ISSN 1413-8557
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE)
Semiannual Journal of the Brazilian Association of Educational and School Psychology (ABRAPEE)
Revista Semestral de la Asociación Brasilera de Psicología Escolar y Educacional (ABRAPEE)
Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007
Volume 11 Number 2 Julio/December 2007
ABRAPEE
EDITORA
Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly
Universidade São Francisco
COMISSÃO EDITORIAL
Denise de Souza Fleith
Evely Boruchovitch
Marilene Proença Rebello de Souza
Universidade de Brasília
Universidade Estadual de Campinas
Universidade de São Paulo
CONSELHO EDITORIAL
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Alexandra Ayache Anache
Carla Witter
Cristina Maria Carvalho Delou
Donald Leu
Elenita de Rício Tanamachi
Elisabeth Brunini Sbardellini
Eulália Henriques Maimoni
Eunice M. L. Soriano de Alencar
Fermino Fernandes Sisto
Geraldina Porto Witter
Gerardo Prieto
Héctor Magaña Vargas
José Aloyseo Bzuneck
José Fernando B. Lomônaco
Leandro de Almeida
Maria Auxiliadora Dessen
Maria Júlia Ferreira Xavier Ribeiro
Nádia Maria Dourado da Rocha
Sheyla Blumen
Universidade São Francisco
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Universidade São Judas Tadeu
Universidade Federal Fluminense
University of Connecticut
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Universidade Tuiuti do Paraná
Universidade de Uberaba
Universidade Católica de Brasília
Universidade São Francisco
Universidade Camilo Castelo Branco
Universidad de Salamanca
Universidad Nacional Autónoma de México-FESZ
Universidade Estadual de Londrina
Universidade de São Paulo
Universidade do Minho
Universidade de Brasília
Universidade de Taubaté
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ASSISTENTES
DO
CONSELHO EDITORIAL
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Lucicleide Maria de Cantalice
ABRAPEE
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Index Psi
LILACS
Apoio Editorial:
Psicologia Escolar e Educacional./ Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional.- v. 1, n. 1. 1996Campinas : ABRAPEE, 1996.
Quadrimestral : 1996-1999.
Semestral : 2000ISSN 1413-8557
l. Psicologia educacional. 2. Psicologia escolar.
3. Educação. 4. Brasil. I. Associação Brasileira de Psicologia
Escolar e Educacional.
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Ana Maria Jacó-Vilela – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Ana Paula Porto Noronha – Universidade São Francisco
Beatriz Belluzzo Brando Cunha – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Carmen Elvira Flores-Mendoza Prado – Universidade Federal de Minas Gerais
Caroline Tozzi Reppold – Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre
Claudia Araújo da Cunha – Universidade Federal de Uberlândia
Claudio Garcia Capitão – Universidade São Francisco
Eliane Porto de Nucci – Universidade São Francisco
Liana Fortunato Costa – Universidade de Brasília
Makilim Nunes Baptista – Universidade São Francisco
Maria Auxiliadora Dessen – Universidade Católica de Brasília
Maria Imaculada Cardoso Sampaio – Universidade de São Paulo
Maria Regina Maluf – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Mitsuko Aparecida Makino Antunes - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Monica Giacomini – Universidade Estadual do Centro-Oeste
Pedro Sales Luís Rosário – Universidade do Minho
Roberta Gurgel Azzi – Universidade Estadual de Campinas
Ronei Ximenes Martins – Universidade São Francisco
Silvia Maria Cintra da Silva – Universidade Federal de Uberlândia
Tânia Mara Campos de Almeida – Universidade Católica de Brasília
Expediente
A revista Psicologia Escolar e Educacional é um veículo de divulgação e debate da produção científica na área
específica e está vinculada à Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Seu objetivo
é constituir um espaço para a apresentação de pesquisas atuais no campo da Psicologia Escolar e Educacional e
servir como um veículo de divulgação do conhecimento produzido na área, bem como de informação atualizada
a profissionais psicólogos e de áreas correlatas. Trabalhos originais que relatam estudos em áreas relacionadas à
Psicologia Escolar e Educacional serão considerados para publicação, incluindo processos básicos, experimentais, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artigos teóricos, análises de políticas e sínteses sistemáticas de pesquisas, entre outros. Também, revisões críticas de livros, instrumentos diagnósticos e softwares.
Com vistas a estabelecer um intercâmbio entre seus pares e pessoas interessadas na Psicologia Escolar e Educacional, conta com uma revisão às cegas por pares e é publicada semestralmente. Seu conteúdo não reflete a
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científica en su área específica y está vinculada a la Asociación Brasilera de Psicología escolar y Educacional
(ABRAPEE). Su objetivo es constituir un espacio para la presentación de investigaciones actuales en el campo de
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que relaten estudios en áreas relacionadas a la Psicología Escolar y Educacional serán considerados para publicación,
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cos, análisis de políticas y síntesis sistemáticas de investigaciones, entre otros, además de revisiones críticas de
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español e ingles.
194
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007
ISSN 1413-8557
Psicologia Escolar e Educacional
PUBLICAÇÃO SEMESTRAL
199
Volume 11
Número 2
2007
Editorial
Artigos
Papers
Publicaciones
201
Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso
Variables of the first half of college integration and change of major
Variables de la primera fase de la integración universitaria y cambio de curso
António M. Diniz
Leandro S. Almeida
211
Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas
utilizadas por docentes
Associações entre rendimento em compreensão de textos e estratégias pedagógicas
utilizadas por docentes
Associations between achievement in reading understanding and pedagogical strategies used by
teachers
Lorena Canet Juric,
María Laura Andrés
Isabel Introzzi
María Richard‘s
223
Criatividade na formação e atuação do professor do curso de letras
Creativity in the linguistics course and the professor’s formation and performance
Creatividad en la formación y actuación del Profesor del Curso de Letras
Zélia Maria Freire de Oliveira
Eunice Maria Lima Soriano de Alencar
239
Produção científica em avaliação psicológica no contexto escolar
Scientific production in psychological evaluation in the school context
Producción científica en evaluación psicológica en el contexto escolar
Katya Luciane de Oliveira
Acácia Aparecida Angeli dos Santos
Ana Paula Porto Noronha
Evely Boruchovitch
Cláudia Araújo da Cunha
Marucia Patta Bardagi
Simone F. da Silva Domingues
195
253
Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da Aprendizagem
Mental deficiency and scientific production in the CAPES database: the place of apprenticeship
Deficiencia mental y producción científica en la base de datos del CAPES: el lugar del aprendizaje
Alexandra Ayach Anache
Albertina Martinez Mitjáns
275
Processos perceptuais e cognitivos na leitura de palavras: propriedades dos movimentos
oculares
Perceptual and cognitive processes in word reading: eye movement characteristics
Procesos perceptivos y cognitivos en la lectura de palabras: propiedades de los movimientos
oculares
Elizeu Coutinho de Macedo
Katerina Lukasova
Juliana Emy Yokomizo
Lívia Carolina Ariente
Juliana Koakutu
José Salomão Schwartzman
285
Escala de atitudes frente à escola: validade fatorial e consistência interna
School attitudes scale: factor validity and reliability
Escala de actitudes frente a la escuela: validez factorial y consistencia interna
Patrícia Nunes da Fonseca
Valdiney V. Gouveia
Rildésia S. V. Gouveia
Carlos Eduardo Pimentel
Emerson Diógenes de Medeiros
299
Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem
Change in negative sociometric status in students with learning disabilities
Cambio en el status sociométrico negativo de alumnos con dificultades de aprendizaje
Renata Cristina Moreno Molina
Almir Del Prette
311
Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso
Ways of research with visual handicapped youths: two case studies
Formas de intervenir con jóvenes deficientes visuales: dos estudios de caso
Marcia Moraes
323
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica: o processo ensino aprendizagem em
questão
Historical-Cultural Psychology and Psychological Evaluation: the teaching learning process in focus
Psicología Histórica-Cultural y Evaluación Psicológica: el proceso de enseñanza-aprendizaje en
cuestión
Marilda Gonçalves Dias Facci
Nilza Sanches Tessaro
Záira Fátima de Rezende Gonzalez Leal
Valéria Garcia da Silva
Cintia Godinho Roma
196
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007
339
Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando crianças residindo com a
mãe e com ambos os pais
Maternal involvement and academic performance: comparing children residing with their mother
and with both parents
Envolvimiento materno y desempeño académico: comparando niños viviendo con la madre y con
los dos padres.
Carolina Severino Lopes da Costa
Fabiana Cia
Elizabeth Joan Barham
353
Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública
Injustice in the daily school life: perceptions of the members of a public school
Injusticias en el cotidiano escolar: percepciones de miembros de una escuela pública
Thaise Beluci
Alessandra de Morais Shimizu
365
Educação infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva
sociocultural
Cooperation and competition in early education: a microgenetic analysis from a sociocultural
approach
Educación infantil, cooperación y competición: análisis micro genética bajo una perspectiva
socio-cultural
Marilícia Witzler Antunes Palmieri
Angela Uchoa Branco
379
Diferença: condição básica para a constituição do sujeito
Difference: basic condition of individual’s contitution
Diferencia: condición básica para la constitución del sujeto
Mercedes Villa Cupolillo
Ana Beatriz Machado de Freitas
391
Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos
Educational software can be psychological tools
Softwares educacionales pueden ser instrumentos psicológicos
Cristiano Mauro Assis Gomes
Resenhas
Reviews
403
As emoções no contexto escolar
The emotion in the school context
Fausto Eduardo Menon Pinto
405
Tecnologia de informação e comunicação no processo educacional
Information and communication technology in educational process
Moacir Wuo
409
Psicologia escolar em discussão
School psychology in discution
Tatiana Cristina Teixeira
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007
197
História
History
413
Entrevista com Mitsuko Aparecida Makino Antunes
Interview with Mitsuko Aparecida Makino Antunes
417
O Psicólogo escolar como psicometrista 30 anos depois
School psychologists psychometrist: 30 years later
Geraldina Witter
Sugestões práticas
Practical suggestions
427
Orientações para busca bibliográfica on-line
A guide to an on-line bibliographic search
Isabel Cristina Dib Bariani
Cristiane Guidetti Dias
Íris de Miranda
Marina Colosso
Mirian Maria Zucareli Rosa
Rafaela Paula Marciano
Renan Ribeiro Vilela
431
Como educar para a paz
How peace education can be achieved
Elizabeth dos Santos Columa
Informativo
Informative
435
Notícias bibliográficas
Bibliographic notes
437
Informe
Events
439
Normas de publicação
Instructions to authors
198
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007
Editorial
Psicologia Escolar e Educacional na América Latina
O II Congresso de Psicologia da União Latino–Americana de Psicologia (ULAPSI) aconteceu em setembro
de 2007 em Cuba com grande participação de psicólogos brasileiros. A temática do Congresso foi a psicologia
latino-americana para os psicólogos latino-americanos, possibilitando, por meio das discussões e trabalhos apresentados, a consolidação de uma Psicologia para as necessidades e características da América Latina.
A Psicologia Escolar e Educacional revelou sua identidade brasileira e buscou construir uma latino-americana, pela apresentação de muitos trabalhos com colegas de vários países. Isto resultou em intercâmbios profissionais e de pesquisa visando estreitar os laços com nossos parceiros na América Latina.
Estabeleceram-se parcerias que possibilitaram a organização de um Grupo de Trabalho em Psicologia
Educacional cuja meta principal é produzir referências latino-americanas para os profissionais que atuam na área.
Definiu-se, também, pela organização de um número especial dedicado à Psicologia Escolar na revista Psicología
para a América Latina publicada pela ULAPSI a fim de sintetizar e dar visibilidade às ações tanto no âmbito da
pesquisa quanto às relativas aos profissionais nesta área.
Isto posto, cabe considerar que tal avanço deve-se, especialmente, ao próprio desenvolvimento da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) que tem, desde sua fundação, crescido e se
colocado como parceira dos profissionais, conquistando espaço de atuação nos contextos de aprendizagem.
Manter-se vinculado à ABRAPEE é participar deste movimento pró-educação e aprendizagem, no qual a prevenção é a palavra de ordem.
Lembro que em abril de 2008 ocorrerão as eleições para uma nova diretoria realizar a gestão da ABRAPEE
para o biênio 2008 – 2010. Comprometer-se com a Psicologia Escolar e Educacional também significa participar ativamente do processo eleitoral – votando e sendo votado. Cabe-nos, a cada um e a todos, atender a este
chamamento pela Psicologia Escolar e Educacional Brasileira e Latino-americana.
Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly
Editora
199
Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso
Mudança de curso universitário
António M. Diniz
Leandro S. Almeida
Resumo
Estudou-se a relação entre variáveis académicas e psicossociais da primeira fase da integração universitária (escolha e colocação num curso) e a Mudança
de Curso (MC). As análises bivariadas dos dados de uma amostra de conveniência de 375 estudantes do primeiro ano mostraram que mudaram mais
frequentemente de curso aqueles que: tinham Notas de Candidatura (NC) ao Ensino Superior mais baixas; frequentavam cursos ligados a Recursos
Tecnológicos (RT); e, atribuíam menor importância aos Determinantes Intrínsecos (DI) na escolha de curso (competências e interesses). Para operacionalizar
esta última variável recorreu-se à Escala de Determinantes da Escolha de Curso (EDEC). Entretanto, as variáveis atrás referidas, bem como as outras
duas dimensões da EDEC (Agentes Mediadores e Estrutura Ocupacional), também discriminavam os estudantes de acordo com Género. Presume-se,
então, que o Género se relaciona indirectamente com a MC, através da interveniência das variáveis NC, Área de Estudos e DI.
Palavras-chave: ensino superior; mudança de curso; diferenças de géneros.
Variables of the first half of college integration and change of major
Abstract
This study concerned the relationship between academic and psychosocial variables of the first half of college integration (choice and admission to a
major) and the Change of Major (CM). Bivariate analyses of data collected using a convenience sample of 375 freshman students showed that those who
had changed major more frequently were those who: had lower Access Grades (AG) to Higher Education; were from majors in the field of
Technological Resources (TR); and, gave less importance to Intrinsic Determinants (ID) in the choice of major (skills, interests). The latter variable was
measured by the Escala de Determinantes da Escolha de Curso (EDEC) [Choice of Major Determinants Scale]. The variables above, as well as the other
two dimensions of EDEC (Mediation Agents and Occupational Structure), also significantly discriminated students by gender. Then, we presume that
gender is indirectly related to CM, through the mediation of AG, Field of Studies, and ID.
Keywords: higher education; change of major; human sex differences.
Variables de la primera fase de la integración universitaria
y cambio de curso
Resumen
Se estudió la relación entre variables académicas y psico-sociales de la primera fase de la integración universitaria (elección y colocación en un curso) y el
cambio de curso (CC). Los análisis bi-variados de los datos de una muestra de conveniencia de 375 estudiantes del primer año mostraron que cambiaron
más frecuentemente de curso aquellos que: tenían notas de examen (NE) de ingreso para la universidad más bajas; frecuentaban cursos relacionados a
Recursos Tecnológicos (RT); y atribuían una menor importancia a los Determinantes Intrínsecos (DI) en la elección del curso (competencias e intereses). Para
evaluar la última variable se recurrió a la Escala de Determinantes da Escolha de Curso (EDEC). Por otro lado, las variables antes relatadas, así como también
las otras dos dimensiones de la EDEC (Agentes Mediadores e Estrutura Ocupacional), también discriminaban a los estudiantes de acuerdo con el género. De
esa forma, se presume que el género se relaciona indirectamente con la MC por medio de la intervención de las variables NC, Área de Estudios y DI.
Palabras clave: enseñanza superior; cambio de curso; diferencias de géneros.
201
A influência de factores pessoais e contextuais na
adaptação dos caloiros à instituição/curso de acolhimento tem sido analisada face a indicadores de
(in)sucesso académico, como o rendimento e a desistência dos estudos. Encontramos estes critérios,
principalmente o da desistência dos estudos, comummente referidos desde há muito tempo na literatura
anglo-saxónica (e.g., Astin, 1997; Brawer, 1973;
Cabrera, Nora, & Castañeda, 1993; Eaton & Bean,
1993; Murtaugh, Burns, & Schuster, 1999; Tinto,
1993). Também os encontramos em vários estudos
recentes realizados em Portugal, principalmente voltados para o rendimento académico (Almeida e cols.,
2004; Diniz, 2001, 2007; Diniz & Pinto, 2005; Soares, Almeida, Diniz, & Guisande, 2006a; Soares,
Guisande, Diniz, & Almeida, 2006b). A hegemonia
destes indicadores, justificável pela importância que
assumem para os estudantes e suas famílias, e também como indicadores de eficácia institucional (Diniz,
2005), tem mitigado a relevância que a Mudança de
Curso (MC) pode ter para a investigação neste domínio. Ora, esta situação não é razoável se pensarmos
que a MC pode constituir-se como um critério de
adaptação relevante, traduzindo iniciativa na procura
de novas soluções face a mudanças vocacionais ou a
uma situação académica não desejada, e resultando
em permanência no Ensino Superior (ES). Parece,
pois, relevante a exploração de factores de caracterização académica e psicossocial dos estudantes que
possam estar relacionados com este fenómeno.
Centrando-nos sobre a primeira fase da transição
para o ES, a qual compreende a escolha e colocação
num curso, devemos considerar a influência que a
estrutura sócio-ocupacional exerce sobre a evolução
das características, estatutos, escolhas e papéis do
indivíduo. Derivando de uma abordagem macro para
uma outra mais micro de descrição dessa influência,
sabemos que, em função da origem social e do
género, o sistema reprodutivo da sociedade condiciona
a escolha e a probabilidade de acesso ao ES e mesmo
a escolha de determinados cursos (Balsa, Simões,
Nunes, & Campos, 2001; Bourdieu & Passeron, 1964,
1981; Cabrito, 2001). Os sujeitos consideram menos as escolhas que saem fora do seu habitus (vd.
descrição analítica do conceito em Bourdieu, 1989),
202
sugerindo a pressão das normas sociais nas opções
individuais (Merton, 1968).
Também sabemos, da microssociologia do trabalho e das carreiras (Barley, 1989), que as histórias de
vida remetem para um pano de fundo social e uma
sub-cultura (familiar, comunitária) necessários para
perspectivar o desempenho de diferentes papéis individuais. As trajectórias de vida emergem em cenários colectivos contingentes que condicionam os recursos interpretativos individuais, mormente, os significados atribuídos à carreira.
Entretanto, na psicologia vocacional as significações
sociais e os contextos relacionais são tidos como
informadores do auto-conceito e expectativas,
condicionando as aspirações ocupacionais individuais
(Gottfredson, 1981, 1996). Com efeito, desde Super
(1953) que a escolha ocupacional passou a ser analisada na interacção dinâmica do indivíduo em mudança (dimensão temporal) com um contexto mutável
(dimensão sócio-ocupacional). É no seio desta dinâmica que encontramos agentes mediadores da tomada de decisão de carreira, quer de relacionamento
íntimo quer de relacionamento institucional. Eles cumprem a função de elos de suporte transcénico
(Bronfenbrenner, 1979). Mesmo que não intencionalmente, pais e professores, enquanto modelos profissionais, veiculam estereótipos, influenciando a representação dos jovens quanto ao trabalho e às profissões.
Devemos, então, considerar três níveis interligados de determinação da escolha ocupacional: (1) individual, (2) interpessoal e (3) sócio-institucional. Estes
níveis, para o caso da escolha de curso no ES foram
operacionalizados através da Escala de Determinantes
da Escolha de Curso (EDEC: Diniz, 2004; Diniz, De
Abreu, & Almeida, 1999). Especificando, para (2) e
(3) temos os Determinantes Extrínsecos da escolha
(DE), englobando constrangimentos e oportunidades
da estrutura ocupacional (escolar e profissional), bem
como o papel de agentes mediadores (de relacionamento íntimo ou institucional). Para (1) temos os
Determinantes Intrínsecos da escolha (DI), relativos
às condições pessoais (competências e interesses) que
o próprio pensa ter para fazer essa escolha. Estes
determinantes poderão relacionar-se com a MC, na
Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso • António M. Diniz e Leandro S. Almeida
medida em que eles estarão na base de um processo
de escolha de curso mais ou menos decidido.
No que concerne às variáveis de caracterização
académica dos estudantes, parece admissível considerar-se que o género estará ligado à MC. Ainda que
diferenças masculino/feminino não tenham sido confirmadas nalguns estudos sobre (in)decisão vocacional
(Crites, 1969; Da Silva, 1997; Gianakos & Subich,
1986), outros houve em que tais diferenças se verificaram (Lewis & Savickas, 1995; Lobato & Koller,
2003; Osipow & Winer, 1996).
Também a Nota de Candidatura (NC) ao ES poderá estar relacionada com a MC, na medida em que
essa nota traduz mais do que um simples número,
indicando até que ponto os estudantes trazem consigo as “ferramentas” (e.g., hábitos de estudo, gestão
do tempo, cultura académica) necessárias para o sucesso académico. Estudos demonstram que os estudantes com bons resultados no Ensino Secundário têm
uma elevada probabilidade de alcançar também bons
resultados no ES (Almeida e cols., 2004; Astin, 1997;
Diniz, 2007; Diniz & Pinto, 2005; Marques & Miranda,
1996; Murtaugh et al., 1999; Soares et al., 2006a,b;
Tinto, 1993), o que, putativamente, contribui para a
permanência nos cursos.
Acresce, ainda, que a existência de numerus clausus
no sistema português de acesso ao ES faz com que
certos estudantes ingressem em cursos não desejados (Diniz, 2005). A relação entre número de vagas
por Curso/Instituição e a NC condiciona, então, a
colocação no Curso da Primeira Escolha (CPE) e,
consequentemente, numa dada Área de Estudos (AE).
Note-se que mais de um quarto dos estudantes (entre 25 a 30%) que se encontram a frequentar o ES
português não ficaram colocados nas instituições e
cursos mais desejados, parecendo existir uma maior
incidência destes casos nos cursos de ciências e
tecnologias (Almeida e cols., 2004). Tavares, Santiago e Lencastre (1998), num estudo envolvendo várias universidades portuguesas, constataram que cerca
de 40% dos estudantes de Engenharias não ingressaram no CPE.
Com o presente estudo pretende-se testar as hipóteses que atrás se explanaram e que, muito sucintamente, agora são recordadas. Admite-se, então, a
relação entre certas variáveis da primeira fase da
integração universitária e a Mudança de Curso. São
elas o Género, a Nota de Candidatura, a Área de Estudos, o Curso de Primeira Escolha e as relativas aos
Determinantes da Escolha de Curso (DEC): Intrínsecos e Extrínsecos (Agentes Mediadores e Estrutura
Ocupacional).
Também se pretende, subsidiariamente, dar particular atenção aos DEC, na medida em que, para além
de poderem evidenciar diferenças entre os estudantes que mudaram e os que não mudaram de curso,
poderão evidenciar diferenças entre os géneros. Esta
última hipótese assenta nas descrições feitas no âmbito da psicologia do desenvolvimento sobre as particularidades de cada um dos géneros nos jovens adultos, nomeadamente, no feminino, a notável saliência
das relações sociais e da intimidade na sua vida e, no
masculino, a também notável saliência dos objectivos
de carreira para a organização da sua vida (Gilligan,
1997; Levinson, 1978).
Método
Participantes
Colaboraram voluntariamente no estudo
(amostragem de conveniência) 352 estudantes tradicionais (Pascarella & Terenzini, 1991) (leque etário =
17-24 anos; M = 18). Os estudantes frequentavam
pela primeira vez o primeiro ano da Universidade do
Minho e estavam distribuídos por cursos ligados a
Recursos Humanos (RH: Formação de Professores/
Educadores, Psicologia e Comunicação Social, n = 195)
e por cursos ligados a Recursos Tecnológicos (RT:
Engenharias e Ciências Exactas Aplicadas, e.g., Química – Ramo Têxtil e Física Aplicada – Ramo Óptica,
n = 157).
Instrumento
Para operacionalizar os três níveis de determinação da escolha de curso recorreu-se à Escala de
Determinantes da Escolha de Curso (EDEC: Diniz,
2004; Diniz e cols., 1999). Trata-se de uma escala
constituída por 12 itens para ordenar por grau decrescente de importância (1 = mais importante), os
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 201-210
203
quais estão organizados em torno de três dimensões
(cada uma com quatro itens): (1) crença na importância de Determinantes Intrínsecos (DI) para fazer a
escolha (e.g., item 7, “Interesse/gosto pela área profissional”; item 11, “Maneira de ser e características
pessoais”); (2) crença na importância de
Determinantes ligados à influência de Agentes Mediadores (DAM) para fazer a escolha (e.g., item 2, “Pais,
irmãos ou outros familiares”; item 6, “Professores”);
e, (3) crença na importância de Determinantes ligados à Estrutura Ocupacional (DEO) para fazer a escolha (e.g., item 1, “Fácil colocação profissional”; item
10, “Número de vagas e médias de ingresso no Ensino Superior”).
Visando o teste da validade de constructo da
EDEC, recorreu-se ao PREFerenceMAPping2 (Chang
& Carroll,1972) para tratar os dados recolhidos
junto de uma amostra de 370 estudantes universitários do primeiro ano. Este programa baseia-se
no modelo do desdobramento (unfolding) criado
por Coombs (1950) para o tratamento de dados
ordinais de preferência, o qual foi ampliado de
unidimensional para multidimensional por Bennett
e Hays (in Carrol, 1972) e, depois, refinado por
Carroll (1972). Parafraseando Borg e Groenen
(1997), com a técnica do desdobramento, assume-se que os estudantes percebem da mesma maneira os 12 itens, mas diferem entre si quanto ao
que consideram ser a combinação ideal dos seus
atributos. Foi feita a análise interna do modelo
(Carroll, 1972;
Chang & Carroll, 1972)
tridimensional definido pela EDEC, isto é, partindo
das ordenações dos estímulos (escalas I), chegouse às suas coordenadas (escala J). Verificou-se que
o modelo hipotético estava bem ajustado aos dados empíricos: R = 0.96, para o modelo em que
os sujeitos atribuem diferentes pesos às dimensões,
incluindo a rotação ortogonal dos eixos que as definem (sobre os modelos gerados pelo PREFMAP2,
vd. Carroll, 1972).
Procedimento
A administração da EDEC decorreu em sala de aula,
dispensando os professores a parte final do seu tempo lectivo para o efeito. A aplicação ocorreu antes
204
dos participantes no estudo completarem os seus
primeiros dois meses de frequência universitária, por
forma a captar com maior sensibilidade a realidade
em análise, uma vez que estudos indicam que a maior
parte das desistências dos cursos ocorre durante o
primeiro semestre (Levitz & Noel, 1989; Myers,
1981; Tinto, 1993). As notas das dimensões resultaram do somatório dos resultados obtidos nos respectivos itens (dado o sentido da ordenação, notas
mais elevadas reflectem menor importância). No
protocolo de recolha de dados também se colheram
informações sobre o Género (masculino=1; feminino=2) e a AE (cursos de RH=1; cursos de RT=2).
Recorreu-se, ainda, à informação fornecida pelos Serviços Académicos da Universidade sobre a NC dos
estudantes, a colocação no CPE (sim=1; não=2), a
MC (sim=1; não=2) e se a MC havia sido para outra
AE (sim=1; não=2).
O tratamento dos dados foi realizado através do
SPSS 14.0 for Windows (os valores omissos tiveram
um tratamento listwise teste a teste), recorrendo a
estatísticas descritivas univariadas (ocorrências, médias de ordenações, médias e desvios-padrão) e estatísticas inferenciais bivariadas, paramétricas (t-Student)
e não-paramétricas (χ2ass. e U-Mann-Whitney).
Resultados
Centrando-nos sobre a MC, primeiro testámos
eventuais diferenças nas variáveis de caracterização
académica e psicossociológica na amostra, completando este estudo através de uma abordagem segundo o Género e de uma outra, mais fina, considerando
cada um dos géneros e a MC.
Assim, na Tabela 1 apresentam-se as estatísticas
descritivas das variáveis de caracterização
académica e psicossociológica da amostra, bem
como as estatísticas inferenciais resultantes das
comparações entre estudantes que mudaram e não
mudaram de curso.
Como se constata na tabela, revelaram-se estatisticamente significativas quatro das sete relações testadas. Por comparação com os estudantes que não mudaram de curso, mudaram de curso os estudantes com
Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso • António M. Diniz e Leandro S. Almeida
piores NC, que frequentavam mais a AE de RT e que
atribuíam menor importância aos DI e maior importância aos DEO na sua escolha de curso (lembre-se
que na EDEC notas mais elevadas significam menor
importância). Destas quatro variáveis, a AE e a DEO
foram as que apresentaram menor nível de significância
estatística (p = 0.028 para a AE e p = 0.049 para a
DEO), o que justifica especial prudência na inferência
atrás feita a propósito desta última variável.
Entretanto, na comparação dos resultados obtidos nas variáveis de caracterização académica e
psicossociológica da amostra em função do Género
(Tabela 2), verificou-se que somente o CPE não diferenciava os estudantes.
Tabela 1. Caracterização academica e psicossociológica da amostra em função da Mudança de
Curso
a
Entre os que mudaram e não mudaram de curso.
assumindo igualdade de variâncias.
*
p < 0.05; **** p < 0.0001.
b
Médias (desvios-padrão).
c
Médias das ordenações. Teste t
Tabela 2. Caracterização academica e psicossociológica da amostra em função do Género
a
*
Entre os géneros. b Médias (desvios-padrão).
p < 0.05; **** p < 0.0001.
c
Médias das ordenações. Teste t assumindo igualdade de variâncias.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 201-210
205
Quanto às restantes variáveis, quando comparados com os estudantes de género feminino, os
de género masculino tinham piores NC, frequentavam mais a AE de RT, atribuíam menor importância aos DI e aos DAM e maior importância aos
DEO. Destas variáveis a DI foi a que apresentou
menor nível de significância estatística (p = 0.034).
Note-se que, salvo as variáveis DAM e DEO, todas as outras são aquelas que se relacionavam de
forma estatisticamente significativa com a MC.
mudaram de curso, mudaram de curso as estudantes com piores NC, que frequentavam mais
a AE de RT e que atribuíam menor importância
aos DI.
Para os estudantes do género masculino, verificouse que somente a variável DI apresentou resultados
estatisticamente significativos (Tabela 4): quando comparados com os estudantes que não mudaram de curso, mudaram de curso os que atribuíam menor importância aos DI.
Tabela 3. Caracterização académica e psicossociológica dos estudantes do género feminino em função da Mudança de Curso
a
Entre os que mudaram e não mudaram de curso.
igualdade de variâncias.
**
p < 0.01. **** p < 0.0001.
b
Médias (desvios-padrão).
Note-se, ainda, que os resultados obtidos com as
variáveis DI, DAM e DEO, demonstram a validade concorrente das dimensões da EDEC face ao
critério Género dos estudantes.
Considerando agora os resultados obtidos nas variáveis de caracterização académica e psicossociológica para cada um dos géneros, podemos observar, na Tabela 3, os resultados obtidos para os estudantes do género feminino.
Na tabela encontramos três das seis relações
testadas com resultados estatisticamente significativos: quando comparadas com as que não
206
c
Médias das ordenações. Teste t assumindo
Do conjunto dos resultados apresentados nas
Tabelas 1 e 3 e 4 destacam-se a NC, a frequência de uma dada AE e a importância atribuída
aos DI, enquanto variáveis que melhor diferenciam os estudantes quanto à MC. Existe, contudo, a nuance de nos estudantes do género
masculino somente os DI diferenciarem aqueles
que mudaram de curso face aos que o não fizeram. Por último, o ocorrido com a variável DI,
tanto para a amostra como para cada um dos
géneros, demonstram a validade preditiva desta dimensão da EDEC face ao critério MC.
Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso • António M. Diniz e Leandro S. Almeida
Tabela 4. Caracterização académica e psicossociológica dos estudantes do género masculino em
função da Mudança de Curso
a
Entre os que mudaram e não mudaram de curso.
assumindo igualdade de variâncias.
*
p < 0.05.
b
Médias (desvios-padrão).
Discussão
Os resultados deste estudo mostraram que, entre os estudantes tradicionais que pela primeira vez
frequentavam o primeiro ano da Universidade do
Minho, mudaram mais frequentemente de curso aqueles que: (1) possuíam piores Notas de Candidatura
(NC), o que vai de encontro à importância desta variável para, no sistema de acesso ao Ensino Superior
(ES) português, os estudantes ingressarem em cursos desejados (Diniz, 2005; Marques & Miranda,
1996) e para que, já no ES, alcancem bons resultados
académicos (Almeida e cols., 2004; Astin, 1997;
Diniz, 2007; Diniz & Pinto, 2005; Marques & Miranda,
1996; Murtaugh e cols., 1999; Soares e cols.,
2006a,b; Tinto, 1993); (2) frequentavam cursos ligados a Recursos Tecnológicos (RT), nos quais parece existir uma maior incidência de ingressos em cursos menos desejados (Almeida e cols., 2004; Tavares
e cols., 1998); e, (3) atribuíram menor importância
aos Determinantes Intrínsecos (DI) e maior importância aos Determinantes ligados à Estrutura
Ocupacional (DEO) para a escolha de curso. Contudo, a afirmação quanto aos DEO deve ser considerada com a maior prudência em razão da significância
estatística do resultado obtido, a qual está muito pró-
c
Médias das ordenações. Teste t
xima do limiar de rejeição. Já quanto aos DI, o resultado encontrado remete para uma menor congruência
nos estudantes que mudaram de curso entre as condições pessoais (competências e interesses) associadas à sua escolha de curso e a sua colocação num
dado curso. Este resultado revela a capacidade desta
dimensão da Escala de Determinantes da Escolha de
Curso (EDEC: Diniz, 2004; Diniz e cols., 1999) para
discriminar grupos conhecidos (estudantes que mudaram versus não mudaram de curso), demonstrando
a sua validade preditiva face à Mudança de Curso (MC).
Realça-se, ainda, o facto de, na amostra, a colocação no Curso de Primeira Escolha (CPE) não se ter
relacionado com a MC, o que vai de encontro a estudos com amostras idênticas à nossa (Soares e cols.,
2006 a,b). Através do recurso à análise de trajectórias
(path analysis), neles verificou-se a inexistência de qualquer efeito (directo ou indirecto) da variável CPE
sobre o grau de investimento cognitivo (expectativas
de envolvimento académico) e comportamental
(envolvimento) dedicados pelos estudantes à vida
académica, o grau de satisfação académica e o rendimento académico. Também se verificou no presente
estudo que o Género não estava relacionado com a
MC, o que estará ligado à indiferenciação entre masculino e feminino encontrada por outros autores quan-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 201-210
207
to ao fenómeno da (in)decisão vocacional (Crites,
1969; Da Silva, 1997; Gianakos & Subich, 1986).
Entretanto, na comparação entre os géneros, foram os estudantes do género masculino que: (1) apresentaram piores NC, em consonância com o encontrado por Vasconcelos, Almeida e Monteiro (2005);
(2) frequentavam mais os cursos de RT, em consonância com o encontrado em outros estudos com
universitários portugueses (Diniz, 2001; Soares e
cols., 2006a) e de acordo com o expectável em face
da influência do estereótipo social do género na escolha ocupacional (Gottfredson, 1981, 1996) ou, por
outras palavras, da influência do sistema reprodutivo
da sociedade (Balsa e cols., 2001; Bourdieu &
Passeron, 1964, 1981; Cabrito, 2001) sobre essa
escolha; e, (3) atribuíram menor importância aos DI
e aos Determinantes ligados a Agentes Mediadores e
maior importância aos DEO para fazer a sua escolha
de curso, o que poderá justificar-se em razão da sua
maior orientação para a realidade ocupacional, fruto
da saliência que tem na organização da sua vida a perseguição de objectivos de carreira (Levinson, 1978).
Por outro lado, da maior saliência que o relacionamento interpessoal e a intimidade têm na vida dos
sujeitos do género feminino (Gilligan, 1997), terão
resultado as diferenças entre os géneros, favoráveis
ao feminino nos DI e nos DAM. Estes resultados revelam a capacidade das três dimensões da EDEC (DI,
DAM e DEO) para discriminar grupos conhecidos
(estudantes do género masculino versus feminino),
demonstrando a sua validade concorrente face ao critério Género.
Então, confrontando resultados obtidos na comparação entre os géneros com os obtidos para a MC,
ainda que o Género não esteja lhe directamente relacionado, é plausível crer numa relação indirecta entre
estas duas variáveis, mediada pela NC, pela frequência de uma dada AE e pela importância atribuída aos
DI na escolha de curso. Esta hipótese poderá ser
verificada através do teste de um modelo de trajectórias (path analysis) que contemple essas relações
indirectas entre Género e MC.
Por fim, convém realçar que os resultados apurados provieram de uma amostra não representativa, com os consequentes problemas de generaliza208
ção, mesmo para os estudantes do primeiro ano da
Universidade do Minho. Por exemplo, nela não constam os estudantes que faltaram às aulas em que decorreu a recolha de dados, nem os estudantes de
outros cursos e de outras áreas de estudos, nem os
estudantes que mudaram de curso para outra instituição. Assim, eles devem ser tidos como indicadores relativos aos estudantes que apresentam características académicas semelhantes às da amostra aqui
considerada.
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Recebido em: 05/10/2007
Revisado em : 05/12/2007
Aprovado em: 10/02/2008
Sobre os autores
António M. Diniz ([email protected]) - Doutor em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho. Prof. Auxiliar no ISPA. Investigação em
avaliação psicológica, construção e adaptação de provas psicológicas, métodos quantitativos e qualitativos aplicados ao estudo do jovem adulto
universitário e do adulto idoso.
Endereço para correspondência.
ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada
Rua Jardim do Tabaco, 34
1149-041 Lisboa, Portugal
Leandro S. Almeida - Doutor em Psicologia da Educação pela Universidade do Porto. Professor Catedrático do Instituto de Educação e Psicologia da
Universidade do Minho. Investiga nas áreas da cognição, aprendizagem, avaliação psicológica, construção e validação de instrumentos. Autor de provas
de avaliação cognitiva.
Universidade do Minho, Braga, Portugal
210
Variáveis da primeira fase da integração universitária e mudança de curso • António M. Diniz e Leandro S. Almeida
Asociaciones entre rendimiento en comprensión
de textos y estrategias pedagógicas utilizadas por
docentes
Asociaciones entre comprensión lectora y estrategias docentes
Lorena Canet Juric
María Laura Andrés
Isabel Introzzi
María Richard‘s
Resumen
El objetivo de este trabajo ha sido explorar las asociaciones entre el rendimiento en comprensión lectora y distintas estrategias docentes utilizadas con
alumnos de segundo y tercer grado de Educación Primaria Básica (EPB) de la Ciudad de Mar del Plata (Argentina). El supuesto de este estudio afirma que
existe una asociación entre el rendimiento en comprensión lectora y las estrategias pedagógicas docentes. Se aplicó una adaptación del PROLEC para
evaluar el rendimiento en lectura y un cuestionario construido para explorar las estrategias docentes. Los instrumentos fueron administrados a una
muestra aleatoria de alumnos de 2º y 3º año de 10 escuelas municipales (n=258) y a sus respectivos docentes (n=64). Los resultados permitieron aportar
evidencia empírica sobre la ausencia de asociaciones estadísticamente significativas entre ambas variables, lo que permite suponer que la lectoescritura
es un fenómeno complejo que depende de numerosos factores como las diferencias cognitivas individuales, el contexto alfabetizador, etc.
Palabras clave: comprensión lectora; estrategias pedagógicas; educación primaria pública.
Associações entre rendimento na compreensão de textos e
estratégias pedagógicas utilizadas por docentes
Resumo
O objetivo deste trabalho foi explorar as associações entre o rendimento em compreensão de leitura e diferentes estratégias docentes utilizadas em
alunos da segunda e terceira série do ensino fundamental da cidade de Mar del Plata (Argentina). O pressuposto deste estudo afirma que existe uma
associação entre o rendimento em compreensão de leitura e as estratégias pedagógicas docentes. Foi aplicado uma adaptação do PROLEC para avaliar
o rendimento em leitura e um questionário elaborado para explorar as estratégias docentes. Os instrumentos foram aplicados em uma amostra aleatória
de alunos da 2ª e 3ª série de 10 escolas municipais (n=258) e nos seus respectivos docentes (n=64). Os resultados permitiram contribuir com evidência
empírica a respeito da ausência de associações estadisticamente significativas entre ambas as variáveis, o que permite supor que a leitura-escrita é um
fenômeno complexo que depende de vários fatores, como ser as diferenças cognitivas individuais, o contexto de alfabetização, etc.
Palavras-chave: compreensão em leitura; estratégias pedagógicas; ensino fundamental público.
Associations between achievement in reading understanding and
pedagogical strategies used by teachers
Abstract
The aim of this work has been to explore the relationships between reading comprehension achievement and strategies used by teachers in second and
third class of public schools of Mar del Plata City. The assumption of this study affirms that exist an association between reading comprehension
achievement and strategies used by teachers. It was applied an adaptation of PROLEC to evaluate reading comprehension achievement and a
questionnaire to explore the educational strategies. The instruments were administered to a random sample of students of 2º and 3º year of 10 public
schools (n=258) and their respective teachers (n=64). The outcomes allows contribute empirical evidence of the absence of statistically significant
associations between both variables which allows to suppose that reading comprehension is a complex phenomenon that depends on numerous factors
like individual cognitives differences and familiar support.
211
Introducción
Leer no se reduce a decodificar las palabras sino
que también significa comprender el mensaje escrito
de un texto. Sin embargo, para conseguirlo resulta
necesario, aunque no suficiente, el automatismo de los
procesos de decodificación que genera la liberación
de recursos atencionales (Perfetti, 1985, 1991). De
acuerdo a la literatura científica, se supone que la
comprensión lectora es un complejo proceso que
genera una representación integrada y coherente del
texto por parte del lector. La mayor parte de las
investigaciones sobre dificultades en la lectura considera que las fallas en el proceso de decodificación es
el problema principal que enfrenta un sujeto para la
comprensión lectora. Sin embargo, el déficit de
comprensión no puede ser atribuido exclusivamente a
fallas en la decodificación, sino que hay un conjunto de
factores que, sin duda, también tienen influencia: la
confusión respecto a las demandas de la tarea, la pobreza de vocabulario, los escasos conocimientos
previos, los problemas de memoria, la falta de
entrenamiento en estrategias de comprensión, el escaso
control de la comprensión o las diferencias en el modo
de enseñar a buenos y malos lectores (Citoler, 2000).
Según Defior Citoler (2000), existen una serie de
investigaciones (Allington, 1983; Biemiller, 1977-1978)
que demuestran que los malos lectores reciben menos enseñanza en comprensión y más en decodificación
que los buenos lectores. Aunque suene extraño, estos
estudios han permitido corroborar de forma empírica
que los malos lectores no solamente recibían menos
cantidad de instrucción en comprensión, sino que se
les exigía demasiado tiempo práctica de la lectura oral
con continuas interrupciones para corregir errores
pero sin proponer reflexiones en relación al contenido
del texto. La frecuente interrupción genera en los niños
la sensación de que deben depositar en otra persona
la tarea de evaluar su ejecución lectora, generando un
déficit de las habilidades de control de la exactitud y
de la comprensión lectora.
Comprender el lenguaje requiere de dos niveles de
procesamiento de los contenidos de una oración: el
sintáctico y el semántico. Una oración es un conjunto
de palabras que guardan entre sí determinadas relaci-
ones sintácticas y para comprenderlas hay que
identificarlas y vincularlas entre sí. Comprender una
oración es conferirle un significado, procesar
semánticamente su contenido como un todo. De
acuerdo a Molinari Marotto (2000) “un texto no es un
conjunto aleatorio de oraciones, sino un conjunto
coherente” (p.119) y, por lo tanto, la comprensión
del texto implica establecer relaciones que mantengan
unidas las ideas, para que sea percibido y representado en la memoria como una estructura coherente.
Además de distinguir entre comprensión de textos
y de oraciones, es necesario establecer diferencias
entre los distintos tipos textuales. Según la clasificación
de Brewer (1980) se los denomina textos expositivos,
narrativos y descriptivos. Cada uno de ellos requiere
la aplicación de distintas estrategias y modalidades
pedagógicas de enseñanza.
Los textos narrativos incluyen personajes y acciones, acontecimientos desencadenantes y ocurrencia
de sucesos en cadena temporal, relaciones causales
y motivacionales, finales como consecuencia de una
acción; el objetivo de los mismos es entretener y
además poseen objetivos literarios estéticos (Molinari
Marotto, 2000; Braslavsky, 2005). Para fomentar la
comprensión en cuentos narrativos el docente puede
realizar las siguientes actividades: Antes de la lectura:
proponer una discusión sobre sus propósitos;
generar hipótesis derivadas del título, realizar
ilustraciones, conocer el nombre del autor, etc.; Durante la lectura: generar y responder preguntas, buscar el significado de las palabras que no resultan familiares; y Después de la lectura: revivir el cuento a
través de la renarración oral, hacer dibujos y
dramatizaciones, etc. (Braslavsky, 2005).
Los textos expositivos describen conceptos de tipo
abstracto y relaciones del tipo lógico con el fin de explicar, informar, persuadir. Estos textos deben ser,
según Slater y Graves (1989): informativos,
explicativos, orientativos e incluir la narración. Este tipo
de texto informa sobre investigaciones, datos,
personas, hechos, teorías, etc. Para que el alumno los
comprenda, el docente debe incitarlo a tener un plan
estratégico de comprensión y debe ayudarlo a
reconocer cómo se diferencia este de otros tipos de
texto (Braslavsky, 2005).
212 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas ... • Lorena Juric, María Andrés, Isabel Introzzi e María Richard‘s
La estrategia general más frecuentemente aplicada
por el docente con el objetivo de motivar la
comprensión lectora es la realización de preguntas
explícitas o inferenciales en relación al texto (Sánchez,
Orrantia & Rosales, 1992). Un texto contiene más
información de la que aparece explícitamente enunciada y es tarea del lector completar con sus
conocimientos las lagunas que presenta (Davoudi, 2004;
Borzone, Rosemberg, Diuk, Silvestre & Plana, 2004).
La realización de inferencias ayuda a los lectores a construir y dar significados al texto, sin ellas sería
prácticamente imposible comprender el texto a un nivel
más macro que el de la oración (Paris, Wasik, & Turner,
1991; García Madruga et al., 1999; Cain & Oakhill,
2004). Numerosas investigaciones han demostrado
que los niños tienen más dificultades en responder
preguntas inferenciales que literales o explícitas (Paris
et al, 1991).
Según Geva (1985), los lectores hábiles aplican
sistemáticamente varias estrategias de lectura como
la paráfrasis, la solución de problemas y el repaso.
Existe un acuerdo generalizado sobre la posibilidad de
modelar diversas estrategias o habilidades y la
importancia de su cesión gradual del control al alumno,
para que recupere su autonomía (Schmitt & Baumann,
1989; Grimes, 2004; Sánchez, Orrantia & Rosales,
1992; del Río, 1985). De acuerdo a esto, se infiere la
importancia de enseñar de forma sistemática
estrategias que favorezcan la comprensión lectora.
Teniendo en cuenta lo expuesto, este trabajo se
propuso evaluar la relación entre las estrategias pedagógicas y la comprensión lectora en alumnos de 2º y
3º año de la EPB, bajo el supuesto de que es factible
encontrar niveles más altos de comprensión en
aquellos alumnos que han recibido una formación y un
entrenamiento sistemático en estrategias de lectura..
Método
Participantes
Se trabajó con 64 docentes (64 mujeres, promedio
de años de ejercicio en la docencia=17), de 2º año
(n=33) y de 3º año (n=31), y con 298 de sus
estudiantes (162 mujeres y 136 varones)
pertenecientes a segundo grado (n=146) y tercer grado (n=152). La edad promedio fue de 7.57 años en
segundo grado y de 8.60 años en tercer grado. La
totalidad de la muestra fue seleccionada al azar mediante un registro áulico de 10 Escuelas Municipales de
la ciudad de Mar del Plata, Argentina.
Instrumentos
Para evaluar la comprensión lectora se utilizó la
versión adaptada del PROLEC (Andrés, Canet Juric,
Introzzi y Urquijo, 2006). Las pruebas fueron administradas en forma individual durante los últimos dos
meses del año lectivo. A los fines de este estudio, se
consideraron las siguientes escalas:
Escala Lectura de Palabras y Pseudopalabras. Esta
prueba contiene 60 estímulos (20 palabras de alta
frecuencia, 20 palabras de baja frecuencia y 20
pseudopalabras, en los tres casos la mitad son de
longitud corta y la otra mitad de longitud larga). Permite verificar si los alumnos tienen automatizados los
procesos léxicos.
Escala de Comprensión de Textos. Incluye dos
textos breves, uno narrativo y otro expositivo, con
cuatro preguntas cada uno, dos expositivas y dos narrativas. Permite evaluar la comprensión lectora a nivel
textos (ver ANEXO A).
Cuestionario para el docente
Para explorar las estrategias docentes, se
confeccionó un cuestionario que fue aplicado en
forma individual a cada docente. Del cuestionario
mencionado se consideró la pregunta referida a las
actividades de comprensión aplicadas por el docente.
1- Qué actividades utiliza para el refuerzo de los
aprendizajes de la lectoescritura.
2- Describa que actividades utiliza para que los
alumnos comprendan los textos que leen.
3- ¿Ha recibido alguna capacitación específica sobre enseñanza de comprensión lectora?
4- ¿Cómo considera usted que debiera reforzarse
la comprensión de textos?
Adicionalmente, para completar esta información
se analizaron las actividades utilizadas por el docente a
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 211-221
213
través de la observación sistematizada de los cuadernos
de los alumnos mediante una grilla de observación (ver
ANEXO B), donde el examinador registraba las tareas
de comprensión lectora observadas (Urquijo, Canet
Juric, Andrés y Ané, 2006).
Procedimiento
Las entrevistas fueron realizadas individualmente con
los docentes en el aula o algún lugar de la escuela destinado para tal fin. Los niños también fueron evaluados
de manera individual en un lugar tranquilo de la escuela,
se solicitó el consentimiento por escrito de los padres
para tal fin.
Análisis estadístico
Para facilitar y resumir los resultados se
construyeron tres índices en base a la clasificación de
estrategias utilizada por Braslavsky (2005): Índice de
antes de la lectura (reactivar conocimientos previos,
vocabulario, predicciones o anticipaciones sobre el
texto, ); Índice de durante la lectura (lectura, ordenar
secuencias, estructura del texto, modelado de lectura,
completar oraciones con las palabras que faltan,
comprensión de instrucciones, ) e Índice de después
de la lectura (preguntas sobre lo leído, renarración del
texto en forma oral o escrita, dibujar sobre lo leído,
debate oral sobre el texto, cambiar el final, responder
verdadero o falso, unir con flechas, respuestas de
opción múltiple). Para la comprensión de textos se
tomó la escala de comprensión de textos del PROLEC
(Andrés, Canet Juric, Introzzi & Urquijo, 2006). Final-
mente, se analizaron las relaciones entre cada uno de
los índices elaborados y los niveles de comprensión
de textos, utilizando la Prueba de Independencia de Jicuadrado (χ2 , pd<05).
Resultados
Resultados PROLEC
En la Tabla 1 se observa que el nivel de rendimiento
en lectura presenta variaciones entre el 2º y el 3º curso, produciéndose un incremento en este último. El
porcentaje de acierto en estas pruebas es alto en general., sin embargo los niveles de comprensión lectora
son bajos tanto en segundo como en tercer año,
presentando un porcentaje de acierto sólo del 54.9%
en segundo y 59.62 % en tercero. En general, podemos afirmar que el desempeño en las tres pruebas de
lectura es similar, siendo menor el desempeño en
lectura de pseudopalabras y en lectura de palabras
infrecuentes que en lectura de palabras frecuentes.
En ambos cursos se presenta un mejor rendimiento
en lectura de palabras y una disminución en el
rendimiento en comprensión en general, sobre todo
en comprensión de textos. En general, se observa una
mejora de todas las habilidades en tercero.
Se observa un desempeño superior en la variable
comprensión de oración en los alumnos de 3º año (M=
5.21) que en la variable comprensión de textos (M=
4.76), presentándose mayores rendimientos en ambas
pruebas en alumnos de tercer grado.
Tabla 1. Estadísticos descriptivos de cantidad de aciertos en lectura y comprensión discriminados
por curso para toda la muestra
214 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas ... • Lorena Juric, María Andrés, Isabel Introzzi e María Richard‘s
Para poder realizar un análisis de las asociaciones
entre el rendimiento en comprensión de textos y las
estrategias usadas por los docentes, se seleccionaron
aquellas escuelas que mostraron los rendimientos más
altos y aquellas otras que mostraron los más bajos en
Comprensión de textos. Para esto se tuvieron en
cuenta los puntajes medios de la totalidad de la muestra
de escuelas municipales en Comprensión de textos
(M 2º año= 4,33, M 3º año= 4,71). Se seleccionaron
aquellas escuelas que se encontraban un desvío
estándar por encima y por debajo de la media de la
muestra normativa (ver Tabla 2). Posteriormente, se
incluye un análisis de cuáles son las estrategias pedagógicas que utilizan los docentes de estas escuelas.
Resultados cuestionarios
Estrategias utilizadas por los docentes para que los
alumnos comprendan los textos que leen en 2do y 3er
grado.
En segundo grado se observa que existe toda
una franja de estrategias que son utilizadas por las
escuelas con puntaje alto y no son usadas por las
escuelas con puntajes bajas (Comprensión de consignas y puesta en común, Expresión oral y escrita,
Completar oraciones, Relectura, Relato de cuentos
y Debate). A su vez, las escuelas consideradas dentro de las de bajos rendimiento, utilizan estrategias
que no son utilizadas por las otras escuelas
(Reconocer tipos textuales, Unir con flechas,
Vocabulario, Predicciones sobre el texto, Modelado, Escritura de oraciones, Respuesta de opción
múltiple y Completar oraciones)
En tercer grado se puede observar de manera
similar a lo que ocurre en segundo grado (ver Tabla
4), ya que existe toda una franja de estrategias que
son utilizadas por las escuelas con puntaje alto y
que no son usadas por las escuelas con puntajes
bajos (Dictado, Reglas ortográficas, Separar en sílabas, Ordenar alfabéticamente, Familias de
palabras, Producciones escritas de los alumnos,
Dramatizaciones, Libros a casa). A su vez, las
escuelas consideradas dentro de las de bajos
rendimiento, utilizan estrategias que no son utilizadas por las otras escuelas (Debate, Modelado,
Tabla 2. Resultados de comprensión lectora de 2do grado discriminados por
medias y desvíos altos y bajos de 4 escuelas municipales
Tabla 3. Resultados de comprensión lectora de 3ro grado discriminados por
medias y
desvíos altos y bajos de 4 escuelas municipales
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 211-221
215
Tabla 4. Comparación de frecuencias de estrategias enunciadas por los docentes entre escuelas
con altos y bajos puntajesen segundo grado
Cambiar el final de cuentos, Búsqueda de sinónimos y antónimos, Relacionar con conocimientos
previos).
Asociación entre el rendimiento en comprensión
lectora y estrategias docentes.
Las medias más altas en comprensión de textos
no presentan asociaciones estadísticamente significativas con un tipo particular de estrategias docentes.
Índice 3 χ2 (3, 19)= 3.026, p>= .05; Índice 2 χ2 (5,
19)= 4.93, p>= .05 e Índice 3 χ2 (7, 19)= 8.74,
p>= .05.
Un dato relevante es que las estrategias docentes
incluídas en el Ìndice 3 de Después de la lectura
presentan una media más alta (M= 2,16) en comparación
con el resto de las medias pertenecientes a los restantes índices (Índice 1 M= 0,40; Índice 2 M=1,20).
Discusión
El elevado rendimiento en las escalas de lectura
de palabras y pseudopalabras indica que los participantes han automatizado los procesos léxicos. Por
lo tanto, las puntuaciones bajas en las tareas que
evalúan la comprensión, indicarían que estas
dificultades no se deben a un déficit en los procesos
léxicos, sino que se encuentran relacionados a otras
variables. Existen un conjunto de factores que tienen
influencia en el rendimiento de esta variable, a saber:
la confusión respecto a las demandas de la tarea, la
pobreza de vocabulario, los escasos conocimientos
previos, los problemas de memoria, la falta de
entrenamiento en estrategias de comprensión, el
escaso control de la comprensión o las diferencias
en el modo de enseñar a buenos y malos lectores
216 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas ... • Lorena Juric, María Andrés, Isabel Introzzi e María Richard‘s
Tabla 5. Comparación de frecuencias de estrategias enunciadas por los docentes entre escuelas con
altos y bajos puntajesen tercero grado
(Citoler, 2000, Allington, 1983; Biemiller, 19771978). Mostrar la existencia de estas diferencias
constituía el objetivo de este trabajo.
Al analizar la comprensión de oraciones se observó
que los alumnos presentan rendimiento superior en la
comprensión de oraciones que de textos. Esta
actividad, si bien resulta compleja, presenta menos
dificultad de procesamiento ya que el alumno sólo se
debe preocupar del procesamiento individual de las
oraciones, sin necesidad de realizar operaciones más
complejas como las de integración en unidades superiores, actividad que sí es requerida para la
comprensión global del texto.
Nuestros resultados no han permitido obtener evidencia empírica confirmatoria a favor de la asociación
entre el rendimiento en comprensión de textos y las
estrategias pedagógicas usadas por los docentes.
En coincidencia con algunos autores (Paris,
Wasik, & Turner , 1991; García Madruga, Elosúa,
Gutiérrez, Luque & Garate, 1999 y Cain & Oakhill,
2004 ) los resultados demostraron que una de las
estrategias mayormente elegidas por los docentes
para favorecer la comprensión del texto es elaborar preguntas sobre el texto para que los alumnos
posteriormente las respondan. Otra estrategia
enunciada como importante para la comprensión,
fue la práctica de la lectura, quizás esto tenga que
ver con el manejo de una teoría intuitiva por parte
del docente en relación a la importancia de
automatizar los procesos de decodificación y
acceso léxico para así poder liberar recursos
atencionales y ponerlos al servicio de procesos
cognitivos más profundos, en este caso, al servicio
de la comprensión.
En general, no hay diferencias cuantitativas importantes en relación a las estrategias enunciadas por los
docentes, sólo se observa mención de distintas
estrategias en las escuelas que presentan buenos
rendimientos y en las escuelas que presentan bajos
rendimientos. Estas estrategias, tanto en un tipo de
rendimiento como en otro, son enunciadas por el
docente en forma aislada y no como un paquete de
estrategias a ser utilizado en distintos momentos de
la lectura. Es decir, que lo que se ha podido observar
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 211-221
217
es más bien la falta de sistematización y organización
en el planeamiento de la enseñanza de la comprensión
lectora. Se utilizan un número elevado de diversas
estrategias pero éstas no presentan un ordenamiento
lógico entre sí, o algún tipo de criterio clasificatorio
que permita agruparlas y prever un entrenamiento en
la comprensión textual, más bien se trata de una
especie de abanico en que se incluyen multiplicidad
de estrategias.
Más allá de los resultados relacionados con los
cuestionarios docentes, el hecho de que el docente
enuncie una actividad no constituye un indicador de la
frecuencia de uso de las mismas, lo que podría haber
sido de mayor utilidad para la posterior comparación
entre docentes.
Consideramos que es necesario incluir otro tipo
de mediciones o registros en estudios futuros que
incluyan información más detallada acerca de las
estrategias docentes tales como: la frecuencia de uso
de las mismas, cantidad de horas dedicas a la
instrucción en comprensión lectora, horas asignadas
a tareas escolares que se relacionen con la comprensión
lectora, etc.
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la Municipalidad de General Pueyrredón). Mar del Plata, Buenos
Aires: Universidad Nacional de Mar del Plata, Grupo de
Psicología Cognitiva y Educacional.
Recebido em: 06/08/2007
Revisado em: 05/12/2007
Aprovado em 29/01/2008
Sobre as autoras
Lorena Canet Juric, ([email protected]) - doutoranda em Psicologia pela Universidade Nacional de Sao Luis. Trabaja en el Centro de Investigación
en Procesos Básicos, Metodología y Educación, en la Universidade Nacional do Mar del Plata y es Becaria Doctoral de Investigación do Consejo Nacional
de Investigaciones Científicas y técnicas y docente de la Facultad de Psicologia. (CONICET).
María Laura Andrés ([email protected]) - Universidad Nacional de Mar del Plata. Trabaja en el Centro de Investigación en Procesos Básicos,
Metodología y Educación, en la Universidade Nacional do Mar del Plata. Es Becaria de Iniciación en esta Universidade.
Isabel Introzzi ([email protected]) - doutoranda em Psicología pela Universidade Nacional de Sao Luis. Trabaja en el Centro de Investigación en
Procesos Básicos, Metodología y Educación, en la Universidade Nacional do Mar del Plata y es Becaria Doctoral de Investigación do Consejo Nacional
de Investigaciones Científicas y técnicas y docente de la Facultad de Psicologia. (CONICET).
María Richard‘s ([email protected]) - doutoranda em Psicología pela Universidade Nacional de Sao Luis. Trabaja en el Centro de
Investigación en Procesos Básicos, Metodología y Educación, en la Universidade Nacional do Mar del Plata y es Becaria Doctoral de Investigación do
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y técnicas y docente de la Facultad de Psicologia. (CONICET).
Nota das autoras
Este trabajo es resultado de la Investigación efectuada por el Centro de Procesos Básicos, Metodología y Educación (en ese entonces Grupo de Psicología
Cognitiva y Educacional) en el marco del proyecto: Alfabetización y Psicología Cognitiva dirigido por el doctor Sebastián Urquijo.
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219
ANEXO A
Texto Narrativo
ERA EL CUMPLEAÑOS DE MARISA Y ALLÍ ESTABAN TODAS SUS AMIGAS ESPERANDO A QUE
EMPEZARA LA FIESTA. DE REPENTE, OYERON UN RUIDO EN LA COCINA Y CUANDO ENTRARON
VIERON QUE EL GATO HABÍA TIRADO LA TORTA. MARISA SE PUSO MUY TRISTE PORQUE YA NO
PODÍA APAGAR LAS VELAS. PERO EN ESE MOMENTO LLEGÓ SU PADRINO CON UNA GRAN TORTA
DE REGALO Y TODOS SE PUSIERON MUY CONTENTOS.
