolvimento sócio-emocional e cognitivo. Entretanto, foi possível observar algumas diferenças na interação das mães bi e monoparentais com seus filhos. Parece que as mães no contexto bi-parental dispunham de mais tempo, em média, do que as mães monoparentais, para monitorar as atividades sociais de seus filhos (Kauffman, 2001; Tiedje, 2004). Além disso, as mães monoparentais apresentaram maior freqüência de alguns comportamentos negativos, o que também pode ser um indício de que estas mães estejam mais estressadas do que as mães do contexto biparental. Como as mães monoparentais costumam lidar com um acúmulo maior de funções do que mães agindo num contexto bi-parental, isto pode gerar maior estresse e cansaço, associados a maior nervosismo e menor paciência para com os filhos. Observou-se também que as crianças com mães monoparentais apontaram que mentem ou escondem coisas de suas mães com uma freqüência significativamente maior do que as crianças cujos pais viviam juntos. Mentir e esconder coisas tende a acontecer quando a reação esperada por parte da mãe seria punitiva. A falta de transparência e interações negativas interferem na qualidade do envolvimento materno e, por conseqüência, torna-se um fator de risco para o desenvolvimento infantil (Coley, 2001; Tubbs, Roy & Burton, 2005). Considerando a participação das mães nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos, pode-se notar que as crianças que moravam com ambos os pais apontaram contar com um envolvimento materno mais freqüente do que no grupo de crianças com mães monoparentais em relação a diversos itens. As mães, que contam com a presença do marido, podem ter mais tempo disponível para ajudar e monitorar as atividades escolares dos filhos e ainda terem melhor condição financeira para comprar coisas para seu filho (Guille, 2004). Com relação ao segundo objetivo, visando à comparação do desempenho acadêmico das crianças que moravam com ambos os pais e das crianças que viviam somente com a mãe, não houve diferenças significativas. Porém, todas as crianças tiveram um desempenho acadêmico abaixo da média em vários subtestes 348 do TDE, considerando que o desempenho acadêmico pode ser influenciado por um conjunto de variáveis, além do envolvimento materno. O impacto negativo de tais variáveis se torna mais evidente, considerando que as crianças estavam tendo reforço escolar e, ainda assim, apresentaram um desempenho acadêmico abaixo do esperado (D’Affonseca, 2005; Del Prette & Del Prette, 2005; Marturano, 2004). Em relação ao terceiro objetivo, que relacionou a interação entre mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças, os resultados mostraram a ocorrência de algumas correlações significativas em ambos os grupos de crianças. No entanto, para o grupo de crianças que viviam somente com a mãe, houve um número muito maior de itens correlacionados com o desempenho acadêmico das mesmas do que no outro grupo de mães. Como não há a presença do pai no grupo monoparental, o que a mãe fazia não estava sendo complementado por uma outra pessoa. Assim, parece que suas ações tiveram um impacto direto sobre o filho. No contexto bi-parental, porém, o pai pode reforçar ou modificar o impacto do que a mãe faz. Assim, no contexto bi-parental, se fosse considerar o envolvimento da mãe e do pai, em conjunto, pode ser que passar-se-ia a ter muito mais correlações entre o envolvimento dos pais e o desempenho acadêmico de crianças. Para o grupo de crianças que viviam apenas com a mãe, os comportamentos da mãe de elogiar, impor limites e solicitar que os filhos ajudem em tarefas domésticas foram os itens mais fortemente associados com o desempenho acadêmico dos filhos. A literatura também indica que o reforço positivo aos comportamentos dos filhos, a imposição de regras e limites e a divisão de responsabilidades com os filhos contribuem para maximizar o desenvolvimento psicossocial e intelectual das crianças, ajudando-as no seu desempenho escolar (Cooper & Cooper, 2005; Del Prette & Del Prette, 2005). É importante salientar que, no contexto monoparental, houve uma correlação significativa e negativa entre a ajuda com tarefas escolares por parte da mãe, por um lado, e o desempenho acadêmico das crianças em aritmética e em escrita, por outro lado. Esse dado está em acordo com Tiba (2006), Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham que afirma que muitas mães crêem que quando executam as tarefas escolares para as crianças (no lugar delas), estão ajudando, mas apenas contribuem para interferir na aprendizagem das mesmas. Considerando o conjunto de correlações entre envolvimento materno e desempenho acadêmico das crianças que surgiram nos dois grupos, percebe-se que nenhum foi muito alto. Além disso, embora aparecerem várias correlações significativas, um número muito maior dos itens das escalas de envolvimento materno não apresentaram correlações significativas com o desempenho escolar. Domina (2005) afirma que o envolvimento parental, como também sua eficácia, tende a declinar com o aumento da idade da criança. Assim, como a faixa etária pesquisada variou entre nove e onze anos, pode-se supor que muitas das crianças já tenham adquirido alto nível de independência com relação às atividades ligadas ao seu desempenho acadêmico, com nível apenas mediano de necessidade de apoio por parte de suas mães, reduzindo a probabilidade de detectar correlações significativas. Considerações Finais Ainda que este estudo tenha sido conduzido com uma amostra restrita de participantes, os resultados claramente confirmam vários outros achados na literatura, referentes à importância do envolvimento materno para o desempenho acadêmico de escolares, assim como aponta para algumas diferenças na freqüência e tipo de envolvimento materno entre mães bi e monoparentais. Assim, com base neste estudo, parece que seria frutífero prosseguir com pesquisas em amostras ampliadas, considerando diferentes estratos sociais. Deve-se ressaltar, também, que alguns dos resultados deste estudo são correlacionais. Portanto, conclusões sobre a direção causal da relação entre envolvimento materno e desempenho escolar não podem ser estabelecidas. Estudos longitudinais seriam indicados para monitorar melhor a influência do envolvimento materno sobre o desempenho acadêmico, ao longo do período de escolarização. A maior freqüência de alguns comportamentos negativos no grupo de mães monoparentais, segundo seus filhos, é preocupante, porque parece refletir uma situação de maior sobrecarga e estresse no contexto mono do que no contexto biparental. Dessa forma, estes resultados podem ajudar a fundamentar e direcionar intervenções para famílias monoparentais, enfocando sua necessidade de apoio prático e emocional e trabalhando com os comportamentos específicos que apresentaram correlações negativas com o desempenho acadêmico das crianças. Uma contribuição metodológica importante a ressaltar em relação a este estudo foi o uso de relatos das crianças. Na maioria dos estudos, quando se procura coletar dados sobre a relação mãe-filho, o ponto de vista mais procurado seria o da mãe, supondo que ela seria uma informante mais fidedigna. Porém, a opinião da criança sobre o envolvimento de sua mãe é muito importante para verificar a relação entre este e o desempenho escolar da criança. Em suma, acredita-se que este estudo permite saber mais sobre as semelhanças e diferenças no envolvimento materno nos contextos bi e monoparentais, bem como a relação entre este envolvimento e o desempenho escolar de seus filhos. Tendo em vista o aumento na porcentagem de crianças vivendo no contexto monoparental, é de extrema importância ter informações detalhadas comparando estes dois contextos a fim de compreender as necessidades específicas de cada tipo de família e oferecer apoios adaptados a cada contexto. Referências Alvarenga, P., & Piccinini, C. (2001). Práticas educativas maternas e problemas de comportamento em pré-escolares. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14(3), 449-460. Anselmi, L., Piccinini, C. A., Barros, F. C., & Lopes, R. S. (2004). Psychosocial determinants of behavior problems in Brazilian preschool children. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 45(4), 779-788. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351 349 Appleyard, K., Egeland, B., Dulmen, M. H. M. V., & Sroufe, L. A. (2005). When more is not better: The role of cumulative risk in child behavior outcomes. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 46(3), 235-245. Atzaba-Poria, N., Pike, A., & Deater-Deckard, K. (2004). Do risk factors for problem behavior act in a cumulative manner? An examination of ethnic minority and majority children through an ecological perspective. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 45, 707-718. Branvdth, B., & Kvande, E. (2002). Reflexive fathers: Negotiating parental leave and working life. Gender, Work and Organization, 9(2), 186-203. Cia, F., D’Affonseca, S. M., & Barham, E. J. (2004). A relação entre envolvimento paterno e desempenho acadêmico dos filhos. Paidéia: Cadernos de Psicologia e Educação, 14(29), 277286. Dunn, J. (2004). Annotation: Children’s relationships with their nonresident father. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 45(4), 659-671. Ferreira, V. (2005). Família: Nó ou ninho? [On-line]. Disponível: www.vidaacademica.net. Flouri, E., & Buchanan, A. (2003). The role of father involvement in children’s later mental health. Journal of Adolescence, 26, 63-78. Guille, L. (2004). Men who batter and their children: An integrated review. Aggression and Violent Behavior, 9, 129-163. Gutman, L. M., Sameroff, A. J., & Cole, R. (2003). Academic growth curve trajectories from 1st grade to 12th grade: Effects of multiple social risk factors and preschool child factors. Developmental Psychology, 39(4), 777-790. Hays, W. L. (1981). Statistics. Toronto, ON: Holt Reinhart e Winston. Coley, R. L. (2001). (In)visible Men – Emerging research on low-income, unmarried, and minority fathers. American Psychologist, 56(9), 743-753. Hill, N. E., & Taylor, L. C. (2004). Parental school involvement and children’s academic achievement. Current Directions in Psychological Science, 13(4), 161-164. Cooper, B., & Cooper, N. (2005). What a difference a parent makes! New York: A focus on father workbook. Jaffee, S. R., Moffitt, T. E., Caspi, A., & Taylor, A. (2003). Life with (or without) father: The benefits of living with two biological parents depend on the father’s antisocial behavior. Child Development, 74(1), 109-126. D’Affonseca, S. M. (2005). Prevenindo fracasso escolar: Comparando o autoconceito e desempenho acadêmico de filhos de mães que trabalham fora e donas de casa. Dissertação de Mestrado não-Publicada, Programa de Pós-graduação em Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo. Kauffman, J. M. (2001). Characteristics of emotional and behavioral disorders of children and youth. New Jersey, OH: Merril Prentice Hall. D’Avila-Bacarji, K. M. G., Marturano, E. M., & Elias, L. C. S. (2005). Suporte parental: Um estudo sobre crianças com queixas escolares. Psicologia em Estudo, 10(1), 107-115. Kenny, M. E., & Gallagher, L. A. (2002). Instrumental and social/relational correlates of perceived maternal and paternal attachment in adolescence. Journal of Adolescence, 25, 203219. Dantas, C., Jablonski, B., & Féres-Carneiro, T. (2004). Paternidade: Considerações sobre a relação pais-filhos após a separação conjugal. Cadernos de Psicologia e Educação Paidéia, 14(29), 347-357. Lamb, M. E. (1997). Fathers and child development: An introductory overview and guide. Em M. E. Lamb (Org.), The role of the father in child developmental (pp. 1-18). New York: John Wiley & Sons. Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: Teoria e Prática. Petrópolis: Vozes. Marturano, E. M. (2004). Fatores de risco e proteção no desenvolvimento socioemocional de crianças com dificuldade de aprendizagem. Em E. G. Mendes, M. A. Almeida & L. C. A. Williams (Orgs.), Temas em Educação Especial – Avanços Recentes (pp. 159-165). São Carlos: EDUFSCar. Dessen, M. A., & Silva, N. L. P. (2004). A família e os programas de intervenção: Tendências atuais. Em E. G. Mendes, M. A. Almeida & L. C. A. Williams (Orgs.), Avanços recentes em Educação Especial (pp.179-187). São Carlos: EDUFSCar. Domina, T. (2005). Leveling at home advantage: Assessing the effectiveness of parental involvement in elementary school. Sociology of Education, 78, 233-249. 350 Stein, L. M. (1994). Teste de desempenho escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo. Tiba, I. (2006). Disciplina na medida certa: Novos paradigmas. São Paulo: Integrare. Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham Tiedje, L. B. (2004). Process of change in work/home incompatibilities employed mothers. Journal of Social Issues, 60(4), 787-800. Tubbs, C. Y., Roy, K. M., & Burton, L. M. (2005). Families ties: Constructing family time in low-income families. Family Process, 44(1), 77-91. Zigler, E. F., & Finn-Stevenson, M. (1997). Policy efforts to enhance child and family life: Goals for 2010. Em R. P. Weissberg, T. P. Gullota, R.L. Hampton, B. A. Ryan & G. R. Adams (Orgs.), Establishing preventive services (pp. 27-60). Thousand Oaks, CA: Sage. Recebido em: 13/03/2007 Revisado em: 04/06/2007 Aprovado em: 31/01/2008 Sobre as autoras Carolina Severino Lopes da Costa ([email protected]) - Psicóloga, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos. Fabiana Cia ([email protected]) - Psicóloga, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos. Elizabeth Joan Barham ([email protected]) - Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos. Envio de correspondência/Leitor do artigo Universidade Federal de São Carlos Departamento de Psicologia/Laboratório de Análise e Prevenção de Violência (LAPREV) A/C: Carolina Severino Lopes da Costa Rodovia Washington Luís, Km 235, Caixa Postal: 676, CEP: 13565-905 São Carlos – SP – Brasil. Telefones: (16) 3351-8745 / (16) 3351-8361 [email protected] Nota das autoras Apoio Financeiro: CAPES Este trabalho foi originalmente desenvolvido como requisito da disciplina Estudos Avançados, do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial/ UFSCar, ministrada pelas Profas. Dra. Deisy das Graças de Souza, Dr a. Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil e Dra. Cláudia Maria Simões Martinez. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351 351 Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública Injustiças no cotidiano escolar Thaise Beluci Alessandra de Morais Shimizu Resumo Embasada nas teorias piagetiana e kohlberguiana sobre o desenvolvimento de julgamento moral, esta pesquisa teve como objetivo identificar as principais ocorrências de injustiça no cotidiano de uma escola pública de ensino fundamental e médio do oeste paulista e comparar as percepções dos diferentes membros da escola em pauta. A coleta de dados consistiu na aplicação de um questionário em 156 alunos, 39 pais de alunos, 15 professores e 11 funcionários, perfazendo um total de 221 participantes. Os dados foram analisados e comparados conforme o papel exercido por categoria do participante na escola investigada. Os resultados demonstraram que a escola é concebida como um ambiente injusto por seus membros, no entanto, os agentes que possibilitam ações consideradas injustas (professores, direção/coordenação, alunos, pais, polícia e sociedade) são percebidos de maneira diferente de acordo com o papel desempenhado pelo membro da comunidade escolar. Palavras-chave: desenvolvimento moral; aprendizagem; ambiente escolar. Injustice in the daily school life: perceptions of the members of a public school Abstract Based on piagetian and kohlbergian theory about the development of moral judgment, this research had as its objective to identify the main injustice occurrence in the daily life of an Elementary and Secondary Public School in the West of Sao Paulo State, and compare the different member’s perceptions of the mentioned school. The data collection was constituted of a questionnaire application based on the following sample: 156 students, 39 student parents, 15 teachers and 11 staff members, bringing it up to a total of 221 participants. The data were analyzed and compared according to the role performed by each participating category in the investigated school. The results showed that the school is seen as an unjust environment by its members, however, the agents that enable actions considered unjust (teachers, principal’s office/teacher co-ordination, students, parents, police and community) are perceived in a different way according to the role performed by each school community member. Keywords: moral development; learning; school environment. Injusticias en el cotidiano escolar: percepciones de miembros de una escuela pública Resumen Con base en las teorías piagetiana y kohlberguiana sobre el desarrollo del juicio moral, esta investigación tuvo como objetivo identificar los casos principales de injusticia en el cotidiano de una escuela pública de enseñanza primaria y secundaria del oeste paulista, y comparar las percepciones de los diferentes miembros de esa escuela. La cosecha de datos consistió en la aplicación de un cuestionario en 156 alumnos, 39 padres de alumnos, 15 profesores y 11 funcionarios, totalizando 221 participantes. Los datos fueron analizados y comparados de acuerdo al papel ejercido por categoría del participante en la escuela investigada. Los resultados demostraron que la escuela es concebida por sus miembros como un ambiente injusto, y que por otro lado, los agentes que posibilitan acciones consideradas injustas (profesores, dirección/coordinación, alumnos, padres, policía y sociedad) son percibidos de forma diferente de acuerdo con el papel desempeñado por el miembro de la comunidad escolar. Palabras clave: desarrollo moral; aprendizaje; ambiente escolar. 353 Introdução Atualmente, frente a uma crise de valores, violência, corrupção e desigualdade na nossa sociedade brasileira, refletido no contexto educacional por meio de problemas relacionados à violência, indisciplina e desinteresse, há uma grande preocupação com o aspecto moral da educação e sua consideração tanto no meio acadêmico como nas propostas sociais. Por um lado, as novas propostas que têm como principais representantes os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Médio (Brasil, 1997, 1998) – assim como diferentes pesquisadores (Araújo, 2002, 2003, 2004; Buxarrais, 1997; Menin, 2000, 2002a, 2002b; Puig, 1998; Shimizu, 1998; Shimizu e cols., 2003) defendem que cabe à escola participar da formação moral de seus alunos, atuando dentro dos princípios democráticos visto que é mais um meio social na vida dos indivíduos. Por outro lado, constata-se que a implantação dessas propostas é, ainda, um grande desafio e envolve uma diversidade de fatores que, segundo Araújo (2002), perpassam desde os conteúdos escolares e a metodologia das aulas até os valores dos membros da comunidade escolar e a maneira como as relações interpessoais se dão, dentre outros fatores. Concorda-se aqui com Araújo (2002), ao considerar que um fator relevante, mas não único, da ocorrência da indisciplina na escola seja os tipos de relações interpessoais estabelecidas entre os diferentes membros da comunidade escolar. Com base em Piaget (1932/ 1994) e Kohlberg (1976/1992), supõese que o tipo de respeito presente nessas relações e o fato dessas relações serem consideradas justas ou injustas pelos atores nelas envolvidos são fatores importantes para a direção em que se dá o desenvolvimento moral dos mesmos, e, conseqüentemente, para a forma como eles se relacionam com as normas e regras escolares. Como o apoio teórico está nos dois autores referidos, são acrescidas aqui as informações mais pertinentes de suas proposições. Na obra O Juízo Moral na Criança, publicada em 1932, ao investigar o desenvolvimento do julgamento moral na criança, Piaget (1932/1994) distinguiu duas 354 morais relacionadas a dois tipos de respeito: a moral da coação ou da heteronomia, na qual a regra é exterior ao indivíduo, proveniente de um adulto e acompanhada do respeito unilateral; e a moral da cooperação ou da autonomia, na qual a regra provém do indivíduo, é interior a ele e apresenta como guia o respeito mútuo. O ideal é que, segundo esse autor, com o passar dos anos, a criança passe da heteronomia para a autonomia moral. Relacionado com esses dois tipos de moral, Piaget (1932/1994) descreveu três períodos no desenvolvimento da justiça na criança. O primeiro, em que a justiça está completamente subordinada à autoridade adulta, caracterizado pela não-diferenciação do justo e do injusto com o dever e a desobediência. A criança, nessa época, considera injustas apenas as condutas em que não são seguidas as regras ordenadas pelos adultos, prevalecendo o respeito unilateral e a heteronomia da lei. No segundo período são identificados o igualitarismo e o desenvolvimento progressivo da autonomia, além do predomínio da busca igualdade sobre a autoridade. E o terceiro período, em que o igualitarismo cede lugar à eqüidade, consiste em uma relação baseada não sobre a igualdade, mas sobre a situação real de cada indivíduo no que diz respeito a necessidades e capacidades. Piaget (1932/1994) investigou, também, exemplos de injustiças, segundo as crianças, e percebeu a existência de quatro tipos de respostas: condutas contrárias às ordens e a fazer algo proibido, condutas contrárias às regras do jogo e à igualdade, e injustiças referentes à sociedade adulta, como injustiças econômicas, políticas e sociais. Conforme Piaget (1930/1996, 1932/1994), certas experiências morais orientarão a criança para uma ou outra direção. A autoridade adulta constitui um momento necessário na evolução moral da criança, mas não é suficiente para construir o senso de justiça, que só se desenvolve com a cooperação e o respeito mútuo. Dessa forma, a escola deve ser um local em que a criança possa vivenciar a moralidade, impulsionando a construção de personalidades autônomas aptas à cooperação. Com base nessa concepção, Piaget (1930/1996) defende o método ativo de educação moral, que se Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu baseia na idéia de que os conteúdos devem ser (re)descobertos pelas próprias crianças, através de uma investigação e atividade espontâneas, ao invés de serem impostos de fora. Nesse método, a educação moral não constitui uma matéria à parte, e sim compõe todas as disciplinas, de maneira transversal, como também é proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais. É fundamental, ainda, que a classe forme uma sociedade real, isto é, uma associação que envolva trabalho comum entre seus membros, na qual possam organizar suas próprias leis disciplinares bem como àqueles que terão a função de governar e repreender quando necessário. Em suma, o método ativo busca sempre não impor pela autoridade aquilo que a criança possa descobrir por si mesma e, conseqüentemente, criar um meio social infantil onde a criança possa realizar as experiências desejadas (Piaget, 1930/1996). No campo do Desenvolvimento Moral deve-se destacar, também, a contribuição do psicólogo norteamericano Lawrence Kohlberg que, além de dar prosseguimento aos estudos piagetianos sobre a evolução da moral na criança, realizando pesquisas interculturais, procurou, também, inserir no cotidiano escolar uma Educação Moral que possibilitasse graus de consciência moral cada vez mais elevados nos jovens. Para Kohlberg (1976/1992), a estrutura essencial da moralidade é a justiça, e tem seu desenvolvimento por meio de seis estágios morais, agrupados em três grandes níveis da moralidade: o pré-convencional, o convencional e o pós-convencional. No primeiro nível moral, o pré-convencional, a criança percebe a existência das regras sociais, do bem e do mal. No entanto, para ela o valor moral está, ainda, localizado nos acontecimentos externos e baseado no poder físico de quem estipula a regra moral. O nível convencional implica em conformidade e manutenção das normas mediante a identificação com a ordem social ajustada a fim de ser preservada a lealdade para com a família, o grupo ou a nação. O nível pós-convencional é caracterizado pelo entendimento e aceitação das normas da sociedade, com base em princípios morais gerais que transcendem essas regras. Nesse patamar do desenvolvimento moral, o indivíduo tem o seu “eu” diferenciado das normas e expectativas, definindo seus valores de forma autônoma e justa. Kohlberg (1976/1992) defende, ainda, a idéia de que o contato do indivíduo com um estágio imediatamente superior ao próprio impulsiona a evolução moral, visto que os sujeitos tendem a assimilar o raciocínio moral a partir desse estágio posterior. Esse movimento dá-se por meio de uma reflexiva organização que surge das contradições percebidas na estrutura de seu estágio atual; assim, as experiências de conflito cognitivo podem ser eliciadas pela exposição de situações que suscitem contradições internas nas estruturas do pensamento moral. A partir desse princípio básico, ele elaborou dois tipos de programa educacional: a discussão de dilemas morais em grupos e a construção de comunidades justas. O Programa de Educação Moral, baseado na discussão de dilemas morais, visava promover o desenvolvimento moral, gerando um confronto de opiniões entre os participantes, o que originava um conflito cognitivo, que por sua vez, conduzia a uma maior maturidade de julgamento moral. Essa técnica requer a formação de grupos de 10 a 12 sujeitos, que se encontrem em diferentes estágios, orientados por um coordenador para debater dilemas morais. O papel do coordenador é engajar os participantes na discussão, examinar os pontos de vista conflitantes, para que, posteriormente, uma solução seja proposta pelo próprio grupo (Biaggio, 2002). No entanto, Kohlberg e seus colaboradores (Kohlberg, Power & Higgins, 1989/1997) sentiram a necessidade de introduzir uma nova estratégia de Educação Moral, com a qual procurassem eliminar a artificialidade dos dilemas morais e de suas soluções pelo debate, substituindo-os pela discussão de situações práticas do cotidiano, que necessitassem de soluções e ações morais verdadeiras. Segundo Kohlberg, Power e Higgins (1989/1997) e Biaggio (1997, 2002), o método em questão, denominado “Comunidade Justa”, dentre outras experiências, foi colocado em prática em 1974, e teve a duração de cinco anos, em uma escola pública denominada Cluster, localizada dentro da Cambridge High School. Essa escola funcionava, de forma geral, da seguinte maneira: uma vez por semana, alunos e profes- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 353-364 355 sores realizavam a reunião da comunidade, na qual discutiam as regras, bem como a manutenção das mesmas, cada um tinha direito a um voto e predominava a decisão votada pela maioria; na véspera da reunião, acontecia o encontro dos grupos conselheiros, pequenos grupos que introduziam as questões que necessitavam de discussão na reunião da comunidade; quando um ato necessitava de punição, a mesma era estudada por uma comissão de alunos e professores, considerando que ambos tinham os mesmos direitos e privilégios, a sanção aplicada tinha o intuito de reafirmar a autoridade e reparar os danos causados à comunidade. De acordo com Biaggio (2002), a “Comunidade Justa” visa a uma aprendizagem de participação democrática, aumento do senso de responsabilidade, motivação para o trabalho escolar, cidadania e autoestima. Numa comunidade democrática, professores e alunos são membros iguais, têm os mesmos direitos e deveres, pois compartilham de um projeto comum, a construção de uma comunidade justa, o que envolve estabelecer regras para tal. Conseqüentemente, os professores devem estar dispostos a trabalhar de acordo com esses procedimentos. Isso serve também para os alunos. Há, ainda, evidências de que esse método pode levar a estágios elevados da moral e influenciar no tratamento entre os membros. De acordo com Menin (2003), não obstante a experiência de Kohlberg e as idéias sobre escolas democráticas sejam conhecidas, esse tipo peculiar de organização não condiz com o contexto escolar atual visto que, muitas vezes, conforme demonstram as pesquisas de Carbone e Menin (2004) e Shimizu e cols. (2003), a escola aparece aos olhos dos alunos como espaço de injustiças diversas e freqüentes, sendo sua realidade muito diferente de uma comunidade justa. A pesquisa de Shimizu e cols. (2003) foi realizada com 276 alunos de 4ª série do ensino fundamental e de 1ª série do ensino médio, do ensino público e particular, do interior paulista. Os autores tiveram como objetivo identificar as concepções dos alunos sobre injustiças que ocorriam na escola e na sala de aula. Para tanto, um questionário com questões sobre definição de injustiça, identificação de injustiças na esco356 la e na sala de aula e uma escala com 35 situações de injustiça foram utilizados. De forma geral, em ambas as séries, os casos de injustiça mais apontados referiram-se às ocorrências de injustiças cometidas pelos alunos entre si, dos alunos aos professores e destes aos alunos. Carbone e Menin (2004) analisaram duas pesquisas que realizaram com alunos do ensino fundamental e médio de escolas públicas e particulares do município de Presidente Prudente, nas quais se buscou investigar como os alunos representavam situações de injustiça na escola bem como seus agentes e os tipos de ações que cometiam. Os dados examinados procederam de respostas obtidas por meio de um questionário aplicado, em 1999, em 480 alunos da 8ª série do ensino fundamental e 1ª série do ensino médio e de respostas de 73 alunos da 5ª série do ensino fundamental, obtidas em questões sobre injustiça na escola, aplicadas em 2003. Comparando os dois conjuntos de dados, conclui-se que em nenhuma das séries a escola aparece como uma “comunidade justa” e prevalecem como agentes de injustiças, primeiramente, o professor perante seus alunos e, em segundo lugar, os alunos entre eles mesmos. Inserida nessa problemática, assim como inúmeras outras escolas brasileiras, uma escola estadual de ensino fundamental e médio, de uma cidade do oeste paulista, tem enfrentado sérios problemas de indisciplina, desinteresse e depredação por parte dos alunos e de desmotivação e insatisfação pelo corpo docente e administrativo. Esse quadro impulsionou, então, a realização deste estudo, que teve como objetivos: identificar as principais ocorrências de injustiça no cotidiano da escola em pauta e comparar as percepções de seus diferentes membros. Método Participantes A presente pesquisa foi realizada em uma escola pública de ensino fundamental (EF) e médio (EM) – da 5ª série do EF ao 3º ano do EM – do oeste paulista, nos meses de outubro e novembro de 2005. Partici- Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu param da pesquisa 156 alunos (20,2% do total de alunos matriculados na escola), 39 pais de alunos (5% do total de um dos pais dos alunos matriculados na escola), 15 professores (42% do total de professores) e 11 funcionários (84,6% do total de funcionários), somando 221 participantes. Critério de Seleção Dos 156 alunos que responderam ao questionário, 57,7% é do sexo feminino e 42,3% do sexo masculino. É de 56,4% a porcentagem de participantes que cursa o ensino fundamental (de 5ª a 8ª série do EF) e de 43,6¨% que freqüenta o ensino médio. Em relação à faixa etária dos discentes, 54,5% possui de 10 a 14 anos, 41,5% de 15 a 20 anos e 4,5% de 21 a 35 anos. Quanto aos 15 docentes participantes, o sexo predominante foi o feminino, sendo 60% dos professores pesquisados mulheres e 40%, homens. No caso da idade, a maioria tem mais de 35 anos (60%) e 26,7% têm entre 21 e 35 anos. Ainda, 13,3% deles se abstiveram de responder essa questão. No que se refere à escolaridade, todos os professores alegaram possuir ensino superior completo. No que diz respeito ao tempo de magistério, a maioria deles possui mais de 10 anos (53,3%), seguido por aqueles que possuem entre 6 e 10 anos (26,7%) e por último, os professores que trabalham de 0 a 5 anos nessa profissão (20%). No que tange à caracterização da amostra que envolve os funcionários (11 participantes), 63,6% é do sexo feminino e 36,4% do masculino. No caso da idade todos os funcionários que responderam a essa questão têm mais de 35 anos. A questão da escolaridade apontou para uma prevalência do ensino médio (63,6%), com um percentual reduzido daqueles que atingiram o nível superior (18,2%) ou que cursaram o ensino fundamental apenas. A distribuição do sexo na categoria pais foi a mais contrastante dentre todas as outras categorias, pois a maioria esmagadora dos participantes foi de mães de alunos, portanto, representantes do sexo feminino (84,6%). Os pais, que designam o sexo masculino, atingiram uma porcentagem significativamente menor (15,4%). Quanto à idade, há 35,9% dos pais na faixa de 21 a 35 anos sendo que, a maioria deles, (56,4%) tem mais de 35 anos; foram 7,7% deles que não responderam a essa pergunta. Na questão da escolaridade, 46,2% estudou até o ensino médio, 43,6% até o ensino fundamental e 10,3% cursaram o ensino superior. Na questão que abordava a profissão dos pais foi verificado que a maior parte deles é “do lar”, seguido pelos trabalhadores de produção, ajudantes e auxiliares. A minoria exerce ocupações de nível médio, auxiliares de administração e vendas e cargos de assistências de chefias, analistas e profissionais de nível superior. Ainda, alguns são aposentados ou já faleceram. Na questão que abordava a profissão dos pais foi verificado que a maior parte deles (33,3%) é “do lar”, seguido pelos 30,8% de trabalhadores de produção, ajudantes e auxiliares. Com 17,9% ficaram os trabalhadores que exercem ocupações de nível médio, auxiliares de administração e vendas. Os cargos de assistências de chefias, analistas e profissionais de nível superior somaram 5,1%. E, ainda, 12,8% dos pais participantes são aposentados. Material Para a coleta de dados foi elaborado um questionário, com base nas pesquisas de Carbone e Menin (2004) e Shimizu e cols. (2003), já descritas no presente texto, que investigaram as concepções de injustiça em alunos de escolas públicas e particulares. No questionário em pauta, foi apresentada uma questão que inquiria os respondentes sobre a freqüência com que diversas situações de injustiça ocorriam na escola em estudo. A questão era a seguinte: “Em cada situação que apresentaremos logo abaixo marque com um X se: Nunca aconteceu /Aconteceu uma vez; Aconteceu algumas vezes; e Aconteceu várias vezes/Acontece sempre”. Foi apresentado um quadro com um total de 39 situações, cada uma delas relacionada a agentes específicos, causadores de injustiça e a públicosalvos da injustiça. Os agentes e os públicos-alvos eram: o professor como agente de injustiça em relação ao aluno; os alunos entre si; a sociedade e governo à educação; a direção/coordenação em relação aos alunos; a polícia para com os alunos; os alunos aos professores; os pais com a escola; a escola para com os pais Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 353-364 357 dos alunos; o uso de drogas lícitas ou ilícitas na escola, e os alunos em relação à escola. Por meio do agrupamento dessas situações, foi verificada a freqüência com que esses agentes eram mencionados como causadores de acontecimentos injustos. Essa freqüência consistiu na soma entre as respostas “Aconteceu algumas vezes” e “Aconteceu várias vezes/Acontece sempre” por categoria participante. Procedimento A pesquisa cumpre os aspectos éticos dispostos na Resolução196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996) e foi autorizada, formalmente, pelo Diretor da escola, mediante assinatura de carta de autorização. Ainda, cada participante assinou, espontaneamente, um Termo de Consentimento Livre Pósinformação, no qual estavam explicitados os objetivos da pesquisa, a garantia do anonimato da identidade do participante e a forma de utilização dos dados provenientes da investigação. No caso dos alunos menores de 18 anos, o Termo de Consentimento foi assinado pelo aluno e seu respectivo responsável legal. O Projeto da presente pesquisa foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde de Garça (FASU), recebendo parecer favorável à sua realização. A aplicação dos questionários nos alunos foi precedida por uma visita à escola para explicar os propósitos da pesquisa e distribuir os Termos de Consentimento Livre Pós-Informação, para que fossem assinados por seus respectivos pais e/ou responsáveis legais. Em dois dias posteriores foi efetuado o recolhimento daqueles Termos assinados. Somente os alunos que devolveram uma via do Termo assinada participaram da pesquisa. Esses alunos foram chamados em suas respectivas classes e levados até o anfiteatro da escola para que respondessem ao questionário. Os funcionários foram abordados individualmente durante seus respectivos horários de trabalho, para que respondessem ao questionário. A maioria dos professores preencheu o questionário durante o HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo), que consiste em reuniões semanais coletivas realizadas na escola pelos professores da rede pública de ensino estadual paulista, e tem como objetivo avaliar e discu358 tir temas relacionados ao contexto educacional. Quanto ao restante dos professores, ausentes no HTPC, foram realizadas abordagens individuais na própria escola. Os pais de alunos foram abordados na reunião de pais realizada pela escola. Aqueles que concordaram em participar da pesquisa, por conta do tempo exíguo, levaram os questionários para devolução posterior, o que ocorreu em número escasso. Diante disso, a pesquisadora se dirigiu à casa de outros pais, selecionados aleatoriamente, convidando-os a participarem da pesquisa. Nesse caso, os pais que consentiam ficavam com o questionário e, posteriormente, a pesquisadora passava para recolhê-los. Resultados e Discussão Os dados a seguir expressam, segundo a percepção dos participantes, as principais ocorrências de injustiças no cotidiano da escola investigada. Podem ser visualizados, por meio da Figura 1, os dados já agrupados, voltados, no entanto, para a qualidade da discussão dos resultados e a título de ilustração, muitas vezes, são referidas algumas situações específicas que não são demonstradas na figura, mas que integram o agrupamento em foco. Conforme é demonstrado na Figura 1, a escola estudada pode ser considerada como um espaço de injustiças e, muitas vezes, a percepção que tem das situações injustas diverge, expressivamente, entre os membros da comunidade escolar. Esse dado é confirmado, especialmente, naquelas categorias em que o Teste do Qui-quadrado apresentou significância, demonstrado no gráfico com o asterisco (*) e apresentado, com o respectivo valor, no texto a seguir. O primeiro item da Figura 1 aponta as injustiças do professor ao aluno (χ2=16,62; p<0,05). Na maioria dessas situações, os membros que mais delatam essas circunstâncias são os alunos (76,2%) e os pais de alunos (76,9%). Nota-se, assim, que eles reconhecem muito mais esses tipos de situações do que os próprios professores (46,7%), no caso, agentes das mesmas, e os funcionários (45,5%). As situações em que essas divergências se apresentam mais salientes são: professor punir toda sala de aula por causa de mau Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu Figura 1. Ocorrências de injustiça nas escolas comportamento de alguns alunos; professor acusar, punir um aluno por algo que ele não fez; favoritismo do professor por alguns alunos; professor acusar, punir ou dar nota baixa a alunos por comportamento inadequado; professor xingar e/ou humilhar um aluno ou vários