Preguntas
1234-
¿QUÉ ESTABAN ESPERANDO LAS AMIGAS DE MARISA?
¿QUÉ ERA EL RUIDO QUE OYERON EN LA COCINA?
¿POR QUÉ NO PODRÍA MARISA APAGAR LAS VELAS?
¿QUÉ TRAJO EL PADRINO DE MARISA?
Texto Expositivo
A LA ORILLA DE LOS RÍOS CRECE UN ÁRBOL MUY BONITO DE FLORES AMARILLAS LLAMADO SAUCE. LOS
SAUCES TIENEN UNAS RAMAS MUY LARGAS Y CON MUCHAS HOJAS POR LO QUE DAN UNA BUENA SOMBRA.
SU TRONCO ES LARGO Y FLEXIBLE Y SE UTILIZA PARA FABRICAR BASTONES. EN LA ÉPOCA DE VERANO QUE
LA TIERRA ESTÁ SECA, SUS RAÍCES SE ALARGAN MUCHOS METROS BUSCANDO EL AGUA.
Preguntas
1234-
¿DÓNDE CRECEN LOS SAUCES?
¿POR QUÉ DAN BUENA SOMBRA LOS SAUCES?
¿PARA QUÉ SE UTILIZA SU TRONCO?
¿CÓMO SON SUS RAÍCES?
220 Asociaciones entre rendimiento en comprensión de textos y estrategias pedagógicas ... • Lorena Juric, María Andrés, Isabel Introzzi e María Richard‘s
ANEXO B
Trilla de observación
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221
Criatividade na formação e atuação do professor
do curso de Letras
Criatividade no curso de Letras
Zélia Maria Freire de Oliveira
Eunice Maria Lima Soriano de Alencar
Resumo
A pesquisa investigou como a criatividade era tratada na formação e atuação do professor do Curso de Letras. Foram entrevistados 20 professores de duas
instituições de educação superior particulares e uma pública de uma cidade da região centro-oeste do Brasil e foi utilizada a análise de conteúdo para
tratamento dos dados. Os resultados indicaram que os professores atribuem importância à criatividade no mundo atual; acreditam no potencial criativo de
seus alunos; têm noção sobre criatividade, embora com dificuldade para defini-la; valem-se de vários procedimentos pedagógicos que a facilitam, embora
não os utilizem de forma intencional; não sentem necessidade de uma disciplina específica sobre criatividade, percebendo-a mais como procedimento
pedagógico; não tiveram em sua formação, de modo geral, informações sobre criatividade, nem tampouco em oportunidades de atualização; lembram-se
de poucos professores criativos em sua própria formação e apontaram várias barreiras à promoção da criatividade em sala de aula.
Palavras-chave: criatividade; professores; medida.
Creativity in the Linguistics course and the professor’s formation and
performance
Abstract
This study investigated how creativity has been worked upon in the Linguistics Course. Twenty professors from two private and one public higher
education institutions in a city from the central west of Brazil were interviewed. Content analysis was employed to analyze the answers given by the
professors’ enterviews. The results indicated that the professors recognized the importance of creativity in the current world; they believed in their
student’s creative potential; they had difficulty in defining creativity and they used various pedagogical procedures they believed to foster creativity, even
though they did not do it intentionally. The professors did not perceive the need for a specific course on creativity and they saw it more as a pedagogical
procedure. Furthermore, they had not had any formal instruction on creativity either on their undergraduate program or in follow up courses. They
remembered few creative professors and pointed out several obstacles to the implementation of creativity in the classroom.
Keywords: creativity; college teachers; measurement.
Creatividad en la formación y actuación del profesor del curso de Letras
Resumen
El estudio investigó como la creatividad era tratada en la formación y actuación del profesor del Curso de Letras. Fueron entrevistados 20 profesores
de dos instituciones privadas y una pública de educación superior de una ciudad de la región centro-oeste del Brasil, y fue utilizado el análisis de contenido
para el tratamiento de los datos. Los resultados indicaron que los profesores le atribuyen importancia a la creatividad en el mundo actual; creen en el
potencial creativo de sus alumnos; tienen noción sobre creatividad, pese a también tener una cierta dificultad para definirla; utilizan varios procedimientos
pedagógicos que la facilitan, pese a no hacerlo de forma intencional; no sienten necesidad de una disciplina específica sobre creatividad, percibiéndola más
como un procedimiento pedagógico; en su formación, de manera general, no tuvieron informaciones sobre creatividad ni oportunidades de actualización;
se recuerdan de pocos profesores creativos en su propia formación y apuntaron varias barreras a la promoción de la creatividad en clase.
Palabras clave: creatividad; profesores; medida.
223
Introdução
O momento atual da História possui características bem peculiares que exigem cada vez mais
criatividade dos cidadãos para buscarem soluções aos
inúmeros problemas. São incertos os desafios oriundos de um tempo de globalização, de mundialização
da cultura, de sociedade em rede, de novas ciências e
áreas do saber, de deslocalização e de desfragmentação
da produção, características essas apontadas por diversos autores, como Alencar e Fleith (2003a;
2003b), Castells (1999, 2003), Hill (2003), Ortiz
(1994), Rifkin (2000).
Ao lado de tantas novidades e das transformações
do mundo, cresceu o interesse por pesquisas no âmbito da criatividade, dando força ao novo, ao diferente, à busca de soluções para os inúmeros problemas
e desafios e, segundo Alencar e Fleith (2003a), a necessidade de se pensar de forma criativa e inovadora
tem levado vários sistemas educacionais de diferentes países a refletirem sobre o espaço que deve ser
dado para o desenvolvimento das habilidades criativas no contexto educacional. Ressaltam ainda que os
esforços nesse sentido têm sido precários, apesar de
a criatividade ser um recurso natural do ser humano,
não se constituindo um fenômeno exclusivamente
cognitivo e nem exclusivo dessa ou daquela pessoa,
porém seu desenvolvimento depende de vários fatores, tanto intrapessoais quanto do contexto
sociocultural onde o indivíduo se insere e interage.
Também é preciso que os cursos formadores de
professores, nas instituições de educação superior,
conscientizem os futuros professores da importância
da criatividade para si próprios e para os alunos que
formarão, colocando a criatividade como instrumento do ensino-aprendizagem e como mola-mestra de
respostas inovadoras e soluções desse novo contexto mundial. A ação educativa deve acompanhar a
dinamicidade e o momento de transformação do
mundo atual. Professores criativos passam para seus
alunos esse espírito criativo; cabe-lhes estimular o
potencial criador de seus alunos, contribuindo para
que se constituam homens criativos no futuro.
Vários fatores contribuem para que os professores
sejam criativos, destacando-se, entre eles, o fato de,
224
em sua formação, terem sido estimulados a serem criativos e conscientizados da importância da criatividade
na formação da pessoa bem como terem conhecido
práticas pedagógicas que estimulassem a criatividade.
Entretanto, segundo Libâneo (1998), as universidades
formam mal os futuros professores sem as competências necessárias para enfrentar as mudanças que estão
ocorrendo no mundo atual. Faltando em sua formação
algumas competências e habilidades, os professores
irão, conseqüentemente, formar mal seus alunos. Grande parte dos professores universitários somente se
preocupa, no dia-a-dia, em reproduzir conhecimentos,
não enfatizando o ensino reflexivo e crítico bem como
não alertam os alunos “para o ‘pulo do gato’, que só os
que se aventuraram na fantasia, na criação conseguem.”
(Rosas, 1987, p. 123).
Muitos autores, segundo Alencar (2001), analisaram o ensino universitário, constatando ineficiência
quanto à promoção da criatividade, o nãoencorajamento do pensamento criativo e independente, a ênfase na memorização e na reprodução de conhecimento. A mesma autora (1997), em pesquisa, a
respeito da extensão em que a criatividade era estimulada no contexto universitário, observou que, segundo os estudantes de educação superior que participaram da mesma, os seus professores davam pouco incentivo a distintos aspectos da criatividade, eram
pouco criativos e adotavam atitudes e metodologia
de ensino também pouco criativas em sala de aula.
Resultados similares a estes foram obtidos por Silva e
Alencar (2003) com estudantes do Curso de Enfermagem.
Pode-se afirmar, de acordo com Morejón (1996),
que o componente criativo é essencial à saúde mental e
que à medida que os professores e alunos o tenham
incorporado em suas próprias vidas, poderão desfrutar
de experiências incríveis e se espantarem com o potencial desconhecido que possuíam e não conheciam.
Com base no exposto, a pesquisa objetivou analisar
como a criatividade era percebida pelo professor do
Curso de Letras, formador de professores da Língua
Portuguesa, Literatura, entre outras disciplinas, nos
seguintes aspectos: a importância atribuída à criatividade
na formação do cidadão; as concepções de criatividade;
a criatividade e o currículo do curso; o potencial criati-
Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar
vo dos alunos; a formação do atual professor, se estes
receberam noções sobre criatividade e se tiveram
contatos com professores criativos; a percepção da
sua própria criatividade; os procedimentos pedagógicos utilizados e que propiciavam o desenvolvimento
da criatividade dos alunos e as barreiras ao desenvolvimento da criatividade em sala de aula.
Método
Participantes
Os participantes da pesquisa foram 20 professores
do Curso de Letras, sendo 12 de duas instituições particulares e oito de uma instituição pública, todas situadas
em uma cidade da região centro-oeste do Brasil. Dos
entrevistados, oito (40%) eram do sexo masculino e 12
(60%) do sexo feminino A idade dos participantes variou de 26 a 66 anos, com a média etária de 48 anos. A
respeito da formação dos professores, constatou-se: um
(5%) com pós-doutorado; seis (30%) com doutorado
completo; três (15%) com doutorado incompleto; oito
(40%) com mestrado completo; (5%) com mestrado
incompleto; um (5%) com outra especialização. A carga média horária de trabalho era de 16 horas, assim
distribuída: seis professores trabalhavam até 10 horas,
10 professores trabalhavam de 11 a 20 horas, dois professores trabalhavam de 21 a 30 horas e dois professores trabalhavam de 31 a 40 horas. O tempo de magistério variou de um ano e meio a 38 anos, sendo que 11
(55%) professores tinham entre 20 a 30 anos de magistério e nove (45%) abaixo de 20 anos. Todos os professores afirmaram lecionar com grande satisfação e ministravam diferentes disciplinas no Curso de Letras.
Instrumento
O instrumento de pesquisa foi a entrevista, realizada de forma individual com professores do Curso
de Letras e segundo roteiro, previamente preparado. Na sua parte inicial foram coletados dados pessoais do entrevistado (nome, gênero, idade, formação,
disciplina(s) que lecionava, carga horária semanal, tempo de magistério e se tinham satisfação em lecionar).
A seguir, foram feitas perguntas em que se buscou
saber do entrevistado: o que ele achava da importân-
cia da criatividade na formação do cidadão do mundo
atual; qual o conceito que tinha a respeito de
criatividade; se no currículo do curso de Letras da
instituição onde lecionava havia uma disciplina específica para criatividade ou se ela era parte de alguma
disciplina ou, ainda, se era apenas um procedimento
pedagógico em sala de aula; se ele acreditava existir
um potencial criativo em todas as pessoas e na possibilidade de desenvolvê-lo; se em sua formação, no
curso superior, foi lhe dado conhecimentos sobre
criatividade; se teve professores criativos em sua formação e o que deles se lembrava; se conhecia alguma
técnica ou procedimento para desenvolver o potencial criativo das pessoas; se ele se considerava um
professor criativo; que procedimentos pedagógicos/
técnicas/métodos de ensino utilizava e que, no seu
entender, auxiliavam no desenvolvimento da
criatividade de seus alunos; com quais barreiras se
deparava em seu dia-a-dia de sala de aula e que percebia prejudicar o desenvolvimento do potencial criativo dos alunos. No encerramento da entrevista, permitiu-se ao entrevistado acrescentar o que quisesse e
foram feitos os agradecimentos.
Procedimento
Primeiramente, houve um contato com a coordenação do Curso de Letras das duas instituições particulares para exposição dos objetivos da pesquisa e solicitar autorização para a realização das entrevistas. A
partir de um primeiro professor entrevistado, outros
foram indicados e assim, realizadas as demais entrevistas, em horários acertados com os professores. Na
instituição pública, houve dificuldade de contato com a
coordenação específica. Identificou-se, então, o horário de aula dos professores e a apresentação e solicitação de sua participação no estudo se deu diretamente
com o professor, sendo a entrevista realizada em horário estipulado por ele. As entrevistas tiveram as seguintes etapas: apresentação da entrevistadora; explicação de seus objetivos e da confidencialidade; a realização propriamente dita; agradecimentos e despedida. As entrevistas, com uma duração média de 25 minutos, foram gravadas em áudio e transcritas verbatim.
Como etapa inicial da coleta de dados, procedeuse a um estudo piloto, com a participação de três
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professores, objetivando identificar possíveis falhas e
o nível de clareza das perguntas incluídas no Roteiro
de Entrevista. Não se constatou necessidade de modificações no roteiro previamente preparado e, por
esta razão, os dados coletados nesse estudo foram
aproveitados na análise.
resultados, a inferência e a interpretação. As freqüências
e porcentagens de respostas em cada uma das categorias construídas foram calculadas.
Análise dos dados
A importância da criatividade na formação
do cidadão no mundo atual
Utilizou-se a análise de conteúdo, segundo orientações e prescrições preconizadas por diversos autores
(Bardin, 2004; Bauer & Gaskell, 2002; Franco, 2005;
Richardson, 1999). As três fases da análise de conteúdo foram efetuadas: a da pré-análise do material, quando se sistematizou as idéias iniciais e se fez uma organização preliminar; a da exploração do material, quando
a montagem de quadros resultou em respostas e operações de codificação, com a definição do tema como
unidade de registro, enumeração e categorização, baseada nas questões formuladas; e a do tratamento dos
Resultados e Discussão
Dezenove (95%) professores concordaram com
a importância da criatividade no mundo de hoje; apenas um professor deu uma resposta evasiva. Os motivos explicitados relacionavam-se à profissão, à vida
pessoal, ao mundo em geral e ao modismo, conforme Tabela 1.
Algumas citações dos professores a respeito:
Hoje eu acredito que a criatividade, ela faça a diferença entre dois profissionais [...] Para a escolha de
Tabela 1. Motivos apontados pelos professores para justificar a importância da criatividade na
formação do cidadão no mundo atual
Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total de motivos explicitados e não a partir do número de professores entrevistados.
226
Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar
um profissional, a criatividade influenciará nessa escolha, nessa seleção [...] o conhecimento pode ser
equivalente e a diferença ser a criatividade. (P1)1.
[...] a criatividade, sob meu ponto de vista, é uma
questão de sobrevivência no mundo do trabalho. (P5).
A importância da criatividade nos tempos atuais,
discutidos por vários pesquisadores (Alencar &
Fleith, 2003a; Castells, 2003; Ortiz, 1994, entre
outros), foi também ratificada pelos participantes
da pesquisa, que enfatizaram sua relevância, sobretudo no âmbito profissional. A criatividade foi considerada questão de sobrevivência no trabalho. A
importância da criatividade no trabalho foi também
apontada pela pesquisa de Melo (2001, p. 81) que
afirmou ser a criatividade “um trunfo para os professores de Educação alcançar os objetivos traçados para suas aulas, ultrapassando os obstáculos encontrados”. Foi realçada a validade de sua utilização em sala de aula pelo professor, seja para deixar
mais atrativa a forma de ministrar determinado
conteúdo e motivar os alunos, seja para melhorar a
relação entre professor e aluno, por meio de determinados procedimentos pedagógicos por eles
adotados.
Concepções de criatividade
Várias idéias foram associadas ao conceito de
criatividade, agrupadas em quatro categorias (Tabela 2): criatividade como geradora do novo;
criatividade como transformadora de algo;
criatividade como atributo pessoal e criatividade
como geradora de soluções.
Isso é demonstrado por algumas afirmativas dos
professores:
É a capacidade... é a inventiva... é apresentar algo
novo, apresentar algo inédito, alguma coisa que poucos ou ninguém pensou antes. (F19)2.
Então, assim eu entendo por criatividade uma que-
bra de padrão, uma quebra de paradigma, seja no
individual, seja no coletivo. (F20).
O que entendo por criatividade é: inovar, ser crítico, é questionar, é não seguir a norma, embora tendo por base a norma, para ser criativo. (P3).
Criatividade é fazer releituras, fazer reelaboração
de idéias, é reorganização, é reconstrução de idéias,
mesmo que a idéia seja antiquada, mesmo que a idéia
seja tradicional, ela pode ser revista, refeita, relida e
apresentar aquela mesma idéia de uma forma mais
moderna [...] (P1).
[...] é exatamente essa habilidade, esse traquejo, de
conseguir às vezes do pouco o muito, essa coisa de
você transformar o que é difícil numa coisa fácil, para
o aluno entender [...] (P2).
Diversos pesquisadores da criatividade (Alencar
& Fleith, 2003a; Amabile, 1999; Feldman,
Csikszentmihalyi & Gardner, 1994; Martínez,
1997; Niu & Sternberg, 2002; Prado-Diez, 1999;
Wechsler, 2002, entre outros) evidenciaram que
a criatividade está em todos os lugares, todas as
pessoas a intuem, a percebem, mas uma definição
precisa, única, concreta é difícil de ser estabelecida
e que ao seu conceito ligam-se expressões como:
novo, original, útil, valor social num momento histórico, diferente, desenvolvimento, melhoria, solução de problemas. Esses aspectos foram apontados pelos entrevistados que demonstraram saber o que é criatividade, no seu foro íntimo, mas
tiveram dificuldade em defini-la, o que pode ser
percebido pelas muitas reticências, silêncio para
pensar, outras perguntas, exclamações e respostas indiretas, exemplificações de procedimentos
que adotavam e que proporcionavam momentos
criativos.
Criatividade no currículo do Curso de Letras
Uma análise das respostas (Tabela 3) indicou quatro enfoques: não havia uma disciplina específica so-
1
P1 – o professor entrevistado de instituição de educação superior particular foi codificado com a letra P e o número à direita representa a ordem em
que ocorreu a entrevista.
2
F19 – o professor entrevistado de instituição de educação superior pública foi codificado com a letra F e o número à direita representa em que ordem
ocorreu a entrevista.
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Tabela 2. Concepções de criatividade explicitadas pelos participantes do estudo
Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total das concepções explicitadas e não a partir do número de
professores.
bre criatividade no currículo do Curso de Letras; a
criatividade como prática pedagógica; a criatividade
como parte de outra disciplina; e a necessidade de
uma disciplina específica sobre criatividade no curso
de licenciatura.
Embora os estudiosos do assunto profissão professor, como Freire e Shor (1996), Porto (2002),
Tardif (2003), Tibeau (2002), Zabalza (1998), entre outros, enfatizem que é necessário que a
criatividade seja enfocada nos cursos de formação,
percebeu-se que o currículo do Curso de Letras
não trata do assunto. Na melhor das hipóteses, é
incluída nos procedimentos pedagógicos dos pro228
fessores, sendo uma prática individual e intuitiva,
mas não de todos os professores ou faz parte de
disciplinas práticas, como Didática, mas também
não como um conteúdo explícito.
Potencial criativo e suas possibilidades de
desenvolvimento
Uma análise das respostas à questão sobre o que
o professor entrevistado pensava sobre o potencial
criativo das pessoas e a possibilidade de desenvolvêlo indicou que, para 18 (90%) professores, o potencial criativo está presente em todas as pessoas,
enfatizando terem algumas esse potencial desenvol-
Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar
Tabela 3. Criatividade no currículo do Curso de Letras
Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total de enfoques explicitados e não a partir do número de
professores.
vido, ao passo que outras o apresentam em estado
bruto, havendo necessidade de um esforço para
aflorá-lo. Mas mesmo assim, acreditavam na possibilidade de desenvolvê-lo em todas as pessoas, sendo a ação e o método de ensinar do professor fundamentais. Somente dois (10%) professores consideraram que algumas pessoas não tinham potencial
criativo.
Seguem algumas respostas:
Eu acredito, isso é cientificamente já comprovado,
Gardner já provou isso. (P2).
Sim, sem dúvida. Eu acho que todo o mundo tem a
capacidade de estar disponibilizando o desenvolvimento dessa habilidade; sim, acho até que é uma
competência; o que precisa é de um trabalho que
estimule esse potencial criativo. (P6).
Com certeza, com certeza, eu acho que as convenções, as normas, as leis, os sistemas inibem um pouco [...] (F13).
A grande maioria das respostas está em consonância com o que os estudiosos da criatividade,
como Alencar (2000a, 2000b, 2001, 2002), Alencar
e Fleith (2003a), Fleith (2001), Feldman e cols.
(1994), Freire e Shor (1996), Martínez (1997),
Morejón (1996), Sternberg e Lubart (1996), Tardif
(2003), Vallejo (2003), Vygotsky (1930/1987),
Wechsler (2001, 2002), Zabalza (1998), entre outros, salientaram: todas as pessoas têm um potencial criativo e é preponderante a ação do professor
no desenvolvimento desse potencial; muitas pessoas o têm em estado latente, algumas o têm desenvolvido naturalmente e outras o têm em desenvolvimento, de acordo com os estímulos que recebem
pelos diversos ambientes por onde passa. A maioria
acredita no potencial existente nas pessoas, havendo muita ênfase, entretanto, em se afirmar que é
necessário um esforço para desenvolver esse potencial, até mesmo um “empurrãozinho, um pontapé inicial”.
Criatividade na formação dos professores
entrevistados
Uma análise das respostas à questão (Tabela 4) indicou que a grande maioria delas demonstrou que os
professores não receberam informações sobre
criatividade em sua formação, tendo mesmo alguns
ressaltados que, ao contrário, haviam sido castrados
na sua criatividade em potencial e que a formação foi
mais conteudista. Alguns tiveram noções em disciplina prática ou pela prática pedagógica de certos professores.
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Tabela 4. Criatividade na formação dos professores entrevistados
Nota: as porcentagens foram calculadas com base no total de respostas referentes às distintas categorias e não a partir do
número de professores.
Algumas respostas ilustrativas:
[...] tive uma educação absolutamente tradicional,
conteudista [...] (P2).
Não, pelo contrário, o que houve em toda minha
formação foi podar toda a criatividade, sempre. (F14).
Não... uma disciplina específica também, mas justamente na prática de ensino, nós trabalhamos muito
isso: criatividade e motivação, criatividade e motivação em sala de aula, no Curso de Letras [...] (P15).
Formalmente não, mas assim, acho que tem mais a
ver com minha formação de família [...] (F18).
Nada, só no Mestrado. (P3).
Com relação à formação dos professores entrevistados, observou-se que está em conformidade com
o estabelecido legalmente, porém, a criatividade foi
uma das lacunas deixada na formação do atual professor do Curso de Letras, que foi mais teórica e continua sendo. Todos sabem que a criatividade é importante, mas não sabem como desenvolvê-la eficazmente
em seus alunos.
230
Professores criativos na formação dos
participantes
Constatou-se que 10 (50%) professores responderam afirmativamente, informando que se lembravam desses professores com enorme satisfação, o
que transpareceu, inclusive, no semblante que expressaram, com um sorriso nos lábios. Um dos professores realçou as instituições onde estudou, as quais estimulavam os alunos a serem criativos por meio de
práticas pedagógicas incentivadoras. Entretanto, observou-se que foram poucos os professores lembrados. Para nove (45%) participantes do estudo, a lembrança que tinham era somente de professores
castradores da criatividade. Entre os professores entrevistados, apenas um não respondeu a essa pergunta, afirmando que criatividade era algo pessoal e não
estava nos focos das suas preocupações.
A seguir, algumas respostas dos professores entrevistados:
Tive, tive professores criativos, tive nessa época, ah,
eu tive um professor que fazia a gente desenhar,
representar [...] (P2).
Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar
Tive, tive. Assim, a grande sabedoria dessas pessoas
de não falar só de um assunto, mas estar sempre
relacionando vários assuntos e voltando àquele assunto. (P4).
Criativos? Tive... uma professora de Didática que é
assim de quem mais eu me lembro quando estou
preparando as minhas aulas, é dela que me lembro.
(P7).
Professores criativos serão lembrados por seus
alunos, professores que apresentam inovações em sala
de aula, que dão aula com prazer. Esse fato foi comprovado pelos professores que se recordaram dos
poucos professores criativos que tiveram em sua formação, cuja lembrança veio acompanhada de satisfação demonstrada no semblante do professor. Professores castradores marcam negativamente por toda a
vida e a maioria os tiveram em sua formação.
Conhecimento sobre técnica ou procedimento específico para desenvolver o potencial criativo
Dos 20 professores entrevistados, 18 (90%) informaram desconhecer a técnica ou o procedimento
específico para desenvolver o potencial criativo, embora tenham aproveitado para apontar procedimentos utilizados durante as aulas e que consideravam
estimuladores da criatividade dos alunos como, por
exemplo: divisão dos alunos por habilidades e capacidades na hora de fazer um trabalho, utilização de muita
leitura, experiências em sala de aula, diálogo,
questionamentos, trabalhos em grupo, elaboração de
jornal e poesias. Apenas um professor informou conhecer algumas técnicas para desenvolver o potencial criativo, pois cursou uma disciplina sobre
criatividade durante o Mestrado, mas não as utilizava.
Um professor não se interessava por criatividade em
suas aulas.
Algumas citações ilustrativas:
Técnica que eu tenha feito, por exemplo, como disciplina, ou que tenha aprendido com professores,
não [...]. Aprendi com os próprios alunos, com as
necessidades deles [...] Por exemplo, então primei-
ro minhas aulas são teóricas [...] assim é que funciona na academia; mas, em outro momento, eles utilizam este conhecimento para apresentações de trabalho, não em seminários, mas em dupla, ou em trio,
que seria uma simulação de sala de aula [...] (P1).
Eu conheço as técnicas que eu uso em sala de aula,
né, eu normalmente divido por habilidades, por competências, os alunos é que estabelecem naquilo que
eles se encontram, naquilo que eles melhor têm e
trabalham em grupo de acordo com as habilidades
que eles têm. (P2).
Não, eu vou assumir para você, é uma coisa mais
intuitiva que eu tenho, mas nenhuma técnica específica assim... ler um livro, ou alguém ter me indicado, não, nem curso. (P5).
Quase a totalidade da amostra não conhece técnica ou prática pedagógica que possibilite o desenvolvimento do potencial criativo das pessoas, exercícios
específicos que possibilitem a produção de idéias e
soluções criativas como os citados por Alencar (2000),
Alencar e Fleith (2003a), Buzan (2001), De La Torre
(2003), Fleith (2001), entre outros. Desconhece também livros a respeito de criatividade. O que poderia
suprir essa carência seria um programa de atualização, que também é precário nas instituições
pesquisadas. Constatou-se grande desinformação em
relação à criatividade, leituras correlatas, técnicas e
procedimentos de desenvolvimento do potencial criativo e cursos sobre o tema. A pesquisa realizada por
Alencar e Fleith (2004), com uma amostra de professores e alunos da educação superior, a respeito da
extensão em que a criatividade era incentivada por
aqueles professores em sala de aula, explicitou, entre
seus resultados, a necessidade dos professores melhor se equiparem e se prepararem para terem condições de incentivar a criatividade de seus alunos.
Percepção dos entrevistados quanto à sua
criatividade
Entre os 20 professores entrevistados, 14 (70%)
se consideravam criativos, apresentando como justificativas estarem sempre buscando algo diferenciado
para dinamizar sua aula, atrair a atenção dos alunos e
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237
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motivá-los à participação. Cinco (25%) professores
responderam que às vezes são criativos e apenas um
professor não se considerava criativo.
Algumas respostas obtidas são apresentadas a seguir:
Me considero, porque consigo prender a atenção de
meus alunos, eles gostam da aula, quando eu falto
eles sentem falta de mim [...] (P8).
Bastante, bastante, todo semestre eu invento uma
coisa nova para os cursos, para as disciplinas [...] eu
não fico repetindo, eu mudo o texto, mudo a estratégia, mudo a maneira de lidar com as pessoas na
sala de aula [...] (F20).
Olha, se eu me considero uma professora criativa?
Eu poderia ser bem mais, se me permitissem, mas é
que na sala de aula eu tento ser. (P3).
Procedimentos pedagógicos adotados no
dia-a-dia em sala de aula e que, segundo os
professores, contribuem para o desenvolvimento da criatividade dos alunos
Uma análise das respostas (Tabela 5) indicou que,
com exceção de um professor que afirmou que a
criatividade não fazia parte de suas preocupações
pedagógicas e sim o conteúdo de sua disciplina, os
demais professores citaram procedimentos pedagógicos que utilizavam e que propiciavam o desenvolvimento da criatividade em suas aulas.
Ilustram as respostas:
Procuro valorizar, ao invés de contar, exclusivamente, com aquilo, com as respostas de conteúdo, procuro onde foi que ele tentou... o que ele acrescentou
com aquelas respostas ou aquele trabalho que ele fez,
tem também um valor, ao lado do conteúdo. (P9).
Tabela 5. Procedimentos pedagógicos que contribuem para o desenvolvimento da criatividade
do aluno
Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total do número de procedimentos pedagógicos adotados pelos
professores e não sobre o número de professores entrevistados.
232
Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar
[...]porque eles são danados para esse tipo de coisa,
eles são muito criativos nesse sentido e eles se organizam de acordo com as habilidades que eles têm.” (P2)
Os colegas detestam, às vezes, porque... se ela está
fazendo assim, eu vou ter que fazer também [...]
(F16).
[...]aluno que reflete e que produz está sendo criativo[...] (F20).
[...] falta de atualização dos professores, né... que
faz com que não desenvolva o potencial dos alunos,
fica preso à mesma coisa, acha que está sempre com
a mesma turma, a falta de escuta também por parte
dos professores - a gente escuta pouco os alunos.
(P3).
Os procedimentos pedagógicos utilizados e que
os professores acreditavam desenvolver a criatividade
não eram intencionalmente adotados, mas usados de
forma intuitiva e para estimular a atenção dos alunos e
motivá-los à disciplina. Mas mesmo assim, houve
mostra de muitas atividades condutoras à criatividade,
como incentivo a debates, elaboração de trabalhos
criativos (jornal, diário, poesias, teatro e outros). Ressalta-se que Alencar (2000b) constatou, em pesquisa
com estudantes de pós-graduação, que as técnicas
instrucionais são forte referência para o desenvolvimento da criatividade. Fleith (2000) também investigou a percepção de professores e estudantes do ensino fundamental sobre criatividade no ambiente escolar e entre os vários resultados, estava o da percepção de que o ambiente escolar influenciava no desenvolvimento da criatividade dos estudantes, sendo
identificados três pontos principais: atitudes, estratégias e atividades.
Barreiras ao desenvolvimento da
criatividade
O último tópico focalizado nas entrevistas foram
as barreiras percebidas pelo professor ao desenvolvimento da criatividade dos alunos (Tabela 6). Foram
apontadas barreiras referentes ao aluno, à instituição,
aos colegas de profissão, inerentes à formação do
professor e relacionadas ao modo de ser do professor em sala de aula.
São exemplos de respostas a essa questão:
Se você criar métodos diferentes em sala de aula,
questão de discussão, eles vão dizer que nós não
estamos dando aula: ué, cadê a aula? (P5).
E algumas vezes também a instituição não oferece
grandes possibilidades – você tem o que ser feito
naquela grade, dentro daquele momento, e se você
foge demais [...] (P17).
Alunos, ah, muitos não querem, por exemplo, os
que não querem lecionar são mais inibidos, não querem esse tipo de aula prática, né? Outros acham, se
esquecem que estão fazendo licenciatura e acham
que o nível da aula do 3º grau deve ser absolutamente o mais próximo do mestrado. (P1).
Notou-se que, para os entrevistados, o maior número de barreiras estava relacionado aos alunos. A timidez e as personalidades diferentes não os deixavam
se expressar de forma criativa. O cansaço, sobretudo
nos alunos das instituições particulares, cujos cursos
eram noturnos e os alunos trabalhavam, de modo geral, durante o dia, foi considerada barreira para o professor tentar fazer algo diferente. Por outro lado, para
os professores, os alunos demonstravam uma certa
avidez por teoria, pois muitos pensavam que o professor que não agia dentro dos “padrões normais de despejar teoria”, era um professor que queria “enrolar o
tempo”. Houve quem expressasse sua admiração pelos jovens que chegavam à educação superior absolutamente contra o novo, porque isso implicava esforçar-se mais mentalmente e percebia que eles queriam
continuar a fazer o que todo o mundo fazia, porque o
novo dava mais trabalho. Foi também citada a
constatação de que os alunos do primeiro semestre
eram mais resistentes dos que os dos semestres seguintes, porque vinham do ensino médio, voltado para
o vestibular, cuja preocupação era fazer o maior número de ingressantes nos cursos superiores. Outra barreira indicada foi a pouca predisposição dos alunos à
leitura, o que impedia a realização de trabalhos mais
criativos. Foram também realçados fatores ligados à
instituição, sobretudo rigidez no cumprimento da grade curricular e falta de material, principalmente nas ins-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237
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Tabela 6. Barreiras ao desenvolvimento da criatividade do aluno
Nota: as porcentagens foram calculadas a partir do total de barreiras apontadas pelos professores e não a partir do
número de professores.
tituições particulares. Foi também apontada como barreira a resistência dos colegas de profissão; vários deixaram de adotar procedimentos mais criativos em suas
aulas por causa de colegas que se sentiam inferiorizados,
mas não queriam ter mais trabalho. As barreiras relacionadas ao professor em sua formação ou em sua atuação
em sala de aula se referiam, especialmente, à formação
tradicionalista com ênfase no conteúdo, ao desconhecimento do assunto criatividade, à falta de atualização e
ao ensino teórico, que tem sido transmitido nos cursos de formação de professor, inclusive no Curso de
Letras.
234
Ratificando as palavras de Amabile (1999, p. 110)
de que “sufocar a criatividade é fácil, difícil é estimulála”, a pesquisa demonstrou existirem, nos Cursos de
Letras, barreiras ao desenvolvimento da criatividade,
que constam das pesquisas de estudiosos do assunto
(Alencar & Fleith, 2003a; Morejón, 1996; Perrenoud,
1999; Uano, 2002, entre outros). Resultados semelhantes foram alcançados em pesquisa com professores de História do ensino fundamental por Mariani e
Alencar (2005) que constataram que, segundo os
docentes, o aluno e a estrutura escolar eram fortes
inibidores da criatividade.
Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras • Zélia Maria Freire de Oliveira e Eunice Maria Lima Soriano de Alencar
Conclusões
Esta pesquisa permitiu analisar o Curso de Letras
sob outro olhar: o olhar da criatividade. O Curso de
Letras dá margem ao uso intensivo da criatividade por
sua característica de lidar com a fala, a escrita, a imaginação, a descrição, a leitura e a interpretação. Segundo
Braga e Alencar (2003, p. 104), embora existam muitos estudos na área de Literatura e diversas teorias
sobre um processo de ensino-aprendizagem, abordando mais significativamente os conteúdos, “o ensino da
Literatura ainda não alcançou o seu amadurecimento”,
pois ainda deixa muito a desejar a respeito da formação do pensamento crítico, por continuar sendo muito
conteudista e a Literatura estudada como algo distante
da realidade prática da vida. Para esses autores, os professores, na visão dos alunos, precisam repensar a prática pedagógica para conquistar uma verdadeira educação e utilizar as disciplinas, como a Literatura, para
auxiliar na formação do cidadão de amanhã.
Como assinalam Alencar e Fleith (2003a), embora
haja reconhecimento da importância da criatividade e
de se estimular as habilidades criativas nos alunos,
pouco tem sido feito, intencionalmente, para favorecer seu desenvolvimento, o que ficou também demonstrado pela presente pesquisa. Isso se deve à
desinformação dos professores quanto às estratégias
e atividades promotoras do potencial criativo, às
insipientes iniciativas das instituições de ensino para
inclusão de uma disciplina ou conteúdos sobre
criatividade e aos parcos programas de atualização
dos atuais professores.
Ratificando as palavras de Sousa (2006, p. 1): “até
que ponto a formação de professores em criatividade
poderá ditar uma melhoria efetiva na abordagem que
estes fazem em relação ao ato pedagógico e a toda a
envolvente escolar?” O autor tenta responder, afirmando que “não se tratará apenas de mais uma matéria, uma curiosidade, uma ‘gracinha’ da psicologia”,
mas sim algo que ditará uma melhoria efetiva do ato
pedagógico e de todo o processo educativo. Como
afirma Sousa (2006, p. 3), o ensino tradicional precisa se alterar para ser um ensino criativo, que os alunos busquem a escola não só para adquirir conhecimentos já existentes, mas para adquirir perícias que
lhes permitam lidar com desafios e acontecimentos
imprevistos e que a educação não seja vista como
suplementar e preparatória para a vida, mas como
um componente da vida e do progresso do mundo.
Referências
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pós-graduação. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, 19,
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Alencar, E. M. L. S. (2000b). O processo da criatividade. São
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Alencar, E. M. L. S. (2001). Criatividade em cursos universitários: o papel do professor. I Seminário interno sobre educação
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Alencar, E. M. L. S. (2002). O contexto educacional e sua influência na criatividade. Linhas Críticas, 8, 165-178.
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Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2004). Creativity in university
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Recebido em: 04/06/2007
Revisado em: 14/12/2007
Aprovado em: 17/12/2007
Sobre as autoras
Zélia Maria Freire de Oliveira ([email protected]) - Universidade Católica de Brasília - Mestre em Educação
Endereço para correspondência:
SHIS QI 13, Conjunto 13, casa 03, Lago Sul, CEP 71.635-130 Brasília - DF
Eunice Maria Lima Soriano de Alencar ([email protected]) - Universidade Católica de Brasília – Psicóloga, Ph.D. pela University of Purdue nos
Estados Unidos e professora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília.
Endereço para correspondência:
Programa de Mestrado em Educação - Universidade Católica de Brasília
SGAN 916 Módulo B Asa Norte, CEP: 70.790-160 Brasília - DF
Telefone: (61) 3248-5539
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 223-237
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Produção científica em avaliação psicológica no
contexto escolar
Avaliação psicológica no contexto escolar
Katya Luciane de Oliveira
Acácia Aparecida Angeli dos Santos
Ana Paula Porto Noronha
Evely Boruchovitch
Cláudia Araújo da Cunha
Marucia Patta Bardagi
Simone F. da Silva Domingues
Resumo
Esta pesquisa objetivou analisar a produção científica em avaliação psicológica no contexto escolar publicada em 234 artigos de sete periódicos científicos
indexados. A análise baseou-se em alguns critérios da metaciência, a saber, autoria, temática, discurso e análise dos tipos de avaliações. Os resultados
evidenciaram que em alguns periódicos há maior concentração de publicações sobre a temática, acentuada nos últimos anos. A participação feminina foi
predominante na autoria dos artigos e detectou-se ampla diversificação nos propósitos e contextos nos quais os testes psicológicos têm sido usados.
Quanto ao tipo de avaliação, os instrumentos psicométricos foram os mais utilizados, sendo freqüente, também, o emprego de entrevistas e
observação. A técnica projetiva foi empregada em apenas 2,3% das investigações. Sugere-se que outros estudos similares sejam realizados, visando a
monitorar a expansão da área de avaliação psicológica no Brasil.
Palavras-chave: avaliação psicológica; medida, ambiente educacional.
Scientific production in psychological evaluation in the school context
Abstract
This paper analyses the scientific production in psychological evaluation in the school context published in 234 articles from seven scientific indexed
periodicals. The analysis was carried out according to some metascientific criteria such as: authorship, thematic, discourse, and exam of the different
types of evaluation, to name a few. Results evinced not only a greater concentration of publications regarding to educational psychology evaluation in
certain journals, but also an increase of these types of studies recently as well. It was also found that most of the authors were females and that
psychological tests were used both in a variety of contexts and with diverse purposes. Psychometric instruments were the most frequently employed.
Interviews and observations were also used. Projective techniques were reported only in 2.3% of the investigations. It is recommended that similar
studies be conducted in order to better monitor the expanding area of psychological evaluation in Brazil.
Keywords: psychological assessment; measurement; school environment.
Producción científica en evaluación psicológica en el contexto escolar
Resumen
Esta investigación tuvo como objetivo analizar la producción científica en evaluación psicológica en el contexto escolar publicada en 234 artículos de siete
revistas indexadas. El análisis se basó en algunos criterios de la meta-ciencia, son ellos, autor, temática, discurso y análisis de los tipos de evaluaciones. Los
resultados mostraron que en algunas revistas hay una concentración mayor de publicaciones sobre la temática que se intensificaron en los últimos años.
La participación femenina fue predominante en los autores de los artículos y se detectó una gran diversificación en los propósitos y contextos en los cuales
los testes psicológicos han sido utilizados. En relación al tipo de evaluación, los instrumentos psicométricos fueron los más utilizados, siendo también
frecuente la utilización de entrevistas y observaciones. La técnica proyectiva fue usada en apenas 2,3% de las investigaciones. Se sugiere que sean
realizados otros estudios semejantes, con el objetivo de monitorear la expansión del área de evaluación psicológica en el Brasil.
Palabras clave: evaluación psicológica; medida; ambiente educacional.
239
Introdução
Monitorar a produção científica em âmbito nacional e internacional é muito importante para avaliar o
crescimento das diversas áreas do conhecimento.
Uma das formas de se obter uma medida real desse
crescimento é pela verificação da quantidade de artigos publicados em periódicos científicos indexados.
A veiculação da produção científica depende de políticas de gestão científica, definidoras do papel das
agências de fomento quanto ao desenvolvimento, à
finalização e à publicação das pesquisas realizadas no
país (Oliveira Filho, Hochman, Nahas & Ferreira,
2005; Witter, 2005; Yamamoto, Souza & Yamamoto,
1999).
Vale, entretanto, ressaltar que dentre as principais
agências destacam-se a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPEs), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Freitas (1998)
observa que a região onde há maior concentração de
produções científicas é a Sudeste. Essa região agrega
54% dos profissionais envolvidos com pesquisas, sendo que no cenário atual essa é a região que ainda concentra a maior parte dos financiamentos e o maior
número de veículos de comunicação científica.
Vários estudos têm procurado analisar a produção científica em diversas áreas do conhecimento
(Bariani, Buin, Barros & Escher, 2004; Coimbra Jr.,
1999; Figueira, Leta & De Meis, 1999; Freitas, 1998;
Meneghini, 1998; Meneghini & Fonseca, 1990; Neves, Almeida, Chaperman & Batista, 2002; Noronha,
1998; Noronha, Vendramini & Freitas, 2004;
Sampaio, Sabadini & Linguanotto, 2002; Santos, Oliveira & Joly, 2003; Zanella & Titon, 2005, entre outros). Contudo, a indisponibilidade de acesso a diversas bases de dados nacionais compromete a acuidade
da medida no cenário científico.
Atualmente o SciELO é um importantíssimo meio
eletrônico da divulgação da produção nacional, recurso bastante utilizado por agregar parte significativa da
produção científica brasileira. Outras bases que se destacam no panorama da divulgação da ciência são o
PsycInfo, atrelado à American Psychological Association e
240
a base de dados LILACS e MEDLINE vinculada à National
Library of Medicine e a LILACS que é por ela produzida.
Outra alternativa importante é oferecida pelo Institute
for Scientific Informaticon (ISI), em cuja base são inseridos periódicos de diversas áreas do conhecimento,
após uma seleção rigorosa da qualidade de cada um.
Nos últimos anos têm havido grande preocupação dos
cientistas brasileiros em dar visibilidade às suas publicações, sendo a escolha de revistas indexadas no ISI
um critério decisivo para a submissão dos manuscritos
(Izique, 2002; Witter, 2005, 2006).
No entanto, desde a criação da Biblioteca Virtual
em Psicologia (BVS-PSI), em 2001, houve um diferencial no que se refere à divulgação da produção de
conhecimento científico na psicologia, que tornou a
área distinta das demais no que se refere à divulgação
da produção científica nacional. O apoio tecnológico
do Centro Latino Americano de Informação em Ciências da Saúde (BIREME) foi fundamental para que a
BVS-PSI fosse implementada (Costa, 2006). Posteriormente foi criada a base de dados PePSIC, resultante de iniciativa da própria BVS-PSI em pareceria com
a Associação Brasileira de Periódicos Científicos em
Psicologia (ABECIP), estruturada de acordo com a
metodologia SciELO, que permitiu o acesso livre a
textos completos de 39 títulos de revistas da psicologia, possibilitando a utilização de mecanismos de
metabusca para recuperação dos textos pelos
descritores, títulos e/ou autores. Esses recursos permitiram o desenvolvimento de pesquisas que levantassem mais precisamente a produção científica.
A bibliometria mensura a ciência por meio da abordagem empírico-analítica da produção científica, de
tal sorte que a cumulatividade do conhecimento, sua
divulgação e impacto são os focos dessa análise (Figueira e cols., 1999; Mostafá & Máximo, 2003). No
que tange ao conteúdo da publicação, a metaciência,
segundo Witter (1999), possibilita analisar as dimensões da produção científica em termos da qualidade
do conteúdo dessa publicação, permitindo a
visualização de mudanças no fluxo da produção em
subáreas do conhecimento e, até mesmo, de temas
específicos.
Estudos têm constatado que as pesquisas em psicologia escolar e educacional têm se proposto a ex-
Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues
plorar as múltiplas dimensões dos aspectos cognitivos,
afetivos, culturais e sociais relacionados. A investigação dessas variáveis tem fortalecido a compreensão
das diversas esferas implicadas no escopo do processo escolar e educacional e, freqüentemente, são
utilizados instrumentos de avaliação psicológica para
acessar direta e/ou indiretamente os fenômenos abordados (Joly, 2000). É importante ressaltar que essa
subárea tem ampliado o seu espaço na produção científica nacional (Azevedo & Aguiar, 2001; Bariani e
cols., 2004; Neves e cols., 2002; Oliveira, Cantalice,
Joly & Santos, 2006; Santos e cols., 2003; Witter,
1979; Witter, 1996).
Nenhuma atenção, no entanto, tem sido dada ao
rastreamento da produção em avaliação psicológica
no contexto escolar e educacional. Esse fato talvez
possa ser mais bem compreendido, considerando-se
que no passado recente o uso de testes era visto com
muita desconfiança como instrumento auxiliar nas avaliações realizadas na situação escolar. Muitos psicólogos atuantes na área encaravam o teste psicológico
como um recurso meramente classificatório. Sisto,
Sbardelini e Primi (2001) refutam essa idéia quando
destacam que o teste psicológico deve ser mais um
recurso e não o único no qual o psicólogo vai utilizar
em um processo de avaliação psicológica. Nesse sentido, o teste deveria ser mais um elemento que deveria ser agregado a outras formas qualitativas de coleta
de informações, como entrevistas e observações, por
exemplo.
Em estudo recente de meta-análise, realizado por
Souza Filho, Belo e Gouveia (2006), foi analisada a
utilização dos testes psicológicos na literatura científica brasileira nos últimos anos. A fonte utilizada foi a
base de Periódicos CAPES, disponível em fevereiro
de 2005, abrangendo os artigos publicados entre os
anos de 2000 e 2004. Os resultados demonstraram
predominância de trabalhos que não utilizaram nenhum
teste. Dentre os que relatam o uso de testes, houve
um equilíbrio entre aqueles que os utilizam de forma
direta e indireta. Os autores destacaram que a maior
concentração dessas produções está situada na Região Sudeste e que entre as universidades mais produtivas estão instituições públicas e privadas, especialmente aquelas que têm um histórico pautado pelo
interesse na área da avaliação psicológica. Conclui-se,
de forma geral, que a utilização dos testes psicológicos no contexto da produção nacional ainda é modesta e está, em grande parte, restrita aos âmbitos
acadêmicos mais intensamente dedicados ao estudo
dos testes.
No ano de 2001, houve uma série de eventos que
podem ser considerados marcantes para a área de
avaliação psicológica. Assim, concomitantemente, foi
promulgada a primeira resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre a construção e o uso de
testes psicológicos, criado o Instituto Brasileiro de
Avaliação Psicológica (IBAP) e aprovado pela CAPES,
o primeiro curso de mestrado em psicologia, com
área de concentração em avaliação psicológica.
A base de informação, analisada por Souza Filho e
cols. (2006) sobre o uso de testes psicológicos na
produção científica em psicologia no Brasil, incluiu
relatos de pesquisas realizadas em anos anteriores à
data de sua publicação. É importante lembrar que a
publicação de um artigo é resultante da discussão de
dados que são coletados num determinado momento e depois organizados dentro dos parâmetros exigidos para esse suporte de informação. Além disso,
há o cumprimento de uma série de passos em uma
tramitação editorial complexa, que envolve desde a
submissão do manuscrito aos pares que emitem seus
pareceres às cegas até a própria editoração, que inclui a diagramação, revisão, nova conferência pelos
autores, entre outros.
Sob essa perspectiva, observa-se que as informações avaliadas por Souza Filho e cols. (2006) refere-se a dados que, pelo menos parcialmente, devem ter sido coletados em época que antecedeu as
mudanças mencionadas como marcantes para a área
de avaliação psicológica. Considerando-se que outros trabalhos de meta-análise, citados neste texto,
referentes à psicologia escolar não tiveram como
objetivo focalizar o uso de testes, julgou-se pertinente investigar se no contexto educacional, e em
especial, nesse período de transição na área, as produções publicadas em periódicos nacionais sofreram
alterações em relação ao uso de instrumentos de
avaliação psicológica, portanto, esse foi o objetivo
deste estudo.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 239-251
241
Método
Fontes
Sete periódicos científicos na área de psicologia
foram analisados, cujo critério de escolha foi o fato
do periódico apresentar um conceito de avaliação ‘A’
nacional’, com toda a sua coleção disponível. As revistas analisadas foram Estudos de Psicologia da PUCCampinas, Estudos de Psicologia de Natal, Psicologia
Escolar e Educacional, Psicologia: Reflexão e Crítica,
Psicologia em Estudo, Psico-USF e Psicologia: Ciência e
Profissão.
Procedimento
Nesses periódicos buscou-se analisar somente
os resumos dos artigos que trabalharam com avaliação psicológica nos contextos escolar e educacional. Para tanto, estabeleceu-se um período de 10
anos (1995-2004) para a realização da análise. O
total de artigos levantados foi de 1603. Todavia,
apenas 234 tratavam especificamente de publicações relacionadas à avaliação psicológica no contexto escolar/educacional.
Os periódicos foram analisados respeitando alguns critérios estabelecidos nos estudos realizados por Witter (1999). Desse modo, os seguintes itens foram considerados, Autoria, identificou-
se a natureza da autoria (individual ou múltipla),
bem como, o gênero dos autores; Temática, analisou-se a quantidade e a distribuição por temas de
avaliação; Discurso, avaliou-se as palavras contidas
no título do trabalho e número e escolaridade dos
participantes; Análise das Avaliações, realizou-se a
classificação do tipo de instrumentos empregados
nas avaliações, bem como elencou-se os instrumentos utilizados.
Resultados
Os dados foram organizados em planilha e submetidos à estatística descritiva conforme o objetivo
deste estudo. Para avaliar o universo geral de publicações efetuou-se a contagem da quantidade de artigos publicados por volume, em cada periódico, nos
últimos 10 anos. As Tabelas 1 e 2 apresentam os
dados obtidos.
Observa-se um aumento da quantidade de volumes a partir de 1999, bem como da quantidade de
publicações. Salienta-se que em 1995 apenas algumas revistas já publicavam seus artigos, apresentando inclusive volumes bem anteriores ao ano citado.
As revistas que apresentaram maior quantidade
de artigos publicados foram Psicologia: Reflexão e
Tabela 1. Distribuição geral da quantidade de volumes, total de artigos publicados e média de publicações em avaliação psicológica
242
Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues
Tabela 2. Distribuição da publicação sobre avaliação psicológica no contexto escolar por periódico científico
Crítica e Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vale lembrar
que alguns periódicos não tiveram muitas publicações em razão de terem iniciado suas impressões
mais tardiamente em relação àquelas que já apresentavam constância na publicação. No que tange à
quantidade de artigos publicados na área de avaliação psicológica no contexto escolar e educacional,
foram analisados 234. A revista Psicologia: Reflexão e
Crítica também apresentaram mais artigos publicados (27,3%) sobre o tema, sendo seguida pela Psicologia Escolar e Educacional (25,2%) e pelos Estudos de Psicologia (22,6%).
No que se refere à avaliação da autoria, entre
os 234 artigos analisados, observou-se que 75,2%
(n=176) foram realizados com autoria múltipla e
24,8% (n=58) com autoria individual. Quanto ao
gênero dos autores no total de trabalhos (n=234),
a maioria foi escrita por pessoas do sexo feminino
51,3% (n=120), seguida de publicações em parceria entre ambos os sexos 39,3% (n=39,3) e em
menor percentual 9,4% (n=22) foram constatados artigos, cuja autoria foi apenas masculina. A
análise pelo teste Qui-quadrado mostrou que a distribuição não era eqüitativa, considerando
[χ 2(2,234)=65,33; pd>0,001]. Pelo resultado verificou-se que as mulheres apresentaram mais publicações na área do que os homens, mas ressalta-se que a parceria entre ambos também ocorre
com freqüência.
A análise da Temática revelou a quantidade e a distribuição dos artigos, considerando os temas implicados na avaliação. A Tabela 3 mostra tal distribuição,
salientando que alguns artigos trataram de duas ou
mais temáticas ao mesmo tempo. Desse modo, todas as temáticas pesquisadas foram computadas
totalizando 269 temas.
A análise do teste Qui-quadrado apontou que a distribuição das temáticas não era eqüitativa, tendo em
vista [χ2(12,269)=80,45; pd>0,001]. Nesse sentido,
observou-se que a leitura e a escrita ainda são as
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Tabela 3. Distribuição da freqüência dos artigos considerando a temática pesquisada
temáticas mais investigadas. Ainda se manteve uma
categoria Outros que reuniu as seguintes temáticas:
conflito sóciocognitivo, educação ambiental, educação em saúde, expectativa de vida, faz de conta, histórias infantis, jogos recreativos/lúdicos, pesquisa ecológica, pesquisa intervenção e violência.
No que concerne ao Discurso foram avaliadas as
palavras contidas nos títulos dos trabalhos, número e
escolaridade dos participantes. Quanto às palavras do
título, a análise dos 234 manuscritos evidenciou que
um grande número de artigos (64,1%; n=150) ultrapassa o limite definido de doze vocábulos no título.
No que diz respeito às demais categorias relativas ao
Discurso, as Tabelas 4 e 5 mostram as análises realizadas. Vale esclarecer que no caso da análise da quantidade de participantes/sujeitos nas pesquisas e respectiva escolaridade, o número de artigos avaliados passou de 234 para 219. Essa diminuição ocorreu em
função de que 15 (6,4%) artigos não trabalharam com
sujeitos de pesquisa. Essas publicações eram de cunho teórico ou documental, sendo que nesse caso, as
pesquisas eram feitas em fontes documentais (disser244
tações, teses, artigos, manuais de testes psicológicos,
entre outros).
Observou-se que 21 trabalhos apresentaram, de
forma genérica, os seus participantes, não especificando a quantidade de sujeitos incluídos no estudo. Foi
também constatado que apenas 7 trabalhos foram realizados com amostras maiores que 1000 pessoas.
Ao verificar a escolaridade dos participantes a distribuição não foi novamente eqüitativa, tendo em vista [χ2(8,219)=97,56; pd>0,001]. Sob esse aspecto,
evidenciou-se uma concentração na realização de estudos com participantes matriculados no ensino superior, seguido das primeiras séries do ensino fundamental (1ª a 4ª). Todavia, estudos cujos participantes
eram provenientes de diferentes fases de escolaridade, variando da pré-escola, ensino básico, médio e
superior foram também encontrados.
A Tabela 6 mostra a Análise das Avaliações, na qual
se realizou a classificação do recurso (tipo de instrumento) empregado nas avaliações. Cabe destacar que
novamente o número de artigos focalizados sofreu
uma mudança, passou de 234 para 222 na análise dessa
Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues
Tabela 4. Análise do número de participantes/sujeitos nas pesquisas (n=219)
Tabela 5. Distribuição dos trabalhos em razão da etapa de escolarização dos participantes (n=219)
modalidade. Esse dado é justificável, tendo em vista
que alguns artigos documentais trabalharam com a
análise de instrumentos de medida, à luz dos seus
manuais. Nesse sentido, se o universo de 234 passou
para 219 no caso da análise dos artigos que trabalharam com sujeitos de pesquisa, na análise do recurso
empregado na avaliação, o montante se restringiu a
222 (94,6%). Portanto, apenas três (1,2%) eram puramente teóricos.
Recorreu-se mais uma vez ao Qui-quadrado para a
análise da distribuição [χ 2 (7, 222)=243,57;
pd>0,001], verificando-se que houve diferença esta-
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Tabela 6. Análise dos artigos por recurso empregado na avaliação (n=222)
tisticamente significativa. Pela análise verificou-se que
há uma tendência na utilização de instrumentos do tipo
psicométrico/fatorial em detrimento de outros recursos de avaliação A lista completa de todos os instrumentos que foram utilizados nos artigos consta no
Quadro 1.
Discussão e Conclusão
Observou-se que a revista Psicologia: Reflexão e
Crítica apresentou mais artigos publicados na área de
avaliação psicológica no contexto escolar/educacional.
Ao lado disso, a Psicologia Escolar e Educacional apareceu como segunda colocada nas publicações com esse
foco e, em terceiro lugar a Estudos de Psicologia. Chama atenção o fato de que um periódico especializado
em publicações na área escolar e educacional tenha
apresentado segunda colocação no ranking de publicações dessa natureza. Contudo, esse fato pode ser entendido à luz da “idade” desses dois periódicos, e nesse sentido, parece plausível que a Psicologia: Reflexão e
Crítica apresente um número superior. A Psicologia
Escolar e Educacional teve seu primeiro volume publicado em 1996 e, a partir de então, passou por algumas estruturações, sendo que somente em 2000 começou a oferecer regularidade em suas publicações.
A análise da autoria indicou que as mulheres apresentaram uma maior prevalência nas publicações em
246
relação aos homens, com confirmação estatisticamente
significativa (pd>0,001). Esse resultado pode ser discutido sob a perspectiva da própria categoria profissional que abriga, em sua maioria, profissionais do gênero feminino. Desse modo, nada mais comum do que
as mulheres terem apresentado mais trabalhos publicados do que os homens. Não se pode deixar de
mencionar que a parceria entre ambos também ocorreu com freqüência nas publicações.
Na Temática se analisou a quantidade e a distribuição dos artigos, considerando os temas implicados na
avaliação. Salienta-se que todos os temas tratados foram elencados nas categorias. O tema mais pesquisado
foi a avaliação da habilidade de leitura e escrita, embora outros tenham se mostrado como foco de interesse; dentre eles, a avaliação da interação e habilidade
sociais, a avaliação das dificuldades de aprendizagem e
também da formação profissional. Todavia, muitos temas ainda carecem de investigações, o que promoveria o crescimento deste tipo de recorte da avaliação
aplicada à área escolar e educacional com a discussão
e ampliação das questões envolvidas nesse contexto.
Ressalta-se que é uma área que necessita de estudos
sistemáticos de avaliação que forneçam subsídios para
que os resultados obtidos por meio dela gerem práticas educativas mais eficazes.
Quanto às palavras contidas nos títulos dos trabalhos, os resultados mostraram que a distribuição não
foi eqüitativa. Desse modo, os títulos dos trabalhos
Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues
Quadro 1. Relação dos instrumentos utilizados na avaliação
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analisados se concentraram acima do número máximo de doze vocábulos. Entende-se que esse limite
possibilita espaço suficiente para se intitular um trabalho, visto que títulos muito pequenos, em alguns
casos, podem revelar pouco esclarecimento para o
leitor sobre o real conteúdo que será lido. Sugere-se
que os autores sejam mais concisos e empreguem
palavras adequadas que expressem a real natureza do
trabalho, sem se tornar prolixo.
Outros itens analisados nos artigos foram a quantidade de participantes/sujeitos e sua respectiva escolaridade. No primeiro item chama atenção o fato
de que 21 resumos apresentaram seus sujeitos de
pesquisa de forma genérica, não podendo se ter uma
idéia de características essenciais dos participantes.
Entende-se que essa informação no resumo acadêmico, não pode ser ignorada, visto que muitas vezes os
trabalhos nas bases de dados são rastreados justa248
mente pela tipicidade da população pesquisada. O
resumo acadêmico não deve omitir esse dado, pois
compromete a qualidade dele. Outro aspecto importante é que apenas 8 trabalhos utilizaram amostras maiores do que 1000 pessoas, talvez isso se deva
principalmente da dificuldade de se trabalhar com
amostras mais amplas.
No que concerne à etapa de escolarização dos participantes das pesquisas analisadas, novamente não houve distribuição eqüitativa. Duas etapas da educação formal predominaram, o ensino fundamental de 1ª a 4ª
séries e o ensino superior. Esses resultados mostram
que as séries iniciais são preferencialmente pesquisadas.
Assim, hipotetiza-se que essas séries são a base da
escolarização, inclusive na ascensão para as outras etapas da educação. No entanto, no caso do ensino fundamental supõe-se que os estudos realizados nessa fase
sejam, em sua maioria, amostras compostas por con-
Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues
veniência, considerando a maior facilidade de acesso
em razão do interesse da escola em identificar o perfil
de características psicológicas dos alunos.
A análise dos instrumentos empregados nas avaliações, conforme consta no Quadro 1 apontou
que há uma predominância no uso de recursos
psicométricos/fatoriais em comparação a outros
meios de avaliação. Esse resultado expressa que,
de um modo geral, os pesquisadores elegem técnicas que apresentam alguma fundamentação estatística para realizar sua avaliação, o que pode
gerar resultados mais confiáveis. Ainda que se trabalhe com o erro de medida, tais técnicas são mais
pontuais em detrimento de outros recursos que
apresentam um maior grau de subjetividade. Poucos foram os estudos que trabalharam com esse
recurso avaliativo.
Vale destacar que se optou por não trabalhar com
a categorização dos instrumentos, o que geraria dados de freqüência e porcentagem, mas sim com a
citação integral de todos os instrumentos empregados nas avaliações. O intuito dessa opção foi para
que as portas não fossem fechadas, mas que houvesse o interesse de outros pesquisadores para levantar novos questionamentos acerca dos atributos
avaliados por meio desses instrumentos. Ao vislumbrar os vários instrumentos ali elencados, pode-se
aventar que muitos aspectos importantes relacionados ao contexto escolar e educacional ainda não foram objetos de investigação psicológica, o que sugere a necessidade de que novos estudos sejam realizados nesse contexto.