alunos. Todas essas situações podem ser consideradas graves e nocivas para o estabelecimento de uma relação de confiança e de reciprocidade entre o corpo docente, discente, técnico-administrativo e pais de alunos. Não se pode afirmar que esses acontecimentos realmente ocorrem, no entanto, não há como negar que essa é a forma como os alunos e pais os percebem, e que a mesma é muito discrepante daquela enxergada pelos professores e funcionários. No que se refere às injustiças entre os alunos, não houve discordância significativa entre as amostras investigadas. A freqüência de ocorrência em cada categoria foi de: 87,2% dos alunos, 89,8% dos pais, 93,3% dos professores e 81,8% dos funcionários. Os resultados deflagram, assim, a ocorrência de muitas injustiças entre os próprios alunos, e o reconhecimento dessa delicada realidade. São assinaladas situações que revelam relações carentes de respeito mútuo, que inspiram muita atenção e necessidade de intervenção, dentre elas: alunos tirarem vantagens ou prejudicarem outros alunos em trabalhos de grupo; alunos acusarem injustamente outros alunos por comportamento inadequado; violência física entre os alunos na escola, e alunos agindo com racismo. No que diz respeito à identificação das injustiças sociais no âmbito educacional (χ2= 21,02; p<0,01), os pais de alunos foram os que mais as denunciaram (89,2%), em seguida os professores (73,3%) e os funcionários (72,4%) e, por último, os alunos (71%). Houve disparidades entre as respostas, especialmente, conforme o tipo de injustiça situado. São os pais de alunos, especialmente, que mais denunciam a não garantia do direito das crianças à educação básica e o Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 353-364 359 fato das classes sócio-econômicas mais favorecidas terem escola melhor porque podem pagar. Por outro lado, são os professores e funcionários que declaram a desvalorização salarial da classe docente. Os dados sobre a direção e/ou coordenação como agentes de injustiça (χ2=21,4; p<0,01), e as diferenças entre as respostas conforme cada categoria participante foram significativas. Os alunos (67,3%) e os pais de alunos (61,5%) apontam, de forma muito mais intensa do que os professores (26,7%) e funcionários (18,2%), as injustiças cometidas pela direção e coordenação. Os casos específicos em que essas discrepâncias se destacam são os seguintes: direção e coordenação não tomarem providências em relação à violência na escola; favoritismo da coordenação ou direção por alguns alunos; direção ou coordenação punir toda a classe devido ao comportamento de alguns alunos; a direção ou coordenação acusar ou punir aluno por comportamento inadequado por que não gosta do aluno; direção dar razão para professor mesmo quando ele está errado. Esses dados se assemelham àqueles apresentados em relação às injustiças dos professores para com os alunos. Novamente, os alunos e os pais se sentem injustiçados e, os professores e funcionários não demonstram sensibilidade a essa realidade, inclusive, bastante prejudicial ao incitamento de relações mais cooperativas no ambiente escolar. No que concerne às injustiças da polícia para com os alunos, esses casos revelam, com mais precisão, a necessidade de uma especial atenção à dinâmica das relações na escola investigada, uma vez que a maioria dos participantes, independente do papel desempenhado na escola – 85,9% dos alunos, 86,5% dos pais, 71,4% dos professores e 100% dos funcionários declara que, em diversas situações, a polícia tem que intervir para conter os comportamentos “inadequados” de alguns alunos. Podem ser levantadas duas hipóteses, que não são excludentes entre si: a primeira de que, realmente, as ocorrências são muito graves e oferecem riscos à integridade física dos membros da comunidade escolar, o que pode justificar a presença da Polícia Militar. E/ou a segunda, de que as relações estão tão fragilizadas que é necessário o uso de poder, ameaça e coação para o restabelecimento da or360 dem do local. Esse é um assunto bastante complexo e delicado que, com certeza, precisa ser averiguado e enfocado em um programa interventivo. Não se pode deixar de destacar, entretanto, um dado positivo: a grande maioria dos participantes reconhece que a polícia não apresenta ações racistas e discriminatórias quando é chamada para intervir na escola. Os dados que fazem menção às injustiças dos alunos em relação aos professores são: a maioria dos participantes de todas as categorias – alunos (93,6%), pais (97,5%), professores (93,35%) e funcionários (100%) – denuncia as injustiças dos alunos em relação aos professores. As situações consideradas são: alunos desrespeitarem ou brigarem com professor; alunos falarem mal do professor e alunos colarem. Esses dados, somados àqueles em que os alunos, também, são agentes de injustiças, só que voltados a outros públicos-alvos, indicam que há um descrédito geral em relação às atitudes dos alunos, inclusive, os próprios alunos confirmam essa condição. Os itens relativos às injustiças dos pais com a escola e da escola com os pais demonstram a existência de eventuais e recíprocas reclamações dos pais em relação à escola e vice-versa. De forma geral, essa percepção é consensual, com exceção dos funcionários que indicam que há muito mais injustiças dos pais para com a escola (100% dos funcionários) do que da escola para com os pais (27,3% dos funcionários). No que diz respeito ao uso de drogas lícitas e ilícitas na escola (χ2=20,41; p<0,01), fica patente a predominância da crença, entre a maioria dos pais (73,7%), de que são utilizados diferentes tipos de substâncias psicoativas no ambiente escolar. Apesar da diferença entre as respostas dos pais de alunos e dos demais participantes – alunos (55,7%), professores (46,7%) e, em menor número, funcionários (27,3%) - essas três últimas amostras, também, declaram que há a utilização de cigarros, por parte dos alunos, professores e funcionários, e de outras drogas na escola, no caso, por parte dos alunos. Ao relacionar esses dados com as demais situações já mencionadas nos outros aspectos, constata-se que os pais, especialmente, e, em seguida, os próprios alunos, não percebem a escola como um local seguro, pois segundo a maioria deles: os alunos fumam nela; a Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu direção e/ou coordenação não tomam providências em relação à violência na escola; os professores e funcionários fumam cigarro na escola, não dando o exemplo aos próprios alunos; há violência física entre os alunos; a polícia é chamada para coibir o aluno que está aprontando e, ainda, alunos utilizam drogas na escola. No que concerne às injustiças dos alunos em relação à escola, a maioria dos participantes – alunos (81,5%), pais (88,9%), professores (93,4%) e funcionários (80%) - menciona a existência de situações em que os alunos não contribuem com a escola, principalmente, com a sua conservação física e de seus materiais. Novamente, aparece a incredulidade das pessoas partícipes da escola em relação ao corpo de estudantes. Na verdade, essa descrença revela o nãocrédito à função da escola em formar integralmente seus alunos, preparando-os para a socialização, ao mundo do trabalho, à vivência harmônica em comunidade e ao desenvolvimento de atitudes compostas por princípios de respeito, solidariedade, justiça, diálogo e cooperação. Com base em Piaget (1932/1994) e Kohlberg (1976/ 1992), aponta-se que pode não estar sendo propiciada aos estudantes dessa instituição, o incentivo à construção da autonomia moral, do desenvolvimento de níveis morais mais elevados e, conseqüentemente, de uma noção ideal de justiça, baseada em princípios éticos universais, e caracterizada pela igualdade ou eqüidade da sanção e repartição igualitária entre direitos e deveres, e pelo reconhecimento da complexidade das circunstâncias locais, das necessidades e capacidades dos envolvidos, e da realidade social geral. Segundo esses autores, a autonomia moral só pode ser construída em um ambiente onde se propicie: o respeito mútuo; as relações de cooperação; a oportunidade de trocas de papéis; o contato com experiências que sejam desafiadoras e possibilitem conflitos cognitivos; o senso de responsabilidade; a motivação para o trabalho escolar; a confiança; o cuidado com a auto-estima, dentre outros aspectos. Os resultados da presente pesquisa condizem com a afirmação de Menin (2003), de que, apesar da experiência de Kohlberg (1976/1992) e as idéias sobre escolas democráticas serem conhecidas, esse tipo específico de organização não condiz com o contexto escolar atual. Vão de encontro, também, com as pesquisas de Carbone e Menin (2004) e Shimizu e cols. (2003), nas quais a escola é percebida, pelos alunos, como espaço de injustiças diferentes e contínuas, sendo sua realidade muito diferente de uma comunidade justa. Nas pesquisas analisadas por Carbone e Menin (2004) dois agentes principais de injustiças foram deflagrados: professores e alunos. Os professores foram concebidos como punindo, especialmente, com a utilização das notas como instrumento de poder, e os alunos por seus comportamentos, ou por serem desrespeitosos com os professores, ou acusando-os injustamente, ou ainda, nas relações entre si. As autoras, com base no resultado geral (houve diferenças entre os dois tipos de escolas investigadas - públicas e particulares-, cuja discussão não se insere no escopo do presente trabalho) questionam que valores morais estariam presentes, fundamentando as concepções e relações dos alunos com as normas escolares e, quais as possibilidades que os alunos têm de refletir sobre essas normas e sua incorporação pelos professores. De acordo com as autoras, as acusações dos alunos sobre as injustiças cometidas, especialmente, pelos professores, apontam para as representações que os alunos têm da escola, em que as normas e regras, na maioria das vezes, são impostas de maneira coercitiva e sem sua participação. A indisciplina tem sido um grande tema de discussão e queixa por parte dos professores, mas há a ausência de reflexões sobre as práticas de controle que têm sido utilizadas, e suas repercussões nessa mesma questão. Esses estudos se reportaram, especificamente, à opinião dos alunos. Nossa pesquisa abrangeu os demais segmentos da escola, e identificou que a mesma é concebida como um espaço de inúmeras injustiças pelas diversas categorias de participantes da comunidade escolar. Os resultados deflagram as divergências de percepções sobre os supostos agentes e vítimas de injustiça, o que pode ser um fator muito prejudicial para a resolução dessas situações. Curiosamente, os dados expostos revelam que os alunos estão mais atentos às circunstâncias atuais da escola e a percebem como um local que possui uma diversidade de problemas, especialmente, no que tan- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 353-364 361 ge às relações interpessoais. Nota-se, ainda, que são os alunos, e, depois, seus pais, que mais reconhecem que os problemas de relacionamento abrangem todos os segmentos da escola: corpo docente, administrativo, discente e pais de alunos. Diferentemente dos professores e funcionários, que concentram suas queixas, especialmente, em relação aos alunos. Concordamos com a afirmação de Araújo (2002), de que a escola é um sistema complexo, e que a implementação de propostas, ainda, é um grande desafio e envolve uma diversidade de fatores que, perpassam desde os conteúdos escolares, a metodologia das aulas, até os valores dos membros da comunidade escolar e a maneira como as relações interpessoais se dão, dentre outros fatores. Constata-se, também, que a atenção é voltada, predominantemente, apenas para a formação intelectual, deixando-se de lado a educação em valores morais. Isto é preocupante, uma vez que diferentes autores (Araújo, 1993; Buxarrais, 1997; Lepre, 2001; Menin, 1985, 2002b; Puig, 1998; Shimizu, 1998) defendem que em situações de ensino-aprendizagem, todos os professores, ainda que de forma implícita e não sistematizada, estão educando moralmente e em valores. Conforme Buxarrais (1997) e Puig (1998), os diferentes modelos de Educação Moral e em valores são marcados, basicamente, por três tipos de concepções: o dogmatismo moral, no qual a educação está baseada em valores absolutos, inquestionáveis e imutáveis, que são colocados por um poder autoritário de forma coercitiva; o relativismo moral, em que as normas de conduta e os valores morais são considerados subjetivos e pessoais, não havendo um consenso sobre a melhor forma de agir e, os modelos baseados na construção racional e autônoma de valores, nos quais se busca o desenvolvimento de situações que facilitem a construção da autonomia do educando e a participação democrática dos vários membros da escola. Em nível de Brasil, percebe-se como cada uma dessas concepções de Educação Moral – dogmática, relativista e dialógica - esteve presente em diferentes momentos históricos. Fazendo uma retrospectiva a partir da década de 60, com base em Lepre (2001), observa-se que a Educação Moral esteve presente no ensino formal, 362 em todos os graus e modalidades de ensino do País, como uma disciplina obrigatória curricular. Essa obrigatoriedade foi criada pelo Decreto-lei nº 869, de 12 de junho de 1969, pelo Presidente Garrastazu Médici, na época da ditadura militar. Esse era um decreto de obediência, uma forma dogmática de condução da Educação Moral, marcada por uma matéria doutrinária e disciplinatória, que visava à promoção de uma ordem social vinculada aos ideais militares de controle e repressão da sociedade. Após o fim da ditadura e com a tentativa de restabelecimento da democracia, em 1993, durante o governo de Itamar Franco, a obrigatoriedade de uma disciplina de Educação Moral no currículo escolar foi revogada pela lei 8.663, de 14 de junho de 1996. Com isso, essa disciplina foi desaparecendo das escolas. Nota-se, também, que a experiência de se vivenciar a Educação Moral de forma dogmática e imposta, resultou na ausência de projetos pedagógicos explícitos e, até mesmo, de discussões sobre moral e valores no contexto escolar. Pode-se sugerir que, nesse momento, a predominância foi de uma concepção mais relativista e particularista de moral, na qual as decisões deveriam ser guiadas mais por parâmetros individuais do que coletivos. Depois desse período significativo de silêncio, diante da urgência social impulsionada, principalmente, pelo aumento da violência e da indisciplina no meio escolar, e pela crise de valores morais que atingem a escola tanto em seus objetivos educacionais e procedimentos pedagógicos como nas relações entre seus membros, estudiosos voltam a levantar a necessidade de se educar moralmente, sendo elaborados, então, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). No entanto, para concretização dessa proposta não basta discutir e refletir sobre valores, se faz necessário trabalhar para que a escola seja uma comunidade cada vez mais justa para que, assim, os membros da escola vivenciem a justiça e aprendam a serem justos. O desafio ainda, é sua respectiva implantação e a necessidade de modificações urgentes na dinâmica relacional das escolas, e em especial, daquela focalizada em nosso estudo. Acredita-se, no entanto, que Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu intervenções, nesse sentido, são necessárias e passíveis de realização, de acordo com o que foi verificado na literatura, principalmente, em Piaget (1930/ 1996, 1932/1994) e Kohlberg (1976/1992), e com base em demais autores, não detalhados neste texto (Aquino & Araújo, 2001; Araújo, 2002, 2003, 2004; Puig, Martín, Escardíbul & Novella, 2000; Zanatta, 2000), que apresentam propostas interventivas baseadas na construção racional e autônoma de valores, buscando-se o desenvolvimento da autonomia moral e de relações cooperativas por parte dos os membros da escola. Considerações Finais Constata-se, com esta pesquisa, que, muitas vezes, a percepção que se tem das situações injustas se diferencia, significativamente, entre os membros da comunidade escolar. De forma geral, os professores e funcionários reconhecem menos que as outras categorias ou não reconhecem injustiças, quando eles próprios são os agentes. O mesmo não ocorre com os alunos e seus pais, que admitem a ocorrência de injustiças, mesmo quando eles são considerados os agentes. Os dados conduzem à hipótese inicial de que o tipo de respeito estabelecido nas relações entre os integrantes da escola, e o fato dessas relações serem consideradas justas ou injustas pelos atores nelas envolvidos, seja um fator importante na direção em que se dá o desenvolvimento moral dos membros da escola, e sobre a forma como eles se relacionam com as normas e regras escolares. Pode-se verificar, a partir dos resultados apresentados, que a escola pesquisada necessita de uma intervenção eficaz, no sentido de propiciar relações mais justas no espaço escolar, que assegurem uma maior harmonia das mesmas, o respeito mútuo, a confiança e a autonomia das pessoas envolvidas. Finaliza-se, apontando para a necessidade de desenvolvimento de mais estudos na área, enfocando os limites de generalização dos dados alcançados, levando em consideração as restrições inerentes à amostra participante na presente pesquisa. Referências Aquino, J. G., & Araújo, U. F. (2001). Os direitos humanos na sala de aula: a ética como tema transversal. São Paulo: Moderna. Araújo, U. F. A. (1993). Um estudo sobre as relações entre o ambiente cooperativo e o julgamento moral na criança. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Araújo, U. F. (2002). A construção de escolas democráticas: histórias sobre complexidade, mudanças e resistência. São Paulo: Moderna. Araújo, U. F. (2003). Temas transversais e a estratégia de projetos. São Paulo: Moderna. Araújo, U. F. (2004). Assembléia escolar: um caminho para resolução de conflitos. São Paulo: Moderna. Biaggio, A. M. B. (1997). Kohlberg e a “Comunidade Justa”: promovendo o senso ético e a cidadania na escola. Psicologia Reflexão e Crítica, 10(1), 47-69 [On line]. Disponível: <http:// w w w . s c i e l o . c o m . b r / scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010279721997000100005&Ing=pt&nrm=iso>. Recuperado: 10 Set. 2004. Biaggio, A. M. B. (2002). Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São Paulo: Moderna. Brasil. Ministério da Saúde. (1996). Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília, DF. Brasil. MEC. (1997). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF. Brasil. MEC. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF. Buxarrais, M. R. (1997). Un modelo de curso para la formación permanente en Educación en valores. Em M. R. Buxarrais (Org.), La formación del professorado en educación en valores. Propuesta y materiais (pp. 71-108). Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer. Carbone, R. A., & Menin, M. S. S. (2004). Injustiça na escola: representações sociais de alunos do ensino fundamental e médio. Educação e Pesquisa, 2(30), 251-257. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 353-364 363 Kohlberg, L. (1992). Estadios morales y moralización: la via cognitiva evolutiva (A. Z. Zárate, Trad.). Em L. Kohlberg (Org.), Psicologia del desarrollo moral (pp. 185-214).Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer. (Trabalho original publicado em 1976) Kohlberg, L., Power, F. C., & Higgins, A. (1997). La Educación Moral Segundo Lawrence Kohlberg (A. Bonnano, Trad.). Barcelona: Editorial Gedisa. (Trabalho original publicado em 1989) Lepre, R. M. (2001). A indisciplina na escola e os estágios de desenvolvimento moral na teoria de Jean Piaget. Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo. Menin, M. S. S. (1985). Autonomia e heteronomia às regras escolares: observações e entrevistas na escola. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo. Menin, M. S. S. (2000). Representações sociais de lei, crime e injustiça em adolescentes. Tese de Livre-Docência, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, São Paulo. Menin, M. S. S. (2002a). Representações sociais de injustiça em adolescentes de escolas públicas e particulares. Psicologia da Educação, (14/15), 239-264. (Org.), Anais, XX Encontro Nacional de Professores do PROEPRE (pp. 111-118). Águas de Lindóia: PROEPRE. Piaget, J. (1994). O juízo moral na criança. São Paulo: Summus. (Trabalho original publicado em 1932) Piaget, J. (1996). Os Procedimentos da Educação Moral. Em L. Macedo (Org.), Cinco estudos de Educação Moral (pp. 1-36). São Paulo: Casa do Psicólogo. São Paulo: Casa do Psicólogo. (Trabalho original publicado em 1930) Puig, J. M. (1998). Ética e valores: métodos para um ensino transversal. São Paulo: Casa do Psicólogo. Puig, J. M., Martín, X., Escardíbul, S., & Novella, A. N. (2000). Democracia e participação escolar: propostas de atividades. São Paulo: Moderna. Shimizu, A. M. (1998). As representações sociais de moral de professores das quatro primeiras séries do ensino de 1º grau. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo. Menin, M. S. S. (2002b). Valores na escola. Revista Educação e Pesquisa, 28(1), 91-100 [On-line]. Disponível: <http:// www.scielo.com.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151797022002000100006&Ing=pt&nrm=iso>. Recuperado: 10 set. 2004. Shimizu, A. M., Menin, M. S. S., Cordeiro, A. P., Spada, A. C. M., Oliveira, C. A. V., Souza, E. F. D., Belão, V. K., Osório, W. G., & Costa, M. L. A. (2003). Injustiças na escola: concepções de alunos do Ensino Fundamental e Médio. Relatório da pesquisa realizada junto ao Programa de Absorção Temporária de Doutores – Prodoc, CAPES. Faculdade de Ciência e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente. Menin, M. S. S. (2003). Escola: comunidade justa? (Trabalho completo). Em Programa de Educação Infantil e Ensino Fundamental Zanatta, A. A. (2000). Oficinas pedagógicas de direitos humanos. Petrópolis: Vozes. Recebido em: 28/09/2006 Revisado em: 30/10/2007 Aprovado em: 17/12/2007 Sobre as autoras Thaise Beluci1 – Acadêmica do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde de Garça E-mail para contato: [email protected] Endereço: Avenida Paulista, 1104 – Gália / SP – CEP: 17450-000 Fone: (14) 3274-1514 / (14) 9734-3009 Alessandra de Morais Shimizu – Psicóloga, Doutora em Educação e Professora do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde de Garça E-mail para contato: [email protected] Endereço: Rua Angelo Marconi, 255 - Marília / SP – CEP: 17516-680 Fone: (14) 3422-5570 / (14) 9601-0181 1 Pesquisa de Iniciação Científica financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 364 Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural Microgênese da cooperação e competição na Educação Infantil Marilícia Witzler Antunes Palmieri Angela Uchoa Branco Resumo O estudo analisa as práticas de socialização promovidas no contexto da educação infantil a partir de uma perspectiva sociocultural construtivista do desenvolvimento humano. Seu objetivo foi investigar a promoção e/ou inibição de diferentes modalidades de interdependência humana (cooperação, competição e individualismo) articuladas às interações específicas e às orientações para crenças e valores sociais a elas associadas. Para tanto, realizouse a análise dos padrões de interação social apresentados por duas professoras e seus alunos de 4 a 6 anos. Os resultados mostram a promoção de padrões de interação individualista e competitivo sendo observado reduzido incentivo à experiência coletiva da cooperação, seja na estrutura e dinâmica das atividades diárias, seja durante a sessão estruturada pela professora e analisada em nível microgenético. Palavras-chave: cooperação; competição; individualismo. Cooperation and competition in Early Education: a microgenetic analysis from a sociocultural approach Abstract The study analyzed socialization practices promoted within early education settings from a sociocultural constructivist perspective on human development. It aimed at investigating the promotion and/or inhibition of different modes of human interdependency, namely, cooperation, competition and individualism, which are associated with specific social interactions, and values/beliefs orientations. Social interaction patterns presented by two teachers and their respective 4 to 6 year-old children were analyzed in two different educational contexts. Results showed the promotion of individualistic interactive patterns and competive, with almost no incentive to peer cooperation, neither at a daily basis nor at the level of the teacher-planned structured activity, which was microanalyzed. Keywords: cooperation; competition; individuality. Educación infantil, cooperación y competición: análisis micro genética bajo una perspectiva socio-cultural Resumen El artículo analiza las prácticas de socialización promovidas en el contexto de la educación infantil a partir de una perspectiva socio-cultural constructivista del desarrollo humano. Su objetivo fue investigar la promoción y/o inhibición de diferentes modalidades de interdependencia humana (cooperación, competición e individualismo) articuladas a las interacciones específicas y a las orientaciones para creencias y valores sociales presentados por dos profesoras y sus alumnos de 4 a 6 años. Los resultados muestran la promoción de patrones de interacción individualista y competitivo, siendo observado un incentivo reducido a la experiencia colectiva de la cooperación, sea an estructura y dinámica de las actividades diarias o sea durante la sesión estructurada por la profesora y analizada a nivel micro genético. Palabras clave: cooperación; competición; individualismo. 365 Introdução A produção de conhecimento em diversos campos das ciências humanas e sociais tem enfatizado a importância do papel da cultura no processo de socialização da criança e no desenvolvimento de significados, crenças e valores, levando-se em conta a complexidade da análise das relações existentes entre o indivíduo e a cultura (e.g. Branco, 2003; Bruner, 1996; Cole, 1992; Gaskins, Miller & Corsaro, 1992; Goodnow, 1997; Ratner, 2002; Rogoff, 2005; Valsiner, 1998, 2001, no prelo). Os estudos realizados, particularmente, pela antropologia cultural e psicologia cultural focalizam a criança e a aquisição do conhecimento cultural de acordo com as prescrições orientadas pela comunidade da qual participa (e.g. Goodnow, 1997; Harkness & Super, 1992; Mead, 1937; Rogoff, 2005; Valsiner, 1989, no prelo), destacando-a como participante ativo da sociedade ao interpretar os “ingredientes culturais” e produzir cultura, imersa que está em um universo em construção. Neste processo, é preciso reconhecer a presença de conflitos, contradições, ambigüidades e mudanças na análise cultural – ao invés de considerá-la como um conjunto de regras e valores integrados e de significados estáveis (Bruner, 1996; Valsiner, no prelo). O objetivo deste artigo é apresentar uma opção teórico-metodológica compatível com o estudo das relações entre indivíduo e cultura nos processos de desenvolvimento relacionados à ontogênese dos padrões interativos e da motivação social, definida como um sistema de crenças e valores sociais, promovida em contextos de educação infantil. Os processos de socialização e canalização de padrões de interação, tais como a cooperação, competição e individualismo, são aqui considerados a partir de uma visão sociocultural construtivista, e propõe a mútua constituição de práticas e valores socioculturais. Esta abordagem destaca a existência de aspectos interdependentes e multidimensionais para análise das práticas sociais (Rogoff, 2005) e do universo motivacional, em diferentes níveis, caracterizando-se por uma perspectiva sistêmica e holística (Branco, 2003; 2006; Branco & Valsiner, 1997; Valsiner, 1998, 2001, no prelo). Visando alcançar o objetivo deste trabalho, é preciso apresentar e discutir os múltiplos 366 fatores envolvidos na co-construção de padrões de participação social, os quais emergem no contexto das atividades propostas no ambiente da educação infantil, e que orientam as ações e comportamentos das pessoas que dele participam, configurando crenças, valores e, especialmente, padrões de interação cooperativos, competitivos ou individualistas em tais contextos. Aqui serão apresentados os fundamentos do construtivismo sociocultural, a necessidade de se compreender o espaço institucional da educação infantil como um contexto heterogêneo e dinâmico, e as razões pelas quais optou-se por investigar como se desenvolvem as orientações para crenças e valores que impregnam a co-construção de significados e as interações entre professoras e crianças na configuração de padrões sociais específicos. Um pequeno resumo e uma análise de trechos selecionados de um estudo empírico que consistiu na tese de doutorado da primeira autora sob a orientação da segunda, será, então, apresentado. Contribuições do Construtivismo Sociocultural As reflexões que envolvem as concepções sociogenéticas em psicologia têm sustentado, em seus diversos modelos teóricos, o dinamismo do funcionamento das funções psicológicas associado à idéia de desenvolvimento humano como fruto das interações que o indivíduo estabelece em um ambiente socioculturalmente determinado (Valsiner, 1994a, 1998, 2001, no prelo). Sedimentada nos pressupostos de uma perspectiva sociogenética (proposta por Janet, Baldwin, Mead, entre outros), a abordagem sociocultural construtivista elabora suas construções a partir de importantes concepções teóricas, enfatizando as interações sociais como base fundamental para o desenvolvimento humano (Valsiner, 1987, 1989, 1998, no prelo; Valsiner, Branco & Dantas, 1997). Inscrevendo-se no contexto mais amplo das abordagens socioculturais (e.g. Rogoff, 2005; Wertsch, 1998), entretanto, ela valoriza igualmente a participação ativa do indivíduo na construção de seu processo de desenvolvimento sob a influência dos mecanismos de canalização cultural, os quais definem os limites físicos e semióticos que orientam Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco a trajetória desenvolvimental do sujeito (Valsiner, 1998, no prelo). Inserido no campo da psicologia cultural (Ratner, 2002), o construtivismo sociocultural, porém, destaca o papel da subjetividade e das emoções na co-construção dos significados (e.g. Branco & Madureira, 2004; Valsiner, no prelo), em íntima relação com o papel central desempenhado, no desenvolvimento humano, pelo contexto cultural (e.g. Bruner, 1996; Cole, 1992; Rogoff, 2005; Shweder, 1992). Em especial, valoriza a complexidade das interações contexto- indivíduo ativo na co-construção de diferentes e variadas trajetórias desenvolvimentais. Adotando um modelo bidirecional de transmissão cultural, o construtivismo sociocultural sedimenta seus estudos na noção de internalização, visando compreender os mecanismos através dos quais o inter-psicológico se torna intra-psicológico no movimento permanente de transformações semióticas, e de organização e re-organização hierárquica das funções psicológicas (Lawrence & Valsiner, 1993; Valsiner, 1987, 1998, no prelo). O conceito de internalização pautase, particularmente, nas contribuições de Vygotsky (1929-1994) e postula o processo de ‘interiorização’ das funções psicológicas superiores como sendo a reconstrução interna de uma operação inicialmente externa. Para a elaboração teórica do campo sociocultural construtivista é de importância fundamental entender a idéia de internalização, a qual sugere a existência de processos de internalização/ externalização que organizam a troca e mútua elaboração construtiva que se dá entre a cultura pessoal – situada no plano subjetivo – e a cultura coletiva – no plano social (e.g. Valsiner, 1998, no prelo). Práticas e Socialização na Educação Infantil A idéia de educação infantil está associada às diferentes dimensões do desenvolvimento humano (social, afetiva, cognitiva etc) que ocorre em contextos impregnados de diversos significados. Estes são histórica e culturalmente construídos, criados e transformados em cada contexto educacional específico, interagindo com os significados advindos da experiência da criança na família e demais contextos nos quais a criança se desenvolve (Bronfenbrenner, 1989). Isto significa que um permanente diálogo entre todas es- sas vozes culturais (Wertsch, 1998) - e os significados subjetivos daí decorrentes - precisa ser estabelecido e continuamente alimentado tendo em vista o aperfeiçoamento das instituições educacionais. Seguindo essa concepção, a lógica das interações no contexto educacional pressupõe um processo permanente de organização de objetivos continuamente negociados com relação aos conteúdos e métodos de ensino-aprendizagem, e às regras de participação nas atividades (Branco, 2003; Branco & Mettel, 1995). No entanto, para que tais negociações ocorram, configurando atividades orientadas para a promoção da autonomia e de comportamentos sociais positivos (MEC, 1998), como cooperação e comportamentos pró-sociais, é fundamental que a estrutura, as regras, os significados e a importância da atividade pedagógica estejam explicitados com clareza para todos os envolvidos na dinâmica interativa (Branco & Metell, 1995; Davis, Silva & Espósito, 1989; Palmieri & Branco, 2004). Se o papel da instituição de educação infantil é promover a construção do conhecimento em associação com a formação integral da criança enquanto sujeito, é necessário levar em conta especificidades contextuais que se encontram estreitamente vinculadas à promoção das interações sociais que caracterizam os processos de socialização. Atividades específicas favorecem (ou não) a participação ativa da criança (Branco & Mettel, 1995; Carvalho, 2000; Davis & cols., 1989), podendo socialmente orientá-las em diversas direções. Sendo assim, assegurar a co-construção do saber no contexto educacional — que se caracteriza pelo universo semiótico socioafetivo das trocas expressivas entre adultos e crianças, e entre as crianças — é fundamental para promover certos tipos de interação que irão, ou não, favorecer o processo educativo na direção desejada. Sabe-se que as práticas educativas no âmbito da escola e da educação infantil facilitam ou dificultam o desenvolvimento de certos tipos de comportamento, conceitos, regras, orientações, idéias, concepções e valores que configuram motivações complexas que implicam no desenvolvimento de diferentes padrões de interação social. No ambiente da sala de aula, é o professor, em especial, quem define as normas e as Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378 367 regras, é ele que lidera e domina, às vezes de forma quase absoluta, o espaço comunicativo das atividades a serem desenvolvidas. Por essa razão, compreender como instituições de educação infantil tem facilitado ou impedido o desenvolvimento de modalidades construtivas de interdependência social representa um tema que interessa à psicologia e à educação. É preciso, pois, analisar de forma integrada e sistêmica os diversos aspectos do desenvolvimento de valores e da dinâmica das interações, e foi isto que buscou-se com o estudo empírico relatado a seguir. O Estudo Empírico O estudo conduzido por Palmieri (2003) foi realizado em duas instituições de educação infantil da rede particular de ensino do município de Londrina-PR. Os critérios de seleção das instituições pautaram-se no interesse da instituição e na existência de orientações pedagógicas diferenciadas. Considerando a forma com que as instituições selecionadas se denominavam (pré-escola), estas foram designadas como ‘PréEscola A’ (PEA) e ‘Pré-Escola B’ (PEB), sendo as professoras caracterizadas como ‘Pa’ e ‘Pb’, respectivamente. Participaram do estudo vinte e seis crianças entre 4 a 6 anos de idade, sendo 8 meninos e 5 meninas do Jardim III (PEA) e 6 meninos e 7 meninas do Pré I (PEB). A denominação ‘Jardim III’ e ‘Pré I’ eram equivalentes em termos dos conteúdos trabalhados com as crianças na faixa etária de 4 a 6 anos, segundo a orientação do Núcleo Regional de Educação de Londrina. A análise dos indicadores motivacionais relativos à promoção e/ou inibição de padrões interativos específicos foi feita em dois níveis: (1) Estrutural : estrutura e organização das atividades desenvolvidas pelas crianças, segundo as regras de participação social propostas pela professora; e (2) Dinâmico: Episódios de interação professora-crianças e criança-criança no contexto de uma atividade estruturada e planejada pela professora (Pa ou Pb) com o objetivo de promover a cooperação entre seus alunos. 368 Análise das Atividades Desenvolvidas no Contexto Diário Foram realizadas 30 sessões de observação direta na sala de aula e em outros espaços da PEA e da PEB, 15 sessões de observação com cada turma. Um protocolo foi utilizado para o registro das sessões, abrangendo duas semanas de duração em cada pré-escola (33h19 na PEA e 27h43 na PEB). Tais sessões objetivaram identificar o tipo e a duração das atividades sugeridas e conduzidas pelas professoras (Pa e Pb), segundo as regras, orientações e instruções dadas às crianças. As atividades promovidas pelas professoras foram classificadas em um único sistema de categorias (Tabela 1), onde cada categoria dividiase em sub-categorias (Palmieri, 2003), que foram, então, definidas, e o tempo dispendido em cada uma devidamente contabilizado. As Figuras 1 e 2 ilustram, em termos percentuais, as atividades desenvolvidas pelas professoras nas duas pré-escolas estudadas. Para além de uma análise comparativa entre as pré-escolas, resultou interessante, nesse caso, compreender como as relações entre estrutura-processo interativo estavam associadas ao estudo do desenvolvimento da motivação social entre as crianças. A análise das sessões de observação permitiu notar que o elevado percentual de Atividades Individuais observadas na PEA (30,22%) e na PEB (29,47%) se referia a instruções oferecidas pelas duas professoras às crianças de forma tipicamente verticalizada na confecção de trabalhinhos (tarefas de recorte, colagem, pintura, desenho, iniciação à escrita etc.), que deveriam fazer sozinhas e do “seu jeito” (Quadro 1). Na PEA, as interações entre a professora e as crianças nestas situações acabava configurando um padrão relacional competitivo. Usando o controle autoritário do comportamento para manter a ordem e a disciplina em sala de aula, Pa chamava a atenção das crianças, a todo instante, para fazerem as tarefas. No entanto, elas conversavam intra e/ou inter-mesas em um clima bastante tumultuado. O exemplo, a seguir, ilustra esse padrão relacional de interações: ‘Pa sugeriu uma tarefa individual e as crianças reclamaram: “De novo, tia? A gente já fez isso tia!”, mas Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco Tabela 1. Sistema de categorias das atividades observadas na PEA e PEB mesmo assim ela prosseguiu impondo: “Mas nós vamos fazer novamente”! A partir daí, as crianças disputavam intra-mesas quem conseguiria acabar primeiro a tarefa: “Tia, acabei, tia!” Acabei, acabei, acabei...”! Duas eram as implicações que daí decorriam: por um lado, ao ignorar a sugestão das crianças “de não fazer um trabalho que já havia sido feito”, Pa deixava de oportunizar a negociação com a turminha e de estabelecer um contexto motivacional convergente; por outro lado, diante de uma orientação autoritária, as crianças respondiam com interações competitivas, restando pouco espaço para a criação de um ambiente propício à negociação, e a um posicionamento mais democrático na sala de aula. A motivação para competir promovida pela professora na sala de aula da PEA também era observada quando ela sugeria a participação das crianças em Atividade Individual em Grupo (15,72%), sendo claramente evidenciada nas atividades de Competição (15,77%). A atividade de “Bingo”, por exemplo, classificada no rol das atividades competitivas, sempre era proposta por Pa e as crianças demonstravam muita motivação para participar (“Êba, êba!!!”). Durante o sorteio dos números, as crianças que acertavam comemoravam, levantando de seus lugares, pulando e gritando (“Bingo, bingo, bingo!!!”) e aquelas que perdiam começavam a vaiar os colegas que obtiveram sucesso (“Uh, uh, uh!”). Por outro lado, o clima na sala de aula da PEB entre a professora e as crianças era amistoso e tranqüilo Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378 369 Figura1 – Atividades observadas na PEA Figura 2 – Atividades observadas na PEB 370 Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco na realização das Atividades Individuais (29,47%), embora as crianças procurassem ajuda ou orientação constante de Pb. No entanto, as ações de Pb, orientadas a fim de obter o controle da turma, desestimulavam as interações criança-criança na realização das tarefas individuais e favoreciam um padrão relacional de dependência do adulto. Com isto, minimizava a oportunidade para as crianças desenvolverem maior autonomia (Piaget, 1994), através de interações, escolhas e livre negociação, como ilustrado no exemplo a seguir: ‘Pb sugeriu às crianças fazerem peixinhos de papel para colocar dentro de um aquário. A motivação das crianças: “Ôba”!, não foi suficiente para que deixassem de pedir ajuda: “Tia, eu não sei; tia me ajuda aqui...” Tendo conseguido fazer sozinha a sua tarefa, Camila anunciou:”Ó, quem não conseguir pede prá mim!” Pb não demonstrava nenhuma expressão que indicasse aceitação ou não da ajuda oferecida por Camila, que seguia ajudando diversos colegas. Até que Pb se levantou e perguntou: “Camila, é você quem vai fazer ou seus amigos?”’ Desse modo, as crianças tinham menos oportunidades para interagir entre si, e assumiam um papel passivo nas relações com a professora. Percebeu-se que as Atividades Individuais em Grupo (22,15%) representavam, para as crianças da PEB, a oportunidade para interagir com os colegas, muito embora estas interações não fossem bem aceitas por Pb. Na Hora do Conto, Pb orientava as crianças a se sentarem à sua volta no chão, tirar os sapatos e ficar à vontade. Enquanto narrava estórias com voz monótona, as crianças mostravam-se dispersas e começavam a interagir entre si. Pb interrompia a atividade, dizendo: “Chega da Hora do Conto, vamos voltar para a sala de aula”. As crianças perguntavam: “Mas tia, por quê?” e Pb respondia: “Ah, porque é muita gracinha, muita conversa, vocês não estão interessados hoje!”. As atividades Individual e Individual em Grupo totalizaram 51,62% do total na PEB, e houve menos Competição (8,03%), em comparação ao PEA. Atividades de Cooperação na PEA (4,02%) e na PEB (4,75%) surpreendemente duraram períodos equivalentes de tempo. Considerando-se estes índices e os índices das demais atividades, ficou evidente a quase ausência de atividades estruturadas para as crianças interagirem cooperativamente em ambas instituições (excetuam-se as atividades Livres—10, 47% na PEA e 12,10% na PEB—nas quais as crianças podiam, em princípio, cooperar apesar das professoras). Diante deste quadro geral, perguntou-se: Como a prática da cooperação poderia ser esperada como modalidade de interação entre estas crianças? Análise Microgenética das Interações na Atividade Estruturada A principal contribuição do estudo (Palmieri, 2003) está na análise microgenética da atividade estruturada pela professora para ‘promover a cooperação’ entre as crianças. A análise microgenética (Siegler & Crowley, 1991) permitiu detalhar e avaliar os processos de co-construção de significados no tempo real, e a estruturação de uma atividade planejada para promover certo tipo de interações maximizam a possibilidade do estudo. Para tanto, as professoras foram solicitadas a planejar uma atividade com o objetivo específico de promover a cooperação entre as crianças. Com isto também foi possível verificar, na prática, sua concepção de ‘cooperação’ e de ‘como promovê-la entre as crianças’. As duas sessões estruturadas e planejadas por Pa e Pb foram, então, gravadas em vídeo de forma ininterrupta (PEA: 36’ e 55’’ ; PEB: 39’ e 28’’). Para efeito de análise, as seqüências das interações professora-crianças foram divididas em episódios tematizados, acompanhados de análise qualitativa para identificar os indicadores dos processos comunicativos e metacomunicativos envolvidos na co-construção de significados relacionados à cooperação, competição e individualismo. Estes foram identificados no discurso e nas ações da professora e das crianças. A seguir, a análise com um episódio de cada pré-escola é ilustrada: Pré-Escola A – Episódio 2: Sugerindo Competir (Duração: 1’53’’) Dirigindo-se à turminha de forma geral, Pa fala em tom de advertência e ameaça: Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378 371 -”Ó, eu vou dar uma atividade...ó, só que se vocês não prestarem atenção depois não vem falar prá tia [Pa] que é o grupo que perdeu; presta atenção que é em grupo, vai valer...”. Uma das crianças pergunta à Pa: - “Nós vamos estourar?” Pa responde em tom de entusiasmo: - “Quem estourar todas as bexigas lá é o grupo que vai ganhar, vai vencer!” Algumas crianças batem palmas, exclamando: ”Ôba”! “Êh”! Todas as crianças voltam a se sentar em seus lugares, prestando atenção às instruções de Pa. Com as crianças agora sentadas em suas mesinhas, Pa fala em tom explicativo e sério: - “Olha só, eu já sorteei [ênfase da professora] os grupos e a atividade é assim: vocês ... eu vou colocar bexigas amarradas no tornozelo de vocês...” Bruna, sorrindo, bate palmas e exclama com muito entusiasmo: -”Yes”! E fica comemorando sentada em seu lugar. Em tom sério Pa continua a explicação das regras a serem cumpridas e a delimitar a atividade para a turminha: - “E o grupo vai estar de mãos dadas e quando eu der o sinal...” Pa é interrompida por Lucas que pergunta em um tom sugestivo: - “Eu e o Ju”? Pa se volta para Lucas, balança o dedo indicador, negativamente, dizendo de forma enfática: - “Não, eu já sorteei os grupos”. Ignorando a sugestão de Lucas, Pa prossegue sua fala em um tom de voz elevado e explicativo: - “Quando eu der o sinal...quando eu der o sinal, o grupo vai de mãos dadas, não pode soltar das mãos, vão estourar as bexigas com os pés. Um amigo do grupo pode ajudar o outro a estourar, do mesmo grupo, tá?” Lucas pontua em tom sério e conclusivo: - “Eu não preciso de ajuda”! 372 Pa se volta para Lucas e pergunta em um tom de voz surpreso: - “Você não precisa de ajuda, por quê?” Outras crianças acompanham Lucas, exclamando: - “Nem eu!”; Nem eu!”; Nem eu!” Pa fica parada à frente das crianças e fala em tom titubeante: - “Mas vocês... mas vocês... mas vocês vão estar em grupo!” Pa utiliza como argumento motivacional o “vencer”, principal característica dos contextos competitivos. Com isto indicou, de imediato, uma atividade planejada para promover a competição, e não a cooperação. Pa continuou a ressaltar a importância da competição, dizendo: “Quem estourar todas as bexigas lá é o grupo que vai ganhar, vai vencer!”, aguçandolhes a motivação para competir. O indicador metacomunicativo sugerido por Lucas para negociar a escolha dos parceiros de seu grupo (“Eu e o Jú?”), não foi suficiente para que Pa reorientasse a sua proposta para uma ação de cooperação. Pautando-se em sua posição de controle autoritário, reiterou sua orientação em definir ela mesma os grupos para competirem entre si (“Não, eu já sorteei os grupos”). A sugestão para competir foi se tornando mais firme e mais complexa a partir da forma com que Pa apresentava as instruções da atividade: além de se organizarem em grupos, as crianças de cada grupo deveriam permanecer de mãos dadas para estourar bexigas amarradas em seus tornozelos com os pés. Com esta sugestão, Pa sugeriu simultaneamente duas regras opostas às crianças, tornando a comunicação ambígua. De um lado, motivava as crianças a competir (competição inter-grupo) e, de outro, sugeria uma atividade individual de estourar os próprios balões e também os dos companheiros de grupo (cooperação intra-grupo que ficou colocada, por ela, de forma ambígua). A proposta da atividade foi entendida inicialmente pelas crianças como um espaço de competição e disputa entre os colegas, uns competindo com os outros para estourar as bexigas, com o objetivo de vencer Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco uma competição. Ao comunicar de forma ambígua a “eventualidade” ou “possibilidade” de ajuda (Um amigo do grupo pode ajudar o outro a estourar, do mesmo grupo, tá?”), Pa apenas “sugeriu” a cooperação intra-grupos. Com isto, metacomunicou às crianças sobre a sua permissão de ajuda e, não sobre a exigência ou obrigatoriedade de que cooperassem entre si. As crianças, habituadas à competição e ao individualismo, interpretaram a sugestão não como algo positivo, mas sim associado à fraqueza ou à incompetência. Tanto é que reagiram imediatamente (“Eu não preciso de ajuda”; “Nem eu!”; Nem eu!”; Nem eu!”), indicando que precisar de ajuda significava debilidade, inadequação e incompetência. Em suma, a possibilidade eventual de ajudar o colega, tal como sugerida por Pa, não contribuiu para que as crianças cooperassem, mas sim reforçou a competição e o individualismo entre elas. Vale observar que, nesse momento do episódio, a fala e a ação de Pa expressou um tom surpreso e titubeante ao ver que a sugestão de ajuda mútua não foi bem aceita pelas crianças: “Mas vocês...mas vocês...mas vocês vão estar em grupo...!”. Pode-se pensar que, para Pa, somente o fato de organizar uma atividade ‘em grupo’, automaticamente, já significaria a promoção de uma atividade de caráter coletivo e cooperativo, pois racionalmente, para melhor realizar a tarefa, as crianças deveriam cooperar entre si. O que ocorreu, de fato, foi que sua dúbia sugestão de cooperação intra-grupos se dissolveu em meio a um cenário em que prevalecia padrões interativos, valores e orientações competitivas e individualistas. Pré-Escola B – Episódio 15: Derrubando a Proposta de Cooperação (Duração: 50’’) Fabiana da mesa 2 (M2) vai até à M1 e faz uma pergunta dirigida à Camila. Ao mesmo tempo, Fabiana olha para Pb para se certificar que ela está ouvindo a sua indagação. Pb pergunta à Camila em tom de curiosidade e interrogativo: -”O que foi Camila?” Camila não responde, permanecendo sentada em seu lugar, de cabeça baixa. Pb se dirige até a M1 e pergunta novamente: -”Camila, o que aconteceu?” Camila permanece sentada com a cadeirinha afastada da mesa mostrando-se emburrada. Camila responde à Pb em tom choroso: -”A Raquel não deixa eu fazer junto com ela”! Pb intervém, dizendo de forma enfática e conclusiva: -”Mas eu falei prá você não fazer junto com ela, Camila, cada um está fazendo o seu e ela está pintando o céu”. Camila continua emburrada, demonstrando que vai começar a chorar. Pb se dirige à M1, aproxima-se novamente de Camila e fala em tom de advertência e repreensão: -”Camila, não é assim que resolve; fazendo bico e chorando, é? Chorar vai resolver? Vai?” Camila continua na mesma posição sem demonstrar sinal algum de alteração em seu comportamento. Pb acrescenta em tom repreensivo: -”Chorar vai fazer você desenhar, vai”? Pb aproxima uma outra cadeirinha ao lado de Camila, ajeitando-a de forma adequada. Camila acaba aceitando esperar Raquel terminar de desenhar o céu, para depois ela iniciar o seu desenho. Na PEB, observou-se um padrão interacional muito diferente da PEA durante a sessão estruturada. A proposta feita por Pb para as crianças consistiu em que realizassem, de forma conjunta, um cartaz por mesa (M1e M2). Para tanto, Pb orientou as crianças, chamando-lhes a atenção para as regras a serem cumpridas. Em geral, as regras comunicadas por Pb tiveram um caráter cooperativo, como exemplo, decidir no grupo junto com os colegas sobre o quê e como fazer o cartaz, e trocar cores variadas de giz-de-cera de forma temporária ou definitiva à base de negociação (inter e/ou intra mesas). No entanto, a contradição emergiu quando Pb impôs a regra para as crianças realizarem a tarefa de forma individual: cada um deveria fazer a sua tarefa (parte do cartaz) sozinho, Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378 373 enquanto os outros deveriam esperar para fazerem as suas partes, sem contar com a colaboração dos colegas. A análise deste episódio evidencia a ambigüidade e a incoerência da comunicação, e aponta a prevalência das orientações para as crenças e valores tipicamente individualistas de Pb, as quais bem ilustram o contexto das interações analisadas nos demais episódios da PEB (Palmieri, 2003). Durante o episódio específico, Pb se orientou para engajar Camila nas tarefas da M1, ao perceber seu descontentamento e insatisfação. Quando Camila verbalizou o motivo de seu nãoengajamento “A Raquel não deixa eu fazer junto com ela”! Pb imediatamente interveio de forma enfática e conclusiva: “Mas eu falei prá você não fazer junto com ela, Camila, cada um está fazendo o seu e ela está pintando o céu”! Nesta sequência interativa fica bem clara a incongruência das mensagens de Pb às crianças, afinal, elas deveriam cooperar, trabalhar em conjunto com os colegas ou fazer sozinhas as tarefas, tendo que esperar a vez para participar? A ênfase de sua intervenção indicou que a última opção (fazer individualmente) é que deveria ser seguido, o que foi bem marcado no conteúdo de sua fala e no tom de voz de sua resposta à Camila. Ao mesmo tempo, Pb puniu o comportamento de Camila que demonstrava interesse para participar de forma cooperativa e, ao mesmo tempo, valorizou a atitude individualista e egoísta de Raquel ao fazer sua tarefa de desenhar sozinha o ‘céu’. Com este padrão de intervenção, Pb acabou impedindo as crianças de fazerem as tarefas em cooperação, restringindo o fluxo das interações e induzindo-as a ações individualistas. Nesse trecho do episódio pode-se ainda observar que Camila se viu em situação de humilhação perante a turma quando Pb interage com ela na presença dos demais: “Camila, não é assim que resolve, fazendo bico e chorando, é?”; “Chorar vai resolver, vai?” ; “Chorar vai fazer você desenhar, vai”? Pode-se dizer que Pb conduziu a atividade a partir de sua posição de autoridade, sem negociação, mantendo uma postura de exclusão e desrespeito às orientações para objetivos das crianças. No caso, o objetivo da criança em querer realizar a tarefa em cooperação com a 374 outra! Tudo indica que para Pb, trabalhar em grupos significava as crianças “esperarem” os outros terminarem suas tarefas para, após isso, obterem a chance de participar: aí estaria a “cooperação”, em sua concepção. Assim, na medida em que as orientações da professora não foram claras e tampouco consistentes com suas ações, as crianças ficaram ‘no ar’ sem saber muito bem se acatavam ou não suas orientações e indicações verbais. Apesar de suas ações serem consistentes com a individualização da tarefa, as contradições de Pb (que antes havia sugerido a troca e a negociação) deixaram transparecer seu conceito equivocado sobre o que é cooperação, e como ela pode ser promovida na sala de aula. Discussão Verificou-se, na análise dos episódios, um grande contraste entre a proposta original (de que as professoras estruturassem uma atividade para promover a cooperação entre as crianças) e as atividades efetivamente planejadas e promovidas por elas. Tanto as atividades quanto as instruções/ orientações de ambas as professoras estiveram voltadas para a promoção de outras modalidades de participação social das crianças nos contextos de grupos. Em outras palavras, a atuação das professoras serviu como influência canalizadora das interações desenvolvidas em sala de aula, através da indução à competição (PEA) e ao individualismo (PEB), o que se conclui que nenhuma das duas realmente sabia o verdadeiro significado do termo “cooperar”. As entrevistas apenas confirmaram tais conclusões. Na PEA, a professora estruturou uma atividade em que as crianças tinham de alcançar metas excludentes (ganhadores versus perdedores) fazendo prevalecer, apesar da possível cooperação intra-grupo, a motivação para competir, o que favoreceu interações de disputa entre os participantes, o que confirma o papel da canalização cultural (Branco, 2003; Branco & Valsiner, 1997). Muito embora sua proposta consistisse no desenvolvimento de uma atividade organizada para supostamente promover a cooperação intra- Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco grupo em competição inter-grupal, a estrutura competitiva mais ampla da atividade prevaleceu, gerando altíssimo nível de competição entre as crianças, que resultou em interações individualistas e competitivas. As poucas sugestões pró-sociais contidas na fala de Pa, associaram-se a um conceito negativo de “ajuda” que se dissolveu no decorrer das interações entre as crianças. Ao longo da sessão estruturada, as crianças salientaram suas competências e habilidades para alcançar o desempenho individual necessário, em sua percepção, para vencer a disputa sugerida (Kohn, 1986; Johnson & Johnson, 1989). Na PEB, a atividade teve início com uma possível estrutura cooperativa (as crianças de cada mesinha fazendo juntas um cartaz), porém ao longo da sessão esta estrutura foi se transformando, pelas próprias intervenções da professora, em uma atividade individual coordenada por ela. Na verdade, Pb incentivou uma forma de participação social denominada como ‘coordenação cooperativa do tipo não-interativa’ (Branco, 2002), que ocorre em um “frame nãointerativo”. Neste caso, cada criança precisa esperar pela oportunidade de participar da atividade, sendo que a ‘espera’ é entendida como a forma de participação “colaborativa” ou “cooperativa”: não está prevista a ocorrência de interações sociais propriamente ditas (Branco, 2002; Hinde, 1996). No episódio apresentado, ficou bem caracterizada a orientação para o objetivo de Pb de promover a participação individual das crianças na atividade, impedindo a possibilidade de estabelecimento de frames interativos para a realização da tarefa de forma cooperativa e compartilhada. Esta orientação caracteriza-se como tipicamente individualista (Dumont, 1985; Velho, 1987), limitando as chances das crianças de participar de modalidades cooperativas na construção da atividade, e levando-as a desenvolver um padrão de dependência em relação à Pb, à espera de constantes instruções. Da perspectiva de Pb, o sucesso ou fracasso de cada criança dependeria das habilidades e dos seus esforços individuais (Jonhson & Johnson, 1989). O conceito de condutas pró-sociais simplesmente pareceu uma questão inexistente para ambas as professoras. As diferenças motivacionais das orientações para objetivos das professoras e a dificuldade de promover concretamente interações cooperativas entre as crianças nas atividades por elas planejadas, constituíram, portanto, a principal tendência para o desenvolvimento das atividades sugeridas no contexto das duas préescolas investigadas. Também nas observações diretas da rotina educativa, quando da realização dos “Trabalhos Individuais”, verificamos que as interações entre as crianças da PEA sempre se relacionavam (eram interpretadas) com a competição, e, na PEB, as interações eram marcadas pela dependência das crianças em relação à professora, revelando disposições individualistas coerentes com as orientações recebidas (eram desaprovadas por Pb quando tentavam interagir umas com as outras). As raríssimas sugestões para ações pró-sociais e cooperativas, nos dois contextos estudados, eram apresentadas de forma conflitante, e o que prevalecia eram as orientações para objetivo e crenças (e valores) das professoras. Considerações Finais A pesquisa aqui apresentada leva a questionar se os professores de educação infantil estão conscientes do tipo de padrão de interação social que estão estimulando e promovendo entre seus alunos. Ao invés de oferecer-lhes uma ampla gama de atividades que poderiam favorecer desde o desenvolvimento da autonomia, vivências lúdicas de competição e, especialmente, práticas cooperativas e de solidariedade, terminam por fortalecer o ideário competitivo e individualista de nossas sociedades (Branco, 2003; Saraiva, 2000). Acredita-se que é o caráter singular do conjunto de recursos que a educação infantil oferece à criança em desenvolvimento, através de preciosas experiências de interação social significativas, é que se abre à criança a possibilidade de integrar experiências de cooperação, competição, atividades individuais e de negociação construtiva de conflitos, o que lhe propiciará um desenvolvimento diversificado e a internalização construtiva de valores sociais, tais como a ajuda mútua, a colaboração, a empatia, e solidariedade. Compreender o dinamismo das práticas sociais e pedagógicas em suas relações com as crenças e valo- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378 375 res que as constituem, e nelas se constituem no dia-adia das instituições educativas, exige a adoção de uma perspectiva comprometida com a emergência de novas formas de ação. Neste sentido, o nível microgenético de análise constitui-se em excelente opção para desvelar a estrutura e a dinâmica de tais práticas, apontando os caminhos que tornam os currículos ocultos das instituições educativas tão eficazes, o que permitirá aos educadores a implementação das ações e transformações que se fazem necessárias ao sucesso dos processos de ensino-aprendizagem. Estes não podem em absoluto restringir-se ao campo do desenvolvimento cognitivo, mas deve incluir como objetivos importantes a socialização construtiva e o desenvolvimento de si, conjugado ao desenvolvimento de valores morais. Desvendar o fluxo contínuo de comunicação e metacomunicação entre os educadores e estudantes (Branco & Valsiner, 2004), caracterizado pela contínua co-construção de ‘orientações para objetivos’ e valores pessoais e culturais consiste, assim, em tarefa fundamental em nível teórico e aplicado. Enfim, entender os processos de desenvolvimento humano constitui um desafio teórico e prático, e isto deve estimular novas reflexões, análises e discussões sobre a co-construção de concepções e práticas que venham a sedimentar relações educativas/ pedagógicas que provam a autonomia e também a solidariedade entre os seres humanos. Referências Branco, A. U., & Mettel, T. P. L (1995). O processo de canalização cultural das interações criança-criança na pré-escola. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 11(1), 13-22. Branco, A. U., & Valsiner, J. (1997). Changing methodologies: A co-constructivist study of goal orientation in social interaction. Psychology and Developing Societies, 9(1), 35-64. Branco, A. U., & Madureira, A. F. (2004, Agosto). Communication, affection and self construction. Participação e coordenação do Simpósio Voices at work: Making affect and identity. Third International Conference on the Dialogical Self. Varsóvia, Polônia. Branco, A. U., & Valsiner, J. (2004). Communication and metacommunication in human development. Greenwich: Information Age Publishing Inc. Brasil (1998). Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. MEC/SEF: Brasília-DF. Bronfenbrenner, U. (1989). Ecological Systems Theory. Em R. Vasta (Org.), Annals of child development (v. 6, pp.187-249). Greenwich, CT: JAI Press. Bruner, J. S. (1996). The culture of education. Cambridge: Harvard University Press. Carvalho, M. F. (2000). “Se a professora me Visse voando ia me pôr de castigo”: A representação da escola feita por alunos de pré-escola da periferia. Em Z. M. R. Oliveira (Org.), Educação infantil: muitos olhares (4ª ed., pp. 159-178). São Paulo: Cortez. Cole, M. (1992). Culture in development. Em M. H. Bornstein & M. E. Lamb (Orgs.), Developmental psychology: An advanced textbook (3ª ed., pp. 731-788). Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates. Branco, A. U. (2002, Junho). Microgenesis of meaning construction: the role of metacommunication in the development of human values. Trabalho apresentado no Encontro da International Society of Cultural Research & Activity Theory – ISCRAT, Amsterdã. Davis, C., Silva, M. A. S., & Espósito, Y. L. (1989). Papel e valor das interações sociais em sala de aula. Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, 71, 49-54. Branco, A. U. (2003). Social development in social contexts: cooperative and competitive interaction patterns in peer interactions. Em J. Valsiner & K. J. Connolly (Orgs.), Handbook of developmental psychology (pp. 238-256). London: Sage. Gaskins, S., Miller, P. J., & Corsaro, W. A. (1992). Theorical and methodological perspectives in the interpretative study of children. Em W. A. Corsaro & P. J. Miller (Orgs.), Interpretative approaches to children’s socialization New Directions for Child Development, (n. 58, pp. 5-24). San Francisco: Jossey-Bass Publishers. Branco, A. U. (2006). Crenças e práticas culturais: co-construção e ontogênese de valores sociais. Revista Pro-Posições, 17(1), 139-155. 376 Dumont, L. (1985). O individualismo: Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco. Goodnow, J. J. (1997). Parenting and the transmission and internalization of values: From socio-cultural perspectives to Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco within-family analysis. Em J. E. Grusec & L. Kuczynsky (Orgs.), Parenting and children’s internalization of values: Handbook of contemporary theory (pp. 333-361). New York: Wiley. cultura do consumo. Em S. J. Souza (Org.), Subjetividade em questão: a infância como crítica da cultura (pp. 47-64). Rio de Janeiro: 7 Letras. Harkness, S., & Super, C. (1992). Parental ethnotheories in action. Em I. E. Sigel, A. McGillicuddy-DeLisi & J. J. Goodnow (Orgs.), Parental belief systems: The Psychological consequences for chlidren (pp. 373-391). Hillsdale: Lawrence Earlbaum Associates. Siegler, R. S., & Crowley, K. (1991). The microgenetic method. American Psychologist, 46(6), 606-620. Hinde, R. A. (1996). Describing relationships. Em A. E. Auhagen & M. Salisch (Orgs.), The diversity of human relationships, (pp. 7-35). Cambridge: Cambridge University Press. Johnson, D. W., & Johnson, R. T. (1989). Cooperation and competition: Theory and research. Edina, Minnesota: Interaction Book Company. Khon, A. (1986). No contest: the case against competition. Boston: Houghton Mifflin Company. Lawrence, J. A., & Valsiner, J. (1993). Conceptual roots of internalization: From transmission to transformation. Human Development, 36, 150-167. Mead, M. (1937). Cooperation and competition among primitive peoples. New York: McGraw-Hill. Palmieri, M. W. A. (2003). Cooperação, competição e individualismo: Uma análise microgenética de contextos de desenvolvimento na pré-escola. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília-DF, Brasília – Distrito Federal. Palmieri, M. W. A., & Branco, A. U. (2004). Cooperação, competição e, individualismo em uma perspectiva sociocultural construtivista. Psicologia Reflexão e Crítica, 17(2), 189-198. Shweder, R. (1992). Thinking through cultures:Expeditions in cultural psychology. Cultural psychology: What is it? Cambridge: Harvard University Press. Valsiner, J. (1987). Culture and the development of children’s action: A theory of human development. New York: John Wiley & Sons. Valsiner, J. (1989). Human development and culture: The social nature of personality and its study. Lexington, MA: Lexington Books. Valsiner, J. (1994). Culture and human development: A coconstructive perspective. To appear. Em P. Van Geert & L. Mos (Orgs.), Annals of Theoretical Psychology, Vol X. New York: Plenum. Valsiner, J. (1998). The guided mind: A sociogenetic approach to personality. Cambridge: Harvard University Press. Valsiner, J. (2001). Comparative study of human cultural development. Madrid: Fundación Infancia y Aprendizaje. Valsiner, J. (no prelo). Culture in minds and societies: Foundations of cultural psychology. New Delhi: Sage. Valsiner, J., Branco, A. U., & Dantas, C. (1997). Co-construction of human development: Heterogeneity within parental belief orientations. Em J. E. Grusec & L. Kuczynski (Orgs.), Parenting and children’s internalization of values (pp. 283-304). New York:Wiley. Piaget, J. (1994). Seis estudos de Psicologia. (20ª ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária. Velho, G. (1987). Individualismo e cultura. Rio de Janeiro: Zahar. Ratner, C. (2002). Cultural psychology: Theory and method. New York: Plenum. Vygotsky, L. S. (1929-1994). The problem of the environment. Em R. Van der Veer & J. Valsiner (Orgs.), The Vygotsky Reader (pp. 338-354). Oxford: Basil Blackwell Ltda. Rogoff, J. (2005). A natureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre: ArtMed. Wertsch, J. (1998). Mind as action. New York: Oxford University Press. Saraiva, J. E. M. (2000). Do individualismo moderno ao narcisismo contemporâneo: A produção da subjetividade na Recebido em: 19/10/2006 Revisado em: 05/06/2007 Aprovado em: 15/06/2007 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378 377 Sobre as autoras Marilícia Witzler Antunes Palmieri ([email protected]) - professora Adjunta do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina-PR. A partir de seu doutorado na Universidade de Brasília e de sua participação como pesquisadora nos estudos desenvolvidos no LABMIS, tem desenvolvido projetos que objetiva investigar os processos envolvidos na co-construção de padrões de interdependência social, tais como: cooperação, competição e individualismo e a ontogênese de crenças e valores humanos de uma perspectiva sociocultural construtivista. Angela Uchoa Branco ([email protected]) - professora da Universidade de Brasília e coordenadora do Laboratório de Microgênese nas Interações Sociais. Realizou dois pós-doutorados nos USA e desenvolve estudos microgenéticos orientados a investigação dos processos comunicativos e metacomunicativos nas interações sociais (criança-criança, professor-aluno, etc). Adotando uma perspectiva socicultural, estuda o desenvolvimento moral, de crenças e valores e questões de gênero. No amplo conjunto de suas publicações encontra-se o livro “Communication and metacommunication in human development”, publicado em 2004 (com JaanValsiner), nos USA. Endereço para correspondência Marilícia Witzler Antunes Palmieri Rua: Joaquim Távora, nº 392. Jardim Sabará. 86066-020 Londrina PR Nota das autoras: A presente pesquisa contou com o apoio da CAPES e do CNPq pela bolsa de doutorado junto ao Programa de Pós Graduação em Psicologia da UnB e bolsa-pesquisador concedidas a primeira e segunda autora, respectivamente. 378 Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco Diferença: condição básica para a constituição do sujeito Diferença: condição para subjetividade Mercedes Villa Cupolillo Ana Beatriz Machado de Freitas Resumo Este trabalho é um estudo de caso construído em co-autoria na tentativa de compreender os processos subjetivos para o aprendizado e buscar alternativas para a inclusão de crianças no processo educacional. As autoras acompanharam, em uma escola pública, alunos em processo de alfabetização que apresentavam, segundo o estabelecimento, problemas de aprendizagem. Os encontros foram semanais, por um período de sete meses, havendo apenas interrupções durante férias e festividades. A teoria da subjetividade baseada na Epistemologia Qualitativa foi adotada como eixo teórico-metodológico. Embora tenham ocorrido novas produções de sentido pelas crianças sobre o aprendizado, percebeu-se que o espaço social da escola, caracterizado pelo corpo de educadores, conservava a visão preconceituosa em relação à criança. A ênfase continuava a ser dada à dificuldade e à incapacidade, o que não favorecia a mudança nos processos de aprendizagem. Ao longo do texto, as autoras intercalam suas idéias e ações, em um trabalho conjunto. Palavras-chave: fracasso escolar; subjetividade; alfabetização. Difference: basic condition of individual’st contitution Abstract This work is a case study of a child’s inclusion in educational process during school first years. It aims to discuss alternative ways of psychological evaluation when children are sent from school to a psychology service for diagnosis. Evaluation process attempted to understand children’s subjecvity, according to proposition of the subjectivity theory based on the Epistemology Qualitative. Children were seen at school once a week, during seven months, while teachers and parents have been paralelely seen. In the interviews, the focus was in the subjective sense production for learning. At the end of the evaluation process we had found that prejudice against the children was still present among teachers and coordinators. Otherwise, new senses were produced by the children promoting learning and different forms of dealing with writing and reading. The authors exchange their ideas and actions in research field throughout the study. Keywords: academic failure; subjectivity; literacy. Diferencia: condición básica para la constitución del sujeto Resumen Este trabajo es un estudio de caso construido en co-autoría como una forma de tratar de comprender los procesos subjetivos para el aprendizaje y buscar alternativas para la inclusión de niños en el proceso educacional. En una escuela pública, las autoras acompañaron alumnos en proceso de alfabetización que presentaban, según la escuela, problemas de aprendizaje. Los encuentros fueron semanales por un período de siete meses, con interrupciones apenas durante las vacaciones y feriados. La teoría de la subjetividad basada en la Epistemología Cualitativa fue adoptada como eje teórico-metodológico. Pese a haber ocurrido nuevas producciones de sentido por los niños sobre el aprendizaje, se percibió que el espacio social de la escuela, caracterizado por el grupo de educadores, conservaba la visión de preconcepto en relación al niño. El énfasis continuaba siendo dado a la dificultad y a la incapacidad, lo que no favorecía el cambio en los procesos de aprendizaje. A lo largo del texto las autoras intercalan sus ideas y acciones en un trabajo conjunto. Palabras clave: fracaso escolar; subjetividad; alfabetización. 379 Dundee-Escócia, 1992. Retorno para o término de meu doutorado com meus dois filhos. Entre as primeiras providências, a escola era fundamental. Meu filho tinha cinco anos e minha filha, nove. No bairro onde escolhemos para morar, ficava “Blackness School”, escola que se destacava por receber crianças de treze nacionalidades diferentes. Ali conviviam diariamente crianças com valores, idiomas, tipos de alimentação, características físicas e psicológicas diversas. Para alguns, um local impróprio pela tamanha diversidade; para outros, um rico atelier para a criatividade e o desenvolvimento de subjetividades e gerações mais humanas e éticas. Não era meu campo de pesquisa, mas eu mal podia resistir à riqueza de sentidos de vida que se produziam entre tantas vozes e rostinhos luminosos. Além da participação efetiva dos pais nos conselhos, havia a participação do psicólogo escolar, obrigatória na comissão de avaliação distrital. Os projetos de integração cultural e a forma como a escola lidava com a inclusão de crianças com necessidades especiais eram característicos daquele espaço. Havia cuidado para com elas, com as famílias, com as necessidades que as diferenças geravam, e disponibilidade dos profissionais para aprender com as diferenças. A escola ficava localizada em uma rua movimentada, via de acesso para o centro da cidade. O policial que auxiliava na travessia das crianças era um senhor simpático, paciente e doce e as conhecia todas, pelo nome. Desarmado, usava apenas um sinalizador luminoso para chamar a atenção dos veículos, principalmente em dias escuros de inverno. Meu filho era sempre o primeiro a levantar nos dias de aula. Ir para a escola tinha um sentido amplo e, além da responsabilidade, a companhia dos colegas era fundamental. A escola parecia um local privilegiado para aprender muitas coisas, além dos conteúdos específicos e os professores acompanhavam as turmas em todo o ciclo. Eu procurava aprender lições de inclusão com a professora de minha filha. Sua sala tinha uma organização peculiar. As mesinhas com quatro cadeiras eram arrumadas ao redor do espaço onde se realizavam as atividades escolares, com grupos de crianças selecionadas por afinidades para trabalharem juntas, 380 crianças de nacionalidades diferentes, sendo que uma delas era britânica, para garantir a comunicação e o aprendizado da língua inglesa. Uma amiguinha brasileira de minha filha sentava-se em outro grupo de crianças e elas se encontravam no recreio para falar português. Em sala, minha filha sentava-se ao lado de duas coleguinhas muçulmanas e de Edward, um menino escocês que apresentava necessidades especiais. Embora a orientação que minha filha recebesse da professora fosse de não realizar as tarefas por ele, outros tipos de suporte eram dados ao menino, que nunca dispensava sua companhia. Havia um profissional responsável por acompanhá-lo nas tarefas mais difíceis, mas ele ficava à vontade para conversar com minha filha, ensinando-lhe inglês e instigando sua curiosidade para a forma de aprendizado que apresentava para o cuidado e respeito a pessoas como ele, de tal forma que, em casa, Edward era sempre citado à mesa. Minha filha aprendera a falar pausadamente e, ao fazê-lo, ela própria reorganizava suas idéias e seu pensamento. O trabalho na zona de desenvolvimento proximal, um dos meus eixos no doutorado, acontecia com muita fluidez naquele espaço. Paralelamente às atividades de sala de aula, todas as crianças estrangeiras recebiam um caderno de inglês que continha o vocabulário trabalhado em classe. Ali entravam em contato com a escrita, o significado das palavras e a construção de textos. Todos os dias escreviam estórias voltadas para as temáticas abordadas e, muitas vezes, para suas maneiras específicas de entender e viver a vida. Meu filho, na primeira série, levava livros para casa diariamente, para que lêssemos juntos, cujos conteúdos eram muito presentes na cultura das crianças. Foi assim que os dinossauros e os sapos passaram a habitar nossa casa. As avaliações eram contínuas, ocorrendo no decorrer das atividades; por isso, não havia momento de prova. Nós, pais, éramos convidados a participar nas atividades culturais e esportivas, como voluntários. Certamente tínhamos saudades do Brasil, mas as crianças, naquele momento, tinham construído um vínculo prazeroso com a escola. Rio de Janeiro, 1994. De volta ao Brasil após o término de meus estudos. Eu não podia esperar para me Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas integrar no espaço educacional brasileiro, cenário vivo de aprendizagens e desenvolvimento. O ano letivo se iniciava e as crianças ingressaram na escola. Imediatamente nos deparamos com uma dificuldade: a correspondência de séries. Minha filha tinha agora 10 anos e havia a exigência de que freqüentasse a quinta série. Meu filho não se conformava com a idéia de voltar para a primeira série, mas acabou sendo conquistado pelos colegas. São Luís – maio, 1994. Em uma cidade menor, tivemos que conviver com uma diversidade de elementos e situações. Ao chegar, vivenciamos um grande contraste evidenciado pelas formas de ensinar e pelas próprias concepções sobre educação. Eu estava de volta a meu país e esperava poder contribuir com as escolas brasileiras. Já que convivemos com tanta diversidade, como poderíamos criar uma escola utilizando esses recursos? Com certeza, pensava, poderíamos otimizar o aprendizado em nossas salas de aula já que todo o cenário do país é constituído por tantas heterogenias, o que serve para o enriquecimento dos processos de educação quando bem conduzidos. Apesar de ter desenvolvido pesquisas em escolas de São Luís, foi somente anos mais tarde, em Goiânia, que a discussão sobre subjetividade e aprendizagem veio a se tornar mais presente, gerando o trabalho descrito a seguir. Goiânia, 2004. No início do ano letivo de 2004, uma escola conveniada procurou pela clínica de atendimento infantil solicitando avaliação de quatro crianças que apresentavam problemas de aprendizagem na leitura e na escrita, segundo relato da coordenadora. Surpresa com a forma preocupada como a coordenadora relatara, prontifiquei-me, a realizar uma avaliação assistida. A escola em questão é conveniada com o Estado, sendo subsidiada por uma associação espírita. É pública e atende a uma clientela de classe média e classe média baixa. Por muito tempo foi considerada uma das escolas públicas de maior qualidade de ensino na capital. Naquele momento, uma das grandes preocupações da administração era exatamente a imagem da escola. Ao chegar à instituição, fui apresentada à professora que, imediatamente, queixou-se de cinco alunos (todos do sexo masculino), atribuindo as dificuldades que apresentavam a problemas familiares e orgânicos. Disse que eram todos desatentos, deveriam ter déficits de atenção, hiperatividade e outros problemas que ela não sabia definir. Em vinte anos de profissão ela nunca havia lidado com crianças como aquelas. O processo avaliativo ocorreu semanalmente, totalizando seis encontros, individuais e coletivos, que aconteceram na escola, em uma sala designada pelos coordenadores. A sala era utilizada pelos professores para organização e confecção de material escolar; possuía a aparência de um sótão, pois ficava localizada no andar inferior da escola e o acesso a ela era através de uma porta rebaixada. Ali ficavam guardados trabalhos de alunos, livros em geral e materiais a serem utilizados pelos professores. Abordamos a queixa referente à hiperatividade com base nos trabalhos de Werner (2000). Segundo Werner, os transtornos de atenção e hiperatividade, conhecidos pela sigla, TDAH, surgem recentemente no discurso e diagnóstico neuropsiquiátrico, em substituição à disfunção cerebral mínima. O discurso tem invadido os espaços escolares, na maioria das vezes, como álibi para o pouco comprometimento dos atores da escola no processo de escolarização dos alunos. Pedrinho foi a primeira criança a me ser apresentada. Segundo relatos da coordenadora e da diretora, o menino havia esquecido tudo que aprendera nas aulas de alfabetização, no ano anterior. Sua mãe era faxineira da escola e ele era o segundo filho de uma união da mãe com um namorado. Após ter conhecido Pedrinho, conversei com seus pais, coordenadores, diretora e professores. As sessões de avaliação consistiam na identificação do potencial da criança para a aprendizagem em geral, da leitura e da escrita, a partir da produção de significados e sentidos que ocorriam na relação comigo, no meu papel de avaliadora. Denominamos essa avaliação de assistida, baseada nos pressupostos de Vygotsky (1993), processo avaliativo com ênfase no potencial para aprender a partir da relação que se estabelecia entre avaliador e criança e entre as crian- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 379-389 381 ças. Os focos de cristalização do processo de aprendizagem também eram pesquisados, podendo ser trabalhadas propostas de mudanças de significados e sentidos subjetivos (González Rey, 2003). Nosso primeiro encontro: Inicialmente solicitamos o protocolo de todas as crianças; nele constavam todas as avaliações do ano letivo anterior. Utilizamos esse material como ponto de partida para avaliar o quanto Pedrinho poderia reconhecer o que havia produzido. Ao entrar em contato com o protocolo, ele reconheceu imediatamente seu nome na primeira página. Logo após disse: “não dou conta de ler”. Respondi: mas o seu nome você consegue, não é? Então, você já sabe. Percebi muito desânimo e tristeza no menino. Parecia angustiado por ter que passar por tudo aquilo. Eu lhe perguntei se estava ciente do porquê de estar ali comigo. Respondeu: “porque sou burro, sou maluco, não dou conta de ler”. Psicóloga: O que você gosta de fazer? “Gosto de desenho, de gibi, de videogame. Minha mãe disse que um dia eu vou para os EEUU. Lá eu vou ter dinheiro. Eu queria ter dinheiro, ser rico pra comprar um carro”. Psicóloga: Olha, eu cuido de crianças que pensam que não conseguem fazer as coisas que elas não conhecem. Eu não acho você burro, nem maluco. Eu acho que você ainda não acredita muito que pode aprender muitas coisas legais. Quando a gente está aprendendo alguma coisa, qualquer coisa, é porque ainda não sabe. Então é sempre difícil. Depois que a gente aprende e consegue fazer, fica fácil. Vou te contar a estória de meu menino... .Ele mora longe daqui. Mora no Rio de Janeiro - Onde tem praia? Psicóloga: - Sim, e ele está aprendendo a surfar. Nesse momento percebi que o semblante do menino havia se modificado e ele estava totalmente imerso no diálogo. - Então, continuei, ele telefonou no outro dia e disse: “mãe, é muito difícil surfar, a gente tem que se equilibrar muito na prancha e eu caio à toa. Mas eu não vou desistir nunca, eu quero aprender...”