Neste trabalho, em especial, a base de dados
SciELO foi bastante utilizada, tendo em vista que parte dos periódicos analisados estavam indexados nessa base. Em todos os periódicos analisados observou-se um aumento da produção científica. Esse dado
corrobora o fato de que a produção científica brasileira tem crescido e ganhado espaço no cenário científico nacional (Meneghini, 1998; Yamamoto e cols.,
1999).
Trabalhos que focam a análise da produção científica deveriam ser freqüentes na área da psicologia. A meta-análise poderia funcionar como um crivo
que indicaria a qualidade da produção científica já
que nem todos os periódicos nacionais encontramse indexados no Institute for Scientific Informaticon
(ISI) (Izique, 2002).
As pesquisas de Carelli (2002), Neves e cols.
(2002), Santos e cols. (2003) e Bariani e cols. (2004)
evidenciam que passos foram dados na realização
de pesquisas que buscam avaliar a produção científica produzida na psicologia escolar e educacional. Sob
esse aspecto, espera-se que esse estudo se configure no primeiro de uma série que fomentará novas
investigações acerca da produção científica sobre o
uso da avaliação psicológica nas várias etapas da educação formal.
Considerações Finais
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conhecimento sobre a política educacional no Brasil: um olhar
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Quando se propõe uma análise bibliométrica da
produção científica em psicologia, diversos aspectos
devem ser considerados. Dentre eles, destaca-se o
acesso aos periódicos que foram selecionados. Por
vezes as bibliotecas institucionais não apresentam a
coleção completa dos periódicos, desse modo, as
bases de dados são importantes recursos para
implementar um trabalho de análise da produção científica.
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Produção científica... • Katya Oliveira, Acácia Santos, Ana Paula Noronha, Evely Boruchovitch, Cláudia Cunha, Marucia Bardagi e Simone Domingues
Recebido em: 21/06/2007
Revisado em: 02/07/2007
Aprovado em: 28/01/2008
Sobre as autoras:
Katya Luciane de Oliveira ([email protected]) – Psicóloga. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Psicologia da Universidade São Francisco; Doutoranda em Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação – Faculdade de Educação – UNICAMP.
Docente do Curso de Psicologia da Universidade São Francisco.
Acácia Aparecida Angeli dos Santos (acá[email protected]) – Psicóloga. Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP,
docente da graduação no curso de psicologia e no Programa de Pós-graduação Stricto-sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco-SP. Bolsista
produtividade do CNPq.
Ana Paula Porto Noronha ([email protected]) – Psicóloga. Doutora em Psicologia pela PUC-Campinas, docente da graduação no curso
de psicologia e no Programa de Pós-graduação Stricto-sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco-SP. Bolsista produtividade do CNPq.
Evely Boruchovitch ([email protected]) – Psicóloga. Ph.D em Educação pela University of Southern Califórnia, docente da graduação e da pósgraduação do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da UNICAMP. Bolsista produtividade do CNPq.
Cláudia Araújo da Cunha ([email protected]) – Psicóloga. Mestre em Psicologia pela Universidade Gama Filho. Doutora em Educação – Faculdade
de Educação da UNICAMP. Docente da Universidade Federal de Uberlândia.
Marucia Patta Bardagi ([email protected]) – Psicóloga. Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Docente da Universidade Luterana do Brasil e Universidade Santa Cruz do Sul.
Simone F. da Silva Domingues ([email protected]) – Psicóloga. Mestre e Doutora em Educação pela PUC-SP. Docente da Universidade
Cruzeiro do Sul.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 239-251
251
Deficiência mental e produção científica na base
de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem
Pesquisas sobre deficiência mental
Alexandra Ayach Anache
Albertina Martinez Mitjáns
Resumo
Este trabalho tem como objetivo realizar um levantamento das pesquisas sobre a deficiência mental e a partir dessa caracterização, compreender o lugar
que nela ocupam as pesquisas direcionadas ao processo de aprendizagem da população com deficiência mental. Para este fim, pesquisamos produções
acadêmicas em nível de mestrado e de doutorado no período de 1990 até 2005/2006, registradas no Banco de Teses do Portal da Fundação
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que faziam referência à deficiência mental, bem como era o assunto
privilegiado por elas. A análise de conteúdo dos resumos permitiu obter informações sobre a data, o locus das pesquisas, o tema tratado e o
direcionamento teórico e metodológico. Foram encontradas 122 referências, sendo 38 dissertações e 84 teses. No conjunto dessas produções, os
assuntos relacionados à avaliação e ao diagnóstico, ao ensino, às interações sociais, à saúde, à inclusão e à avaliação educacional foram os temas mais
contemplados. O tema aprendizagem foi abordado em 6% dos trabalhos (7), demonstrando a necessidade de se construir estratégias para compreensão e aprofundamento desse aspecto visto que ele foi tratado de forma tímida pela academia brasileira. Os resumos das pesquisas assinalam resultados
promissores sobre as possibilidades de aprendizagem dos alunos com deficiência mental.
Palavras-chave: deficiência mental; aprendizagem; produções acadêmicas.
Mental deficiency and scientific production in the CAPES database: the
place of apprenticeshipabstract
Abstract
This paper has for its objective the data collection of research on mental deficiency and, from this characterization, the comprehension of the place
occupied by research directed to the learning process of members of this group. We analyze the theoretical and methodological orientation of academic
production at master’s and doctoral levels during the 1990 to 2005/2006 registered in the Theses Bank of the Portal da Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES]. We had found 122 references, 38 dissertations and 84 theses. On the whole, the topics dealt with
evaluation and diagnosis, teaching, social interaction, health, inclusion and educational evaluation were the most cited. Learning accounted for 6% of the
works (7), demonstrating the necessity for constructing strategies for the comprehension and deepening of this aspect, given the timid form of treatment
by the Brazilian academia.
Keywords: mental retardation; learning; scientific research.
Deficiencia mental y producción científica en la base de datos del
CAPES: el lugar del aprendizaje
Resumen
Este trabajo tiene como objetivo realizar un levantamiento de las investigaciones sobre la deficiencia mental y a partir de esa caracterización entender el
lugar que ocupan en ella las investigaciones dirigidas al proceso de aprendizaje de la población con deficiencia mental. Para ese fin investigamos
producciones académicas a nivel de maestría y de doctorado en el período de 1990 hasta 2005/2006 registradas en el Banco de Teses del Portal de la
Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que hacían referencia a la deficiencia mental, así como tambien era el
asunto privilegiado por ellas. El análisis de contenido de los resúmenes permitió obtener informaciones sobre la fecha, el locus de la investigación, el tema
tratado y el direccionamiento teórico y metodológico. Fueron encontradas 122 referencias, siendo 38 de maestría y 84 de doctorado. En el conjunto
de esas producciones, los asuntos relacionados a la evaluación y al diagnóstico, a la enseñanza, a las interacciones sociales, a la salud, a la inclusión y a la
evaluación educacional fueron os temas más contemplados. El tema aprendizaje fue abordado en 6% de los trabajos (7), demostrando la necesidad de
construir estrategias para la comprensión y la ampliación de ese aspecto, una vez que fue tratado de forma tímida por la academia brasileña. Los
resúmenes de las investigaciones señalan resultados positivos sobre las posibilidades de aprendizaje de los alumnos con deficiencia mental.
Palabras clave: deficiencia mental; aprendizaje; producciones académicas
253
Introdução
Este artigo apresenta um levantamento das pesquisas sobre deficiência mental e a partir dessa caracterização, compreende-se o lugar que nela ocupam
as pesquisas direcionadas ao processo de aprendizagem da população em questão. Dentre os fatores que
justificam este estudo, destaca-se a necessidade de
analisar o direcionamento teórico e metodológico que
as produções acadêmicas, tanto em nível de mestrado
quanto de doutorado, têm construído no período de
1990 a 2005/2006 a fim de delinear estratégias pedagógicas que contribuam de modo efetivo para a aprendizagem e, conseqüentemente, para o desenvolvimento da população com deficiência mental.
Desde Itard (1801-1806), há iniciativas na promoção do ensino formal para a população com deficiência mental, muitas delas registradas, e que geraram
o acúmulo de conhecimentos em diferentes tempos
históricos. No entanto, ainda há interrogações sobre
as possibilidades de aprendizagem de pessoas com
deficiência mental, o que justifica o interesse dos pesquisadores nessa área.
O levantamento das produções que se ocuparam em realizar um diagnóstico geral sobre o conhecimento acumulado em Educação começa a surgir no Brasil a partir de 1970, nos trabalhos de:
Gouveia (1971), Almeida (1972), Di Dio (1976),
Cunha (1979), Goergen (1981), Sanches (1982 e
1987), Gatti (1983), Feldens (1983), Warde
(1992), Weber (1992) e Costa (1994) e, mais recentemente, de Lima (2003). No que se refere
especificamente à Educação Especial, destacam-se
Dias e colaboradores (1987), Nunes, Glat, Ferreira
e Mendes (1998), Nunes, Ferreira e Mendes (2003)
e Bueno (2006).
Sobre a deficiência mental, Silva, Vidal e Sousa
(2003) realizaram um levantamento das pesquisas
desenvolvidas nos Programas de Pós-Graduação
stricto sensu em Educação Física e Esporte situados
na Região Sudeste do Brasil, no período de 1979 a
2002. Esses autores identificaram as tendências das
temáticas estudadas bem como as implicações teóricas e práticas dessa produção. Eles encontraram,
dentre os 1065 trabalhos produzidos no período
254
pesquisado (952 dissertações e 113 teses), 15 que
tratavam do tema deficiência mental (14 dissertações
e uma tese), o que significa 1,5% de dissertações realizadas nos Programas de Mestrado e 0,9% de teses
nos Programas de Doutorado. Para os autores esse
número foi considerado inexpressivo.
Bueno (2006) analisou as inserções dos conceitos
de inclusão escolar e de educação inclusiva, encontrando 127 dissertações e teses, sendo que 12,6%
delas tratavam de temas relacionados à deficiência
mental. Mais da metade das produções não explicitava
o tipo de deficiência estudada, mencionando tão-somente que pesquisavam as “deficiências” ou as “necessidades educativas especiais”. Diante do exposto,
Bueno observou que tais ambigüidades decorrem tanto das formulações políticas quanto da produção acadêmica recente, expressa pelas dissertações e teses
defendidas no período compreendido entre 1997 e
2003, constantes do Banco de Teses da CAPES.
Note-se que as pesquisas dos autores supracitados
oferecem um panorama geral da produção acerca da
Educação Especial e assuntos correlatos. No entanto, nossa preocupação neste momento é obter informações sobre o lugar ocupado pelos estudos sobre
aprendizagem da população com deficiência mental
no conjunto dos trabalhos. Assim, optou-se por analisar os resumos dos trabalhos de pesquisa produzidos nos últimos 15 anos uma vez que foi nesse período que a educação de pessoas com deficiência aparece nos discursos oficiais com maior ênfase.
No Brasil, esse movimento surgiu nos anos de
1980, quando as lideranças da área começaram a questionar a base ética, a eficácia da lei e a prática de
integração, pois estas, de fato, se mostravam
segregadoras, considerando que imputavam ao sujeito à responsabilidade de movimentar-se para conseguir adaptação nos diferentes setores da sociedade.
Após a promulgação da lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as diretrizes e as
bases da Educação Nacional, assegurando a educação
das pessoas que apresentam necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino, a Secretaria de Educação Especial, por meio da
Coordenadoria Geral de Planejamento do Ministério
da Educação, registrou, no período de 1998 a 2005,
Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns
um aumento de 20% de matrículas de estudantes com
deficiência em escolas de ensino comum. Das 278.167
pessoas com deficiência mental, 141.868 (51%) estavam matriculadas em escolas públicas e 136.299
(49%) em escolas privadas (cf. Brasil. Ministério da
Educação, INEP, SEEC. Censo Escolar, 2004).
No entanto, o documento da Secretaria de Educação Especial não esclarece se os estudantes matriculados nas escolas de ensino comum freqüentavam
classes especiais ou a sala de recursos. No que se
refere às escolas da iniciativa privada, não se sabe,
pelo documento oficial, se elas eram ou não de organizações não-governamentais, conforme ilustra o título da Tabela sobre a distribuição de matrículas na
Educação Especial em 2005, Matrículas em Escolas
Especiais/Classes Especiais e Escolas Regulares/Classes Comuns (cf; p. 6). Além disso, não se sabe a situação educacional das pessoas que apresentam deficiências mentais mais graves ou severas (cf. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Coordenação Geral de Planejamento, 2006).
O tema em discussão carece de maiores e melhores estudos uma vez que no conjunto das produções
da área de Educação seu número ainda não pode ser
considerado expressivo. Silva e cols. (2003, p. 16),
em suas pesquisas, demonstraram que as teses e as
dissertações relacionadas à temática deficiência mental, realizadas no período de 1979 a 2002, referemse a 1,4% do total de trabalhos defendidos nos Programas de Pós-Graduação na área de Educação Física
e Esporte da Região Sudeste. Ao analisarem os tipos
de deficiência mais estudados, Manzini, Paulino,
Corrêa, Silva e Lopes (2006) identificaram uma produção maior em deficiência física (11), em todas as
deficiências (10) e na deficiência mental (9) no Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual
Paulista (UNESP) – Campus de Marília – no período
de 1993 a 2004.
Se, por um lado, o tema deficiência mental não
tem sido tratado com expressividade no conjunto das
produções da área de Educação Física, por outro, ele
preocupa os pesquisadores da área de Educação, pois
é a pessoa com deficiência mental quem tem causado
maiores dificuldades à prática cotidiana dos professores nas escolas (comum e especial), em decorrên-
cia das dificuldades aferidas no processo ensino-aprendizagem.
Segundo os estudos realizados por Bueno (2002),
em 1998, tínhamos 127 trabalhos de pesquisa produzidos nas Instituições de Ensino Superior, sendo 83
deles referentes às deficiências de modo geral. Desse
conjunto, a deficiência mental e a auditiva foram as
mais contempladas. Nos últimos 15 anos, no conjunto das produções que trataram dos estudos sobre as
deficiências, predominaram as pesquisas que versam
sobre a deficiência mental, coincidindo com as informações obtidas por Bueno (2006), ao pesquisar as
produções acadêmicas que tratavam do tema inclusão. Ele encontrou, entre os 127 resumos de trabalhos analisados, 16 que se referiam à deficiência mental (12,6%) e 10 destinados à deficiência física
(7,09%). O autor não conseguiu identificar a população-alvo em 67 (57,75%) dos resumos analisados.
Ele concluiu que essa incidência acompanhava os resultados já obtidos por outros autores, que realizaram o mesmo tipo de pesquisa, dentre eles, Nunes e
cols. (1998 e 2003).
Bueno (2006) identificou também que a deficiência mental vem associada às dificuldades de aprendizagem. Este fator pode justificar a incidência das produções sobre a deficiência mental que visaram contribuir com temas relacionados ao ensino, à avaliação,
às interações sociais e à saúde.
A Secretaria de Educação Especial, por meio da
Coordenadoria Geral de Planejamento do Ministério
da Educação, divulgou no documento Números da
Educação Especial, em janeiro de 2006, que das
350.000 matrículas de alunos (as) com necessidades
educacionais especiais, 278.167 (43,4%) ainda eram
de pessoas com deficiência mental, o que pode justificar a demanda por pesquisas na área.
Método
O locus de pesquisa foi o Portal da Fundação
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES)1 , que integra os sistemas
de informação de teses e de dissertações existentes nas Instituições de Ensino Superior brasileiras,
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274
255
reunindo os trabalhos científicos em seu banco de
dados.
Quando se acessa o Banco de Dados da CAPES com
a palavra-chave deficiência mental, encontram-se várias denominações para essa mesma expressão, com
destaque para necessidades especiais, paralisia cerebral, deficiência cognitiva, deficiência intelectual e doenças infecto-contagiosas. Ainda que o propósito do
Banco de Dados seja o de agrupar o maior número de
trabalhos relacionados à área, há que ressaltar as dificuldades conceituais, que merecem discussões.
Vale esclarecer que a deficiência mental é uma condição que se manifesta no curso do desenvolvimento
da pessoa, resultando em dificuldades para processar
informações, conceituar, avaliar, estabelecer relações
conceituais, linguagem, entre outras, que podem se
expressar em diferentes áreas que não apenas a acadêmica. Necessidade educacional especial não é
sinônimo de deficiência bem como nem toda pessoa
com paralisia cerebral apresenta deficiência mental.
De posse dos títulos dos 122 trabalhos encontrados, aconteceu à busca dos resumos na Base de Dados da CAPES, visando caracterizar as produções sobre a deficiência mental. Desse conjunto, 86 deles
apresentavam os resumos, os quais constituem o
corpus desta análise, expressando 70% do total
pesquisado.
As produções foram identificadas pelos seguintes
aspectos: número de dissertações e de teses
registradas no período escolhido; instituição de origem; objeto específico para estudo e os itens que
compõem o resumo dos trabalhos científicos, quais
sejam: o tema, o objeto, a abordagem teórica e
metodológica, os instrumentos e a síntese dos resultados. Essas informações foram fundamentais para a
construção do primeiro eixo de análise identificado
como a inserção da deficiência mental como tema de
referência nas produções acadêmicas.
Os títulos e os conteúdos (objeto de estudo e
objetivos), contidos nos resumos analisados, identificaram as pesquisas de acordo com o assunto. Na incerteza sobre a classificação das informações, recorria-se à dissertação ou à tese. As produções acadêmicas que tratam dos processos de aprendizagem de
pessoas que apresentam deficiência mental foram as
256
selecionadas, o que determinou a elaboração do segundo eixo de análise: o lugar da aprendizagem nas
produções acadêmicas registradas na Base de Dados,
escolhida para esta pesquisa. A análise foi conduzida,
entendendo que a aprendizagem é um processo de
subjetividade individual e social, portanto, relacional
(cf. González Rey, 2005).
Resultados e Discussão
A inserção da deficiência mental como tema
de referência nas produções acadêmicas
O levantamento das produções acadêmicas
disponibilizadas na Base de Dados – IBICT/Portal da
CAPES, no período em que a pesquisa foi realizada,
possibilitou encontrar 38 dissertações e 84 teses,
perfazendo um total de 122 produções tratando de
estudos sobre a deficiência mental nos últimos 15 anos.
Pode-se observar um aumento progressivo nas produções acadêmicas na área, sendo mais expressivo no
período de 2000 a 2005. Esse fato pode ser associado
aos movimentos sociais em prol dos direitos humanos, manifestados no âmbito internacional e nacional,
neste caso, após a Ditadura Militar bem como à expansão dos Programas de Pós-Graduação no Brasil.
A expansão da Pós-Graduação stricto sensu no País
ainda é recente, sobretudo no que se refere aos Programas em nível de doutorado, o que justifica o
acúmulo de dissertações produzidas no certame do
período pesquisado. Manzini, Paulino, Corrêa, Silva e
Lopes (2006) afirmam que o incremento da produção na área de Educação Especial na UNESP – Campus
de Marília – decorreu do aumento do número de
orientadores nessa linha até 2001, o que pode ser
relacionado ao aumento dos cursos de Pós-Graduação stricto sensu.
A Pós-Graduação em nível de mestrado e de doutorado iniciou-se no Brasil nos meados dos anos de
1960 e, desde então, tem se expandido. Segundo os
registros oficiais fornecidos pela CAPES, existem no
Brasil 2.284 Programas e Cursos de Pós-Graduação
recomendados e reconhecidos, sendo que há 929
mestrados acadêmicos, 42 doutorados e 175
mestrados profissionais. Há 1.138 Programas de Pós-
Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns
Tabela 1. Dissertações e teses sobre deficiência mental, registradas na BDTD (IBICT)/Portal
CAPES (1990-2005/2006)
Graduação em nível de mestrado acadêmico e de
doutorado.
A título de ilustração, em 1998, funcionavam 46
Cursos de Pós-Graduação em Educação em nível de
mestrado e 21 em nível de doutorado (cf. Nunes e
cols., 1998). Em 19 de setembro de 2006, a CAPES
registrava 118 Programas de Pós-Graduação em Educação, sendo 82 mestrados e 36 doutorados.
Naquela mesma data, o órgão supracitado
registrava 87 Cursos de Pós-Graduação na área de
Psicologia, sendo 56 mestrados e 31 doutorados. Na
grande área das Ciências da Saúde, na qual a Educação
Física está inserida, registraram-se 680 Cursos dessa
natureza, distribuídos em 377 mestrados e 264 doutorados. Em hipótese, a expansão desses Cursos jus-
tificou as iniciativas de outras áreas do conhecimento
em estudar a temática em pauta neste artigo, como
as áreas de Engenharia (Engenharia de Produção –
2%) e Letras (2%).
A área de Ciências Humanas englobou o maior
número de produções sobre a deficiência mental seguida das Ciências da Saúde e das Ciências Biológicas.
Notou-se que os Programas de Pós-Graduação em
Educação, incluindo os específicos em Educação Especial, tributaram 55% das produções de teses e de
dissertações que tratam da temática pesquisada.
Vale registrar que no Brasil tem se especificamente dois Cursos de Pós-Graduação stricto sensu em
Educação Especial. Nos demais, a educação especial
insere-se na Pós-Graduação como linha de pesquisa,
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274
257
ou como objeto de estudo de outras áreas do conhecimento. Sobre a inserção da Educação Especial em
Programas de doutorado, Bueno (2002, p. 57) informa que em 1998 havia um Curso nesse nível mantido
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e
um pela Universidade Federal Fluminense. 50% dos
Programas estavam localizados na cidade de São Paulo e incorporavam alunos de Educação Especial.
Quando Bueno (2002) realizou o levantamento das
produções acadêmicas que versavam sobre a Educação Especial, ele encontrou 23 Instituições de Ensino
Superior que possuíam Cursos de Pós-Graduação
stricto sensu, em nível de mestrado, que aceitavam
estudantes desejosos de desenvolver suas pesquisas
com temas na área de referência. Ele registrou ainda
que apenas dois deles ofereciam mestrado em Educação Especial. Essa pesquisa informou ainda que “[...]
dos 21 mestrados em educação, quase dois terços
(13) aceitam alunos nas Linhas de Pesquisas por elas
mantidas, cerca de um terço (8) possui Linha de Pesquisa específica em educação especial” (Bueno, 2002,
p.53).
Assim, a organização dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu pode ser um dos indicadores da
necessidade de aprimoramento da formação de profissionais para atuação com pessoas que apresentam deficiência. Bueno (1999) esclarece que não há
oposição entre uma proposta de curso generalista ou
especialista, pois a perspectiva da educação inclusiva
exige que o docente do ensino comum adquira conhecimentos especializados para atender à demanda
de estudantes com características peculiares e, do
mesmo modo, o professor da Educação Especial precisa ampliar sua compreensão que, tradicionalmente,
está centrada nessas características.
No que se refere ao locus da produção, constatou-se a ampliação da oferta de Cursos de Pós-Graduação stricto sensu nas diversas regiões do País, fora
do eixo Rio de Janeiro e São Paulo. A título de ilustração, os Cursos de Pós-Graduação stricto sensu estão
distribuídos nas regiões do Brasil com os seguintes
números: Região Sudeste do Brasil: 1.195; Região Sul:
456; Região Nordeste: 385; Região Centro-Oeste:
156; e Região Norte: 92. No entanto, a concentração das produções está nas Universidades do Estado
258
de São Paulo, fato que pode ser atribuído ao número
de Instituições de Ensino Superior presentes nesse
Estado. Acres. Além disso, os Cursos que incorporaram a Educação Especial estão situados preponderantemente nas Regiões Sudeste, com 56,5%, e Sul,
com 21,7%, de um total de 23 Programas de PósGraduação mencionados.
Os temas mais encontrados no conjunto dos 122
trabalhos foram os relacionados à avaliação e ao diagnóstico, ao ensino, às interações sociais, à inclusão e à
saúde. Os demais foram referenciados com menor
freqüência; no entanto, isso não significa que eles sejam menos importantes para a área. Cabe-nos aqui
compreender de que forma eles foram estudados,
conforme a Tabela 2.
Avaliação e diagnóstico foram os trabalhos identificados que estudaram os encaminhamentos bem como
os recursos metodológicos utilizados pelos profissionais que avaliam pessoas que apresentam indicadores de deficiência mental.
Em um período de 15 anos (1990-2005/2006),
17% do conjunto de dissertações e de teses tratam de
temas relacionados ao processo de avaliação e de diagnóstico da deficiência mental. Observou-se que houve
um acréscimo de teses e um decréscimo em produções de dissertações sobre o tema. Tal indicador pode
ser atribuído ao maior número de Programas de
mestrado do que de doutorado no Brasil e a conseqüente pulverização de interesses dos pesquisadores.
Quando Nunes e colaboradores (1998) analisaram
o conjunto das produções realizadas na Região Sudeste no período de 1983 e 1996, eles identificaram
um decréscimo de dissertações e sugeriram que esse
fato poderia ser conseqüência do avanço das produções científicas que versavam sobre estratégias para
a identificação de pessoas com deficiência. Contudo,
eles também registraram que o diagnóstico para fins
educacionais foi pouco estudado.
Segundo os autores supracitados, os trabalhos
anunciavam a necessidade de aprofundamento dos
critérios de identificação e de encaminhamento de
pessoas com deficiência mental para os serviços especiais, e da urgência da realização de pesquisas de
caráter metodológico, para a intervenção na realidade. Assim, o aumento do número de teses produzi-
Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns
Tabela 2. Objeto de Estudo das dissertações e teses sobre deficiência mental registradas na
BDTD (IBICT) /Portal CAPES (1990-2005/2006)
das no período de 1994 a 2004 pode ser uma decorrência dessa necessidade.
Pesquisas como as de Patto (1991), Machado (1994),
Machado e Sousa (1997) e Anache (1997) já apresentavam críticas ao sistema de diagnóstico de encaminhamento de alunos (as) para as classes especiais, ou seja, já
verificavam que a classe especial abrigava alunos cujo diagnóstico de deficiência mental não atendia aos critérios
estabelecidos pela American Psychiatric Association, aqueles
descritos no DSM-IV-TM (1995, p.45).
As críticas produzidas no conjunto dos trabalhos, bem
como os movimentos sociais de inclusão, colocaram sob
suspeita os diagnósticos dos alunos (as) que estavam
matriculados (as) nas classes especiais como também o
sistema de avaliação educacional empregado pelas escolas brasileiras. As produções de Patto (1991), Machado
(1994) Machado e Sousa (1997) e Anache (1997)
problematizavam os métodos empregados para a identificação de estudantes com deficiência mental.
Embora as críticas realizadas pelas pesquisas sobre os diagnósticos classificatórios tenham sido opor-
tunas, alguns problemas não foram resolvidos, dentre eles, a necessidade de construção de outras formas de avaliação de pessoas com deficiência mental,
capazes de oferecer informações sobre os seus processos de aprendizagem.
Quanto aos resumos dos trabalhos agrupados com
o tema ensino, eles tratam do currículo; da prática
docente na aula, na escola e em outros espaços
institucionais; dos projetos pedagógicos e das propostas de intervenções pedagógicas que visam analisar e construir estratégias metodológicas para promover a aprendizagem de estudantes com deficiência mental.
Vale ressaltar os esforços dos pesquisadores em
colocar em pauta o tema ensino, posto que esse assunto surge nos trabalhos produzidos no período de
1992 a 2005, perfazendo um total de 14% das produções acadêmicas. Dentre eles, Franco (2002) e
Rossit (2003) registraram a eficácia do uso da
Informática como recurso alternativo para a promoção do ensino das pessoas com deficiência mental.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274
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Machado (2000) estudou uma proposta de educação
ambiental, resultante de uma experiência com adolescentes e adultos com deficiência mental. Solér
(2001) pesquisou sobre o processo de alfabetização
e suas relações com a construção do conhecimento,
um estudo em deficiência mental leve.
Maranhe (2004) propôs o ensino de categorias
estruturais de histórias para crianças com dificuldades de aprendizagem por meio da aplicação dos programas de ensino, e observou uma melhora no desenvolvimento dos grupos de crianças com e sem
dificuldades de aprendizagem, principalmente nas produções orais e no recontar das histórias.
Tini (2004) analisou o ensino por modelação de
discriminações condicionais, envolvendo diferentes
estruturas de treino e de formação de classes de equivalência em deficientes mentais. A pesquisadora constatou que é possível ensinar a essas crianças discriminações condicionais por meio de modelação de estímulos. Nesse mesmo referencial, Sella (2005) estudou o ensino de discriminações condicionais por imitação, analisando os efeitos de dois arranjos de apresentação de tentativas, observando que há possibilidades de ensinar por imitação, comportamentos complexos, pois a maioria dos participantes apresentou
aprendizagem por equivalência.
Silva (2003) identificou os jogos e os brinquedos
disponíveis e mais utilizados nas brincadeiras de crianças com deficiência mental em escolas especiais da
educação infantil bem como o lugar ocupado por essas brincadeiras no processo de ensino. Miranda
(2003) analisou a prática pedagógica de duas professoras do Ensino Fundamental, sendo uma da escola
comum da rede municipal e a outra da escola especial
que tem alunos com deficiência mental freqüentando
as suas salas de aulas. Por meio do estudo etnográfico,
constatou-se que as referidas práticas não permitiam
o desenvolvimento do pensamento abstrato, pois
eram repetitivas, mecânicas e descontextualizadas.
Essa é uma crítica realizada pela maioria dos trabalhos realizados com o tema ensino.
Já o tema interações sociais, englobou produções
que analisaram e discutiram as relações estabelecidas
entre as pessoas com deficiência mental e seus familiares, professores, colegas de escola, de trabalho e
260
de outros espaços sociais. No período de 1992 a
2006, encontram-se produções que apresentaram
análises sobre as interações sociais, seja na escola comum, seja na escola especial, na família ou no trabalho, uma tentativa de buscar alternativas para se ensinar, conviver e viver junto como cidadão de direitos.
No conjunto, houve um total de 11% (14) de trabalhos envolvendo esse tema.
As teses assim identificadas foram as de BiascoviAssis (1997), Paula (2000) e Yano (2003), e as dissertações foram de Souza (s/d), Silva (1992), Chacon
(1995), Franco (1998), Marques (2000), Queiroz
(2000), Jordão (2001), Góes (2004), Valle (2004),
Nunes (2006) e Turini (2006).
Por hipótese, pode-se dizer que o tema interações
sociais tornou-se candente nas pesquisas, em decorrência da demanda gerada na sociedade para inserir as
pessoas com deficiência mental em diversos contextos. Nesse sentido, surgiram críticas sobre as práticas
excludentes das redes de assistência em instituições
asilares bem como em instituições especiais, escolas
especiais e outras dessa natureza. O debate sobre o
local mais adequado para se ensinar pessoas com deficiência mental ainda permaneceu como ponto de conflito e, portanto, merece maiores aprofundamentos.
Denomina-se saúde ao conjunto das produções que
estudaram aspectos etiológicos e intervenções terapêuticas das diversas áreas da Saúde junto à pessoa
com deficiência mental. 11% (14) dos trabalhos produzidos na área da Saúde trataram de aspectos
etiológicos e farmacológicos da deficiência mental.
Além disso, destacam-se as pesquisas relacionadas aos
processos de intervenções terapêuticas, ligadas à área
da Psicologia.
Pode-se considerar, por hipótese, que essas iniciativas devem-se à expansão da Pós-Graduação stricto
sensu nas diferentes áreas do conhecimento bem
como podem expressar o esforço dos pesquisadores brasileiros em contribuir nessa direção. As teses
encontradas foram: Ciampone (1993), Oliver (1998),
Fridman (1999), Silveira (2002) e Santos (2002). As
dissertações com a mesma temática foram: Yoshico
(1994), Cavalcante (1997), Barros (1998), Paiva
(1998), Kulik (1999), Costa (2000), Puglia (2001),
Carbone (2003) e Marra (2005).
Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns
Deve-se enfatizar, como Bueno (2006, p.12), que
são necessários maiores investimentos da pesquisa
sobre a relação saúde-educação, sendo esse eixo fundamental para o êxito das políticas escolares voltadas
aos alunos deficientes. O avanço de estudos nessa
direção poderia implicar em melhoria das condições
de vida da população em pauta. No entanto, vale
registrar que são temas de trabalho que têm crescido nas pesquisas acadêmicas.
Os trabalhos que estudaram os processos de inserção dos estudantes com deficiência mental nos diferentes setores da sociedade foram identificados com
o tema inclusão. A partir de 1990, as produções acadêmicas da Pós- Graduação que estudavam a
integração das pessoas com deficiência faziam críticas aos conceitos e ao modelo médico dos diagnósticos que ainda pairavam sobre as práticas denominadas especiais. A partir de 1997, intensificaram-se os
trabalhos com a temática inclusão, embora essa leitura já fosse alvo de debates na Europa, conforme expresso na Declaração de Salamanca (1994).
Os debates sobre a exclusão social são recorrentes a partir daquele período, coincidindo com a mudança da legislação brasileira para a educação, com a
promulgação da Constituição Federal de 1988. Temse, por exemplo, a implementação da Política Nacional de Educação Especial (1994) e a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – lei nº 9.394/1996.
Dentre os direitos assegurados oficialmente, está o
direito à educação para todas as pessoas, indistintamente.
Houve um acúmulo de produções, no período de
1999 a 2005, direcionadas para o tema inclusão de
pessoas com deficiência mental. Registra-se 11% (13)
de teses e de dissertações tratando da temática, sendo maior o número de dissertações que se dedicou a
pesquisar as diferentes formas de inserção dos estudantes com deficiência na escola, no trabalho e na saúde. Pode-se pesquisar, também, a tese de Souza
(2006) e as dissertações de Xavier (s/d), Julia (1997),
Bussab (1999), Almeida (1999), Silva (2001), Lima
(2001), Tonini (2001), Saad (2002), Pamplim (2005),
Sanches (2005), Tannous (2005) e Vieira (2006).
A tese, produzida no período, problematizou a
inclusão escolar no atual contexto do sistema de ensi-
no (cf. Souza, 2006). O trabalho foi realizado no Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada ao
Ensino de Línguas da PUC/SP, o que pode ser um indicador da preocupação de outras áreas com o ensino
de pessoas com deficiência.
O tema inclusão, no conjunto das produções
pesquisadas, foi utilizado para expressar a necessidade
de garantir Educação para Todos como sendo um
paradigma diferente da integração e que teve como
marco fundamental a Declaração de Salamanca (1994).
Esta reuniu um conjunto de declarações das Nações
Unidas, que estabeleceu regras e padrões sobre a
equalização de oportunidades educacionais para todas
as pessoas que apresentam necessidades especiais.
Na compreensão de Bueno (2006), compartilhada pelas pesquisadoras, o referido documento expressa a necessidade de revisão das políticas sociais em
face da falência do Estado de direito, sobretudo em
países de terceiro mundo onde o fracasso escolar foi
e ainda é expressivo. Nesse sentido, faz-se mister a
modificação tanto das políticas quanto das práticas
educacionais assentadas na perspectiva da homogeneidade.
Foi registrado crescimento no número de matrículas no período de 2000 a 2004 na rede pública nacional em relação à rede privada. Em 2004, 291.544
estudantes, com deficiência mental em idade escolar,
foram matriculados no sistema de ensino brasileiro.
No que se refere ao número total das matrículas realizadas nas escolas brasileiras (especial e comum), a
SEESP/ME registrou, em 2005, 640.317 alunos que
apresentavam necessidades educacionais especiais. As
matrículas de pessoas com deficiência mental em idade escolar representaram 43,4% desse grupo.
No que concernente às pessoas com deficiências
mentais severas, não foi encontrada nenhuma referência nos documentos oficiais, assim como não há
informações sobre o êxito ou fracasso desses alunos.
Esses aspectos merecem pesquisas, sobretudo para
que se questione o tipo de educação que tem se
efetivado nas perspectivas das atuais políticas públicas brasileiras.
Classifica-se como avaliação educacional as produções que analisaram os elementos pessoais, sociais e
institucionais e os métodos empregados para aferi-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274
261
ção do processo de ensino e aprendizagem, controle
de disciplinas, expectativas do corpo discente, docente e familiar. Os pesquisadores que trataram de
temas relacionados à avaliação educacional fizeramno com o objetivo de problematizar as práticas de
avaliação das diferentes formas de aprendizagem. Esse
assunto foi relacionado ao processo de ensino, bem
como ao projeto político pedagógico da escola, apontando para as dificuldades de se encontrar métodos
de avaliação que ofereçam indicadores sobre a aprendizagem das pessoas com deficiência mental.
Nessa direção, destaca-se o interesse dos pesquisadores em estudar os processos de avaliação educacional empregados pelos professores de estudantes
com deficiência mental. Utilizando os Sistemas de
Avaliação de Habilidades Sociais elaborados por
Gresham e Elliott (1990) e pelo sistema Raven, RosinPinola (2006) comparou os resultados de dois grupos diferentes, os de baixo rendimento acadêmico
com deficiência mental e o outro de alto rendimento
acadêmico, sem deficiência mental, matriculados no
ensino comum. Nessa perspectiva, houve uma diferenciação no que se refere aos resultados apresentados nos itens de habilidades sociais, rendimentos acadêmicos e problemas de comportamento.
Tafla (1994), Rodrigues (1998), Campelini (2004),
Hansel (2003), Angélico (2004), Souza (2005) e
Schutz (2006) também investiram nessa direção,
porém, com orientações diversas, destacando-se a
construção de um sistema de avaliação que visa ao
acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem, envolvendo o aluno, o professor e o contexto
escolar. Esse viés pretende superar o entendimento
de avaliação restrito à verificação sistemática da prática educativa em relação aos conteúdos e aos
objetivos previstos, o que faz prevalecer, ainda, uma
avaliação de caráter somativo. Essa perspectiva exige
um marco de referências que avance os ditames do
currículo cognitivista, que se assenta no critério da
homogeneização das classes escolares, impondo um
tipo de inclusão que favorece a desigualdade social.
Há um esforço da academia em quebrar idéias préestabelecidas sobre a deficiência entendida como problema e não como um desafio a ser enfrentado. Isso
tem permitido aos envolvidos, possibilidades de cons262
trução de formas de comunicação com as pessoas
deficientes (cf. Tunes, 2003).
As teses e as dissertações que problematizaram o
conceito de deficiência mental foram agrupadas sob o
tema concepção de deficiência mental. As diferentes formas de conceber a deficiência mental e suas implicações
para o processo educacional foram objeto de análise de
7% dos trabalhos encontrados, o que pode ser considerado um dos indicadores de que os pesquisadores
brasileiros esforçam-se em quebrar as crenças e os mitos que pairam sobre as pessoas com deficiência mental. Foram classificadas com essa temática as teses de
Mendes (1995), Marques (2000), Camargo (2000) e
Oliveira (2002), e as dissertações de Ghur (1992),
Ferreira (1997), Kalmus (2000) e Holanda (2000).
A compreensão de deficiência mental adotada no
interior das instituições especiais, que a vincularam a
uma condição de incapacidade mediante as exigências
cognitivas, emocionais e sociais das demandas do processo de desenvolvimento, foi objeto de críticas, o
que coincidiu com as tendências das produções acadêmicas encaminhadas nestes últimos 15 anos. Nesse sentido, os diagnósticos da deficiência mental não
atenderam de forma integral aos critérios mínimos
estabelecidos pela Associação Americana de Retardo
Mental, versão de 1973. E tal situação, até a presente
data, ainda é uma realidade (cf. Anache, 2006).
Sob o tema aprendizagem, reuniu-se um conjunto
de teses e de dissertações que pesquisou as formas
de aprender dos estudantes com deficiência mental,
envolvendo aspectos cognitivos, afetivos, motricidade,
personalidade e criatividade, ou seja, considerando-o
como uma ação singular do sujeito que aprende. Com
essa temática, foram encontrados 6% (7) entre o total
de 122 trabalhos pesquisados.
Luz (1999) analisou as condições e as possibilidades de abstração em jovens com deficiência mental,
tendo por base o referencial histórico-cultural, e argumentou que a abstração, como modo de funcionamento mental, é uma elaboração coletiva e histórica e não uma pré-condição para que essas pessoas
sejam incluídas nas práticas sociais. Portanto, há que
se indagar sobre a efetividade das atividades propostas aos estudantes, que dissociam a teoria da prática,
ou ainda, o abstrato do concreto.
Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns
Tijiboy (2001) estudou o modo como as pessoas
com paralisia cerebral apropriam-se dos recursos
tecnológicos de um ambiente computacional
telemático e que processos de desenvolvimento ocorrem quando se valem desses recursos. Porém, não
há alusão no resumo se os dois estudantes de 20 anos
que freqüentavam o Núcleo de Informática na Educação Especial da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul eram deficientes mentais. Vale registrar que a
paralisia cerebral nem sempre está associada à deficiência mental.
Oliveira (2002) investigou o papel da familiaridade
dos estímulos na emergência de equivalência em pessoas surdas e com deficiência mental. A estratégia
experimental consistiu em ensinar oito alunos, com
idade variando entre 8 e 26 anos, utilizando duas relações condicionais, envolvendo os conjuntos de estímulos familiares e abstratos, seguidas pelos testes das
relações emergentes de equivalência. A relevância
desse estudo está na investigação de procedimentos
de ensino que possibilitem a aprendizagem de pessoas com dupla deficiência.
Rubim (2003) analisou o desempenho de jovens e
adultos na faixa etária de 16 a 23 anos, com deficiência
mental moderada, no processo de aprendizagem da
leitura, da escrita e da Matemática, relacionado aos
conteúdos das séries iniciais do Ensino Fundamental. A
pesquisadora constatou que, ao receberem programas
de intervenção que consideram a idade cronológica,
seus interesses e suas necessidades individuais, as pessoas demonstraram potencial para a aquisição de conceitos pertinentes às áreas mencionadas.
O trabalho produzido por Piccolo (2004), cujo
resumo foi fiel ao título da tese, Aprendizagem
observacional, formação e expansão de classes de equivalência, refere-se à aprendizagem observacional e à
expansão de classe de equivalência por meio do uso
de software de pesquisa de Spell. Visou-se à observação de como as classes de equivalência estabelecidas
com base em discriminações condicionais aprendidas
por observação podem ser ampliadas por meio de
estímulos associados a outras/novas discriminações
condicionais aprendidas pelas observações.
Carvalho (2004) realizou sua pesquisa, no interior
de uma escola especial, com jovens adultos que apre-
sentavam deficiência mental, visando analisar a relação que eles estabelecem com o conhecimento e a
importância das práticas educativas implicadas no processo de seu desenvolvimento. A pesquisadora apresentou as dificuldades enfrentadas pelos estudantes,
mediante as contradições vividas no processo de
escolarização.
Os trabalhos que analisaram os cursos de formação de profissionais para atuação junto às pessoas com
deficiência mental foram agrupados sob o tema formação profissional, perfazendo um total de 5% das
produções acadêmicas recolhidas. Dechichi (2001),
por exemplo, investiu na transformação do ambiente
da sala de aula em um contexto promotor de desenvolvimento a partir das mudanças na relação professor-aluno. Com base em um referencial ecológico, a
autora defendeu a necessidade de revisão da atuação
bem como da formação do professor. Nessa mesma
direção, Weiss (2003) propôs analisar o processo de
formação em serviço de professores de estudantes
com deficiência mental e, por meio dos recursos oferecidos pela Informática à Educação Especial, desenvolveu estratégias metodológicas para promover o
desenvolvimento de uma postura reflexiva e crítica
dos professores.
Os resumos das produções indicaram que essas
discussões fomentaram o debate entre os pesquisadores que se dedicam a estudar a formação de profissionais que atuam junto às pessoas com deficiência,
pois, na perspectiva da inclusão, há que se pensar em
uma outra configuração para o profissional das diferentes áreas do conhecimento. Alternativas educacionais que minimizem os efeitos da deficiência para o
sujeito requerem dos profissionais orientações teóricas e metodológicas que ofereçam oportunidades de
aprendizagem a todos os alunos.
As produções que tiveram como objeto de estudo as intervenções construídas no âmbito da instituição escolar e que privilegiaram as diferentes formas
de comunicação e de expressão ocorridas entre os
professores(as) e os estudantes, classificam-se como
ensino-aprendizagem. Essa relação foi tema de 4% das
pesquisas desenvolvidas. A incidência desse tema expressa, por um lado, certo otimismo por parte dos
pesquisadores sobre as possibilidades de aprendiza-
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263
gem das pessoas com deficiência mental. Contudo,
por outro, também indicam as dificuldades que as instituições escolares possuem na promoção do ensino
às pessoas com deficiência mental.
Almeida (1993) pesquisou a construção da lectoescrita em estudantes com deficiência mental, tratando dos determinantes da deficiência mental em
interação na sala de aula e na comunidade onde vivem. No entanto, o resumo desse estudo não está
disponível no Portal da CAPES. Com esse mesmo
objeto, temos o trabalho de Melo (2004), tendo por
base a teoria da Modificabilidade Cognitiva de
Feuerstein, ressaltando a importância da interação no
processo de aquisição da leitura e da escrita.
Ferreira (1994) analisou um conjunto de informações obtidas por intermédio de professores, de
mães e de alunos com deficiência mental de uma
instituição especializada, por meio da abordagem
denominada pela autora de sociocultural, a partir da
Teoria da Atividade proposta por Leontiev. Seu trabalho evidenciou que na prática educacional predomina o treino de habilidades básicas, restringindo-se as possibilidades de apropriação de formas
culturais da atividade humana, havendo respaldo em
concepções de desenvolvimento reduzidas a um
somatório de aprendizagens, mesclado com uma
visão inatista.
Ainda nessa perspectiva, por meio do paradigma
indiciário proposto por Ginzbug (1990) 2, Padilha
(2001) construiu estratégias metodológicas de intervenção com Bianca, uma jovem de 17 anos que apresentava agenesia do corpo caloso e seu hemisfério
esquerdo bastante diminuído em relação ao tamanho
do direito. Segundo a avaliação clínica institucional, a
jovem apresentava dificuldades sensoriais, motoras,
verbal e cognitiva, o que lhe conferia o diagnóstico de
deficiência mental.
Tavares Silva (2003) pesquisou as relações de ensino e aprendizagem estabelecidas no interior das salas de recursos a partir de uma análise sociológica. A
autora problematizou o currículo cognitivista presente
no locus de seu estudo. A dissertação de Solér (2001)
enfocou o processo de alfabetização e suas relações
com a construção do conhecimento em uma perspectiva construtivista. As duas produções supra264
citadas, mesmo sendo de orientações teóricas diferentes, trazem em comum críticas ao modelo atual
de ensino das escolas brasileiras bem como ao tipo
de inclusão educacional oferecido por elas.
As pesquisas realizadas por Nunes e cols. (1998)
recomendam a continuidade dos estudos sobre o
processo de ensino-aprendizagem, uma vez que esse
é tratado de forma descontínua, abrangendo vários
assuntos, dentre eles, procedimentos e processos de
aprendizagem de habilidades acadêmicas, sociais, esportivas, artísticas e de comunicações e auto-cuidados. Segundo as pesquisadoras, os aspectos emocionais e afetivos do portador de necessidades especiais
são pouco contemplados se comparados à relevância
atribuída aos aspectos cognitivos.
As produções que enfocaram o impacto dos programas dos cursos oferecidos para os estudantes com
deficiência mental no interior das instituições (especiais ou não) foram identificadas com o tema formação
para o trabalho, perfazendo um total de 5% dos trabalhos pesquisados.
Lucena (1998) e Silva (2000) propuseram-se estudar os programas de educação profissional oferecidos por uma instituição especializada e de que modo
eles se situavam mediante a realidade econômica e
política de seus países (Brasil e Espanha). Os autores
entrevistaram pessoas com deficiência e, entre elas,
aquelas que apresentavam deficiência mental, com o
objetivo de analisar a efetividade dos programas de
reabilitação profissional para a sua inserção no mercado de trabalho. Giordano (1994) deu voz aos trabalhadores com deficiência mental e estudou as representações que eles possuem sobre o trabalho.
As produções que se voltaram para temas relacionados à sexualidade de pessoas com deficiência mental como um atributo que se constitui no processo de
desenvolvimento compreendeu três aspectos
intercambiantes: o biológico, a socialização e o
psicoemocional. Trata-se do papel sexual construído
pela pessoa para viver as suas relações sociais e
interpessoais. Computou-se 2% das pesquisas em
foco estudando esse tema.
Melo (2004) realizou uma pesquisa-intervenção
junto aos professores do Ensino Fundamental que
atuam com estudantes que apresentam deficiência
Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns
mental, e Amaral (2004) estudou a efetividade do
programa de orientação sexual para pessoas com
deficiência mental. Ambas as pesquisas alertam para a
necessidade de se manter, construir e implementar
trabalhos dessa natureza uma vez que esse é um campo ainda pouco referenciado nas pesquisas.
As pesquisas sobre as tecnologias da informação e
da comunicação foram aquelas que trataram dos recursos da Informática como possibilidade para a promoção do desenvolvimento de habilidades das pessoas com deficiência mental. 2% dos trabalhos voltam-se para esse tema.
Franco (2002) analisou os recursos oferecidos pela
Informática no processo de alfabetização de crianças
de 8 a 12 anos com necessidades educativas especiais.
A autora não esclarece no resumo se essa população é
de estudantes com deficiência mental. Carrer (2005)
avaliou a tecnologia de reconhecimento de fala, juntamente com software mestre, para verificar se há viabilidade de utilizá-lo para fins educacionais. O autor analisou 110 crianças com deficiência mental e transtornos fonológicos na faixa etária de 4 a 11 anos, concluindo que o referido recurso constitui-se em instrumento de auxílio para facilitar o processo de identificação
da linguagem nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
As produções que tiveram como objetivo estudar
os processos de desenvolvimento da pessoa com
deficiência mental em uma perspectiva histórico-cultural foram identificadas como constituição do sujeito
e analisou a significação do social nesse processo.
Kassar (2001) apresentou a trama na qual a história
social tem se manifestado na interpretação dos discursos, dos gestos e nas diferentes formas de expressões e de participações nas atividades cotidianas de
oito jovens com idade variando entre 13 e 25 anos.
Trabalhos que trataram das políticas públicas de atendimento à pessoa com deficiência mental, sobretudo
àquelas que são mais comprometidas, foram
registrados. Essa lacuna é também identificada nas legislações brasileiras atuais conforme foi evidenciado por
Kassar (2001). Em que pesem as legislações oficiais
que versam sobre a garantia de ensino a todos, há indícios de que as dificuldades são gestadas no interior de
uma cultura acadêmica que não incluiu em seu projeto
pedagógico o atendimento ao deficiente mental.
O crescimento das produções acadêmicas que
tratam de temas relacionados à educação e à saúde
de estudantes com deficiência mental não esgotam as
indagações sobre as possibilidades de aprendizagem
dessas pessoas. Isso exige dos pesquisadores, contribuições para a descoberta das especificidades
implicadas nesse tipo de deficiência. Assim, entendese ser necessário analisar a tendência teóricometodológica apresentada nos resumos dos trabalhos
pesquisados.
Marcos teóricos e metodológicos das produções acadêmicas
Os resumos das produções acadêmicas, até a presente data, ofereceram possibilidades de identificação das bases teóricas e metodológicas em que eles
se assentam. Registra-se que 27% deles não continham informações a respeito desse aspecto e 30%
dos trabalhos não disponibilizaram os seus resumos
na Base de Dados da CAPES. Contudo, isso não invalidou as reflexões que foram extraídas da ausência, da
pertinência ou mesmo da impertinência de algumas
delas, determinantes na construção da informação.
O referencial teórico-metodológico é de grande
valia para a construção de um trabalho científico, pois
ele orienta o caminho do pesquisador. Assim, dependendo da concepção de sujeito, de ciência, de deficiência, de educação e de aprendizagem, o autor
posiciona-se. Há uma “lente” escolhida para tal empreendimento. Ainda que o pesquisador busque a
impessoalidade ou a neutralidade preconizada pela
ciência positivista, elas também têm suas marcas,
portanto, sua ideologia. A teoria não é um sistema
estático, mas um sistema aberto que possibilita a
interlocução com os momentos empíricos do processo. É necessário, porém, um marco teórico estabelecido.
Nos 43% (53) trabalhos que disponibilizaram os
seus resumos e informaram a abordagem teórica eleita, observou-se a diversificação dos aportes. Destacou-se o sócio-histórico, ou seja, as produções que
definiram os seus aportes como sendo embasados
nos princípios de Vygotsky (1997), com 32% do total informado, e a perspectiva comportamental, mencionada em 23% do conjunto das produções.
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Há predomínio do aporte da ciência positivista
nos trabalhos, com o seu discurso de vanguarda e
com a promessa de modernização do sistema de
ensino por meio de tecnologias. Ao retomarem-se
as críticas ao sistema educacional brasileiro, a partir
de meados de 1980, as idéias de Vygotsky tiveram
boa acolhida nesse cenário, mesmo com interpretações que separavam o referido autor de sua base
teórica original, ou seja, o materialismo histórico,
como discutem Gonzalez Rey (2005) e Duarte
(1999). Segundo os autores, há a tendência em separar Vigotsky do marxismo e do contexto da Psicologia soviética como um fenômeno mundial, vigente por onde a ideologia neoliberal e pós-moderna tem se propagado.
A interpretação do pensamento de Vigotsky pode
ser realizada de diversas formas, dentre elas, associando-o a outras teorias que não se coadunam com o
universo filosófico marxista. Como exemplo disso,
tem-se a sua associação à obra de Jean Piaget. Na
educação e, sobretudo, na Educação Especial, a junção entre os dois pensadores tem se apresentado
como alternativa para os problemas educacionais.
No conjunto das produções, foram detectadas outras abordagens, entre elas, a psicanalítica, a
psicogenética e a ecológica. Ainda que inexpressivas
em números, elas anunciam outras possibilidades de
estudo da educação de pessoas com deficiência mental. Diante disso, entende-se ser pertinente identificar o foco dos estudos que se propuseram pesquisar
a educação de pessoas que apresentam deficiência
mental.
No universo de 64% (78) trabalhos que informaram a população alvo de suas teses e dissertações, 56%
(44) deles citaram como sujeito de suas pesquisas o
estudante com deficiência mental, 16% (12) trataram
dos professores e 13% (10), das famílias. Em uma análise mais profunda, observou-se que houve um esforço na análise dos processos pedagógicos, expressados
em pesquisas sobre as intervenções junto aos estudantes e aos professores. Esse é um indício da preocupação em construir estratégias de ensino apropriadas para
proporcionar aprendizagem e/ou como construção de
recursos técnicos a fim de avaliar e diagnosticar a deficiência do grupo em destaque.
266
A título de ilustração, na dissertação de Valle
(2004), entrevistaram-se jovens adultos com deficiência mental com o intuito de identificar em seus
relatos pessoais fatos que tenham contribuído para
sua inserção no mercado de trabalho. Rubim (2003)
estudou o desempenho acadêmico em Língua Portuguesa e em Matemática de sete jovens adultos
com deficiência mental. A dissertação de Hansel
(2003) estudou as principais dificuldades que oito
professores e 16 alunos encontraram no processo
de avaliação mediadora. Piccolo (2004) realizou
pesquisa experimental com sujeitos que apresentavam deficiência mental. Outras pesquisas também
se destacaram ao dar voz à pessoa com deficiência
mental, dentre elas, as realizadas por Padilha (1994
e 2001), Kassar (2001) e Carvalho (2004). Esses
trabalhos valeram-se de técnicas de pesquisas citadas nos resumos, com destaque para as entrevistas, os estudos de casos, os experimentos e as
observações.
Num conjunto de 55% do universo de 122 trabalhos pesquisados, 67 disponibilizaram os instrumentos empregados nas produções; as entrevistas foram
consideradas os prediletos dos autores, com 19%
(13) do conjunto. Em seguida, está a pesquisa experimental 16% (11), depois a observação 12% (8) e,
finalmente, os estudos de casos 12% (8), havendo
também a conjugação de entrevistas e observações
em 9% (6), cumprindo a tradição de trabalhos dessa
natureza realizados pelas áreas da Educação e da Psicologia. Vale salientar a presença de alternativas de
pesquisas, como a pesquisa-ação, em 9% (6) dos trabalhos, salutar, uma vez que isso pode ser um
indicativo das possibilidades de obtenção de informações sobre uma população que se expressa pela incapacidade de se adaptar às normas vigentes na sociedade. Entretanto, esse é um aspecto que merece
aprofundamentos, extrapolando os limites deste estudo.
Considerações Finais
O levantamento das pesquisas acadêmicas sobre a
deficiência mental possibilitou compreender o lugar
Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns
que nela ocupam os trabalhos direcionados ao processo de aprendizagem da população com deficiência
mental. Considerou-se que esse é um tema inquietante tanto para os pesquisadores quanto para os profissionais que atuam diretamente com as pessoas que
apresentam essa deficiência.
Vale ressaltar que este tipo de pesquisa demonstrou a necessidade de aprimoramento dos bancos e
das bases de dados que registram as produções realizadas pela academia uma vez que vários trabalhos
foram encontrados que poderiam ser analisados por
meio de seus resumos e de seus textos na íntegra se
eles estivessem disponibilizados na Base de Dados do
Portal da CAPES. Um outro aspecto relevante diz
respeito aos descritores referentes às teses e às dissertações catalogadas no Banco de Dados. Eles nem
sempre coincidem com o conteúdo tratado nas produções às quais teve-se acesso. Desse modo, os pesquisadores deveriam dar maior atenção à escolha das
palavras-chaves que identificam o trabalho.
Com relação aos temas tratados no conjunto das
produções acadêmicas, observou-se que as estratégias de avaliação e de diagnóstico bem como as questões relacionadas ao processo de ensino, às interações
sociais, à saúde, à inclusão e à avaliação educacional
sugerem, em uma primeira análise, que o tema aprendizagem foi pouco contemplado 6% (7). No entanto,
todos os temas estão relacionados, ainda que
indiretamente, à necessidade de construção de estratégias para a compreensão do processo de aprendizagem e de desenvolvimento da pessoa com deficiência mental. Essa hipótese se pauta na compreensão
de que a aprendizagem não se refere ao domínio
cognitivo. Ela é, sim, um processo no qual participam, de diversas formas, a subjetividade das pessoas
com deficiência mental. Portanto, essas relações precisam conhecer um tratamento menos reducionista
por parte dos estudiosos.
A aprendizagem é um processo partilhado e
relacional que ocorre nas condições concretas de vida
das pessoas, possibilitando a constituição dos sistemas funcionais cerebrais. O desenvolvimento psicológico resulta da síntese entre os aspectos biológicos
e psicossociais, admitindo a plasticidade cerebral, o
que implica em transformações dos sujeitos envolvi-
dos, por meio das suas diferentes formas de relações
sociais.
Percebeu-se o aumento de trabalhos que se respaldam na perspectiva sócio-histórica como possibilidade de romper com a visão ambientalista de educação, de sujeito e de deficiência, tradicional na educação de pessoas com deficiência mental. As críticas
se referem à redução do processo educativo a uma
lista de objetivos a serem atingidos. Desse modo, elimina-se a função do sujeito que aprende e, conseqüentemente, limita-se o ensino ao preparo de competências para adaptação às atividades humanas.
Com base na perspectiva sócio-histórica, Luz
(1999) e Carvalho (2004) criticaram as práticas educacionais realizadas no interior das instituições
pesquisadas, que se orientavam na compreensão de
que o desenvolvimento é um conjunto de aprendizagens que a pessoa adquire de forma linear e cumulativa, portanto, aprendizagem e desenvolvimento são
entendidos como processos coincidentes. As autoras observaram que as práticas educativas são possibilidades de ampliação da participação social.
A partir dessa percepção, desenvolveram-se proposições sobre a necessidade de um outro modelo
educacional, capaz de possibilitar à pessoa com deficiência mental, com suas diferenças de desenvolvimento, a inserção na escola, no trabalho e em outros
segmentos da sociedade (cf. Carvalho, 2004).
Luz (1999, p. 119) afirma que o processo de
abstração, necessário para o processo de formação de
conceitos, portanto, uma categoria relacional e histórica, não pode deixar de ser considerado como “[...] pensamento hierárquico, categorial e único. Não mais como
a única possibilidade de participação e ‘humanização’”.
Rubim (2003) realizou sua pesquisa fundamentada
em uma perspectiva ecológica, que compreende o
currículo funcional como alternativo de programas de
ensino especial. Conforme já mencionada neste artigo, a autora realizou uma avaliação inicial e processual
do desempenho de jovens e adultos com deficiência
mental quanto à aquisição de conteúdos de Língua
Portuguesa e Matemática. Desse modo, a deficiência
mental é considerada uma condição desarmônica entre o indivíduo e o ambiente no qual ele funciona. Tanto as características do próprio sujeito como os com-
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ponentes ambientais que o circundam poderão impor limitações sobre o seu funcionamento e sua adaptação presente. A avaliação consiste em identificar a
capacidade de adaptação das pessoas com deficiência
mental, requerendo as habilidades para atuar nos
ambientes dos quais ela participa. O ensino visa proporcionar a aprendizagem dos sujeitos sempre em
situação real ou natural. As habilidades devem ser funcionais, visando aumentar a independência do sujeito
em um determinado ambiente e tornando seu comportamento (global e não específico) o mais próximo possível do comportamento de outras pessoas
naquela mesma situação.
Sob essa orientação, Rubim (2003) constatou que
os estudantes participantes da pesquisa apresentaram
evolução significativa nos conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática, relacionados às séries iniciais do
Ensino Fundamental, o que lhe permitiu afirmar que
essas pessoas apresentavam potencial para a aquisição de conceitos necessários para alfabetização, desde que os programas de ensino fossem adequados às
suas características individuais.
Piccolo (2004) entendeu que investigar na área de
equivalência de estímulos facilita a construção de estratégias de ensino que podem ser manipuladas, visando à eficiência da aprendizagem de discriminações
condicionais e a formação de classes de equivalência,
sobretudo na aprendizagem de pessoas com necessidades especiais. Essa terminologia foi empregada pela
autora para se referir aos estudantes que apresentavam deficiência mental. Nesse enfoque, a aprendizagem por observação pode acelerar o processo de
aprendizagem de novos comportamentos que são
aprendidos por meio de modelos, uma vez que eles
fornecem uma demonstração da resposta a ser emitida. Na compreensão de autores da linha
comportamental, a imitação é um processo vinculado a esse tipo de aprendizagem.