. Pedro, você sabia que ele tem o seu nome? Ele também se chama Pedro. 382 Pedrinho me interrompe e diz: “olha, eu sei como é... Vou desenhar pra você ver”. Desenha um menino na onda, surfando, como se tivesse ilustrando minha fala. Fiquei surpresa com o desenho de Pedrinho, com movimentos, coerência e precisão. Certamente ele não tinha dificuldade de estar atento àquilo tudo, de se projetar na estória e imaginar além dali, de criar... Mostrei que das letras de seu nome, que ele havia escrito inicialmente, poderíamos escrever muitas palavras interessantes que ele havia dito: onda, nado, pé. Escrevemos as palavras, juntos e, na terceira, Pedrinho já apresentava sinais de cansaço e desânimo. Perguntei se ele lembrava do que havia escrito e ele confirmou, lendo. Eu disse que nos encontraríamos outras vezes, que continuaríamos a conversar e que talvez ele pudesse lembrar a estória. - “Não dô conta”, disse ele. Estive com Pedrinho mais duas vezes, utilizando nosso referencial do primeiro encontro. Sempre estava à minha espera na sala de aula e sinalizava o pouco tempo que ficávamos juntos e como eu demorava em procurá-lo. Expliquei a ele que eu estaria por perto por bastante tempo, mas que uma outra pessoa iria trabalhar junto com ele e os colegas, por um período mais prolongado. Assisti Pedrinho, ainda na companhia de Vicente, outra criança que havia sido encaminhada, e mais dois meninos, João e Alex. Ele não se manifestava. Comprimia-se no canto da sala, na tentativa de se esconder. Os meninos o chamavam de maluco: “olha, tia, ele bate a cabeça na parede, fica falando sozinho na sala de aula e não sabe fazer nada”. Pedrinho não se manifestava. Eu disse: ele sabe sim, mas ainda não aprendeu tudo. Tem muitas crianças assim. A gente nunca sabe tudo e às vezes fica com vergonha de dizer por que pensa que os outros sabem tudo, não é? - É, acentua Vicente. Durante a avaliação entendemos que Pedrinho não apresentava déficits de atenção, mas dificuldade para lidar com os estigmas a que vinha sendo submetido. Ele não acreditava na possibilidade de se ver como leitor. Sua condição socioeconômica e as dificuldades que havia encontrado na relação com os pais, colegas e professores na escola foram subjetivados como Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas obstáculos para aprender, fazendo com que ele acreditasse que não era capaz. A coordenadora solicita reforço através de uma estagiária. Sugeri um trabalho diferente, uma vez por semana, com ênfase no potencial das crianças para aprender. Após a avaliação assistida, encaminhei as crianças para nossa aluna de Mestrado, para que pudéssemos colaborar. No relato da mestranda, pudemos acompanhar a difícil tarefa de ser sujeito quando não se chega à escola com os padrões hegemônicos de aprendizagem e comportamento e situação socioeconômica “favorável ao aprendizado”. No Brasil, principalmente após a redemocratização nos anos 80, tem-se ampliado o debate sobre o acesso à educação de qualidade para todos. Por meio da escola, mais especificamente da escola pública, as classes populares poderiam ascender ao legado cultural dominante, o que virtualmente corresponderia à possibilidade de ascensão social. Era a perspectiva da escola redentora (Soares, 1987). Com tão grandes esperanças depositadas, a escola pública passa a receber alto contingente de alunos e se depara com a questão da diferença: a clientela predominante não é mais a que dispunha de acesso e valorizava, por sua condição social de classe, aspectos do conhecimento formal e da cultura dominante, chegando à instituição parcialmente alfabetizada. Muitas crianças das classes populares, ao contrário, afluem à educação fundamental sem prévio acesso à pré-escola formal ou informal. Dessa diferença, emergem conflitos no ensino-aprendizagem originados pela discrepância no atendimento às expectativas da escola. Acostumada ao “aluno ideal”, a instituição educativa se depara com alunos reais em suas diferenças, com suas marcas de identidade individuais e de classe social (Estebán, 2001; Soares, 1987). Constituem-se, nesse contexto, estigmatizações, ou seja, referências, significações ou marcas negativas (Goffman, 1975) em relação ao aluno que não aprende da maneira esperada. Os relatos, a seguir, são de encontros entre a mestranda e as crianças. As construções e análise das informações foram realizadas ao longo dos encontros, conforme propõe a Epistemologia Qualitativa de González Rey (2002). Nessa perspectiva de investigação, cada encontro, da relação pesquisador-parti- cipantes-contexto, suscita reflexões e novos passos para a construção-interpretação frente à realidade pesquisada. Apenas os momentos que produziram sentido, serão apresentados, a partir dos indicadores (produções de significados e sentidos) voltados para o processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Os nomes dos participantes, por compromisso ético, são fictícios. 7 de abril de 2004 Primeiro encontro com a mestranda João, Alex e Pedrinho se apresentam alegres. Pedrinho parece um pouco desconfiado, mais sério, mas diz seu nome e o dos colegas. Os três trazem consigo lápis e caderno. A sala oferecida é normalmente usada para apresentações de filmes e aulas de reforço para alunos maiores. O mobiliário é composto por cadeiras do tipo universitário. As crianças sentam-se em círculos nas carteiras. A caixa de bolinhas de gude que eu deixara propositadamente no chão, no meio do círculo, de imediato chama atenção dos três. - Que é isso, tia ? - Vamos ver quem adivinha! - Acho que é peteca, diz João. - Já sei, é bolinha de gude, diz Alex. Pedrinho toma a caixa para si e a abre afoito, antes de adivinhar. Os outros já abrem os cadernos e demonstram o que escreveram. - Quem sabe ler? - Eu sei, respondem os três ao mesmo tempo. Pergunto individualmente. João e Alex dizem que não sabem ler e antes de Pedrinho responder, dizem: - Ele não sabe ler, não, tia. É muito “baguncento”! Peço a João que leia o que escrevera. - A letra dele é pequena, tia, diz Alex. Parece minhoca. Pedrinho aproxima-se e olha o caderno do colega. - O que é isso? (Eu aponto os peixinhos desenhados no caderno) - Isso é peixe. E mal feito, disse. E corre à caixa onde estavam guardadas roupas e acessórios usados, em um dos cantos da sala. Põe-se a vasculhá-la. A atenção é desviada para o ruído da festa de aniversário de uma aluna da turma da ex-professora de- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 379-389 383 les. As crianças chegam à janela e tentam desesperadamente chamar a atenção da professora. - É aniversário do menino feio. - Por que é feio?, pergunto. - Ele é gordo. (adjetivo também conferido a Pedrinho) Observo que no pátio, “palco da festa”, está um desenho no quadro-negro alusivo à Páscoa. Alex e João começam a falar do Coelhinho da Páscoa. Um deles canta a música. Pedrinho volta à caixa de roupas. Peçolhe que não mexa no que não nos pertence e o chamo para conversar sobre a Páscoa. Proponho que façam um desenho na cartolina ou escrevam algo a respeito. - Eu vou desenhar, não vou escrever, diz Alex. - Eu sei escrever, afirma João. Os três vibram com a proposta de desenhar e escrever no chão, com giz de cera, cada um em uma parte da cartolina. Pedrinho avança e inicia o desenho com um movimento brusco, traçados grandes, ocupando o espaço pretendido pelos colegas, o que os irritou. Alex tira a cartolina e delimita seu espaço com um traço. Pedrinho faz o mesmo, mas, provocando o colega, invade-lhe a área. Alex revida. João, na outra ponta, já está desenhando, mais tranqüilo, e se assusta quando Pedrinho também avança sua área. Intervenho dizendo que nem Alex nem Pedrinho haviam desenhado o coelho a que se propuseram. Será que sabiam...? - Eu sei, dizem. E cada qual desenhou em seu espaço. Pedro termina primeiro, levanta-se e vai à caixa. Alex comenta: - Coelho feio, não sabe desenhar. - E os ovos de Páscoa?, pergunto. - Ah, eu vou fazer. Chamo Pedrinho e proponho o desenho dos ovos, ao que se mostra indiferente. Desenho, então, perto do coelho que ele fizera, um balão do tipo de história em quadrinhos, esperando que Pedrinho “falasse alguma coisa por seu coelho”. Alex adianta-se: - Eu sei o que é isso. Pedrinho se aproxima e diz: - Eu também sei, é uma sacola que ele está carregando. - E o que ele carrega?, pergunto. - Ovos!, respondem. 384 Pedrinho, num tom sério e crítico: - O coelho agora virou Papai Noel. - Meu coelho tem muitos ovos, diz Alex, continuando a desenhá-los. Pedrinho observa o colega e parece ter tomado a atividade como desafio. Abaixa-se, pega um giz de cera e põe-se a preencher a “sacola”. - Já fiz o meu, anuncia João. Eu quero escrever coelho (traça o “c” e hesita; olha para mim, meio envergonhado). “Eu não sei.” - Você começou certo coelhinho, co... (Ele completa “co”) - Co-e (Coe). - Lhi (li). - nho. - O “n” e o “o” ? - Da Páscoa. - O da Pás – co-a’, João completa, atento à sonoridade de cada sílaba, contente. Alex escreve “Coelho”, olhando, de vez em quando, a área de João. Pedrinho se recusa a escrever. Peço a João que lhe mostre como se escreve. Ele chega à área de Pedrinho e escreve “Co”. - Só que ficou de cabeça pra baixo para ele, observo. Todos riem, inclusive Pedrinho, que me observa a traçar a sílaba “de cabeça para cima”. Espontaneamente escreveu copiando as demais letras de Alex. O comentário de Alex sobre o coelho de Pedrinho parecer um cachorro foi motivo para que começassem a desenhar e falar sobre animais. Lembrei-me da história da lebre e da tartaruga e começo a contá-la, até para atrair novamente a atenção de Pedrinho, que voltara à caixa e, às vezes, reclamava que estava chato, que queria brincar com as bolinhas, desenhar no quadro, jogar quebra-cabeça. Faltavam cinco minutos para o horário do lanche. Informo o fato às crianças e proponho que finalizemos a história e, posteriormente, joguemos. Pedrinho se irrita e reclama. Alex adianta-se quanto à história e diz que o coelho ganhou a corrida por ser mais rápido. João, mais atento à história, propõe: - Vai, conta uma história. Conta que eu vou escrever: “Era uma vez...” (Inicio um trecho. Ele transcreve, depois me pede para ler o que escrevera). Com a hora do lanche, interrompemos. Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas Na interação com os colegas, Pedrinho era visto como incapaz. O grupo, entre os meninos que foram selecionados como problemáticos, abria espaço para a produção de novos sentidos e significados à medida que, mesmo competitivamente, Pedrinho criava formas de enfrentamento por se sentir ancorado. Pedrinho, o “disperso”, o “baguncento”, “o que não sabe nada” (e também meio gordinho, como o aniversariante “feio”) manteve um comportamento mais distante. Sua motivação foi claramente “disparada” pela competição com os colegas, especialmente com Alex. Sua fala brusca, gestos impetuosos e momentos agressivos são produzidos na relação com os colegas, uma tentativa de conquista de espaço, como no desenho. Foi interessante o fato de Pedrinho, após tantas idas e vindas pela sala e dispersões, ter concluído a tarefa no seu espaço, dando sentido crítico a partir de uma ação iniciada pelo outro (cópia da escrita do colega; identificação do meu desenho à “sacola” de Papai Noel), expressando conhecimentos sociais subjetivados por ele. À medida que a escola, na figura de suas subjetividades individuais (os colegas e as professoras e coordenadoras) e sociais (o grupo constituído por essas subjetividades) relaciona-se com Pedrinho a partir de sua dificuldade, ele precisa desenvolver formas para manter-se como sujeito, como alguém que é muito além da restrição e precisa ser aceito no que é, em suas condições de ser e não ser o que é desejado. A rejeição à leitura, naquele momento, tinha um sentido de poder manter-se com o mínimo de integridade (como sujeito) para que não pudesse ser visto novamente como incapaz pelos colegas. Assim, nega ou se dispersa mediante a proposta de realização de uma tarefa que irá expor sua desigualdade e dificuldade perante os colegas que não o aceitam. O desempenho na atividade sugere que, potencialmente, podese aprender em situações e na relação com o outro, respeitando espaços. O aluno “que não tem limite” já procura delimitar seu espaço. No decorrer dos encontros, as predileções e potenciais de cada um foram se evidenciando bem como o movimento coletivo do quarteto. Os materiais da sala (a mesma na qual Pedrinho fora avaliado) despertavam a curiosidade, especialmente em Pedrinho, “aficcionado” por histórias de gibis e livros coloridos de histórias. Seus olhinhos, ao entrarem na sala, percorriam a prateleira repleta de livros e logo seu corpo acompanhava o movimento, distanciando-o (fisicamente) das atividades propostas. Envergonhado de ler em público (Em um dos encontros dissera: “Eu sei ler, tia, mas eu to com vergonha”.), mostrava-se visivelmente concentrado, absorvido pelo mundo dos livros e seus personagens quando dispunha da liberdade para conhecer e ler em silêncio, em paz, sem ser alvo de críticas ou chacotas. De vez em quando chamava a atenção do grupo para algo visto nos livros ou gibis - atitude que se intensificou no decorrer dos encontros - e encontrou interlocutor em Alex. No sexto encontro, eles leram um livro, juntos (Jogo do Pega-Pega, de Flávia Muniz, editora FTD). Pedrinho inicialmente esteve em silêncio, mas quando o colega vacilou em uma palavra, corrigiu-o, relendo corretamente. Curiosamente, o ato de ler não era visto, naquela situação, como significativo, melhor dizendo, produtivo, pois aparecia como “desvio” de uma tarefa principal que requeria a participação de todos; no caso, a confecção de uma historinha em formatação de livro em que cada aluno ficara responsável por uma página. Nono encontro - 09 de junho - Só a gente trabalhou na aula, comenta Vicente. - E quem não trabalhou?, pergunto. - Pedrinho! Vicente e João falam ao mesmo tempo apontando para o colega, como se isso estivesse combinado (Isso seria freqüente em sala de aula?) - Mas só ele? - O Alex, lembram-se. - Então vocês,Vicente e João, serão hoje os professores do dia. - Oba!!!!! , exclamam. - Vão ensinar quem não fez e ajudar. Um ajuda o Pedrinho, o outro o Alex. - Eu não quero ficar com o Pedrinho, dispara Vicente. Vou com o Alex. - Ah, não, reclama, eu também não quero ficar. - Por que não?, pergunto. - Ele não faz nada direito, tia, ele nunca faz. - Par ou ímpar, sugere João. Aposta com o colega e Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 379-389 385 ganha o direito a ajudar Alex. Vicente não gosta, mas reconhece que foi justo; chama Pedrinho. Este parece não prestar atenção à conversa. Já pegara um gibi e não se interessa em participar, mesmo com a minha insistência e a de Vicente. Fecha os olhos. - Tá vendo, tia ? Por que eu não queria? Não vou ajudar mais, não. Ele não quer. - Espera, mostra pra ele como você fez, começa a fazer. Vicente pega a “página” (pedaço de cartolina em branco) e começa. - Aqui, Pedrinho.Vou fazer pra você (e inicia). - Eu sei, deixa eu fazer. (Pedrinho levanta-se da cadeira e se interessa). - Deixa que eu faço, diz Vicente. - Espera, Vicente, deixa ele, intervenho. Pedrinho traça com a régua; é criticado pelo colega pelo fato das linhas ficarem (muito pouco) tortas. - Não tem problema, digo. Podemos escrever. E aqui colamos. - Cadê, Pedrinho?, pergunta Vicente, que procura entre os quadrinhos pintados o do colega. O autor reconhece seu nome em um deles: - É meu, afirma Pedrinho. Vicente sugere que se coloque o quadrinho pintado por Alex (o de Pedrinho está em branco; não fizera). Diante da sugestão, Pedrinho emburra e desvia a atenção. Pedrinho é estigmatizado como o que não sabe escrever”, “não sabe jogar”, “nunca faz direito”, “difícil de aprender”. A dificuldade real não estava na escrita propriamente, mas no envolvimento da atividade. Pedrinho preferia ficar lendo, fazendo algo solitário, diferente (aparentemente sem fazer nada). A não-participação aprecia relacionada limite do enfrentamento que necessitava na relação com os demais visto que era exposto pré-suposto freqüentemente à condição de incapacidade dependência. Assim, quando chamado a participar, mostrava-se “indiferente” e “desatento”, estados referidos pela mãe, coordenadora e professora: “olha para cima e para o lado, sem fazer nada”, e sem obedecer. Décimo encontro - 16/06/2004 Proponho a confecção de um segundo livro. Sugeri que cada um escrevesse e desenhasse a sua pá386 gina, expressando o que quisessem, produção denominada pelo grupo “O Livro da Vida”. Em todas as páginas apareceu o contexto da literatura infantil (livros gibis, historinha trabalhada em sala): Vicente desenhou o peixinho, numa referência à atividade trabalhada nas últimas semanas; Pedrinho, uma cena de Batman e Robin; Alex, a turma da Mônica; João, entre caracteres de tesouro, moto e cavalo, deixou fluir a imaginação no desenho de sua página. A unidade do livro (não prevista) esteve presente pelo contexto da literatura infantil. Foi um momento importante para avaliação do sentido de nossos encontros e de identificação de um caminho potencial para o aprendizado da leitura e escrita com prazer e produção de sentidos. Décimo primeiro encontro - 23/06/2004 A coordenadora elogia Pedrinho: - Eu não acreditava. Você viu o Pedrinho lendo?! Dizer que ele lê isso aqui... Ontem ele veio com a mãe dele e leu aquilo ali no quadro. Estava tentando ler. Ele está exibido. Na sala, no corredor, olha para o mural e quer mostra que sabe ler. Para quem não confiava nele mesmo! O “problema” foi apresentado como uma questão de autoconfiança, de insegurança do aluno, explicável por si mesma, mas no primeiro momento, a coordenadora confessa que ela própria não acreditava (“ele olhava pra cima, para o outro lado, parecia no mundo da lua”). O fato é que não percebia o movimento diferenciado do aluno em direção ao aprendizado na escola, mas vai à procura da confirmação de sua “profecia negativa” sobre o menino, como citado por Barbosa e Cupolillo (2004). Pensar e refletir sobre a própria ação poderia gerar mudanças na postura educacional e na consideração do aluno e sua aprendizagem. Afinal, o rótulo imposto não seria também um constitutivo da insegurança? 04 e 05 de outubro de 2004 A psicóloga (orientadora do Mestrado) e eu propusemos uma atividade em que os meninos pudessem apresentar em classe como expressão do que haviam produzido, sentido e aprendido. Seria, em especial, uma oportunidade para que Pedrinho pudesse Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas ser visto tanto pelos colegas quanto pela professora como um aluno atento e participativo. Apresentaríamos uma história, a ser desenhada no quadro-negro, dividida em quatro quadrinhos (cada aluno ficaria responsável por uma parte), sendo o assunto: alguém que aprendesse a ler e que alguém o ajudasse. O grupo sugeriu a Mônica como protagonista e o Cebolinha como “ajudante” e as partes foram assim definidas: “A Mônica sem saber ler” (parte 1), “começando a aprender” (parte 2), “recebendo ajuda” (parte 3) e “lendo” (parte 4). A preparação requereu dois encontros. Pedrinho, como de costume, procurava concluir rapidamente para poder ler os gibis da sala. Na ocasião em que começou a ler em voz alta o gibi do Batman ,Vicente e Alex o criticaram: “Devia ir para um hospício e lá darem um gibi pra ele”. Uma censura, justamente no momento em que começa a expressar em voz alta o seu “saber ler”. A subjetividade social se expressa em sujeitos concretos, como explica González Rey (2004). A ação perversa com o colega decorre impossibilidade dos meninos de se perceberem como aprendizes e, portanto, passíveis de apresentarem dúvidas e erros. Além disso, a produção da emocionalidade que se dá na relação com a dificuldade faz com que as crianças no grupo eliminem o colega que poderia vir a caracterizá-las como grupo dos incapazes. A produção de novos sentidos na sala de aula torna-se sine qua non para a mudança no grupo, inclusive e principalmente por parte da professora, agente organizador da produção das novas necessidades e desejos da turma. Poderia ocorrer, assim, como explica González Rey (2004) “um movimento mais complexo de produção de sentidos e significados”. 06 de Outubro de 2004 - A apresentação A psicóloga e eu nos encontramos com as crianças. João faltara, por motivo de doença. Antecipadamente, eu havia dito à professora que faríamos uma apresentação para a turma. Chamamos Vicente, Alex e Pedrinho e “recapitulamos” a história e a ordem de apresentação, observando a produção do dia anterior. Os meninos estavam eufóri- cos e, ao mesmo tempo, um pouco envergonhados, mas quando a psicóloga e eu entramos com eles na sala de aula, iniciamos as apresentações e introduzimos a atividade, dispuseram-se logo a desenhar no quadro-giz da sala, dividido por nós em quatro partes. A psicóloga escrevia na parte superior de cada “página” a história por extenso, tal qual eu escrevera no papel, no livro das crianças. Os meninos recorriam a ele para copiar seus desenhos e a fala dos personagens. Vicente desenha rapidamente, compenetrado na responsabilidade de desenhar as duas páginas, observa se esquecera algum detalhe. Alex, tal qual ocorrera na véspera, demora mais e apaga com freqüência, nunca achando seu desenho suficientemente bom e depende de ajuda. Pedrinho é o mais envergonhado. Fico a seu lado e digo que o ajudaria. No início, hesita, diz que não vai desenhar. Inicio o desenho e ele concorda em completar, orientando-se pelo livro. - Se você quiser escrever “Mônica” como fez aqui, sugiro, mostrando–lhe a palavra que escrevera no papel. Alguém faz um comentário sobre Pedrinho: - Ele não sabe. A psicóloga responde: se ele fez o livrinho é porque sabe. Só está um pouco envergonhado de mostrar para vocês. Vamos esperar que terminem e vocês poderão dizer o que acharam da surpresa. - Não, não quero, não, tia, diz Pedrinho, sorrindo tímido. Olha para trás, depara-se com a turma e parece envergonhado. A platéia fica atenta. Um dos colegas insiste que quer desenhar também. A professora, sentada no fundo da sala, observa, sorrindo. Enquanto os meninos desenhavam, uma garota comenta: “Quem desenha melhor é o Pedrinho”. “Acho o outro mais bonito”, ouve-se outra voz. Por fim, Vicente lê a história. Alex também pede para ler e lê a sua página. Convidamos Pedrinho a ler a terceira página, mas ele novamente se encabula. Propusemos que lêssemos juntos e com a participação da turma. Entre Vicente e Alex, perto da psicóloga, Pedrinho acompanha as palavras no papel. Abre a boca e inicia o mover de lábios, mas quando parece ensaiar a leitura, o coro se sobrepõe e lê a frase. A turma aplaude o grupo e os três autores. Eles me pedem o livro, num indício de que o trabalho fora Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 379-389 387 significativo. E não só esta produção, mas o principal: todo o processo. - E agora ?, pergunta Vicente, preocupado. E o nosso reforço? Acabou? Pedrinho ouve o colega e se aproxima, olhandome na mesma interrogação. - Eu devo continuar com o Pedro e o João, que estão aprendendo. Você, Vicente, já aprendeu... - Não, mas... (Vicente procura uma justificativa). Eu sei... Mas eu preciso porque senão minha letra vai ficar feia. Ao término da apresentação, a turma aplaude e tece comentários sobre o grupo: - Legal, eu também quero fazer. - Tia, agora é minha vez. A psicóloga pergunta o que eles acharam da surpresa. A professora se prontifica em dizer que tinha gostado de vê-los escrevendo um livro. A turma confirma a capacidade dos colegas e algumas meninas comentam “O Pedrinho sabe”. Apesar das reconhecidas melhoras, a coordenadora ainda retorna com as queixas: João, “regrediu; Pedrinho”, estava melhorando, mas agora parece que não lê”; e Vicente, o “hiperativo” quanto ao comportamento está “terrível”. Os problemas de João e Vicente continuavam atribuídos a questões familiares, especialmente à falta de acompanhamento e ao estado emocional da mães. Novembro 2004 No processo final, Pedrinho é avaliado como apto para a segunda série. Nos comentários da coordenadora percebe-se que nossa presença foi essencial para que isso ocorresse, pois gerou credibilidade no processo de aprendizagem da criança, embora não tenhamos percebido mudanças na postura da escola. (“Ele não evoluiu muito”, disse-nos, “mas está se esforçando”). Considerações Finais Estrangeiro, lento, fora das normas, letra feia, , faxineira, hiperativo, incapaz, desatento, doente, bur388 ro, maluco etc. Desde o início do texto pretendemos destacar as diferentes formas de exclusão que se dão nos bastidores dos contextos de educação. O discurso explícito da inclusão esconde as formas sutis de diferenças: os caminhos da subjetividade de cada um que aparecem em suas histórias, construções e condições sócio-econômicas. Inclusão implica diversidade, diferença, alteridade - condições para constituição subjetiva. Portanto, vem da percepção do outro a possibilidade de ser diferente, de se constituir como subjetividade e sujeito, já que o estado de igualdade do outro só levaria a uma condição de linearidade e submissão. A diversidade na educação é admitir a idéia de que as pessoas não são apenas um bloco de indivíduos em série, mas somos e produzimos idéias e conhecimento a partir de uma relação de complexidade. Assim, a inclusão, ocorre em um processo dialético, em um espaço simbólico-emocional, relacional, que só produz significados e sentidos dentro de um marco cultural (González Rey, 2004), marco em que a inclusão/ exclusão se configuram constantemente. A avaliação, no caso apresentado, deve ser um processo de descoberta de possibilidades para inserção da criança no contexto escolar. A construção do processo avaliativo deve ser dirigida pelos elementos que atuarão na otimização das capacidades e funções que se encontram em processo de desenvolvimento na criança: seus recursos subjetivos e os recursos subjetivos dos mediadores em questão. Os parceiros do processo de aprendizagem, colegas, professores e demais profissionais envolvidos na escola apresentada, não atuavam como promotores da inclusão dessas crianças; contrariamente, “protege-se” e exclui-se ao articular às suas atitudes e práticas conhecimentos e pressupostos que confirmam e justificam a não-aceitação das diferenças. As escolas parecem ter retomado (um nunca abandonado) antigo modelo médico na avaliação do desenvolvimento de suas crianças. Nesse sentido, como assinala Padilha (2001), desconhecem a forma com a qual os educandos lidam com suas dificuldades, como superam suas deficiências, como utilizam suas forças, como, portanto, organizam seus processos psicológicos na relação constitutiva, constante com os espaços sociais que Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas elas próprias também constituem. E, ao distanciar-se dessa reflexão, a escola deixa de reconhecer seu papel na saúde psicológica da instituição. Trata-se, portanto, de um trabalho mais amplo: a inclusão das subjetividades dos espaços educativos, a inclusão dos educadores no processo de conhecimento de si mesmos, de reflexão e construção de políticas públicas em direção a uma sociedade “re-humanizada”, em que a Educação seja um processo contínuo de desenvolvimento da autonomia, sim, mas a autonomia construída e constituída através e na possibilidade da “com-vivência”. Referências Barbosa, S., & Cupolillo, M. V. (2004). A gênese e os significados dos processos de inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais nas classes comuns da rede regular e ensino. Em M. V. Cupolillo & A. O. B. Costa (Eds.), A psicologia em Diálogo com a Educação (pp. 51-81). Goiânia: Alternativa. Estebán, M. T. (2001). O Que Sabe Quem Erra? Reflexões Sobre Avaliação e Fracasso Escolar. Rio de Janeiro: DP&A. Goffman, E. (1975). Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar. González-Rey, F. L. (2002). Pesquisa Qualitativa: Caminhos e Desafios. São Paulo: Thomsom Pioneira. González-Rey, F. L. (2003). Sujeito e Subjetividade. São Paulo: Pioneira Thomsom Learning. González-Rey, F. L. (2004). O Social na Psicologia e a Psicologia Social. Petrópolis: Vozes. Padilha, A. M. L. (2001). Práticas Pedagógicas na Educação Especial: a capacidade de significar o mundo e a inserção cultural do deficiente mental. Campinas: Autores Associados. Soares, M. (1987). Linguagem e Escola: Uma Perspectiva Social. São Paulo: Ática. Werner, J. (2000). Saúde e Educação. Rio de Janeiro: Graphus. Vygotski, L. S. (1993). Obras Escorgidas II. Conferencias sobre Psicologia (incluye Pensamiento y Lenguaje). Madrid: Visor Distribuiciones S.A. Recebido: 25/04/2007 Revisado: 30/10/2007 Aprovado: 17/12/2007 Sobre as autoras Mercedes Villa Cupolillo ([email protected]) - Centro Universitário da Zona Oeste; Faculdades Paraíso- RJ Rua Miguel de Frias, 214 apto 303, Icaraí, Niterói - Rio de Janeiro - RJ Cep: 24220-004 Ana Beatriz Machado de Freitas ([email protected]) - Associação de Pais e Amigos de Excepcionais - Goiânia Avenida Tocantins, 251 apto 303, Setor Central, Goiânia - GO Cep: 74015-010 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 379-389 389 Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos Softwares educacionais: instrumentos psicológicos Cristiano Mauro Assis Gomes Resumo O texto defende o pressuposto de que os softwares educacionais podem ser modelados de modo a se tornarem instrumentos potenciais de alteração do fluxo de desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Em conjunto a esse pressuposto há o argumento de que os softwares educacionais, com o objetivo de alterar o desenvolvimento dos estudantes devem ser instrumentos psicológicos. Três “grandes ondas” descrevem e demarcam diferentes relações entre a educação e os softwares educativos. Para análise dessas relações, artigos de revistas internacionais em ensino de ciências foram coletados, na medida em que tradicionalmente o ensino de ciências tem apresentado importantes inovações nessa área. O texto conclui seus argumentos salientando a função dos softwares educacionais na construção do pensamento dos alunos. Concomitantemente destaca o papel dos softwares no desenvolvimento cognitivo e profissional dos professores. Palavras-chave: desenvolvimento cognitivo; aprendizagem, medida. Educational software can be psychological tools Abstract The text defends that educational software can be fashioned in order to become potential instruments of alteration on the students’ cognitive development course.The educational software has the objective of modifying the development of the students and must be psychological tools. Three “great waves” describe different relationships between the education and educational software. To analyze these relationships, they had collected articles from the international journals in sciences education for the reason that traditionally the education of sciences has presented important innovations in this area. The text concludes its arguments pointing out the function of educational software in the construction of the students’ thought. At the same time it detaches the role of software in the teacher’s cognitive and professional development. Keywords: cognitive development; learning; measurement. Softwares educacionales pueden ser instrumentos psicológicos Resumen El texto defiende el presupuesto de que los softwares educacionales pueden ser modelados de forma a tornarse instrumentos potenciales de alteración del flujo de desarrollo cognitivo de los estudiantes. Junto a ese presupuesto está el argumento de que los softwares educacionales, con el objetivo de alterar el desarrollo de los estudiantes, tienen que ser instrumentos psicológicos. Son descriptas tres “grandes olas” que marcan diferentes relaciones entre la educación y los softwares educativos. Para el análisis de esas relaciones fueron cosechados artículos de revistas internacionales en enseñanza de ciencias, una vez que tradicionalmente la enseñanza de ciencias ha presentado importantes innovaciones para el área. El texto concluye sus argumentos destacando la función de los softwares educacionales en la construcción del pensamiento de los alumnos. Junto a eso también se destaca el papel de los softwares en el desarrollo cognitivo y profesional de los profesores. Palabras clave: desarrollo cognitivo; aprendizaje, medida. 391 Educação e informática: uma relação de múltiplas facetas Desde o início da década de 1970, o computador tem sido utilizado por vários países como um instrumento para o desenvolvimento e a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem. Diversos softwares foram produzidos no intuito de estabelecer tecnologias de ensino-aprendizagem e essa produção passou a ser denominada na literatura internacional de CbEs – Computer-based Education (Cotton, 1991). Analisando esse cenário, pode-se dizer que o campo tem passado por transformações significativas ao longo do tempo, no que tange às relações constituídas entre a educação e a informática, assim como à construção e o uso dos softwares educacionais (Berger, Lu, Belzer & Voss, 1994). Duas extensas meta-análises realizadas por Berger e colaboradores (1994) e por De Jong e Van Joolingen (1998) apresentam evidências a respeito da ocorrência dessas transformações. Enquanto a meta-análise de Berger e colaboradores (1994) enfocou as principais pesquisas internacionais que tinham como objeto de investigação a confecção e utilização de softwares educacionais nos anos de 1970 e 1980, no campo do ensino de ciências, a metaanálise de De Jong e Van Joolingen (1998) analisou essa mesma temática entre os anos de 1980 e 1990. As evidências de Berger e colaboradores (1994) mostram que nos anos de 1970 havia uma primazia de softwares com princípios comportamentais e positivistas e que essa predominância foi alterada substancialmente nos anos de 1980 para a produção e o uso de softwares educacionais voltados para a construção do conhecimento e a alteração dos esquemas mentais. Segundo os autores, essa mudança profunda foi gerada porque uma nova perspectiva educacional foi inaugurada, subsidiando uma articulação entre a educação e a informática bem diferente da anterior. De Jong e Van Joolingen (1998), por sua vez, encontraram transformações também muito relevantes entre os anos de 1980 e 1990 e apontaram para uma nova relação entre a educação e a informática que passou a determinar a construção e o uso de softwares como meios simbólicos, voltados a propiciar aos estudantes uma assimilação mais efetiva das estruturas cognitivas sociais encontradas nos conteúdos escolares e uma interação 392 sujeito-objeto de maior qualidade. Semelhante ao período anterior, uma nova perspectiva educacional subsidiou essa mudança. Neste texto, três grandes tendências que articulam a relação entre o uso dos softwares educacionais, a informática e o campo da educação serão discutidas. Discuti-las será útil porque a última delas abre possibilidades reais e efetivas para o pressuposto defendido neste texto: o de que os softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos. Ao mesmo tempo, a apresentação dessas diferentes perspectivas situará um conjunto variado de possibilidades sobre a interação entre a educação e a informática. Descrevendo essas tendências, a primeira “grande onda” surgiu no início da década de 1970. Nesse período, a informática e o computador tinham como função educacional servir como instrumento precioso na transmissão clara e precisa das informações presentes nos conteúdos curriculares escolares. Além da transmissão, os softwares educacionais deveriam oferecer ambientes com tarefas de fixação e reforço da aprendizagem para alterar o comportamento dos estudantes (Whithaus, 2004). Essa tendência foi muito forte a ponto de influenciar a quase totalidade das pesquisas internacionais a respeito do papel educacional dos softwares (Berger e cols., 1994). A maior parte dos estudos nos anos de 1970 centrou seu foco nos efeitos ocasionados pelos CbEs sobre a aprendizagem dos estudantes, através da análise da quantidade da informação adquirida versus o tempo de aquisição da informação. A partir dessa primeira conexão entre a informática e a educação nasceram os softwares de Instrução Assistida por Computador, os CAIs (Computer-Assisted Instruction). Nos anos de 1970, os CAIs se estruturaram na concepção de que uma informação precisa e sem ruídos garantiria uma aprendizagem melhor. As unidades de cada conteúdo eram expostas ao estudante em pequenas porções de informação, seguidas por um conjunto de exercícios ou atividades capazes de modelar os comportamentos emitidos pelos alunos, em função do princípio da aquisição seqüencial e gradativa do conteúdo assim como da repetição da transmissão. Novas unidades eram transmitidas quando o aluno demonstrava um conjun- Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos • Cristiano Mauro Assis Gomes to mínimo de respostas adequadas de fixação das informações e execução dos problemas (Cotton, 1991; Karlgren, 2006). Apesar do vigor apresentado no início dos anos de 1970, a primeira “onda” cedeu lugar a uma segunda “grande onda” que demarcou uma nova forma de vinculação entre a informática e a educação. Essa nova tendência foi marcada pelo princípio educacional construtivista da aprendizagem por descoberta (Sjøberg, 2007; Vasconcelos, Praia & Almeida, 2003) e que tinha como um de seus focos principais a interação sujeito-objeto e a elaboração de ambientes capazes de oferecer o maior grau de liberdade ao sujeito nessa interação. No campo do ensino de ciências, a maior parte das pesquisas nos anos de 1980 sobre o uso do computador passou a avaliar o papel dos softwares nas interações espontâneas dos estudantes com os objetos de conhecimento presentes nos ambientes virtuais dos softwares. Esses estudos passaram a analisar como as interações espontâneas e os conflitos cognitivos propiciados por elas ou induzidos pelo professor poderiam alterar as concepções prévias dos alunos e gerar novo conhecimento (De Jong & Van Joolingen, 1998). Um dos postulados educacionais mais fortes da segunda onda é encontrado na concepção de que a construção do conhecimento poderia ser garantida a partir de ambientes virtuais ricos capazes de permitir ao sujeito tanto uma interação livre com os objetos de conhecimento, como a possibilidade de vivenciar conflitos cognitivos que desestabilizassem os seus esquemas de conhecimento prévios de modo a gerar novos conhecimentos. O modelo construtivista de ensino que subsidiou a segunda onda defendia a concepção de que a interação sujeito-objeto e a formação de conflitos cognitivos seriam capazes de promover a construção do conhecimento e uma aprendizagem efetiva por parte dos estudantes. Schur (1997) argumenta que esse modelo surgiu inicialmente para a comunidade internacional através de um artigo seminal de Driver e Easley (1978). A partir desse período, o campo do ensino de ciências, influenciando a educação escolar de uma maneira mais geral, voltou-se para observar e alterar os esquemas mentais de conhecimentos específicos dos alunos, elabo- rados a partir da interação sujeito-objeto. As estratégias pedagógicas dessa época centravam-se no objetivo de alterar os esquemas de conhecimento dos estudantes através da geração de conflitos cognitivos. Acreditava-se que os conflitos cognitivos teriam o poder de desestabilizar os esquemas mentais prévios dos estudantes e, concomitantemente, propiciar espaço para que novos esquemas pudessem ser construídos. Nesse contexto, em essência o professor deveria ser um provocador de conflitos cognitivos e, os softwares, por conseqüência, deveriam ajudar nessa missão. Experimentações Simuladas por Computador (CSEs – Computer-Simulated Experimentation) e Laboratórios baseados em Microcomputador (MbLs – Microcomputer-based Laboratories) foram produtos dessa proposta educacional, indicando respectivamente ambientes que simulam experimentações e favorecem a aquisição de conhecimentos declarativos e procedimentais de pesquisa e experimentação, assim como ambientes que simulam materiais, ferramentas e procedimentos presentes em um ambiente de laboratório (Kubicek, 2005), ambos favorecendo a interação sujeito-objeto. Apesar do caráter inovador trazido pela segunda “grande onda”, ela passou a ser alvo de críticas sistematizadas e de amplo alcance a partir da década de 1990, justamente por valorizar excessivamente os processos de interação individual do estudante com os objetos de conhecimento e apostar demasiadamente na capacidade do conflito cognitivo. Boa parte das críticas à segunda onda baseou-se no argumento de que a aprendizagem por descoberta, levada aos seus extremos, ocasionou uma série de empecilhos e lacunas na condução pedagógica do processo de aprendizagem. A meta-análise de De Jong e Van Joolingen (1998), já abordada neste texto, mostrou evidências de que boa parte das interações sujeito-objeto alcançadas em vários softwares educacionais da segunda onda não possuía uma qualidade minimamente aceitável. Segundo os autores, o problema encontrado não se referia à qualidade dos softwares, em termos de sua adequação à proposta educacional vigente da época. Ao contrário, eles atendiam aos princípios estabelecidos. Uma das conclusões elaboradas pelo Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 391-401 393 estudo afirmava que os ambientes virtuais que se concentravam exclusivamente em oferecer possibilidades ricas de interação sujeito-objeto não eram capazes de gerar uma aprendizagem de qualidade nos alunos. Outra conclusão afirmava que os conflitos cognitivos não eram facilmente gerados nesse tipo de ambiente. Por sua vez, quando eram gerados, normalmente eles apenas desestabilizavam os esquemas mentais dos estudantes sem propiciar a construção de conhecimentos epistemologicamente superiores aos esquemas prévios. Para sustentar suas conclusões, os autores apresentaram vários problemas encontrados pelos alunos em suas interações com ambientes virtuais de aprendizagem de caráter construtivista que apresentavam um forte potencial para gerar interações ricas entre o sujeito e o objeto e, por conseqüência, conflitos cognitivos. O primeiro problema citado pelos autores envolvia o desenvolvimento do pensamento científico e a forte limitação dos estudantes em gerar hipóteses. Analisando extensos relatos de pesquisas, os autores verificaram que os estudantes que interagiam com ambientes de experimentação sem nenhum cerceamento, tutoria ou dicas, mostravam dificuldades em gerar hipóteses. Boa parte dos estudantes apresentava consideráveis dificuldades em estabelecer relações entre as variáveis dos ambientes virtuais assim como em relacionar a teoria com os dados observados em ambientes simulados. Em algumas situações, os estudantes construíam hipóteses rígidas e não as alteravam mesmo a partir de informações contrárias fornecidas pelas experimentações realizadas nos softwares. Os alunos também apresentavam problemas em construir desenhos experimentais. Eles elaboravam experimentos considerando apenas variáveis que poderiam comprovar as suas hipóteses iniciais, não planejavam e articulavam os elementos importantes para uma exploração do ambiente simulado, de forma que o desenho experimental não possuía relação com as variáveis contidas nas hipóteses, o que invalidava a experimentação. Outro aspecto que mostrava severas lacunas na interação entre os alunos e os objetos de conhecimento envolvia a interpretação de dados. Os estudantes apresentavam uma interpretação errônea dos dados provenientes 394 dos experimentos realizados em ambientes simulados com uma dificuldade pronunciada na área da interpretação de gráficos. No entanto, o problema mais grave identificado foi a dificuldade dos estudantes em regular a sua própria aprendizagem. Em geral, os estudantes com baixo desempenho escolar apresentavam importantes limitações no monitoramento de suas próprias ações, indicando uma dificuldade na maneira de interagir com os objetos de conhecimento dos ambientes virtuais. Na medida em que esses ambientes ou o professor não atuavam na forma como o aluno poderia elaborar estratégias para monitorar a sua própria aprendizagem, boa parte dos estudantes permanecia no mesmo lugar, ou seja, não alterava seus processos metacognitivos de interação com os objetos de conhecimento. Um dos motivos centrais que ocupou a crítica à segunda onda envolveu, pois, a desconfiança de que o processo educativo deveria se centrar na interação entre o sujeito e o objeto e no conflito cognitivo como propulsores fundamentais da construção do conhecimento. Pesquisadores como Schur (1997), Solomon (1994), Feuerstein, Rand e Rynders (1988), entre vários outros, passaram a argumentar claramente que ambientes extremamente ricos necessitavam ser desvendados e desbravados, pois careciam de uma interação mais sofisticada a qual a maior parte dos alunos não estava preparada, se deixada por conta própria, ou se provocada exclusivamente através de conflitos cognitivos gerados pelo ambiente virtual ou pelo professor. Essa crítica implicava que a interação sujeito-objeto deveria ser subsidiada ou complementada por outras estratégias pedagógicas e não apenas pelo princípio do ambiente rico e do conflito cognitivo. Mediações entre o sujeito e o objeto precisariam ser empregadas para que o estudante pudesse alterar de fato seus esquemas mentais prévios e viesse a construir novos conhecimentos em níveis epistemologicamente mais sofisticados. A crítica à segunda onda gerou a terceira grande onda, acrescentando-se um novo vínculo entre a informática e a educação. Segundo De Jong e Van Joolingen (1998), esse novo vínculo passou a determinar nos anos de 1990 a agenda principal das pesquisas internacionais do ensino de ciências sobre o papel da Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos • Cristiano Mauro Assis Gomes informática e dos softwares, envolvendo tanto a análise dos ambientes virtuais, em termos de sua riqueza para a interação sujeito-objeto (preocupação da segunda onda), como os processos mediacionais necessários para que a interação sujeito-objeto pudesse ser ampliada de forma a gerar conhecimento de qualidade (preocupação acrescentada pela terceira onda). A próxima seção tratará especificamente das características principais da terceira onda, assim como também abordará o argumento principal defendido neste texto: o de que softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos. Softwares Educacionais podem ser Instrumentos Psicológicos A terceira onda pretende que o computador e os softwares educacionais sejam capazes de provocar mudanças na qualidade da interação sujeito-objeto. A perspectiva educacional que subsidia essa nova onda parte do princípio de que as interações sujeito-objeto podem ser alteradas substancialmente quando é alterada concomitantemente a capacidade de pensar do aluno, seja através de intervenções pedagógicas em suas formas de raciocinar, representar, elaborar estratégias, etc (Kozma, 1991). Há um conjunto de postulados comuns na terceira onda que podem ser descritos da seguinte maneira (Salomon, Perkins & Globerson, 1991): 1. Os ambientes virtuais têm o potencial de permitir ao estudante pensar em um nível superior ao que ele é capaz de forma espontânea, alterando progressivamente suas estruturas cognitivas. 2. As habilidades cognitivas e as estratégias de pensamento fomentadas em ambientes virtuais digitais podem ser generalizadas para situações e eventos gerais, o que sugere ser o computador um potente instrumento para o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem. 3. Os ambientes virtuais podem desenvolver nos estudantes uma prontidão para a análise do seu próprio pensamento, impulsionando a metacognição e a construção de uma aprendizagem profunda. Esses pontos reúnem vários pesquisadores (Bliss & Ogborn, 1992; Courtois, 1992; Hron, 1992; Jonassen, 1996; Mandl & Hron, 1992; Nirmalakhandan, 2007; Tisseau, 1992) em um universo comum: o de que os softwares podem ser modelados para atuarem como ferramentas na reestruturação do pensamento de maneira que novas formas de interação entre o sujeito e o objeto sejam possíveis. Corroborando essa tese, Mayes (1992) e Jonassen (1992), integrantes dessa proposta, sustentam que qualquer software pode tornar-se um instrumento cognitivo, se puder: 1. Ter um grau de extensão frente aos processos cognitivos humanos, independentemente se foi inicialmente criado para isso ou não. 2. Fomentar ações cognitivas gerais. 3. Assistir o processo de pensamento do aluno. 4. Agir como instrumento que facilite e engaje o estudante em um processamento significativo da informação através da construção do conhecimento. A preocupação com a re-estruturação do pensamento e a noção de que os softwares podem ser meios simbólicos capazes de modificar as formas de interação dos sujeitos com os objetos de conhecimento abre margem para que se possa relacionar teoricamente essa posição junto ao conceito de instrumento psicológico de Vygotsky (Vygotsky; 1978, 1986, 1987; Wertsch, 1985; Zinchenko, 1985). Conforme destaca Kozulin (1999), o pensamento vygotskiano foi fortemente influenciado pelo pensamento de Janet de que as funções mentais superiores ocorrem primeiro no plano intersubjetivo das interações sociais para depois serem interiorizadas e construídas internamente no plano intra-subjetivo. As análises de Kozulin (1999) indicam que a influência do postulado de Janet ajudou Vygotsky a elaborar novos argumentos a respeito do papel dos meios simbólicos culturais na formação das estruturas cognitivas individuais (Kozulin, 1999). Um desses argumentos enfatizava que as estruturas cognitivas sociais deveriam ser assimiladas pelo sujeito para que novas estruturas cognitivas individuais pudessem ser geradas e o sujeito pudesse atingir novos níveis em seu desenvolvimento mental. Kozulin (2000) demonstra que o conceito vygotskiano de instrumento psicológico envolve o problema da assimilação das estruturas soci- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 391-401 395 ais de pensamento por parte do sujeito. Em termos processuais, um instrumento psicológico é gerado quando o sujeito é capaz de assimilar os processos fundamentais presentes em um meio simbólico da cultura, elaborando internamente uma nova ferramenta mental capaz de lhe oferecer novos níveis de pensamento e análise da realidade (Kozulin, 2000). Um argumento forte da terceira onda defende a interação entre a educação e a informática como uma oportunidade para a geração de novas formas de pensamento através da construção mediada do conhecimento. Em suma, nessa visão o pensamento deve ser mais deliberadamente construído, impulsionado e alterado por intervenções educacionais bem direcionadas e focadas. Essa posição educacional possui fortes relações com os conceitos de meios simbólicos e instrumentos psicológicos de Vygotsky, na medida em que há uma crença comum nessas posições de que determinados agentes sociais externos podem alterar profundamente a capacidade de pensar do ser humana, de suas estruturas internas, sua autonomia cognitiva e, por conseqüência, a sua capacidade para interagir com os objetos de conhecimento. Enquanto a segunda seção deste texto tratou da terceira onda e do princípio de que softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos, a terceira seção expande o argumento principal deste texto e acrescenta que softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos tanto para alunos como para professores. Softwares Educacionais podem ser Instrumentos Psicológicos tanto para Alunos como para Professores Para Vygotsky (1987), a capacidade de pensar de uma pessoa é produto do modo como ela adquire os meios simbólicos de sua cultura. O pensamento é alterado em nível estrutural através da interiorização de novos meios simbólicos. Na medida em que os meios simbólicos tornam-se interiorizados e dominados por um indivíduo, o pensamento se altera, novos componentes cognitivos são gerados, assim como novas formas de representação e de interação com os objetos de conhecimento. É nesse sentido que surge um novo instrumento psicológico. Apesar do 396 alto grau de possibilidades oferecidas pelos meios simbólicos, na realidade o processo de incorporação desses meios não é um fenômeno simples (Kozulin, 2000). Roth (1995) encontrou evidências de que os alunos possuem considerável dificuldade em assimilar os meios simbólicos presentes nos conteúdos curriculares escolares, o que dificulta a produção de significados e o desenvolvimento de novas estruturas cognitivas. Essas evidências são corroboradas por vários pesquisadores de modo a indicar um fenômeno generalizado (Andaloro, Bellomonte & SperandeoMineo, 1997; Beichner, 1994; Thornton & Sokoloff, 1990). Ao que sugerem certas pesquisas (Kozulin, 2000), a condução do processo de assimilação das estruturas sociais de pensamento presentes nos conteúdos curriculares escolares e a transformação dos meios simbólicos em instrumentos psicológicos é um processo trabalhoso que demanda muito engajamento e know-how profissional por parte do professor, envolve materiais didáticos específicos para essa finalidade e requer métodos pedagógicos sofisticados. Levando em consideração essas dificuldades, certos softwares educativos podem ser entendidos como oportunidades profissionais. Explicando o que isso quer dizer, argumento que alguns softwares educacionais podem ajudar o professor a desenvolver a sua capacidade de ser um mediador mais incisivo na capacidade de pensar e na constituição efetiva de instrumentos psicológicos em seus alunos. Ampliando o argumento, certos softwares educacionais podem atuar como ferramentas que se acoplam de forma imbricada na ação docente de mediação junto ao aluno, abrindo potenciais para uma alteração significativa na atuação profissional docente. Hatley (2007), por exemplo, mostra que os melhores resultados pedagógicos têm sido provocados quando professor e computador formam uma interação rica e de auxílio, a qual eu preferia chamar e entender como uma interação imbricada. Mas o que seria essa interação imbricada? É possível que o estudo de Doerr (1997) ajude na explicação desse conceito. Doerr (1997) mostra que certos ambientes simulados imprimem a oportunidade de aulas diferenciadas, capazes de provocar processos cognitivos de Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos • Cristiano Mauro Assis Gomes alto nível. Essas aulas demandam aos alunos, entre outras coisas: 1. Elaborar e testar hipóteses alternativas, pondo em prática seus modelos. 2. Operar sobre vários níveis de variáveis, analisando seus efeitos dentro de um sistema qualquer. 3. Construir uma variedade de representações sobre quaisquer fenômenos estudados, utilizando diversas modalidades de linguagem e níveis de abstração. 4. Modelar e experimentar eventos demasiadamente lentos ou rápidos, muito caros, complexos ou perigosos, mudando escalas, valores etc (Schroeder & Moore, 1993). O aspecto mais interessante do estudo de Doerr (1997) não se refere exclusivamente ao papel dos softwares junto ao desenvolvimento cognitivo dos alunos. Seu estudo possibilita a especulação teórica de que os softwares educacionais podem penetrar intensamente na maneira do professor dar aula, mobilizar suas estratégias e ações docentes de modo a criar o que estou chamando de interação imbricada, em que o software passa a não ser apenas uma extensão da ação do professor para provocar a aprendizagem do aluno, mas modifica a sua própria ação. Esse contexto, evidentemente, é diferente do uso do computador em separado, pois o professor dá a sua aula e usa “em anexo” um software, seja para transmitir alguma informação, expor um conteúdo etc. Juntando os estudos de Doerr (1997), o argumento de que os softwares podem ser instrumentos para o desenvolvimento profissional do professor e o argumento ampliado de que é possível uma interação imbricada entre o professor e certos softwares, é possível construir um novo argumento, o de que os softwares podem ser instrumentos cognitivos para o próprio professor. No entanto, essa situação é condicionada a situações em que os softwares interferem diretamente na maneira do professor de atuar e trabalhar, alterando o seu fluxo de produção e criação. Por exemplo, teoricamente, um professor pode desenvolver a sua capacidade de ensinar aos alunos como construir várias formas de representar e organizar mentalmente os conceitos de um campo de conhecimento através de ambientes virtuais elaborados especificamente para gerar diferentes modalidades e níveis de representação da realidade. Em uma interação imbricada com o software, o professor pode elaborar aulas em que os alunos aprendam a identificar e construir diferentes representações sobre um mesmo fenômeno. O mais significativo disso, e aí reside o argumento teórico defendido, é que nessa interação imbricada em que o professor ensina os seus alunos a representar, ele pode desenvolver tanto a sua competência profissional de alterar a capacidade de pensar dos estudantes como a sua própria capacidade de representar fenômenos. Ao trabalhar intimamente com meios simbólicos nos softwares elaborados para provocar o pensamento do aluno não é pouco provável que o próprio professor tenha seu pensamento provocado. Jonassen (1996) apresenta os softwares como instrumentos da mente (MindTools), termo cunhado por ele para dizer sobre o potencial do computador e dos softwares em alterar estruturas e padrões cognitivos das pessoas. Aproveitando o termo de Jonassen (1996), argumento de usar softwares de forma imbricada e como instrumentos da mente, o professor tem a chance de desenvolver as suas estruturas cognitivas. Nesse contexto, não somente os estudantes têm as suas mentes provocadas e transformadas. Isso é o que se espera quando se argumenta que alguns softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos tanto para os alunos como para os professores. Ao usar uma ferramenta cognitiva como meio de ensino que visa à transformação cognitiva do aluno, o professor tem grande chance como mediador humano de ser impulsionado cognitivamente (Kozulin, 2000). Ao buscar transformar, o agente da transformação pode ser transformado. Conclusões A cada nova ferramenta de pensamento, novas formas de interpretar e relacionar a realidade são disponibilizadas, abrindo potenciais latentes de novos fluxos de desenvolvimento e de aprendizagem. Os meios simbólicos presentes nos softwares educacio- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 391-401 397 nais são elementos potenciais de mudança dos indivíduos. No entanto, nada disso é possível sem a atuação do agente humano, ou seja, do professor como mediador entre os meios simbólicos e o indivíduo. Na medida em que os meios simbólicos são modulados, agenciados e reconstruídos nas interações sociais, determinadas interações sociais se fazem mais significativas e centrais na aquisição dos meios simbólicos pelos estudantes (Kozulin, 2000). Pode-se afirmar que nem toda interação social é capaz de provocar efeitos cognitivos significativos. Não basta colocar os alunos para interagirem consigo próprios e com os ambientes dos softwares para que a aprendizagem e a construção do conhecimento desponte. Nesse sentido, o papel do professor é central. No entanto, determinados softwares disponibilizam elementos que confluem para uma potencialização na alteração do desenvolvimento cognitivo dos estudantes e na ampliação de sua capacidade de aprendizagem. Ao mesmo tempo em que o professor é agente e mediador fundamental da construção do estudante, as estruturas cognitivas do professor podem ser transformadas pelos materiais e pelos meios simbólicos que ele utiliza em seu processo de mediação junto ao estudante. Há evidências obtidas a partir de programas psico-educativos, voltados ao desenvolvimento cognitivo, de que a estrutura cognitiva dos aplicadores dos programas pode ser alterada, de modo que os efeitos de uma intervenção cognitiva não se situam apenas junto ao público-alvo imediato, os aplicandos (Feuerstein e cols., 1980). Ao contrário, ocorrem implicações cognitivas relevantes aos aplicadores. Quando as ações dos aplicadores estão imbricadas às ferramentas cognitivas utilizadas por eles mesmos, há uma tendência deles serem mobilizados e vivenciarem uma alteração cognitiva estrutural (Kozulin, 2000). Muitas vezes, o que está em jogo para o aluno é a aprendizagem de um determinado conteúdo. Por outro lado, o que está em jogo para o professor é a competência que o habilita a atuar diretamente no fluxo de desenvolvimento de seu aluno, de modo a propiciar uma ampliação na capacidade de aprendizagem e, por conseqüência, uma melhor aprendizagem dos conteúdos escolares. Ambas as situações podem ser 398 mobilizadas através de bons softwares concebidos a partir da terceira onda. O que é defendido nesse texto não é novidade para muitos professores que desejam que a sua prática educativa seja um meio capaz de alterar a forma de pensar dos alunos. Muitos desses professores sabem que o maior desafio se encontra na dificuldade em fazer com que o aluno se aproprie das ferramentas de pensamento, dos meios simbólicos presentes nos conteúdos curriculares escolares. Essa distância, na medida em que é rompida, tem como elemento fundamental o papel do professor como mediador que intencionalmente provoca uma aproximação dos meios simbólicos e catalisa a construção de instrumentos psicológicos. No entanto, ao utilizar materiais ricos, tais como certos softwares educacionais, é possível que o professor transforme o seu aluno, assim como se transforme, gerando uma nova forma de ensinar e uma nova forma de provocar o seu aluno a aprender. E dentro desse processo, é provável que o professor também tenha suas estruturas cognitivas transformadas, de modo que o ato educativo inicialmente centrado do professor para o aluno volte para o próprio professor, em uma relação de desenvolvimento para ambos. Ao lançar a questão dos softwares educacionais como instrumentos psicológicos, este texto tratou um ponto considerado crucial. Softwares educacionais são meios simbólicos que, se bem modelados, podem se tornar instrumentos psicológicos, ou seja, ferramentas de pensamento geradoras de novos níveis cognitivos, tanto para os alunos como para os professores. Concomitantemente, softwares educacionais são meios simbólicos que trazem estruturas cognitivas sociais que podem ser favoráveis ou desfavoráveis à formação da prática docente na função de desenvolvimento do estudante. Esse texto defendeu o argumento de que a terceira grande onda trouxe novidades importantes e um caminho mais propício ao uso dos softwares educativos. Através dessa nova tendência tem se tornado possível avaliar os softwares educacionais como estruturas sociais de pensamento capazes de disponibilizar potenciais de formação e transformação humana. Essa é uma visão mais sofisticada do papel dos softwares educacionais e vai muito além do Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos • Cristiano Mauro Assis Gomes uso banal do computador como um meio de meramente atrair a atenção dos alunos ou fazer com que eles não saiam de aula, não percam o interesse etc. Tratar os softwares educacionais como instrumentos psicológicos implica em comprometer-se, não somente incentivar o desenvolvimento dos estudantes, mas também em construir maneiras de alterar deliberadamente esse caminho, ou seja, de modificar intencionalmente o fluxo de desenvolvimento cognitivo dos alunos. Talvez uma limitação possível da terceira onda seja a viabilidade de tal proposta. Dúvidas podem surgir a respeito da capacidade da educação escolar em alterar diretamente as estruturas cognitivas dos estudantes e ampliar a sua capacidade de aprendizagem. Afinal, pode-se defender a idéia de que as estruturas cognitivas e a capacidade de aprendizagem são exclusivamente geradas e modificadas profundamente apenas na própria cultura e nas relações sociais em que o sujeito está inserido, e não através de intervenções pedagógicas feitas diretamente pela escola. No entanto, há evidências consideráveis de que é possível alcançar esse objetivo através de materiais e recursos didáticos bem elaborados e estratégias bem delimitadas no campo da mediação fornecida pelo professor (Adey, 1997, 1999, 2003; Adey & Shayer, 1994, 1997; Kozulin, 1997, 2000; Kozulin & Rand, 2000; Shayer & Beasley, 1987). Por haver pesquisas que mostram a viabilidade dessa proposta, potencializa a elaboração de questões. De fato, ainda não se sabe muito bem como os softwares podem ou devem ser usados para que eles sejam ferramentas cognitivas para o aluno e para o professor no momento da sala de aula. Essa condição é mantida principalmente porque não se tem conhecimento, efetivamente, como os meios simbólicos se articulam com os instrumentos psicológicos. Não se sabe, por exemplo, se os instrumentos psicológicos são traduções diretas dos meios simbólicos sociais ou, ao contrário, se são construções internas específicas, em que os meios simbólicos têm um papel apenas indireto de provocação. Para complementar a questão dessa temática não se conhece ainda quais são as variáveis que efetivamente intervém na dinâmica entre os meios simbólicos e os instrumentos psicológicos. Kozulin (2000) aposta no fator mediacional humano como a variável mais importante de interferência. Entretanto, faltam pesquisas capazes de encontrar evidências sobre essa aposta. Outra questão importante, e que remete a um argumento debatido neste texto, envolve o estudo da interação entre o professor e o software educacional. É muito provável que a maioria das interações entre os professores e os softwares não seja capaz de gerar acoplamentos no sentido defendido neste texto. Compreender as relações e as situações emergentes que possibilitam a interação imbricada é um empreendimento relevante dentro da temática aqui defendida. Em suma, todas essas questões levantadas, assim como outras possíveis apontam para uma agenda de pesquisa capaz de analisar e compreender, em termos teóricos e de evidências, o pressuposto de que os softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos, tanto para alunos como para professores. Referências Adey, P. (1997). It all depends on the context, doesn’t it? Searching for general, educable dragons. Studies in Science Education, 29, 45-92. Adey, P. (1999). The science of thinking, and science for thinking: a description of Cognitive Acceleration through Science Education (CASE). Geneva: UNESCO, International Bureau of Education. Adey, P. (2003). Changing Minds. Disponível: http:// w w w. k c l . a c . u k / d e p s t a / e d u c a t i o n / p u b l i c a t i o n s / changing_minds.doc.pdf. Recuperado: 30 jul. 2003. Adey, P., & Shayer, M. (1994). Really raising standards: cognitive intervention and academic achievement. London: Routledge. Adey, P., & Shayer, M. (1997). Aceleración cognitiva por la enseñanza de las ciencias: CASE (Cognitive Acceleration in Science Education). Em: Es modificable la inteligencia? (pp. 157170). Madrid: Bruño. Andaloro, G., Bellomonte, L., & Sperandeo-Mineo, R. M. (1997). A computer-based learning environment in the field of Newtonian mechanics. International Journal of Science Education, 19, 661-680. Beichner, R. (1994). Testing student interpretation of kinematics graphs. American Journal of Physics, 62, 750-762. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 391-401 399 Berger, C. F., Lu, C. R., Belzer, S. J., & Voss, B. E. (1994). Research on the uses of technology in science education. Em D. L. Gabel (Ed.), Handbook on research on science teaching and learning (pp. 466-490). New York: Macmillan. Bliss, J., & Ogborn, J. (1992). Steps towards the formalisation of a psycho-logic of motion. Em A. Tiberghien & H. Mandl (Orgs.), Intelligent learning environments and knowledge acquisition in physics (pp. 65-90). New York: Springer-Verlag. Courtois, J. (1992). Practical work aid: knowledge representation in a model based AI System. Em A. Tiberghien & H. Mandl, Intelligent learning environments and knowledge acquisition in physics (pp. 21-34). New York: Springer-Verlag. Cotton, K. (1991). Computer-Assisted Instruction. School Improvement Research Series (SIRS). [On-line]. Disponível: http://www.nwrel.org/ scpd/sirs/5/cu10.html. Recuperado: 10 dez. 2007. De Jong, T., & Van Joolingen, W. R. (1998). Scientific discovery learning with computer simulations of conceptual domains. Review of Educational Research, 68, 179-202. Doerr, H. M. (1997). Experiment, simulation and analysis: an integrated instructional approach to the concept of force. International Journal of Science Education, 19(3), 265-282. Driver, R., & Easley, J. (1978). Pupils and paradigms: a review of literature related to concept development in adolescent science students. Studies in Science Education, 5, 61-84. Feuerstein, R., Rand, Y., Hoffman, M. B., & Miller, R. (1980). Instrumental Enrichment: an intervention program for cognitive modifiability. Glenview (Illinois): Scott, Foresman and Company. Feuerstein, R., Rand, Y., & Rynders, J. E. (1988). Don’t accept me as I am: helping ‘retarded’ people to excel. New York: Plenum. Hartley, J. (2007). Teaching, learning and new technology: a review for teachers. British Journal of Educational Technology, 38(1), 42-62. Hron, A. (1992). Simultaneos processing of different problem aspects in expert problem solving: an analysis in the domain of physics on the basis of formal theories of commonsense knowledge. Em A. Tiberghien & H. Mandl (Orgs.), Intelligent learning environments and knowledge acquisition in physics (pp. 35-46). New York: Springer-Verlag. Jonassen, D. H. (1992). What are cognitive tools? Em H. J. David (Ed.), Cognitive tools for learning (pp. 1-6). New York: Springer-Verlag. Jonassen, D. H. (1996). MindTools: computers in the classroom: MindTools for critical thinking. New Jersey: Englwood Cliffs. 400 Karlgren, K. (2006). E-learning acronyms. [On-line]. Disponível: http://people.dsv.su.se/~klas/Learn/index.html. Recuperado: 10 dez. 2007. Kozma, R. B. (1991). Learning with media. Review of Educational Research, 61, 179-211. Kozulin, A. (Org.). (1997). The Ontogeny of Cognitive Modifiability: Applied Aspects of Mediated Learning Experience and Instrumental Enrichment. Jerusalem: ICELP. Kozulin, A. (1999). Vygotsky’s psychology: a biography of ideas. Cambridge: Harvard Univesity Press. Kozulin, A. (2000). Instrumentos Psicológicos: la educación desde uma perspectiva sociocultural. Barcelona: Paidós. Kozulin, A., & Rand, Y. (Orgs.). (2000). Experience of Mediated Learning: An Impact of Feuerstein’s Theory in Education and Psychology. Oxford: Pergamon Press. Kubicek, J. P. (2005). Inquiry-based learning, the nature of science, and computer technology: new possibilities in science education. Canadian Journal of Learning and Technology, 31(1), [On-line]. Disponível: http://www.cjlt.ca/content/vol31.1/ kubicek.html. Recuperado: 10 dez. 2007. Mandl, H., & Hron, A. (1992). Cognitive theories as a basis for student modelling. Em A. Tiberghien & H. Mandl (Orgs.), Intelligent learning environments and knowledge acquisition in physics (pp. 111-122). New York: Springer-Verlag. Mayes, J. T. (1992). Cognitive tools: a suitable case for learning. Em H. J. David (Ed.), Cognitive tools for learning (pp. 7-18). New York: Springer-Verlag. Nirmalakhandan, N. (2007). Computerized adaptive tutorials to improve and assess problem-solving skills. Computers & Education, 49(4), 1321-1329. Roth, W. M. (1995). Affordances of computers in teacherstudent interactions: the case of Interactive physics. Journal of Research in Science Teaching, 32, 329-347. Solomon, J. (1994). The rise and fall of constructivism. Studies in Science Education, 23, 1-19. Salomon, G., Perkins, D. N., & Globerson, T. (1991). Partners in cognition: extending human intelligence with intelligent technologies. Educational Researcher, 20(3), 2-9. Schroeder, D. V., & Moore, T. A. (1993). A computer-simulated Stern-Gerlach laboratory. American Journal of Physics, 61, 798805. Schur, Y. (1997). Constructivism and mediated learning principles in science teaching. Em A. Kozulin (Ed.), The ontogeny Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos • Cristiano Mauro Assis Gomes of cognitive modifiability: applied aspects of Mediated Learning Experience and Instrumental Enrichment.