Esse tipo de abordagem pode ser viável para o
ensino de diferentes populações. Entretanto, Piccolo
(2004) alerta para a necessidade de mais pesquisas
com estudantes com necessidades educacionais especiais. O uso de alternativas metodológicas para a
aprendizagem dessas pessoas evidencia as suas possibilidades de desenvolvimento cognitivo. O esforço
268
deverá ser para realizar um planejamento que acompanhe o ritmo do estudante, o que requer uma avaliação rigorosa do comportamento dessa pessoa.
O conjunto das produções analisadas, embora
com aportes teóricos e metodológicos diferentes,
mostrou o investimento dos pesquisadores no aprimoramento de conhecimentos sobre diversos aspectos que expressam direta ou indiretamente a
crença nas possibilidades de desenvolvimento das
pessoas com deficiência mental. Acredita-se que ainda há muito que pesquisar sobre os processos de
aprendizagem de pessoas com deficiência mental.
Contudo, as informações obtidas até o presente
momento oferecem subsídios para a reflexão sobre
o tipo de compromisso que se assume com nossas
produções acadêmicas.
Concluí-se, enfim, que ainda há escassez de pesquisas na área, alertando para a necessidade de realização de estudos sobre os processos de aprendizagem de pessoas com deficiência mental, sobretudo
daquelas consideradas mais comprometidas, capazes
de oferecer subsídios para possibilitar o seu desenvolvimento.
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Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 253-274
273
Recebido em: 12/03/2007
Revisado em: 02/10/2007
Aprovado em 17/01/2008
Sobre as autoras
Alexandra Ayach Anache ([email protected]) – Professora Doutora do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – Campo Grande – MS.
Albertina Martinez Mitjáns ([email protected]) - Professora Doutora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília – Brasília – DF.
Notas das autoras
1
Acessamos a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações nos dias: 6, 7 e 8 dez. 2005, 7 mar., 7 jun. e 21 e 23 set. 2006.
Ginzburg (1989) discutiu um paradigma de natureza indiciária, fundamentado na Semiótica, valorizando o aspecto singular, assinalando a importância
dos pormenores negligenciáveis no estudo dos fenômenos. Esses argumentos são apoiados nas formas de conhecimento do perito de arte, do detetive
e do psicanalista. Nos três tipos de conhecimento, há posturas equivalentes de análise, orientadas para signos (na arte), indícios (na investigação do
detetive) e sintomas (na psicanálise). Para maiores aprofundamentos, consultar: GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e história. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
2
274
Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem • Alexandra Ayach Anache e Albertina Martinez Mitjáns
Processos perceptuais e cognitivos na leitura de
palavras: propriedades dos movimentos oculares
Processos perceptuais e cognitivos na leitura de palavras
Elizeu Coutinho de Macedo
Katerina Lukasova
Juliana Emy Yokomizo
Lívia Carolina Ariente
Juliana Koakutu
José Salomão Schwartzman
Resumo
A análise do padrão do movimento ocular auxilia discriminar leitores competentes daqueles com dificuldades de leitura. O padrão de leitura dos
movimentos oculares é afetado por propriedades psicolingüísticas da palavra, tais como: comprimento, regularidade, freqüência e lexicalidade O
objetivo do presente estudo foi analisar o padrão de movimentos oculares durante a leitura em português do Brasil e compará-lo com resultados de
estudos de outras línguas. Os movimentos oculares durante a leitura de palavras e pseudopalavras foram analisados em 20 universitários com idade média
de 20,5 anos (DP=2,9). Os resultados indicam que o número de fixações, tempo da primeira fixação e tempo total das fixações foram influenciados pelas
variáveis, comprimento, lexicalidade e freqüência dos itens. Foi observado efeito de regularidade para todas as variáveis, exceto naquela do número de
fixações. Os resultados obtidos foram semelhantes àqueles encontrados em outras línguas com predomínio de palavras regulares, mas não de palavras
irregulares, como o inglês.
Palavras-chave: leitura; movimentos oculares; linguagem; avaliação.
Perceptual and cognitive processes in word reading: eye movement
characteristics
Abstract
Analyses of eye movement’s pattern contribute significantly to the discrimination between good and poor readers. The pattern of eye movements during
reading is affected by psycholinguistic properties of words such as: length, regularity, and frequency. The objective of the present study was to analyze
eye movements during words and non-words reading in Brazilian Portuguese and compare the results with the data from other languages. Eye
movements during the words and non-words reading were recorded from 20 university students with the mean age of 20.5 years (SD=2.9). Results
showed significant effect of word length, regularity and frequency on number of fixations, first fixation duration and gaze duration. Regularity showed
effect on all of the variables except on number of fixations. The results are similar to those found in languages with predominantly regular orthographies,
but not with the irregular ones such as English.
Keywords: reading; eye movements; language; measurement.
Procesos perceptivos y cognitivos en la lectura de palabras: propiedades
de los movimientos oculares
Resumen
El análisis del padrón del movimiento ocular ayuda a discriminar lectores competentes de aquellos con dificultades de lectura. El padrón de lectura de los
movimientos oculares es afectado por propiedades psico-lingüísticas de la palabra, como por ejemplo: extensión, regularidad, frecuencia y lexicalidad.
El objetivo de este estudio fue analizar el padrón de movimientos oculares durante la lectura en portugués del Brasil y compararlo con resultados de
estudios de otros idiomas. Durante la lectura, los movimientos oculares de palabras y pseudo-palabras fueron analizados en 20 universitarios con un
promedio de edad de 20,5 años (DP=2,9). Los resultados indican que el número de fijaciones, tiempo de la primera fijación y tiempo total de las fijaciones
fueron influenciados por las variables extensión, lexicalidad y frecuencia de los ítems. Fue observado efecto de regularidad para todas las variables,
excepto en aquella del número de fijaciones. Los resultados obtenidos fueron semejantes a los encontrados en otros idiomas con predominancia de
palabras regulares pero no de palabras irregulares, como el inglés.
Palabras clave: lectura; movimientos oculares; lenguaje; evaluación.
275
Introdução
Avaliações padronizadas de desempenhos
comportamentais durante a leitura produziram uma
extensa literatura sobre o reconhecimento de palavras. Tipicamente, nestes estudos, têm sido usadas
medidas de tempo de reação em tarefas de decisão
lexical (Balota & Chumbley, 1984), provas de
categorização semântica (Balota, 1990), nomeação de
palavras (Macedo, 1999; Pulvermüller, Assadollahi &
Thomas, 2001) e leitura auto-monitorada (Kello &
Plaut, 2003). O registro de movimento ocular tem
sido usado em diferentes paradigmas como nas provas de leitura de palavras isoladas (Blanchard, Pollatsek
& Rayner, 1989), nos textos dinâmicos em que as
palavras são precedidas ou seguidas de uma máscara
(Sereno & Rayner, 1992) e na apresentação de sentença (McConkie & Rayner, 1975).
As principais propriedades do movimento ocular,
analisadas nos estudos de leitura são as fixações e os
movimentos sacádicos. As fixações são breves períodos de tempo durante os quais o olho permanece
examinando uma pequena área do estímulo. O movimento que o olho executa para a área de fixação é
chamado de sacada. A função principal da fixação é
analisar detalhadamente o texto no campo foveal, onde
a informação é mais facilmente passível de ser obtida,
ao contrário das regiões parafoveal e periférica
(Rayner, 1998).
Durante a leitura, os movimentos sacádicos e fixações adquirem um determinado padrão que difere do observado em outros tipos de tarefas como
no processamento de paisagens ou objetos (Boyce
& Pollatsek, 1992), mas semelhante ao de leitura de
partitura musical (Land, 2004). Embora a leitura pareça ser um processo fluido e contínuo, na realidade
não o é. As fixações acontecem somente sobre algumas palavras do texto, sendo que as palavras curtas
com 2 a 3 letras são geralmente omitidas, enquanto
que as maiores podem ser fixadas mais de uma vez
(Rayner, 1998). Embora nem todas as palavras sejam fixadas, todas recebem algum tipo de
processamento visual, pois se as palavras não-fixadas durante a leitura de uma frase forem excluídas e
a frase for apresentada novamente, o texto se tor-
nará incompreensível para este leitor (Rayner e cols.,
1996).
Na leitura de textos em voz alta, a fixação dura
cerca de 275 milésimos de segundos e o comprimento
médio de sacadas é de 6 letras. No entanto, antes da
realização de uma sacada propriamente dita, pode-se
identificar um breve período de planejamento, chamado de latência sacádica e dura aproximadamente
de 150 a 175 milésimos de segundos (Abrams &
Jonides, 1988; Rayner, Slowiazete, Clifton & Bertera,
1983; Salthouse & Ellis, 1980; Salthouse, Ellis, Diener
& Sonberg, 1981). A variação na latência afeta a
acurácia da localização da sacada ao alvo a ser lido, o
que sugere que a programação da sacada é feita em
paralelo com o processo de compreensão de leitura
(Jacobs, 1987; Nazir & Jacobs, 1991).
Nas línguas ocidentais, o movimento ocular durante a leitura normalmente ocorre da esquerda
para direita. No entanto, alguns movimentos
sacádicos podem ser observados no sentido inverso, ou seja, da direita para a esquerda. Esses tipos
de movimentos se chamam sacadas regressivas e
acontecem em 10 a 15% de vezes durante a leitura (Starr & Rayner, 2001). Sua função é re-fixar a
palavra a fim de uma nova inspeção, sendo que as
sacadas curtas numa mesma palavra denotam um
problema no posicionamento da fixação, enquanto
as longas mostram dificuldade no processamento
da palavra. As sacadas regressivas, maiores que dez
letras, refletem a dificuldade que o leitor tem na
compreensão do conteúdo. Murray e Kennedy
(1998) observaram diferença entre bons e maus
leitores com relação à precisão das sacadas regressivas. Os bons leitores localizaram a área alvo com
poucas sacadas de alta precisão, já os maus leitores
apresentaram pequenas sacadas regressivas em
busca da área alvo.
Millet e Sparrow (2004) mostraram que o processo de leitura em bons leitores se inicia antes mesmo da primeira fixação e não se dá de forma
seqüencial. Hyönä e Olson (1995) mostraram que a
fixação inicial geralmente acontece na primeira metade da palavra. Caso a palavra seja processada com
sucesso, o olho é movido para outra palavra; no caso
de insucesso, uma segunda fixação de maior duração
276 Processos perceptuais e cognitivos na... • Elizeu de Macedo, Katerina Lukasova, Juliana Yokomizo, Lívia Ariente, Juliana Koakutu e José Schwartzman
é efetuada perto do final da palavra. As informações
que são extraídas antes da primeira fixação estão relacionadas com propriedades físicas e lingüísticas tais
como comprimento da palavra e freqüência de ocorrência da palavra na língua.
O comprimento da palavra determina a localização da primeira fixação e também o número de
fixações dentro da palavra (Pollatsek & Rayner,
1982). Bons leitores tendem a ajustar, aumentar ou
diminuir a amplitude da sacada de acordo com a
amplitude da palavra aumentando a velocidade de
leitura (O’Regan, 1980). Em maus leitores, essa capacidade foi encontrada limitada em palavras com
mais de cinco letras (MacKeben e cols., 2004). Já a
freqüência da palavra é determinada através da contagem de sua ocorrência na forma impressa de uma
determinada língua. Assim, palavras de alta
freqüência são aquelas com alto índice de ocorrência, sendo mais familiares aos leitores. A maior familiaridade com a palavra assim como a maior
previsibilidade contextual, leva à diminuição na duração e no número de fixações (Monaghan & Ellis,
2002; Rayner, 1998).
Estudos nos últimos 70 anos mostram que há
uma correlação entre o aumento da habilidade de
leitura e eficácia no padrão de movimento ocular.
O tamanho das sacadas aumenta de acordo com a
melhora nas habilidades de leitura, enquanto a duração da fixação, o número de fixações e a
freqüência de sacadas regressivas diminuem
(Buswell, 1922). McConkie e colaboradores
(1991) realizaram estudos na língua inglesa e demonstraram que o comportamento do movimento ocular em crianças apresenta maior variabilidade do que em adultos; no entanto, ambos tendem
a normatizar a localização onde o olhar é fixado,
dirigindo-o para a parte central da palavra. Essa
normatização do padrão de movimentos oculares
ocorre com o progresso na aquisição de habilidades de leitura e escrita.
O objetivo do presente trabalho foi verificar se o
padrão de movimentos oculares durante a leitura de
palavras e pseudopalavras de bons leitores da língua
portuguesa apresenta as mesmas características já
encontradas em outros idiomas.
Método
Participantes
Foram avaliados 20 universitários, sendo metade
da cada sexo e com idade média de 20 anos e 6 meses (DP=2,9). Nenhum dos participantes relatou, na
entrevista inicial, ter tido dificuldades para aprender a
ler e escrever. Também não foram observados problemas de leitura de familiares diretos: pais e irmãos.
Os participantes relataram ler em média 6,2 livros
por ano. Todos os sujeitos apresentavam visão normal ou corrigida com pontuação acima de 0,8 na escala Snellen.
Instrumento e equipamento
Foram aplicadas as provas de Leitura de Palavras
Isoladas e Leitura de Pseudopalavras. A Prova de Leitura de Palavras é composta por 96 itens, sendo que
72 são palavras-alvo e 24 são palavras para controle
do início e fim do registro de movimento ocular. As
palavras foram apresentadas em 12 listas de 8 palavras posicionadas em duas colunas de 4 palavras cada.
As palavras foram selecionadas em função das seguintes variáveis psicolíngüísticas: freqüência, regularidade e tamanho. A freqüência foi obtida a partir
da lista de freqüência de palavras da Associação Brasileira de Dislexia (ABD) e aferidas com as do Corpus
NILC da Universidade de São Carlos
(www.linguateca.pt). Com relação à regularidade, as
palavras foram classificadas como: regulares, regras
e irregulares. Nas palavras regulares, cada letra
corresponde a apenas um som e vice-versa (por
exemplo, a palavra pata); nas palavras do tipo regra,
a correspondência letra-som é regulada por regras
de posição (por exemplo, a palavra casa, em que a
letra soa como /z/ porque está entre duas vogais); e
nas irregulares a correspondência não segue regra
alguma, sendo a leitura totalmente arbitrária (por
exemplo, a palavra exército, em que a letra x soa
como /z/) (Lemle, 1991). Por fim, o comprimento
foi analisado da seguinte forma: palavras curtas de 3
a 5 letras; médias de 6 a 8 letras e longas de 10 a 14
letras. Assim, a lista final das palavras alvo (72) contém: 24 palavras regulares, 24 irregulares e 24 regra, sendo 12 de cada uma delas de alta e 12 de
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 275-283
277
baixa freqüência. Destas, 4 são curtas, 4 médias e 4
longas.
A Prova de Leitura de Pseudopalavras é composta
por 48 palavras, sendo que 36 são palavras-alvo e 12
para controle. A disposição dos itens foi a mesma da
Lista de Palavras. As pseudopalavras foram criadas a
partir das palavras de alta freqüência na lista de prova
de palavras isoladas com as seguintes modificações:
para as palavras curtas foi modificada uma letra, para
as médias duas e, para as longas três letras. Foram
modificadas preferencialmente as consoantes, sendo
a substituição feita dentro de mesmo grupo sonoro
(Russo & Behlau, 1993), sem alterar as demais variáveis psicolingüísticas.
As listas foram apresentadas na tela de um computador, com o equipamento EyeGaze® desenvolvido pela LC Technologies Inc. e registra os movimentos oculares. O programa Trace-CronoFonos 1.0
(Macedo, Lukasova, Capovilla, Capovilla &
Schwartzman, 2005) foi usado para análise dos
parâmetros de movimentos oculares e para criação
de tabelas com os seguintes dados: localização e duração de fixações, tempo de início da cada fixação e
duração das sacadas. O programa também registra,
em tempo real, as locuções produzidas pelos leitores
durante a avaliação.
Procedimento
Inicialmente foram conduzidas entrevistas para verificar hábitos de leitura e histórico de possíveis dificuldades de aprendizagem. Os sujeitos que leram pelo
menos 5 livros no último ano e sem histórico familiar
de problemas de leitura, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo comitê
da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em seguida foram submetidos aos testes de leitura no computador. As avaliações tiveram duração média de vinte
minutos. As aplicações foram individuais e cada sujeito era posicionado a uma distância de 50 centímetros
da tela do computador. Foi usada uma mesa
oftalmológica (LF-M4 da DFV S/A) com apoio da cabeça e uma queixeira a fim de evitar movimentos
amplos de cabeça. O equipamento foi calibrado para
cada sujeito. A apresentação dos estímulos foi feita
de forma automática, com o tempo de exposição
dependente do desempenho do próprio sujeito. A
fim de controlar a posição inicial do olho e indicar o
aparecimento de uma nova tela, um ponto intermitente era apresentado, entre as listas de palavras, no
canto superior esquerdo da tela por 800 milésimos
de segundos.
Resultados
Os movimentos oculares durante a leitura dos itens
foram analisados em função das seguintes variáveis
psicolingüísticas: lexicalidade-frequência (alta
freqüência, baixa freqüência e pseudopalavra), comprimento (curta, média e longa) e regularidade (regular, regra e irregular). As variáveis dependentes analisadas foram: Número de Fixações (NF), Tempo da
Primeira Fixação na palavra (TPF) e Tempo de Fixação Total na palavra (TFT).
ANOVA de medidas repetidas revelou efeito principal para lexicalidade-freqüência no NF
(F[2,38]=83,658; p<0,000). Análises Post Hoc
(Bonferroni) revelaram diferença entre os tipos de
palavras, sendo que o NF nas palavras de alta
freqüência foi menor do que palavras de baixa
freqüência, e estas menores do que as pseudopalavras.
Diferença significativa foi encontrada também para TPF
(F[2,38]=138,25; p<0,000), com média crescente
na seguinte ordem: palavras de alta freqüência; baixa
freqüência e pseudopalavras. O mesmo padrão foi encontrado para TFT (F[2,38]=207,64; p<0,000) com
tempo total de fixação crescente pelas categorias: alta
freqüência; baixa freqüência e pseudopalavras. A Tabela 1 sumariza os valores médios e desvio-padrão
dos valores obtidos em função da lexicalidadefreqüência.
O efeito de comprimento também foi analisado
através de ANOVA de medidas repetidas. Resultados mostram que o NF variou nos três grupos, tanto para as palavras (F[2,38]=247,32; p<0,000)
quanto para as pseudopalavras (F[2,38]=222,05;
p<0,000). As médias de NF seguem uma curva crescente para os dois testes na seguinte ordem: curta,
média e longa. O TPF variou tanto para o comprimento como para as palavras (F[2,38]=24,39;
278 Processos perceptuais e cognitivos na... • Elizeu de Macedo, Katerina Lukasova, Juliana Yokomizo, Lívia Ariente, Juliana Koakutu e José Schwartzman
Tabela 1. Valores de média e desvio-padrão para Número de Fixação (NF), Tempo da Primeira
Fixação (TPF) e Tempo de Fixação Total (TFT) em milésimos de segundos em função da lexicalidadefreqüência.
Comparações Bonferroni: a) Palavras de Alta freqüência versus Palavras de Baixa; b) Palavras de Alta freqüência versus
Pseudopalavras; c) Palavras de Baixa freqüência versus Pseudopalavras.
p<0,000) quanto para as pseudopalavras
(F[2,38]=10,41; p<0,000). No entanto, análises Pos
Hoc indicaram não haver diferença entre os itens de
comprimento curto e médio para nenhum dos dois
tipos de itens. De maneira similar, foi observada diferença significativa no TFT em função do comprimento tanto para as palavras (F[2,38]=169,4;
p<0,000) quanto para as pseudopalavras
(F[2,38]=173,75; p<0,000). Como no caso de NF,
as médias de TFT seguem uma curva crescente. A
Tabela 2 apresenta os valores dos três parâmetros
dos movimentos oculares em função do comprimento para as palavras e pseudopalavras.
A Figura 1 ilustra os traçados dos movimentos oculares de um mesmo sujeito lendo palavras e
pseudopalavras. Os traços retos ilustram os movimentos sacádicos, e os círculos as fixações. A duração das
fixações é proporcional ao diâmetro dos círculos.
O efeito de regularidade também foi analisado por
meio de ANOVA de medidas repetidas. O NF não foi
Tabela 2. Valores de média e desvio-padrão para Número de Fixação (NF), Tempo da Primeira
Fixação (TPF) e Tempo de Fixação Total (TFT) em milésimos de segundos em função do comprimento e do tipo do item: palavras e pseudopalavras
Comparações Bonferroni: a) itens curtos versus médio; b) itens curtos versus longo; c) itens médios versus longo.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 275-283
279
Figura 1. Traçados dos movimentos oculares durante a leitura da lista de palavras (esquerda) e de pseudopalavras (direita)
afetado pela regularidade dos itens. Foram observadas diferenças significativas tanto para o TPF
(F[2,38]=4,148; p=0,023) quanto para o TFT
(F[2,38]=10,642; p=0,000). Tais diferenças podem
ser atribuídas principalmente aos itens irregulares que
demandaram mais tempo para as fixações. A Tabela 3
apresenta os valores de média e desvio-padrão para
os parâmetros de movimentos oculares em função
da regularidade dos itens.
Discussão
Os resultados gerais obtidos nesse estudo inédito no Brasil e em língua portuguesa podem ser comparados com aqueles já encontrados em outras línguas e países. Assim, o tempo da primeira fixação e
tempo de fixação total aumentou de acordo com a
familiaridade do leitor com a palavra, sendo este mais
curto nas palavras de alta freqüência e mais longo
nas pseudopalavras. Aumento do tempo indica que
o movimento ocular durante a leitura em português,
como seria de esperar, também sofre efeito de
freqüência encontrado em outras línguas (Rayner,
1998).
O tempo da primeira fixação reflete o acesso
lexical, já o tempo de fixação total representa processo de integração contextual (Inhoff, 1984). De
acordo com Sereno e Rayner (2003), a informação
visual começa a ser processada 60 milésimos de segundos após o início da primeira fixação e o acesso
lexical ocorre dentro dos primeiros 100 a 200 milésimo de segundos da fixação.
Na ausência de um contexto, como foi o caso do
presente estudo, pode se presumir que o tempo de
fixação total reflete o processamento lexical e se-
Tabela 3. Valores de média e desvio padrão para Número de Fixação (NF), Tempo da Primeira Fixação (TPF) e Tempo de Fixação Total (TFT) em milésimos de segundos em função
da regularidade
Comparações Bonferroni: a) regulares versus regra, b) regulares versus irregular, c) regra versus irregular.
280 Processos perceptuais e cognitivos na... • Elizeu de Macedo, Katerina Lukasova, Juliana Yokomizo, Lívia Ariente, Juliana Koakutu e José Schwartzman
mântico integrando também o tempo da vocalização
de palavra. Com base nestes dados, algumas hipóteses podem ser levantadas acerca dos resultados encontrados. No presente estudo, as palavras curtas
freqüentemente receberam somente uma única fixação, com duração média de 540 milésimos de segundos. A primeira fixação em palavras curtas possibilitaria o acesso ao léxico ortográfico e a
verbalização ocorreria de forma simultânea. Já nas
palavras longas o tempo da primeira fixação diminuiu para 390 milésimos de segundos. Como na primeira fixação o acesso ao léxico ainda não seria suficiente para obter toda a informação necessária, o
tempo diminui e o leitor apresenta outras fixações a
fim de garantir a continuidade da decodificação da
palavra (Sereno & Rayner, 2003).
Os resultados de tempo total de fixação, encontrados em universitários brasileiros, diferiram consideravelmente dos estudos em língua inglesa (Starr
& Rayner, 2001). O tempo de fixação em língua inglesa dura aproximadamente 275 milésimos de segundos, enquanto os dados deste estudo variaram
entre 300-800 ms. Essa diferença pode ser
explicada em função de duas hipóteses: características distintas das línguas ou procedimentos diferentes nos estudos. Assim, a primeira hipótese
poderia ser fortalecida pelo tamanho médio das
palavras diferentes nas línguas ou do grau de transparência das línguas, sendo que a língua inglesa é
composta de muito mais palavras irregulares do que
a portuguesa. A alta incidência de ocorrência de
palavras irregulares na língua inglesa tenderia a ser
lida pela rota lexical (Ellis, 1993) enquanto que as
palavras em português poderiam ser adequadamente lidas pela rota fonológica que é mais lenta. Outra
hipótese diz respeito à diferença entre os tipos de
provas usadas. Enquanto que os estudos ingleses
analisam o tempo de fixação durante a leitura de
textos, no presente estudo foram apresentadas
palavras isoladas. A leitura de um texto pode ser
facilitada devido ao contexto em que cada palavra
está inserida (Rayner, Reichle & Pollatsek, 2005),
sendo possível deduzi-la e comprovar essa dedução mais rapidamente do que em palavras aleatórias, tal como as usadas neste estudo.
O número de fixações aumentou, como esperado, de acordo com o comprimento da palavra. Assim, quanto mais letras uma palavra tem, mais fixações são necessárias para sua leitura. Como em cada
fixação é possível extrair a informação de um conjunto limitado de letras, palavras maiores demandarão
mais fixações. Assim, tais resultados podem ser explicados em funções das características do span
perceptual durante a leitura que, segundo Rayner e
colaboradores (2005), é de aproximadamente 3 a 4
letras em bons leitores de língua inglesa. Desta forma, como as palavras longas tinham de 10 a 14 letras,
mais fixações foram necessárias. A redução do span
perceptual foi encontrada em leitores de línguas cuja
ortografia é compacta, tais como Hebraico e Chinês
(Rayner e cols., 2005).
Por fim, não foram observadas alterações no número de fixações com relação à regularidade dos itens.
Tal ausência de efeito pode ser explicada pelo fato
dos sujeitos serem todos universitários e com bom
nível de leitura. De fato, o efeito de regularidade tem
sido encontrado, para medidas de tempo de reação
locucional, principalmente em crianças em fase inicial
de alfabetização e diminuindo à medida que ocorre
progresso nas séries escolares (Macedo, 1999; Pinheiro, 1995). Já as variáveis TTF e TPF apresentaram diferença entre palavras regra e irregulares. Estas duas variáveis de parâmetros de movimentos oculares parecem ser mais sensíveis ao efeito de regularidade do que aquelas de tempo de reação. Assim, o
este estudo apresentou medidas de movimentos oculares como sendo mais sensíveis para o efeito de regularidade.
Para concluir, as propriedades de movimento
ocular, durante leitura em português do Brasil, sofrem efeito de freqüência e tamanho das palavras
apresentadas para leitura o que é condizente com
os achados em outras línguas. O procedimento
usado no presente estudo foi de leitura de palavra
isolada e isto pode ter contribuído com o maior
tempo de fixação e tempo total encontrado em leitores brasileiros. Novos estudos que apresentem
textos, em vez de palavras isoladas, podem encontrar resultados similares àqueles verificados em
outros idiomas.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 275-283
281
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Recebido em: 26/10/2006
Revisado em: 30/10//2007
Aprovado em: 05/11//2007
Sobre os autores
Elizeu Coutinho de Macedo ([email protected]) - Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo e Docente da Faculdade
de Psicologia e Programa de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Katerina Lukasova - Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie e docente da Faculdade de Psicologia, Universidade Cruzeiro do Sul.
Juliana Emy Yokomizo - Aluna de graduação de Faculdade de Psicologia, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Lívia Carolina Ariente - Aluna de graduação de Faculdade de Psicologia, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Juliana Koakutu - Aluna de graduação de Faculdade de Psicologia, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
José Salomão Schwartzman - Doutor em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo e Docente da Faculdade de Psicologia e Programa de
Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Correspondência: Elizeu Coutinho de Macedo ([email protected])
Rua da Consolação, 876; Prédio Amantino Vassão, sala 62 – CEP: 01302-907
Apoio: Mackpesquisa, CNPq
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 275-283
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Escala de atitudes frente à escola: validade fatorial
e consistência interna
Medindo Atitudes Frente à Escola
Patrícia Nunes da Fonseca
Valdiney V. Gouveia
Rildésia S. V. Gouveia
Carlos Eduardo Pimentel
Emerson Diógenes de Medeiros
Resumo
Esta pesquisa objetivou adaptar a Escala de Atitudes frente à Escola (EAE), reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna. Realizaramse dois estudos em João Pessoa. No Estudo 1 participaram 242 estudantes, a maioria de escolas particulares (53,7%) e do sexo feminino (57,7%), com
idade média de 14,3. No Estudo 2 participaram 249 estudantes, predominando aqueles de escolas particulares (51%) e do sexo feminino (54,6%), com
idade média de 14,6. Nos dois estudos, os participantes responderam a EAE e perguntas demográficas. No primeiro estudo, realizou-se uma análise
de Componentes Principais em que se observou a existência de um fator, explicando 33,9% da variância total (α= 0,73). No segundo estudo,
comprovou-se através da análise fatorial confirmatória que este modelo unifatorial era aceitável (AGFI = 0,90 e RMSEA = 0,08), com α= 0,70.
Concluiu-se que esta medida pode ser empregada adequadamente em pesquisas no contexto em que foi adaptada.
Palavras-chave: atitudes; escolas; estudantes.
School attitudes scale: factor validity and reliability
Abstract
This research aimed at adapting the School Attitudes Scale (SAS), jointing evidences of its validity factor and reliability. Two studies were performed in João
Pessoa (Paraíba). In Study 1 participants were 242 students, most of them from private schools (53.7%) and female (57.7%), with a mean age of 14.3
years old. In Study 2 participated 249 students, predominantly from private schools (51%) and female (54.6%), with a mean age of 14.6 years old.
Participants answered the SAS and demographic questions in both studies. In the first study, a Principal Component analysis indicated a unidimensional
structure, accounting for 33.9% of the total variance (α= .73). In the second study, a confirmatory factor analysis revealed as acceptable the one-factor
model (AGFI = .90, and RMSEA = .08), with reliability of .70. It was concluded that this measure can be adequately used in researches in the context
where it was adapted.
Keywords: attitudes; schools; students.
Escala de actitudes frente a la escuela: validez factorial y consistencia
interna
Resumen
Esta investigación tuvo como objetivo adaptar la Escala de Atitudes frente à Escola (EAE), reuniendo evidencias de su validez factorial y consistencia
interna. Se realizaron dos estudios en João Pessoa. En el estudio 1 participaron 242 estudiantes, la mayoría de escuelas privadas (53,7%) y del sexo
femenino (57,7%), con edad promedio de 14,3. En el Estudio 2 participaron 249 estudiantes, predominando los de escuelas privadas (51%) y del sexo
femenino (54,6%), con edad promedio de 14,6. En los dos estudios los participantes respondieron la EAE y preguntas demográficas. En el primer estudio
se realizó un análisis de Componentes Principales en el cual se observó la existencia de un factor explicando 33,9% de la variancia total (α= 0,73). En el
segundo estudio se comprobó, por medio del análisis factorial confirmatorio, que este modelo unifactorial era aceptable (AGFI = 0,90 y RMSEA = 0,08),
con α= 0,70. Se concluyó que esta medida puede ser empleada adecuadamente en investigaciones en el contexto para el cual fue adaptada.
Palabras clave: actitudes; escuelas; estudiantes.
285
Introdução
Em todas as culturas há sistemas organizados,
de maior ou menor complexidade, que preparam
os jovens para sua incorporação à sociedade. Entretanto, nas sociedades industriais desenvolvidas, as
escolas são, por excelência, a instituição encarregada de transmitir conhecimentos, normas e valores
da cultura, fontes basilares para o desenvolvimento
adequado do jovem e da sua inserção à sociedade
(Moreno & Cubero, 1995). De acordo com a Lei
de Diretrizes e Bases (LDB, 1996), a escola deve
ter por finalidade desenvolver as competências dos
alunos a fim de que os mesmos sejam capazes de
refletir e intervir na realidade social, de forma a exercer ativamente sua cidadania. Por conseguinte, é na
escola que a criança e os adolescentes constroem
um conjunto de crenças sobre a sociedade, o contexto escolar, a relação professor – aluno e o processo de ensino-aprendizagem que irão subsidiar
suas atitudes.
Na atualidade, Cavaliere (2002) aponta que a escola têm sido incumbida de assumir responsabilidades e compromissos educacionais bem mais amplos
do que tradicionalmente o fez. Nestes casos, observa-se uma incorporação de responsabilidades que não
são típicas da escola, mas que tem sido desenvolvida
no contexto escolar. Aqui, incluem-se atividades relacionadas à higiene, à saúde, à alimentação e aos hábitos primários (por exemplo, lavar a mão, tomar banho, escovar os dentes). Além disso, constata-se, em
grande parcela do alunado, uma dependência afetiva
que faz dos professores pessoas de referência. Se
tudo isto não bastasse, a escola ainda parece ter a
incumbência, quase que exclusiva, de instruir os alunos na sua formação moral, pois, conforme Tiba
(2002), os pais não estão cumprindo com o seu papel primordial de educar.
Esta situação fica patente quando se observam jovens com problemas de disciplina nas escolas ou ajustamento escolar, realidade cada dia mais corrente
(Garcia, 1999). A propósito, Couto (2005) ressalta
que 80% dos casos de alunos que apresentam comportamentos violentos na escola advém de problemas familiares, principalmente em virtude da falta de
286
estrutura familiar adequada e da ausência de imposição de limites aos filhos.
Diante deste panorama, Cavaliere (2002) enfatiza
que está havendo a ampliação do papel da escola, não
por uma escolha político-educacional deliberada, mas
por uma imposição da realidade social. Desta forma,
a escola tem se tornado uma estrutura organizacional
de grande importância na vida do estudante, a ponto
de oferecer a base necessária para a formação acadêmica, afetiva e social. Não é de surpreender ao se
constatar a fertilidade de pesquisas que abordam o
contexto escolar como objeto de estudo. Na Psicologia do Desenvolvimento e na Psicologia Escolar/Educacional, os temas têm sido tratados sob diversos
ângulos tais como: indisciplina (Couto, 2005; Garcia,
1999), dificuldade de aprendizagem (Oliveira & Santos, 2005; Suehiro, 2006), estratégias de leitura
(Capovilla, Capovilla & Suiter, 2004), afetividade
(Mahoney & Almeida, 2005) e estilos de ensino (Cruz,
Aguiar & Barros, 2004). Na Psicologia Social, os estudos que têm o ambiente escolar como tema central são mais restritos e consideram predominantemente, por exemplo, as relações professor – aluno
(Dell Prette, Dell Prette, Garcia & Puntel, 1998), o
ajustamento social e escolar (Conduct Problems
Prevention Research Group, 1997; Sharma, Mcgue
& Benson, 1996; Sisto & Pacheco, 2002), as atitudes
dos estudantes frente a uma determinada disciplina
(Silva, Brito, Cazorla & Vendramini, 2002) e a influência do grupo na formação do jovem (Emílio, 2004).
Como uma instituição composta de uma diversidade de pessoas (diretores, supervisores, psicólogos,
assistentes sociais, professores, alunos, serventes, etc.)
que pensam, relacionam-se e influenciam-se mutuamente, a escola pode ser compreendida como um sistema
social complexo. Nesta, entretanto, os depositários de
todos os esforços precisam ser os alunos, atores transitórios que precisam se ajustar às regras ali definidas
com o fim de avançar no sistema formal de ensino e
ter possibilidades de um futuro melhor. Isso poderá
depender, no entanto, de como os estudantes percebem ou reagem à escola, isto é, suas atitudes (Cheng &
Chan, 2003). Conhecer as atitudes que os estudantes
apresentam frente à escola deveria contribuir para um
melhor entendimento de alguns dos comportamentos
Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros
presentes neste contexto educacional (por exemplo,
agressão, altruísmo, entrosamento, desajustamento
escolar, fracasso escolar).
O estudo das atitudes no contexto educacional
O estudo das atitudes há muito ocupa os psicólogos, tendo em vista este construto se relacionar
diretamente com o comportamento, objeto último
do seu interesse. Rodrigues (1994) define as atitudes
como um conjunto das crenças, sentimentos e tendências comportamentais das pessoas frente a um
determinado objeto. Em certa medida, elas determinam como as pessoas tomam uma posição frente aos
outros, a algum acontecimento ou objeto específico.
Segundo Myers (2000), as atitudes constituem um
meio eficiente de avaliar o mundo, pois abrangem três
dimensões: afeto (sentimentos), cognição (pensamentos) e comportamento (intenção), constituindo-se
poderosos preditoras do comportamento.
As pesquisas sobre as atitudes no contexto escolar
têm sido bastante diversificadas. Por exemplo, Silva e
colaboradores (2002) procuraram verificar se as atitudes em relação à estatística poderiam estar
correlacionadas com aquelas frente à matemática. Com
outro enfoque, Colares e colaboradores (2002) visaram construir uma medida em que fosse possível conhecer as atitudes dos estudantes de Medicina frente a
elementos relevantes ao exercício de sua profissão futura, como aspectos psicológicos e emocionais presentes nas doenças orgânicas e mentais, situações relacionadas à morte, atenção primária à saúde, doença
mental e contribuição ao avanço científico da Medicina.
De certo modo, pesquisas como estas vêm mostrar um novo foco de interesse na área escolar ou da
educação. Por mais de vinte anos estas estiveram voltadas, predominantemente, em abordar o desempenho acadêmico dos estudantes de uma forma mais
objetiva (isto é, notas nos exames escolares), o que
atendia ao interesse imediato de pensar e modificar
as políticas públicas de educação. Atualmente, entretanto, embora este tema ainda ocupe espaço importante na agenda daqueles que fazem a educação, aspectos mais subjetivos dos estudantes têm recebido
cada vez mais destaque, a exemplo da satisfação do
estudante com a escola, das experiências vivenciadas
e das atitudes apresentadas frente ao contexto escolar (Daly & Defty, 2001), ou mesmo de seus estados
emocionais e das variáveis de autopercepção ou eficácia enquanto aluno (Gouveia, Gaião e Barbosa,
Gouveia & Barbosa, 2004).
Coerente com esta linha de interesse, Willms
(2003) constatou, em pesquisa realizada pelo Programa Internacional de Assistência ao Estudante, que
os jovens que participavam mais das atividades oferecidas pela escola parecem ter melhor relação com
seus colegas e administradores da escola, além de
apresentar um bom desempenho acadêmico. Por
outro lado, aqueles que apresentam atitudes negativas (por exemplo, agredir colegas), de desafeto com
as pessoas inseridas na escola podem, gradualmente,
vir a demonstrar comportamentos desajustados (por
exemplo, brigas, repetência, envolvimento com drogas). Reforçando este aspecto, Duarte (2004) indica
que a falta de envolvimento, interesse e vontade por
parte dos jovens refletem seu descompromisso total
frente às atividades da escola. Esta situação tem se
agravado nos últimos anos e levado um número significativo de jovens a ter problemas com as drogas e
de envolvimento em atos de violência no ambiente
escolar.
Algumas pesquisas têm mostrado que as atitudes
positivas dos estudantes em relação à escola compreendem um fator de ajustamento escolar entre os
adolescentes, exercendo a função de elemento de
proteção quanto à delinqüência e ao uso de substâncias proibidas (Cheng & Chan, 2003; Conduct Problems
Prevention Research Group, 1997; Sharma, Mcgue &
Benson,1996). Desta feita, parece que as atitudes
apresentadas pelos jovens frente à escola podem estar relacionadas a seu ajustamento escolar e, conseqüentemente, ao seu desempenho acadêmico.
Apesar de as atitudes frente à escola compreenderem um construto relevante, especialmente no que
diz respeito à vida acadêmica do aluno, Cheng e Chan
(2003) advertem que as poucas medidas existentes a
respeito abordam aspectos específicos e diferentes
do fenômeno como: engajamento educacional, aspirações educacionais, satisfação escolar, pertencimento
escolar e atitudes escolares. Nenhuma medida prévia
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foi encontrada que considerasse os múltiplos elementos atitudinais, sejam eles, o cognitivo, o afetivo e o
comportamental, que representam as atitudes (Myers
2000; Rodrigues, 1994). Neste contexto, Cheng e
Chan (2003) propuseram uma medida que permitisse atender essas carências.
Mensuração das atitudes frente à escola
Em uma revisão da literatura, dois buscadores foram considerados: Index Psi (2006) e Google Acadêmico (2006), inserindo-se a expressão “atitudes frente
à escola”. Como resultado, encontraram-se 15 publicações nacionais; destas, quatorze foram prontamente
descartadas por não apresentarem relação com o tema
objeto de interesse; e uma única, uma tese de doutorado, dizia respeito à atenção e sua relação com as atitudes de crianças no contexto escolar (Tonelotto, 1998),
mas não apresentou qualquer instrumento de medida
deste construto. Portanto, parece evidente a não existência de instrumento publicado em que se pretendesse avaliar as atitudes dos estudantes frente à escola no
contexto brasileiro. Isso motivou adaptar a School
Attitudes Scale (Cheng & Chan, 2003), cujos estudos
de elaboração e descrição dos seus parâmetros
psicométricos são relatados a seguir. A propósito, realizaram-se dois estudos.
Estudo 1. Procurou-se conhecer evidências acerca
da estrutura fatorial, consistência interna (Alfa de
Cronbach) e validade convergente-discriminante desta medida. 2.105 estudantes do ensino médio de
Wanchai (Hong Kong), com idade média de 14,8 anos
(DP=1,58), sendo a maioria do sexo feminino (61,7%).
Estes responderam a Escala de Atitudes frente à Escola
e indicaram, em uma escala de sete pontos, variando
de 0 (Nenhuma vez) a 6 (Mais de dez vezes), com que
freqüência eles apresentaram alguns comportamentos
(por exemplo, gazear aulas, participar de atividades
extracurricular) nos últimos três meses. Através da
análise fatorial confirmatória, seus autores reuniram
provas da adequação desta medida como sendo
unifatorial, com saturações variando de 0,50 a 0,67, e
índices de ajuste satisfatórios, CFI (Comparative Fit
Index)=0,94 e RMSR (Root Mean Square Error of
Approximation)=0,068; seu Alfa de Cronbach foi 0,81.
Atestando sua validade convergente, esta escala se
288
correlacionou (p<0,001) com estudar junto com colegas (+), participar de atividades extracurricular (+), pegar livros emprestados na biblioteca (+), argumentar com
professores desrespeitando-os em público (-) e gazetear
aulas (-); e, finalmente, sua validade discriminante se
comprovou no sentido de que suas pontuações não se
correlacionaram (p>0,05) com brincar no parque e
confidenciar segredos aos amigos.
Estudo 2. Este teve por objetivos verificar a estabilidade temporal das pontuações desta escala (testereteste) e sua correlação com a medida de desempenho acadêmico. 151 estudantes com idade média
de 15 anos (DP=1,92) participaram. O tempo transcorrido entre as duas aplicações foi de duas a quatro
semanas. Durante o reteste, os participantes indicavam a percepção de seu desempenho acadêmico em
três disciplinas (inglês, chinês e matemática), considerando uma escala de cinco pontos, com três âncoras: 1 = Abaixo da média, 2 = Na média e 3 = Acima
da média. As pontuações para estas três “avaliações”
foram somadas, produzindo uma medida de percepção de desempenho global, possibilitando comparar
os participantes. Sumariamente, a escala demonstrou
ter estabilidade temporal (precisão teste-reteste),
com correlações variando de 0,73 (intervalo de duas
semanas) a 0,68 (intervalo de quatro semanas); as
pontuações nesta medida se correlacionaram
diretamente com aquela de percepção de desempenho global (r=0,25; p<0,01).
Em resumo, os estudos acima descritos permitiram reunir evidências em favor da validade fatorial e
convergente-discriminante da Escala de Atitudes frente à Escola, que também mostrou consistência interna e estabilidade temporal aceitável. Apesar destes aspectos favoráveis desta medida, além de contar com a vantagem de ser curta, formada por apenas nove itens, favorecendo seu uso em pesquisa que
considera outras medidas e/ou que pretendam comparar culturas (Gosling, Rentfrow & Swann Jr., 2003),
nenhum estudo foi encontrado em que esta tivesse
sido adaptada ou empregada ao contexto brasileiro.
Neste sentido, o presente artigo pretende justamente conhecer evidências de validade fatorial e consistência interna da versão brasileira desta medida.
Complementarmente, avalia-se se suas pontuações
Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros
são influenciadas por variáveis de natureza
demográfica (por exemplo, sexo, idade). Para a consecução destes objetivos, decidiu-se realizar dois
estudos, descritos a seguir.
Estudo 1 – Análise exploratória da escala
atitudes frente à escola
Este estudo procurou averiguar que estrutura
fatorial poderia ser mais adequada para representar a
Escala de Atitudes frente à Escola. Neste sentido, deuse ênfase a procedimentos de natureza mais
exploratória, chegando à adequação de se realizar uma
análise fatorial e checando o número de dimensões
que poderiam ser obtidas.
Método
Participantes
Tratou-se de uma amostra de conveniência (nãoprobabilística). 242 estudantes provenientes de escolas particulares (53,7%) e públicas (46,3%) da cidade de João Pessoa, PB participaram voluntariamente. A maioria era do sexo feminino (57,7%), com idades variando entre 11 a 20 anos (M=14,3; DP=1,88).
Esta variável foi transformada em faixa etária, com a
seguinte distribuição: até 13 anos compreenderam
32,5%, de 14 e 15, 39,56% e, finalmente, com 16
ou mais anos, 28,9%. Com relação à escolaridade,
23,2% e 38,4% cursavam, respectivamente, a sexta
e oitava séries do ensino fundamental, e outros 38,4%,
o segundo ano do ensino médio.
Instrumentos
Escala de Atitudes frente à Escola. Este instrumento foi originalmente proposto por Cheng e Chan
(2003), sendo previamente detalhados os estudos que
o embasaram e os parâmetros psicométricos observados. Compõe-se de nove itens (por exemplo, Sinto que sou parte da escola; A vida escolar é chata e
desinteressante), respondidos em escala tipo Likert,
de cinco pontos, variando de 1 = Discordo totalmente a 5 = Concordo totalmente.
Empregou-se o método de back translation com
o fim de criar a versão em português desta medi-
da. Neste sentido, inicialmente esta foi traduzida
do inglês para o português por um pesquisador bilíngüe, e logo esta versão foi traduzida novamente
para o inglês por uma professora do curso de Letras, com habilitação em Língua Inglesa. Seguiu-se,
finalmente, a comparação das duas versões em inglês, contando com a colaboração de uma terceira
pessoa, também bilíngüe. Nenhuma modificação
substancial foi observada, mantendo-se os significados do que se pretendia expressar com cada
item. Deste modo, atestou-se a pertinência da versão em português da Escala de Atitudes frente à
Escola. Contudo, antes de aplicá-la, procedeu-se à
validação semântica. Na oportunidade consideramse 20 estudantes da sexta série do ensino fundamental de uma escola pública. Procurou-se verificar se os itens e o formato da escala de respostas
eram compreensíveis.
Informações Demográficas. Os participantes também responderam quatro perguntas de natureza
demográfica, a saber: idade, sexo, escolaridade e tipo
de escola (pública ou privada).
Procedimento
Os pesquisadores entraram em contato com as
direções das escolas escolhidas, por conveniência a fim
de obter permissão para aplicar os questionários. Após
seu consentimento, a aplicação foi efetuada por dois
colaboradores devidamente treinados. As turmas foram escolhidas pelo pesquisador e, conforme a disponibilidade dos professores e do quadro de aulas, a aplicação ia sendo realizada em ambiente coletivo de sala
de aula. No caso, os colaboradores se apresentavam e
solicitavam a participação dos estudantes no sentido
de responderem individualmente o questionário, identificado como pretendendo conhecer como pensavam
e agiam no seu dia-a-dia. Indicou-se que a participação
seria voluntária, sendo assegurado a todos o anonimato. Deram-se oralmente as instruções gerais de como
proceder no preenchimento dos questionários; os
colaboradores permaneceram em sala de aula durante
toda a coleta, disponibilizando-se a esclarecer eventuais dúvidas dos estudantes. O tempo médio para concluir a participação no estudo foi de aproximadamente
15 minutos.
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Análises de Dados
Para a tabulação e as análises estatísticas dos dados foi utilizado o SPSS (versão 13). Estatísticas descritivas (medidas de tendência central e dispersão)
foram calculadas e efetuadas análises de Componentes Principais. Neste caso, procurou-se previamente
conhecer a adequação de se realizar este tipo de análise, considerando dois critérios: Kaiser-Meyer-Olkim
(KMO), que precisa ser de ao menos 0,60 para suportar este tipo de análise, e o Teste de Esfericidade
de Bartlett, cujo valor do qui-quadrado necessita ser
estatisticamente significativo (Tabachnick & Fidell,
1996). Realizou-se ainda uma análise paralela para averiguar o número de componentes a extrair
(O´Connor, 2000). Finalmente, a consistência interna (Alfa de Cronbach) da estrutura resultante foi calculada, e decidiu-se realizar uma ANOVA univariada
para conhecer o efeito de variáveis demográficas nas
pontuações desta escala.
Resultados
Inicialmente, comprovou-se a adequação de se
realizar uma análise fatorial com a matriz de correlações entre os itens que compõem a medida analisada.
Os indicadores observados são favoráveis à realização desta análise visto que as correlações parciais não
são suficientemente grandes (KMO=0,79) e pode-se
rejeitar a hipótese nula de que a matriz de correlações é de identidade com valores próximos a zero,
fora da diagonal [χ²(36)=393,64; p<0,001). Deste
modo, com o fim de conhecer o número de dimensões da Escala de Atitudes frente à Escola no contexto
brasileiro, decidiu-se efetuar uma análise de Componentes Principais (PC), sem fixar o número de componentes a extrair. Três critérios foram levados em
conta: quantidade de valores próprios (eigenvalues)
iguais ou superiores a 1 (Critério de Kaiser), distribuição gráfica dos valores próprios, tomando como
referência o ponto a partir do qual nenhum outro
componente aporta consideravelmente para a estrutura (Critério de Cattell) e análise paralela. Neste caso,
tomou-se em conta os parâmetros do banco de dados original, considerando 242 participantes e nove
290
itens/variáveis, realizando 1000 simulações. Adicionalmente, teve-se em conta a interpretabilidade da
estrutura resultante. Os resultados destas análises
estão sumarizados na Figura 1.
Como se pode constatar, dois componentes apresentaram valores próprios que atendem o critério de
Kaiser. Especificamente, os componentes tiveram valores próprios de 3,05 e 1,19, respectivamente, explicando conjuntamente 47,1% da variância total. Não
obstante, o critério de Cattell não é suficientemente
esclarecedor; no caso, podem ser defendidas as estruturas uni e bi-fatorial. Neste contexto, a análise
paralela é mais robusta. O primeiro e o segundo componentes gerados aleatoriamente apresentam os valores próprios de 1,31 e 1,20, respectivamente. Este
último é superior ao segundo que foi observado na
análise PC, corroborando a pertinência de se extrair
um único componente. Esta estrutura é coerente com
o modelo inicialmente proposto pelos autores da
medida considerada, sendo assim defensável. Desta
feita, decidiu-se fazer novamente uma PC, atendendo
a esta recomendação. Os resultados são mostrados
na Tabela 1.
De acordo com esta tabela, o componente único
solicitado apresentou saturações geralmente acima de
|0,40|; a exceção foi o item 7 (Vale a pena ir à escola,
mesmo que isso não me ajude a conseguir um emprego), cuja saturação foi 0,27. Contudo, esta
corresponde a uma correlação estatisticamente diferente de zero (t=4,34; p<0,001). Portanto, decidiuse não excluí-lo. A estrutura unidimensional observada apresentou valor próprio de 3,05, explicando
33,9% da variância total. Seu índice de consistência
interna (Alfa de Cronbach) se situou em 0,73.
Conhecendo a estrutura unidimensional deste instrumento, criou-se uma pontuação total (somatório
de todos os seus nove itens), permitindo conhecer
em que medida os jovens estudantes variam em suas
atitudes frente à escola em função de características
demográficas. No caso, estas pontuações entraram
como variável critério, considerando o efeito principal de quatro variáveis antecedentes: idade, sexo, escolaridade e tipo de escola. Uma ANOVA univariada
foi realizada, tendo revelado efeito entre os sujeitos
unicamente para a variável faixa etária [F(2,
Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros
Figura 1. Distribuição Gráfica dos Valores Próprios da Escala de Atitudes frente à Escola.
Tabela 1. Estrutura Fatorial da Escala de Atitudes Frente à Escola.
Nota: *carga fatorial comumente aceita para interpretações dos componentes, |0,30|
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291
212)=3,46; p=0,03]; porém, o teste post hoc de
Bonferroni mostrou inexistir diferenças significativas
entre as três faixas etárias no que se refere às atitudes
frente à escola. Todas as demais variáveis apresentaram um F<1,00.
Em resumo, estes resultados parecem indicar evidências de validade fatorial e consistência interna da
Escala de Atitudes frente à Escola. Não obstante, reconhece-se aqui o caráter essencialmente exploratório
da técnica estatística empregada (PC). As variáveis
demográficas parecem ser pouco preponderantes
para explicar as atitudes dos participantes frente à
escola. Deste modo, planejou-se realizar uma nova
pesquisa, contando com um mínimo de 200 participantes com características demográficas próximas aos
deste estudo, efetuando uma análise fatorial
confirmatória da estrutura desta medida. Este estudo
é descrito a seguir.
Estudo 2 – Testando a estrutura
unidimensional da escala atitudes frente à
escola
Neste segundo estudo procurou-se, primordialmente, comprovar em que medida se poderia assumir adequadamente a estrutura de um único componente para descrever a Escala de Atitudes frente à
Escola. Não obstante, este compreende igualmente
uma ocasião para checar a consistência interna desta medida e avaliar se suas pontuações são influenciadas por características demográficas dos participantes.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 249 estudantes provenientes de escolas públicas (49%) e particulares (51%)
da cidade de João Pessoa, PB. Destes, 30,1% e
31,7%, respectivamente, cursavam a sexta e sétima
séries do ensino fundamental, e os restantes 38,2%
cursavam o segundo ano do ensino médio. A maioria
indicou ser do sexo feminino (55,1%), com idades
variando entre 11 a 20 anos (M=14,6; DP=2,12).
Esta variável, como no estudo anterior, foi transformada, compondo-se de três categorias: até 13 anos
292
(31,4%), 14 e 15 anos (32,6%) e 16 ou mais anos
(36%).
Instrumento
Os participantes responderam a Escala de Atitudes frente à Escola e o mesmo conjunto de perguntas
demográficas previamente descrito.
Procedimento
A aplicação ocorreu em ambiente coletivo de sala
de aula, porém individualmente. Procurou-se seguir
os mesmos passos do estudo anterior, inclusive contando com os dois colaboradores anteriormente recrutados.
Análise dos Dados
Para realização da análise fatorial confirmatória,
empregou-se o AMOS (versão 4); no caso, pretendeu-se testar a adequação do modelo unidimensional.
Considerou-se como entrada a matriz de covariâncias,
tendo sido adotado o estimador ML (Maximum
Likelihood). Este tipo de análise estatística é mais
criterioso e rigoroso do que o anterior (PC), permitindo testar diretamente uma estrutura teórica, como
é o caso da proposta por Cheng e Chan (2003). Esta
análise apresenta alguns índices que permitem avaliar
a qualidade de ajuste do modelo proposto (ver Byrne,
1989; Garson, 2003; Kelloway, 1998; Tabachnick &
Fidell, 1996; van de Vijver & Leung, 1997):
O χ² (qui-quadrado) testa a probabilidade de o
modelo teórico se ajustar aos dados; quanto maior
este valor pior o ajustamento. Este tem sido pouco
empregado na literatura, sendo mais comum considerar sua razão em relação aos graus de liberdade
(χ²/g.l.). Neste caso, valores até 3 indicam um ajustamento adequado.
O Goodness-of-Fit Index (GFI) e o Adjusted
Goodness-of-Fit Index (AGFI) são análogos ao R² em
regressão múltipla. Portanto, indicam a proporção de
variância–covariância nos dados explicada pelo modelo. Estes variam de 0 a 1, com valores na casa dos
0,80 e 0,90, ou superior, indicando um ajustamento
satisfatório.
A Root-Mean-Square Error of Approximation
(RMSEA), com seu intervalo de confiança de 90%
Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros
(IC90%), é considerado um indicador de “maldade”
de ajuste, isto é, valores altos indicam um modelo
não-ajustado. Assume-se como ideal que o RMSEA se
situe entre 0,05 e 0,08, aceitando-se valores de até
0,10 (Garson, 2003; Kelloway, 1998).
Resultados
Assumindo que todos os itens da Escala de Atitudes frente à Escola saturam em um único fator, decidiu-se testar este modelo. Os resultados estão
sumarizados na Figura 2 a seguir.
Todas as saturações (lambdas, λ) ou pesos de regressão são estatisticamente diferentes de zero (0;
t>1,96; p<0,05), sugerindo a pertinência do conjunto de itens considerados. Os indicadores de qualidade de ajuste do modelo uni-fatorial podem ser considerados satisfatórios, como seguem: χ2/gl=2,59,
GFI=0,94, AGFI=0,90, CFI=0,86 e RMSEA
(90%IC)=0,08 (0,06-0,10). A consistência interna
(Alfa de Cronbach) para este fator único foi 0,70.
Finalmente, a pontuação total dos participantes na
Escala de Atitudes frente à Escola foi considerada como
variável critério em uma ANOVA, tendo sido incluídas
como variáveis antecedentes às quatro analisadas no
Figura 2. Estrutura Fatorial da Escala de Atitudes frente à Escola.
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estudo prévio, isto é, faixa etária, sexo, escolaridade
e tipo de escola. Unicamente, a variável sexo do participante se revelou estatisticamente significativa para
diferenciar suas atitudes frente à escola
[F(1,184)=10,25; p=0,002, d=0,05]. O teste post
hoc de Bonferroni indicou que os participantes do sexo
feminino apresentaram atitudes mais favoráveis frente à escola (M=34,7) do que aqueles do sexo masculino (M=32,5), p<0,05. As demais variáveis
demográficas não revelaram efeito principal nas pontuações dos participantes, F<1,60; p>0,05.
Discussão
A presente pesquisa teve como objetivo principal
adaptar a Escala de Atitudes frente à Escola para o contexto brasileiro, conhecendo evidências de sua validade fatorial e consistência interna; procurou ainda
verificar se suas pontuações variam de acordo com
algumas variáveis demográficas (por exemplo, sexo,
idade). Espera-se que estes tenham sido alcançados.
Não obstante, cabe apontar limitações potenciais desta
pesquisa que, embora não a invalidem ou comprometam seus objetivos, demandam pensar criticamente
os resultados previamente descritos. Por exemplo,
incluíram-se amostras de conveniência, não sendo
representativas da população brasileira nem mesmo
da pessoense. Contudo, não foi o propósito do estudo assegurar validade externa dos resultados (generalização), mas conhecer os parâmetros
psicométricos desta escala. Neste sentido, as duas
amostras atendem ao critério mínimo de 200 participantes, requeridos para análises estatísticas mais avançadas a exemplo da análise fatorial confirmatória
(Watkins, 1989). Discutem-se a seguir os principais
resultados.
Na definição do número de fatores a serem extraídos, adotaram-se diversos critérios (Kaiser, Cattell,
análise paralela; Hayton, Allen & Scarpello, 2004), tendo sido corroborada a adequação de assumir um
modelo unifatorial, coerente com o que descrevem
Cheng e Chan (2003). A análise PC no Estudo 1 revelou um componente geral claramente na linha observada por estes autores; um único item (7. Vale a pena
294
ir à escola, mesmo que isso não me ajude a conseguir
um emprego) apresentou saturação abaixo da magnitude comumente recomendada (|0,30|; Gorsuch,
1983), embora estatisticamente diferente de zero.
Cabe assinalar que este item reúne algumas propriedades semânticas não recomendadas [por exemplo,
é relativamente mais cumprido do que os demais; é
condicional (mesmo que) e contém uma negação (não
me ajude); ver Pasquali, 2003. Reescrever este item
ou substituí-lo por outro pode contribuir, por exemplo, para tornar mais clara a estrutura fatorial desta
medida.
No Estudo 2 foi realizada uma análise fatorial
confirmatória que reforçou a adequação da estrutura
unifatorial. Os indicadores de qualidade de ajuste deste
modelo são muito próximos daqueles relatados quando do estudo original de criação desta escala (Cheng
& Chan, 2003, p. 1065), atendendo recomendações
apresentadas na literatura (Byrne, 1989; Garson,
2003; Kelloway, 1998; Tabachnick & Fidell, 1996; van
de Vijver & Leung, 1997) como seguem: χ2/gl=2,59,
GFI=0,94, AGFI=0,90, CFI=0,86 e RMSEA
(90%IC)=0,08 (0,06-0,10). A consistência interna
(Alfa de Cronbach) para este fator único foi 0,70.
Quanto à precisão (consistência interna) da Escala
de Atitude frente à Escola, avaliado através do coeficiente Alfa de Cronbach (α), procedimento comum e
prático de checagem deste parâmetro no marco da
Teoria Clássica dos Testes – TCT (Ledesma, Ibañez &
Mora, 2002), os valores observados nos Estudos 1 e
2 são algo inferiores àqueles encontrados por Cheng
e Chan (2003). Contudo, devem ser encarados como
satisfatórios; cumprem a rule of thumb de ser ao menos 0,70 (Nunnally, 1991; Oviedo & Campo-Árias,
2005), sendo plenamente aceitáveis quando se trata
de medida empregada com fins de pesquisa (Clark &
Watson, 1995; Mueller, 1986), como parece ser o
presente caso. Outros dois aspectos animam pensar
com otimismo acerca deste parâmetro: (1) a escala
não é dispendiosa, contando com menos de dez itens;
e (2) o construto tratado é atitudinal, sendo menos
estável do que se fossem traços de personalidade ou
habilidades. Nestas circunstâncias é comum observar menores coeficientes Alfas de Cronbach (Ledesma
& cols., 2002; Nunnally, 1991; Pasquali, 2003).