(47-78) Jerusalém: ICELP. Shayer, M., & Beasley, F. (1987). Does Instrumental Enrichment work? British Educational Research Journal, 2(13), 101-119. Sjøberg, S. (2007). Constructivism and learning. Em E. Baker, B. McGaw & P. Peterson (Orgs.), International Encyclopaedia of Education. Oxford: Elsevier. [On-line]. Disponível: http:// folk.uio.no/sveinsj/Constructivism_and_learning_Sjoberg.pdf. Recuperado: 10 dez. 2007. Thornton, R. K., & Sokoloff, D. R. (1990). Learning motion concepts using real-time microcomputer-based laboratory tools. American Journal of Physics, 58, 858-867. Tisseau, G. (1992). Modelis: an artificial intelligence system which models thermodynamics textbook problems. Em A. Tiberghien & H. Mandl (Orgs.), Intelligent learning environments and knowledge acquisition in physics (pp. 47-61). New York: Springer-Verlag. Vasconcelos, C., Praia, J. F., & Almeida, L. S. (2003). Teorias de aprendizagem e o ensino/aprendizagem das ciências: da instrução à aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional, 7(1), 11-19. Vygotsky, L. S. (1978). Mind in Society: The Development of Higher Psychological Processes. Cambridge: Harvard University Press. Vygotsky, L. S. (1986). Thought and Language. Cambridge: MIT Press. Vygotsky, L. S. (1987). The Collected Works of L.S. Vygotsky: Problems of General Psychology. (vol. 1). New York: Plenum Press. Wertsch, J. V. (1985). Vygotsky and the social formation of mind. Cambridge: Harvard University Press. Whithaus, C. (2004). The Development of Early ComputerAssisted Writing Instruction (1960-1978): The Double Logic of Media and Tools. Computers and the Humanities, 38, 149162. Zinchenko, V. P. (1985). Vygotsky’s ideas about units for the analysis of mind. Em J. V. Wertsch (Ed.), Culture, communication, and cognition: a vygotskian perspective (pp. 94-118). Cambridge: University Press. Recebido em: 21/05/2007 Revisado em: 28/06/2007 Aprovado em: 15/01/2008 Sobre o autor Cristiano Mauro Assis Gomes ([email protected]) – Professor da Universidade Federal de Minas Gerais Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 391-401 401 Resenhas As emoções no contexto escolar The emotions in the school context Arantes, V. A. (org) (2006. Humor e alegria na educação. São Paulo: Editorial Summus O coração tem razões que a própria razão desconhece. Essa frase, proferida por Pascal Blaise (16231662) há centenas de anos, resume bem o valor da temática dos afetos no estudo do ser humano: o mundo do coração é que controla todas as volições humanas, tem suas leis próprias que para qualquer mortal é de difícil compreensão. Dessa forma, as emoções, os sentimentos e os afetos podem ser definidos como um capítulo à parte do estudo da psique, ora pela importância devida do tema no âmbito da Psicologia Básica, em ensaios teóricos e estudos empíricos clássicos e atuais, ora na compreensão acerca das particularidades do ser humano que os fazem amar e até mesmo odiar. Partindo dessas reflexões iniciais, o livro Humor e alegria na educação, cuja organização fica a cargo de Valéria Amorim Arantes, docente da Universidade de São Paulo (USP), busca reunir uma série de pesquisadores conceituados na área acadêmica para a discussão da afetividade, mais precisamente do humor e da alegria. O livro está disposto em nove capítulos, cada qual incorporando uma leitura psicológica e educacional. No primeiro capítulo, que se chama Poesia e escola, Joan Fortuny discute a importância do conhecimento poético no ambiente escolar, sinalizando que esse tipo de linguagem permite ao aluno a elaboração de sua experiência pessoal, de modo a conhecer os estados de ânimo e o que eles têm a ver com as experiências mais íntimas (a saber: subjetivas) nos relacionamentos humanos. Portanto, a poesia, através de uma linguagem metafórica, e simbólica ao mesmo tempo, tem a função de exprimir novas vivências e sentidos à vida. Um outro debate nesse capítulo é questionar o papel da escola tecnicista, e por que não dizer, aquela que é pautada no conhecimento mecanicista, o que diminui substancialmente a formação do caráter humano, e dá valor ao aspecto puramente metodológico do aprender. No capítulo seguinte, esboça-se um quadro teórico sobre a questão do lúdico na educação, no tocante à leitura de São Tomás de Aquino, um dos pensadores de maior prestígio na Filosofia. Segundo a óptica desse pensador, o brincar é necessário para a vida humana, pois é ele que consegue, até mesmo nos intelectuais, um tratamento divertido e agradável. Dessa forma, a atividade racional (pensante) não pode viver sem o lado jocoso e alegre da vida, afinal: ninguém agüenta um dia sequer com uma pessoa aborrecida e desagradável. Isso tudo dá indícios para se pensar que a mente humana não é povoada somente pela compreensão lógica da realidade, mas sim pelo espírito afetuoso do gostar do quê e o como se aprende. No terceiro capítulo – da autoria de Mario Sérgio Vasconcelos – reflete-se sobre o lugar do jogo na prática educativa. Faz o autor um breve retrospecto acerca das várias maneiras de se ver o brincar, passando pela Idade Média até o Romantismo, além de considerar o campo psicológico do saber. Ademais, destaca-se que o brincar foi excluído do contexto escolar em virtude da ênfase na dimensão racional do ser hu403 mano, explicitando uma crítica, se bem se entende, sobre o status, quase que majoritário, ou superior, da razão em relação à emoção, permeando com isso um dualismo secular, ou seja, uma separação entre razão e coração. Maria Lúcia de Oliveira, no quarto capítulo intitulado Escola não é lugar de brincar?, aborda um panorama da concepção da educação entre os gregos até o surgimento da instituição Escola propriamente dita. Enfatiza, nesse aspecto, o valor do humor e da alegria entre o povo grego, na questão do conhecimento, parecendo até mesmo supor que na filosofia grega há o mundo do prazer auxiliando na reflexão: valorizando a capacidade criativa, os jogos e a fantasia como um recurso lúdico na formação do espírito, em oposição com o estabelecimento de uma Escola com uma constituição técnica e centrada prioritariamente nas disciplinas curriculares. O quinto capítulo, cujo autor é José Sterza Justo, expõe o humor do ponto de vista da constituição emocional e primitiva do sujeito psicanalítico. Referese ao vasto campo dos sentimentos, como o riso, a alegria e a perversão – esse último, aliás, muito discutido por Sigmund Freud em seus famosos ensaios. Enfim, todos próprios da natureza humana e que se constituem psiquicamente como tais através das primeiras vivências infantis. Assim sendo, as piadas e o humor usados em situações fúnebres – como os velórios e enterros – são um bom exemplo da maneira que algumas pessoas lidam com o sofrimento, e a angústia de sofrer, subtraindo da consciência toda e qualquer percepção de dor, e ajudando, também, a entender os caminhos que o humor percorre no funcionamento psicológico. A discussão do sexto capítulo transcorre pela evolução dos caminhos da escola, acentuando o modelo dessa instituição baseado na organização das disciplinas, na disposição das classes e imersa em uma sociedade de resultados visíveis e práticos. Ou seja, os conteúdos disciplinares têm um fim, uma meta: o vestibular. Os alunos, sob tal justificativa, são cada vez mais analisados, observados e diagnosticados, tendose a impressão de se continuar os padrões de uma 404 escola despreocupada com o prazer. Porém o autor, João Batista Freire, traz elementos novos de discussão e técnica para a sala de aula, descrita na experiência de Florianópolis, em que a realidade do aluno é transformada em imaginação e imagens e ganha novos significados. Pensada dessa maneira, a escola torna-se divertida e alegre, mas também responsável com os conteúdos tradicionais. O sétimo capítulo traz um exemplo prático de como o educador, por intermédio de um diálogo franco e sensível, pode usar o humor como um forte recurso pedagógico na formação de seres humanos mais cônscios de seus atos. Em uma sala de aula, descreve-se uma série de falas dos alunos com supostas intervenções mediadas pelo educador; que, muitas vezes, valese do humor para construir novas inter-relações e significados entre educador-educando. Para encerrar a coletânea de textos, Maria Tereza Mantoan, professora da Universidade Estadual de Campinas, em um tom todo espirituoso elabora um conjunto de perguntas, em forma de teste, a fim de examinar o poder de inclusão do leitor diante de muitas questões recheadas de dilemas no cotidiano escolar, em que está subentendida, por vezes, uma visão preconceituosa de educação e de educando, o que deveria ser inclusiva. Para concluir, todo o livro traz, como uma proposta única e inovadora, um conjunto de discussões muito pertinente e deveras atual para a Psicologia Escolar/ Educacional e também para as áreas de conhecimento correlato, tais como a Pedagogia e a Filosofia. Este material nos incita, e nos faz questionar, ainda que tacitamente, sobre a real função do educador e da escola, do professor e do aluno. Após uma leitura atenta, haverá muitas perguntas a serem feitas, como a seguinte: Devemos ou não mudar nossa maneira de ver o nosso aluno? Por isso, recomenda-se este livro como um instrumento de apoio profissional para aquele que trabalha diariamente na formação pessoal de alunos nos mais diferentes graus de instrução de ensino. Fausto Eduardo Menon Pinto Psicólogo Prefeitura Municipal de Hortolândia Resenhas Tecnologia de informação e comunicação no processo educacional TIC no processo educacional Information and communication technology in educational process Sancho, J. M. & Hernández, F. (orgs.) (2007). Tecnologias para transformar a educação. Tradução de Valério Campos. Porto Alegre: Artmed Editora. Sancho e Hernández reúnem pesquisadores e catedráticos em Didática e Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), com experiência e atuação em projetos de inovações educativas e em programas de educação em redes em escolas européias, para discutir e explorar os saberes e as intervenções das novas tecnologias no processo educacional. A obra vai além do que propõe no título e reflete a experiência dos autores na área das TIC, assim como busca equacionar e compreender as dimensões do complexo problema de integrar tecnologias e transformar o processo educacional. Os oito capítulos que compõem a obra e seus respectivos autores são apresentados de maneira clara com as propostas de questões que vão da prática, discussões oriundas de vivências em projetos nas escolas européias, à fundamentação teórica, ou a necessidade dela passando pelas concepções das políticas educacionais. No primeiro capítulo De Tecnologias da Informação e Comunicação a Recursos Educativos Sancho descreve programas de educação envolvendo aplicações e usos de computadores nos processos de ensino e de aprendizagem. Esse novo nicho se estabelece quando a estrutura “dura” da escola aceita com naturalidade a tecnologia “suave” dos computadores e da Internet. A aceitação só será revertida em melhorias e ganho educacionais se administradores escolares, especialistas em educação, assessores pedagógicos e professores reorientarem suas visões sobre o ensino, promovendo mudanças no currículo, processos de avaliação, espaços educativos e incorporar enfoques construtivistas na gestão do ensino. São discutidas as influências e as possibilidades que as redes de informações e comunicação exercem no desenvolvimento educacional ao longo da vida das pessoas e a necessidade de converter em conhecimentos reais. As argumentações e exposições ricas e atuais de Sancho, não descrevem despretensiosamente questões mais profundas do processo educacional como o ensino centrado no professor, as provas padronizadas, o interesse e habilidades dos alunos de interagir com as novas tecnologias, os paradoxos de coexistências de programas educativos que desvinculam a criatividade da autonomia intelectual. A escola, para construir sua transformação e tirar proveito das tecnologias disponíveis, deve refletir e questionar suas atuais convicções pedagógicas. Hernádez, no capítulo Por que dizemos que somos a favor da educação se optamos por um caminho que deseduca e exclui? apresenta a sua visão de educação na qual deve incorporar criatividade, inventividade e integração e ação sociais num mesmo eixo. Elege a aprendizagem como sentido a partir de experiências que conduzam crianças, jovens e adultos ao envolvimento com o aprender. Critica a atual pedagogia “entediante” e os discursos modernistas de reforma, fruto de dominação e de poder que mantém seu caráter hegemônico. Propõe o abando da estrutura curricular atual. Sem dúvida, trata-se de uma proposta radical cujos caminhos devem ser reconstruídos desconstruindo o sistema atual de ensino. É possível que o leitor se assuste ou, no mínimo, sinta-se “cartesiano demais”. Os argumentos fazem referências à construção da subjetividade a partir de experiências vividas contra405 pondo-se a subjetividade conformada construída em contextos limitados das escolas atuais. As justificativas para a proposta de mudanças não se apresentam plenamente convincentes e soam, às vezes como especulações. É fato que, apesar de ainda existir tantas questões por serem respondidas e tanto por fazer na área da educação, é inegável que a escola tem propiciado grandes avanços. Pablos, no capítulo A visão Disciplinar no espaço das Tecnologias da Informação e Comunicação faz uma apresentação esmerada com definições e conceitos de disciplina e interdisciplinaridade, a primeira como a práxis e a outra como um espaço comum onde se encontram objetos de pesquisas ou de associações de áreas do conhecimento científico. As discussões de Pablo trazem as análises de Foucault (As palavras e as coisas, 2002) sobre a racionalidade operativa que conduz às subdivisões dos mais diversos aspectos da realidade. A interdisciplinaridade proporcionaria uma via ou possibilidade de trânsito interativo entre essas subdivisões. As fundamentações conduzem às necessidades e aos desafios da interdisciplinaridade nas TIC e o desenvolvimento de uma teoria de educação. O leitor se sentirá recompensado com as extensões e implicações apresentadas e as ricas análises envolvendo mediações e ferramentas cognitivas. Gilleran, no capítulo Práticas Inovadoras em Escolas Européias faz uma análise descritiva dos programas e das práticas educativas com o uso das TIC, à luz do construtivismo compartilhado, desenvolvidos e patrocinados pela Rede de Escolas Européias. A concepção dos programas considera não só um processo de aprendizagem ao longo da vida como também os avanços tecnológicos de equipamentos portáteis e sem fios com possibilidades de acesso em praticamente qualquer ambiente. O sucesso dos programas pode ser dimensionado pelo leitor acessando os portais indicados no texto. Esses portais demonstram que as escolas deram amplitude ao programa estabelecendo redes de comunicações em todos os níveis – alunos, professores e gestores escolares. A Organização das Escolas e os reflexos da Rede Digital é discutida por Martín. Trata da invisibilidade das 406 TIC e a remoção sutil da estrutura profunda a escola. Os ganhos, nesse processo, devem articular o uso das TIC nos propósitos e interesses escolares passando, necessariamente, pela organização do espaço cibernético da escola, evitando os riscos da chamada mcdonalização. A organização escolar e da aprendizagem devem mudar, iniciando pela “desaprendizagem organizativa” para transformar-se ou recriar-se num sentido amplo. Incorporar significa continuar com as velhas e inoperantes práticas de dominação vertical via “web”. Na incorporação a escola, submetida aos “webmasters”, e os professores deixariam de interagir com seus alunos ou no binômio caricato aluno-máquina. O processo de inclusão é tratado por Alba no capítulo Uma Educação sem Barreiras Tecnológicas TIC e Educação Inclusiva. A evolução da tecnologia, na ótica de Alba, visa e se justifica por razões econômicas e políticas e não sociais. As declarações universais sobre reconhecimento do direito de todos ao acesso à educação ainda não se fizeram realidade. Nos países desenvolvidos uma parcela reduzidíssima de pessoas com algum tipo de deficiência chega aos bancos universitários. Essa é a questão proposta pela autora – quais as causas, as barreiras que impedem o acesso dessas pessoas às atividades educativas? Considerando a indisponibilidade de recursos informáticos e o analfabetismo tecnológico digital é possível concluir, sem muito esforço, a existência de legiões de excludentes, marginalizados ou “desconectados”, sem possibilidades de acessar a cultura e a informação. Nessas legiões encontram-se pessoas com algum tipo de deficiência, chegando a 50 milhões na Europa cerca e 18 milhões no Brasil. É uma exclusão silenciosa. Os dispositivos “inteligentes”, agendas falantes, sintetizadores de voz, digitalizadores de sons, versões em Braille, entre muitos outros, vão muito além do teclado e permitiriam o acesso à inclusão se as páginas das “webs” educativas fossem projetadas para essa finalidade. Área traz à pauta Vinte Anos de Políticas Institucionais para Incorporar as Tecnologias de Informação e Comunicação ao Sistema Escolar. As políticas educacionais Resenhas se estabeleceram no final de 1970 na Europa, Estados Unidos e Japão com programas e projetos educacionais, mas o grande desenvolvimento se deu entre 1997 e 2001 com a utilização Internet. A partir desse período as TIC passam a constituir um importante elo de integração social, do qual fazem parte os mais diversos segmentos e interesses. Área analisa o modelo de desenvolvimento e incorporação das TIC nas Ilhas Canárias como um estudo de caso. Os aspectos apresentados vão desde as questões práticas da sala de aula como o voluntarismo de professores até as questões amplas como os interesses político-partidários. As análises indicam algumas premissas e caminhos que devem ser observados para o estabelecimento de políticas educativas assim como a necessidade do desenvolvimento de uma inovação pedagógica, sem as quais as mudanças não ocorrerão nas práticas escolares. Os Cenários da Escola do OCDE, os professores e o Papel das Tecnologias da Informação e Comunicação constitui o último capítulo assinado por Istance. São apresentadas as reflexões sobre o futuro da escola como um projeto de educação para toda a vida, desenvolvidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essas reflexões são construídas a partir de determinados cenários com a combinação de correntes e tendências ideológicas com propósitos de se fazer uma projeção do futuro da educação num período de 10 ou 20 anos. Nesses cenários são analisados a profissão docente, o uso das TIC e o “padrão” de sociedade no qual o cenário projetado poderia ter lugar. É um exercício extremamente interessante que, segundo o autor, tais procedimentos têm permitido estabelecer importantes debates políticos e de desenvolvimento em muitos países europeus. A clareza e a qualidade das argumentações promovem a aproximação do leitor e, ao mesmo tempo, convidam para uma análise, pelo menos comparativa, com a situação do Brasil. Todos os capítulos apresentam notas com explicações complementares dos autores e referências, tornando a obra um espaço de debate. O tema não é tratado como especulação ou superficialidade e advém de experiências concretas, de realizações concebidas a partir de fundamentações científicas. Leitura necessária para profissionais da educação – professores e especialistas de educação – formados ou em formação, e obrigatória para aqueles que respondem pelas políticas educacionais nos mais diversos segmentos e rincões deste país. Moacir Wuo Universidade Camilo Castelo Branco Universidade de Mogi das Cruzes UNISUZ Faculdade do Clube Náutico Mogiano [email protected] Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 403-411 407 Psicologia Escolar em discussão School Psychology in discution Joly, M. C. R. A. & Vectore, C. (2006) Questões de pesquisa e práticas em psicologia escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo A Psicologia é uma ciência que não diz respeito apenas a um ramo específico do conhecimento humano, tornando-se há pouco mais de 40 anos, uma atividade profissional devidamente regulamentada, enquanto ciência e profissão. Um dos setores da Psicologia voltado para a atuação e investigação em contextos educacionais é a Psicologia Escolar e Educacional. O livro “Questões de pesquisa e práticas em Psicologia Escolar” organizado por Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly e Célia Vectore, teve como foco, estudos e pesquisas na área da psicologia escolar e educacional. Deste modo, este livro reúne textos com temáticas que visam ampliar as discussões e especialmente as ações do psicólogo escolar. O capítulo inicial, Metacognição e Cloze na avaliação de dificuldades em leitura escrito por Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly e Janete Aparecida da Silva Marini, discute a ampla temática da leitura focando a metacognição e a técnica de Cloze na avaliação de dificuldades apresentadas nessa habilidade. Versa sobre a importância do auto monitoramento de seu processo de leitura, por parte do leitor, para que neste sentido seja possível implementar ações para a avaliação das dificuldades de compreensão em relação ao processo, visando um ensino mais eficaz. No capítulo seguinte Produção auto-regulada de textos: considerações para a escolarização inicial, Elis Regina da Costa e Evely Boruchovitch discutem a produção auto-regulada de textos relacionada à escolarização inicial. É interessante observar que, dentro deste contexto, escrever claramente é uma necessidade que distingue alunos com alto e baixo desempenho. É válido esclarecer aos educadores que inúmeras são as situações que podem e devem ser criadas para desencadear produções textuais e que propostas de produção auto-regulada de textos têm muito a contribuir para enriquecer a capacidade de escrever dos alunos. Ana Paula Cabral contribuiu com o texto Fórmulas de intervenção nos domínios da compreensão em leitura e escrita no ensino superior. É de grande importância o destaque dado às competências de leitura, compreensão e análise que possibilitam sucesso no ensino superior, conforme exposto pela autora em relação às fórmulas de intervenção nos domínios da compreensão em leitura e escrita, incentivando a criação e o desenvolvimento de sistemas de apoio que permitem aos alunos adquirirem e aperfeiçoarem as suas competências no segmento. Em seguida, as autoras Mirthis Czubka de Abreu, Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly e Nayane Martoni Piovezan escreveram o capítulo Escala de estratégias metacognitivas de leitura: caracterização de uso por universitários paulistas e mineiros, que discute a escala de estratégias metacognitivas de leitura utilizada por universitários paulistas e mineiros. Foram analisadas as diferenças do uso das estratégias de acordo com idade, gênero e influência do curso e semestre freqüentados, podendo ser consideradas evidências de validade para a escala. Foram identificadas diferenças significativas em relação às análises feitas pelo uso da escala por estudantes de diferentes estados enfatizando a importância de novos estudos com maior número de participantes por regiões. Eunice M. L. Soriano de Alencar escreveu o capítulo O papel do psicólogo escolar na prevenção de dificuldades socioemocionais do aluno com altas habilidades, onde são apresentadas recentes pesquisas com alunos superdotados em seu desenvolvimento sócioemocional, as quais relatam o estudo de variáveis que se referem à prevenção e diminuição do desajuste emocional dos mesmos, otimizando o processo de 409 desenvolvimento, levando em consideração o papel do psicólogo escolar na prevenção de dificuldades socioemocionais desses alunos. Desenvolvimento da criatividade no contexto escolar: integrando características personológicas e fatores ambientais, é o capítulo escrito por Denise de Souza Fleith. A autora destaca o papel fundamental da escola como um ambiente marcante, que pode proporcionar uma aprendizagem prazerosa, contextualizada, que possibilite a expressão das qualidades e habilidades dos alunos, ao abordar o desenvolvimento da criatividade no contexto escolar, integrando características personológicas e fatores ambientais. A construção dialética da adição e da subtração no jogo Gamão é o capítulo abordado por Maria José de Castro Silva e Rosely Palermo Brenelli. O texto tratase de um relato de pesquisa que objetivou verificar as relações existentes entre a construção dialética das operações de adição e subtração e o tipo de estratégia utilizada pelos jogadores durante a partida de Gamão. De maneira geral, os dados obtidos com a pesquisa forneceram valiosas informações sobre as dificuldades apresentadas pelos participantes. Assim, pode-se perceber relações entre a construção dialética da adição e da subtração e as condutas adotadas pelo aluno na escolha de estratégias utilizadas no jogo. Em Aprendizagem de conceitos estatísticos em estudantes de diferentes níveis de ensino, as autoras Claudette Maria Medeiros Vendramini, Anelise Silva Dias e Marjorie Cristina Rocha da Silva, abordam a aprendizagem de conceitos estatísticos em estudantes de diferentes níveis de ensino. A pesquisa relatada constatou que as dificuldades apresentadas pelos alunos em relação aos conceitos matemáticos surgem a partir do ensino fundamental, isto posto, consideram necessário inserir conceitos, visando o desenvolvimento da habilidade de leitura e compreensão de dados estatísticos desde o início da vida acadêmica. No capítulo Tecnologias da informação e comunicação: avaliação de desempenho dos estudantes, Ronei Ximenes Martins descreveu as tecnologias da informação e comunicação por meio de uma avaliação de desempenho dos estudantes. Em seu relato de pesquisa demonstrou a condição dos alunos quanto ao uso de tecnologias no ensino médio, os quais já pos410 suem grande capacidade para sua utilização. Tal estudo poderá ajudar na orientação de atividades educacionais utilizando essas tecnologias, proporcionando um possível diagnóstico quanto ao sucesso e dificuldades em relação a atividades educacionais tecnológicas. A pesquisa qualitativa assim como a sua importância para a compreensão dos processos escolares foram os assuntos abordados por Marilene Proença Rebello de Souza no texto Pesquisa qualitativa e sua importância para a compreensão dos processos escolares. A autora discute a importância de uma perspectiva etnográfica como abordagem qualitativa para compreensão dos processos do cotidiano escolar. No capítulo Dialogando sobre o tempo livre com os participantes da pesquisa, os autores Jorge Castellá Sarriera, Ângela Carina Paradiso, Denise Carvalho Tatim e Gabriela Howes, procuraram apontar a importância da devolução dos dados levantados aos participantes da pesquisa, sua verificação, validação e desenvolvimento, considerando os aspectos éticos e metodológicos. Destacam que o processo de pesquisa incorpora a intervenção e a participação como elementos fundamentais para a pesquisa com fins sociais. Em Concepções e práticas sobre formação em contexto: na busca de uma educação de qualidade, contribuição da autora Tizuko Morchida Kishimoto, são expostas as concepções e práticas sobre formação, objetivando uma educação de qualidade. Visando a concretização da educação com qualidade, a autora relata a inclusão de experiências do cotidiano tendo consciência da complexidade do fenômeno educativo, pois modificar os conteúdos curriculares e aprendizagem exige um processo participativo que integre a educação e o cuidado com a criança. objetivando a qualidade na educaçxige um processo participativo que integre a educaç Alternativas para a avaliação de qualidade do atendimento na educação infantil, escrito por Célia Vectore e Cirlei Evangelista Silva Souza, relata as possibilidades para uma avaliação de qualidade do atendimento na educação Infantil, por meio de um Programa de Aprendizagem Pré-escolar efetiva (APE). As autoras demonstraram uma alternativa viável, sendo passível para ser utilizada em outros contextos nacionais, tenResenhas do também como diferencial a avaliação contínua feita por todos os integrantes, sobre o andamento do projeto. Eulália Henriques Maimone contribuiu com o texto A pesquisa colaborativa autoscópica na formação de professores da educação infantil. A autora destaca a realização do projeto APE, como uma fonte de conhecimento da qualidade das relações dos pais com a instituição e nas relações adultos-crianças e entre as crianças, que podem acontecer em uma instituição de educação infantil. Indica a necessidade de mudanças nas condições do trabalho educativo por meio das observações das características das mediações das aprendizagens pelos adultos, no contexto escolar. Tempo e lugar para brincar na contemporaneidade: sentidos e possibilidades da brincadeira infantil, foi o capítulo escrito por Beatriz Belluzo Brando Cunha e Renata Fernanda Fernandes Gomes, que descreveram a criação de espaços alternativos para a expressão da infância como algo necessário, a fim de estimu- lar as trocas de experiências, encontros e convívio social entre as crianças por meio do brincar. As brinquedotecas são recursos capazes de abrir espaço para o lúdico, que pela brincadeira favorece e incentiva atividades que oferecem condições para amenizar as desigualdades sociais e estimula as trocas de experiências e convívio social entre as crianças. Ficou claro que a meta estabelecida por este livro foi alcançada. É de grande valia para quem trabalha e pesquisa na área da psicologia escolar e educacional, sendo também uma leitura agradável. Seu conteúdo é rico em orientações sendo recomendado a todas as pessoas envolvidas neste processo desafiador de ensino-aprendizagem, no qual se insere o psicólogo escolar. Tatiana Cristina Teixeira Psicóloga. Aluna do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia pela Universidade São Francisco. [email protected] Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 403-411 411 História Entrevista com Mitsuko Antunes Entrevistadora: Wanda Junqueira de Aguiar Mitsuko Aparecida Makino Antunes, psicóloga, mestre em Filosofia da Educação e doutora em Psicologia Social. Professora do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia da Educação da PUC-SP desde 1992, orientando pesquisas em História da Psicologia Escolar e da Educação no Brasil e Desenvolvimento da Identidade do educador e do educando. Estes têm sido os temas de suas principais publicações, sempre marcadas por um olhar crítico, questionador e propositivo. É assessora da Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos, desde 2001. Wanda: Como foi sua escolha pelo campo da educação? Mitsuko: Fiz graduação em Psicologia. Desde o início do curso, meu interesse foi se definindo pela pesquisa. Todas as disciplinas que enfatizavam a investigação acabavam por me interessar mais: metodologia, experimental, desenvolvimento. A maioria desses professores tinha forte vínculo com a educação. Estes eram também os docentes mais críticos, mais politizados, os que ousavam, em plenos anos 1970, discutir a dura realidade vivida sob a ditadura militar; eram eles que, não tendo ou não podendo dar Paulo Freire, ensinavam toda a Pedagogia do Oprimido. Paulo Freire me foi apresentado de forma bancária: sentada na carteira e ouvindo o professor (risos). Isso, obviamente, me predispôs ao interesse pelas disciplinas diretamente relacionadas à educação, tanto as de licenciatura (nessa altura, já podíamos comprar e ler Paulo Freire), como as PEPAs (Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem). Também já podíamos ter acesso a outros autores, como Illich e Nidelcoff, mas, principalmente, autores brasileiros, de uma nova geração, que tinham a crítica à educação e à sociedade como base de suas formulações, como Luiz Antonio Cunha, Maria Helena Patto, Dermeval Saviani, Barbara Freitag, entre outros. Tive o privilégio de ter PEPA com Sergio Leite, Lucilia Reboredo, Mary Julia Dietzch e Verônica Sanduvetti. Não tive, nessa disciplina, uma formação clínico-terapêutica, individualista, tradicional, mas a crítica a esse enquadramento da Psicologia Escolar e a busca de formas de ação comprometidas com a ação pedagógica, com foco na escola pública... Enfim, foi com PEPA que eu descobri que a Psicologia poderia ser diferente, comprometer-se com os interesses da maioria da população. Não era acaso a relação entre posicionamento político e preocupação com educação desses professores. Wanda: Como você começou a trabalhar em educação depois de formada? Mitsuko: Não fui trabalhar em educação. Entrei direto no mestrado, em Filosofia da Educação, por influência direta de minhas ex-professoras, Mary Julia e Verônica. Também com elas, iniciei, naquele mesmo ano, a lecionar PEPA. Acho que esse foi o caminho da maioria de nós, que tínhamos interesse em educação. A atuação em Psicologia Escolar era muito restrita e, em geral, na perspectiva que criticávamos; a exceção que me lembro, agora, era o trabalho da Secretaria de Educação da Prefeitura de São Paulo, coordenado por Yvonne Khouri. 413 Wanda: Como entra a História da Psicologia nesse percurso? Mitsuko: Pela educação! Na disciplina História da Educação Brasileira, no mestrado, deparei-me com muitas coisas que, na Psicologia, nunca tinha ouvido falar. E era Psicologia, e no Brasil! Maria do Carmo Guedes me acolheu, então, no doutorado, para desenvolver o projeto que, já de início, apostava na tese de que Psicologia e educação no Brasil tinham uma história muito mais próxima do que se imaginava até então. Minha tese foi sobre o processo de autonomização da Psicologia no Brasil, processo este que teve na educação seu mais importante fundamento. Wanda: Como você articula essas duas áreas, História da Psicologia e Psicologia Escolar e da Educacional? Mitsuko: Eu sei que parece que ambas as áreas correm meio paralelas. Mas acredito que consigo estabelecer uma articulação, nem sempre fácil de explicar, pois parto do princípio de que a compreensão de uma área do conhecimento, assim como toda realidade, só é possível se compreendemos o processo de sua constituição, isto é, sua história. A Psicologia é a área de conhecimento à qual me dedico; a educação é o campo sobre o qual procuro mirar o olhar psicológico. A história é o recurso teóricometodológico a partir do qual tento entender essa relação como processo que se constrói no fluxo do tempo, que é multideterminado e contraditório. Adoto, tanto na tentativa de compreender o fenômeno psicológico como o processo histórico de constituição da Psicologia, o referencial epistemológico e metodológico do materialismo histórico-dialético. Costumo dizer que trabalhar com o passado é uma condição para a compreensão do presente; além disso, trabalho com o presente para não perder a realidade. Procuro, assim, com essas duas dimensões, não perder de vista o futuro, ou seja, um projeto de sociedade mais justa e igualitária, para o qual a Psicologia e a educação podem e devem contribuir. Acho que eu poderia dizer que Psicologia, educação e história formam a tríade de meus interesses, tendo como substrato a preocu414 pação epistemológica e como fim um projeto éticopolítico-social, que se afirma na possibilidade de construção de uma educação comprometida com os interesses próprios das classes populares. Aliás, não há opção teórico-metodológica e, principalmente, trabalho em educação que sejam neutros; há sempre aí uma opção política, quer esteja ela explícita ou não. E, por falar em futuro, retomo o que você dizia agora há pouco sobre Paulo Freire, “é preciso apostar no ‘inédito viável’, numa utopia, não como algo impossível, mas como algo que depende da vontade política para ser efetivado”. Wanda: As relações entre Psicologia, educação e sociedade são muito antigas, não é? Mitsuko: Uma das atividades de que mais gosto é a docência. Quando as condições permitem, gosto muito de trabalhar as relações entre epistemologia, idéias psicológicas e pedagogia. Mais precisamente, se retomarmos o percurso do pensamento ocidental, desde a Grécia Antiga, nos deparamos com uma indissociabilidade entre essas três dimensões, as quais, obviamente, remetem a uma concepção de homem e de sociedade. Por exemplo, a concepção socrática de produção de conhecimento sustenta-se numa clara afirmação do psiquismo – que anunciou, inclusive, muitas formulações psicológicas posteriores –, do que decorre sua proposta pedagógica, fundamentada numa concepção de homem e sociedade... É possível traçar um caminho pela história do pensamento ocidental (e provavelmente de outras tantas manifestações do pensamento humano, inclusive das várias culturas indígenas pré-colombianas), da Antigüidade à Idade Média, com a Patrística e a Escolástica, à Idade Moderna... até a contemporaneidade, demonstrando a estreita relação entre essas três instâncias. Aliás, é muito importante dizer que o desenvolvimento da Psicologia como ciência autônoma teve na educação o mais importante alicerce para a emergência da então chamada Psicologia aplicada, particularmente com o funcionalismo, do qual outras abordagens derivaram. História Wanda: E no Brasil? Mitsuko: Desde o período colonial, preocupações educacionais e idéias psicológicas aparecem articuladas. Essa tendência é encontrada ao longo do século XIX e, na virada para o século XX, pode-se dizer que ela se oficializa, com a criação da disciplina Psicologia e pedagogia nas Escolas Normais, que se tornaram, inclusive, as principais instituições produtoras de conhecimento e práticas que relacionavam a Psicologia à educação, pelo ensino, pesquisas em seus laboratórios, produção de livros e, sobretudo, pela formação de profissionais, que foram os pioneiros da Psicologia no Brasil. Foram as Escolas Normais que deram as bases para os primeiros cursos de pedagogia, os quais, junto com os cursos de filosofia e pontualmente de medicina, foram, por sua vez, as bases para os cursos de Psicologia, mesmo antes da regulamentação da profissão de psicólogo. Enfim, essa é uma longa, complexa e fascinante história, que já conta com inúmeros estudos, mas que guarda ainda uma infinidade de possibilidades para pesquisa. Wanda: Muitas críticas foram feitas à maneira como Psicologia e educação se relacionaram ao longo desse período. Como você interpreta isso? Mitsuko: Esse é um processo muito interessante. É possível dizer que, com o pensamento escolanovista e a maneira como ele aqui foi incorporado, a educação e a pedagogia tiveram na Psicologia sua principal base de sustentação, acarretando o que podemos chamar de psicologização da educação, numa perspectiva reducionista e, pode-se dizer, ideológica. São muito questionáveis as maneiras como teorias e técnicas psicológicas (ou pseudo-psicológicas) foram utilizadas. A aplicação e a interpretação indiscriminada de testes; a culpabilização da criança e de sua família, por problemas tidos como “emocionais”, para legitimar o fracasso Escolar, produzido pelas relações eminentemente Escolares, a redução dos processos pedagógicos aos fatores psicológicos, contribuíram para legitimar práticas educativas questionáveis, desconsiderando os determinantes históricos, sociais, culturais, políticos, econômicos e, principalmente, pedagógicos, no pro- cesso educativo. Isso foi e continua sendo objeto de crítica à maneira como a educação incorporou a Psicologia. Da mesma maneira, também a Psicologia passou a criticar essa relação, indo mais além, ao colocar a própria Psicologia Escolar como alvo de suas críticas. Criticava-se o enquadramento clínico-terapêutico e individualizado, que, em última instância, também reforçava a culpabilização da criança e da família, pautado no modelo médico e alheio às condições pedagógicas e sociais, adotado pela maioria das ações em Psicologia Escolar. Ou seja, as velhas e íntimas relações entre Psicologia e educação passavam a ser alvos de críticas de pesquisadores e profissionais de ambas as áreas. Wanda: Essas críticas produziram transformações na educação e na Psicologia? Mitsuko: Sim e não. Ainda hoje, por um lado, três décadas depois dessas críticas começarem a ser formuladas, ainda encontramos uma e outra posturas. Ainda é recorrente a responsabilização do aluno por seu desempenho na escola, assim como ainda muitos psicólogos continuam atuando ou representando a atuação do psicólogo Escolar numa perspectiva clínico-terapêutica e individualista. Só por curiosidade, já ouvi de um profissional que trabalhava num projeto efetivamente interdisciplinar de Psicologia Escolar, que ele achava o trabalho importante, mas era uma pena porque ele não estava exercendo mais a profissão de psicólogo! Por outro lado, sim. Creio que hoje, após esse momento da primeira negação, já se alçou à segunda negação, isto é, à superação de uma Psicologia reducionista e ideológica e da prática dela decorrente. Não se pode negar que os fatores psicológicos são constitutivos do processo educativo, ao mesmo tempo que este é concebido como totalidade concreta, da qual o psicológico faz parte. Da mesma maneira, há várias experiências em Psicologia Escolar que demonstram toda sua potencialidade de atuação conjunta com outros profissionais da educação, na construção de uma educação democrática, que busca garantir condições de aprendizagem e desenvolvimento para todos os educandos, considerando suas condições específicas, elemento este que demanda exatamente aquilo que é próprio da Psicologia que se Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 413-425 415 fundamenta em formulações teóricas hoje disponíveis, capazes de fundamentar a compreensão desses fenômenos e a intervenção profissional. Essa não é a única maneira de inserção do psicólogo na educação, mas talvez seja aquela