Escala de atitudes frente à escola... • Patrícia da Fonseca, Valdiney Gouveia, Rildésia Gouveia, Carlos Eduardo Pimentel e Emerson de Medeiros
Comprovou-se também que as pontuações da Escala de Atitudes frente à Escola não dependem de variáveis demográficas, haja vista que nenhuma variável
conseguiu explicar as diferenças em suas pontuações
através dos dois estudos. É possível que tais atitudes
tenham mais em comum com os valores que guiam a
vida dos jovens estudantes ou as metas de realização
por estes adotadas. Cheng e Chan (2003) constataram que as pontuações dos participantes nesta medida conseguiram explicar sua percepção de desempenho global. Recentemente, Gouveia e cols. (2007)
constataram que jovens estudantes do ensino médio
que pontuaram alto em metas de aprendizagem-aproximação se percebiam como bons estudantes e relatavam maiores notas nas disciplinas Português e Matemática. Contudo, esta presumível relação entre as
atitudes frente à escola e as metas de realização precisam ser empiricamente comprovadas, demandando estudos futuros.
Finalmente, a propósito de novos estudos, caberia replicar o estudo de Cheng e Chan (2003) no que
se refere à estabilidade temporal (teste-reteste) e
validade convergente-discriminante. Quanto a este
último aspecto, poder-se-ia correlacionar (validade
convergente) as atitudes frente à escola com medidas de engajamento ou ajustamento escolar (Conduct
Problems Prevention Research Group, 1997; Sharma &
cols., 1996; Sisto & Pacheco, 2002). Caberia também ter em conta medidas comportamentais (por
exemplo, notas obtidas nos exames, número de faltas, reclamações recebidas na coordenação da escola), correlacionando-as com as pontuações nesta medida. Poder-se-ia, igualmente, correlacionar tais atitudes com alguma medida de desejabilidade social (validade discriminante), descartando este traço como um
viés de resposta, freqüentemente presente em medidas de tipo auto-relato (Ribas Jr., Moura, & Hutz,
2004), como a que aqui é considerada.
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Recebido em: 12/03/2007
Revisado em: 06/06/2007
Aprovado em: 12/06/2007
Sobre os autores:
Patrícia Nunes da Fonseca ([email protected]) - Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba e Psicóloga Clínica.
Valdiney V. Gouveia ([email protected]) - Doutor em Psicologia pela Universidade Complutense de Madri e Professor Adjunto IV da
Universidade Federal da Paraíba.
Rildésia S. V. Gouveia ([email protected]) - Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba.
Carlos Eduardo Pimentel ([email protected]) - Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba.
Emerson Diógenes de Medeiros ([email protected]) - mestrando em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba.
Endereço para correspondência:
Patrícia Nunes da Fonseca
Rua: Silvino Chaves, 625, apto. 402 – Manaíra
58.038-420. João Pessoa, PB.
Nota dos autores:
A presente pesquisa contou com o apoio do CNPq através das bolsas de Doutorado e Produtividade em Pesquisa, concedidas ao primeiro e segundo
autores, respectivamente.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 285-297
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Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem
Status sociométrico de alunos com dificuldades
Renata Cristina Moreno Molina
Almir Del Prette
Resumo
Estudos que investigam a aceitação de alunos com dificuldades de aprendizagem mostram que estes apresentam status sociométrico negativo, indicando
um repertório inadequado de habilidades sociais. O presente trabalho buscou avaliar a promoção de habilidades sociais sobre o status sociométrico
desses estudantes. Os participantes foram divididos em um grupo de intervenção GI (6 alunos com dificuldades de aprendizagem) e dois grupos sem
intervenção GC1 e GC2 (6 e 12 alunos com e sem dificuldades de aprendizagem, respectivamente). Os alunos foram avaliados antes e depois da
intervenção com o Protocolo de Indicação Sociométrica. O Treinamento em Habilidades Sociais com o GI abrangeu 10 sessões de uma hora e meia cada.
A comparação entre as avaliações revelou melhora no status de cinco participantes do GI e em apenas dois participantes do GC1. Os dados obtidos
ressaltam a importância das habilidades sociais na produção de um status sociométrico positivo.
Palavras-chave: dificuldades de aprendizagem; avaliação psicológica; habilidades sociais.
Change in negative sociometric status in students with learning
disabilities
Abstract
Studies that investigate the acceptance of learning disabilities student point out that they present negative sociometric status, indicating an inappropriate
social skills repertorie. This work has evaluated the improvement of social skills in social status of these students. The participants were divided in to one
intervention group GI (6 learning disabilities students) and two without intervention group GC1 e GC2 (6 and 12 students with or no learning disabilities,
respectively). The students were evaluated before and after the intervention with Sociometric Indication Protocol. The Social Skills Training was included
10 sessions of one hour and a half. The comparison between the evaluations showed improvement in social status of five GI participants and two of GC1.
The results obtained show the importance of social skills in the production of a positive sociometric status.
Keywords: learning disabilities; psychological assessment; social skills.
Cambio en el status sociométrico negativo de alumnos con dificultades
de aprendizaje
Resumen
Estudios que investigan la aceptación de alumnos con dificultades de aprendizaje muestran que ellos presentan un status sociométrico negativo, indicando
un repertorio inadecuado de habilidades sociales. Este trabajo buscó evaluar la promoción de habilidades sociales sobre el status sociométrico de esos
estudiantes. Los participantes fueron divididos en un grupo sin intervención GI (6 alumnos con dificultades de aprendizaje) y dos grupos sin intervención
GC1 y GC2 (6 y 12 alumnos con y sin dificultades de aprendizaje respectivamente). Los alumnos fueron evaluados antes y después de la intervención con
el Protocolo de Indicação Sociométrica. El entrenamiento en Habilidades Sociales con el GI abarcó 10 sesiones de una hora y media cada una. La
comparación entre las evaluaciones reveló una mejoría en el status de cinco participantes del GI y en apenas dos participantes del GC1. Los datos
obtenidos resaltan la importancia de las habilidades sociales en la producción de un status sociométrico positivo.
Palabras clave: dificultades de aprendizaje; evaluación psicologica; habilidades sociales.
299
Introdução
Nas últimas décadas, as explicações referentes à
ocorrência do fracasso escolar em nosso meio foram
relacionadas a diferentes terminologias utilizadas no
âmbito educacional, sendo distúrbios e dificuldades
de aprendizagem as mais comuns. No termo distúrbio de aprendizagem se encontra a idéia de se associar o fracasso escolar a características do aluno e de
sua família. Por outro lado, sob o termo dificuldade
de aprendizagem, a ênfase do fracasso escolar está
relacionada à discrepância entre o que se presume
que uma criança seja capaz de aprender potencialmente, sob uma dada situação normal de sala de aula,
e o que ela efetivamente realiza (Almeida e colaboradores, 1995; Weiss, 1992).
Sánchez (2004) e Sisto, Boruchovitch, Fini, Brenelli
e Martinelli (2004), em uma revisão sobre o tema, diferenciam os alunos que apresentam episódios de fracasso escolar, caracterizados como um baixo rendimento, devido a causas extrínsecas (como ensino inadequado, baixa motivação e fatores econômicos), dos
que revelam ter dificuldades de aprendizagem originadas por fatores intrínsecos (caracterizadas por discrepâncias no desenvolvimento dos processos psicológicos como a percepção, a atenção e a memória).
Independentemente de quais aspectos estão envolvidos para dificultar o processo de aprendizagem,
deve-se considerar que a superação do fracasso escolar demanda esforços conjuntos de profissionais
visando não apenas a melhoria dos métodos pedagógicos de ensino, mas também a alteração de outros
fatores do contexto de sala de aula, como a qualidade
das relações sociais entre os alunos e destes com o
professor.
As interações sociais de qualidade são entendidas
como educativas na medida em que representam condições para a aquisição de conceitos, habilidades e
estratégias cognitivas que afetam o desenvolvimento
social e a aprendizagem (Davis, Silva & Espósito, 1989;
Gresham, 2001; Pontecorvo, sd; Romero, 1995;
Vigotsky, 2003). Para Del Prette e Del Prette (2001)
e Vigotsky (2003), a aprendizagem é um processo
de construção do conhecimento que ocorre na
interação do sujeito com a família, com a escola e com
300
a sociedade. Assim, dificuldades neste processo, que
levam ao fracasso escolar, podem ser consideradas
como decorrentes “de uma possível constelação de
fatores de ordem pessoal, familiar, emocional, pedagógica e social que só adquirem sentido quando referidos à história de relações e interações do sujeito
com seu meio, inclusive e, sobretudo, o escolar”
(Almeida e cols.,1995, p.122).
A compreensão das interações estabelecidas pelos alunos e de seus produtos acadêmicos requer uma
análise das características (cognitivas, afetivas e
comportamentais) que influenciam esse processo
(Gresham, 2001; Saint-Onge, 1999). Uma abordagem voltada para a promoção do desenvolvimento
interpessoal dos indivíduos é a das Habilidades Sociais, entendidas por vários autores (Del Prette & Del
Prette, 2001; 2005; Gresham, 2001) como diferentes classes de comportamentos sociais do repertório do indivíduo, que contribuem para a competência
social, favorecendo um relacionamento produtivo e
saudável com as pessoas. A competência social é definida, por esses autores, como a capacidade de articular pensamentos, sentimentos e ações em função
de objetivos pessoais e das demandas da situação e
da cultura, gerando conseqüências positivas para o
indivíduo e para a sua relação com as demais pessoas.
Os critérios de funcionalidade, que definem um comportamento como socialmente competente ou não,
supõem a capacidade do indivíduo em articular as
habilidades sociais em um desempenho social que
atende às demandas da situação e da cultura.
Na infância, um repertório elaborado de habilidades sociais contribui decisivamente para a manutenção de relações harmoniosas com colegas e adultos
sendo o status social, o julgamento positivo por outros significantes, além de alguns comportamentos
adaptativos, como rendimento acadêmico, importantes para a avaliação da competência social (Del Prette
& Del Prette, 2005; Merrell, 1993; Newcomb,
Bukowski, & Patee, 1993). Para Caldarella e Merrell
(1997), Gresham (2001) e Gresham e Elliott (1990),
as crianças que apresentam comportamentos sociais
apropriados reúnem um conjunto de habilidades sociais importantes para o sucesso das interações sociais em idade escolar: oferecer ajuda, cumprimentar,
Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette
juntar-se a grupo de amigos em brincadeira, demonstrar empatia, demonstrar senso de humor, controlar
as emoções, seguir regras, cooperar com outros,
aceitar críticas, iniciar conversação etc.
Conforme alguns autores (Del Prette & Del Prette,
2005; Gresham, 1995; Malecki & Elliott, 2002;
McClelland, Morrison & Holmes, 2000), as crianças
que apresentam dificuldades em habilidades sociais,
definidas como déficits de aquisição ou de desempenho adequados às demandas da situação e da cultura,
comprometem sua competência social de duas formas: na forma encoberta de incômodo, mágoa, ressentimento, ansiedade acompanhada de esquiva ou
fuga das demandas interpessoais (reações não habilidosas passivas ou reações passivas); na forma aberta
de agressividade física ou verbal, negativismo, ironia,
autoritarismo ou coerção (reações não habilidosas
ativas ou reações agressivas).
O repertório de habilidades sociais de crianças pode
ser visto também como um fator para o sucesso acadêmico, dada a constatada associação entre características interpessoais negativas e dificuldades ou distúrbios de aprendizagem (Gresham, 1992; Gresham &
Elliott, 1989; Vaughn & Hogan, 1990; Swanson &
Malone, 1992). Pesquisas nesta área (Del Prette & Del
Prette, 2003; Molina & Del Prette, 2002;
O’Shaughnessy, Lane, Gresham & BeebeFrankenberger, 2002; Romero, 1995) têm mostrado
que as crianças com distúrbios ou dificuldades de aprendizagem apresentam características interpessoais que
incluem, entre outros aspectos, tendência à
agressividade, a interações negativas com companheiros, a apresentarem mais problemas de personalidade, menos comportamentos orientados para tarefa e
um repertório menos elaborado de comportamentos
interpessoais apropriados e desejáveis socialmente. Em
tarefas escolares, Romero (1995) afirma que os alunos
com dificuldades de aprendizagem se distraem mais
(apresentando índices baixos de atenção sustentada) e
são mais dispersivos (levantam-se, falam inoportunamente etc.) que os seus colegas sem dificuldades de
aprendizagem, interagem mais com seus professores,
exigindo maior atenção (embora esta tenha caráter
corretivo, em respostas às distrações) e participam
menos das iniciativas de grupo.
Essa caracterização negativa do desempenho social de crianças com dificuldades de aprendizagem
aparece na avaliação de seus pais (Marturano, Linhares
& Parreira, 1993; Melo, 2004), professores (Fad,
1989; Maluf & Bardelli 1991; Marturano & Loureiro,
2003) e colegas (Stone & La Greca, 1990; Vaughn &
Hogan, 1990; Vaughn, McIntosh & Spencer-Rowe,
1991), sendo a destes últimos a que mais tem recebido atenção da literatura, já que os pares fornecem
uma importante perspectiva do repertório
comportamental de crianças em idade escolar.
Alguns autores (Garcìa & Musitu, 1993; Parker &
Asher, 1987; Stone & La Greca, 1990) têm mostrado que as informações que o estudante recebe de
seus pares repercute em sua auto-avaliação social e
afeta o desempenho acadêmico, além de predizer
problemas posteriores como ajustamento, sucesso
escolar e no trabalho. Estudos que investigam a aceitação por pares na escola (Asher & Coie, 1990;
Gresham, Sugai & Horner, 2001; Parker & Asher,
1987; Stone & La Greca, 1990; Vaughn & Hogan,
1990; Vaughn, McIntosh & Spencer-Rowe, 1991) têm
mostrado que os alunos com dificuldades de aprendizagem são menos aceitos que seus colegas com bom
desempenho acadêmico.
Um procedimento muito utilizado em pesquisas
para medir o status social, a popularidade e aceitação/
rejeição de alunos por seus colegas de sala é a avaliação
sociométrica. Alguns procedimentos sociométricos
permitem a identificação das crianças rejeitadas, negligenciadas, populares e controvertidas da escola e destacam as seguintes características interpessoais associadas a esse status (Coie, Dodge, & Coppotelli, 1982;
Frentz, Gresham, & Elliott, 1990):
• Populares: alunos vistos como cooperativos e
líderes e que tendem a exibir mais comportamentos sociais apropriados;
• Rejeitados: alunos mais disruptivos e briguentos,
menos cooperativos e com poucas características de liderança;
• Controvertidos: alunos que tendem a oscilar
entre comportamentos sociais apropriados e
comportamentos disruptivos;
• Negligenciados: alunos que apresentam timidez,
isolamento social e são ignorados em sala.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 299-310
301
Coie, Dodge e Coppotelli (1982) avaliaram a aceitação de crianças em idade escolar por meio do procedimento de Indicação Sociométrica, o qual consiste
no registro dos nomes dos colegas mais queridos e
dos menos queridos em um determinado grupo, permitindo a sua classificação em um dos status
sociométricos apresentados anteriormente. Os estudos que utilizaram este sistema de classificação encontraram os estudantes com dificuldades de aprendizagem bastante representados no status rejeitado e
negligenciado e pouco representados no status popular (Asher & Coie, 1990; Bryan & Sherman, 1980;
Stone & La Greca, 1990; Vaughn & Hogan, 1990;
Vaughn, McIntosh & Spencer-Rowe, 1991).
Para Asher e Rose (1999), uma explicação plausível para o status negativo é que as dificuldades de
aprendizagem tornam-se visíveis aos colegas da sala
nos primeiros dias do semestre letivo e, como as
habilidades acadêmicas são bastante valorizadas pelo
professor, a rejeição dos alunos estaria condicionada
a um baixo desempenho em tarefas escolares. Por
outro lado, para Coie e Dodge (1983), Del Prette e
Del Prette (2005) e Gresham, Sugai e Horner (2001),
a representação em um destes status negativos seria
um indicativo de um repertório inapropriado de habilidades sociais, o que, por sua vez, prejudicaria a
competência acadêmica.
As crianças que apresentam comportamentos sociais apropriados são hábeis para entender as regras
sociais, interagir com pares e adultos e regular suas
emoções, especialmente as negativas e, por isso, estariam representadas no status popular (Coie & Dodge,
1983; Del Prette & Del Prette, 2005; Miras, 2004).
Em contrapartida, as crianças com comportamentos
sociais inapropriados (agressivos, disruptivos, timidez etc.) estariam representadas nos status rejeitado
e negligenciado por apresentarem um repertório deficitário de habilidades sociais que se refletiria também sobre o desempenho acadêmico (Elliott &
Greham, 1993; Stone & La Greca, 1990). Para
Gresham (2001), a aceitação por pares estaria vinculada a habilidades como: cooperar, oferecer apoio,
liderar pares e formar grupos, enquanto que as habilidades de exibir atitudes esnobes, agredir
indiretamente, iniciar brigas e romper grupos seriam
302
os principais comportamentos “responsáveis” pela
rejeição dos alunos em sala de aula.
Ainda que não se disponha de normas de referência, a validade social das medidas sociométricas, em
termos de sua correlação com problemas psicológicos, tem sido demonstrada por diferentes estudos (Coie
& Kupersmidt, 1983; Parker & Asher, 1987). Na literatura especializada ainda são poucos os estudos que
investigam o status sociométrico de crianças em idade
escolar, sendo ainda mais escassos aqueles que investigam programas voltados à melhoria da aceitação dos
alunos com dificuldades de aprendizagem por seus pares (Elliott & Greham, 1993; Gresham, Sugai & Horner,
2001; Vaughn & Hogan, 1990; Vaughn, McIntosh &
Hogan, 1990). Um estudo conduzido por Molina (2003)
mostrou os efeitos do Treinamento em Habilidades
Sociais sobre o desempenho social e acadêmico de alunos com dificuldades de aprendizagem. O Treinamento em Habilidades Sociais consistiu em atividades lúdicopedagógicas estruturadas previamente e organizadas
em ordem crescente de complexidade. O registro do
repertório acadêmico dos alunos foi efetuado por meio
de uma avaliação formal das habilidades de leitura, nomeação e ditado, e o de habilidades sociais por meio
da auto-avaliação e da avaliação pelos colegas e professores. Os resultados mostraram que o grupo que participou da intervenção em habilidades sociais, além de
ter apresentado aumentos percentuais em leitura e escrita, mostrou melhorias acentuadas no repertório
social, em termos da auto-avaliação e avaliação pelos
professores, e alterações positivas no status de 50%
de seus participantes. Esses resultados fortalecem a
idéia da importância da promoção de habilidades sociais em alunos com dificuldades de aprendizagem.
Mesmo tendo sua importância reconhecida, o repertório de habilidades sociais dos alunos não tem sido
explorado para a maximização da aprendizagem. Isto
ocorre porque há uma tendência em se acreditar que
as crianças podem adquirir as habilidades sociais como
parte do processo de desenvolvimento ou como produto da educação formal. O desenvolvimento
interpessoal pode, no entanto, ser promovido por treinamento de habilidades sociais, que representa um intento direto e sistemático de ensino de estratégias e
habilidades interpessoais aos indivíduos com o objetivo
Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette
de melhorar a qualidade de suas interações sociais
(Curran, 1979; Del Prette & Del Prette, 1999; 2005).
Neste sentido, o Treinamento em Habilidades Sociais
se configuraria como uma alternativa interessante para
reduzir a baixa aceitação de alunos com dificuldades de
aprendizagem, na medida em que o desenvolvimento
do repertório social destas crianças repercutiria positivamente na avaliação pelos colegas, afetando seu
autoconceito (representações sobre aspectos como
capacidades intelectuais) e o próprio ato de aprender
(Garcìa & Musitu, 1993; Miras, 2004).
Com base nestas considerações, pode-se supor
que a promoção de habilidades sociais em crianças
com dificuldades de aprendizagem rejeitadas, negligenciadas ou controvertidas geraria avaliações mais
positivas por seus pares. Neste sentido, a pesquisa
ora relatada buscou elaborar e aplicar um programa
de treinamento de habilidades sociais de crianças com
dificuldades de aprendizagem simultaneamente incluídas nos status rejeitado, negligenciado ou controvertido; avaliar os efeitos da promoção de habilidades sociais sobre o status sociométrico desses alunos.
Método
Participantes
Participaram deste trabalho 24 estudantes de ambos os sexos, sendo doze com dificuldades na aprendizagem da leitura e doze sem dificuldades, todos de
duas escolas do ensino fundamental de uma cidade do
interior de São Paulo (dezoito alunos da escola A e
seis da escola B). A idade dos alunos variou de nove a
12 anos. Dos 15 alunos com dificuldades de aprendizagem inicialmente apontados pelas professoras (oito
da escola B e sete da escola A), foram selecionados
os doze que apresentaram ausência de leitura em uma
tarefa com quinze palavras e que, concomitantemente,
se enquadraram em um dos status negativos (controvertido, negligenciado e/ou rejeitado), segundo avaliação feita pela pesquisadora com o Protocolo de Indicação Sociométrica (Coie, Dodge & Copottelli, 1982).
Para compor a amostra de alunos sem dificuldades de
aprendizagem foi escolhida, por indicação da diretora
da escola, a sala com os alunos de melhores rendimentos acadêmicos do local1. A Tabela 1 mostra a
composição dos grupos de alunos DA (com dificuldades de aprendizagem) e NDA (sem dificuldades de
aprendizagem) selecionados pela pesquisadora e o
status sociométrico revelado por esses participantes.
O Grupo de Intervenção (GI), composto por seis
alunos com dificuldades de aprendizagem (todos da
mesma sala-escola B), passou pelo programa de Treinamento em Habilidades Sociais. Os alunos do GC1 e
GC2 não passaram por intervenção. Dos sete alunos
indicados pela professora do GC1 foram selecionados
seis (por sorteio) para compor uma amostra equivalente ao GI. Para compor o GC2 foram selecionados
os doze alunos com altos rendimentos apontados pela
professora, os quais serviram como grupo de comparação da diferença ente alunos com e sem dificuldades acadêmicas (grupo de referência). O critério
de escolha entre GI e GC1 para passar pelo programa de intervenção foi a disponibilidade imediata da
diretora da escola do primeiro grupo.
Instrumento
Para avaliar as crianças antes e depois da intervenção, o Protocolo de Indicação Sociométrica (Coie,
Dodge & Copottelli, 1982) foi utilizado, no qual se
pede que cada criança da classe liste três colegas que
ela mais gosta e três que ela menos gosta. Os resultados dessa avaliação produzem dois escores imediatos (“gosto mais” e “gosto menos”) e dois posteriores: impacto social (soma dos dois imediatos) e preferência social (diferença entre “gosto mais” e “gosto
menos”). Esses indicadores permitem identificar as
crianças que se encaixam nos status apresentados ou
em nenhum deles (nenhuma categoria).
Procedimento
A aplicação dos instrumentos de avaliação ocorreu nas escolas dos participantes (A e B), ambas situadas em um município do interior de São Paulo. O Trei-
1 Cabe destacar que na sala dos alunos com dificuldades de aprendizagem existiam estudantes sem dificuldades, porém com rendimento médio e,
portanto, não foram incluídos na pesquisa.
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303
Tabela 1. Descrição geral dos grupos de alunos selecionados pela pesquisadora após a indicação
inicial de suas respectivas professoras.
namento em Habilidades Sociais (THS) foi conduzido
na sala dos participantes no horário de aula.
Fase I: Avaliação pré-intervenção
Após a assinatura do termo de consentimento livre, esclarecido pelos pais ou responsáveis, os alunos com dificuldades de aprendizagem (indicados
pelas professoras do GI e GC1) foram avaliados pela
pesquisadora em uma tarefa que envolvia a leitura
de 15 palavras simples (bule, gaveta, sino, rádio,
suco, goiaba, rio, fogo, caju, tijolo, rede, macaco,
mapa, roda e cabide), apresentadas em folhas sulfite
com letra arial fonte 16. Os alunos que apresentaram ausência completa de leitura (porcentagem
zero) nessa tarefa foram inicialmente selecionados
pela pesquisadora.
Em seguida, esses alunos foram avaliados pela pesquisadora por meio do Protocolo de Indicação
Sociométrica (Coie, Dodge & Copottelli, 1982). Para
a aplicação deste instrumento, realizada individualmente, perguntava-se à criança: a) Quais as três crianças de sua sala que você gosta mais, que você está
304
sempre junto, que gosta de brincar, conversar? e - Quais
as três crianças de sua sala que você não gosta, não
fica junto, não brinca, não conversa? Os nomes citados e a avaliação correspondente eram circulados
no protocolo. Assim que o participante terminava a
avaliação, enfatizava-se a possibilidade de mudança
nas relações de amizade como forma de minimizar
efeitos indesejáveis da própria avaliação. Lembrando que os alunos com dificuldades de aprendizagem
que se enquadravam nos status negligenciado, controvertido ou rejeitado foram selecionados para compor o GI e o GC1.
Fase II: Intervenção em Habilidades Sociais
O Treinamento em Habilidades Sociais abrangeu
10 sessões de uma hora e meia cada e foi realizado
na sala de aula do Grupo de Intervenção (GI). Foram utilizados procedimentos lúdico-pedagógicos associados a técnicas de modelação, instrução, solução de problemas, feedback, role-playing etc.
(Caballo, 1987; Del Prette & Del Prette, 2001;
Gresham, 1995; 2001). O programa de promoção
Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette
de habilidades sociais foi previamente planejado tendo em vista uma organização das habilidades consideradas significativas para os alunos em idade escolar (Caldarella & Merrell, 1997; Givvin, Stipek,
Salmon & Mac Gyvers, 1998; Gresham, 2001;
Gresham & Elliott, 1990). As sessões, previamente
construídas pela pesquisadora, incluíam diferentes
vivências, baseadas em Del Prette e Del Prette
(1999), incluindo três partes: parte inicial – verificação de tarefas de casa e atividades de aquecimento
que já podiam incluir algumas habilidades básicas
(observação, atenção etc.); parte central – aplicação de procedimentos relacionados aos objetivos do
programa, por exemplo, treinamento das habilidades de elogiar, perguntar, discordar etc.; parte final
– avaliação da sessão e atribuição de tarefas de casa.
Estas tarefas consistiam em atividades atribuídas aos
participantes para promover a generalização das aquisições. Por exemplo, se em uma sessão era ensinado o comportamento de elogiar, era proposta como
tarefa que os participantes emitissem três elogios
para pessoas próximas (pai, mãe, colegas de sala etc)
naquela semana. No início da sessão seguinte, o participante relatava a experiência.
Fase III: Avaliação pós-intervenção
Os alunos foram novamente avaliados pela pesquisadora por meio do Protocolo de Indicação Sociométrica
(Coie, Dodge & Copottelli, 1982).
Resultados e Discussão
Os dados envolvendo os três colegas indicados
(em termos de “mais gosto” e “menos gosto”) foram
tratados para identificação dos alunos rejeitados, controvertidos, populares e negligenciado da sala de aula e
para verificação da situação dos participantes com e
sem dificuldades de aprendizagem deste trabalho,
antes e depois da intervenção. Este tratamento envolveu a computação dos escores de “gosto muito”
(GM), “não gosto” (NG), “preferência social” (PS) e
“impacto social” (IS). Os escores GM e NG foram
baseados no número total de indicações que cada aluno recebeu, enquanto os escores de PS e IS foram
obtidos através do seguinte cálculo: PS = GM – NG
e IS = GM + NG , respectivamente. A normalização
dos dados da sala de aula para cada um destes indicadores foi feito por meio da fórmula: [(x - x)/σ], onde
x = valor obtido pelo participante em termos de GM,
NG, PS e IS; x = valor médio de todos os participantes da sala em termos de GM, NG, PS e IS; σ = desvio padrão dos alunos da sala. Assim, foi possível a
classificação dos alunos, segundo os critérios, em: populares
(PS > 1; GM > 0 e NG < 0); rejeitados (PS < 1; NG > 0 e
GM < 0); negligenciados (IS < 1 e GM = 0) e controvertidos (IS > 1 e GM e NG > 0). Os alunos que não se
enquadraram em uma das classificações explicitadas acima permaneceram sem status (nenhuma categoria).
Figura 1. Resultados da avaliação inicial (pré-intervenção) e final (pós-intervenção) do
Protocolo de Indicação Sociométrica dos grupos
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 299-310
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A Figura 1 mostra os resultados da avaliação inicial
(pré-intervenção) e final (pós-intervenção) do Protocolo de Indicação Sociométrica das crianças com dificuldades de aprendizagem que passaram por intervenção
(GI) e daquelas com dificuldades (GC1) e sem dificuldades (GC2) que não passaram por intervenção.
Os dados apresentados na Figura 1 mostraram que,
na pré-intervenção, das crianças com dificuldades de
aprendizagem (GI e GC1), nove eram rejeitadas (75%),
uma delas era controvertida (8,33%) e duas eram negligenciadas (16,67%). Os resultados das crianças sem
dificuldades de aprendizagem (GC2) nessa mesma avaliação mostraram que quatro desses alunos eram populares (33,33%), um era controvertido (8,33%) e
os demais não foram incluídos em categorias distintas
(58,33%). Os dados gerais obtidos confirmaram os
estudos de Bryan e Sherman (1980), Elliott e Gresham
(1993), Stone e La Greca (1990), Vaughn e Hogan
(1990) e Vaughn, McIntosh e Spencer-Rowe (1991)
que têm mostrado que os alunos com dificuldades de
aprendizagem são menos aceitos que seus colegas com
desempenho acadêmico satisfatório.
A avaliação por grupo mostrou que, na pré-intervenção, das seis crianças componentes do GI, quatro eram
rejeitadas (66,66%), uma era controvertida (13,33%)
e uma era negligenciada (13,33%). Na pós-intervenção,
apesar de um participante ter continuado a ser repre-
sentado no status controvertido (13,33%), os demais alunos do GI deixaram de ser rejeitados e negligenciados
(86,66%), confirmando pesquisas que demonstraram
efeitos positivos da promoção de habilidades sociais
sobre a aceitação de alunos com dificuldades de aprendizagem por seus colegas de sala de aula (Molina, 2003;
Vaughn & Hogan, 1990; Vaughn, McIntosh & Hogan,
1990; Vaughn, McIntosh & Spencer-Rowe, 1991).
Os dados do GC1 mostram que na pré-intervenção, cinco crianças eram rejeitadas (83,33%) e uma
era negligenciada (16,67%); na pós-intervenção, apesar de um participante ter deixado de ser negligenciado (16,67%) e um não ter sido incluído um uma categoria distinta (16,67%), quatro participantes do CC1
(66,67%) continuaram sendo representados no status
rejeitado. Quanto aos doze participantes sem dificuldades de aprendizagem do GC2 nas duas avaliações,
uma elevada porcentagem dos alunos desse grupo foi
enquadrada no status popular (33,33% antes e 41,66%
após a intervenção) e em nenhuma categoria (58,33%
antes e após a intervenção). Os dados do GC1 e GC2
confirmam os achados de Coie e Dodge (1983) sobre
o grau de estabilidade de um sujeito dentro de um status.
A Tabela 2 mostra o desempenho geral dos grupos
na comparação entre pré e pós-intervenção, indicando
mudanças positivas (melhora de status), negativas (piora de status) e sem mudanças (manutenção do status).
Tabela 2. Porcentagem de alunos dos três grupos que permaneceram no status original e dos que
obtiveram mudanças positivas e negativas na pós em comparação com a pré-intervenção
Legenda: DA=alunos com dificuldade de aprendizagem; NDA=alunos sem dificuldade de aprendizagem; N=número de
participantes.
306
Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette
Os dados mostraram que a maioria dos alunos do
GI apresentou mudanças positivas em seus status
(83,33%), enquanto que a maior parte dos estudantes do GC1 e GC2 permaneceu com o mesmo status
da pré-intervenção (50% e 83,33%, respectivamente). A estabilidade revelada pelo GC1, aliada à piora
de status de um participante desse grupo, e a melhora no status da maioria dos alunos do GI, sugeriram
que a melhor aceitação pelos colegas pode ter sido
um reflexo de relações interpessoais mais satisfatórias
entre estes e os estudantes avaliados, indicando benefícios do Treinamento em Habilidades Sociais sobre a avaliação do repertório social de alunos com
dificuldades de aprendizagem.
Conforme Givvin, Stipek, Salmon e Mac Gyvers
(1998), comportamentos sociais adequados geram
avaliações mais positivas pelos pares na escola. Isto,
porque em todos os níveis de escolaridade os alunos
atribuem uma importância primordial aos aspectos
afetivos e de relação interpessoal em sala de aula.
Mesmo considerando o número reduzido de participantes da pesquisa ora relatada, o programa de
intervenção conduzido com o GI se mostrou efetivo
e coerente com as metas previamente estabelecidas,
apontando o Treinamento em Habilidades Sociais como
uma alternativa para reduzir a baixa aceitação de alunos com dificuldades de aprendizagem no ensino brasileiro. Uma hipótese explicativa para a positividade
dos resultados com o GI aponta que o desenvolvimento do repertório social das crianças desse grupo
repercutiu positivamente na avaliação pelos colegas
de sala de aula, diminuindo a porcentagem de rejeição
encontrada na avaliação inicial daqueles estudantes.
Uma outra hipótese diz respeito ao fato da inclusão
de pares com bons rendimentos acadêmicos e sociais na intervenção aumentar a probabilidade de seguimentos de modelos pelos alunos com dificuldades de
aprendizagem, auxiliando a generalização das mudanças vivenciadas no treinamento (Vaughn, 1991).
Uma outra explicação para a alteração de status
registrada pelos estudantes do GI nas duas avaliações
refere-se ao fato de todos os alunos desta sala terem
participado do programa de intervenção, o que pode
ter contribuído para que os pares “socialmente normais” avaliassem de maneira mais positivas seus cole-
gas com dificuldades de aprendizagem. Esse fato pode
ainda ter sido reforçado pelo comando verbal emitido pela pesquisadora no momento da aplicação do
instrumento utilizado, “Assim que o participante terminava a avaliação, enfatizava-se a possibilidade de
mudança nas relações de amizade como forma de
minimizar efeitos indesejáveis da própria avaliação”.
Novas pesquisas visando avaliar o status
sociométrico de crianças com dificuldades de aprendizagem com um maior número de participantes,
possibilitando a inclusão de avaliações estatísticas, são
necessárias e relevantes à área. A inclusão de um número razoável de participantes na pesquisa pode promover um rol maior de conhecimento sobre os tipos
de déficits sociais encontrados em alunos com dificuldades de aprendizagem, auxiliando a descoberta
de procedimentos de intervenção mais efetivos para
estes estudantes.
A realização das pesquisas nesta área exigirá iniciativas para a resolução dos diversos empecilhos típicos em trabalhos conduzidos com seres humanos.
Os problemas mais comuns referem-se à falta de assiduidade dos alunos na escola e à dificuldade da obtenção da assinatura do termo de consentimento pelos pais. Assim, torna-se emergencial a necessidade
de programas voltados a uma maior participação dos
pais sobre as decisões relacionadas à educação de seus
filhos, conscientizando-se acerca de suas dificuldades
acadêmicas e da necessidade de recursos específicos
para o ideal desenvolvimento das potencialidades destes alunos.
Um outro ponto a ser considerado é que, apesar
de representarem uma variável importante para o
ensino e para a aprendizagem, as habilidades sociais
têm constituído um subproduto esperado mais do
que um objetivo planejado para a educação escolar
(Asher & Rose, 1999). Isto ocorre porque, de certa
forma, há uma tendência em se acreditar que tais habilidades são adquiridas espontaneamente no processo de desenvolvimento. Por outro lado, a promoção
de habilidades sociais em sala, que envolveria um certo domínio conceitual e metodológico dessa área por
parte do professores, passa a ser um produto
incidental de sua experiência cotidiana e, quando ocorre, não se respalda em concepções e estratégias ade-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 299-310
307
quadas de ensino (Del Prette & Del Prette, 1997).
Assim, a concretização dos objetivos de promoção
de interações sociais educativas, em sala de aula, requer a elaboração de novas pesquisas voltadas para a
construção e aplicação de programas que orientem o
professor no sentido de (Del Prette, Del Prette, Pontes & Torres, 1998): compreender o papel das habilidades sociais para o desempenho acadêmico e social dos alunos, identificar a relação entre seu comportamento e o dos alunos, ampliar seu repertório de
habilidades sociais e utilizar procedimentos para promoção de desenvolvimento interpessoal em sala.
Programas voltados à promoção de habilidades
sociais em sala poderiam facilitar a aprendizagem acadêmica e social de estudantes com dificuldades de
aprendizagem, amenizando os efeitos do fracasso escolar.
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Recebido em: 29/01/2007
Revisado em: 13/06/2007
Aprovado em: 14/09/2007
Sobre os autores:
Renata Cristina Moreno Molina ([email protected]) - Doutora em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial
da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar - SP
Almir Del Prette ([email protected]) - Professor Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar – SP
e orientador do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial.
Endereço para contato:
Renata Cristina Moreno Molina
Rua Carlos Gomes, 3.671,
Bairro Santa Angelina - CEP 14.802-165
310
Araraquara-SP
Mudança no status sociométrico negativo de alunos com dificuldades de aprendizagem • Renata Cristina Moreno Molina e Almir Del Prette
Modos de intervir com jovens deficientes visuais:
dois estudos de caso
Modos de intervir com jovens deficientes visuais
Marcia Moraes
Resumo
Este trabalho investiga as relações entre corpo e cognição entre jovens deficientes visuais. Dois estudos de caso são apresentados, fundamentados em
contribuições da pesquisa ação-crítica e da teoria ator-rede. Os dois sujeitos eram cegos congênitos, ambos os alunos inscritos na Oficina de Teatro do
Instituto Benjamin Constant (IBC), no Rio de Janeiro. Estes alunos eram também membros da Oficina de Expressão Corporal do IBC, que tinha como
finalidade promover experimentações corporais lúdicas que facilitassem a construção das personagens. As ações propostas baseavam-se nos impasses
e nas dificuldades vivenciadas pelos sujeitos durante os ensaios da peça. Os resultados indicam que a noção de corpo implica um certo modo de relacionar
humanos e não-humanos. Constatou-se ainda que intervir sobre o corpo implica produzir novos universos cognitivos. Com tais resultados, problematizamse as relações entre psicologia e educação.
Palavras-chave: cegueira; estudo de caso; cognição.
Ways of research with visual handicapped youths: two case studies
Abstract
This study investigates the relations between body and cognition among visual handicapped youths. Two case studies are presented based on
contributions from critical action research and from actor network theory. The subjects were born blind, both regular students enrolled at Benjamin
Constant Institute’s Theatre Troupe, in Rio de Janeiro. These students were also members of Benjamin Constant Institute’s Body Expression Group that
aimed to promote ludic body experimentations to easy the character building. The activities proposed were based on the difficulties experimented by
the subjects when they were rehearsing the play. The results underlines that the notion of body implies connection between humans and non-humans
and that to change body gestures is the same of creating new cognitives experiences. These results show the relevance of the relation between
psychology and education.
Keywords: blind; case study; cognition.
Formas de intervenir con jóvenes deficientes visuales: dos estudios de caso
Resumen
El trabajo investiga las relaciones entre cuerpo y cognición entre jóvenes deficientes visuales. Son presentados dos estudios de caso fundamentados en
contribuciones de la investigación acción crítica y de la teoría actor-red. Los dos sujetos eran ciegos congénitos y alumnos inscriptos en el Taller de Teatro
del Instituto Benjamín Constant (IBC), en Rio de Janeiro. Estos alumnos también eran miembros del Taller de Expresión Corporal del IBC, que tenía como
finalidad promover experimentaciones corporales lúdicas que facilitasen la construcción de los personajes. Las acciones propuestas se basaban en las
dificultades vividas por los sujetos durante los ensayos de la obra. Los resultados presentados indican que la noción de cuerpo implica una cierta forma
de relacionar humanos y no humanos. Todavía, se constató que intervenir sobre el cuerpo implica en producir nuevos universos cognitivos. Con esos
resultados se discuten las relaciones entre psicología y educación.
Palabras clave: ceguera; estudio de caso; cognición.
311
Introdução
Este trabalho tem o objetivo de apresentar alguns
resultados obtidos através do estudo de caso desenvolvido a alguns anos no Instituto Benjamin Constant
(IBC), um centro de referência sobre deficiência visual, com mais de 150 anos de existência, situado no
bairro da Urca, no Rio de Janeiro. Além disso, este
trabalho apresenta algumas reflexões acerca das relações entre Psicologia e Educação, considerando em
particular o modo como o saber psicológico produz
conhecimento em suas interfaces com o campo da
Educação.
A pesquisa desenvolvida no Instituto Benjamin
Constant foi elaborada numa parceria que envolveu
pesquisadores ligados à psicologia1, a professora de
teatro do IBC2 e os alunos desta instituição regularmente inscritos nas oficinas de teatro.
De início o trabalho consistia em observar as
atividades de teatro, as quais incluem jogos e experimentações lúdicas com a finalidade de promover a
encenação de uma peça ao final de cada ano letivo no
IBC. A encenação da peça no final do ano é um grande
momento para toda a instituição, uma grande festa da
qual participam alunos e professores. Nas primeiras
observações foi delimitado o interesse em seguir a
construção das personagens, isto é, havia interesse
mais pelo processo do que pelo produto final, ainda
que não se desconhecesse a importância do produto
– a peça encenada – para todos os envolvidos naquele trabalho. Neste processo de observação das oficinas de teatro notou-se que havia naquela atividade um
ponto relevante e que seria central nas reflexões posteriores.
O grupo de teatro era formado por crianças e jovens com diferentes resíduos visuais e a platéia para a
qual a peça era encenada era também formada por
pessoas com e sem deficiência visual. Esta
heterogeneidade da condição visual tanto dos membros do grupo quanto da platéia produzia uma série
de questões: Como levar os alunos cegos a construírem personagens que seriam representados para tal
platéia? De um lado, era preciso criar dispositivos que
levassem os cegos a elaborarem seus personagens.
De outro lado, era necessário fazer com que a peça
pudesse ser inteligível também para a platéia. Assim,
refletiu-se sobre os modos de intervenção com este
grupo de teatro que pudessem agir no espaço entre
o ver e o não ver, isto é, modos de intervir que pudessem levar em conta os referenciais que o cego
utiliza para construir o seu universo cognitivo e, ao
mesmo tempo, produzissem efeitos inteligíveis e capazes de afetar tanto cegos quanto videntes. De saída, seguindo as indicações de Masini (1994) buscouse modos de intervir imanentes – isto é, cujos
referenciais partissem dos membros da oficina de
teatro. Este desafio implicava, portanto, em
problematizar as relações entre a psicologia e a educação uma vez que o trabalho era muito mais um
mapeamento dos referenciais cognitivos dos membros da oficina de teatro do que a “aplicação de uma
teoria” sobre a aprendizagem ou sobre o desenvolvimento cognitivo. É certo que este mapeamento era
condição para que se pudesse planejar e organizar
modos de agir e intervir naquele grupo.
Após um ano de observação delimitou-se uma proposta de trabalho conjunto que consistia em atrelar à
oficina de teatro uma oficina de expressão corporal
cuja finalidade era criar dispositivos e experimentações corporal-sensoriais que levassem os alunos a
construírem as suas personagens.
O trabalho foi desenvolvido adotando alguns
referenciais da perspectiva metodológica da pesquisa-ação crítica que se diferencia em alguns pontos da
pesquisa-ação, tal como proposta por Lewin (1965)
no final dos anos 60. Seguindo a argumentação de
Rocha e Aguiar (2003), pode-se afirmar que o trabalho de Lewin é de fundamental importância no sentido de reformular os métodos de investigação em
Psicologia. Foi Lewin quem ressaltou a importância
da implicação do pesquisador no processo de investigação, desestabilizando a noção de neutralidade e
objetividade que marcaram as pesquisas experimentais e, ao mesmo tempo, abriu o campo de investiga-
1
A equipe de pesquisadora era coordenada pela autora. Dela participavam as seguintes alunas da graduação em Psicologia da Universidade Federal
Fluminense: Luciana de Oliveira Pires Franco, Ana Gabriela Rebelo dos Santos, Aline Alves de Lima, Carolina Cardoso Manso.
2
Professora Marlíria Flávia Coelho da Cunha.
312
Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes
ção em psicologia para além dos muros do laboratório. O enfoque lewiniano foi decisivo para a inserção
dos grupos e coletivos sociais no campo de investigação da psicologia. No entanto, ainda que a pesquisa
de campo lewiniana tenha constituído uma nova forma de ação no contexto social, “a ordem social é [neste
enfoque] naturalizada e as crises e os conflitos são
interpretados como desordens, efeitos disfuncionais,
cujas resistências à mudança são alvos de intervenção” (Rocha & Aguiar, 2003, p.65). Diferentemente
desta abordagem a pesquisa ação - crítica, proposta
por Thiollent (2000), está ligada a projetos
emancipatórios e autogestionários que visa a construir coletivamente o conhecimento, promovendo,
portanto, uma imbricação inequívoca entre sujeito e
objeto de pesquisa, de tal modo que o conhecimento
produzido pelas ações implementadas pelo pesquisador é co-construído e partilhado entre pesquisador e
pesquisado.
Segundo Rocha e Aguiar (2003, p.65)
entendida como uma ação que visa mudanças na realidade concreta com uma participação social efetiva,
a pesquisa ação crítica está centrada no agir, através
de uma metodologia exploratória, tendo seus
objetivos definidos no campo de atuação pelo pesquisador e pelos participantes (...) Tais experiências
caminham no sentido da articulação entre teoria/prática e sujeito/objeto, na medida em que conhecimento e ação sobre a realidade se fará na investigação das necessidades e interesses locais (...).
Com relação aos pontos destacados, pode-se dizer que o trabalho encontra ressonâncias com a pesquisa ação-crítica. No entanto, reconhece-se que esta
aproximação tem alguns limites. Isso porque, instruídos com as propostas de Latour (1994) e Despret
(1999), buscou-se refletir acerca das relações entre
humanos e não-humanos na construção do conhecimento, o que não é de modo algum tematizado na
perspectiva da pesquisa ação-crítica. Se forem seguidas as pistas destes autores, pode-se afirmar que a
construção do conhecimento se faz em rede (Latour,
1994), isto é, num plano de conexões híbrido no qual
se articulam humanos e não-humanos.
Ainda adotando as indicações da teoria ator-rede,
proposta por Latour (1994) e de algum modo, seguida por Despret (1999), considera-se que as intervenções em psicologia produzem unidades de medida imanentes, ou seja, os referenciais de medida daquilo que é produzido pelas intervenções são pactuados e negociados com o grupo. Como já ressaltado,
as ações realizadas com os participantes da pesquisa
eram circunscritas nos limites entre o ver e o nãover. O desafio era encontrar modos de agir que fizessem sentido e fossem pertinentes aos modos de conhecer e viver daquele grupo. Assim, as ações que
eram levadas a cabo eram retificadas, negociadas. Algumas ações planejadas e executadas não produziam
efeitos – pelo menos não aqueles efeitos que eram
esperados. Despret (1999) sublinha que a produção
de conhecimento em psicologia implica em risco: não
o risco de ser desmentido, mas sim o risco de não
formular a boa pergunta para os sujeitos que participam da pesquisa. E a boa pergunta é aquela que faz
derivar o conhecimento, colocando em análise e variação as versões do conhecimento que estavam em
pauta. Desse modo, considera-se que este trabalho
conduz a um modo de tratar das relações entre corpo e cognição entre jovens deficientes visuais e, ao
mesmo tempo, a problematizar as relações entre
psicologia e educação. Porque se de um lado, as ações
executadas eram em certa medida, planejadas, de
outro lado, elas eram modificadas pelo grupo. Assim
os sujeitos da pesquisa não são passivos, submissos
às ações da pesquisadora. Ao contrário, eles são ativos,
são co-participantes, talvez fosse possível dizer, coautores do trabalho. Adotando esta postura
metodológica, considera-se a ética um exercício da
imanência, isto é, um modo de considerar o não-ver
seguindo os referenciais do não-ver, um modo de
pactuar com o grupo os limites entre o ver e o nãover. Limites que eram efetivamente pactuados quando se procurava elaborar um personagem que fizesse sentido para um cego e para um vidente.
Questões epistemológicas: pensar longe
das visões e afirmar as versões
Em seu livro sobre as emoções, Despret (1999)
estabelece uma interessante distinção entre visão e
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versão no que diz respeito à construção do conhecimento. Um conhecimento que se propõe como visão do mundo se impõe de fora, “[a visão] invade o
campo” e o desvela sob o modo da evidência e da
revelação. Assim, uma visão exclui outras. Neste sentido, o trabalho não se propõe a afirmar uma visão
sobre o papel do corpo como suporte da cognição
entre jovens deficientes visuais, isto é, não se pretendeu revelar o que são e como funcionam o corpo e a
cognição em um jovem cego. No estudo pretendeuse produzir uma versão desta relação entre cognição
e corpo. A propósito do termo versão, Despret
(1999, p. 37) afirma que ele “parece melhor do que
qualquer outro para dar conta desta coexistência
múltipla de saberes, de definições contraditórias e de
controvérsias”.
A versão não se impõe, ela se constrói. Ela não se
define no registro da verdade ou da mentira e da
ilusão, mas naquele do devir: devir de um texto incessantemente retrabalhado e revirado, devir de um
mundo comum, devir das reviravoltas e das traduções. A versão não desvela o mundo nem o vê-la,
ela o faz existir num modo possível. A versão não é
o feito de um homem sozinho, ela é fonte e fruto da
relação, ela é trabalho, no seio da relação, ela é negociação que se desvia, se transforma, se traduz
(Despret, 1999, p.44).
Um dispositivo pode se definir em termos de ocasiões para uma versão, isto é, um dispositivo se constitui como uma oferta de oportunidade feita a um fenômeno. Por esta via, foi proposta uma reflexão sobre o trabalho na oficina de expressão corporal com
jovens deficientes visuais como um dispositivo que
faz existir uma certa relação entre o corpo e a cognição
e, ao mesmo tempo, um certo modo de tematizar
esta relação. É neste sentido que se entende que tal
dispositivo implica uma relação de co-produção entre o objeto e o sujeito da pesquisa.
O trabalho se situa numa linha de investigação herdeira da psicologia do século XIX, já que a atenção
dirigiu-se para a cognição em suas articulações com o
corpo. No entanto, neste ponto é necessário estabelecer duas ressalvas fundamentais. A primeira diz res314
peito ao sentido dado ao termo herdeira: Ao se considerar de algum modo, herdeiros da psicologia do
século XIX, que sentido atribui-se a esta idéia de herança? A segunda ressalva diz respeito ao estatuto
conceitual da noção de corpo como suporte da
cognição: Considera-se como eixo deste trabalho a
noção de corpo-máquina, fundada na física mecanicista
e retomada pela fisiologia experimental do século XIX
ou estabeleceu-se novos referenciais teórico-práticos
para tratar desta noção?
A herança como vetor de transformação
Despret (1999) apresenta uma concepção de herança que se afasta das idéias de continuidade histórica e de origem na história. Para afirmar esta idéia a
autora baseia-se na conhecida fábula árabe sobre os
12 camelos, que é apresentada por Tahan (1955) numa
versão um pouco diferente, mas que serve aos mesmos propósitos: um homem muito velho, próximo
da morte, reúne seus três filhos para dividir com eles
os seus únicos bens que são onze camelos. Ao
primogênito, deixa metade dos bens; ao filho do meio,
a quarta parte e ao mais novo a sexta parte. Quando
o pai morre, os filhos ficam atônitos. Como dividir
esta herança? 11 camelos não são divisíveis por dois,
por quatro nem por seis, como podiam os filhos partilhar a herança conforme a vontade do pai? Atônitos,
os filhos decidem procurar ajuda recorrendo aos conselhos de um sábio. Este lhes diz que a única coisa
que pode fazer é dar-lhes o seu velho camelo, desdentado, magro, mas muito valioso uma vez que ele
irá ajudar os jovens na divisão da herança. Com o presente recebido do sábio os filhos somam 12 camelos
e podem finalmente dividir a herança segundo a vontade do pai: o mais velho recebe seis camelos, ou a
metade dos bens; o do meio fica com três, o que
equivale à quarta parte; e o mais novo herda dois camelos, ou seja, a sexta parte dos 12 camelos. Ao final
da divisão o camelo desdentado é devolvido ao velho
sábio como forma de reconhecimento e gratidão.
Esta fábula permite levantar a questão acerca da
transmissão através da herança. Os filhos recebem
do pai algo que não pode ser transmitido sem se transformar. A herança não está dada, antes deve ser
construída a partir do 12º camelo. Este por si só não
Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes
é a solução do problema, mas sim aquilo que transforma o problema de modo a que ele possa ser solucionado. Segundo Despret “uma herança se constrói e
tudo o que participa desta construção torna-se um
devir possível desta herança” (1999, p.28). Desse
modo, se de um lado os filhos são produtos de uma
herança, de outro lado, eles são os vetores de transformação desta herança.
Entender, portanto, a herança como vetor de devir
e de transformação leva a uma reflexão que diz respeito ao problema desta pesquisa, isto é, através dos
estudos de caso, analisar as relações entre a cognição
e o corpo, temática de certo modo herdada da psicologia do século XIX. No entanto, herdaram-se os
impasses, as controvérsias, não as soluções prontas e
definitivas. Neste sentido, considera-se o corpo a partir daquilo mesmo que aparecia como o seu limite na
psicologia do século XIX: a sua labilidade, sua parcialidade. Se a cognição enraíza-se no corpo, que desenho
da cognição pode-se esboçar se são consideradas
como positivas as noções de labilidade e parcialidade
do corpo? A psicologia experimental do século XIX
investigava a cognição a partir de sua articulação com
o corpo considerado como referencial de objetividade,
de quantificação e de controle. A aliança entre a psicologia e a fisiologia experimental foi neste sentido uma
aliança em torno de uma certa concepção de ciência.
Ciência positivista cujo modelo era representado pelas ciências da natureza. Definiu-se este trabalho como
herdeiro do século XIX na medida em que esta herança implica um vetor de devir e de transformação:
o que interessa não é seguir o corpo entendido como
extensão e movimento, mas sim, acompanhar as suas
derivas, as suas errâncias, as suas variações a partir
das múltiplas conexões que estabelece com o mundo.
Trata-se, portanto, de uma herança que levará ao mesmo tempo a definir um outro objeto para a psicologia
e a entender de outro modo as relações entre a
cognição e o corpo.
Por esta via, neste trabalho operou-se um duplo
deslocamento. Por um lado, deslocou-se a centralidade
da visão nos estudos sobre a cognição quando se perguntou o que é o conhecer sem o ver. A relação entre
o conhecer e o ver estabelece um referencial de investigação bastante forte tanto na psicologia quanto
na filosofia. O paradigma visuocêntrico (Belarmino,
2004) marcou as pesquisas no campo da psicologia
cognitiva, em particular nos estudos acerca da percepção. Por outro lado, deslocaram-se as alianças teórico-práticas que se estabeleceram para definir a psicologia. Os aliados não são mais os instrumentos da
psicofísica, nem a bancada do laboratório de pesquisa
experimental. Propõe-se estabelecer uma aliança entre a psicologia e as artes, em particular as artes cênicas.
Daí, o interesse em seguir um grupo de teatro formado por jovens cegos e portadores de baixa visão a fim
de acompanhar os impasses corporal-cognitivos que
são produzidos a partir dos jogos teatrais. Neste percurso, impõe-se como tarefa seguir as marcas, os vestígios, os rastros que estes jogos teatrais produzem
nos corpos dos deficientes visuais levando-os a conhecer diferentemente o mundo a sua volta.
A experiência do teatro com cegos e portadores
de baixa visão permite acompanhar o modo como a
pessoa utiliza os sentidos para a elaboração do mundo
e do universo do personagem. O espaço cênico cria
um campo de aprendizagem que engloba diversos
pontos fundamentais no desenvolvimento cognitivo da
criança cega: a orientação e a locomoção, as relações
interpessoais, a orientação do corpo no espaço etc.
O trabalho de construção dos personagens bem como
a memorização do texto implica, portanto, um dispositivo cognitivo que leva à criação e a produção de um
universo cognitivo cujos efeitos são incorporados pela
criança em seu dia-a-dia. O ponto central a ser destacado neste processo é aquele que diz respeito ao papel que a arte assume na construção do mundo
cognitivo/perceptivo das crianças. Isso significa dizer
que as percepções e aprendizagens que o teatro
viabiliza passam a ser incorporada à vida da pessoa
deficiente visual, ao seu cotidiano.
Masini (1994) comenta que a educação do cego e
da pessoa com baixa visão é, na maior parte das vezes, centrada em padrões adotados pelos videntes.
Segundo a autora, educar deficientes visuais de acordo com padrões dos videntes produz um desconhecimento das especificidades do ser deficiente visual.
Isso significa que conhecer o modo como estas pessoas conhecem o mundo é fundamental para a elaboração de estratégias pedagógicas voltadas para o cego
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e o portador de baixa visão. Outros autores que investigam o tema da cegueira seguem a mesma argumentação de Masini (1994) no que toca à necessidade de buscar conhecer os modos singulares e próprios pelos quais o deficiente visual conhece e se relaciona com o mundo a sua volta. Assim, Belarmino
(2004) analisa historicamente a centralidade da visão
nas pesquisas sobre o conhecer e chama a atenção
para a necessidade de se investigar outras modalidades de conhecimento, em particular aquela que se
centra na percepção tátil. Para a autora, o tato é um
órgão de conhecimento que se estende por todo o
corpo. Belarmino (2004) sublinha a importância de
na educação da pessoa com deficiência visual se tomar como referência a mundividência tátil, isto é, a
construção da cognição por meio do exercício da
percepção tátil.
Caiado (2003) apresenta várias entrevistas com deficientes visuais a fim de investigar os impasses vividos
por estas pessoas durante suas vidas escolares. Muitos
dos relatos apresentados indicam a importância de enraizar o ensino nas experiências corporais do deficiente
visual, buscando assim mobilizar a experiência corporal
do deficiente visual a fim de promover a aquisição de
conhecimentos. Batista (2005) também aponta considerações que vão nesta mesma direção quando analisa a
formação de conceitos em pessoas cegas.
No teatro, a elaboração de cada personagem passa por diversas etapas e o que se pode notar é o progressivo envolvimento da criança com o universo da
personagem. Merece destaque o papel que o corpo
assume na construção e elaboração das personagens.
Falar da importância do corpo na construção da personagem não traz em si nenhuma novidade. O que
significa, portanto, dizer que entre as crianças deficientes visuais é o corpo o suporte das elaborações e
do trabalho de construção das personagens? Qualquer ator poderia afirmar o mesmo, sem dúvida. O
que nos interessa circunscrever com esta afirmação
é que não se trata do corpo-máquina, mas sim de um
corpo construído, elaborado a partir das múltiplas
conexões que estabelece com o universo teatral: o
texto, o cenário, o figurino, o espaço do palco, os
outros atores, a música etc. O processo de construção e elaboração das personagens engloba a produ316
ção de tais articulações do corpo com o mundo. A
partir destas articulações são produzidos tanto o corpo, com sua fala e gestos próprios, quanto ao mundo
conhecido. Corpo e mundo são co-construídos a partir
de tais articulações.
Partindo destas contribuições teóricas, este trabalho de pesquisa pretendeu investigar o papel da arte
cênica como recurso pedagógico voltado para o ensino do deficiente visual, focando principalmente na
relação entre corpo e cognição. Para alcançar este
objetivo geral foram estabelecidos dois objetivos específicos: elaborar e executar intervenções que visassem produzir as posturas, gestos e cognições dos
personagens a serem interpretados na peça. Destaca-se que para a realização deste objetivo era fundamental levar em conta as demandas do grupo; analisar dois casos a fim de acompanhar os efeitos que
estas intervenções produziram.
Método
Participantes
As oficinas de expressão corporal aconteceram
durante todo o ano de 2005, uma vez por semana,
com duração de uma hora e meia cada encontro. Tais
oficinas eram coordenadas pelas pesquisadoras e dela
participaram 10 alunos do IBC que fazem a oficina de
teatro. Dentre estes alunos 3 tinham cegueira
congênita e 7 eram portadores de baixa visão, com
graus variados de resíduos visuais, com idades entre
9 e 16 anos.
Para a definição de cegueira adotou-se o critério
funcional ou educacional referido por Amarilian
(1997). Segundo este referencial é considerado cego
o sujeito que faz uso exclusivamente do Sistema Braille
para a leitura e a escrita e é considerado portador de
baixa visão aquele que, através de recursos óticos e
outros, lê e escreve fazendo uso de material impresso em tinta. Assim, sabe-se que alguns dos sujeitos
cegos possuíam algum resíduo visual – por exemplo,
a capacidade de distinguir luz e sombra, capacidade
para perceber alguns obstáculos. Os sujeitos que ficaram cegos antes dos 5 de idade são considerados
cegos congênitos.
Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes
Os estudos de caso foram realizados por meio
das notas e observações do que se passou na Oficina
de Expressão Corporal com dois dos seus participantes. Todos os alunos que eram membros do grupo de teatro faziam parte também das Oficinas de
Expressão Corporal que eram organizadas em torno
dos impasses que os jovens vivenciavam na construção dos seus personagens. A proposta de intervenção implicava um processo de construção recíproca
no qual as ações eram constantemente renegociadas
com o grupo, modificadas, colocadas em risco. Ao
mesmo tempo, observou-se que os jovens
problematizavam suas experiências, seus modos de
conhecer o mundo a partir dos trabalhos na Oficina
de Expressão Corporal.
Descrição dos sujeitos dos estudos de caso
Caso 1- Participante – menina de 11 anos, cega
congênita que estava participando do grupo de teatro pela primeira vez. A menina fazia outras atividades
artísticas como canto e piano. No entanto, até aquele
momento nunca havia realizado nenhum trabalho que
envolvesse atividades de experimentação corporal.
Caso 2- Participante – rapaz de 16 anos, cego
congênito, participava pela primeira vez do grupo de
teatro. Este rapaz apresentava em seu cotidiano movimentos estereotipados de balançar as mãos e o corpo. O rapaz não se locomovia com o auxílio da bengala, andava sempre amparado pelos colegas, pelo responsável ou tateando. O rapaz ainda não tinha feito
nenhuma atividade voltada para a orientação e a mobilidade, comuns entre os deficientes visuais de sua
faixa etária e não estava envolvido em nenhuma outra
atividade artística.
Procedimento
Cada encontro era construído em torno dos
impasses que os alunos experimentavam na construção dos seus personagens. A cada impasse relatado
pelos alunos, uma estratégia de ação era proposta.
Algumas vezes tais estratégias eram redimensionadas
pelos alunos, algumas apareciam como intervenções
fracas, com as quais os alunos não se articulavam, com
relação às quais eles eram recalcitrantes. A noção de
recalcitrância proposta por Latour (1997) é comen-
tada por Tsallis (2005, p.20-23) ao afirmar que a
“recalcitrância acontece no terreno do vínculo, da
relação. Ela explicita (...) um acontecimento singular
[e pode ser utilizada como] uma medida para estabelecer os possíveis mapas sobre a movimentação dos
vínculos”.
A recalcitrância colocava então todo o dispositivo
em análise, fazendo a reformulação das ações. Deste
modo, os efeitos cognitivos iam sendo criados, inventados ao mesmo tempo em que o conhecimento sobre tais efeitos era articulado. Os grupos eram coordenados por duas pesquisadoras, enquanto as outras
três tomavam notas em um caderno e faziam registros
através de fotos. As notas eram digitalizadas e reunidas
num único documento. Alguns encontros foram
registrados em gravador e depois transcritos. Os responsáveis pelos jovens que participaram da Oficina de
Expressão Corporal assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido autorizando a realização dos
estudos de caso e a publicação dos resultados.
Resultados e Discussão
Os resultados foram discutidos em parceria com
a professora de teatro do IBC. Na análise dos resultados consideraram-se pertinentes alguns eixos: o
papel dos não-humanos, as transformações do corpo, as transformações no modo de conhecer o mundo, as negociações dos limites entre o ver e o nãover no dispositivo do grupo de expressão corporal.
Caso 1: Corpo de bailarina
Partiu-se de uma questão levantada pelo grupo de
teatro durante os ensaios da peça A Loja da Alegria
(Cunha, 2005) encenada no IBC em novembro de
2005. A peça contava a história de uma loja de brinquedos onde estes ganhavam vida sempre que o dono
de loja dela se ausentava. Havia vários personagensbrinquedos: um motociclista, um corredor, um lutador, uma bailarina. Na análise do caso 1 acompanhouse a construção desta última personagem.
Durante os ensaios da peça e nas oficinas de expressão corporal havia um impasse no que diz respeito à personagem bailarina: aqueles alunos com re-
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síduos visuais tinham uma concepção do ser bailarina
inteiramente desconhecida da menina cega que faria o
personagem porque muitos tinham memórias visuais
envolvendo bailarinas.
Esta menina não conseguia entender o que os colegas diziam acerca da bailarina: “ela é leve, dança levantando as mãos, gira em torno do próprio corpo”.
Embora entendesse o sentido das palavras, a menina
não conseguia “encarná-las”, isto é, não conseguia devirbailarina, ter um corpo-bailarina. O impasse que tal
dificuldade produzia atingiu todo o grupo e fez aparecer um problema: O que é ter um corpo-bailarina? O
que pode um corpo-bailarina? Tais questões nortearam
o trabalho do grupo por vários encontros e foram
deslocadas, traduzidas para uma outra questão: Como
produzir um corpo-bailarina numa menina cega
congênita? Como fazê-la afetar-se pelo mundo da bailarina levando-a a inventar o seu corpo-bailarina?
Num primeiro momento, as psicólogas explicaram o
que é ser bailarina. Tal estratégia mostrou-se pouco articulada, a menina não era afetada pelas palavras, não se
modificava a partir do que lhe era dito. Tal situação produziu um deslocamento nas intervenções propostas.
Foi planejada uma série de atividades que tinha
como finalidade produzir um campo de experimentações, um mundo-bailarina. Primeiramente, foi perguntado ao grupo de alunos o que cada um conhecia da
bailarina. Algumas posturas corporais da bailarina foram destacadas pelo grupo:
· a bailarina fica toda esticadinha;
· a bailarina pula alto, “quase voa”;
· parece que ela é leve, leve, como se fosse uma
pluma;
· ela usa roupas leves, a saia da bailarina é toda
leve e é bem diferente de uma saia feita de jeans,
por exemplo.
Estas e outras características foram apontadas pelo
grupo. A partir deste levantamento, foram propostas
experiências corporais e sensoriais que mobilizassem
o corpo todo e que pudessem fazer conexão com o
que era dito sobre a bailarina. Portanto, buscavam-se
mecanismos de tradução que produzissem um deslocamento do universo das palavras para aquele dos
sentidos e das experiências corporais. Destaca-se que
por tradução entendia-se
318
um deslocamento, um desvio de rota, uma mediação ou invenção de uma relação antes inexistente
que de algum modo modifica os atores nela implicados. Tradução não se confunde com interação (...) O
sentido de tradução envolve ao mesmo tempo um
desvio e uma articulação de elementos díspares e
heterogêneos (Moraes, 2004, p.326)
Desse modo, a primeira atividade proposta foi
experimentar as roupas da bailarina: uma saia feita de
plumas e outra de um tecido bem leve foram tateadas
pelos alunos. As saias passaram de mão em mão, foram cheiradas, alisadas e os alunos constataram que
ela era bem diferente de uma saia feita com tecido
grosso como o jeans. Os alunos vestiram as roupas
da bailarina e solicitaram que as pesquisadoras colocassem música para que eles pudessem perceber
como a saia podia ser movimentada ao som das músicas. As pesquisadoras decidiram colocar dois tipos
de música: valsas e músicas brasileiras cujas letras falavam de bailarinas. Ao som das músicas os alunos
começaram a dançar: “como se dança na ponta dos
pés?”- perguntou uma aluna cega. E concluiu ela mesma: “a bailarina dança e anda na ponta dos pés, com
passos de formiga que quer guardar um segredo, anda
sem fazer barulho”.
Outras experiências foram trabalhadas: o som da
música, o tatear de outras peças do vestuário da bailarina. Uma poesia sobre bailarinas, de autoria de
Meireles (1996), foi lida para o grupo e cada um pôde
comentar o que era indicado naquela poesia sobre o
corpo da bailarina, o mundo da bailarina.
Uma questão, no entanto, permanecia em aberto
para a menina que iria interpretar o personagem: “a
leveza, o que é isso, como fazer para que o corpo
pareça leve?”
A fim de dar conta desta questão, as pesquisadoras propuseram duas atividades que envolviam um
enorme balão de gás. Dentro do balão de gás foram
colocados grãos de arroz de modo que quando o balão
era movimentado os grãos de arroz produziam um
som suave. Optou-se pelo uso deste material e não
de guizos, muito comuns, por exemplo, no jogo de
futebol com cegos. Por que o arroz e não o guizo?
Considerou-se que o guizo produzia um som
Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes
descontínuo, quando a intenção era que o som também pudesse transmitir a continuidade dos movimentos da bailarina.
A primeira atividade, com o balão de gás consistiu
em articulá-la aos movimentos dos braços da bailarina. Desse modo, as pesquisadoras pediam que a menina segurasse o balão e diziam: “a bailarina abraça
este balão na frente do corpo, depois o levanta até o
alto da cabeça, depois o leva para o lado”. Com estes
movimentos dos braços articulados ao balão, a menina ia construindo os movimentos dos braços da bailarina que sobem ao ar arqueados, depois descem para
um lado e depois para o outro. Todas as crianças, inclusive aquelas com baixa visão, fizeram estes movimentos com a mediação do balão. A segunda atividade,
com o balão consistiu em colocá-lo sobre um enorme lençol que era segurado pelas pesquisadoras. As
crianças ficaram sob o lençol e empurravam o balão.
Esta experiência produziu comentários: “como a bola
é leve, ela voa alto, basta um toquinho e ela já voa”,
foi o que disse uma menina com baixa visão. Ao final
destas experiências a menina cega finalmente concluiu:
“a bola é leve e a bailarina também é leve” e em seguida disse: “meu corpo pode ficar leve como esta bola”.
Interessante notar que estas intervenções produziram um grupo-bailarina, com o qual a menina se articulava. Naquele grupo-bailarina não havia mais a distinção entre cegos e portadores de baixa visão, bailarinas e não-bailarinas. Ali havia um grupo, um coletivo,
no sentido proposto pela teoria ator-rede, ou seja,
uma articulação de humanos e não-humanos que produzia efeitos, inventando um mundo bailarina único,
singular. Considerou-se relevante ressaltar que o grupo de expressão corporal funcionou como um dispositivo, no sentido afirmado por Despret (2004), isto
é, um dispositivo que produz novas formas de falar,
novas formas de articular humanos e não-humanos e,
ao mesmo tempo, novas formas de interrogar o que
é a cognição e o corpo.
Caso 2: Articulando ritmos musical e corporal
As posturas corporais deste rapaz eram marcadas
por vários movimentos estereotipadas os quais, conforme informado pelo seu responsável, apareceram
quando ele tinha entre 7 ou 8 anos. Nas atividades do
dia-a-dia no IBC era comum que ele balançasse repetidamente as mãos, coçasse as pernas, pulasse, movimentos que também se faziam notar tanto durante os
ensaios da peça quanto nos encontros da Oficina de
Expressão Corporal. Tais movimentos não faziam parte do contexto corporal do seu personagem na peça:
um velhinho, um pouco distraído, dono da loja de
brinquedos.
Do mesmo modo que no caso da construção da
bailarina, observou-se que não era suficiente dizer ao
rapaz que ele devia parar de balançar as mãos ou de
coçar as pernas. A professora de teatro sugeriu que
o personagem fizesse uso de uma bengala, um objeto
que muitas pessoas velhas utilizam para auxiliar o caminhar. O objetivo era “ocupar” as mãos do rapaz de
modo a que as estereotipias fossem deixadas de lado.
Destaca-se que este rapaz, embora cego congênito,
nunca havia sido treinado para o uso de bengala. Portanto, duas questões devem ser sublinhadas. Em primeiro lugar, o rapaz embora soubesse que muitas
pessoas cegas usam bengalas, não tinha, ele próprio,
a experiência corporal com o uso deste instrumento
já que se locomovia com a ajuda de outros colegas ou
tateando a sua frente para evitar os obstáculos. Em
segundo lugar, e na mesma direção, o rapaz sabia que
existem no mundo pessoas chamadas de “velhinhas”,
mas ele não tinha nenhuma vivência corporal que pudesse auxiliá-lo na construção dos gestos e das posturas do velhinho que iria interpretar.
A fim de conhecer o modo como o rapaz conhecia
os usos de uma bengala, as pesquisadoras perguntaram a ele: “Para que serve uma bengala?” E ele respondeu: “para ver se tem obstáculos no caminho”. E as
pesquisadoras: “então mostre como se pode usar a
bengala para ver se tem obstáculo”. O rapaz colocou o
braço esticado para o alto e a bengala suspensa no ar
sendo agitada de um lado para outro. Tais movimentos
indicavam que ele desconhecia o habitual modo como
um cego utiliza a bengala, isto é, à frente do corpo,
sendo levada de um lado para outro e com uma de
suas extremidades em contato com o chão. As pesquisadoras então perguntaram: “Você sabe por que pessoas velhas usam bengalas?” O jovem não sabia.
Após estas experiências, uma das pesquisadoras
sugeriu ao rapaz que, ao invés de usar a bengala, o seu
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 311-322
319
personagem tocasse um tambor. As pesquisadoras
sabiam que ele tinha uma enorme capacidade de produzir ritmos com pandeiros, tambores e quaisquer
outros objetos que pudesse batucar. A articulação do
corpo com o tambor produziu efeitos interessantes.
O ritmo das batidas que ele dava no tambor pareciam se coadunar com o ritmo de suas estereotipias. O
resultado era uma produção sonora bastante rica que
algumas vezes parecia um samba, outras vezes um
som circense. A partir deste momento, o trabalho
foi o de articular o som produzido com as falas do
personagem que o menino interpretava. Um universo de novas questões abriu-se a partir desta articulação: corpo-tambor-música-fala do personagem. Que
sons poderiam ser produzidos para cada um dos personagens da peça? Em que momentos batucar e em
que momentos silenciar o tambor? Eram questões
trabalhadas em grupo. Merece destaque ainda que a
presença do tambor foi crucial para que se desenvolvesse um traço cômico do personagem. Como ele
era um velhinho meio distraído, o rapaz inventou um
certo modo de desafinar: o velho batucava, cantava,
mas desafinava um pouco, tossia e engasgava no meio
das músicas, errava as letras das músicas.
Estas intervenções mobilizavam todo o grupo porque os outros alunos da Oficina de Expressão Corporal
participavam das decisões acerca do quando batucar,
quando silenciar o tambor, além de opinarem também
quanto à escolha das músicas que deveriam ser tocadas
para marcar a interação do velhinho com os demais
personagens. Assim, ao interagir com a bailarina, o velhinho cantava e batucava uma música muito diferente daquela que era dirigida a outro personagem, por exemplo, ao motociclista, ou ao lutador. Era o grupo todo
que se articulava com o tambor e seus sons e músicas.
Considerações Finais
Estes resultados indicam a necessidade de retomar o tema do corpo como suporte da cognição.
Nos casos observados, considera-se o corpo, não
como corpo-máquina, mas como algo que é produzido, que é efeito de conexões entre actantes díspares
e heterogêneos, humanos e não-humanos.
320
No grupo observado, os não-humanos foram
actantes importantes que, ao se articularem com os
corpos das crianças cegas, produziram universos
cognitivos que não foram dados, anteriormente. Em
outras palavras, parece que se pode considerar que,
no caso da bailarina, o corpo-balão foi um actante que
produziu efeitos que não foram dados anteriormente
e nem previstos. A articulação corpo-balão produziu
uma bailarina única, singular, própria daquela menina
que experimentou esta articulação. Na perspectiva
da teoria ator-rede, proposta na atualidade por Latour
(1997), entre outros autores, pode-se dizer que o
corpo-balão é um híbrido, um actante, que não se
reduz nem a um sujeito puro, entendido como pura
abstração, nem a um corpo, entendido como pura
materialidade. A cognição foi produzida na interface
corpo-balão. Foi esta articulação que produziu por
um lado, um conhecimento de si, do seu corpo, do
que ele pode fazer em termos de gestos, movimentos, etc. e por outro lado, um conhecimento do mundo, do mundo da bailarina, com a música, as suas roupas, a sua leveza. A cognição neste caso, longe de ser
atributo de um sujeito isolado, é efeito de conexões
que se estabelecem em rede: numa rede que articula
actantes díspares.
Do mesmo modo, na experiência corpo-tambor
observa-se a produção de uma articulação entre o
ritmo do corpo e o ritmo da música. Dito em outras
palavras, parece que a articulação corpo-tambor pode
ser entendida como um híbrido que produziu como
um de seus efeitos outros sentidos para as
estereotipias. Assim, pode-se dizer que a articulação
estereotipia-música-tambor modifica a estereotipia.
Na perspectiva das redes, seguiram-se alianças entre
os actantes, seus rastros, suas transformações. Longe de considerar cada elemento isoladamente,
enfocaram-se as conexões entre os actantes e os efeitos que tais conexões produziram.
O trabalho de campo levou, portanto, a redefinição
do corpo como suporte da cognição. Para isso, buscaram-se alianças não no enfoque experimental, mas em
ferramentas conceituais que permitissem refletir sobre corpo e suas redes. No campo da filosofia retomam-se algumas contribuições do filósofo Michel Serres, que entende o corpo como variação, como dife-
Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes
renciação que implica na construção do mundo e de si.
Assim, o trabalho de campo leva a concluir que o sujeito e o mundo são co-construídos através das atividades
do teatro. Nas palavras do filósofo, “o corpo é o suporte da intuição, da memória, do saber, do trabalho
e, sobretudo, da invenção” (Serres, 2004, p.36).
Na atualidade, Bruno Latour (1999) afirma que ter
um corpo é ser afetado, movido e efetuado por conexões com outros homens e com não-humanos. Isso
significa dizer que o corpo é o efeito de redes de
articulação que ligam humanos e dispositivos técnicos os mais heterogêneos e díspares. Foram estas
afetações que foram acompanhadas por meio das
observações no campo pesquisado. Tais observações
permitiram ainda levantar dois pontos relevantes:
No trabalho desenvolvido com os deficientes visuais foi extremamente relevante considerar o
referencial que estas pessoas têm do mundo, os seus
modos singulares de conhecer. O ponto de partida
das atividades observadas eram as questões
vivenciadas pelo grupo. Percebe-se que de nada adiantava dizer ao rapaz cego para usar a bengala: ele
não conhecia a bengala do mesmo modo que os videntes a conhecem. O mesmo ocorria com a menina
cega: ela não conhecia os movimentos típicos de uma
bailarina, portanto, era inútil apenas dizer para ela: levante os braços, ande na ponta dos pés. Tais palavras,
centradas nas experiências cognitivas dos videntes
careciam de sentido para a menina cega. Portanto,
conclui-se que, como indicado por Masini (1994), a
educação da pessoa com deficiência visual deve ser
guiada pelos referenciais que o deficiente visual possui do mundo.
A construção do conhecimento ocorre numa rede
que articula humanos e não-humanos. Trata-se de uma
cognição distribuída por diversos actantes, cognição
que ocorre numa articulação com o corpo, com os
não-humanos. Nos casos observados, os não-humanos foram actantes fundamentais para a produção do
conhecimento. Sem o balão de gás, o tambor, a música, as roupas da bailarina, não seriam produzidos os
efeitos cognitivos que levaram aquelas pessoas a conhecerem o ser bailarina e o ser velho. Por esta via, é
necessário a buscar novas ferramentas conceituais
para definir o que é a cognição e, conseqüentemente,
novas ferramentas para pensar o que é a própria psicologia, para construir uma psicologia em ação. Neste sentido, a relação entre a psicologia e a educação
são também relações de construção recíproca, de
invenção e criação de modos de agir que podem produzir modos de ensinar distintos dos tradicionais
modelos centrados na repetição e na imitação. Assim, de um lado este trabalho pode oferecer subsídios aos profissionais de educação que lidam com deficientes visuais para refletirem sobre suas práticas; de
outro lado, ele também levanta questões que levam a
perguntar sobre o modo como a psicologia produz
conhecimento, sobre quais são os seus alcances e limites. Em última instância, seguindo os termos de
Despret (1999), pode-se dizer que a interface entre
psicologia e educação produz derivas, transformações
em ambos os domínios.
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Recebido em: 28/05/2007
Revisado em: 03/12/2007
Aprovado em: 29/01/2008
Sobre a autora:
Marcia Moraes ([email protected] ou [email protected]) - Professora do Programa de Pós-graduação strito senso em Psicologia da
Universidade Federal Fluminense. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC / SP. Consultora Científica no Centro de Estudos sobre Subjetividade, Cegueira
e Baixa Visão do Instituto Benjamin Constant.
Endereço para correspondência: Rua Desembargador Cesínio Paiva 15
São Francisco - Niterói - RJ - CEP: 24360 – 530
Nota da autora:
O trabalho contou com o apoio financeiro dos programas de iniciação científica (PIBIC) da Faperj e do CNPq. Agradeço à professora de teatro do
Instituto Benjamin Constant (IBC) Marlíria Flávia Coelho da Cunha, por ter permitido que o trabalho de campo fosse realizado. Agradeço também aos
profissionais do IBC que me acolheram naquela instituição, aos responsáveis pelas crianças que autorizaram a realização da pesquisa. Por fim, agradeço
de modo especial às alunas de graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense que estiveram vinculadas a esta pesquisa através do
programa de iniciação científica: Luciana de Oliveira Pires Franco, Ana Gabriela Rebelo dos Santos, Aline Alves de Lima, Carolina Cardoso Manso.
322
Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso • Marcia Moraes
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica:
o processo ensino aprendizagem em questão
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica
Marilda Gonçalves Dias Facci
Nilza Sanches Tessaro
Záira Fátima de Rezende Gonzalez Leal
Valéria Garcia da Silva
Cintia Godinho Roma
Resumo
Este estudo teve por objetivo verificar a forma como tem sido desenvolvida a avaliação psicológica de crianças que apresentam dificuldades no processo
de escolarização bem como analisar a contribuição dos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural nesse processo. Inicialmente, uma revisão
bibliográfica sobre o tema da avaliação psicológica e sobre os conceitos fundamentais da Psicologia Histórico-Cultural, fundamentada no marxismo, foi
realizada e, em seguida, entrevistas com doze profissionais de Psicologia que atuam na área escolar. Os principais resultados revelaram que os testes
psicológicos têm sido os instrumentos mais utilizados no processo de avaliação psicológica, quando se trata da literatura brasileira, mas não mantiveram
hegemonia entre os participantes deste estudo, o que se considera um avanço para a Psicologia escolar-educacional. Conclui-se, com esta pesquisa, que
são necessários processos de avaliação que analisem o potencial dos sujeitos considerando o que se encontra na zona de desenvolvimento próximo.
Palavras-chave: avaliação psicológica; aprendizagem; educação.
Historical-Cultural Psychology and Psychological Evaluation: the teaching
learning process in focus.
Abstract
This study aimed, firstly, verifying the way psychological evaluation assists children who present difficulties during the educational process, and secondly,
analyzing the contribution of Historical-cultural Psychology assumptions to that process. Initially, a bibliographical search on the theme ‘psychological
evaluation’ and on fundamental concepts, concerning Historical-cultural Psychology, was carried out and afterwards, twelve psychological professionals,
acting in schools, were interviewed. Regarding Brazilian specific literature on the subject, the main results revealed that psychological tests have been the
instruments mostly used in the process of psychological evaluation. But, on the other hand, that procedure has not maintained hegemony among the
participants during the investigation, what, in fact, is considered a progress for Psychology addressed to education. As a result, it was concluded that
evaluation processes are necessary to analyze the potential of individuals considering all that is found in the zone of proximal development.
Keywords: psychological assessment; learning; education.
Psicología Histórica-Cultural y Evaluación Psicológica: el proceso de
enseñanza-aprendizaje en cuestión
Resumen
Este estudio tuvo como objetivo verificar la forma como viene siendo desarrollada la evaluación psicológica de niños que presentan dificultades en el
proceso de escolarización, así como también analizar la contribución de los presupuestos de la Psicología Histórica-Cultural en ese proceso. Se realizó,
inicialmente, una revisión bibliográfica sobre el tema de la evaluación psicológica y sobre los conceptos fundamentales de la Psicología Histórica-Cultural
basada en el marxismo. En seguida fueron realizadas entrevistas con doce profesionales de Psicología que actúan en el área escolar. Los principales
resultados revelaron que los testes psicológicos han sido los instrumentos más utilizados en el proceso de evaluación psicológica cuando se trata de la
literatura brasileña, pero no mantuvieron una hegemonía entre los participantes de este estudio, lo que se considera un progreso para la Psicología escolareducacional. Con esta investigación se concluyó que son necesarios procesos de evaluación que analicen el potencial de los sujetos considerando lo que
se encuentra en la zona de desarrollo próximo.
Palabras clave: evaluación psicológica; aprendizaje; educación.
323
Introdução
Uma questão rotineira que se apresenta ao psicólogo escolar-educacional é a avaliação das queixas escolar, compreendida, conforme estudos de Souza
(2000), como “problemas escolares” ou “distúrbios
de comportamento e aprendizagem”. Neste sentido, desenvolveu-se na Universidade Estadual de
Maringá, uma pesquisa intitulada Psicologia HistóricoCultural e Avaliação Psicológica: o processo ensino aprendizagem em questão. Esse artigo versará sobre os resultados desta pesquisa.
O fracasso escolar defronta-se, ainda hoje, com
elevado índice e, em muitos casos, os psicólogos são
convocados a explicar as causas da não-aprendizagem
das crianças. No Brasil, esse fracasso pode ser observado conforme dados oficiais do MEC/INEP (Brasil, 2003), na taxa de repetência no Ensino Básico,
pois em 2001 somente 20,0% dos alunos do Ensino
Fundamental foram aprovados.
Entender o porquê de a criança não aprender
implica em analisar como se dá o processo inverso, ou seja, como ela aprende. Para essa compreensão, apoiar-se-á nas idéias de Vigotski1, autor russo de fundamentação marxista, segundo o qual o
aprendizado é um aspecto necessário e fundamental para que as funções psicológicas superiores se
estabeleçam. Para Vigotski (2000), o indivíduo desenvolve-se, em parte, graças à maturação do
organismo individual, mas é o aprendizado que provoca a interiorização da função psíquica; no entanto, essa visão não é predominante na atualidade e
nem mesmo nos anos de 1920 e 1930. Nessa época, Vigotski (2000) considerava existirem pelo
menos três grupos de teorias mais importantes
referentes à relação entre desenvolvimento e
aprendizagem.
O primeiro grupo de teorias parte da premissa de
que desenvolvimento e aprendizagem são independentes. Esta idéia é bem representada na teoria de Piaget,
que esclarece que a aprendizagem segue o desenvolvimento. O segundo grupo afirma que aprendizagem é
desenvolvimento, e cada etapa de aprendizagem
corresponde a uma etapa de desenvolvimento. Uma
dessas teorias, elaborada por Willian James (18421910), baseia-se no conceito de reflexo. A terceira
posição teórica, representada por Kurt Koffka (18461941), tenta conciliar as teorias anteriores. Entende o
autor que elas coexistem e que o desenvolvimento se
baseia, de um lado, no processo de maturação, que
depende do desenvolvimento do sistema nervoso, e
de outro, no processo de aprendizado, que também é
um processo de desenvolvimento. Aprendizagem é
desenvolvimento; desenvolvimento é aprendizagem, e
o desenvolvimento segue, pari passu, a instrução.
Vigotski (2000) aponta essa relação de forma diferenciada, considerando que aprendizagem e desenvolvimento não constituem dois processos independentes,
existindo entre eles relações complexas.
Atualmente, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(Brasil, 1997) trazem em sua fundamentação principalmente pressupostos piagetianos, que dão alicerce
ao Construtivismo. No Construtivismo, além da
Epistemologia Genética, aspectos da Aprendizagem
Significativa de Ausubel, a Teoria das Emoções de
Wallon e, principalmente, a Zona de Desenvolvimento Próximo de Vigotski são apresentados. Embora
não seja objetivo deste texto polemizar essa questão,
não se concorda com a defesa de que Vigotski e Piaget
possam ser colocados como interacionistas, como se
esses autores utilizassem o mesmo arcabouço teórico. Vigotski (2000) deixa muito claro que não coaduna com a forma que Piaget compreende a relação
desenvolvimento e aprendizagem. Facci (2004) destaca que Vigotski analisa o desenvolvimento do
psiquismo humano como atrelado às condições históricas em que o homem se desenvolve enquanto
Piaget parte de um modelo biológico para a compreensão de desenvolvimento.
Em suas pesquisas, Vigotski (2000) identificou dois
níveis de desenvolvimento: o real ou efetivo, que constitui as funções psicológicas já efetivadas, formadas e
amadurecidas pelo indivíduo, como resultado de certos ciclos de desenvolvimento, identificados por meio
da solução individual do problema; e o nível de desenvolvimento potencial, proximal ou próximo, defi-
1 A grafia do nome desse autor na literatura tem sido apresentada de diversas formas. Adotar-se-á como padrão Vigotski, mas no caso de fazer-se
referência a uma obra específica, será escrito da forma que aparece na obra.
324
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma
nido como aquelas funções em vias de amadurecimento, identificadas pela solução de tarefas com o auxílio
de adultos e de outras crianças mais experientes.
Enquanto aquele nível caracteriza o desenvolvimento
mental retrospectivamente, este o caracteriza
prospectivamente. Vygotski (1993, p. 239) esclarece que “... a zona de desenvolvimento próximo tem
um valor mais direto para a dinâmica da instrução que
o nível atual de seu desenvolvimento”. O processo
de desenvolvimento segue o processo de aprendizado e este é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal; portanto, o ensino deve incidir
sobre a zona de desenvolvimento proximal.
A escola tem como função trabalhar com os conceitos científicos, sistematizando e organizando os
conteúdos, pois a apropriação destes conceitos, por
parte dos alunos, concorre para a formação dos seus
processos psicológicos superiores. Petroviski (1985)
assevera que a escola deveria ter como um de seus
objetivos desenvolver nos alunos as atividades mentais necessárias para a apropriação do conhecimento.
Ela, como esclarece Saviani (2003), deve socializar
os conteúdos já elaborados pela humanidade, de forma que os alunos possam participar do processo de
humanização. Nesse processo, conforme observa
Facci (2004), o professor tem papel destacado. Ele é
o mediador entre o aluno e o conhecimento, por isso
lhe cabe intervir na zona de desenvolvimento proximal
dos alunos e conduzir a prática pedagógica considerando a potencialidade de cada aluno. A mediação do
professor implica, necessariamente, em ensinar.
Vigotski destaca que todos os indivíduos têm capacidade de se desenvolver desde que se elaborem
mediações diferenciadas. Considera-se esse aspecto
primordial; no entanto, a forma como as dificuldades
de aprendizagem são compreendidas e avaliadas pode
conduzir a estereotipias que nada fazem avançar na
compreensão do desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos alunos que apresentam queixas escolares, dificuldades essas que podem ser remetidas ao fracasso escolar.
Autores como Patto (1997, 2000), Moyses e
Collares (1997), Mazzotti (2003), Souza (2000),
Machado (2000), Angelucci, Kalmus, Paparelli e Patto
(2004) têm pesquisado este tema e constatado que
ora a criança é culpabilizada por não aprender, ora a
família é destacada como responsável pelo insucesso
escolar; por vezes, ainda, fatores intra-escolares são
arrolados e o professor entra em cena como vilão.
Angelucci e cols., (2004) analisaram 71 teses e dissertações, defendidas entre 1991 e 2002, na Faculdade de Educação e no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e chegaram à conclusão de
que nesse período os estudos apresentam rupturas
teórico-metodológicas, compreendendo-se o fracasso escolar da seguinte forma: como um problema
psíquico, sendo o insucesso escolar decorrente de
prejuízos da capacidade intelectual dos alunos, causados por problemas emocionais; como um problema
técnico, culpabilizando o professor por não utilizar
metodologias adequadas à aprendizagem dos alunos;
como questão institucional, entendendo a escola como
inserida em uma sociedade de classes regida pelos
interesses do capital e, desta forma, as políticas públicas seriam responsáveis pelo fracasso escolar; como
questão política, enfocando a cultura escolar, a cultura popular e relações de poder estabelecidas no interior da escola que privilegiam a cultura dominante em
detrimento da cultura popular. Essas autoras demonstram que um dos aspectos presentes nos estudos
sobre o fracasso escolar é o viés psicologizante, não
contribuindo para o avanço do conhecimento acerca
dessa problemática. As autoras constataram, ainda, a
existência de uma outra vertente, com base materialista histórica do fracasso, iniciada em 1980, cujos
autores apresentam uma revisão bibliográfica pautada em teorias críticas. No entanto, segundo as pesquisadoras, na hora de coletar os dados e selecionar
os procedimentos adotados, os autores dos trabalhos analisados contradizem o que enfocaram na fundamentação teórica das dissertações e teses, demonstrando, em muitas situações, superficialidade de conhecimento da teoria e métodos. As análises, de forma geral, são particularizadas, pois os profissionais
têm realizado um processo de avaliação psicológica
que contribui para a cristalização das explicações e,
localizam no indivíduo, a culpa do seu insucesso na
escola, patologizando um fenômeno que é social.
Considera-se, assim, que existe uma relação direta
entre fracasso escolar e fracasso da sociedade capita-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338
325
lista, pois se a escola não vai bem é porque a sociedade não vai bem. O fracasso escolar é apenas um dos
aspectos desta crise geral. Para compreender esse
fenômeno, não se deve permanecer no limite do cotidiano da escola, e sim, buscar analisar as relações de
determinação deste cotidiano, repleto de problemas,
para compreender a totalidade do processo educacional, porque com ele estão imbricadas todas as questões da sociedade capitalista. Para se chegar à compreensão das formas de superação do entendimento,
avaliação, encaminhamento e tratamento do fracasso
escolar, identificado na escola como queixas escolares, é preciso estabelecer a relação entre escola e
processo histórico.
No que se refere à atuação da Psicologia, constata-se que a introdução dessa ciência no processo
educativo se deu por meio da Psicometria na avaliação psicológica, principalmente das queixas escolares. Alchieri e Cruz (2003) afirmam que a Psicologia
se desenvolveu associada à sistematização dos processos psíquicos básicos e ao uso experimental de
formas de medidas psicológicas que tinham como
objetivo verificar os estágios de desenvolvimento e
aprendizagem humana. A avaliação psicológica, conforme definição de Alchieri e Cruz (2003, p. 24), se
refere ao “modo de conhecer fenômenos e processos psicológicos por meio de procedimentos e diagnóstico e prognóstico e, ao mesmo tempo, aos procedimentos de exame propriamente ditos para criar
as condições de aferição ou dimensionamento dos
fenômenos e processos psicológicos conhecidos”. Os
instrumentos de medida mais utilizados no processo
de avaliação psicológica têm sido os testes, principalmente no que se refere à avaliação da inteligência.
Segundo Dal Vesco, Mattos, Benicá e Tarasconi (1998)
e Noronha, Primi e Alchieri (2005), no Brasil, o WISC
é um dos instrumentos mais completos e conhecidos, disponíveis para avaliação global da inteligência.
Gerk-Carneiro e Neves Ferreira (1992) fizeram
um estudo buscando identificar, na literatura brasileira, produzida na década de 1980, os métodos de avaliação de inteligência mais utilizados nas pesquisas
empíricas, publicados em 7 periódicos nacionais. Esses autores constataram que a inteligência foi avaliada, nesse período, segundo três modelos teóricos: a
326
aborgadem psicométrica, a desenvolvimentista e a
cognitivista. Por outro lado, segundo pesquisas realizadas por Facci e Silva (2006) e Facci e Roma (2005,
2006), por meio de consultas a periódicos de Psicologia e Educação, a meta para localizar artigos que
tratavam da avaliação das queixas escolares, quando
se trata desse tema, a visão psicométrica é a que mais
tem se destacado. Em pesquisas em 2488 artigos de
periódicos de Psicologia, Facci e Silva (2006) constataram que somente 6,43% dos trabalhos continham,
em suas referências, Piaget, destacando principalmente conteúdos relacionados à Teoria da Moralidade,
noções físicas e matemáticas e desenvolvimento
cognitivo, e não o processo de avaliação.
Facci e Roma (2005) constataram que a partir de
1980 foram poucas as produções que mencionaram
os autores russos. Dos 3092 artigos pesquisados,
apenas 122 continham em sua bibliografia pelo menos um ou mais de um ou os três autores russos
Vigotski, Lúria e Leontiev. Assim, os artigos que apresentavam pelo menos um desses três autores, constituíram apenas 3,5% do total de artigos pesquisados,
e apenas 0,11% estava relacionado à questão da avaliação psicopedagógica. Em pesquisa posterior, as
mesmas autoras (Facci & Roma, 2006), ao analisarem
1663 artigos, concluíram que apenas 4,87% continham em sua bibliografia pelo menos um ou mais de
um ou os três autores russos. Os artigos que faziam
menção a Piaget totalizaram 43 (2,58%) e os que tratavam da avaliação psicológica foram apenas 15
(0,90%).
Constatou-se, a partir das pesquisas mencionadas,
que as queixas escolares têm sido pouco investigadas
por psicólogos brasileiros e, quando analisadas, guardam em seu arcabouço a visão psicometrista já presente na origem da Psicologia na área educacional, que
tinha como grande preocupação procurar as causas
da não-aprendizagem utilizando recursos de testes
psicológicos para medir inteligência. Partindo de uma
abordagem psicométrica, pode-se remeter a uma
concepção inatista do desenvolvimento, a qual, conforme menciona Rego (1995), se caracteriza por compreender que os fatores maturacionais e hereditários
são responsáveis pela constituição do ser humano e
do processo de conhecimento. Mesmo com a intro-
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma
dução do Construtivismo no contexto educacional
brasileiro, principalmente a partir da década de 1990,
que parte de um modelo interacionista piagetiano,
analisando o desenvolvimento como decorrente da
inter-relação entre indivíduo e meio ambiente, esse
quadro no processo de avaliação não se alterou. Fica
bastante contraditório constatar-se que a psicometria,
e não o método clínico, tem servido de referência
para os psicólogos realizarem o processo de avaliação das queixas escolares. No caso da psicometria
não é possível compreender a influência das condições histórico-sociais no desenvolvimento da inteligência, questão defendida pela Psicologia HistóricoCultural, destacando quanto a aprendizagem promove o desenvolvimento.
Na realidade, segundo Machado (2000), tornouse “natural” acreditar na possibilidade de medir a inteligência; no entanto, a padronização dos testes psicológicos tem desconsiderado as desigualdades
sociais e culturais existentes em nosso sistema capitalista, avaliando a capacidade individual das pessoas
como se estas fossem construídas fora das relações
sociais. Para essa autora, a queixa escolar é constituída de uma história coletiva e a avaliação implica em
buscar alterar a produção dessa queixa. Beatón
(2001), por sua vez, também critica a vulgarização e
a prática anticientífica do uso dos testes; a falta de
uma base teórica que fundamente os testes; a utilização de seus resultados somente para fazer diagnóstico, e não para propor alternativas de trabalho; a padronização inadequada para determinadas classes sociais; a utilização de testes somente para classificar e
discriminar.
Geralmente, pode-se constatar na atualidade que
o entendimento e atendimento das queixas escolares
ainda são enviesados por uma visão tradicional da Psicologia, tendo como encaminhamento final as unidades básicas de saúde para sanar esse problema. Souza (2000) enfatiza que o encaminhamento para atendimento médico e psicológico das dificuldades de
aprendizagem tem sido uma tônica presente nos meios escolares, sem uma análise ampla dos processos
que produziram a queixa escolar. É com o processo
que o psicólogo deve se preocupar, e sua intervenção, segundo Souza (2000, p. 127), deve primar por
“[...] pensar com a criança e com o professor essa
relação estereotipada e produtora de repetência, da
repetição de práticas que estigmatizam, excluem,
oprimem e rotulam”. Nesse sentido, Tanamachi e
Meira (2003, p. 27) destacam que o psicólogo, ao
lidar com as queixas escolares, deve fazer uma “análise da relação entre o processo de produção da queixa escolar e os processos de subjetivação/objetivação
dos indivíduos nele envolvidos, como uma mediação
necessária à superação das histórias de fracasso escolar”, pois a “queixa” deve ser compreendida como
uma “síntese de múltiplas determinações”, dependendo da sua superação na ação conjunta de todos os
aspectos envolvidos no processo de escolarização:
relações familiares, grupos de amigos e contexto social e escolar.
Em termos gerais, o desenvolvimento das funções psicológicas e a aprendizagem de conteúdos
são considerados como um fenômeno estanque, e
não como um processo que acontece na interação
entre professor, aluno e conhecimento. Neste sentido, concorda-se com Meira (2000, p. 57), quando
afirma que “[...] parece que cada vez mais se evidencia a necessidade de se compreender a questão
do desempenho escolar, contextualizando-o no âmbito de um processo maior”, pois tal atitude ainda
está muito longe de ser hegemônica entre os psicólogos. Não se pode, nesse aspecto, afirmar que todas as práticas psicológicas se desenvolvem dessa
forma. Facci (1996), Souza (2000), Machado
(2000), entre outros pesquisadores, têm buscado
propor formas de avaliação psicológica que analisem
as causas das queixas escolares como fruto das relações instituídas na escola, necessitando, portanto,
do envolvimento mais amplo possível de professores, pais, equipe pedagógica e do próprio aluno na
compreensão das problemáticas enfrentadas no processo de escolarização; no entanto, essa prática não
é hegemônica entre os psicólogos.
A partir da década de 90, outra forma de avaliação, denominada avaliação dinâmica (ou mediada, ou
assistida) começou, também, a ser discutida no Brasil. De acordo com Lunt (1994, p. 232), esse tipo de
avaliação “[...] envolve uma interação dinâmica entre
examinador e aluno (examinado) com mais ênfase so-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338
327
bre o processo do que sobre o produto da aprendizagem” (grifos do autor). Interessa, nesse aspecto, compreender “como” a criança aprende, ao invés de avaliar “o quê” ela já aprendeu. Linhares, Escolano e Enumo
(2006, p. 16) propõem, também, esse tipo de avaliação assistida e afirmam:
“A idéia da avaliação assistida ou dinâmica, a qual
defende a avaliação de ‘processos’ mais do que ‘produtos’ de aprendizagem, surgiu com a introdução da
teoria de Vygotski por Brown e Ferrara, e das idéias
de Reuven Feuerstein por C. Haywood, na Psicologia norte-americana atual. Originou-se de concepções teóricas sobre a plasticidade da cognição humana e da necessidade prática de encontrar novas medidas de diagnóstico para crianças que não se saiam
bem em testes convencionais. Os conceitos de ‘zona
de desenvolvimento proximal’ (ZDP), de Vygotski e
a ‘teoria de aprendizagem mediada’ ou da ‘experiência da aprendizagem mediada’ (MLE), de
Feüerstein, formam a base conceitual para elaboração da avaliação assistida ou dinâmica [...]”.
A avaliação dinâmica pode complementar, mas não
substituir os testes de QI e sua contribuição mais significativa, de acordo com Linhares (1995), advém da
possibilidade de fazer a sondagem da sensibilidade do
examinando à instrução e identificar as estratégias
cognitivas que ele usa para a solução de tarefas, permitindo verificar alterações no seu desempenho durante a situação de avaliação assim como estimar o
potencial de transferência e generalização de aprendizagem. Pode-se afirmar, quanto a esse aspecto, que
a avaliação é mediada pelo examinador, que fornece
pistas e orienta o sujeito na realização das atividades.
O conceito de aprendizagem mediada, de acordo com
Linhares (1995), teve implicações significativas na área
de avaliação do desempenho intelectual, buscando se
apropriar dos conceitos de mediação e de zona de
desenvolvimento próximo, elaborados por Vigotski.
No contexto de questionamentos dos testes padronizados de medida de desempenho e habilidades, os estudiosos soviéticos da escola de Vigotski
propuseram a avaliação do potencial de aprendizagem por meio do método instrumental. Esse méto328
do supera a concepção inatista, ambientalista e
interacionista do desenvolvimento humano, pois para
esses autores, as funções psicológicas superiores,
tipicamente humanas (tais como a atenção voluntária, memória, abstração, comportamento intencional etc.), são produto da atividade cerebral e têm
uma base biológica, mas, fundamentalmente, são resultantes da interação do indivíduo com o mundo,
interação mediada pelos objetos construídos pelos
homens.
Para Vigotski, que parte da base filosófica marxista, o traço fundamental da atividade humana é a mediação, através de instrumentos que se interpõem entre o sujeito e o objeto de sua atividade, instrumentos esses desenvolvidos pelo processo de trabalho.
Vigotski (2004) enfatiza que todo e qualquer comportamento se transforma em uma operação intelectual, mediada por dois tipos de instrumento: instrumento psicológico e instrumento técnico. Uma diferença muito importante entre o instrumento psicológico e o técnico é a orientação do primeiro para a
psique e o comportamento e do segundo para o
objeto externo, provocando modificações no objeto.
O instrumento psicológico, ao contrário, é um meio
de influir em si mesmo (ou em outro), mas não no
objeto.
Vygotsky e Luria (1996, p. 183) afirmam que a
capacidade de fazer uso de ferramentas torna-se um
indicador do nível de desenvolvimento psicológico dos
indivíduos, pois os “processos de aquisição de ferramentas, juntamente com o desenvolvimento específico dos métodos psicológicos internos e com a habilidade de organizar funcionalmente o próprio comportamento, é que caracterizam o desenvolvimento
cultural da mente da criança”.
De acordo com Vygotski (1995), o método instrumental pode ser muito útil para o estudo das funções psicológicas superiores. O importante é fazer
uma análise do processo, e não do objeto, e uma análise explicativa, e não descritiva; e, finalmente, a análise genética. Nesse sentido, é fundamental, nesse método, investigar os momentos iniciais do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, numa
perspectiva histórica, pois essas funções foram constituídas por diversos processos elementares e pri-
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma
mários do comportamento. O principal aspecto do
método de análise psicológico, proposto por Vigotski,
é estudar o todo, as propriedades e funções das partes que o integram, não como somatória das partes,
mas possuindo propriedades particulares que o determinam.
A partir do método instrumental, a avaliação daqueles conhecimentos que estão no nível de desenvolvimento próximo é fundamental, ultrapassando as
avaliações estáticas por meio de testes psicológicos
de inteligência, que têm tido a preocupação de avaliar apenas o que se encontra no nível de desenvolvimento real do sujeito, desconsiderando, inclusive, o
crescimento que este tem no próprio processo
avaliativo.
Nesta introdução buscou-se destacar algumas visões presentes em relação a uma concepção de desenvolvimento e aprendizagem, passando por estudos sobre a queixa escolar e o processo de avaliação
destas queixas e chegando a uma discussão de teorias
que tratam dessa problemática, enfatizando pressupostos da escola de Vigotski.
Na seqüência, dar-se-á continuidade ao texto, desta
vez apresentando o resultado de entrevistas, realizadas com psicólogos, cujo objetivo constituiu-se em
verificar a forma como os profissionais realizam a avaliação psicológica de crianças que apresentam dificuldades no processo de escolarização.
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa doze profissionais da
área de Psicologia, sendo duas psicólogas escolares
da rede particular de ensino; três supervisoras de
estágio em Psicologia Escolar; duas psicólogas do
Núcleo Regional de Ensino de Maringá; quatro psicólogas escolares de Rede Municipal de Ensino; um psicólogo de escola especial. Dos participantes, onze
(91,7%) são do gênero feminino e um do masculino,
com idades variando entre 26 a 60 anos (um participante); 25% deles encontram-se na faixa etária de 26
a 30 anos e 66,8% entre 31 e 50 anos. Quanto à
escolaridade, oito (66,7%) possuem curso de pós-
graduação latto sensu e dois stricto sensu (um
mestrado e um doutorado). O tempo de atuação profissional varia de um a trinta e cinco anos (um participante); 33,3% deles estão entre a faixa de um a cinco
anos de experiência profissional, 25% de onze a quinze anos, 16,8% entre seis e dez anos; 8,3% possuem experiência entre as faixas que vão de dezesseis a
vinte anos; também 8,3% de vinte e um a vinte cinco
anos e, ainda, 8,3% para os que possuem de vinte
seis a trinta anos de experiência na profissão.
Material
Durante a pesquisa, foram utilizados:
Termo de consentimento livre e esclarecido: entregue aos participantes para que pudessem confirmar o recebimento de informações sobre o objetivo
do estudo e dar o seu consentimento para a participação na pesquisa;
Ficha de identificação dos participantes: por meio
da qual foi possível obter dados relativos à idade,
sexo, nível escolaridade etc;
Um questionário composto pelas seguintes
questões:
Como você compreende o processo ensinoaprendizagem? Do seu ponto de vista, quais são as
causas das dificuldades no processo de escolarização?
Quais são os autores contemplados nos seus estudos
sobre o processo de avaliação psicológica na escola?
Que instrumentos, incluindo os testes psicológicos,
você tem utilizado para avaliar as dificuldades no processo de escolarização? Após a avaliação, quais os
procedimentos adotados para o encaminhamento e
intervenção em relação às dificuldades no processo
de escolarização?
Procedimentos
Inicialmente, realizou-se uma revisão bibliográfica
sobre o tema da avaliação psicológica e sobre os conceitos fundamentais da Psicologia Histórico-Cultural
com o objetivo de subsidiar a análise dos dados levantados junto aos participantes.
Em seguida, foram feitos os contatos com os
profissionais por meio de telefone, pela coordenadora do Projeto, convidando-os a participar da pesquisa. Após, foi realizado um outro contato com
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 323-338
329
os mesmos, para agendar o local e o horário para a
aplicação do questionário. Na hora estabelecida, foi
solicitado que os participantes preenchessem o
termo de consentimento, momento também em
que foram fornecidas as informações gerais do projeto assim como endereço de contato. Vale ressaltar ainda que o projeto foi aprovado pelo Comitê
Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, da UEM, conforme Parecer no. 154/
2003
Posteriormente ao consentimento de cada um
deles, o questionário foi aplicado, sendo que alguns
participantes optaram por respondê-lo oralmente e
outros preferiram responder por escrito.
Resultados e Discussão
A organização dos dados foi feita com base nos
questionários aplicados. Esses dados foram
categorizados, apresentados em tabelas e discutidos/
analisados com base no referencial teórico, utilizado
no presente estudo.
A Tabela 1 apresenta os dados relativos à concepção do processo ensino-aprendizagem, presente
entre os participantes. Os resultados mostram que
a concepção prevalente entre os participantes
(25%) foi a de que se trata de um processo que
envolve um sujeito que ensina (professor), o aluno
e o conhecimento; seguida da concepção que se
refere a um processo que envolve planejamento,
organização e mediação, considerando o aluno como
ativo (16,6%).
Destaca-se, entre as respostas fornecidas pelos
profissionais, diversidade na compreensão do processo ensino-aprendizagem, passando por aspectos que
vão desde uma visão vigotskiana, uma visão piagetiana,
incluindo ainda uma visão comportamental. Esta diversidade foi também constatada por Vigotski (2000),
que por volta de 1930, identificou algumas concepções de desenvolvimento e aprendizagem presentes,
as quais continuam até hoje norteando o trabalho do
psicólogo na escola.
Considera-se que uma questão fundamental para
a atuação do psicólogo escolar-educacional é ter
clareza acerca da concepção teórica sobre a rela-
Tabela 1 - Como você compreende o processo ensino-aprendizagem
330
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma
ção desenvolvimento e aprendizagem, pois somente
desta forma empreenderá práticas consistentes já
que sua ação reflete sua concepção e as escolhas
quanto à metodologia a ser utilizada em seu trabalho. Não obstante, a partir da análise desta questão
e das respostas dos participantes como um todo,
não se pode afirmar que estes tenham clareza quanto aos fundamentos teórico-metodológicos, utilizados em seu trabalho. Isso pode ser exemplificado
pelos autores contemplados nos estudos empreendidos pelos participantes da pesquisa, que citam,
quando se trata da avaliação psicológica na escola,
autores de correntes teóricas bem diversas, colocando-os lado a lado.
Os dados apresentados na Tabela 2 revelam que
os autores mais citados pelos participantes foram
tam da questão da Psicologia e da Educação assim
como recorrem, muitas vezes, a autores de outras
linhas da Psicologia, como a psicanálise e a análise
comportamental. Foram, ainda, arrolados autores
que escrevem sobre educação em uma vertente crítica da Psicologia Escolar-Educacional sobre problemas e distúrbios de aprendizagem.
O que merece ser destacado é a grande indicação de autores da psicologia da escola russa para a
compreensão do processo de avaliação psicológica
na escola, o que se contrapõe às pesquisas realizadas por Facci e Silva (2006), Facci e Roma (2005,
2006), que constataram, nos artigos analisados em
periódicos de psicologia e educação, pouca utilização, nas referências, de autores da Psicologia Histórico-Cultural e grande ênfase na psicometria.
Tabela 2 - Quais são os autores contemplados nos seus estudos sobre o processo de avaliação
psicológica na escola?
Luria, Leontiev, Vigotski, Davidov com 14,3% das
respostas.
O que se pode constatar é que Piaget e Vigotski
foram os autores mais pesquisados ou lidos pelos
participantes da pesquisa. Torna-se importante destacar, neste momento, que os Parâmetros
Curriculares Nacionais (Brasil, 1997), documento
que norteia o processo pedagógico na escola, também trazem em sua fundamentação idéias desses
autores, o que sugere que os sujeitos estão se
embasando, de forma geral, nesses autores que tra-
Em relação às causas das dificuldades no processo
de escolarização, a Tabela 3 aponta maior consenso
entre os participantes. Das respostas, 43,6% referem-se às causas das dificuldades no processo de
escolarização como oriundas de fatores intra-escolares, como formação do professor, vínculo entre professor e aluno, adequação e adaptação curricular,
métodos e objetivos do ensino. Os fatores extrínsecos
- tais como falta de estimulação visual, condições sócio-econômicas e culturais desfavoráveis da família se
refletindo no desempenho escolar dos alunos - apa-
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331
Tabela 3 - Do seu ponto de vista, quais são as causas das dificuldades no processo de escolarização?
recem com um percentual de 26,1%. Alguns participantes atribuem as dificuldades a fatores sociais (8,7%
das respostas), outros consideram que o problema é
a falta de recursos (8,7%). Outras explicações
fornecidas pelos participantes remetem-se à falta de
envolvimento do psicólogo no processo ensino-aprendizagem; causas vinculadas à totalidade histórico-social; à falta de condições da escola (professor auxiliar,
contraturno); a fatores intrínsecos, que se referem a
aspectos individuais, como deficiências, síndromes,
dificuldades cognitivas, problemas do desenvolvimento socio-emocional, aspectos neuropsicológicos.
Reportando-se ao artigo de Angelucci e cols.
(2004), observa-se que as respostas dos participantes também refletem a presença de rupturas
teórico-metodológicas, tal como a pesquisa realizada por aquelas autoras que apresentam as causas do insucesso escolar como decorrentes de problemas psíquicos, extrínsecos aos alunos. Para tanto, partem do princípio de que o insucesso escolar é decorrente de prejuízos da capacidade intelectual dos alunos oriundos de problemas emocionais, ou resulta de fatores intra-escolares. Algumas consideram o fracasso escolar como questão
institucional, decorrente de a escola estar inserida
em uma sociedade capitalista. O viés
psicologizante, de que tratam Angelucci e cols.
(2004), parece estar presente na amostra
332
pesquisada na qual muito pouco se levam em consideração os determinantes histórico-sociais que
produzem o fracasso escolar.
Os dados, apresentados na Tabela 4, demonstram que dentre os instrumentos, incluindo os testes psicológicos, utilizados para avaliar as dificuldades no processo de escolarização, a entrevista
com pais e a anamnese aparecem com a maior
freqüência de respostas (14,1%), seguindo-se observação do aluno na escola (12,5%) e análise do
desempenho escolar por meio de materiais produzidos pelos alunos (10,9%). Esses procedimentos foram os mais freqüentes na indicação dos participantes, mas são citados, ainda, outros, conforme a Tabela.
Recorrendo mais uma vez à pesquisa de Facci e
Silva (2006) e Facci e Roma (2005, 2006), as autoras
constataram que existe predominância de uma visão
psicométrica na avaliação das queixas escolares. No
entanto, esse grupo de psicólogos parece, de certa
forma, avançar em relação a este aspecto, buscando
outros procedimentos, como entrevistas com pais,
com a criança e com o professor, observações em
sala de aula, análise do desempenho escolar, entre
outros recursos, para analisar o potencial de aprendizagem dos alunos.
Os dados da Tabela 5 demonstram que os testes
mais utilizados pelos participantes são o teste de in-
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma
Tabela 4 - Que instrumentos, incluindo os testes psicológicos, você tem utilizado para avaliar as
dificuldades no processo de escolarização?
teligência WISC (27,6%), o Teste Gestáltico
Visomotor – Bender (13,9%), o Colúmbia (13,9%),
seguidos pelos testes Raven (7%) e as Provas
Piagetianas (7%). Outros testes também foram citados, porém com menor freqüência. A maioria dos
psicólogos entrevistados utiliza mais de um teste, de
forma combinada.
Entretanto, é importante destacar que, segundo Gerk-Carneiro e Neves-Ferreira (1992), a
psicometria constitui-se como um modelo teó-
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Tabela 5 - Testes Psicológicos
rico para avaliação de inteligência na literatura brasileira e não ocupa lugar de destaque entre os
sujeitos entrevistados. Quando estes recorrem
à aplicação de testes, constata-se que o Wisc é
mais utilizado. Este fato demonstra haver uma
certa hegemonia entre os brasileiros, conforme
observam Dal Vesco e cols. (1998), Noronha e
cols. (2005).
Em relação aos procedimentos adotados para o
encaminhamento e intervenção relativos às dificuldades no processo de escolarização, os participantes demonstraram utilizar mais de um procedimento
de forma combinada. A Tabela 6 mostra que 20%
das respostas dos participantes dizem respeito ao
encaminhamento do aluno para a área de saúde.
Além desse procedimento, o que aparece em seguida é a devolução à escola, envolvendo a professora e a equipe pedagógica (13,4%). São utilizados, também, encaminhamentos para trabalho
psicopedagógico (6,8%); entrega de relatório sobre o aluno avaliado para a escola (6,8%); devolução em conjunto para a família, a escola e a criança
334
(6,8%). Outros procedimentos são também utilizados em menor freqüência, como se observa na
Tabela 6.
Neste aspecto vale recorrer aos estudos desenvolvidos por Souza (2000), pois concluiu que a maioria dos encaminhamentos feitos aos profissionais de
Psicologia em unidades básicas de saúde apresenta
como queixa os problemas de aprendizagem das crianças. Por esta amostra, pode-se dizer que boa parte
dos psicólogos entrevistados continua, ainda, encaminhando crianças com queixas escolares para essas
unidades. Está certo que se deve ressaltar positivamente a preocupação em envolver a escola na devolução do processo de avaliação, mas não se pode deixar de questionar até que ponto se tem prestado um
serviço de apoio a crianças no próprio espaço escolar. Compreende-se que tal encaminhamento implicaria na utilização de recursos externos à possibilidade
de intervenção da Psicologia, mas não se pode deixar
de mencionar quanto as escolas precisam se organizar melhor para que todas as crianças se apropriem
do conhecimento.
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma
Tabela 6 - Após a avaliação, quais os procedimentos adotados para o encaminhamento e intervenção
em relação às dificuldades no processo de escolarização?
Considerações Finais
Durante a pesquisa bibliográfica foi possível não
só conhecer práticas exercidas por psicólogos escolares no Brasil como também procedimentos e instrumentos utilizados para avaliação de queixas escolares, assim como ter acesso a aspectos teóricos relacionados à compreensão das queixas escolares e
avaliação psicológica. Foi também possível analisar
várias produções teóricas que tinham como pressuposto a Psicologia Histórico-Cultural.
De forma geral, verifica-se na literatura estudada a
presença de pelo menos três linhas de estudo da ava-
liação psicológica na escola: uma que defende o uso
dos testes psicológicos padronizados, sendo a
Psicometria o método adotado; outra que defende a
utilização de testes psicológicos, mas utiliza o recurso da mediação, pautado nos pressupostos
vigotskianos, tratando-se, portanto de avaliação mediada ou assistida, e uma terceira que utiliza outros
recursos como entrevistas com professores, com as
famílias e com as próprias crianças, atividades realizadas pelos alunos, observações no contexto escolar,
análise dos fatores intra-escolares, assim como outros aspectos. Entre os participantes deste estudo
não foi possível identificar nenhuma destas três ten-
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dências citadas, visto que se observou uma utilização
combinada de diversos instrumentos, ampliando o uso
de testes padronizados com outras atividades nãoformais para lidar com as queixas escolares encontradas em seu cotidiano.
Pode-se inferir que as críticas formuladas no decorrer dos anos aos testes psicológicos provavelmente influenciaram os psicólogos entrevistados, provocando a busca de outras estratégias para analisar as
queixas escolares de modo a fugirem do uso exclusivo dos testes. Machado (2000) e Molyses e Collares
(1997) e Beatón (2001), conforme abordou-se no
decorrer deste artigo, têm questionado o uso exclusivo de teste. De acordo com os estudos realizados
acerca da Psicologia Histórico-Cultural, utilizando o
método instrumental, não interessa estudar uma função psicológica isolada no processo de avaliação psicológica, mas sim, o funcionamento conjunto dessas
funções, em atividades diversificadas. Não se trata de
analisar o repertório de conhecimentos já adquiridos
pela criança, e sim os recursos que ela utiliza para
responder a uma questão. No caso da avaliação através de testes psicológicos padronizados não é possível compreender a influência das condições histórico-sociais no desenvolvimento da inteligência, questão defendida pela Psicologia Histórico-Cultural, destacando quanto a aprendizagem promove o desenvolvimento.
Não se pode deixar de mencionar, aqui, a mediação do avaliador, pois quando esta é utilizada e pistas
são fornecidas ao indivíduo, podem-se ter resultados
diferentes daqueles obtidos quando este realiza a
atividade, sozinho. No entanto, não basta apenas
mediar a aplicação dos testes psicológicos, tão questionados por diversos psicólogos. É importante estudar a origem de determinado comportamento, como
se deu seu desenvolvimento e que fatores
condicionaram sua manifestação.
Os resultados da pesquisa demonstram que os
autores citados com mais freqüência pelos participantes são integrantes da Escola de Vigotski, ou Teoria
Histórico-Cultural, porém a utilização de estratégias
e instrumentos para realizar a avaliação das queixas
escolares não mostra serem considerados os pressupostos desta vertente teórica, uma vez que, nesta
336
perspectiva, a avaliação deve compreender como a
criança está mediando suas respostas. Faz-se necessário investigar o seu comportamento e desenvolvimento por meio da descoberta dos instrumentos
psicológicos que ela mesma emprega.
Neste estudo, observou-se, ainda, que as causas
das dificuldades no processo de escolarização devemse, para muitos participantes, a fatores intra-escolares, como formação do professor, vínculo entre professor e aluno, adequação e adaptação curricular,
métodos e objetivos do ensino. Apesar de considerarem estes fatores, os participantes continuam a buscar, na própria criança, as justificativas para suas dificuldades uma vez que continuam a utilizar amplamente testes e outros procedimentos do gênero. Neste
aspecto, podem-se retomar os estudos realizados por
Angelucci e cols. (2004) que destacam o quanto o
viés psicologizante ainda está presente nas explicações acerca do fracasso escolar influenciado, principalmente, por uma visão ideológica pautada no liberalismo que coloca no indivíduo a responsabilidade
pelo seu sucesso ou fracasso, desconsiderando a divisão de classes sociais, fruto do capitalismo, que pelas relações sociais estabelecidas diferenciam os indivíduos, não dando a todos as mesmas condições para
o desenvolvimento de todas suas potencialidades, inclusive a de se apropriar do conhecimento.
Constatou-se que, após a realização da avaliação da
queixa escolar, o procedimento mais utilizado para o
encaminhamento e intervenção, pelos participantes, foi
o encaminhamento do aluno para a área da saúde, o
que reforça a concepção de que as dificuldades encontram-se na própria criança, o que estaria de acordo
com uma concepção inatista de desenvolvimento, a qual,
conforme menciona Rego (1995), se caracteriza por
compreender que os fatores maturacionais e hereditários são responsáveis pela constituição do ser humano e do processo de conhecimento.