que melhor explicita a possibilidade de articulação teórico-prática do trabalho em Psicologia Escolar. Wanda: Fale um pouco da experiência em Guarulhos. Mitsuko: Você perguntou, no início, como eu comecei a trabalhar em educação. Bem, tive algumas experiências mais diretas em educação, principalmente com formação de professores (com alfabetização, no programa desenvolvido por Sergio Leite; no antigo Cenafor, hoje FDE; na antiga CENP), mas foi só na Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos, na gestão iniciada em 2001, que eu tive oportunidade de acompanhar mais de perto a construção de uma verdadeira Rede de Ensino. Veja, eu digo “acompanhar”, porque o projeto lá é tão ousado que eu apenas corro atrás para ver o que acontece e tentar elaborar algumas análises. Mais precisamente, hoje há menos da metade dos psicólogos que lá estavam antes dessa gestão. Havia, na Secretaria, um departamento que agregava os psicólogos e outro que agregava os pedagogos; esses dois departamentos foram unidos e, juntos, psicólogos e pedagogos passaram a compor núcleos por modalidade de ensino, passando a atuar numa perspectiva interdisciplinar, tendo como principal função, entre muitas outras, a elaboração e a implementação do Projeto Político-pedagógico, com foco na formação de professores. São muitas as funções exercidas por esses psicólogos, muitas das quais retomam situações que há muito desejávamos que a Psicologia pudesse interferir, como a contribuição à formação de professores pela socialização da fundamentação teórica que dá base à atividade pedagógica, particularmente os processos de ensino-aprendizagem e a criação de condições para o desenvolvimento da criança. Participam também de intervenções que se aproximam da clínica, mas focadas na escola e nas condições de aprendizagem do educando, como as várias atividades realizadas pela Rede de Apoio à In416 clusão. O trabalho realizado pelos núcleos aponta também para possibilidades de atuação que estão sendo construídas no processo, como o acompanhamento dos programas de arte-educação e suas relações com a aprendizagem. Enfim, há muitos trabalhos que estão sendo realizados e que não cabem todos aqui, inclusive muitos que eu sequer conheço. Há também trabalhos que não são específicos do psicólogo, mas que fazem parte das tarefas institucionais que qualquer profissional incorpora a suas atividades, e que são muito interessantes, como a organização das Semanas da Educação, da Consciência Negra, do Livro etc. Voltando à pergunta, o sentido dessa experiência para mim, eu afirmaria que são: o quanto aprendo sobre educação, particularmente das classes populares; acompanhar de perto um projeto imenso de implantação de uma rede, desde a construção de escolas (de 24 mil para mais de 100 mil alunos) até, o mais importante, a elaboração e a implementação de um projeto pedagógico comprometido com os interesses das classes populares; a implementação de um projeto integrado de saúde Escolar; formação de professores; o surgimento de uma nova modalidade de educação infantil, o Programa Educriança; enfim, muitas coisas. Disso tudo, eu diria que o maior privilégio para mim é ter a oportunidade de ver que muitas coisas que afirmávamos, na academia, que poderiam e deveriam ser feitas são possíveis. Wanda: Você gostaria de falar mais alguma coisa? Mitsuko: Gostaria. Pode até parecer uma atitude de adulação, mas não posso me furtar a avaliar o papel que a ABRAPEE assume na organização da área, promovendo um debate que dá voz às múltiplas perspectivas da área, qualificando a discussão e, com isso, provocando uma significativa contribuição à produção de conhecimento e à prática da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil, ou melhor dizendo, entendo que a entidade tem conseguido estabelecer um profícuo diálogo entre teoria e prática, entre ciência e profissão. Isso não é pouco. É, na verdade, o enfrentamento de um dos maiores desafios que se colocam hoje para a Psicologia em particular e para as outras áreas de conhecimento em geral. História O psicólogo escolar como psicometrista: 30 anos depois Psicometrista Geraldina Porto Witter Resumo O objetivo do artigo foi apresentar parte de uma tese não publicada, produzida em 1977, sobre a atuação do psicólogo escolar como psicometrista. Primeiro há uma contextualização sócio-cultural e educacional do documento. Em segundo lugar aparece, em itálico, o documento original com suas referências e na última parte há considerações sobre as mudanças e contrastes que ocorreram com o tempo. A apresentação do documento é concernente às condições acadêmicas e sócio-culturais de sua produção. O texto original é somente um dos papéis do psicólogo escolar apresentados na tese. A última parte apresenta variáveis e novas direções relativas ao psicometrista como evidências para tornar clara a evolução na área. Palavras-chave: história, avaliação psicológica, formação do psicólogo, atuação do psicólogo. School psychologists psychometrist: 30 years later Abstract The aim of the paper was to present part of one dissertation did not published, produced at 1977, concerning the school psychologist actuation as psychometrist. First there are a socio-cultural and educational contextualization of the document. In second place appear the original text in italic with it’s references and in the last part the are considerations about the changes and contrast that occurred with the time. The presentation of the document is concerning the academic and socio cultural conditions of it production. The original text is only one of the roles of the school psychologist presented in the dissertation. The last part presented variables and new directions concerning the psychometricts as evidences to make clear the evolution in the area. Keywords: history, psychological evaluation, psychologist formation, psychologist actuation. El psicólogo escolar como psicometrista: 30 años después Resumen El objetivo de este artículo fue presentar parte de una tesis no publicada producida en 1977 sobre la actuación del psicólogo escolar como psicometrista. Primero hay una presentación de un contexto socio-cultural y educacional del documento. En segundo lugar aparece, en itálico, el documento original con sus referencias, y en la última parte hay consideraciones sobre los cambios y contrastes que ocurrieron con el tiempo. La presentación del documento se refiere a las condiciones académicas y socio-culturales de su producción. El texto original es apenas uno de los papeles del psicólogo escolar presentados en la tesis. La última parte presenta variables y nuevos caminos que se refieren al psicometrista, como evidencias para tornar clara la evolución en el área. Palabras clave: historia, evaluación psicológica, formación del psicólogo, actuación del psicólogo. 417 Apresentação O conhecimento científico vem crescendo em ritmo acelerado desde o século passado. Em conseqüência as mudanças são rápidas, teorias e modelos são substituídos prontamente por novas proposições, parâmetros e indicadores de desenvolvimento tornam-se cada vez mais exigentes. A ciência é imprescindível no cotidiano da vida humana. O ritmo varia de uma para outra ciência e entre as áreas de uma mesma ciência. Ciências mais avançadas chegam a dobrar o conhecimento em um ano ou menos, outras evoluem bem mais lentamente. De qualquer forma, o saber-fazer-poder da ciência torna-se obsoleto cada vez mais rapidamente. Via de regra, se há avanços significativos, espera-se que pelo menos a cada quatro anos, grandes mudanças ocorram e o saber passado seja história e base para a produção atual. Uma produção com 30 anos de vida certamente é história, mas nem todas as áreas caminham no ritmo acelerado de hoje. O que ainda é válido é tecer comparações, uma forma de avaliar o ritmo em que se está evoluindo. O presente artigo retoma um texto não publicado, que já tem 30 anos e que pode servir de base para se considerar o hoje e o amanhã. Trata-se de pequena parte da primeira tese de livre-docência defendida no Instituto de Psicologia, criado com a reforma da Universidade de São Paulo. Witter (1977) defendeu uma tese apresentada em três volumes (839 p.) sendo que em parte do primeiro deles elaborou um referencial tendo por base os papéis e funções do psicólogo escolar, destacando-se o psicólogo escolar como profissional, clínico, psicometrista, avaliador, consultor, especialista educacional, ergonomista, modificador de comportamento, pesquisador, atuando dentro e fora do sistema educacional. A Banca Examinadora do processo de livredocência foi constituído pelos professores doutores Maria José de Barros Fornari de Aguirre, Ruy Galvão de Andrada Coelho, Cidmar Teodoro Pais, Odette Lourenção van Kolck, José Pastore e Arrigo Leonardo Angelini que a presidiu, 1 Dentre os temas tratados foram destacadas para o presente trabalho as páginas sobre o psicólogo escolar psicometrista. Elas seguem transcritas da tese em itálico (Witter, 1977, p. 37-45) mantendo-se o texto sem qualquer interferência de forma e conteúdo. Para tanto, manteve-se o padrão de reprodução de textos históricos, espaçamento e normas vigentes à época da produção. A única interferência foi passar tudo para itálico para indicar sua condição no presente texto. Em seguida são apresentados comentários sobre o que mudou no decorrer de 30 anos. O psicólogo escolar como psicometrista Nos primórdios da Psicologia Escolar, já se definiu o papel de psicometrista como um dos que deveria ser desempenhado pelo profissional que atua na área. Como ocorreu com o papel de Clínico, em alguns países, este passou a ser praticamente o único papel por ele desempenhado, vindo, muitas vezes, ampliado pela adoção também do papel de Clínico. Trata-se de um papel, que, embora possa subsistir por si mesmo, freqüentemente aparece sendo desempenhado como apoio a outros papéis (Roberts, 1970). Como Psicometrista o Psicólogo Escolar ocupase com a aplicação de testes, notadamente de nível intelectual, visando ao encaminhamento para classes especiais, ou a organização em composição das classes1, bem como, as de possibilidade, para atender às necessidades de orientação (vocacional e profissional) e de triagem para a psicoterapia (a ser conduzida na escola ou fora dela). Como ocorreu com o papel de Psicólogo Escolar Clínico, também o de Psicometrista vem sendo objeto de intensas críticas nos últimos 10 ou 15 anos. Fairchild (1975) critica os papéis tradicionalmente desempenhados pelo psicólogo escolar como psicometrista e clínico para os programas de educação especial, que levaram à crítica e ao próprio questionamento dos serviços de Psicologia na escola. O autor sugere a mudança de papéis e também um Veja-se a propósito: Borg (1966). 418 História cuidadoso registro das próprias atividades diárias, como forma de levantamento de dados que justifiquem sua atuação na escola. Há um aspecto ligado ao surgimento da Psicologia Escolar como área diferenciada que pode ter contribuído, por um lado para a manutenção quase exclusiva de alguns papéis, por muito mais tempo do que o desejável, e por outro, pela confusão e indefinição de outros. Ligando-se por origem à clínica ou à psicometria (depende do país) e atuando na escola teve, fatalmente, a marcá-la toda a indecisão e falta de delimitação que caracteriza a fusão de campos do conhecimento. As origens marcaram duas funções, a de clínico e a de psicometrista. Esta imagem se concretizou na expectativa do grande público e dos outros profissionais da escola. Como a Psicologia Escolar representa uma área de transvariação de conhecimentos oriundos de muitas áreas, era de se esperar o que ocorreu, no início, tanto de sua instituição na escola como na formação dos profissionais que se encarregariam de pô-la em prática. No que tange à aplicação da Psicologia, segundo Bardon (1968), quando se difundiu que através da Psicologia Escolar se pretendia por em prática tudo o que a Psicologia tinha a oferecer à escola, esta transferência foi tentada de uma forma caótica e nada científica. Não se transpôs os cuidados científicos de teste criterioso, e de avaliação cuidadosa da aplicação feita. O resultado lastimável deste fato foi que os psicólogos passaram a atuar ao sabor de suas próprias convicções ou acompanhando o que era moda. A situação era pouco clara mesmo para os próprios Psicólogos Escolares, aos quais faltava identidade profissional, não tinham um conhecimento preciso de seus direitos e eram hipersensíveis quanto ao que os outros esperavam deles. Nestas circunstâncias, por muito tempo e muitas vezes eles se dedicaram mais a fazer o que os outros queriam do que aquilo que poderiam fazer melhor e que traria maiores benefícios para a escola. Estas considerações podem servir para esclarecer a longa insistência nos dois papéis iniciais: clínico e psicometrista. 2 Muitas das críticas retomam as posições e ponderações feitas em relação ao papel de Psicólogo Clínico, especialmente no que diz respeito ao não atendimento das necessidades mais prementes da escola e do sistema educacional. Estas críticas se aplicam especialmente a sua atividade de seleção e triagem de crianças com problemas. Mesmo quando as críticas são mais suaves, elas concluem pela necessidade de se reduzir o tempo consumido com a aplicação de testes, quer pata liberar o psicólogo para papéis mais úteis, quer para não perturbar o próprio desenvolvimento do processo educacional. A redução da ênfase do papel de psicometrista cedendo lugar a outros que o Psicólogo Escolar pode exercer reflete, pelo menos em parte, o que vem ocorrendo na história destes instrumentos de avaliação, em parte o desapontamento dos psicólogos e do público com relação aos mesmos. Poder-se-ia, à guisa de exemplo, lembrar aqui as asserções de Albee em relação a um dos testes mais pesquisados2 - o Rorschach, considerado uma das grandes aquisições da Psicologia, com uma validade e credibilidade amplamente difundida, requerendo um longo e difícil treino antes do psicólogo estar apto a aplicá-lo. Seus poderes eram tão grandes que todo tipo de controle tinha que, ser colocado no preparo daqueles que usariam. Há 20 anos, muitos de nós acreditavam na arte do Rorschach. O público foi fascinado pela mágica que possuíamos. Outras profissões viam nossa mágica com respeito. Mas, então vieram os cientistas cautelosos, a mensuração das pessoas, com suas questões sobre fidedignidade e validade, com suas técnicas sofisticadas, e suas exigências de demonstração pública do valor de nossa mágica sob condições estritamente controladas. Como conseqüência, o Rporschach está quase desaparecendo do cenário da psicologia profissional devido a nossa sensibilidade ao chamado da ciência. (Albee, 1970, p. 1075). Cleveland estreitamente controladas. Como conseqüência, o Rorschach está quase desaparecendo do cenário da psicologia profissional devido a nossa (1976) arrola uma série de fatores que contribuíram Ver Reybolds e Sundberg (1976) Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 413-425 419 para o declínio do uso de testes. Alguns deles são decorrentes de mudanças nos valores sociais, por natureza bastante difusos, enquanto que outros são mais definitivos e, assim sendo, mais fáceis de identificar. Entre os principais fatores arrolados pelo autor estão os resultados negativos que as pesquisas recentes vêm encontrando; a grande quantidade de estudos mostrando a baixa confiabilidade dos testes; a inadequação e a dificuldade de acordo entre juízes nas interpretações dos testes; a inadequação e o baixo nível de precisão; o pouco uso efetivo dos testes em situação de clínica e estando os mesmos mais a satisfazer as necessidades de realização acadêmica do que de trabalho3. Segundo Cleveland, outro fator relevante para o descrédito dos testes reside na crescente sofisticação dos sujeitos face à popularização, às vezes direta às vezes indireta dos mesmos através dos meios de comunicação. Direta quando divulgam suas bases teóricas e científicas. Nestas circunstâncias, aos poucos, os testes acabam por não medir o comportamento real dos sujeitos mas sim aquilo que ele quer que o psicólogo pense sobre ele, uma vez que pode responder de acordo com critérios de avaliação e dando de si mesmo a imagem que queira dar4. O terceiro fator importante arrolado com o responsável pela crescente desilusão no uso dos testes encontra-se no seu emprego dentro de um vacum clínico, como se cada um deles por si mesmo, pudesse ser instrumento seguro de diagnóstico e terapia. Outra variável está em íntima relação com esta, tratase da crescente inovação na psicopatologia em termos de modelos teóricos, taxonomia e técnicas psicoterápicas. Outro aspecto a considerar neste descrédito é o alto custo operacional que um trabalho de aplicação de testes apresenta quando bem feito, implicando no emprego concomitante de vários instrumentos e em muitas horas de trabalho, por vezes desproporcional ao emprego que posteriormente se poderá fazer da informação levantada na prática profissional. Outra variável apontada por Cleveland (1976) é que os cursos de testes parecem ter decaído de ní4 3 vel, com jovens inexperientes lecionando em lugares dante ocupados por membros muito experientes do quadro universitário. Considera que as faculdades deveriam cuidar para contar com pessoas experientes neste setor uma vez que, mal formados, os futuros psicólogos tenderão a fazer mau uso destes instrumentos e mais desilusão e descrédito eles terão. Finalmente apresenta como fato contribuindo para o negativismo em relação aos testes a própria idade dos mesmos (Rorschach – 53 anos, TAT – 43 anos, MMPI – 35 anos, WAIS – 19 anos) sem que se tenham levado em conta adequadamente às muitas mudanças sócio-culturais e educacionais pelas quais o mundo passou, neste período, nos vários aspectos do material, das instruções, da aplicação e da avaliação dos instrumentos. Seu prognóstico para progresso destes instrumentos implica em mudança no tipo e nas características dos novos testes em desenvolvimento e a serem criados no futuro, com ênfase em escalas de observação do comportamento e em mediadas de aspectos específicos do mesmo, mais do que em instrumentos genéricos abrangendo, por exemplo, toda a “personalidade”. O autor conclui dizendo que o declínio dos testes parece estar diretamente relacionado com o medo de descobrir que os indivíduos diferem. Mudanças nos valores sociais como estas podem ter um grande impacto na mudança nas práticas de psicodiagnóstico. (Cleveland, 1976, p. 317). Nestas circunstâncias, não é de estranhar a redução do papel de psicometrista e o menor uso de testes como recurso no desempenho de seus papéis. Conseqüentemente, isto deve ter implicações para a revisão da formação destes profissionais. Muitos destes problemas com os testes e que se refletem no papel de Psicometrista, poderiam ter sido evitados se um maior esforço de pesquisa fosse devotado aos mesmos, antes de se fazer um uso generalizado e indiscriminado dos mesmos. Aqui, o Psicólogo Escolar poderia fornecer uma contribuição significativa não só na produção, mas também na padronização e em outros aspectos relacionados à pesquisa de validade e precisão destes instrumentos. O autor critica inclusive publicações sobre o assunto em revistas como Psychology Today, no Reader’s Digest e livros como os de Whyte Jr. (1956) e Black (1962). Ver também: Meehl (1959); Sines (1970) 420 História Realmente as origens da Psicologia Escolar de certa forma constituíram fatores marcantes no delineamento de alguns papéis atribuídos aos Psicólogos Escolares, conforme já se disse aqui. Mas, ainda que possam parecer incongruentes estes fatores também contribuíram para a diversificação de papéis e técnicas que se registraria mais tarde. Apoiando-se ora na Psicologia, ora na Educação, ora na Sociologia ou outras disciplinas de área correlata, o Psicólogo Escolar ficou menos restrito que outros especialistas e teve a oportunidade “sui generis” de poder testar novas técnicas, idéias, métodos e instrumentos. Muitos dos quais transpostos de outras áreas que não a Psicologia. A Psicologia Escolar parece ser a única especialidade na psicologia que considerou seriamente, em todas as épocas, quase todas as práticas correntes na psicologia, na educação, e em campos próximos... Se houver algo a ser tentado o psicólogo escolar o tentará! (Bardon, 1976, p. 787). Este fato parece ter levado à caracterização de novos papéis e funções para o psicólogo e ampliado sensivelmente a expectativa da escola e da comunidade em relação a este profissional. Referências ALBEE, G.W. The uncertain future of clinical psychology. American Psychologist, 1970, 25: 1071-1080. BARDON, J.I. School psychology and school psychologists: Are approach to an old problem. The American Psychologist, 1968, 23: 187-194. BARDON, J.I. School psychology training trends in the early 1970. Professional Psychology, 1976, 7: 31-37. BLACK, H. They shall not pass. New York: Randon House, 1961. BORG, W. R. Some fallacies in the “fallacy of homogeneity”. Journal of School Psychology, 1966, 5:68-70. CLEVELAND, S.E. Reflexions on the rise and fall of psychodiagnosis. Professional Psychology, 1976, 7:309-318. FAIRCHILD, T.N. Accountability: practical suggestions for school psychologists. Journal of School Psychology. 1975, 13: 149-159. FAIRCHILD, T.N. An analysis of the services performed by a school psychologist in an urban area: Implications for training programs. Psychology in the Schools, 1974, 11: 275-281. MEEHL, P.E. A comparison of clinicians with five statistical methods of identifying psychotic MMPI profiles. Journal of Counseling Psychology, 1959, 6: 102-109. REYNOLDS, W.M. & SUNDBERG, N.D. Recent research trends in testing. Journal of Personality Assessment, 1976, 40: 228-233. ROBERTS, R.D. Perceptions of actual and desired role functions of school psychologists by psychologists and teachers, Psychology in the Schools, 1970, 7: 175-178. SINES, J.O. Actuarial vs clinical prediction in psychopathology. The British Journal of Psychiatry, 1970, 116: 129-144. WHYTE JR., W.H. The organization man. New York: Simon & Schister, 1956. Comentários Conforme se deduz da consulta a obras gerais, como o livro The World of Psychology (Wood & Wood, 1996) a preocupação com a medida é uma constaste em todas as áreas da Psicologia embora, como no passado, o desenvolvimento de instrumentos específicos se faça mais presente em umas do que em outras. Entre as primeiras e mais freqüentes podem ser mencionadas: memória, inteligência, cognição, linguagem, criatividade, desenvolvimento, aprendizagem, motivação, sexualidade e sócio-psicopatologias. Medida e instrumentação são partes essenciais das ciências. Em todas elas há sempre um grupo de profissionais dedicados exclusiva ou parcialmente ao seu desenvolvimento. O mesmo ocorre na Psicologia de um modo geral. Todavia, há momentos na história em que tais esforços são mais valorizados ou são vistos como de menor relevância. A tese destaca o clima menos favorável que ocorria nos anos setenta e hoje há uma postura mais positiva, otimista e condizente com as necessidades de uma ciência em desenvolvimento. A expressão que se desenvolveu com o tempo para designar a área tornou-se mais abrangente e passou a Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 413-425 421 incluir os testes foi Avaliação Psicológica, passando no Brasil por uma fase denominada Técnicas de Exame Psicológico (TEP) com que aparece ainda hoje na maioria das grades curriculares dos cursos. Assim hoje é mais raro se usar psicometria embora possa aparecer em textos de história, quando os autores tomam o cuidado metodológico correto de preservar a nomenclatura de época, ou em textos específicos, em geral de cunho metodológico. O texto aqui comentado usa linguagem da época e aponta para as diferenças, (na tese há uma outra parte para Avaliação – Witter, 1977), dificuldades e limitações. Entretanto, ainda é mantida a psicometria que passou a ser considerada como ramo da psicologia dedicada ao desenvolvimento e à aplicação de técnicas estatísticas para análise de dados. Também é mensuração psicológica em que se obtém estimativas numéricas de um aspecto do desempenho. (Walker Jr., 1997). Inclui como sub-áreas: medidas, testes psicológicos, teoria dos itens de resposta, psicofísica, análise estatística, aplicação e interpretação de testes, bem como estudos experimentais envolvendo estes aspectos. Ainda não está disponível um contexto ideal, adequado, não abusivo dos testes e outras medidas psicológicas, mas a evolução já permite antever progresso substancial na área. O uso exclusivo de testes para avaliação, ainda que tenham boas características psicométricas, continua a ser considerado inadequado por um amplo conjunto de razões como: restrição ou cegueira teórica na visão do que é avaliado, desconstextualização tempo-espacial, abrangência de aspectos do fenômeno estudado, formatação, rápidas mudanças sócio-culturais de hoje que levam à rápida desatualização que as pesquisas de atualização não estão acompanhando no mesmo ritmo, etc. (Fiene, McMahon, 2007, Johnston, Costello, 2005). No Brasil do começo do século XX até o final do mesmo (anos 90) cresceu a preocupação com a avaliação conforme dados de Alchieri e Scheffer (2000) analisando revistas nacionais com predomínio de testes de Personalidade, seguida de áreas pulverizadas, avaliação intelectual e de habilidades e aptidões. Sendo apreciável o crescimento nas últimas décadas. Noronha e Alchieri (2002) enfatizam a necessidade 422 de pesquisas sobre o desenvolvimento da área no Brasil e de pesquisas de metaciência. A própria estrutura do livro organizado por Primi (2002) mostra a preocupação maior centrada nas áreas tradicionalmente mais investigadas. Também fica registrada alguma preocupação de cunho metodológico. Em 2003, Pacheco em pesquisa de metaciência enfocando seis periódicos nacionais (1997 a 2002) estudou a produção científica sobre avaliação psicológica verificou que, dos 549 artigos dos periódicos 27,3% eram sobre o tema pesquisado, sendo que Psicologia: Reflexão e Crítica apresentou maior ocorrência (33,3%). Predomina a autoria múltipla o que é um bom resultado em termos de cientometria. No todo houve equilíbrio de gênero entre os produtores, na maioria docentes universitários (65,8%), sendo o grupo maior da USP (18,2%) e prevalecem as pesquisas (88,2%) sobre os trabalhos teóricos (11,8%). Testes e escalas foram os recursos mais estudados (30,1% e 22,2%). A produção tende a atender aos parâmetros esperados em ciência como indicativos de bom desenvolvimento. Para que se estabelecesse condições favoráveis é preciso lembrar algumas variáveis relevantes que ocorreram ao longo do decurso entre a apresentação da tese e a situação atual. Desde a primeira gestão do Conselho Federal de Psicologia, sob a presidência de Arrigo Leonardo Angelini, a preocupação com a avaliação psicológica se fez presente, especialmente com o uso inadequado de testes e escalas. Encontros de especialistas, discursos em eventos foram feitos, mas se esbarrava na resistência dos próprios profissionais. Nas sucessivas gestões do Conselho Federal de Psicologia a matéria continuou como uma dificuldade a ser superada. A Resolução CFP 025/2001 ao definir os testes psicológicos como método de avaliação privativo do psicólogo e regulamentar sua elaboração, comercialização e uso viabilizou um grande avanço de qualidade na produção científica e no uso de testes e escalas no Brasil. Também é preciso lembrar que o aumento da produção de testes em condições de uso seguro passou a influir não apenas na qualidade dos serviços, mas na credibilidade das avaliações feitas. Conseqüentemente, melhorou a imagem dos profissionais dedicados à História área não só na Psicologia como no intercâmbio com outros profissionais. Este clima mais favorável às medidas tem uma abrangência mundial e decorre de melhor cuidado com aspectos diversos dos testes (Wechsler, Guzzo, 1999), do próprio amadurecimento da Psicologia e dos responsáveis por seu crescimento. Aspectos específicos do processo de criação dos testes passaram a ser melhor cuidados. Apesar de se carecer de estudos profundos sobre os cuidados no uso e interpretação dos resultados, tudo indica que a situação hoje é bem mais compatível com o científica e eticamente recomendável. Todavia, vale atentar para as considerações de Patto (1997) ainda pertinentes quando a formação de profissional não o alerta para problemas como o uso inadequado e político de instrumentos de avaliação. Uma produção científica de qualidade e uma formação sólita evitam erros e usos indevidos. Um exemplo é o trabalho Núñez, Núñez e Pinha (2006) enfocando técnicas para detectar os padrões aberrantes de respostas que são úteis na construção de testes e para a criação de bancos de itens para testes, com características psicométricas e de validade conhecida. Certamente são conhecimentos importantes tanto para os que produzem como para os que usam tais instrumentos. Em cursos de pós-graduação centrados nos testes, escalas e outras medidas psicológicas é certamente um assunto de relevo já que como lembram os autores a questão diz respeito a todas as principais atividades da Psicometria (escalograma, teorias, generalização, análise de itens, modelos não paramétricos etc). A credibilidade dos instrumentos também decorreu de desenvolvimento de instrumentos específicos isolados ou de baterias de testes para avaliar questões específicas. Como exemplo de bateria deste tipo pode ser a pesquisada por Sartori, Belliard, Chevier, Trebon e Edan (2006) para avaliar déficit cognitivo decorrente de esclerose múltipla que leva à incapacitação progressiva. A bateria validada em francês compreende vários testes, detecta sinais diversos, viabiliza encaminhamentos, o acompanhamento do tratamento e a eficácia potencial de vários procedimentos terapêuticos. Como exemplo do primeiro caso pode-se lembrar a Construção da Escala de Empregabilidade: competências e habilidades sociais, elaborada por Lara Campos (2006) que fez um amplo e profundo estudo psicométrico, propondo instrumento de que tanto era carente a Psicologia no Brasil, quer no setor organizacional, quer no de orientação profissional. Também nas últimas décadas, os movimentos de inclusão das pessoas atípicas ou com necessidades especiais impulsionou parte da psicometria para o desenvolvimento de instrumentos específicos para diversas limitações físicas. Cromwell (2005) retoma as questões enfrentadas pelos psicólogos para testar pessoas que apresentam sérias limitações auditivas. O uso da linguagem de sinais foi um avanço, mas nem todo psicometrista ou pessoa surda domina a linguagem. Espera que a Arte da Psicometria resolva tais problemas. Crítica o comodismo dos psicometristas e dos profissionais da área que parecem acomodados no contexto de ignorância do qual precisam sair e evoluir. Muitos parecem não estar cientes de mudanças específicas em Psicometria. Mas outros estão criando novas possibilidades. Entretanto, apesar dos avanços alcançados há ainda um longo caminho a percorrer para melhorar a área da psicometria não só no Brasil como no exterior. Ainda há carência de instrumentos específicos em muitas áreas. Bedford (2006) lembra a necessidade da psicometria disponibilizar instrumentos para o diagnóstico de demência, por exemplo. Na área da Psicologia Escolar, o papel da psicometria, segundo Damusi e Desjarlais (2004) continua a ter destaque na medida e descrição das diferenças intelectuais, na definição de políticas e técnicas educacionais, na avaliação de estilos perceptivos cognitivos, modos de percepção, tratamento da informação, dependência – independência de campo, estabilidade psicológica, diferenciação psicológica, gênero, estilo cognitivo, traços de personalidade, mecanismos de defesa, problemas psicopatológicos entre outros. Em uma perspectiva mais sintética as áreas em que mais estão sendo usados os testes, segundo os autores são cognição, aprendizagem de comportamentos típicos dos vários estilos cognitivos, matérias acadêmicas, solução de problemas e apren- Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 413-425 423 dizagem de conceitos. Os instrumentos são recursos para fazer avaliações, por exemplo, do estilo cognitivo de modo a facilitar a aprendizagem para os alunos. A questão de gênero é uma preocupação constante entre educadores e pesquisadores educacionais para garantir equidade no atendimento (McCormick, 2006). Para que tenham igual atenção é preciso medir as diferenças em capacidades cognitivas, atitudes (Cassidy, 2006) o que é básico para educação para a cidadania (Crocco e Libresco, 2006) e para inclusão (Brown e Roy, 2006, Koch, 2006, Bell e Norwood, 2006). Nestas circunstâncias, não é de surpreender o surgimento e o aprimoramento de testes na área. Pelo exposto é evidente que hoje as condições ambientais e técnico-científicas criaram uma maior aceitabilidade e uso crítico das medidas psicológicas, notadamente para os testes e escalas. Entretanto é necessário conduzir pesquisas junto aos profissionais que estão atuando para uma caracterização do como o recomendável se efetiva. Também é preciso verificar como os futuros psicólogos estão sendo formados no que concerne à avaliação. Certamente inserir umas poucas questões constantes no instrumento de avaliação dos alunos dos cursos, embora útil, não é suficiente. São necessárias pesquisas mais específicas e que enfoquem aspectos conceituais, metodológicos e práticos da aplicação e uso de tais instrumentos. Referências Alchieri, J. C., & Scheffel, M. (2000). Indicadores da Produção Científica Brasileira em Avaliação Psicológica: resultados da elaboração de uma base de dados dos artigos publicados em periódicos brasileiros de 1930 a 1999. Anais do V Encontro Mineiro de Avaliação Psicológica e prática e VIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica – formas e contextos (pp. 99100). Belo Horizonte: PUC-MINAS. Bedford, S. (2006). Disseminating psychological skills in old age psychiatry services. Psychiatric Bulletin, 30(5), 194. Bell, K. N., & Norwood, K. (2006). Gender Equity Intersets with Mathematics and Technology: problem-solving education for changing times. Em D. Sadker & E. S. Silber (Eds.), Gender in the classroom: foundations skills, methods, and strategies across the curriculum (pp. 225-258). Condon: Lawrence Erlbaum Ass. 424 Brown, S. P., & Roy, P. A. (2006). A Gender – Inclusive Approach to English/ Language Arts Methods: literacy with a critical lens. Em D. Sadker & Silber, E. S. (Eds.), Gender in the classroom: foundations skills, methods, and strategies across the curriculum (pp. 165-204). Condon: Lawrence Erlbaum Ass. Cassidy, K. W. (2006). Gender differences in Cognitive Ability, Attitudes, and Behavior. Em D. Sadker & E. S. Silber (Eds.), Gender in the classroom: foudations, skills, methods, and strategies across the curriculum (pp. 33-72). Condon: Lawrence Erlbaum Ass., Publs. Crocco, M. S., & Libresco, A. S. (2006). Citizenship Education for the studies. Em D. Sadker & E. S. Silber (Eds.), Gender in the classroom: foundations skills, methods, and strategies across the curriculum (pp. 109-164). Condon: Lawrence Erlbaum Ass., Publs. Cromwell, J. (2005). Deafness and the art of psychometric testing. The Psychologist, 18(12), 738-740. Damusi, V., & Desjarlais, L. (2004). La dépendance – independance du champ comme style cognitif: certaines consequences psychopedagogiques. European Review of Applied Psychology/ Revue Européenne de Psychologie Appliquée, 54(2), 65-72. Fiene, J., & McMahon, S. (2007) Assessing comprehension a classroom-based process. The Reading Teacher, 60(5), 406419. Johnston, P., & Costello, P. (2005). Principles for literacy assessment. Reading Research Quarterly, 40(2), 256-267. Kock, J. (2006). A Gender Inclusive Approach to Science Education. Em D. Sadker & E.S. Silber (Eds.), Gender in the classroom: foundations skills, methods, and strategies across the curriculum (pp. 205-224). Condon: Lawrence Erlbaum Ass., Publs. Lara Campos, K. C. (2006). Construção de uma escala de empregabilidade: competências e habilidades pessoais. Tese Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. McComick, J. (2006). Strong Women Teachers: their struggles and strategies for gender equity. Em D. Sadker & E. S. Silber (Eds.), Gender in the classroom: foundations skills, methods, and strategies across the curriculum (pp. 1-32). Condon: Lawrence Erlbaum Ass., Publs. Noronha, A. P. P., & Alchieri, J. C. (2002). Reflexões sobre os Instrumentos de avaliação psicológica. Em R. Primi (Org.), História Temas em Avaliação Psicológica (pp. 7-16). Campinas: Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica. Núñez, R. M., Núñez, P., & Pina, J. A. L. (2006). Técnicas para detectar patrones de respuesta atípicas. Anales de Psicologia, 22(1), 143-154. Pacheco, E. M. C. (2003). Produção Científica em Avaliação Psicológica: Análise de Periódicos Brasileiros (1997-2002). Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. neuropsychometrique dans la selérose en plaques. Proposition d’une batterie de déspistage en langue française et facteurs de risqué cognitifs. Revue Neurologique, 162(5), 603-615. Walker Jr., A. (Ed.). (1997). Thesaurus of psychological index terms. Washington, DC: American Psychological Association. Wechsler, S. M., & Guzzo, R. S. L. (Orgs.). (1999). Avaliação Psicológica: perspectiva internacional. São Paulo: Casa do Psicólogo. Patto, M. H. S. (1997). Para uma crítica da razão psicométrica. Psicologia – USP, 8(1), 47-62. Witter, G. P. (1977). O Psicólogo Escolar: pesquisas e ensino. Tese de Livre Docência em Psicologia Escolar, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. Primi, R. (Org.). (2002). Temas em avaliação psicológica. Campinas: Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica. Wood, S. E., & Wood, E. G. (1996). The world of Psychology (2ª ed.). Boston: Allyn and Bacon. Sartori, E., Belliard, S., Chevrier, C., Trebon, P., Chaperon, J., & Edan, G. (2006). De la psychométrie au handicap Recebido em 16/04/2007 Revisado em: 08/10/2007 Aprovado em: 17/12/2007 Sobre a autora: Geraldina Porto Witter ([email protected]) – Universidade Castelo Branco Av. Pedroso de Moraes, 144/302 - Pinheiros - CEP 05420-000 - São Paulo - SP Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 413-425 425 Sugestões Práticas Orientações para busca bibliográfica on-line Orientações para busca on-line A guide to an on-line bibliographic search Isabel Cristina Dib Bariani Cristiane Guidetti Dias Íris de Miranda Marina Colosso Mirian Maria Zucareli Rosa Rafaela Paula Marciano Renan Ribeiro Vilela Na construção de trabalhos científicos, apesar da peculiaridade de cada projeto e dos estilos pessoais de seus autores, que imprimirão características na organização e nos procedimentos adotados, há importantes diretrizes que devem ser seguidas. A revisão da literatura é uma peça fundamental no processo de realização de um trabalho científico, podendo, ela própria, constituir-se em um trabalho de pesquisa (Luna, 1996). O certo é que para a construção de trabalhos científicos (projetos de pesquisa, relatórios de pesquisa, monografias, etc) é imprescindível que se tenha uma fundamentação teórica, que deve ser elaborada a partir da literatura especializada da área que se está abordando. A literatura científica é encontrada tanto em bibliotecas quanto em páginas de web sites, no entanto, atualmente, quase a totalidade dos acadêmicos e profissionais das diferentes áreas do conhecimento realiza seus trabalhos de levantamento bibliográfico, ou seja, a localização e busca metódica dos documentos que possam interessar, através de sites de busca especializados, isto é, busca em Bases de Dados online. Bases de Dados on-line são bibliotecas virtuais nas quais podem ser encontrados: resumos e artigos na íntegra; Teses, Dissertações e Monografias e livros ou suas referências. Apesar de amplamente utilizada, nem todas as pessoas que realizam buscas bibliográficas on-line obtêm resultados satisfatórios. Muitas vezes isso acontece, especialmente com os estudantes de graduação, devido à falta de conhecimentos para a sua execução. Nesse sentido, o presente texto visa oferecer algumas diretrizes que facilitem a identificação de literatura especializada, pois ainda são poucos os autores de Metodologia do Trabalho Científico que se propõem a oferecer instruções específicas para a pesquisa bibliográfica na internet, tal como o fazem Andrade (2001) e Severino (2000). E, assim como apontado por este último, as orientações aqui apresentadas não focam em aspectos técnicos, sendo apenas indicações operacionais que podem subsidiar o trabalho do usuário comum. Convém destacar que as mesmas têm sido usadas com sucesso por estudantes universitários, o que justifica o interesse dos autores em fazer esta publicação. Otimização das buscas em web sites Um resultado satisfatório nas bases de dados depende da seleção criteriosa dos descritores que serão utilizados. Descritores são palavras-chave que ajudam na indexação dos dados na internet e identificam os textos. 