Destaca-se, neste momento, que aqui tem se defendido que a análise do desenvolvimento da criança,
das suas dificuldades e potencialidades, deve ser
permeada por uma compreensão de que o sucesso
escolar depende de mudanças estruturais que dêem
destaque à educação e à escola, na transmissão dos
conhecimentos científicos. Partindo das idéias de
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma
Vigotski, Facci (2004) ressalta quanto a apropriação
dos conhecimentos científicos provoca o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Destarte,
a escola deve criar meios para que esses conhecimentos sejam apropriados por todos os indivíduos
que passam pelos bancos escolares.
Para finalizar, considerando a perspectiva Histórico-cultural na avaliação psicológica das queixas escolares, é importante salientar como analisar a história da
produção da queixa, o contexto em que ela foi produzida, as medidas pedagógicas tomadas para a superação das dificuldades e as superações já alcançadas em
relação às dificuldades apresentadas pelos alunos. Envolver equipe pedagógica, professores e pais no processo de avaliação é primordial, de forma que todos
possam auxiliar na compreensão e na avaliação da
potencialidade da criança; na utilização de testes psicológicos como complemento da avaliação e não como
critério de classificação e discriminação.
Por fim, fazer uma avaliação analisando todos os
aspectos que podem estar interferindo na apropriação do conhecimento pelo aluno, considerando as
condições histórico-sociais, fatores intra-escolares e
a dinâmica de funcionamento psicológico do aluno,
compreendendo a avaliação como o início de uma intervenção que deve contribuir para o processo de
humanização.
Referências
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Recebido em: 04/04/2007
Revisado em: 26/12/2007
Aprovado em: 17/01/2008
Sobre as autoras
Marilda Gonçalves Dias Facci ([email protected]) – Doutora em Educação Escolar pela UNPES/Araraquara; professora do curso de Psicologia
da Universidade Estadual de Maringá-UEM e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia-PPI; coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia/UEM.
Nilza Sanches Tessaro Leonardo - Doutora em Psicologia pela PUC/Campinas; professora do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá
–UEM e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia-PPI
Záira Fátima de Rezende Gonzalez Leal - Mestre em Educação pela UNESP/Marília; doutoranda em Psicologia na USP/SP, professora do curso de
Psicologia da Universidade Estadual de Maringá-UEM
Valéria Garcia da Silva - Aluna do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá-UEM
Cintia Godinho Roma - Aluna do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá-UEM
Endereço para correspondência
Marilda Gonçalves Dias Facci
Rua Parque do Horto, 124, Jardim Parque do Horto
Fone: (44) 3261-4416 (UEM)
CEP: 87.060-285 – Maringá-PR
e-mail: [email protected]
338
Psicologia Histórico-Cultural e Avaliação Psicológica... • Marilda Facci, Nilza Tessaro, Záira de Rezende Gonzalez Leal, Valéria da Silva e Cintia Roma
Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando crianças residindo com a mãe e
com ambos os pais
Envolvimento materno e desempenho acadêmico
Carolina Severino Lopes da Costa
Fabiana Cia
Elizabeth Joan Barham
Resumo
Este estudo objetivou comparar o envolvimento materno de crianças que vivem com a mãe e com ambos os pais e o desempenho acadêmico de crianças
que vivem nesses dois contextos e relacionar a freqüência de envolvimento materno com o desempenho acadêmico das crianças. Participaram 30
crianças com idades entre 9 e 11 anos, alunos de 3a e 4a séries, metade vivendo em famílias monoparentais e metade com ambos os pais. Para avaliar
o desempenho escolar das crianças, utilizou-se o Teste de Desempenho Escolar (TDE). Para caracterizar o envolvimento materno, usou-se o Questionário
da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos. Os resultados mostraram que houve algumas diferenças significativas no envolvimento materno
nos dois grupos. Além disso, o envolvimento materno no grupo monoparental apresentou uma relação muito maior com o desempenho escolar de seus
filhos do que no grupo biparental.
Palavras-chave: famílias monoparentais; família; desempenho acadêmico.
Maternal involvement and academic performance: comparing children
living with their mother and with both parents
Abstract
This study aimed to compare maternal involvement among children living with their mother or with both parents and the academic performance of
children in these two family contexts and correlate the frequency of the mother’s involvement with their child’s academic performance. The 30 children
who participated in this study ranged in age from 9 to 11 years, studying in the third or fourth grade, with half living in single-parent families and half living
with both parents. The Academic Achievement Test (AAT) was used to evaluate the children’s academic performance. The Questionnaire on the Quality
of Family Interactions – Child Version captured maternal involvement. Results showed that there were several significant differences between the two
children’s groups, in terms of their mothers’ involvement. In addition, maternal involvement in the single parent group showed a much stronger
relationship with the children’s academic performance than in the two parent groups.
Keywords: singles parents; family; academic achievement.
Envolvimiento materno y desempeño académico: comparando niños
viviendo con la madre y con los dos padres.
Resumen
Este estudio tuvo como objetivo: comparar el envolvimiento materno de niños que viven con la madre y con los dos padres; comparar el desempeño
académico de niños que viven en esos dos contextos y relacionar la frecuencia de envolvimiento materno con el desempeño académico de los niños.
Participaron 30 niños con edades entre 9 y 11 años, alumnos de 3º y 4º grado, siendo que mitad vivía en familias mono parentales y mitad con los dos
padres. Para evaluar el desempeño escolar de los niños se utilizó el Teste de Desempenho Escolar (TDE). Para caracterizar el envolvimiento materno se
utilizó el Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos. Los resultados mostraron algunas diferencias significativas em el envolvimiento
materno em los dos grupos. Además de eso, el envolvimiento materno en el grupo mono parental presentó una relación mucho mayor con el desempeño
escolar de sus hijos en comparación al grupo bi-parental.
Palabras clave: familias mono parentales; família; desempeño académico.
339
A família, como instituição social, tem passado por
muitas mudanças em sua estrutura. Ferreira (2005)
aponta que as mudanças ocorridas no último século
caminham para uma redução do número de membros da família. O modelo que predominava nas sociedades rurais, no início do século XX, denominado a
Família estendida, compreendia pai, mãe, filhos, tios,
avós, primos etc.
Entretanto, com a urbanização e o aparecimento
de meios cada vez mais eficazes e socialmente aceitáveis no controle de natalidade, houve redução no tamanho da família, passando para uma nova estrutura
predominante, denominada Família nuclear (pai-mãefilhos). Esta estrutura estava mais bem adaptada aos
custos de vida na cidade e ao novo papel social e profissional da mulher que deixou de ser exclusivamente
uma dona de casa, tornando-se, ao lado do marido,
provedora do lar (Brandth & Kvande, 2002; Dantas,
Jablonski & Féres-Carneiro, 2004).
Apesar do conceito da família nuclear “intacta” permanecer como a estrutura ideal na cultura ocidental,
a existência de outras estruturas aumenta a cada dia
(Kauffman, 2001). Dados do censo do IBGE-2000
(conforme citado por Ferreira, 2005) destacam questões importantes para a compreensão da vida familiar
atual, em relação ao censo anterior: a família de tipo
nuclear diminuiu de 58,4% para 55%; o número de
mulheres sem marido (viúvas, mães solteiras, divorciadas) aumentou de 15,1% para 17,1% e o número
de pessoas vivendo sozinhas aumentou de 7,3% para
8,6%. Conclui-se que a prevalência do modelo da família nuclear está diminuindo, enquanto outros modelos de vivência têm emergido (Dessen & Silva,
2004).
Um fator que mantêm a visão da família nuclear
como um modelo ideal diz respeito à comprovada
importância do envolvimento dos pais com os filhos
para o desenvolvimento sócio-emocional e acadêmico
das crianças (Applyard, Egeland, Dulmen & Sroufe,
2005; Dunn, 2004; Hill & Taylor, 2004). O progresso
no aprendizado escolar, por exemplo, está associado à
supervisão e à organização das rotinas no lar, a oportunidades de interação com os pais e à oferta de recursos no ambiente físico (Marturano, 2004). Contudo,
existem muitas crianças que não gozam da oportunida340
de de serem educadas, diariamente, por ambos os pais.
Quando os dois pais não vivem no mesmo domicílio com seus filhos, quase sempre há uma freqüência
baixa de contato com o pai não-residente. Sabe-se
que uma proporção substancial de crianças tem sido
criada ou educada dentro de famílias monoparentais,
usualmente resultante de divórcio, mas também provenientes de nascimentos fora do casamento, viuvez
precoce, em função de um local de trabalho distante
por parte do pai, entre outros motivos (Dessen &
Silva, 2004; Kauffman, 2001).
Em geral, o divórcio é considerado de forma negativa, pois é visto como um evento traumático, tanto para os pais como também para as crianças. No
início, muitas crianças manifestam alguns distúrbios
emocionais, tipicamente envolvendo uma combinação
de raiva, ansiedade, depressão, dependência e nãosubmissão. O período de adaptação ao divórcio é de
aproximadamente três anos, embora existam crianças que se ajustem rapidamente e seguem suas vidas
sem apresentarem problemas emocionais e/ou
comportamentais (Kauffman, 2001).
Apesar do período de adaptação poder ser difícil,
deve-se ressaltar que a separação dos pais pode ter
aspectos positivos para todos os membros da família, principalmente quando a criança vivenciava situações de violência física e verbal, ou quando um dos
pais tem comportamento anti-sociais, o que poderia
trazer maiores intercorrências para o seu desenvolvimento se os pais permanecessem unidos (Guille,
2004; Jaffee, Moffitt, Caspi & Taylor, 2003).
A forma como as crianças se ajustam ao divórcio
depende de várias circunstâncias associadas à dissolução familiar, incluindo a idade das crianças quando o
divórcio ocorreu, nível de conflito familiar antes e após
o divórcio, nível de afeiçoamento da criança ao cônjuge possuidor da custódia, características do cuidador
que tem a custódia, comportamento do progenitor
visitante, situação econômica do responsável pelas
crianças, suporte de outros membros da família e
características cognitivas e afetivas das crianças (Zigler
& Finn-Stevenson, 1997).
Não é possível predizer com precisão a ocorrência de desordens afetivas e comportamentais infantis
decorrentes do divórcio, porém muitas crianças e
Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham
adolescentes que têm pais separados apresentam
desempenho escolar mais baixo e menor confiança
em suas habilidades acadêmicas, quando comparadas
com crianças de famílias intactas (Kauffman, 2001).
Além da intensificação desses fatores de risco
que acompanham o divórcio, é preocupante os impactos desta separação dos pais sobre a freqüência
e a qualidade da interação entre o principal cuidador
(normalmente a mãe) e as crianças. Por um lado, o
contexto monoparental pode reduzir o tempo que
o cuidador principal tem para interagir com seus
filhos, uma vez que este se encontra sozinho para
executar muitas funções (trabalhar fora, realizar tarefas domésticas, dar atenção aos filhos). Por outro lado, pode ser que esta pessoa passe a contar
com a maior colaboração de seus filhos do que em
famílias bi-parentais, gerando uma interdependência
familiar maior e elevado senso de responsabilidade
entre estas crianças, que pode estreitar e fortalecer esta relação.
Soma-se o fato que a ausência ou baixo
envolvimento do pai, em si, constitui um fator de risco adicional ao desenvolvimento das crianças, pois
várias pesquisas demonstraram que o envolvimento
do pai afeta a dedicação dos seus filhos aos estudos,
com impactos no seu desempenho acadêmico (Flouri
& Buchanan, 2003; Gutman, Sameroff & Cole, 2003;
Lamb, 1997).
Em uma pesquisa envolvendo crianças em idade
escolar, Cia, D’Affonseca e Barham (2004) verificaram a relação entre a qualidade do relacionamento
com o pai (na visão do pai e da criança) e o desempenho acadêmico das crianças. Participaram deste estudo 58 pais (homens) e seus filhos da quinta e sexta
série, de classes socioeconômicas baixa, que viviam
com ambos os pais biológicos. Os resultados demonstraram que a maior freqüência de comunicação entre
pai e filho, bem como, a de participação do pai nas
atividades escolares, culturais e de lazer do filho estava positivamente correlacionada com melhor desempenho da criança em leitura, escrita e na pontuação
total do Teste de Desempenho Escolar.
Considerando que a ausência paterna se configura como fator de risco para o desenvolvimento infantil, pesquisas que possam averiguar a freqüência
do envolvimento de mães sozinhas com seus filhos,
comparadas com mães em contextos bi-parentais,
podem contribuir na identificação de fatores de
proteção, que reduzem o risco para o desenvolvimento infantil.
Além disso, podem fornecer dados importantes
que subsidiam o planejamento de intervenções para
auxiliar as famílias monoparentais a organizarem e distribuírem seu tempo de modo a maximizar oportunidades de interação e o desenvolvimento acadêmico
dos filhos. Sendo assim, os objetivos deste estudo
são comparar o envolvimento materno de crianças
que vivem com a mãe ou com ambos os pais e o
desempenho acadêmico de crianças que vivem nesses dois ambientes familiares e relacionar a freqüência
de envolvimento materno com o desempenho acadêmico das crianças.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 30 crianças, com idades variando entre 9 e 11 anos (média de idade de
9,6 anos), sendo 13 do sexo feminino e 17 do sexo
masculino. Exatamente metade estava na 3a série e a
outra metade na 4a série do Ensino Fundamental, assim como, metade vivia com ambos os pais e metade
apenas com a mãe. Todas as crianças eram de classe
sócio-econômica baixa.
Local
A pesquisa foi realizada em uma instituição que
atende crianças carentes, disponibilizando aulas de
reforço, atividades esportivas e recreativas, em período oposto ao das aulas. Essa instituição está localizada em uma cidade de médio porte do interior do estado de São Paulo.
Materiais e Instrumentos
Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein,
1994). O TDE é um instrumento com propriedades
psicométricas adequadas para avaliar capacidades fundamentais para o desempenho escolar. Pode ser empregado para avaliar crianças desde a 1a à 6a séries do
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351
341
Ensino Fundamental, composto por três subtestes:
escrita, envolvendo a escrita do nome próprio e de
34 palavras isoladas, apresentadas sob a forma de ditado; aritmética, que requer a solução oral de três
problemas e cálculos de 35 operações aritméticas,
por escrito e leitura, requerendo o conhecimento de
70 palavras, isoladas do contexto.
Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos (Cia e cols., 2004). Este
instrumento é composto por várias escalas, tipo Likert,
e contemplam uma diversidade de indicadores de
envolvimento positivo dos pais com os filhos. Neste
estudo, foram utilizadas três escalas, com a pontuação de freqüência para os itens, variando entre 1, ‘nunca’ a 5, ‘sempre’, que foram adaptadas para utilização
nessa pesquisa, sendo elas:
1- Escala de freqüência de interações iniciadas
pela mãe, para com seu filho, contendo 16 itens
(α = 0,81);
2- Escala de freqüência de interações iniciadas
pelo filho, para com sua mãe, contendo 15 itens
(α = 0,67);
3- Escala de freqüência de participação das mães
nas atividades escolares, culturais e de lazer dos
filhos, contendo 32 itens (α = 0,85).
Procedimento de coleta de dados
Para obter a autorização dos responsáveis (neste
estudo, sempre as mães) e para solicitar a participação
das crianças, foi agendada, primeiramente, uma reunião em que foram apresentados os objetivos do estudo, a forma de participação das crianças e, para as interessadas, solicitou-se a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, foram agendados
horários para aplicar o TDE e para preenchimento do
questionário pelas crianças. Apesar de o questionário
ser um instrumento preenchido pelo participante, todos os itens das escalas foram lidos para cada criança,
sendo dado um cartão contendo as cinco opções de
resposta (que variou de ‘nunca’ a ‘sempre’) para a criança apontar a freqüência aproximada da ocorrência
de cada tipo de interação ou de acompanhamento. Essa
aplicação foi feita de forma individual, em uma sala
disponibilizada pela instituição, livre de interferências.
342
Procedimento de análise dos dados
Os dados provenientes do TDE foram pontuados
com base no manual do instrumento. Com os dados
quantitativos, provenientes do Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos, análises
descritivas (medidas de tendência central e dispersão) foram realizadas. Além disso, para os conjuntos
de itens que compõem cada escala, foi feita uma análise de consistência interna da escala como um todo
(calculando o alfa de Cronbach).
Para comparar os dois grupos de crianças (pais
juntos e mães separadas) em relação ao envolvimento
das mães com os filhos e ao desempenho acadêmico das crianças, utilizou-se o Teste-t. Para
correlacionar a freqüência de envolvimento materno com o desempenho acadêmico das crianças, o
teste de correlação linear de Pearson foi utilizado.
Todas as análises quantitativas foram realizadas, usando o aplicativo SPSS 10.0.
Resultados
Os resultados comparam e relacionam a freqüência
da interação entre mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças, entre crianças que viviam com
ambos os pais e crianças, com as mães, sendo apresentados em três conjuntos: interação entre mãe e
filho; desempenho acadêmico das crianças e relações
entre a interação mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças.
Interação entre mãe e filho
A Tabela 1 apresenta a freqüência de interações
iniciadas pelas mães, para com seu filho, segundo a
opinião dos filhos, comparando crianças que viviam com ambos os pais e crianças que viviam com
as mães.
De modo geral, as mães de ambos os grupos mostraram alta freqüência de interação com os filhos. As
duas diferenças encontradas, segundo a opinião das
crianças, foram as seguintes: no grupo em que os pais
moravam juntos, as mães perguntavam onde os filhos
estavam indo e com quem, quando saíam de casa,
com uma freqüência significativamente maior do que
Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham
as mães monoparentais. Além disso, segundo as crianças, as mães monoparentais gritavam, xingavam ou
De novo, a maior parte dos itens não apresentou diferença estatisticamente significativa, entre os
Tabela 1. Interação entre mãe e filho: Comparação de crianças que viviam com ambos os pais e
crianças de mães monoparentais
Nota: A freqüência foi apontada usando uma escala que variou de 1, ‘nunca’ a 5, ‘sempre’.
*p<0,05.
batiam nas crianças, sem que tenham feito algo de
errado, com uma freqüência significativamente maior
que as mães que eram casadas.
A Tabela 2 apresenta a freqüência de interações
iniciadas pelos filhos, para com sua mãe, segundo a
opinião dos filhos, comparando crianças que viviam
com ambos os pais e crianças de mães separadas.
dois grupos de crianças. Os dois itens envolvendo
diferenças entre os dois grupos foram os seguintes: as crianças cujos pais moravam juntos apontaram que elas (as crianças) respondiam às perguntas
que a mãe fazia, sem mentir ou esconder as coisas,
com uma freqüência significativamente maior do que
as crianças cujas mães eram separadas e as crian-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351
343
Tabela 2. Interação entre filho e mãe: Comparação de crianças que viviam com ambos os pais e
crianças de mães monoparentais
Nota: A freqüência foi apontada usando uma escala que variou de 1, ‘nunca’ a 5, ‘sempre’.
*p<0,05.
ças cujos pais eram separados apontaram que elas
(as crianças) pediam que a mãe ajudasse a fazer
atividades escolares, com uma freqüência significativamente maior do que as crianças cujas mães
eram separadas.
A Tabela 3 apresenta a freqüência de participação
das mães nas atividades escolares, culturais e de lazer
dos filhos, segundo a opinião dos filhos, comparando
crianças que viviam com ambos os pais e crianças
com mães monoparentais.
344
Todas as mães mostraram um bom envolvimento em
relação às atividades escolares, culturais e de lazer dos
filhos, segundo o relato das crianças. No entanto, as crianças que moravam com ambos os pais apontaram que
suas mães realizavam as seguintes atividades com uma
freqüência significativamente maior do que as crianças com
mães monoparentais: Pede que você faça tarefas domésticas; Procura te ajudar quando você tira notas ruins; Olha
seus cadernos para ver se você tem tarefa de casa e Compra
ou pega emprestado livros, gibis, revistas para você ler.
Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham
Tabela 3. Participação das mães nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos: Comparação
de crianças que viviam com ambos os pais e crianças de mães monoparentais
Nota: A freqüência foi apontada usando uma escala que variou de 1, ‘nunca’ a 5, ‘sempre’. + p<0,1; *p<0,05; **p<0,01.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351
345
Desempenho acadêmico das crianças
A Tabela 4 apresenta as médias das crianças nos
subtestes do TDE.
Não houve diferenças estatisticamente significativas no desempenho acadêmico, entre as crianças que
série para ter uma distribuição equivalente à das crianças da 3ª série. Para tanto, foram retirados quatro
pontos dos escores de cada criança da 4ª série em
aritmética, três pontos em escrita e sete pontos da
pontuação total no TDE.
Tabela 4. Pontuação obtida no Teste de Desempenho Escolar por série
Nota: Pontuação máxima possível nos subtestes do TDE: aritmética = 38; escrita = 35; leitura = 70.
viviam com ambos os pais e as crianças vivendo com
mães monoparentais. Por isso, optou-se por apresentar as médias das crianças da 3ª e 4ª séries, sem
separá-las pelas constituições familiares.
Em aritmética, as crianças da 3ª série estavam na
média e as da 4ª série estavam ligeiramente abaixo da
média, de acordo com as normas de classificação do
TDE. No subteste de escrita, as crianças de ambas as
séries estavam na média e, no subteste de leitura,
ambas estavam abaixo da média. No escore total, as
crianças da 3ª série estavam na média e as da 4ª série
estavam abaixo da média.
Relações entre a interação mãe e filho e o
desempenho acadêmico das crianças
Para correlacionar as três medidas do
envolvimento mãe-filho com o desempenho acadêmico das crianças, foi necessário combinar os escores das crianças da 3a e 4a séries no TDE. Sempre
que é preciso combinar dados de dois grupos independentes, com distribuições normais, mas médias
diferentes pode-se subtrair ou somar um valor fixo
a todos os escores de um dos grupos, para transpor a média para o mesmo valor do segundo grupo,
sem afetar a forma da distribuição dos escores do
primeiro grupo (Hays, 1981). Sendo assim, optouse por transformar os escores das crianças da 4ª
346
A Tabela 5 mostra as correlações entre as medidas de interações mãe-filho e o desempenho acadêmico das crianças, considerando as crianças que moravam com ambos os pais.
Pode-se verificar que houve uma correlação positiva e significativa entre a pontuação total no TDE e
os dois itens das escalas de envolvimento materno: a
freqüência de a mãe gritar com o filho, quando faz
algo errado, e a freqüência da criança falar para sua
mãe quando não gostou de algo que ela fez ou disse.
A Tabela 6 mostra as correlações entre as medidas de interação mãe-filho e o desempenho acadêmico das crianças, considerando as crianças que moram
apenas com a mãe.
Pode-se verificar que algumas habilidades comunicativas e várias atividades que as mães estavam realizando com os filhos estavam correlacionadas com
pelo menos um dos subtestes do TDE. Ou seja, percebe-se que o envolvimento materno no contexto
monoparental estava altamente relacionado com o
desempenho acadêmico dos seus filhos.
Em relação ao primeiro conjunto de dados – envolvendo a comparação do grupo de crianças com
mães monoparentais com o de crianças cujos pais viviam juntos, em relação à freqüência de cada tipo de
interação mãe-filho, de modo geral, segundo relato
das crianças, houve alta freqüência de interação das
Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham
Tabela 5. Correlações significativas (Pearson) entre os indicadores de envolvimento materno e o
desempenho escolar de crianças cujos pais moravam juntos
Nota: *p<0,05.
Tabela 6. Correlações significativas (Pearson) entre os indicadores de envolvimento materno e o
desempenho escolar de crianças com mães monoparentais
Nota: *p<0,05; **p<0,01; ***p<0,001.
mães com os filhos em ambos grupos de crianças.
De acordo com a literatura (Alvarenga & Piccinini,
2001; Anselmi, Piccinini, Barros & Lopes, 2004;
Atzaba-Poria, Pike & Deater-Deckard, 2004;
D’Affonseca, 2005; D’Avila-Bacarji, Maturano & Elias,
2005; Hill & Taylor, 2004; Kenny & Gallagher, 2002),
o bom envolvimento de um adulto responsável contribui para a maximização de diversas áreas do de-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351
347
senvolvimento infantil, especialmente o desenvolvimento sócio-emocional e cognitivo.
Entretanto, foi possível observar algumas diferenças na interação das mães bi e monoparentais com
seus filhos. Parece que as mães no contexto bi-parental
dispunham de mais tempo, em média, do que as mães
monoparentais, para monitorar as atividades sociais
de seus filhos (Kauffman, 2001; Tiedje, 2004).
Além disso, as mães monoparentais apresentaram
maior freqüência de alguns comportamentos negativos, o que também pode ser um indício de que estas
mães estejam mais estressadas do que as mães do contexto biparental. Como as mães monoparentais costumam lidar com um acúmulo maior de funções do que
mães agindo num contexto bi-parental, isto pode gerar maior estresse e cansaço, associados a maior nervosismo e menor paciência para com os filhos.
Observou-se também que as crianças com mães
monoparentais apontaram que mentem ou escondem
coisas de suas mães com uma freqüência significativamente maior do que as crianças cujos pais viviam juntos. Mentir e esconder coisas tende a acontecer quando a reação esperada por parte da mãe seria punitiva.
A falta de transparência e interações negativas interferem na qualidade do envolvimento materno e, por
conseqüência, torna-se um fator de risco para o desenvolvimento infantil (Coley, 2001; Tubbs, Roy &
Burton, 2005).
Considerando a participação das mães nas
atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos,
pode-se notar que as crianças que moravam com
ambos os pais apontaram contar com um
envolvimento materno mais freqüente do que no grupo de crianças com mães monoparentais em relação
a diversos itens. As mães, que contam com a presença do marido, podem ter mais tempo disponível para
ajudar e monitorar as atividades escolares dos filhos
e ainda terem melhor condição financeira para comprar coisas para seu filho (Guille, 2004).
Com relação ao segundo objetivo, visando à comparação do desempenho acadêmico das crianças que
moravam com ambos os pais e das crianças que viviam somente com a mãe, não houve diferenças significativas. Porém, todas as crianças tiveram um desempenho acadêmico abaixo da média em vários subtestes
348
do TDE, considerando que o desempenho acadêmico pode ser influenciado por um conjunto de variáveis, além do envolvimento materno. O impacto negativo de tais variáveis se torna mais evidente, considerando que as crianças estavam tendo reforço escolar e, ainda assim, apresentaram um desempenho
acadêmico abaixo do esperado (D’Affonseca, 2005;
Del Prette & Del Prette, 2005; Marturano, 2004).
Em relação ao terceiro objetivo, que relacionou a
interação entre mãe e filho e o desempenho acadêmico
das crianças, os resultados mostraram a ocorrência de
algumas correlações significativas em ambos os grupos
de crianças. No entanto, para o grupo de crianças que
viviam somente com a mãe, houve um número muito
maior de itens correlacionados com o desempenho acadêmico das mesmas do que no outro grupo de mães.
Como não há a presença do pai no grupo monoparental,
o que a mãe fazia não estava sendo complementado por
uma outra pessoa. Assim, parece que suas ações tiveram um impacto direto sobre o filho.
No contexto bi-parental, porém, o pai pode reforçar ou modificar o impacto do que a mãe faz. Assim, no contexto bi-parental, se fosse considerar o
envolvimento da mãe e do pai, em conjunto, pode
ser que passar-se-ia a ter muito mais correlações entre o envolvimento dos pais e o desempenho acadêmico de crianças.
Para o grupo de crianças que viviam apenas com a
mãe, os comportamentos da mãe de elogiar, impor
limites e solicitar que os filhos ajudem em tarefas domésticas foram os itens mais fortemente associados
com o desempenho acadêmico dos filhos. A literatura também indica que o reforço positivo aos comportamentos dos filhos, a imposição de regras e limites e a divisão de responsabilidades com os filhos
contribuem para maximizar o desenvolvimento
psicossocial e intelectual das crianças, ajudando-as no
seu desempenho escolar (Cooper & Cooper, 2005;
Del Prette & Del Prette, 2005).
É importante salientar que, no contexto
monoparental, houve uma correlação significativa e
negativa entre a ajuda com tarefas escolares por parte da mãe, por um lado, e o desempenho acadêmico
das crianças em aritmética e em escrita, por outro
lado. Esse dado está em acordo com Tiba (2006),
Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando... • Carolina Severino Lopes da Costa, Fabiana Cia e Elizabeth Joan Barham
que afirma que muitas mães crêem que quando executam as tarefas escolares para as crianças (no lugar
delas), estão ajudando, mas apenas contribuem para
interferir na aprendizagem das mesmas.
Considerando o conjunto de correlações entre
envolvimento materno e desempenho acadêmico das
crianças que surgiram nos dois grupos, percebe-se
que nenhum foi muito alto. Além disso, embora aparecerem várias correlações significativas, um número
muito maior dos itens das escalas de envolvimento
materno não apresentaram correlações significativas
com o desempenho escolar.
Domina (2005) afirma que o envolvimento parental,
como também sua eficácia, tende a declinar com o
aumento da idade da criança. Assim, como a faixa etária
pesquisada variou entre nove e onze anos, pode-se
supor que muitas das crianças já tenham adquirido
alto nível de independência com relação às atividades
ligadas ao seu desempenho acadêmico, com nível apenas mediano de necessidade de apoio por parte de
suas mães, reduzindo a probabilidade de detectar
correlações significativas.
Considerações Finais
Ainda que este estudo tenha sido conduzido com
uma amostra restrita de participantes, os resultados
claramente confirmam vários outros achados na literatura, referentes à importância do envolvimento
materno para o desempenho acadêmico de escolares, assim como aponta para algumas diferenças na
freqüência e tipo de envolvimento materno entre
mães bi e monoparentais. Assim, com base neste estudo, parece que seria frutífero prosseguir com pesquisas em amostras ampliadas, considerando diferentes estratos sociais.
Deve-se ressaltar, também, que alguns dos resultados deste estudo são correlacionais. Portanto, conclusões sobre a direção causal da relação entre
envolvimento materno e desempenho escolar não
podem ser estabelecidas. Estudos longitudinais seriam indicados para monitorar melhor a influência do
envolvimento materno sobre o desempenho acadêmico, ao longo do período de escolarização.
A maior freqüência de alguns comportamentos
negativos no grupo de mães monoparentais, segundo seus filhos, é preocupante, porque parece refletir uma situação de maior sobrecarga e estresse
no contexto mono do que no contexto biparental.
Dessa forma, estes resultados podem ajudar a fundamentar e direcionar intervenções para famílias
monoparentais, enfocando sua necessidade de apoio
prático e emocional e trabalhando com os comportamentos específicos que apresentaram correlações negativas com o desempenho acadêmico das
crianças.
Uma contribuição metodológica importante a
ressaltar em relação a este estudo foi o uso de relatos das crianças. Na maioria dos estudos, quando
se procura coletar dados sobre a relação mãe-filho, o ponto de vista mais procurado seria o da
mãe, supondo que ela seria uma informante mais
fidedigna. Porém, a opinião da criança sobre o
envolvimento de sua mãe é muito importante para
verificar a relação entre este e o desempenho escolar da criança. Em suma, acredita-se que este
estudo permite saber mais sobre as semelhanças e
diferenças no envolvimento materno nos contextos bi e monoparentais, bem como a relação entre
este envolvimento e o desempenho escolar de seus
filhos. Tendo em vista o aumento na porcentagem
de crianças vivendo no contexto monoparental, é
de extrema importância ter informações detalhadas comparando estes dois contextos a fim de compreender as necessidades específicas de cada tipo
de família e oferecer apoios adaptados a cada contexto.
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CA: Sage.
Recebido em: 13/03/2007
Revisado em: 04/06/2007
Aprovado em: 31/01/2008
Sobre as autoras
Carolina Severino Lopes da Costa ([email protected]) - Psicóloga, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial
da Universidade Federal de São Carlos.
Fabiana Cia ([email protected]) - Psicóloga, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de
São Carlos.
Elizabeth Joan Barham ([email protected]) - Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da
Universidade Federal de São Carlos.
Envio de correspondência/Leitor do artigo
Universidade Federal de São Carlos
Departamento de Psicologia/Laboratório de Análise e Prevenção de Violência (LAPREV)
A/C: Carolina Severino Lopes da Costa
Rodovia Washington Luís, Km 235, Caixa Postal: 676, CEP: 13565-905
São Carlos – SP – Brasil.
Telefones: (16) 3351-8745 / (16) 3351-8361
[email protected]
Nota das autoras
Apoio Financeiro: CAPES
Este trabalho foi originalmente desenvolvido como requisito da disciplina Estudos Avançados, do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial/
UFSCar, ministrada pelas Profas. Dra. Deisy das Graças de Souza, Dr a. Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil e Dra. Cláudia Maria Simões Martinez.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 339-351
351
Injustiças no cotidiano escolar: percepções de
membros de uma escola pública
Injustiças no cotidiano escolar
Thaise Beluci
Alessandra de Morais Shimizu
Resumo
Embasada nas teorias piagetiana e kohlberguiana sobre o desenvolvimento de julgamento moral, esta pesquisa teve como objetivo identificar as principais
ocorrências de injustiça no cotidiano de uma escola pública de ensino fundamental e médio do oeste paulista e comparar as percepções dos diferentes
membros da escola em pauta. A coleta de dados consistiu na aplicação de um questionário em 156 alunos, 39 pais de alunos, 15 professores e 11
funcionários, perfazendo um total de 221 participantes. Os dados foram analisados e comparados conforme o papel exercido por categoria do
participante na escola investigada. Os resultados demonstraram que a escola é concebida como um ambiente injusto por seus membros, no entanto, os
agentes que possibilitam ações consideradas injustas (professores, direção/coordenação, alunos, pais, polícia e sociedade) são percebidos de maneira
diferente de acordo com o papel desempenhado pelo membro da comunidade escolar.
Palavras-chave: desenvolvimento moral; aprendizagem; ambiente escolar.
Injustice in the daily school life:
perceptions of the members of a public school
Abstract
Based on piagetian and kohlbergian theory about the development of moral judgment, this research had as its objective to identify the main injustice
occurrence in the daily life of an Elementary and Secondary Public School in the West of Sao Paulo State, and compare the different member’s
perceptions of the mentioned school. The data collection was constituted of a questionnaire application based on the following sample: 156 students,
39 student parents, 15 teachers and 11 staff members, bringing it up to a total of 221 participants. The data were analyzed and compared according
to the role performed by each participating category in the investigated school. The results showed that the school is seen as an unjust environment by
its members, however, the agents that enable actions considered unjust (teachers, principal’s office/teacher co-ordination, students, parents, police and
community) are perceived in a different way according to the role performed by each school community member.
Keywords: moral development; learning; school environment.
Injusticias en el cotidiano escolar:
percepciones de miembros de una escuela pública
Resumen
Con base en las teorías piagetiana y kohlberguiana sobre el desarrollo del juicio moral, esta investigación tuvo como objetivo identificar los casos
principales de injusticia en el cotidiano de una escuela pública de enseñanza primaria y secundaria del oeste paulista, y comparar las percepciones de los
diferentes miembros de esa escuela. La cosecha de datos consistió en la aplicación de un cuestionario en 156 alumnos, 39 padres de alumnos, 15
profesores y 11 funcionarios, totalizando 221 participantes. Los datos fueron analizados y comparados de acuerdo al papel ejercido por categoría del
participante en la escuela investigada. Los resultados demostraron que la escuela es concebida por sus miembros como un ambiente injusto, y que por
otro lado, los agentes que posibilitan acciones consideradas injustas (profesores, dirección/coordinación, alumnos, padres, policía y sociedad) son
percibidos de forma diferente de acuerdo con el papel desempeñado por el miembro de la comunidad escolar.
Palabras clave: desarrollo moral; aprendizaje; ambiente escolar.
353
Introdução
Atualmente, frente a uma crise de valores, violência, corrupção e desigualdade na nossa sociedade brasileira, refletido no contexto educacional por
meio de problemas relacionados à violência,
indisciplina e desinteresse, há uma grande preocupação com o aspecto moral da educação e sua consideração tanto no meio acadêmico como nas propostas sociais. Por um lado, as novas propostas que têm como principais representantes os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental e Médio (Brasil, 1997, 1998) – assim
como diferentes pesquisadores (Araújo, 2002,
2003, 2004; Buxarrais, 1997; Menin, 2000, 2002a,
2002b; Puig, 1998; Shimizu, 1998; Shimizu e cols.,
2003) defendem que cabe à escola participar da
formação moral de seus alunos, atuando dentro dos
princípios democráticos visto que é mais um meio
social na vida dos indivíduos.
Por outro lado, constata-se que a implantação dessas propostas é, ainda, um grande desafio e envolve
uma diversidade de fatores que, segundo Araújo
(2002), perpassam desde os conteúdos escolares e a
metodologia das aulas até os valores dos membros
da comunidade escolar e a maneira como as relações
interpessoais se dão, dentre outros fatores.
Concorda-se aqui com Araújo (2002), ao considerar que um fator relevante, mas não único, da ocorrência da indisciplina na escola seja os tipos de relações interpessoais estabelecidas entre os diferentes
membros da comunidade escolar. Com base em
Piaget (1932/ 1994) e Kohlberg (1976/1992), supõese que o tipo de respeito presente nessas relações e
o fato dessas relações serem consideradas justas ou
injustas pelos atores nelas envolvidos são fatores importantes para a direção em que se dá o desenvolvimento moral dos mesmos, e, conseqüentemente, para
a forma como eles se relacionam com as normas e
regras escolares. Como o apoio teórico está nos dois
autores referidos, são acrescidas aqui as informações
mais pertinentes de suas proposições.
Na obra O Juízo Moral na Criança, publicada em
1932, ao investigar o desenvolvimento do julgamento moral na criança, Piaget (1932/1994) distinguiu duas
354
morais relacionadas a dois tipos de respeito: a moral
da coação ou da heteronomia, na qual a regra é exterior ao indivíduo, proveniente de um adulto e acompanhada do respeito unilateral; e a moral da cooperação ou da autonomia, na qual a regra provém do indivíduo, é interior a ele e apresenta como guia o respeito mútuo. O ideal é que, segundo esse autor, com o
passar dos anos, a criança passe da heteronomia para
a autonomia moral.
Relacionado com esses dois tipos de moral, Piaget
(1932/1994) descreveu três períodos no desenvolvimento da justiça na criança. O primeiro, em que a
justiça está completamente subordinada à autoridade
adulta, caracterizado pela não-diferenciação do justo
e do injusto com o dever e a desobediência. A criança, nessa época, considera injustas apenas as condutas em que não são seguidas as regras ordenadas pelos adultos, prevalecendo o respeito unilateral e a
heteronomia da lei. No segundo período são identificados o igualitarismo e o desenvolvimento progressivo da autonomia, além do predomínio da busca igualdade sobre a autoridade. E o terceiro período, em
que o igualitarismo cede lugar à eqüidade, consiste
em uma relação baseada não sobre a igualdade, mas
sobre a situação real de cada indivíduo no que diz
respeito a necessidades e capacidades.
Piaget (1932/1994) investigou, também, exemplos
de injustiças, segundo as crianças, e percebeu a existência de quatro tipos de respostas: condutas contrárias às ordens e a fazer algo proibido, condutas
contrárias às regras do jogo e à igualdade, e injustiças
referentes à sociedade adulta, como injustiças
econômicas, políticas e sociais.
Conforme Piaget (1930/1996, 1932/1994), certas experiências morais orientarão a criança para uma
ou outra direção. A autoridade adulta constitui um
momento necessário na evolução moral da criança,
mas não é suficiente para construir o senso de justiça,
que só se desenvolve com a cooperação e o respeito
mútuo. Dessa forma, a escola deve ser um local em
que a criança possa vivenciar a moralidade, impulsionando a construção de personalidades autônomas
aptas à cooperação.
Com base nessa concepção, Piaget (1930/1996)
defende o método ativo de educação moral, que se
Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu
baseia na idéia de que os conteúdos devem ser
(re)descobertos pelas próprias crianças, através de
uma investigação e atividade espontâneas, ao invés de
serem impostos de fora. Nesse método, a educação
moral não constitui uma matéria à parte, e sim compõe todas as disciplinas, de maneira transversal, como
também é proposto nos Parâmetros Curriculares
Nacionais. É fundamental, ainda, que a classe forme
uma sociedade real, isto é, uma associação que envolva trabalho comum entre seus membros, na qual possam organizar suas próprias leis disciplinares bem
como àqueles que terão a função de governar e repreender quando necessário. Em suma, o método
ativo busca sempre não impor pela autoridade aquilo
que a criança possa descobrir por si mesma e, conseqüentemente, criar um meio social infantil onde a criança possa realizar as experiências desejadas (Piaget,
1930/1996).
No campo do Desenvolvimento Moral deve-se
destacar, também, a contribuição do psicólogo norteamericano Lawrence Kohlberg que, além de dar prosseguimento aos estudos piagetianos sobre a evolução
da moral na criança, realizando pesquisas interculturais,
procurou, também, inserir no cotidiano escolar uma
Educação Moral que possibilitasse graus de consciência moral cada vez mais elevados nos jovens.
Para Kohlberg (1976/1992), a estrutura essencial
da moralidade é a justiça, e tem seu desenvolvimento
por meio de seis estágios morais, agrupados em três
grandes níveis da moralidade: o pré-convencional, o
convencional e o pós-convencional.
No primeiro nível moral, o pré-convencional, a
criança percebe a existência das regras sociais, do bem
e do mal. No entanto, para ela o valor moral está,
ainda, localizado nos acontecimentos externos e baseado no poder físico de quem estipula a regra moral. O nível convencional implica em conformidade
e manutenção das normas mediante a identificação
com a ordem social ajustada a fim de ser preservada
a lealdade para com a família, o grupo ou a nação. O
nível pós-convencional é caracterizado pelo entendimento e aceitação das normas da sociedade, com base
em princípios morais gerais que transcendem essas
regras. Nesse patamar do desenvolvimento moral, o
indivíduo tem o seu “eu” diferenciado das normas e
expectativas, definindo seus valores de forma
autônoma e justa.
Kohlberg (1976/1992) defende, ainda, a idéia de
que o contato do indivíduo com um estágio imediatamente superior ao próprio impulsiona a evolução
moral, visto que os sujeitos tendem a assimilar o raciocínio moral a partir desse estágio posterior. Esse
movimento dá-se por meio de uma reflexiva organização que surge das contradições percebidas na estrutura de seu estágio atual; assim, as experiências de
conflito cognitivo podem ser eliciadas pela exposição de situações que suscitem contradições internas
nas estruturas do pensamento moral. A partir
desse princípio básico, ele elaborou dois tipos de programa educacional: a discussão de dilemas morais em
grupos e a construção de comunidades justas.
O Programa de Educação Moral, baseado na discussão de dilemas morais, visava promover o desenvolvimento moral, gerando um confronto de opiniões entre os participantes, o que originava um conflito cognitivo, que por sua vez, conduzia a uma maior
maturidade de julgamento moral. Essa técnica requer
a formação de grupos de 10 a 12 sujeitos, que se
encontrem em diferentes estágios, orientados por um
coordenador para debater dilemas morais. O papel
do coordenador é engajar os participantes na discussão, examinar os pontos de vista conflitantes, para
que, posteriormente, uma solução seja proposta pelo
próprio grupo (Biaggio, 2002).
No entanto, Kohlberg e seus colaboradores
(Kohlberg, Power & Higgins, 1989/1997) sentiram a
necessidade de introduzir uma nova estratégia de
Educação Moral, com a qual procurassem eliminar a
artificialidade dos dilemas morais e de suas soluções
pelo debate, substituindo-os pela discussão de situações práticas do cotidiano, que necessitassem de soluções e ações morais verdadeiras.
Segundo Kohlberg, Power e Higgins (1989/1997)
e Biaggio (1997, 2002), o método em questão, denominado “Comunidade Justa”, dentre outras experiências, foi colocado em prática em 1974, e teve a
duração de cinco anos, em uma escola pública denominada Cluster, localizada dentro da Cambridge High
School. Essa escola funcionava, de forma geral, da seguinte maneira: uma vez por semana, alunos e profes-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 353-364
355
sores realizavam a reunião da comunidade, na qual
discutiam as regras, bem como a manutenção das
mesmas, cada um tinha direito a um voto e predominava a decisão votada pela maioria; na véspera da reunião, acontecia o encontro dos grupos conselheiros,
pequenos grupos que introduziam as questões que
necessitavam de discussão na reunião da comunidade; quando um ato necessitava de punição, a mesma
era estudada por uma comissão de alunos e professores, considerando que ambos tinham os mesmos
direitos e privilégios, a sanção aplicada tinha o intuito
de reafirmar a autoridade e reparar os danos causados à comunidade.
De acordo com Biaggio (2002), a “Comunidade
Justa” visa a uma aprendizagem de participação democrática, aumento do senso de responsabilidade,
motivação para o trabalho escolar, cidadania e autoestima. Numa comunidade democrática, professores
e alunos são membros iguais, têm os mesmos direitos e deveres, pois compartilham de um projeto comum, a construção de uma comunidade justa, o que
envolve estabelecer regras para tal. Conseqüentemente, os professores devem estar dispostos a trabalhar
de acordo com esses procedimentos. Isso serve também para os alunos. Há, ainda, evidências de que esse
método pode levar a estágios elevados da moral e
influenciar no tratamento entre os membros.
De acordo com Menin (2003), não obstante a experiência de Kohlberg e as idéias sobre escolas democráticas sejam conhecidas, esse tipo peculiar de
organização não condiz com o contexto escolar atual
visto que, muitas vezes, conforme demonstram as
pesquisas de Carbone e Menin (2004) e Shimizu e
cols. (2003), a escola aparece aos olhos dos alunos
como espaço de injustiças diversas e freqüentes, sendo sua realidade muito diferente de uma comunidade
justa.
A pesquisa de Shimizu e cols. (2003) foi realizada
com 276 alunos de 4ª série do ensino fundamental e
de 1ª série do ensino médio, do ensino público e particular, do interior paulista. Os autores tiveram como
objetivo identificar as concepções dos alunos sobre
injustiças que ocorriam na escola e na sala de aula.
Para tanto, um questionário com questões sobre definição de injustiça, identificação de injustiças na esco356
la e na sala de aula e uma escala com 35 situações de
injustiça foram utilizados. De forma geral, em ambas
as séries, os casos de injustiça mais apontados referiram-se às ocorrências de injustiças cometidas pelos
alunos entre si, dos alunos aos professores e destes
aos alunos.
Carbone e Menin (2004) analisaram duas pesquisas que realizaram com alunos do ensino fundamental e médio de escolas públicas e particulares do município de Presidente Prudente, nas quais se buscou
investigar como os alunos representavam situações
de injustiça na escola bem como seus agentes e os
tipos de ações que cometiam. Os dados examinados procederam de respostas obtidas por meio de
um questionário aplicado, em 1999, em 480 alunos
da 8ª série do ensino fundamental e 1ª série do ensino médio e de respostas de 73 alunos da 5ª série do
ensino fundamental, obtidas em questões sobre injustiça na escola, aplicadas em 2003. Comparando
os dois conjuntos de dados, conclui-se que em nenhuma das séries a escola aparece como uma “comunidade justa” e prevalecem como agentes de injustiças, primeiramente, o professor perante seus
alunos e, em segundo lugar, os alunos entre eles
mesmos.
Inserida nessa problemática, assim como inúmeras outras escolas brasileiras, uma escola estadual de
ensino fundamental e médio, de uma cidade do oeste
paulista, tem enfrentado sérios problemas de
indisciplina, desinteresse e depredação por parte dos
alunos e de desmotivação e insatisfação pelo corpo
docente e administrativo. Esse quadro impulsionou,
então, a realização deste estudo, que teve como
objetivos: identificar as principais ocorrências de injustiça no cotidiano da escola em pauta e comparar as
percepções de seus diferentes membros.
Método
Participantes
A presente pesquisa foi realizada em uma escola
pública de ensino fundamental (EF) e médio (EM) –
da 5ª série do EF ao 3º ano do EM – do oeste paulista,
nos meses de outubro e novembro de 2005. Partici-
Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu
param da pesquisa 156 alunos (20,2% do total de
alunos matriculados na escola), 39 pais de alunos (5%
do total de um dos pais dos alunos matriculados na
escola), 15 professores (42% do total de professores) e 11 funcionários (84,6% do total de funcionários), somando 221 participantes.
Critério de Seleção
Dos 156 alunos que responderam ao questionário, 57,7% é do sexo feminino e 42,3% do sexo
masculino. É de 56,4% a porcentagem de participantes que cursa o ensino fundamental (de 5ª a 8ª série
do EF) e de 43,6¨% que freqüenta o ensino médio.
Em relação à faixa etária dos discentes, 54,5% possui
de 10 a 14 anos, 41,5% de 15 a 20 anos e 4,5% de
21 a 35 anos.
Quanto aos 15 docentes participantes, o sexo predominante foi o feminino, sendo 60% dos professores pesquisados mulheres e 40%, homens. No caso
da idade, a maioria tem mais de 35 anos (60%) e
26,7% têm entre 21 e 35 anos. Ainda, 13,3% deles
se abstiveram de responder essa questão. No que se
refere à escolaridade, todos os professores alegaram
possuir ensino superior completo. No que diz respeito ao tempo de magistério, a maioria deles possui
mais de 10 anos (53,3%), seguido por aqueles que
possuem entre 6 e 10 anos (26,7%) e por último, os
professores que trabalham de 0 a 5 anos nessa profissão (20%).
No que tange à caracterização da amostra que
envolve os funcionários (11 participantes), 63,6% é
do sexo feminino e 36,4% do masculino. No caso da
idade todos os funcionários que responderam a essa
questão têm mais de 35 anos. A questão da escolaridade apontou para uma prevalência do ensino médio
(63,6%), com um percentual reduzido daqueles que
atingiram o nível superior (18,2%) ou que cursaram
o ensino fundamental apenas.
A distribuição do sexo na categoria pais foi a mais
contrastante dentre todas as outras categorias, pois
a maioria esmagadora dos participantes foi de mães
de alunos, portanto, representantes do sexo feminino (84,6%). Os pais, que designam o sexo masculino, atingiram uma porcentagem significativamente
menor (15,4%). Quanto à idade, há 35,9% dos pais
na faixa de 21 a 35 anos sendo que, a maioria deles,
(56,4%) tem mais de 35 anos; foram 7,7% deles
que não responderam a essa pergunta. Na questão
da escolaridade, 46,2% estudou até o ensino médio, 43,6% até o ensino fundamental e 10,3% cursaram o ensino superior.
Na questão que abordava a profissão dos pais foi
verificado que a maior parte deles é “do lar”, seguido
pelos trabalhadores de produção, ajudantes e auxiliares. A minoria exerce ocupações de nível médio, auxiliares de administração e vendas e cargos de assistências de chefias, analistas e profissionais de nível
superior. Ainda, alguns são aposentados ou já faleceram. Na questão que abordava a profissão dos pais
foi verificado que a maior parte deles (33,3%) é “do
lar”, seguido pelos 30,8% de trabalhadores de produção, ajudantes e auxiliares. Com 17,9% ficaram os
trabalhadores que exercem ocupações de nível médio, auxiliares de administração e vendas. Os cargos
de assistências de chefias, analistas e profissionais de
nível superior somaram 5,1%. E, ainda, 12,8% dos
pais participantes são aposentados.
Material
Para a coleta de dados foi elaborado um questionário, com base nas pesquisas de Carbone e Menin
(2004) e Shimizu e cols. (2003), já descritas no presente texto, que investigaram as concepções de injustiça em alunos de escolas públicas e particulares.
No questionário em pauta, foi apresentada uma questão que inquiria os respondentes sobre a freqüência
com que diversas situações de injustiça ocorriam na
escola em estudo. A questão era a seguinte: “Em cada
situação que apresentaremos logo abaixo marque com
um X se: Nunca aconteceu /Aconteceu uma vez; Aconteceu algumas vezes; e Aconteceu várias vezes/Acontece sempre”. Foi apresentado um quadro com um total de 39 situações, cada uma delas relacionada a agentes específicos, causadores de injustiça e a públicosalvos da injustiça. Os agentes e os públicos-alvos eram:
o professor como agente de injustiça em relação ao
aluno; os alunos entre si; a sociedade e governo à educação; a direção/coordenação em relação aos alunos;
a polícia para com os alunos; os alunos aos professores; os pais com a escola; a escola para com os pais
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dos alunos; o uso de drogas lícitas ou ilícitas na escola, e os alunos em relação à escola.
Por meio do agrupamento dessas situações, foi
verificada a freqüência com que esses agentes eram
mencionados como causadores de acontecimentos injustos. Essa freqüência consistiu na soma entre as respostas “Aconteceu algumas vezes” e “Aconteceu várias
vezes/Acontece sempre” por categoria participante.
Procedimento
A pesquisa cumpre os aspectos éticos dispostos
na Resolução196/96 do Conselho Nacional de Saúde
(BRASIL, 1996) e foi autorizada, formalmente, pelo
Diretor da escola, mediante assinatura de carta de
autorização. Ainda, cada participante assinou, espontaneamente, um Termo de Consentimento Livre Pósinformação, no qual estavam explicitados os objetivos
da pesquisa, a garantia do anonimato da identidade do
participante e a forma de utilização dos dados provenientes da investigação. No caso dos alunos menores
de 18 anos, o Termo de Consentimento foi assinado
pelo aluno e seu respectivo responsável legal. O Projeto da presente pesquisa foi analisado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde
de Garça (FASU), recebendo parecer favorável à sua
realização.
A aplicação dos questionários nos alunos foi precedida por uma visita à escola para explicar os propósitos da pesquisa e distribuir os Termos de Consentimento Livre Pós-Informação, para que fossem
assinados por seus respectivos pais e/ou responsáveis legais. Em dois dias posteriores foi efetuado o
recolhimento daqueles Termos assinados. Somente os
alunos que devolveram uma via do Termo assinada
participaram da pesquisa. Esses alunos foram chamados em suas respectivas classes e levados até o anfiteatro da escola para que respondessem ao questionário. Os funcionários foram abordados individualmente durante seus respectivos horários de trabalho, para
que respondessem ao questionário. A maioria dos
professores preencheu o questionário durante o
HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo), que
consiste em reuniões semanais coletivas realizadas na
escola pelos professores da rede pública de ensino
estadual paulista, e tem como objetivo avaliar e discu358
tir temas relacionados ao contexto educacional. Quanto ao restante dos professores, ausentes no HTPC,
foram realizadas abordagens individuais na própria
escola. Os pais de alunos foram abordados na reunião
de pais realizada pela escola. Aqueles que concordaram em participar da pesquisa, por conta do tempo
exíguo, levaram os questionários para devolução posterior, o que ocorreu em número escasso. Diante disso, a pesquisadora se dirigiu à casa de outros pais,
selecionados aleatoriamente, convidando-os a participarem da pesquisa. Nesse caso, os pais que consentiam ficavam com o questionário e, posteriormente, a pesquisadora passava para recolhê-los.
Resultados e Discussão
Os dados a seguir expressam, segundo a percepção dos participantes, as principais ocorrências de
injustiças no cotidiano da escola investigada. Podem
ser visualizados, por meio da Figura 1, os dados já
agrupados, voltados, no entanto, para a qualidade da
discussão dos resultados e a título de ilustração, muitas vezes, são referidas algumas situações específicas
que não são demonstradas na figura, mas que integram o agrupamento em foco.
Conforme é demonstrado na Figura 1, a escola
estudada pode ser considerada como um espaço de
injustiças e, muitas vezes, a percepção que tem das
situações injustas diverge, expressivamente, entre os
membros da comunidade escolar. Esse dado é confirmado, especialmente, naquelas categorias em que o
Teste do Qui-quadrado apresentou significância, demonstrado no gráfico com o asterisco (*) e apresentado, com o respectivo valor, no texto a seguir.
O primeiro item da Figura 1 aponta as injustiças do
professor ao aluno (χ2=16,62; p<0,05). Na maioria
dessas situações, os membros que mais delatam essas
circunstâncias são os alunos (76,2%) e os pais de alunos (76,9%). Nota-se, assim, que eles reconhecem
muito mais esses tipos de situações do que os próprios professores (46,7%), no caso, agentes das mesmas, e os funcionários (45,5%). As situações em que
essas divergências se apresentam mais salientes são:
professor punir toda sala de aula por causa de mau
Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu
Figura 1. Ocorrências de injustiça nas escolas
comportamento de alguns alunos; professor acusar,
punir um aluno por algo que ele não fez; favoritismo do
professor por alguns alunos; professor acusar, punir
ou dar nota baixa a alunos por comportamento inadequado; professor xingar e/ou humilhar um aluno ou
vários alunos. Todas essas situações podem ser consideradas graves e nocivas para o estabelecimento de
uma relação de confiança e de reciprocidade entre o
corpo docente, discente, técnico-administrativo e pais
de alunos. Não se pode afirmar que esses acontecimentos realmente ocorrem, no entanto, não há como
negar que essa é a forma como os alunos e pais os
percebem, e que a mesma é muito discrepante daquela enxergada pelos professores e funcionários.
No que se refere às injustiças entre os alunos, não
houve discordância significativa entre as amostras
investigadas. A freqüência de ocorrência em cada categoria foi de: 87,2% dos alunos, 89,8% dos pais,
93,3% dos professores e 81,8% dos funcionários.
Os resultados deflagram, assim, a ocorrência de muitas injustiças entre os próprios alunos, e o reconhecimento dessa delicada realidade. São assinaladas situações que revelam relações carentes de respeito mútuo, que inspiram muita atenção e necessidade de intervenção, dentre elas: alunos tirarem vantagens ou
prejudicarem outros alunos em trabalhos de grupo;
alunos acusarem injustamente outros alunos por comportamento inadequado; violência física entre os alunos na escola, e alunos agindo com racismo.
No que diz respeito à identificação das injustiças
sociais no âmbito educacional (χ2= 21,02; p<0,01),
os pais de alunos foram os que mais as denunciaram
(89,2%), em seguida os professores (73,3%) e os
funcionários (72,4%) e, por último, os alunos (71%).
Houve disparidades entre as respostas, especialmente, conforme o tipo de injustiça situado. São os pais
de alunos, especialmente, que mais denunciam a não
garantia do direito das crianças à educação básica e o
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fato das classes sócio-econômicas mais favorecidas
terem escola melhor porque podem pagar. Por outro lado, são os professores e funcionários que declaram a desvalorização salarial da classe docente.
Os dados sobre a direção e/ou coordenação como
agentes de injustiça (χ2=21,4; p<0,01), e as diferenças entre as respostas conforme cada categoria participante foram significativas. Os alunos (67,3%) e
os pais de alunos (61,5%) apontam, de forma muito
mais intensa do que os professores (26,7%) e funcionários (18,2%), as injustiças cometidas pela direção
e coordenação. Os casos específicos em que essas
discrepâncias se destacam são os seguintes: direção
e coordenação não tomarem providências em relação à violência na escola; favoritismo da coordenação
ou direção por alguns alunos; direção ou coordenação punir toda a classe devido ao comportamento de
alguns alunos; a direção ou coordenação acusar ou
punir aluno por comportamento inadequado por que
não gosta do aluno; direção dar razão para professor
mesmo quando ele está errado.
Esses dados se assemelham àqueles apresentados
em relação às injustiças dos professores para com os
alunos. Novamente, os alunos e os pais se sentem
injustiçados e, os professores e funcionários não demonstram sensibilidade a essa realidade, inclusive,
bastante prejudicial ao incitamento de relações mais
cooperativas no ambiente escolar.
No que concerne às injustiças da polícia para com
os alunos, esses casos revelam, com mais precisão, a
necessidade de uma especial atenção à dinâmica das
relações na escola investigada, uma vez que a maioria
dos participantes, independente do papel desempenhado na escola – 85,9% dos alunos, 86,5% dos pais,
71,4% dos professores e 100% dos funcionários declara que, em diversas situações, a polícia tem que
intervir para conter os comportamentos “inadequados” de alguns alunos. Podem ser levantadas duas hipóteses, que não são excludentes entre si: a primeira
de que, realmente, as ocorrências são muito graves e
oferecem riscos à integridade física dos membros da
comunidade escolar, o que pode justificar a presença
da Polícia Militar. E/ou a segunda, de que as relações
estão tão fragilizadas que é necessário o uso de poder, ameaça e coação para o restabelecimento da or360
dem do local. Esse é um assunto bastante complexo
e delicado que, com certeza, precisa ser averiguado
e enfocado em um programa interventivo. Não se
pode deixar de destacar, entretanto, um dado positivo: a grande maioria dos participantes reconhece que
a polícia não apresenta ações racistas e discriminatórias
quando é chamada para intervir na escola.
Os dados que fazem menção às injustiças dos alunos em relação aos professores são: a maioria dos participantes de todas as categorias – alunos (93,6%),
pais (97,5%), professores (93,35%) e funcionários
(100%) – denuncia as injustiças dos alunos em relação aos professores. As situações consideradas são:
alunos desrespeitarem ou brigarem com professor;
alunos falarem mal do professor e alunos colarem.
Esses dados, somados àqueles em que os alunos, também, são agentes de injustiças, só que voltados a outros públicos-alvos, indicam que há um descrédito
geral em relação às atitudes dos alunos, inclusive, os
próprios alunos confirmam essa condição.
Os itens relativos às injustiças dos pais com a escola
e da escola com os pais demonstram a existência de
eventuais e recíprocas reclamações dos pais em relação à escola e vice-versa. De forma geral, essa percepção é consensual, com exceção dos funcionários
que indicam que há muito mais injustiças dos pais para
com a escola (100% dos funcionários) do que da escola para com os pais (27,3% dos funcionários).
No que diz respeito ao uso de drogas lícitas e ilícitas na escola (χ2=20,41; p<0,01), fica patente a predominância da crença, entre a maioria dos pais
(73,7%), de que são utilizados diferentes tipos de
substâncias psicoativas no ambiente escolar. Apesar
da diferença entre as respostas dos pais de alunos e
dos demais participantes – alunos (55,7%), professores (46,7%) e, em menor número, funcionários
(27,3%) - essas três últimas amostras, também, declaram que há a utilização de cigarros, por parte dos
alunos, professores e funcionários, e de outras drogas na escola, no caso, por parte dos alunos.
Ao relacionar esses dados com as demais situações
já mencionadas nos outros aspectos, constata-se que
os pais, especialmente, e, em seguida, os próprios alunos, não percebem a escola como um local seguro,
pois segundo a maioria deles: os alunos fumam nela; a
Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu
direção e/ou coordenação não tomam providências em
relação à violência na escola; os professores e funcionários fumam cigarro na escola, não dando o exemplo
aos próprios alunos; há violência física entre os alunos;
a polícia é chamada para coibir o aluno que está aprontando e, ainda, alunos utilizam drogas na escola.