427 • Selecione os descritores cuidadosamente de acordo com o tema escolhido. - Estes não precisam estar necessariamente contidos no problema de pesquisa, ou seja, na questão específica que pretende investigar, mas devem ser referentes ao tema geral do trabalho. Por exemplo, para o problema de pesquisa “Há diferenças entre os motivos que levam homens e mulheres à infidelidade?” Os descritores podem ser, além das palavras-chaves contidas no problema de pesquisa – neste caso “infidelidade” – também: “fidelidade”, “relacionamento amoroso”, “relacionamento extraconjugal”, “traição”, “fiel”, “infiel”. - Evite o uso de descritores muito amplos. Por exemplo, para o mesmo problema de pesquisa acima, evite descritores como homem, mulher, motivos. • Verifique se a palavra escolhida é um descritor: Como? - Uma possibilidade é ir ao site da Bireme http:// www.bireme.br; - Procure na página inicial um tópico chamado Diretório, Portais; - Neste diretório, clique em DeCS - Terminologia em saúde; - Ao abrir a nova janela, clique em Consulta ao DeCS - Nesta página as palavras selecionadas poderão ser escritas na caixa de texto e, assim, verificar se são descritores ou não. É importante lembrar de anotar com quais palavras já se obteve sucesso e, desse modo, são descritores e quais não são descritores. O link direto para este site de busca de descritores é: http://decs.bvs.br/cgi-bin/wxis1660.exe/decsserver/ ? I s i s S c r i p t = . . / c g i - b i n / decsserverdecsserver.xis&interface_language= p&previous_page=homepage&previous_task= NULL&task=start • Use somente substantivos e adjetivos e, preferencialmente, use palavras no singular. Não use preposições, conjunções ou artigos. 1 • Se necessário, use sinônimos. Por exemplo, ao tratar da gravidez na adolescência, não utilize apenas os descritores “gravidez” e “adolescência”, mas também outros como “gestação” e “jovem”. • Em bases de dados nacionais, utilize descritores em português. • Em bases de dados internacionais, utilize descritores em inglês. • Cada site tem regras próprias – consulte o ícone Ajuda! • Planeje a busca e SEMPRE anote os sites e os descritores utilizados. Conforme a pesquisa vai se desenvolvendo, pode-se precisar de mais referências, e as anotações dos sites e descritores evitarão que você acesse novamente aqueles que já foram utilizados. (Verificar o anexo com um exemplo de esquema de anotações!). • Para refinamento, use busca avançada, se o site oferecer esse serviço. Por exemplo, ao buscar material apenas de um determinado período. • A busca exata é facilitada quando se escreve palavras ou frases entre aspas. Por exemplo, se a pesquisa é sobre Relacionamento Amoroso, é conveniente que se considere como um descritor o “Relacionamento Amoroso”, pois se não houver o uso das aspas a busca considerará “Relacionamento” e “Amoroso”, que são descritores distintos. • Para melhorar a qualidade do resultado da pesquisa, contribuindo para o direcionamento da busca, devem ser usados os operadores boleanos1, ou seja, as expressões AND, OR, NOT, NOR (NOT+OR). Uso de operadores boleanos: AND – para localizar mais de um termo na mesma referência Ex: adolescência AND emprego; NOT – para excluir um termo comum de ser encontrado com a palavra-chave usada; Ex: idoso NOT aposentadoria NOR – para excluir mais termos comuns de serem encontrados com a palavra-chave usada; Ex: idoso AND emprego NOT aposentadoria NOR saúde Booleana: um tipo de álgebra devida ao matemático inglês George Boole (1815-1864); uma das bases da inteligência artificial. (Andrade, 2001, p.50) 428 Sugestões Práticas Anexo - Exemplo de Esquema de Anotações Exemplo de problema de pesquisa: A depressão pós-parto altera a relação mãe-bebê? Site de busca: http://www.scielo.br 1. Descritores utilizados (e operadores): depressão AND parto Artigos encontrados (e referências): • Schwengber, Daniela Delias de Sousa and Piccinini, Cesar Augusto, “O impacto da depressão pós-parto para a interação mãe-bebê”, Estud. psicol. (Natal), Dez 2003, vol.8, no.3, p.403-411. • Zinga, Dawn, Phillips, Shauna Dae and Born, Leslie, “Postpartum depression: we know the risks, can it be prevented?”, Rev. Bras. Psiquiatr., Oct 2005, vol.27, suppl.2, p.s56-s64. 2. Descritores utilizados (e operadores): depressão AND parto NOT adolescência Artigos encontrados (e referências): • Cruz, Eliane Bezerra da Silva, Simões, Gláucia Lucena and Faisal-Cury, Alexandre, “Rastreamento da depressão pós-parto em mulheres atendidas pelo Programa de Saúde da Família”, Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Abr 2005, vol.27, no.4, p.181-188. 3. Descritores utilizados (e operadores): maternidade OR parto AND depressão Artigos encontrados (e referências): • Motta, Maria da Graça, Lucion, Aldo Bolten and Manfro, Gisele Gus, “Efeitos da depressão materna no desenvolvimento neurobiológico e psicológico da criança”, Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul, Ago 2005, vol.27, no.2, p.165-176. Referências Andrade, M. M. de (2001). Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. SP, Editora Atlas. Luna, S. V. de (1996). Planejamento de pesquisa. SP, Educ. Severino, A. J. (2000). Metodologia do Trabalho Científico. SP, Cortez. Sobre os autores Isabel Cristina Dib Bariani ([email protected]) Professora da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas Cristiane Guidetti Dias - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas Íris de Miranda - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas Marina Colosso - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas Mirian Maria Zucareli Rosa - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas Rafaela Paula Marciano - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas Renan Ribeiro Vilela - Aluno do Curso de Psicologia da PUC-Campinas Nota dos autores Esse texto foi elaborado como recurso didático-pedagógico para a disciplina Métodos de Pesquisa em Psicologia, Curso de Psicologia da PUCCampinas, pelos monitores do ano de 2007, sob orientação da Profa. Isabel Cristina Dib Bariani. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 427-433 429 Como educar para a paz How peace education can be achieved Elizabeth dos Santos Columa Não há caminhos que levem à Paz: a Paz é o caminho. M. Gandhi O que é paz? O vocábulo paz possui conotações diversas na língua portuguesa, entre elas, a “de um estado de um país que não está em guerra, união, concórdia nas famílias ou tranquilidade da alma.”1 Existem na literatura tantas definições de paz quanto às disciplinas que a estudam (Columa, 2001). Independentemente do seu significado referencial, paz é a condição de vida que almejamos em todas as dimensões da existência humana, incluindo a política, social, psicológica e pessoal. Paz tem uma conotação positiva e negativa, sendo que a primeira pressupõe certos padrões de justiça, harmonia com a natureza, cidadania e participação em formas democráticas de governo. Na Paz negativa existe a priori algum tipo de conflito a ser combatido. Daí a dicotomia Paz Positiva, que constrói a paz como parte do currículo escolar regular, e Paz Negativa, cujo objetivo é a contenção e prevenção de diferentes manifestações da violência. A ausência de guerras ou a não-violência, por sua vez, não necessariamente pressupõe a existência da Paz. Esta envolve mais que a não-violência. A paz significa seres humanos trabalhando juntos para resolver conflitos; ela respeita padrões de justiça, satisfaz necessidades básicas do homem e honra os direitos humanos (Morrison & Harris, 2003). Em contrapartida, o mundo de hoje, longe de propiciar a paz que tanto idealizamos, está cada vez mais conturbado e violento. E a mídia e as fontes de entretenimento em geral agravam essa situação reportando incessantemente notícias que vão desde a destruição do planeta à destruição de vidas por guerras, pela violência urbana e as mais diversas formas de opressão. 1 Hannah Arendt, filósofa e prolífera escritora sobre direitos humanos e o fenômeno da violência, constatou que “muito da presente glorificação da violência é causada pela severa frustração da faculdade da ação no mundo moderno” (1994, 60). Pode-se claramente deduzir do pensamento de Arendt sobre a importância do agir e reagir perante tal fenômeno que certamente se aplica amplamente ao tema em questão. A cultura da violência No campo da educação, há muito que discorrer sobre o tema. Refletindo o mundo lá fora, a escola atual enfrenta conflitos e enormes desafios. A cultura da violência, normalmente associada à exclusão social, altos índices de desemprego e falta de oportunidades de ascensão, enfraquece os alicerces da escola e desnorteia seu rumo. Isto tem gerado uma crise de identidade da escola pública, para empregar a frase de Nascimento, pois ela tem sido incapaz de promover, a longo prazo, uma melhor qualidade de vida para os alunos, tradicional missão da escola. Como consequência, “pais e educadores/as têm manifestado uma grande preocupação com as frequentes expressões da violência no interior das escolas, tais como: a interferência e a presença do narcotráfico no cotidiano escolar, a depredação dos prédios e materiais escolares, as brigas e agressões entre alunos/as e entre estes/as e os adultos que trabalham nas escolas e a violência familiar, que apesar de estar localizada, quase sempre, fora dos muros escolares, interfere significativamente no trabalho que aí se realiza” (2000, 48 ). Uma elaboração sobre as causas da deteriorização do ensino público estaria fora do escopo desta seção (Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis, Editora Melhoramentos, São Paulo, 1998). 431 nem caberia atribuí-la exclusivamente à violência escolar. Talvez esta seja a causa, não consequência. No entanto, pode-se concluir com um grau de certeza que a violência é um reflexo da crise de valores (morais, éticos, humanísticos) em que a violência se insere e que o Brasil e o mundo em geral atravessam. Educar para a paz No entanto, o contexto sócio-político em que se dá a Educação Para Paz (EPP) é fator determinante para a realização de metas e objetivos (Solomom & Nevo, 2002). Cada país implementa programas e trata do assunto de acordo com sua própria visão cultural. Consequentemente, o ensino da EPP difere quanto à ideologia, ênfase, conteúdo, práticas e objetivos. Na Austrália, por exemplo, a EPP enfrenta o desafio do etnocentrismo enquanto tenta, ao mesmo tempo, promover o desarmamento nuclear e a diversidade cultural. No Japão, enfatiza-se o tipo de responsabilidade pelos atos de violência cometidos no passado e o militarismo assim como o desarmamento nuclear. Nos Estados Unidos, interessa-se mais pelo combate ao preconceito racial, à violência e questões sobre o meio-ambiente. Em países em desenvolvimento, a maior preocupação é com o que se denomina “violência estrutural”, ou seja, a desigualdade sócio-econômica e injustiça social. Além disso, a EPP pode abordar a violência de três formas distintas (Morrison & Harris, 2003): Manter a Paz, Fazer a Paz e Construir a Paz.. Para Manter a Paz, educadores utilizam atividades de prevenção da violência a fim de criar nas escolas um clima organizado de aprendizagem que se assemelha a políticas governamentais que investem recursos astronômicos em defesa e prisões para garantir segurança a seus cidadãos. Para Fazer a Paz, a resolução de conflitos se tornou uma das reformas escolares mais empregadas nas últimas décadas; os alunos aprendem técnicas de resolução de disputa na tentativa de resolverem construtivamente seus próprios conflitos. Para Construir a Paz, observa-se ainda uma escassez de métodos, por esta ser menos divulgada que as outras. Nesta abordagem, a paz é construída, ou seja, é cultivada desde a infância escolar por meio de um incentivo de atitudes positivas e implementação de valores promoven432 do um mundo mais justo e igual. Este é o programa encontrado nas denominadas ‘regiões de relativa tranquilidade’. A EPP não deve ser rígida nem padronizada, concluiu Reardon (1997) após analisar mais de uma centena de currículos nesta área. Segundo a pesquisadora, a EPP atua, respectivamente, nos domínios da cognição, do comportamento e da atitude nas oito seguintes áreas: cooperação, resolução de conflito, não-violência, direitos humanos, justiça social, recursos mundiais, meioambiente global, e compreensão multicultural. Os programas em EPP, no entanto, não estão isentos de problemas. A prática ainda se vê defasada em relação à teoria; há escassez de avaliação dos programas (somente 30% dos programas mundiais em EPP são avaliados); e a aplicação de um currículo em EPP nem sempre se transfere para outros locais (Solomom & Nevo, 2002). A partir destas conclusões e das idéias acima introduzidas, em seguida o tema será explorado do ponto de vista da aplicação destas idéias na realidade educacional no Brasil como em qualquer país onde a Educação para a Paz, em ambos os sentidos de Construir e Fazer a Paz, se faça urgente e vital. Sugestões práticas Primeiramente, a Educação para a Paz deve ser embasada em uma compreensão significativa de conceitos fundamentais tais como os fatores que causam a violência, o real significado da não-violência e os métodos pedagógicos disponíveis para alcançá-la ou mantê-la. Quanto aos métodos de EPP, há uma vastidão de propostas de metodologias e currículos que traduzem os anseios de educadores e especialistas nesta área. Normalmente avocam o uso de conhecidas técnicas como a cooperação, a colaboração, o diálogo, a criatividade, e o altruísmo. Algumas metodologias são mais gerais e abrangentes enquanto outras, mais específicas e localizadas. Embora não sejam propriamente revolucionárias em termos de concepção, elas podem tornar-se instrumentos úteis e eficazes. As recomendações serão listadas a seguir, constituindo uma pequena amostra das mais relevantes idéias extraídas de diversos autores. Independente do objetivo para que possa ser utilizado, o conteúdo das Sugestões Práticas recomendações oferece mais uma forma de reflexão sobre esse tema. Elas tendem a ser específicas ou abrangentes, aplicando-se, respectivamente, ao âmbito escolar e educadores ou à sociedade e ao governo. As dez recomendações que se seguem, porém se aplicam somente ao âmbito escolar, ainda de que forma bastante ampla. Finalmente é importante ressaltar, conforme anteriormente mencionado, a importância da avaliação dos programas de EPP e de sua implementação direcionada às necessidades locais de cada região ou de cada país, tendo em mente que trabalhar para a construção permanente da paz é sempre o ideal de todos nós. Recomendações finais 1. Promover uma educação que envolva valores humanos e sociais, resolução de conflitos através do diálogo e a construção da justiça (Nascimento, 2000). 2. Desenvolver uma cultura dos direitos humanos através do reconhecimento da dignidade de cada pessoa (Candau,2005). 3. Redefinir o papel da educação, onde predomine a forma da “violência estrutural” (Nascimento, 2000). 4. Dar voz aos estudantes e desenvolver formas participativas de construção de normas (Nascimento, 2000). 5. Lutar pela manutenção da paz ressaltando a valorização da ética, da criatividade, das experiências e da reflexão constante sobre nossas ações (Beauclair, 2007). 6. Identificar recursos e material de apoio a serem utilizados num curso, currículo ou programa em EPP, quer seja ele informal ou formal (Morrison & Harris, 2003). 7. Refletir sobre o impacto de nossas ações sobre o meio físico e psicológico da escola e do ambiente à nossa volta (Beauclair, 2007). 8. Estimular a aquisição de competências, as quais os alunos poderão utilizar para desenvolverem estratégias não-violentas para toda a vida (Columa, 2001). 9. Focar na formação de um ser social com o potencial de falar e se comunicar, como principal estratégia para a resolução de conflitos (Nascimento, 2000). 10. Criar sentido para a construção de um novo tempo num mundo em complexa interdependência (Beauclair, 2007). Referências Arendt, H. (1994). Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume – Dumará. Beauclair, J. (2007). No tempo do possível: notas sobre educação para a paz. Em Revista Iberoamericana de Educación,42(2), 1-6. Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (OEI),. Columa, E. (2001). Educação para a paz. Revista Educação e Ensino-USF, 6(2), 37-41. Johnson, M. L. (1998). Trends in peace education. ERIC Database. Morrison, M., & Harris, L. (2003). Peace education. (2ª ed.). Jefferson, Carolina do Norte: McFarland & Company. Nascimento, M. (2000). Por uma educação pela paz e pela não violência. Revista Novamerica, (48). Reardon, B. A. (1997). Human rights as education for peace. Em G. Andreopoulos & R. P. Claude (Eds.), Human Rights Education for the Twenty-First Century (21-34). Filadelfia: University of Pennsylvania Press. Solomom, G., & Nevo, B. (2002). Peace education: the concept, principles, and practices around the world. Nova Yorque: Lawrence Erlbaum Associates. Sobre a autora Elizabeth dos Santos Columa ([email protected]) - educadora bilíngüe e consultora para empresas brasileiras e multinacionais nas áreas de competência intercultural, comunicação comercial e resolução de conflitos. Endereço para correspondência Rua das Palmeiras, 79 Apt. 406, Botafogo Rio de Janeiro, RJ 22270-070 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 427-433 433 Informativo Notícias Bibliográficas Niskier, A. (2007). 10 anos de LDB: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Consultor, 239 p. Independentemente do nível de ensino em que atue, o profissional da educação tem aqui uma revisão útil de toda a legislação brasileira a partir da Lei nº 9.394/96. Serrano, C., Waldman, M. (2007). Memória D’África: a temática africana em sala de aula. São Paulo. Cortez, 327 p. Em sete capítulos, além da apresentação, enfocam a percepção da África, o espaço africano, suas características e peculiaridades, tradições, influências européias, lutas pela independência, desafios e oportunidades. Apresenta anexos narrando histórias interessantes. No final, em apêndice trasncreve leis brasileiras como a Lei nº 10.639 de 09/01/2003 que torna obrigatória a temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo das escolas brasileira; Decreto nº 4.886, de 20/11/2003 que institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial e a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Satrapi, m. (2007). Persépolis (completo). Tradução do francês de P. Werneck. São Paulo: Cia das Letras. Histórias em quadrinhos de grande êxito internacional, aglutinadas em livro que consiste no empenho da autora para contar sua vida e os contrastes vivenciados do viver na Europa e no Irã. É material utilizável em todos os níveis de ensino seguindo-se a onda atual de uso dos quadrinhos para ir da alfabetização a filosofia, o que pede estratégias diversas de leitura e discussão. Fink, R., Samuels, S.J. (orgs). (2007). Inspiring reading sucess: interest and motivation in an age of high-stakes testing. Newark: IRA, xvii+174p. O livro compreende sete capítulos que tratam de como obter e manter o interesse e a motivação pela leitura em termos individuais de uma classe toda. Tratam de como ajudar a criança a “vencer o jogo da vida”. 435 Informe Agosto 2007 - dias 5 a 10 17ª. Conferência Bianual do Conselho Mundial para Crianças Superdotadas e Talentosas Local: University of Warwick, Conventry, Inglaterra Contato: www.worldgifted2007.com Agosto 2007 - 16 a 18 I Congresso Latinoamericano de Orientação Profissional da ABOP e VIII Simpósio Brasileiro de Orientação Vocacional & Ocupacional local: Bento Gonçalves contato: http://www.abopbrasil.org.br/congresso.php Setembro 2007 - 07 a 09 VI Congresso Brasileiro de Psicologia do Desenvolvimento da SBPD Local: Vitória - ES Link: http://www.sbpd.org.br/cbpd2007 Setembro 2007 –12 a 14 II Congresso da União Latino-americana de Psicologia – ULAPSI Local: Havana, Cuba Contato: www.ulapsi.org Setembro 2007 - 18 a 21 III Congresso Internacional de Psicologia Local: Maringá contato: (044)3261-4291 http://www.cipsi.uem.br Outubro/novembro – 31/10 a 03/11 XIV Encontor Nacional da ABRAPSO Simpósios, Mesas redondas, Sessões temáticas, Pôsteres, Cursos, Vídeos e Lançamentos de livros. Local: Rio de Janeiro contato: [email protected] www.abrapso.org.br Novembro 2007 - 03 a 10 VII Colóquio Internacional de Direitos Humanos local: São Paulo contato: 55 (11) 3884-7440 www.conectas.org/coloquio 437 Novembro 2007 – 24 I Fórum Sobre Psicologia Escolar e Qualidade de Ensino O CRP-03 Seção Sergipe - Auditório da Faculdade Pio Décimo – campus I 2008 Julho – 16 a 19 de julho de 2008 III Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional Cidade: Florianópolis – SC E-mail: inscriçã[email protected] Link: http://www.cbpot2008.com.br Julho – 20 a 25 de julho de 2008 XXXIX Internacional Congresso of Psychology Endereço: ICC Berlim Cidade: Berlim – Germany Telefone: 49-30-300 6690 E-mail: [email protected] Link: http://www.icp2008.org 438 Informe Normas de publicação Forma de Apresentação dos Manuscritos Psicologia Escolar e Educacional adota as normas da APA (4a edição, 1994), exceto em situações específicas onde há conflito com a necessidade de se assegurar o cumprimento da revisão cega por pares, regras do uso da língua portuguesa, normas gerais da ABNT, procedimentos internos da revista, inclusive características de infra-estrutura operacional. A omissão de informação no detalhamento que se segue implica em que prevalece a orientação da APA. Os manuscritos devem ser redigidos em português, espanhol, inglês e francês nas seguintes categorias: 1. Artigos – trabalhos originais teóricos, de revisão de literatura e de relatos de pesquisa (até 25 laudas); Comunicação de Pesquisa – relatos originais sucintos de pesquisas realizadas; Resenhas – apresentação e análise de livros publicados na área nos últimos dois anos (até 5 laudas) 2. História – reimpressão ou impressão de trabalhos ou documentos de difícil acesso relevantes para a pesquisa e a preservação da história da Psicologia Escolar; entrevistas com personagens relevantes da área e trabalhos originais sobre esta história; 3. Sugestões Práticas – apresentação de procedimentos, tecnologias, propostas de trabalhos úteis para a solução de problemas psicoeducacionais ou para a atuação do psicólogo escolar, de vivência do autor de novos instrumentos e de outras sugestões relevantes para a área (até 5 laudas); 4. Registro Informativo – dados sobre eventos, publicações na área, assuntos diversos de interesse de psicólogos escolares e educacionais (até 2 laudas); 5. Cartas dos leitores – inclui cópias de cartas, ou parte de cartas de leitores à direção da revista e aos seus autores, bem como respostas aos mesmos. Os manuscritos originais deverão ser encaminhados em uma via impressa em papel e uma em CD room, digitadas em espaço duplo, em fonte tipo Times New Roman, tamanho 12, não excedendo o número de laudas da categoria em que o trabalho se insere, paginado desde a folha de rosto personalizada, a qual receberá número de página 1. A página deverá ser tamanho carta ou A4, com formatação de margens superior e inferior (no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm). Em caso de reformulação, a nova versão deve ser encaminhada por correio eletrônico e uma via em CD room, sendo que a formatação de texto e de página deve obedecer às mesmas características indicadas para a primeira versão. Todo e qualquer encaminhamento à revista deve ser acompanhado de carta assinada pelos autores, na qual deve estar explicitada a intenção de submissão ou re-submissão do trabalho para publicação. Além disso, devem conceder à Psicologia Escolar e Educacional o direito autoral do artigo, se publicado, bem como responsabilizando-se pelos procedimentos éticos necessários quando da realização de pesquisas com seres humanos. A apresentação dos trabalhos deve seguir a seguinte ordem: 1. Folha de rosto despersonalizada contendo apenas: 1.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12 palavras. 1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não devendo exceder 4 palavras. 1.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em português. 2. Folha de rosto personalizada contendo: 2.1. Título pleno em português. 2.2. Sugestão de título abreviado. 2.3. Título pleno em inglês. 2.4. Nome de cada autor, seguido por afiliação institucional e titulação por ocasião da submissão do trabalho. 2.5. Indicação de endereço para correspondência postal e eletrônica, seguido de endereço completo, de acordo com as normas do correio de todos os autores. 2.6. Indicação de endereço para correspondência com o editor sobre a tramitação do manuscrito, incluindo fax, telefone e, se disponível, endereço eletrônico. 2.7. Se necessário, indicação de atualização de afiliação institucional. 2.8. Se apropriado, parágrafo reconhecendo apoio financeiro, colaboração de colegas e técnicos, origem do trabalho (por exemplo, anteriormente apresentado em evento, derivado de tese ou dissertação, coleta de dados efetuada em instituição distinta daquela informada no item 2.4), e outros fatos de divulgação eticamente necessária. 2.9 Endereço postal completo e endereço eletrônico de todos os autores. 3. Folha contendo Resumo, em português. O resumo deve ter o máximo de 150 palavras para trabalhos na categoria de Artigos. Ao resumo devem-se seguir 3 palavras-chave para fins de indexação do trabalho - devem ser escolhidas palavras que classifiquem o trabalho com precisão adequada, que permitam que ele seja recuperado junto com trabalhos semelhantes, e que possivelmente seriam evocadas por um pesquisador efetuando levantamento bibliográfico. No caso de relato de pesquisa, o resumo deve incluir: descrição sumária do problema investigado, características pertinentes da amostra, método utilizado para a coleta de dados, resultados e conclusões, suas implicações ou aplicações. 439 O resumo de uma revisão crítica ou de um estudo teórico deve incluir: tópico tratado (em uma frase), objetivo, tese ou construto sob análise ou organizador do estudo, fontes usadas (p. ex. observação feita pelo autor, literatura publicada) e conclusões. 4. Folha contendo Abstract, em inglês, compatível com o texto do resumo. O Abstract deve obedecer às mesmas especificações para a versão em português, seguido de três keywords, compatíveis com as palavraschave e com o Thesaurus da APA. 5. Texto propriamente dito. Em todas as categorias de trabalho original, o texto deve ter uma organização de reconhecimento fácil, sinalizada por um sistema de títulos e subtítulos que reflitam esta organização. No caso de relatos de pesquisa o texto deverá, obrigatoriamente, apresentar: introdução, metodologia, resultados e discussão. As notas não bibliográficas deverão ser reduzidas a um mínimo e colocadas ao pé das páginas, ordenadas por algarismos arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual se refere a nota. Os locais sugeridos para inserção de figuras e tabelas deverão ser indicados no texto. As citações de autores deverão ser feitas de acordo com as normas da APA, exemplificadas ao final deste texto. No caso de transcrição na íntegra de um texto, a transcrição deve ser delimitada por aspas e a citação do autor seguida do número da página citada. Uma citação literal com 40 ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio, começando em nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. O tamanho da fonte deve ser 12, como no restante do texto. 6. Referências, ordenadas de acordo com as regras gerais que se seguem. Trabalhos de autoria única e do mesmo autor são ordenadas por ano de publicação, a mais antiga primeiro. Trabalhos de autoria única precedem trabalhos de autoria múltipla, quando o sobrenome é o mesmo. Trabalhos em que o primeiro autor é o mesmo, mas co-autores diferem são ordenados por sobrenome dos co-autores. Trabalhos com a mesma autoria múltipla são ordenados por data, o mais antigo primeiro. Trabalhos com a mesma autoria e a mesma data são ordenados alfabeticamente pelo título, desconsiderando a primeira palavra se for artigo ou pronome, exceto quando o próprio título contiver indicação de ordem; o ano é imediatamente seguido de letras minúsculas. Quando repetido, o nome do autor não deve ser substituído por travessão ou outros sinais. A formatação da lista de referências deve ser apropriada à tarefa de revisão e de editoração além de espaço duplo e tamanho de fonte 12, parágrafo normal com recuo apenas na primeira linha, sem deslocamento das margens; os grifos devem ser indicados por um traço sob a palavra (p. ex., sublinha). A formatação dos parágrafos com recuo e dos grifos em itálico é reservada para a fase final de editoração do artigo. 7. Anexos, apenas quando contiverem informação original importante, ou destacamento indispensável para a compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos. 8. Figuras, incluindo legenda, uma por página em papel, ao fina do trabalho. Para assegurar qualidade de reprodução as figuras contendo desenhos deverão ser encaminhadas em qualidade para fotografia; as figuras contendo gráficos não poderão estar impressas em impressora matricial. Como a versão publicada não poderá exceder a largura de 8,3 cm para figuras simples, e de 17,5 cm para figuras complexas, o autor deverá cuidar para que as legendas mantenham qualidade de leitura, caso redução seja necessária. 9. Tabelas, incluindo título e notas, uma por página em papel e por arquivo de computador. Na publicação impressa a tabela não poderá exceder 17,5 cm de largura x 23,7 cm de comprimento. Ao prepará-las, o autor deverá limitar sua largura a 60 caracteres, para tabelas simples a ocupar uma coluna impressa, incluindo 3 caracteres de espaço entre colunas da tabela, e limitar a 125 caracteres para tabelas complexas a ocupar duas colunas impressas. O comprimento da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé(s). Para outros detalhamentos, especialmente em casos anômalos, o manual da APA deve ser consultado. Tipos Comuns de Citação no Texto Citação de artigo de autoria múltipla 1. Dois autores O sobrenome dos autores é explicitado em todas as citações, usando e ou & conforme abaixo: “ A revisão realizada por Guzzo e Witter (1987)” mas “a relação do psicólogo-escola pública foi descrita com base num estudo exploratório na região de Campinas” (Guzzo & Witter, 1987)” 2. De três a cinco autores O sobrenome de todos os autores é explicitado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante só o sobrenome do primeiro autor é explicitado, seguido de “e cols.” e o ano, se for a primeira citação de uma referência dentro de um mesmo parágrafo: Vendramini, Silva e Cazorla (2000) verificaram que [primeira citação no texto] Vendramini e cols. (2000) verificaram que [citação subsequente, primeira no parágrafo] Vendramini e cols. verificaram [omita o ano em citações subsequentes dentro de um mesmo parágrafo] Na seção de Referências todos os nomes são relacionados. 440 Normas de Publicação 3. Seis ou mais autores No texto, desde a primeira citação, só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, seguido de “e cols.”, exceto se este formato gerar ambigüidade, caso em que a mesma solução indicada no item anterior deve ser utilizada: Primi e cols. (2001). Na seção de referências todos os nomes são relacionados. Citações de trabalho discutido em uma fonte secundária O trabalho usa como fonte um trabalho discutido em outro, sem que o trabalho original tenha sido lido (por exemplo, um estudo de Taylor, citado por Santos, 1990). No texto, use a seguinte citação: Taylor (conforme citado por Santos, 1990) acrescenta que a avaliação da compreensão em leitura... Na seção de Referências informe apenas a fonte secundária, no caso Santos, usando o formato apropriado. Exemplos de Tipos Comuns de Referência 1. Trabalho apresentado em congresso, mas não publicado Serpa, M.N.F. & Santos, A.A.A. (1997, outubro). Implantação e primeiro ano de funcionamento do Serviço de Orientação ao Estudante. Trabalho apresentado no XI Seminário Nacional das Universidades Brasileiras, Guarulhos - São Paulo. 2. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação seriada regular Tratar como publicação em periódico, acrescentando logo após o título a indicação de que se trata de resumo. Silva, A.A. & Engelmann, A. (1988). Teste de eficácia de um curso para melhorar a capacidade de julgamentos corretos de expressões faciais de emoções [Resumo]. Ciência e Cultura, 40 (7, Suplemento), 927. 3. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação especial Tratar como publicação em livro, informando sobre o evento de acordo com as informações disponíveis em capa. Todorov, J.C., Souza, D.G. & Bori, C.M. (1992). Escolha e decisão: A teoria da maximização momentânea [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas, XXII Reunião Anual de Psicologia (p. 66). Ribeirão Preto: SBP. Witter, G.P. (1985). Quem é o psicólogo escolar: Sua atuação prática. [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), XVII Reunião Anual de Psicologia, Resumos (p. 261). Ribeirão Preto: SBP. 4. Teses ou dissertações não publicadas Polydoro, S.A.J. (2001). O trancamento de matrícula na trajetória acadêmica do universitário: Condições de saída e de retorno à instituição. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP. 5. Livros Solé, I. (1998). Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes Mdicas. 6. Capítulo de livro Anderson, R.C. & Pearson, P.D. (1984). A schema-theoretic view of basic processes in reading comprehension. Em P.D. Pearson, R. Barr, M.L. Kamil & P. Mosenthal (Orgs.) Handbook of reading research (Vol. 1, pp 251-291). New York: Longman. Pasquali, L. (1996). Teoria da resposta ao item - IRT: uma introdução Em L. Pasquali (Org.), Teoria e métodos de medida em ciências do comportamento (pp. 173-195). Brasília, INEP. 7. Livro traduzido, em língua portuguesa Salvador, C.C. (1994). Aprendizagem escolar e construção de conhecimento. (E.O. Dihel, Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1990) Se a tradução em língua portuguesa de um trabalho em outra língua é usada como fonte, citar a tradução em português e indicar ano de publicação do trabalho original. No texto, citar o ano da publicação original e o ano da tradução: (Salvador, 1990/1994). 8. Artigo em periódico científico Kintsch, W. (1994). Text comprehension, memory, and learning American Psychologist, 49 (4), 294-303. 9. Obra no prelo Não forneça ano, volume ou número de páginas até que o artigo esteja publicado. Respeitada a ordem de nomes, é a ultima referência do autor. Sonawat, R. (no prelo). Families in India. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 10. Autoria institucional American Psychiatric Association (1988). DSM-III-R, Diagnostic and statistical manual of mental disorder (3a ed. revisada). Washington, DC: Autor. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 439-442 441 A remessa de manuscritos para publicação, bem como toda a correspondência de seguimento que se fizer necessária, deve ser enviada para a Revista Psicologia Escolar e Educacional, conforme endereço abaixo ou enviada para o endereço eletrônico [email protected] : Universidade São Francisco Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia Profª Drª Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 13251-900 – Itatiba/SP Procedimentos de submissão e avaliação dos manuscritos Os manuscritos que se enquadrarem nas modalidades de trabalho especificadas acima, passarão pelo seguinte procedimento: 1. Encaminhamento para emissão de parecer a membros do Corpo Editorial da revista e/ou consultores ad hoc 2. Recepção dos pareceres, com recomendação para aceitação (com ou sem modificações) ou rejeição. No caso de aceitação com modificações, os autores serão notificados com a maior brevidade possível das sugestões (cópias dos pareceres serão enviados aos autores, exceto quando houver restrição expressa por parte do consultor). 3. No caso de aceitação para publicação, o Conselho Editorial reserva-se o direito de introduzir pequenas alterações para efeito de padronização conforme os parâmetros editoriais da Revista. 4. O processo de avaliação utiliza o sistema de revisão cega por pares, preservando a identidade dos autores e consultores. 5. A decisão final acerca da publicação ou não do manuscrito é sempre do Conselho Editorial. Direitos autorais Os direitos autorais das matérias publicadas são da revista Psicologia Escolar e Educacional. A reprodução total ou parcial (mais de 500 palavras do texto) requererá autorização por escrito do Editor. O autor principal da matéria receberá três exemplares da edição em que esta foi publicada. Os originais não-publicados não serão devolvidos. 442 Normas de Publicação ALGUNS TÍTULOS DA CASA DO PSICÓLOGO Título Autor/Organizador Educação, Pedagogia Cinco Estudos de Educação Moral Computador no Ensino e a Limitação da Consciência Crianças de Classe Especial Crianças Querem Saber, e Agora?, As Difusão Das Idéias de Piaget No Brasil, A Encontros com Sara Paín Ensaios Construtivistas Era Assim ... Agora Não Ética e Valores: Métodos para um Ensino Transversal Formas Elementares da Dialética, As Guia de Orientação Sexual Histórias de Indisciplina Escolar Introdução à Psicologia Escolar Jean Piaget Sobre a Pedagogia Oficina Criativa e Psicopedagogia Pelos Caminhos da Ignorância e do Conhecimento Professores e Alunos – Problema: um círculo vicioso Produção do Fracasso Escolar, A Programa de Leitura Silenciosa Psicanálise e Educação – Laços Refeitos Psicologia e Educação Psicologia Escolar: em Busca de Novos Rumos Psicopedagogia: Uma Prática, Diferentes Estilos Saúde e Educação. Muito prazer! Quatro Cores, Senha e Dominó Quatro Cores, Senha e Dominó – Caderno para Atividades Reunião de Pais: Sofrimento Ou Prazer? Tecnologia no Ensino:Implicações para a Aprendizagem, A Macedo, Lino de (Org.) Crochik, Jose Leon Machado, Adriana Costa, Moacir Vasconcelos, Mario Sérgio Parente, Sonia Maria Macedo, Lino de Scarpa, Regina Puig, Josep Maria Piaget, Jean Gtpos – Abia – Ecos Cíntia Copit Freller Patto, Maria Helena S. Parrat, Sílvia Allessandrini, Cristina Parente, Sonia Maria Mantovanini, Maria Cristina Maria Helena S. Patto Condemarin, Mabel Bacha, Márcia Neder Marilene Proença Machado, Adriana M. (Org.) Rubinstein, Edith Maria Salum e Morais; Beatriz Souza (Orgs.) Macedo, Lino (Org.) Macedo, Lino (Org.) Althuon, Beate G. Joly, Maria Cristina Rodrigues (Org.)