No que concerne às injustiças dos alunos em relação à escola, a maioria dos participantes – alunos
(81,5%), pais (88,9%), professores (93,4%) e funcionários (80%) - menciona a existência de situações
em que os alunos não contribuem com a escola, principalmente, com a sua conservação física e de seus
materiais. Novamente, aparece a incredulidade das
pessoas partícipes da escola em relação ao corpo de
estudantes. Na verdade, essa descrença revela o nãocrédito à função da escola em formar integralmente
seus alunos, preparando-os para a socialização, ao
mundo do trabalho, à vivência harmônica em comunidade e ao desenvolvimento de atitudes compostas
por princípios de respeito, solidariedade, justiça, diálogo e cooperação.
Com base em Piaget (1932/1994) e Kohlberg (1976/
1992), aponta-se que pode não estar sendo propiciada
aos estudantes dessa instituição, o incentivo à construção da autonomia moral, do desenvolvimento de níveis
morais mais elevados e, conseqüentemente, de uma
noção ideal de justiça, baseada em princípios éticos
universais, e caracterizada pela igualdade ou eqüidade
da sanção e repartição igualitária entre direitos e deveres, e pelo reconhecimento da complexidade das circunstâncias locais, das necessidades e capacidades dos
envolvidos, e da realidade social geral. Segundo esses
autores, a autonomia moral só pode ser construída em
um ambiente onde se propicie: o respeito mútuo; as
relações de cooperação; a oportunidade de trocas de
papéis; o contato com experiências que sejam desafiadoras e possibilitem conflitos cognitivos; o senso de
responsabilidade; a motivação para o trabalho escolar;
a confiança; o cuidado com a auto-estima, dentre outros aspectos.
Os resultados da presente pesquisa condizem com
a afirmação de Menin (2003), de que, apesar da experiência de Kohlberg (1976/1992) e as idéias sobre
escolas democráticas serem conhecidas, esse tipo específico de organização não condiz com o contexto
escolar atual. Vão de encontro, também, com as pesquisas de Carbone e Menin (2004) e Shimizu e cols.
(2003), nas quais a escola é percebida, pelos alunos,
como espaço de injustiças diferentes e contínuas, sendo sua realidade muito diferente de uma comunidade
justa.
Nas pesquisas analisadas por Carbone e Menin
(2004) dois agentes principais de injustiças foram
deflagrados: professores e alunos. Os professores
foram concebidos como punindo, especialmente, com
a utilização das notas como instrumento de poder, e
os alunos por seus comportamentos, ou por serem
desrespeitosos com os professores, ou acusando-os
injustamente, ou ainda, nas relações entre si. As autoras, com base no resultado geral (houve diferenças
entre os dois tipos de escolas investigadas - públicas
e particulares-, cuja discussão não se insere no escopo do presente trabalho) questionam que valores
morais estariam presentes, fundamentando as concepções e relações dos alunos com as normas escolares e, quais as possibilidades que os alunos têm de
refletir sobre essas normas e sua incorporação pelos
professores. De acordo com as autoras, as acusações
dos alunos sobre as injustiças cometidas, especialmente, pelos professores, apontam para as representações que os alunos têm da escola, em que as normas
e regras, na maioria das vezes, são impostas de maneira coercitiva e sem sua participação. A indisciplina
tem sido um grande tema de discussão e queixa por
parte dos professores, mas há a ausência de reflexões sobre as práticas de controle que têm sido utilizadas, e suas repercussões nessa mesma questão.
Esses estudos se reportaram, especificamente, à
opinião dos alunos. Nossa pesquisa abrangeu os demais segmentos da escola, e identificou que a mesma
é concebida como um espaço de inúmeras injustiças
pelas diversas categorias de participantes da comunidade escolar. Os resultados deflagram as divergências de percepções sobre os supostos agentes e vítimas de injustiça, o que pode ser um fator muito prejudicial para a resolução dessas situações.
Curiosamente, os dados expostos revelam que os
alunos estão mais atentos às circunstâncias atuais da
escola e a percebem como um local que possui uma
diversidade de problemas, especialmente, no que tan-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 353-364
361
ge às relações interpessoais. Nota-se, ainda, que são
os alunos, e, depois, seus pais, que mais reconhecem
que os problemas de relacionamento abrangem todos os segmentos da escola: corpo docente, administrativo, discente e pais de alunos. Diferentemente
dos professores e funcionários, que concentram suas
queixas, especialmente, em relação aos alunos.
Concordamos com a afirmação de Araújo (2002),
de que a escola é um sistema complexo, e que a
implementação de propostas, ainda, é um grande desafio e envolve uma diversidade de fatores que, perpassam desde os conteúdos escolares, a metodologia
das aulas, até os valores dos membros da comunidade escolar e a maneira como as relações interpessoais
se dão, dentre outros fatores.
Constata-se, também, que a atenção é voltada, predominantemente, apenas para a formação intelectual,
deixando-se de lado a educação em valores morais.
Isto é preocupante, uma vez que diferentes autores
(Araújo, 1993; Buxarrais, 1997; Lepre, 2001; Menin,
1985, 2002b; Puig, 1998; Shimizu, 1998) defendem
que em situações de ensino-aprendizagem, todos os
professores, ainda que de forma implícita e não sistematizada, estão educando moralmente e em valores.
Conforme Buxarrais (1997) e Puig (1998), os diferentes modelos de Educação Moral e em valores são
marcados, basicamente, por três tipos de concepções:
o dogmatismo moral, no qual a educação está baseada
em valores absolutos, inquestionáveis e imutáveis, que
são colocados por um poder autoritário de forma coercitiva; o relativismo moral, em que as normas de
conduta e os valores morais são considerados
subjetivos e pessoais, não havendo um consenso sobre a melhor forma de agir e, os modelos baseados na
construção racional e autônoma de valores, nos quais
se busca o desenvolvimento de situações que facilitem
a construção da autonomia do educando e a participação democrática dos vários membros da escola.
Em nível de Brasil, percebe-se como cada uma
dessas concepções de Educação Moral – dogmática,
relativista e dialógica - esteve presente em diferentes
momentos históricos.
Fazendo uma retrospectiva a partir da década de
60, com base em Lepre (2001), observa-se que a
Educação Moral esteve presente no ensino formal,
362
em todos os graus e modalidades de ensino do País,
como uma disciplina obrigatória curricular. Essa
obrigatoriedade foi criada pelo Decreto-lei nº 869,
de 12 de junho de 1969, pelo Presidente Garrastazu
Médici, na época da ditadura militar. Esse era um decreto de obediência, uma forma dogmática de condução da Educação Moral, marcada por uma matéria
doutrinária e disciplinatória, que visava à promoção
de uma ordem social vinculada aos ideais militares de
controle e repressão da sociedade.
Após o fim da ditadura e com a tentativa de
restabelecimento da democracia, em 1993, durante o governo de Itamar Franco, a obrigatoriedade
de uma disciplina de Educação Moral no currículo
escolar foi revogada pela lei 8.663, de 14 de junho
de 1996. Com isso, essa disciplina foi desaparecendo das escolas. Nota-se, também, que a experiência de se vivenciar a Educação Moral de forma
dogmática e imposta, resultou na ausência de
projetos pedagógicos explícitos e, até mesmo, de
discussões sobre moral e valores no contexto escolar. Pode-se sugerir que, nesse momento, a predominância foi de uma concepção mais relativista e
particularista de moral, na qual as decisões deveriam ser guiadas mais por parâmetros individuais do
que coletivos.
Depois desse período significativo de silêncio, diante da urgência social impulsionada, principalmente, pelo aumento da violência e da indisciplina no meio
escolar, e pela crise de valores morais que atingem a
escola tanto em seus objetivos educacionais e procedimentos pedagógicos como nas relações entre
seus membros, estudiosos voltam a levantar a necessidade de se educar moralmente, sendo elaborados, então, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs). No entanto, para concretização dessa proposta não basta discutir e refletir sobre valores, se
faz necessário trabalhar para que a escola seja uma
comunidade cada vez mais justa para que, assim, os
membros da escola vivenciem a justiça e aprendam
a serem justos.
O desafio ainda, é sua respectiva implantação e a
necessidade de modificações urgentes na dinâmica
relacional das escolas, e em especial, daquela focalizada em nosso estudo. Acredita-se, no entanto, que
Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu
intervenções, nesse sentido, são necessárias e passíveis de realização, de acordo com o que foi verificado na literatura, principalmente, em Piaget (1930/
1996, 1932/1994) e Kohlberg (1976/1992), e com
base em demais autores, não detalhados neste texto
(Aquino & Araújo, 2001; Araújo, 2002, 2003, 2004;
Puig, Martín, Escardíbul & Novella, 2000; Zanatta,
2000), que apresentam propostas interventivas baseadas na construção racional e autônoma de valores,
buscando-se o desenvolvimento da autonomia moral
e de relações cooperativas por parte dos os membros da escola.
Considerações Finais
Constata-se, com esta pesquisa, que, muitas vezes, a percepção que se tem das situações injustas se
diferencia, significativamente, entre os membros da
comunidade escolar. De forma geral, os professores
e funcionários reconhecem menos que as outras categorias ou não reconhecem injustiças, quando eles
próprios são os agentes. O mesmo não ocorre com
os alunos e seus pais, que admitem a ocorrência de
injustiças, mesmo quando eles são considerados os
agentes.
Os dados conduzem à hipótese inicial de que o
tipo de respeito estabelecido nas relações entre os
integrantes da escola, e o fato dessas relações serem
consideradas justas ou injustas pelos atores nelas envolvidos, seja um fator importante na direção em que
se dá o desenvolvimento moral dos membros da escola, e sobre a forma como eles se relacionam com
as normas e regras escolares.
Pode-se verificar, a partir dos resultados apresentados, que a escola pesquisada necessita de uma intervenção eficaz, no sentido de propiciar relações mais
justas no espaço escolar, que assegurem uma maior
harmonia das mesmas, o respeito mútuo, a confiança
e a autonomia das pessoas envolvidas.
Finaliza-se, apontando para a necessidade de desenvolvimento de mais estudos na área, enfocando os
limites de generalização dos dados alcançados, levando em consideração as restrições inerentes à amostra participante na presente pesquisa.
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Recebido em: 28/09/2006
Revisado em: 30/10/2007
Aprovado em: 17/12/2007
Sobre as autoras
Thaise Beluci1 – Acadêmica do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde de Garça
E-mail para contato: [email protected]
Endereço: Avenida Paulista, 1104 – Gália / SP – CEP: 17450-000
Fone: (14) 3274-1514 / (14) 9734-3009
Alessandra de Morais Shimizu – Psicóloga, Doutora em Educação e Professora do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde de Garça
E-mail para contato: [email protected]
Endereço: Rua Angelo Marconi, 255 - Marília / SP – CEP: 17516-680
Fone: (14) 3422-5570 / (14) 9601-0181
1 Pesquisa de Iniciação Científica financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
364
Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública • Thaise Beluci e Alessandra de Morais Shimizu
Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural
Microgênese da cooperação e competição na Educação Infantil
Marilícia Witzler Antunes Palmieri
Angela Uchoa Branco
Resumo
O estudo analisa as práticas de socialização promovidas no contexto da educação infantil a partir de uma perspectiva sociocultural construtivista do
desenvolvimento humano. Seu objetivo foi investigar a promoção e/ou inibição de diferentes modalidades de interdependência humana (cooperação,
competição e individualismo) articuladas às interações específicas e às orientações para crenças e valores sociais a elas associadas. Para tanto, realizouse a análise dos padrões de interação social apresentados por duas professoras e seus alunos de 4 a 6 anos. Os resultados mostram a promoção de
padrões de interação individualista e competitivo sendo observado reduzido incentivo à experiência coletiva da cooperação, seja na estrutura e dinâmica
das atividades diárias, seja durante a sessão estruturada pela professora e analisada em nível microgenético.
Palavras-chave: cooperação; competição; individualismo.
Cooperation and competition in Early Education: a microgenetic
analysis from a sociocultural approach
Abstract
The study analyzed socialization practices promoted within early education settings from a sociocultural constructivist perspective on human development.
It aimed at investigating the promotion and/or inhibition of different modes of human interdependency, namely, cooperation, competition and
individualism, which are associated with specific social interactions, and values/beliefs orientations. Social interaction patterns presented by two teachers
and their respective 4 to 6 year-old children were analyzed in two different educational contexts. Results showed the promotion of individualistic
interactive patterns and competive, with almost no incentive to peer cooperation, neither at a daily basis nor at the level of the teacher-planned
structured activity, which was microanalyzed.
Keywords: cooperation; competition; individuality.
Educación infantil, cooperación y competición: análisis micro genética
bajo una perspectiva socio-cultural
Resumen
El artículo analiza las prácticas de socialización promovidas en el contexto de la educación infantil a partir de una perspectiva socio-cultural constructivista
del desarrollo humano. Su objetivo fue investigar la promoción y/o inhibición de diferentes modalidades de interdependencia humana (cooperación,
competición e individualismo) articuladas a las interacciones específicas y a las orientaciones para creencias y valores sociales presentados por dos
profesoras y sus alumnos de 4 a 6 años. Los resultados muestran la promoción de patrones de interacción individualista y competitivo, siendo observado
un incentivo reducido a la experiencia colectiva de la cooperación, sea an estructura y dinámica de las actividades diarias o sea durante la sesión
estructurada por la profesora y analizada a nivel micro genético.
Palabras clave: cooperación; competición; individualismo.
365
Introdução
A produção de conhecimento em diversos campos
das ciências humanas e sociais tem enfatizado a importância do papel da cultura no processo de socialização
da criança e no desenvolvimento de significados, crenças e valores, levando-se em conta a complexidade da
análise das relações existentes entre o indivíduo e a
cultura (e.g. Branco, 2003; Bruner, 1996; Cole, 1992;
Gaskins, Miller & Corsaro, 1992; Goodnow, 1997;
Ratner, 2002; Rogoff, 2005; Valsiner, 1998, 2001, no
prelo). Os estudos realizados, particularmente, pela
antropologia cultural e psicologia cultural focalizam a
criança e a aquisição do conhecimento cultural de acordo com as prescrições orientadas pela comunidade da
qual participa (e.g. Goodnow, 1997; Harkness & Super,
1992; Mead, 1937; Rogoff, 2005; Valsiner, 1989, no
prelo), destacando-a como participante ativo da sociedade ao interpretar os “ingredientes culturais” e produzir cultura, imersa que está em um universo em construção. Neste processo, é preciso reconhecer a presença de conflitos, contradições, ambigüidades e mudanças na análise cultural – ao invés de considerá-la como
um conjunto de regras e valores integrados e de significados estáveis (Bruner, 1996; Valsiner, no prelo).
O objetivo deste artigo é apresentar uma opção
teórico-metodológica compatível com o estudo das
relações entre indivíduo e cultura nos processos de
desenvolvimento relacionados à ontogênese dos padrões interativos e da motivação social, definida como
um sistema de crenças e valores sociais, promovida
em contextos de educação infantil. Os processos de
socialização e canalização de padrões de interação,
tais como a cooperação, competição e individualismo, são aqui considerados a partir de uma visão
sociocultural construtivista, e propõe a mútua constituição de práticas e valores socioculturais. Esta abordagem destaca a existência de aspectos
interdependentes e multidimensionais para análise das
práticas sociais (Rogoff, 2005) e do universo
motivacional, em diferentes níveis, caracterizando-se
por uma perspectiva sistêmica e holística (Branco,
2003; 2006; Branco & Valsiner, 1997; Valsiner, 1998,
2001, no prelo). Visando alcançar o objetivo deste
trabalho, é preciso apresentar e discutir os múltiplos
366
fatores envolvidos na co-construção de padrões de
participação social, os quais emergem no contexto
das atividades propostas no ambiente da educação
infantil, e que orientam as ações e comportamentos
das pessoas que dele participam, configurando crenças, valores e, especialmente, padrões de interação
cooperativos, competitivos ou individualistas em tais
contextos. Aqui serão apresentados os fundamentos
do construtivismo sociocultural, a necessidade de se
compreender o espaço institucional da educação infantil como um contexto heterogêneo e dinâmico, e
as razões pelas quais optou-se por investigar como
se desenvolvem as orientações para crenças e valores que impregnam a co-construção de significados e
as interações entre professoras e crianças na configuração de padrões sociais específicos. Um pequeno
resumo e uma análise de trechos selecionados de um
estudo empírico que consistiu na tese de doutorado
da primeira autora sob a orientação da segunda, será,
então, apresentado.
Contribuições do Construtivismo
Sociocultural
As reflexões que envolvem as concepções
sociogenéticas em psicologia têm sustentado, em seus
diversos modelos teóricos, o dinamismo do funcionamento das funções psicológicas associado à idéia
de desenvolvimento humano como fruto das
interações que o indivíduo estabelece em um ambiente socioculturalmente determinado (Valsiner, 1994a,
1998, 2001, no prelo). Sedimentada nos pressupostos de uma perspectiva sociogenética (proposta por
Janet, Baldwin, Mead, entre outros), a abordagem
sociocultural construtivista elabora suas construções
a partir de importantes concepções teóricas,
enfatizando as interações sociais como base fundamental para o desenvolvimento humano (Valsiner,
1987, 1989, 1998, no prelo; Valsiner, Branco &
Dantas, 1997). Inscrevendo-se no contexto mais
amplo das abordagens socioculturais (e.g. Rogoff,
2005; Wertsch, 1998), entretanto, ela valoriza igualmente a participação ativa do indivíduo na construção de seu processo de desenvolvimento sob a influência dos mecanismos de canalização cultural, os quais
definem os limites físicos e semióticos que orientam
Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco
a trajetória desenvolvimental do sujeito (Valsiner,
1998, no prelo). Inserido no campo da psicologia
cultural (Ratner, 2002), o construtivismo sociocultural,
porém, destaca o papel da subjetividade e das emoções na co-construção dos significados (e.g. Branco
& Madureira, 2004; Valsiner, no prelo), em íntima relação com o papel central desempenhado, no desenvolvimento humano, pelo contexto cultural (e.g.
Bruner, 1996; Cole, 1992; Rogoff, 2005; Shweder,
1992). Em especial, valoriza a complexidade das
interações contexto- indivíduo ativo na co-construção
de diferentes e variadas trajetórias desenvolvimentais.
Adotando um modelo bidirecional de transmissão
cultural, o construtivismo sociocultural sedimenta seus
estudos na noção de internalização, visando compreender os mecanismos através dos quais o inter-psicológico se torna intra-psicológico no movimento permanente de transformações semióticas, e de organização e re-organização hierárquica das funções psicológicas (Lawrence & Valsiner, 1993; Valsiner, 1987,
1998, no prelo). O conceito de internalização pautase, particularmente, nas contribuições de Vygotsky
(1929-1994) e postula o processo de ‘interiorização’
das funções psicológicas superiores como sendo a
reconstrução interna de uma operação inicialmente
externa. Para a elaboração teórica do campo
sociocultural construtivista é de importância fundamental entender a idéia de internalização, a qual sugere a existência de processos de internalização/
externalização que organizam a troca e mútua elaboração construtiva que se dá entre a cultura pessoal –
situada no plano subjetivo – e a cultura coletiva – no
plano social (e.g. Valsiner, 1998, no prelo).
Práticas e Socialização na Educação Infantil
A idéia de educação infantil está associada às diferentes dimensões do desenvolvimento humano (social, afetiva, cognitiva etc) que ocorre em contextos
impregnados de diversos significados. Estes são histórica e culturalmente construídos, criados e transformados em cada contexto educacional específico,
interagindo com os significados advindos da experiência da criança na família e demais contextos nos quais
a criança se desenvolve (Bronfenbrenner, 1989). Isto
significa que um permanente diálogo entre todas es-
sas vozes culturais (Wertsch, 1998) - e os significados subjetivos daí decorrentes - precisa ser estabelecido e continuamente alimentado tendo em vista o
aperfeiçoamento das instituições educacionais.
Seguindo essa concepção, a lógica das interações
no contexto educacional pressupõe um processo permanente de organização de objetivos continuamente
negociados com relação aos conteúdos e métodos
de ensino-aprendizagem, e às regras de participação
nas atividades (Branco, 2003; Branco & Mettel, 1995).
No entanto, para que tais negociações ocorram, configurando atividades orientadas para a promoção da
autonomia e de comportamentos sociais positivos
(MEC, 1998), como cooperação e comportamentos
pró-sociais, é fundamental que a estrutura, as regras,
os significados e a importância da atividade pedagógica estejam explicitados com clareza para todos os
envolvidos na dinâmica interativa (Branco & Metell,
1995; Davis, Silva & Espósito, 1989; Palmieri & Branco, 2004).
Se o papel da instituição de educação infantil é promover a construção do conhecimento em associação
com a formação integral da criança enquanto sujeito,
é necessário levar em conta especificidades
contextuais que se encontram estreitamente vinculadas à promoção das interações sociais que caracterizam os processos de socialização. Atividades específicas favorecem (ou não) a participação ativa da criança (Branco & Mettel, 1995; Carvalho, 2000; Davis &
cols., 1989), podendo socialmente orientá-las em diversas direções. Sendo assim, assegurar a co-construção do saber no contexto educacional — que se
caracteriza pelo universo semiótico socioafetivo das
trocas expressivas entre adultos e crianças, e entre
as crianças — é fundamental para promover certos
tipos de interação que irão, ou não, favorecer o processo educativo na direção desejada.
Sabe-se que as práticas educativas no âmbito da
escola e da educação infantil facilitam ou dificultam o
desenvolvimento de certos tipos de comportamento, conceitos, regras, orientações, idéias, concepções
e valores que configuram motivações complexas que
implicam no desenvolvimento de diferentes padrões
de interação social. No ambiente da sala de aula, é o
professor, em especial, quem define as normas e as
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378
367
regras, é ele que lidera e domina, às vezes de forma
quase absoluta, o espaço comunicativo das atividades
a serem desenvolvidas. Por essa razão, compreender
como instituições de educação infantil tem facilitado
ou impedido o desenvolvimento de modalidades construtivas de interdependência social representa um tema
que interessa à psicologia e à educação. É preciso,
pois, analisar de forma integrada e sistêmica os diversos aspectos do desenvolvimento de valores e da dinâmica das interações, e foi isto que buscou-se com
o estudo empírico relatado a seguir.
O Estudo Empírico
O estudo conduzido por Palmieri (2003) foi
realizado em duas instituições de educação infantil da rede particular de ensino do município
de Londrina-PR. Os critérios de seleção das instituições pautaram-se no interesse da instituição e na existência de orientações pedagógicas
diferenciadas. Considerando a forma com que
as instituições selecionadas se denominavam
(pré-escola), estas foram designadas como ‘PréEscola A’ (PEA) e ‘Pré-Escola B’ (PEB), sendo
as professoras caracterizadas como ‘Pa’ e ‘Pb’,
respectivamente. Participaram do estudo vinte
e seis crianças entre 4 a 6 anos de idade, sendo
8 meninos e 5 meninas do Jardim III (PEA) e 6
meninos e 7 meninas do Pré I (PEB). A denominação ‘Jardim III’ e ‘Pré I’ eram equivalentes em
termos dos conteúdos trabalhados com as crianças na faixa etária de 4 a 6 anos, segundo a
orientação do Núcleo Regional de Educação de
Londrina. A análise dos indicadores
motivacionais relativos à promoção e/ou inibição de padrões interativos específicos foi feita
em dois níveis: (1) Estrutural : estrutura e organização das atividades desenvolvidas pelas
crianças, segundo as regras de participação social propostas pela professora; e (2) Dinâmico:
Episódios de interação professora-crianças e
criança-criança no contexto de uma atividade
estruturada e planejada pela professora (Pa ou
Pb) com o objetivo de promover a cooperação
entre seus alunos.
368
Análise das Atividades Desenvolvidas no
Contexto Diário
Foram realizadas 30 sessões de observação direta
na sala de aula e em outros espaços da PEA e da PEB,
15 sessões de observação com cada turma. Um protocolo foi utilizado para o registro das sessões, abrangendo duas semanas de duração em cada pré-escola
(33h19 na PEA e 27h43 na PEB). Tais sessões
objetivaram identificar o tipo e a duração das
atividades sugeridas e conduzidas pelas professoras
(Pa e Pb), segundo as regras, orientações e instruções
dadas às crianças. As atividades promovidas pelas
professoras foram classificadas em um único sistema
de categorias (Tabela 1), onde cada categoria dividiase em sub-categorias (Palmieri, 2003), que foram,
então, definidas, e o tempo dispendido em cada uma
devidamente contabilizado.
As Figuras 1 e 2 ilustram, em termos percentuais,
as atividades desenvolvidas pelas professoras nas duas
pré-escolas estudadas. Para além de uma análise comparativa entre as pré-escolas, resultou interessante,
nesse caso, compreender como as relações entre
estrutura-processo interativo estavam associadas ao
estudo do desenvolvimento da motivação social entre as crianças.
A análise das sessões de observação permitiu notar que o elevado percentual de Atividades Individuais
observadas na PEA (30,22%) e na PEB (29,47%) se
referia a instruções oferecidas pelas duas professoras
às crianças de forma tipicamente verticalizada na confecção de trabalhinhos (tarefas de recorte, colagem,
pintura, desenho, iniciação à escrita etc.), que deveriam fazer sozinhas e do “seu jeito” (Quadro 1). Na
PEA, as interações entre a professora e as crianças
nestas situações acabava configurando um padrão
relacional competitivo. Usando o controle autoritário do comportamento para manter a ordem e a disciplina em sala de aula, Pa chamava a atenção das crianças, a todo instante, para fazerem as tarefas. No
entanto, elas conversavam intra e/ou inter-mesas em
um clima bastante tumultuado. O exemplo, a seguir,
ilustra esse padrão relacional de interações:
‘Pa sugeriu uma tarefa individual e as crianças reclamaram: “De novo, tia? A gente já fez isso tia!”, mas
Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco
Tabela 1. Sistema de categorias das atividades observadas na PEA e PEB
mesmo assim ela prosseguiu impondo: “Mas nós vamos fazer novamente”! A partir daí, as crianças disputavam intra-mesas quem conseguiria acabar primeiro a tarefa: “Tia, acabei, tia!” Acabei, acabei, acabei...”!
Duas eram as implicações que daí decorriam: por
um lado, ao ignorar a sugestão das crianças “de não
fazer um trabalho que já havia sido feito”, Pa deixava
de oportunizar a negociação com a turminha e de
estabelecer um contexto motivacional convergente;
por outro lado, diante de uma orientação autoritária,
as crianças respondiam com interações competitivas,
restando pouco espaço para a criação de um ambiente propício à negociação, e a um posicionamento mais
democrático na sala de aula.
A motivação para competir promovida pela professora na sala de aula da PEA também era observada
quando ela sugeria a participação das crianças em
Atividade Individual em Grupo (15,72%), sendo claramente evidenciada nas atividades de Competição
(15,77%). A atividade de “Bingo”, por exemplo, classificada no rol das atividades competitivas, sempre
era proposta por Pa e as crianças demonstravam muita
motivação para participar (“Êba, êba!!!”). Durante o
sorteio dos números, as crianças que acertavam comemoravam, levantando de seus lugares, pulando e
gritando (“Bingo, bingo, bingo!!!”) e aquelas que perdiam começavam a vaiar os colegas que obtiveram
sucesso (“Uh, uh, uh!”).
Por outro lado, o clima na sala de aula da PEB entre a professora e as crianças era amistoso e tranqüilo
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378
369
Figura1 – Atividades observadas na PEA
Figura 2 – Atividades observadas na PEB
370
Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco
na realização das Atividades Individuais (29,47%),
embora as crianças procurassem ajuda ou orientação
constante de Pb. No entanto, as ações de Pb, orientadas a fim de obter o controle da turma,
desestimulavam as interações criança-criança na realização das tarefas individuais e favoreciam um padrão
relacional de dependência do adulto. Com isto,
minimizava a oportunidade para as crianças desenvolverem maior autonomia (Piaget, 1994), através de
interações, escolhas e livre negociação, como ilustrado no exemplo a seguir:
‘Pb sugeriu às crianças fazerem peixinhos de papel
para colocar dentro de um aquário. A motivação das
crianças: “Ôba”!, não foi suficiente para que deixassem de pedir ajuda: “Tia, eu não sei; tia me ajuda
aqui...” Tendo conseguido fazer sozinha a sua tarefa,
Camila anunciou:”Ó, quem não conseguir pede prá
mim!” Pb não demonstrava nenhuma expressão que
indicasse aceitação ou não da ajuda oferecida por
Camila, que seguia ajudando diversos colegas. Até
que Pb se levantou e perguntou: “Camila, é você quem
vai fazer ou seus amigos?”’
Desse modo, as crianças tinham menos oportunidades para interagir entre si, e assumiam um papel
passivo nas relações com a professora. Percebeu-se
que as Atividades Individuais em Grupo (22,15%) representavam, para as crianças da PEB, a oportunidade para interagir com os colegas, muito embora estas interações não fossem bem aceitas por Pb. Na
Hora do Conto, Pb orientava as crianças a se sentarem à sua volta no chão, tirar os sapatos e ficar à
vontade. Enquanto narrava estórias com voz monótona, as crianças mostravam-se dispersas e começavam a interagir entre si. Pb interrompia a atividade,
dizendo: “Chega da Hora do Conto, vamos voltar para
a sala de aula”. As crianças perguntavam: “Mas tia, por
quê?” e Pb respondia: “Ah, porque é muita gracinha,
muita conversa, vocês não estão interessados hoje!”.
As atividades Individual e Individual em Grupo
totalizaram 51,62% do total na PEB, e houve menos
Competição (8,03%), em comparação ao PEA.
Atividades de Cooperação na PEA (4,02%) e na
PEB (4,75%) surpreendemente duraram períodos
equivalentes de tempo. Considerando-se estes índices e os índices das demais atividades, ficou evidente
a quase ausência de atividades estruturadas para as
crianças interagirem cooperativamente em ambas instituições (excetuam-se as atividades Livres—10, 47%
na PEA e 12,10% na PEB—nas quais as crianças podiam, em princípio, cooperar apesar das professoras). Diante deste quadro geral, perguntou-se: Como
a prática da cooperação poderia ser esperada como
modalidade de interação entre estas crianças?
Análise Microgenética das Interações na
Atividade Estruturada
A principal contribuição do estudo (Palmieri,
2003) está na análise microgenética da atividade
estruturada pela professora para ‘promover a cooperação’ entre as crianças. A análise microgenética
(Siegler & Crowley, 1991) permitiu detalhar e avaliar os processos de co-construção de significados
no tempo real, e a estruturação de uma atividade
planejada para promover certo tipo de interações
maximizam a possibilidade do estudo. Para tanto, as
professoras foram solicitadas a planejar uma atividade
com o objetivo específico de promover a cooperação entre as crianças. Com isto também foi possível
verificar, na prática, sua concepção de ‘cooperação’
e de ‘como promovê-la entre as crianças’. As duas
sessões estruturadas e planejadas por Pa e Pb foram, então, gravadas em vídeo de forma ininterrupta
(PEA: 36’ e 55’’ ; PEB: 39’ e 28’’). Para efeito de
análise, as seqüências das interações professora-crianças foram divididas em episódios tematizados,
acompanhados de análise qualitativa para identificar
os indicadores dos processos comunicativos e
metacomunicativos envolvidos na co-construção de
significados relacionados à cooperação, competição
e individualismo. Estes foram identificados no discurso e nas ações da professora e das crianças. A
seguir, a análise com um episódio de cada pré-escola é ilustrada:
Pré-Escola A – Episódio 2: Sugerindo Competir (Duração: 1’53’’)
Dirigindo-se à turminha de forma geral, Pa fala em
tom de advertência e ameaça:
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371
-”Ó, eu vou dar uma atividade...ó, só que se vocês
não prestarem atenção depois não vem falar prá tia
[Pa] que é o grupo que perdeu; presta atenção que
é em grupo, vai valer...”.
Uma das crianças pergunta à Pa: - “Nós vamos estourar?”
Pa responde em tom de entusiasmo:
- “Quem estourar todas as bexigas lá é o grupo que vai
ganhar, vai vencer!”
Algumas crianças batem palmas, exclamando: ”Ôba”! “Êh”!
Todas as crianças voltam a se sentar em seus lugares, prestando atenção às instruções de Pa. Com as
crianças agora sentadas em suas mesinhas, Pa fala
em tom explicativo e sério:
- “Olha só, eu já sorteei [ênfase da professora] os grupos e a atividade é assim: vocês ... eu vou colocar bexigas amarradas no tornozelo de vocês...”
Bruna, sorrindo, bate palmas e exclama com muito
entusiasmo: -”Yes”! E fica comemorando sentada em
seu lugar.
Em tom sério Pa continua a explicação das regras a
serem cumpridas e a delimitar a atividade para a turminha:
- “E o grupo vai estar de mãos dadas e quando eu der o
sinal...”
Pa é interrompida por Lucas que pergunta em um
tom sugestivo: - “Eu e o Ju”?
Pa se volta para Lucas, balança o dedo indicador,
negativamente, dizendo de forma enfática:
- “Não, eu já sorteei os grupos”.
Ignorando a sugestão de Lucas, Pa prossegue sua fala
em um tom de voz elevado e explicativo:
- “Quando eu der o sinal...quando eu der o sinal, o
grupo vai de mãos dadas, não pode soltar das mãos, vão
estourar as bexigas com os pés. Um amigo do grupo
pode ajudar o outro a estourar, do mesmo grupo, tá?”
Lucas pontua em tom sério e conclusivo: - “Eu não
preciso de ajuda”!
372
Pa se volta para Lucas e pergunta em um tom de voz
surpreso:
- “Você não precisa de ajuda, por quê?”
Outras crianças acompanham Lucas, exclamando:
- “Nem eu!”; Nem eu!”; Nem eu!”
Pa fica parada à frente das crianças e fala em tom
titubeante:
- “Mas vocês... mas vocês... mas vocês vão estar em
grupo!”
Pa utiliza como argumento motivacional o “vencer”, principal característica dos contextos competitivos. Com isto indicou, de imediato, uma atividade
planejada para promover a competição, e não a cooperação. Pa continuou a ressaltar a importância da
competição, dizendo: “Quem estourar todas as bexigas lá é o grupo que vai ganhar, vai vencer!”, aguçandolhes a motivação para competir.
O indicador metacomunicativo sugerido por Lucas
para negociar a escolha dos parceiros de seu grupo
(“Eu e o Jú?”), não foi suficiente para que Pa
reorientasse a sua proposta para uma ação de cooperação. Pautando-se em sua posição de controle autoritário, reiterou sua orientação em definir ela mesma
os grupos para competirem entre si (“Não, eu já sorteei os grupos”). A sugestão para competir foi se tornando mais firme e mais complexa a partir da forma
com que Pa apresentava as instruções da atividade:
além de se organizarem em grupos, as crianças de
cada grupo deveriam permanecer de mãos dadas para
estourar bexigas amarradas em seus tornozelos com
os pés. Com esta sugestão, Pa sugeriu simultaneamente duas regras opostas às crianças, tornando a comunicação ambígua. De um lado, motivava as crianças a
competir (competição inter-grupo) e, de outro, sugeria uma atividade individual de estourar os próprios balões e também os dos companheiros de grupo
(cooperação intra-grupo que ficou colocada, por ela,
de forma ambígua).
A proposta da atividade foi entendida inicialmente
pelas crianças como um espaço de competição e disputa entre os colegas, uns competindo com os outros
para estourar as bexigas, com o objetivo de vencer
Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco
uma competição. Ao comunicar de forma ambígua a
“eventualidade” ou “possibilidade” de ajuda (Um amigo
do grupo pode ajudar o outro a estourar, do mesmo grupo, tá?”), Pa apenas “sugeriu” a cooperação intra-grupos. Com isto, metacomunicou às crianças sobre a sua
permissão de ajuda e, não sobre a exigência ou
obrigatoriedade de que cooperassem entre si. As crianças, habituadas à competição e ao individualismo, interpretaram a sugestão não como algo positivo, mas
sim associado à fraqueza ou à incompetência. Tanto é
que reagiram imediatamente (“Eu não preciso de ajuda”; “Nem eu!”; Nem eu!”; Nem eu!”), indicando que
precisar de ajuda significava debilidade, inadequação e
incompetência. Em suma, a possibilidade eventual de
ajudar o colega, tal como sugerida por Pa, não contribuiu para que as crianças cooperassem, mas sim reforçou a competição e o individualismo entre elas.
Vale observar que, nesse momento do episódio, a
fala e a ação de Pa expressou um tom surpreso e titubeante ao ver que a sugestão de ajuda mútua não foi
bem aceita pelas crianças: “Mas vocês...mas vocês...mas
vocês vão estar em grupo...!”. Pode-se pensar que, para
Pa, somente o fato de organizar uma atividade ‘em
grupo’, automaticamente, já significaria a promoção
de uma atividade de caráter coletivo e cooperativo,
pois racionalmente, para melhor realizar a tarefa, as
crianças deveriam cooperar entre si. O que ocorreu,
de fato, foi que sua dúbia sugestão de cooperação
intra-grupos se dissolveu em meio a um cenário em
que prevalecia padrões interativos, valores e orientações competitivas e individualistas.
Pré-Escola B – Episódio 15: Derrubando a
Proposta de Cooperação (Duração: 50’’)
Fabiana da mesa 2 (M2) vai até à M1 e faz uma pergunta dirigida à Camila. Ao mesmo tempo, Fabiana
olha para Pb para se certificar que ela está ouvindo a
sua indagação.
Pb pergunta à Camila em tom de curiosidade e
interrogativo:
-”O que foi Camila?”
Camila não responde, permanecendo sentada em
seu lugar, de cabeça baixa.
Pb se dirige até a M1 e pergunta novamente:
-”Camila, o que aconteceu?”
Camila permanece sentada com a cadeirinha afastada da mesa mostrando-se emburrada. Camila responde à Pb em tom choroso:
-”A Raquel não deixa eu fazer junto com ela”!
Pb intervém, dizendo de forma enfática e conclusiva:
-”Mas eu falei prá você não fazer junto com ela,
Camila, cada um está fazendo o seu e ela está pintando o céu”.
Camila continua emburrada, demonstrando que vai
começar a chorar.
Pb se dirige à M1, aproxima-se novamente de Camila
e fala em tom de advertência e repreensão:
-”Camila, não é assim que resolve; fazendo bico e chorando, é? Chorar vai resolver? Vai?”
Camila continua na mesma posição sem demonstrar
sinal algum de alteração em seu comportamento.
Pb acrescenta em tom repreensivo:
-”Chorar vai fazer você desenhar, vai”?
Pb aproxima uma outra cadeirinha ao lado de Camila,
ajeitando-a de forma adequada. Camila acaba aceitando esperar Raquel terminar de desenhar o céu,
para depois ela iniciar o seu desenho.
Na PEB, observou-se um padrão interacional muito diferente da PEA durante a sessão estruturada. A
proposta feita por Pb para as crianças consistiu em
que realizassem, de forma conjunta, um cartaz por
mesa (M1e M2). Para tanto, Pb orientou as crianças,
chamando-lhes a atenção para as regras a serem cumpridas. Em geral, as regras comunicadas por Pb tiveram um caráter cooperativo, como exemplo, decidir
no grupo junto com os colegas sobre o quê e como
fazer o cartaz, e trocar cores variadas de giz-de-cera
de forma temporária ou definitiva à base de negociação (inter e/ou intra mesas). No entanto, a contradição emergiu quando Pb impôs a regra para as crianças realizarem a tarefa de forma individual: cada um
deveria fazer a sua tarefa (parte do cartaz) sozinho,
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378
373
enquanto os outros deveriam esperar para fazerem
as suas partes, sem contar com a colaboração dos
colegas.
A análise deste episódio evidencia a ambigüidade e
a incoerência da comunicação, e aponta a prevalência
das orientações para as crenças e valores tipicamente
individualistas de Pb, as quais bem ilustram o contexto das interações analisadas nos demais episódios da
PEB (Palmieri, 2003). Durante o episódio específico,
Pb se orientou para engajar Camila nas tarefas da M1,
ao perceber seu descontentamento e insatisfação.
Quando Camila verbalizou o motivo de seu nãoengajamento “A Raquel não deixa eu fazer junto com
ela”! Pb imediatamente interveio de forma enfática e
conclusiva: “Mas eu falei prá você não fazer junto com
ela, Camila, cada um está fazendo o seu e ela está pintando o céu”!
Nesta sequência interativa fica bem clara a incongruência das mensagens de Pb às crianças, afinal, elas
deveriam cooperar, trabalhar em conjunto com os
colegas ou fazer sozinhas as tarefas, tendo que esperar a vez para participar? A ênfase de sua intervenção
indicou que a última opção (fazer individualmente) é
que deveria ser seguido, o que foi bem marcado no
conteúdo de sua fala e no tom de voz de sua resposta
à Camila. Ao mesmo tempo, Pb puniu o comportamento de Camila que demonstrava interesse para
participar de forma cooperativa e, ao mesmo tempo,
valorizou a atitude individualista e egoísta de Raquel
ao fazer sua tarefa de desenhar sozinha o ‘céu’. Com
este padrão de intervenção, Pb acabou impedindo as
crianças de fazerem as tarefas em cooperação, restringindo o fluxo das interações e induzindo-as a ações
individualistas.
Nesse trecho do episódio pode-se ainda observar que Camila se viu em situação de humilhação perante a turma quando Pb interage com ela na presença dos demais: “Camila, não é assim que resolve, fazendo bico e chorando, é?”; “Chorar vai resolver, vai?” ;
“Chorar vai fazer você desenhar, vai”? Pode-se dizer
que Pb conduziu a atividade a partir de sua posição
de autoridade, sem negociação, mantendo uma postura de exclusão e desrespeito às orientações para
objetivos das crianças. No caso, o objetivo da criança
em querer realizar a tarefa em cooperação com a
374
outra! Tudo indica que para Pb, trabalhar em grupos
significava as crianças “esperarem” os outros terminarem suas tarefas para, após isso, obterem a chance
de participar: aí estaria a “cooperação”, em sua concepção. Assim, na medida em que as orientações da
professora não foram claras e tampouco consistentes com suas ações, as crianças ficaram ‘no ar’ sem
saber muito bem se acatavam ou não suas orientações e indicações verbais. Apesar de suas ações serem consistentes com a individualização da tarefa, as
contradições de Pb (que antes havia sugerido a troca
e a negociação) deixaram transparecer seu conceito
equivocado sobre o que é cooperação, e como ela
pode ser promovida na sala de aula.
Discussão
Verificou-se, na análise dos episódios, um grande contraste entre a proposta original (de que as
professoras estruturassem uma atividade para promover a cooperação entre as crianças) e as
atividades efetivamente planejadas e promovidas
por elas. Tanto as atividades quanto as instruções/
orientações de ambas as professoras estiveram
voltadas para a promoção de outras modalidades
de participação social das crianças nos contextos
de grupos. Em outras palavras, a atuação das professoras serviu como influência canalizadora das
interações desenvolvidas em sala de aula, através
da indução à competição (PEA) e ao individualismo
(PEB), o que se conclui que nenhuma das duas realmente sabia o verdadeiro significado do termo
“cooperar”. As entrevistas apenas confirmaram tais
conclusões.
Na PEA, a professora estruturou uma atividade em
que as crianças tinham de alcançar metas excludentes
(ganhadores versus perdedores) fazendo prevalecer,
apesar da possível cooperação intra-grupo, a motivação para competir, o que favoreceu interações de disputa entre os participantes, o que confirma o papel
da canalização cultural (Branco, 2003; Branco &
Valsiner, 1997). Muito embora sua proposta consistisse no desenvolvimento de uma atividade organizada para supostamente promover a cooperação intra-
Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco
grupo em competição inter-grupal, a estrutura competitiva mais ampla da atividade prevaleceu, gerando
altíssimo nível de competição entre as crianças, que
resultou em interações individualistas e competitivas.
As poucas sugestões pró-sociais contidas na fala de
Pa, associaram-se a um conceito negativo de “ajuda”
que se dissolveu no decorrer das interações entre as
crianças. Ao longo da sessão estruturada, as crianças
salientaram suas competências e habilidades para alcançar o desempenho individual necessário, em sua
percepção, para vencer a disputa sugerida (Kohn,
1986; Johnson & Johnson, 1989).
Na PEB, a atividade teve início com uma possível
estrutura cooperativa (as crianças de cada mesinha
fazendo juntas um cartaz), porém ao longo da sessão
esta estrutura foi se transformando, pelas próprias
intervenções da professora, em uma atividade individual coordenada por ela. Na verdade, Pb incentivou
uma forma de participação social denominada como
‘coordenação cooperativa do tipo não-interativa’
(Branco, 2002), que ocorre em um “frame nãointerativo”. Neste caso, cada criança precisa esperar
pela oportunidade de participar da atividade, sendo
que a ‘espera’ é entendida como a forma de participação “colaborativa” ou “cooperativa”: não está prevista a ocorrência de interações sociais propriamente
ditas (Branco, 2002; Hinde, 1996). No episódio apresentado, ficou bem caracterizada a orientação para o
objetivo de Pb de promover a participação individual
das crianças na atividade, impedindo a possibilidade
de estabelecimento de frames interativos para a realização da tarefa de forma cooperativa e compartilhada. Esta orientação caracteriza-se como tipicamente
individualista (Dumont, 1985; Velho, 1987), limitando as chances das crianças de participar de modalidades cooperativas na construção da atividade, e levando-as a desenvolver um padrão de dependência em
relação à Pb, à espera de constantes instruções. Da
perspectiva de Pb, o sucesso ou fracasso de cada criança dependeria das habilidades e dos seus esforços
individuais (Jonhson & Johnson, 1989). O conceito
de condutas pró-sociais simplesmente pareceu uma
questão inexistente para ambas as professoras.
As diferenças motivacionais das orientações para
objetivos das professoras e a dificuldade de promover
concretamente interações cooperativas entre as crianças nas atividades por elas planejadas, constituíram,
portanto, a principal tendência para o desenvolvimento das atividades sugeridas no contexto das duas préescolas investigadas. Também nas observações diretas
da rotina educativa, quando da realização dos “Trabalhos Individuais”, verificamos que as interações entre
as crianças da PEA sempre se relacionavam (eram interpretadas) com a competição, e, na PEB, as interações
eram marcadas pela dependência das crianças em relação à professora, revelando disposições individualistas
coerentes com as orientações recebidas (eram desaprovadas por Pb quando tentavam interagir umas com
as outras). As raríssimas sugestões para ações pró-sociais e cooperativas, nos dois contextos estudados,
eram apresentadas de forma conflitante, e o que prevalecia eram as orientações para objetivo e crenças (e
valores) das professoras.
Considerações Finais
A pesquisa aqui apresentada leva a questionar se
os professores de educação infantil estão conscientes
do tipo de padrão de interação social que estão estimulando e promovendo entre seus alunos. Ao invés
de oferecer-lhes uma ampla gama de atividades que
poderiam favorecer desde o desenvolvimento da autonomia, vivências lúdicas de competição e, especialmente, práticas cooperativas e de solidariedade, terminam por fortalecer o ideário competitivo e individualista de nossas sociedades (Branco, 2003; Saraiva,
2000). Acredita-se que é o caráter singular do conjunto de recursos que a educação infantil oferece à
criança em desenvolvimento, através de preciosas
experiências de interação social significativas, é que
se abre à criança a possibilidade de integrar experiências de cooperação, competição, atividades individuais e de negociação construtiva de conflitos, o que lhe
propiciará um desenvolvimento diversificado e a
internalização construtiva de valores sociais, tais como
a ajuda mútua, a colaboração, a empatia, e solidariedade.
Compreender o dinamismo das práticas sociais e
pedagógicas em suas relações com as crenças e valo-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378
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res que as constituem, e nelas se constituem no dia-adia das instituições educativas, exige a adoção de uma
perspectiva comprometida com a emergência de
novas formas de ação. Neste sentido, o nível
microgenético de análise constitui-se em excelente
opção para desvelar a estrutura e a dinâmica de tais
práticas, apontando os caminhos que tornam os currículos ocultos das instituições educativas tão eficazes, o que permitirá aos educadores a implementação
das ações e transformações que se fazem necessárias
ao sucesso dos processos de ensino-aprendizagem.
Estes não podem em absoluto restringir-se ao campo
do desenvolvimento cognitivo, mas deve incluir como
objetivos importantes a socialização construtiva e o
desenvolvimento de si, conjugado ao desenvolvimento de valores morais. Desvendar o fluxo contínuo de
comunicação e metacomunicação entre os educadores e estudantes (Branco & Valsiner, 2004), caracterizado pela contínua co-construção de ‘orientações
para objetivos’ e valores pessoais e culturais consiste, assim, em tarefa fundamental em nível teórico e
aplicado. Enfim, entender os processos de desenvolvimento humano constitui um desafio teórico e prático, e isto deve estimular novas reflexões, análises e
discussões sobre a co-construção de concepções e
práticas que venham a sedimentar relações educativas/
pedagógicas que provam a autonomia e também a
solidariedade entre os seres humanos.
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Recebido em: 19/10/2006
Revisado em: 05/06/2007
Aprovado em: 15/06/2007
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 365-378
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Sobre as autoras
Marilícia Witzler Antunes Palmieri ([email protected]) - professora Adjunta do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade
Estadual de Londrina-PR. A partir de seu doutorado na Universidade de Brasília e de sua participação como pesquisadora nos estudos desenvolvidos no
LABMIS, tem desenvolvido projetos que objetiva investigar os processos envolvidos na co-construção de padrões de interdependência social, tais como:
cooperação, competição e individualismo e a ontogênese de crenças e valores humanos de uma perspectiva sociocultural construtivista.
Angela Uchoa Branco ([email protected]) - professora da Universidade de Brasília e coordenadora do Laboratório de Microgênese nas
Interações Sociais. Realizou dois pós-doutorados nos USA e desenvolve estudos microgenéticos orientados a investigação dos processos comunicativos
e metacomunicativos nas interações sociais (criança-criança, professor-aluno, etc). Adotando uma perspectiva socicultural, estuda o desenvolvimento
moral, de crenças e valores e questões de gênero. No amplo conjunto de suas publicações encontra-se o livro “Communication and metacommunication
in human development”, publicado em 2004 (com JaanValsiner), nos USA.
Endereço para correspondência
Marilícia Witzler Antunes Palmieri
Rua: Joaquim Távora, nº 392. Jardim Sabará.
86066-020 Londrina PR
Nota das autoras:
A presente pesquisa contou com o apoio da CAPES e do CNPq pela bolsa de doutorado junto ao Programa de Pós Graduação em Psicologia da UnB
e bolsa-pesquisador concedidas a primeira e segunda autora, respectivamente.
378
Educação Infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural • Marilícia Palmieri e Angela Branco
Diferença: condição básica para a constituição do
sujeito
Diferença: condição para subjetividade
Mercedes Villa Cupolillo
Ana Beatriz Machado de Freitas
Resumo
Este trabalho é um estudo de caso construído em co-autoria na tentativa de compreender os processos subjetivos para o aprendizado e buscar alternativas
para a inclusão de crianças no processo educacional. As autoras acompanharam, em uma escola pública, alunos em processo de alfabetização que
apresentavam, segundo o estabelecimento, problemas de aprendizagem. Os encontros foram semanais, por um período de sete meses, havendo apenas
interrupções durante férias e festividades. A teoria da subjetividade baseada na Epistemologia Qualitativa foi adotada como eixo teórico-metodológico.
Embora tenham ocorrido novas produções de sentido pelas crianças sobre o aprendizado, percebeu-se que o espaço social da escola, caracterizado pelo
corpo de educadores, conservava a visão preconceituosa em relação à criança. A ênfase continuava a ser dada à dificuldade e à incapacidade, o que não
favorecia a mudança nos processos de aprendizagem. Ao longo do texto, as autoras intercalam suas idéias e ações, em um trabalho conjunto.
Palavras-chave: fracasso escolar; subjetividade; alfabetização.
Difference: basic condition of individual’st contitution
Abstract
This work is a case study of a child’s inclusion in educational process during school first years. It aims to discuss alternative ways of psychological evaluation
when children are sent from school to a psychology service for diagnosis. Evaluation process attempted to understand children’s subjecvity, according
to proposition of the subjectivity theory based on the Epistemology Qualitative. Children were seen at school once a week, during seven months, while
teachers and parents have been paralelely seen. In the interviews, the focus was in the subjective sense production for learning. At the end of the
evaluation process we had found that prejudice against the children was still present among teachers and coordinators. Otherwise, new senses were
produced by the children promoting learning and different forms of dealing with writing and reading. The authors exchange their ideas and actions in
research field throughout the study.
Keywords: academic failure; subjectivity; literacy.
Diferencia: condición básica para la constitución del sujeto
Resumen
Este trabajo es un estudio de caso construido en co-autoría como una forma de tratar de comprender los procesos subjetivos para el aprendizaje y buscar
alternativas para la inclusión de niños en el proceso educacional. En una escuela pública, las autoras acompañaron alumnos en proceso de alfabetización
que presentaban, según la escuela, problemas de aprendizaje. Los encuentros fueron semanales por un período de siete meses, con interrupciones apenas
durante las vacaciones y feriados. La teoría de la subjetividad basada en la Epistemología Cualitativa fue adoptada como eje teórico-metodológico. Pese
a haber ocurrido nuevas producciones de sentido por los niños sobre el aprendizaje, se percibió que el espacio social de la escuela, caracterizado por el
grupo de educadores, conservaba la visión de preconcepto en relación al niño. El énfasis continuaba siendo dado a la dificultad y a la incapacidad, lo que
no favorecía el cambio en los procesos de aprendizaje. A lo largo del texto las autoras intercalan sus ideas y acciones en un trabajo conjunto.
Palabras clave: fracaso escolar; subjetividad; alfabetización.
379
Dundee-Escócia, 1992. Retorno para o término
de meu doutorado com meus dois filhos. Entre as
primeiras providências, a escola era fundamental. Meu
filho tinha cinco anos e minha filha, nove. No bairro
onde escolhemos para morar, ficava “Blackness
School”, escola que se destacava por receber crianças de treze nacionalidades diferentes. Ali conviviam
diariamente crianças com valores, idiomas, tipos de
alimentação, características físicas e psicológicas diversas. Para alguns, um local impróprio pela tamanha
diversidade; para outros, um rico atelier para a
criatividade e o desenvolvimento de subjetividades e
gerações mais humanas e éticas. Não era meu campo
de pesquisa, mas eu mal podia resistir à riqueza de
sentidos de vida que se produziam entre tantas vozes
e rostinhos luminosos.
Além da participação efetiva dos pais nos conselhos, havia a participação do psicólogo escolar, obrigatória na comissão de avaliação distrital. Os projetos
de integração cultural e a forma como a escola lidava
com a inclusão de crianças com necessidades especiais eram característicos daquele espaço. Havia cuidado para com elas, com as famílias, com as necessidades que as diferenças geravam, e disponibilidade dos
profissionais para aprender com as diferenças.
A escola ficava localizada em uma rua movimentada, via de acesso para o centro da cidade. O policial
que auxiliava na travessia das crianças era um senhor
simpático, paciente e doce e as conhecia todas, pelo
nome. Desarmado, usava apenas um sinalizador luminoso para chamar a atenção dos veículos, principalmente em dias escuros de inverno.
Meu filho era sempre o primeiro a levantar nos
dias de aula. Ir para a escola tinha um sentido amplo
e, além da responsabilidade, a companhia dos colegas
era fundamental. A escola parecia um local privilegiado para aprender muitas coisas, além dos conteúdos
específicos e os professores acompanhavam as turmas em todo o ciclo.
Eu procurava aprender lições de inclusão com a
professora de minha filha. Sua sala tinha uma organização peculiar. As mesinhas com quatro cadeiras eram
arrumadas ao redor do espaço onde se realizavam as
atividades escolares, com grupos de crianças
selecionadas por afinidades para trabalharem juntas,
380
crianças de nacionalidades diferentes, sendo que uma
delas era britânica, para garantir a comunicação e o
aprendizado da língua inglesa. Uma amiguinha brasileira de minha filha sentava-se em outro grupo de crianças e elas se encontravam no recreio para falar português. Em sala, minha filha sentava-se ao lado de duas
coleguinhas muçulmanas e de Edward, um menino escocês que apresentava necessidades especiais. Embora a orientação que minha filha recebesse da professora fosse de não realizar as tarefas por ele, outros tipos
de suporte eram dados ao menino, que nunca dispensava sua companhia. Havia um profissional responsável
por acompanhá-lo nas tarefas mais difíceis, mas ele ficava à vontade para conversar com minha filha, ensinando-lhe inglês e instigando sua curiosidade para a forma de aprendizado que apresentava para o cuidado e
respeito a pessoas como ele, de tal forma que, em
casa, Edward era sempre citado à mesa.
Minha filha aprendera a falar pausadamente e, ao
fazê-lo, ela própria reorganizava suas idéias e seu pensamento. O trabalho na zona de desenvolvimento
proximal, um dos meus eixos no doutorado, acontecia
com muita fluidez naquele espaço. Paralelamente às
atividades de sala de aula, todas as crianças estrangeiras recebiam um caderno de inglês que continha o vocabulário trabalhado em classe. Ali entravam em contato
com a escrita, o significado das palavras e a construção
de textos. Todos os dias escreviam estórias voltadas
para as temáticas abordadas e, muitas vezes, para suas
maneiras específicas de entender e viver a vida.
Meu filho, na primeira série, levava livros para casa
diariamente, para que lêssemos juntos, cujos conteúdos eram muito presentes na cultura das crianças. Foi
assim que os dinossauros e os sapos passaram a habitar nossa casa. As avaliações eram contínuas, ocorrendo no decorrer das atividades; por isso, não havia
momento de prova.
Nós, pais, éramos convidados a participar nas
atividades culturais e esportivas, como voluntários.
Certamente tínhamos saudades do Brasil, mas as crianças, naquele momento, tinham construído um vínculo prazeroso com a escola.
Rio de Janeiro, 1994. De volta ao Brasil após o término de meus estudos. Eu não podia esperar para me
Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas
integrar no espaço educacional brasileiro, cenário vivo
de aprendizagens e desenvolvimento. O ano letivo se
iniciava e as crianças ingressaram na escola. Imediatamente nos deparamos com uma dificuldade: a correspondência de séries. Minha filha tinha agora 10 anos
e havia a exigência de que freqüentasse a quinta série.
Meu filho não se conformava com a idéia de voltar
para a primeira série, mas acabou sendo conquistado
pelos colegas.
São Luís – maio, 1994. Em uma cidade menor, tivemos que conviver com uma diversidade de elementos e situações. Ao chegar, vivenciamos um grande
contraste evidenciado pelas formas de ensinar e pelas
próprias concepções sobre educação. Eu estava de
volta a meu país e esperava poder contribuir com as
escolas brasileiras. Já que convivemos com tanta diversidade, como poderíamos criar uma escola utilizando esses recursos? Com certeza, pensava, poderíamos otimizar o aprendizado em nossas salas de aula
já que todo o cenário do país é constituído por tantas
heterogenias, o que serve para o enriquecimento dos
processos de educação quando bem conduzidos.
Apesar de ter desenvolvido pesquisas em escolas de
São Luís, foi somente anos mais tarde, em Goiânia,
que a discussão sobre subjetividade e aprendizagem
veio a se tornar mais presente, gerando o trabalho
descrito a seguir.
Goiânia, 2004.
No início do ano letivo de 2004, uma escola
conveniada procurou pela clínica de atendimento infantil solicitando avaliação de quatro crianças que apresentavam problemas de aprendizagem na leitura e na
escrita, segundo relato da coordenadora. Surpresa com
a forma preocupada como a coordenadora relatara,
prontifiquei-me, a realizar uma avaliação assistida.
A escola em questão é conveniada com o Estado,
sendo subsidiada por uma associação espírita. É pública e atende a uma clientela de classe média e classe
média baixa. Por muito tempo foi considerada uma
das escolas públicas de maior qualidade de ensino na
capital. Naquele momento, uma das grandes preocupações da administração era exatamente a imagem da
escola.
Ao chegar à instituição, fui apresentada à professora que, imediatamente, queixou-se de cinco alunos (todos do sexo masculino), atribuindo as dificuldades que
apresentavam a problemas familiares e orgânicos. Disse que eram todos desatentos, deveriam ter déficits
de atenção, hiperatividade e outros problemas que ela
não sabia definir. Em vinte anos de profissão ela nunca
havia lidado com crianças como aquelas.
O processo avaliativo ocorreu semanalmente,
totalizando seis encontros, individuais e coletivos, que
aconteceram na escola, em uma sala designada pelos
coordenadores. A sala era utilizada pelos professores
para organização e confecção de material escolar;
possuía a aparência de um sótão, pois ficava localizada no andar inferior da escola e o acesso a ela era
através de uma porta rebaixada. Ali ficavam guardados trabalhos de alunos, livros em geral e materiais a
serem utilizados pelos professores.
Abordamos a queixa referente à hiperatividade
com base nos trabalhos de Werner (2000). Segundo Werner, os transtornos de atenção e
hiperatividade, conhecidos pela sigla, TDAH, surgem
recentemente no discurso e diagnóstico
neuropsiquiátrico, em substituição à disfunção cerebral mínima. O discurso tem invadido os espaços
escolares, na maioria das vezes, como álibi para o
pouco comprometimento dos atores da escola no
processo de escolarização dos alunos.
Pedrinho foi a primeira criança a me ser apresentada. Segundo relatos da coordenadora e da diretora,
o menino havia esquecido tudo que aprendera nas aulas
de alfabetização, no ano anterior. Sua mãe era faxineira da escola e ele era o segundo filho de uma união da
mãe com um namorado. Após ter conhecido
Pedrinho, conversei com seus pais, coordenadores,
diretora e professores.
As sessões de avaliação consistiam na identificação do potencial da criança para a aprendizagem em
geral, da leitura e da escrita, a partir da produção de
significados e sentidos que ocorriam na relação comigo, no meu papel de avaliadora. Denominamos essa
avaliação de assistida, baseada nos pressupostos de
Vygotsky (1993), processo avaliativo com ênfase no
potencial para aprender a partir da relação que se
estabelecia entre avaliador e criança e entre as crian-
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ças. Os focos de cristalização do processo de aprendizagem também eram pesquisados, podendo ser
trabalhadas propostas de mudanças de significados e
sentidos subjetivos (González Rey, 2003).
Nosso primeiro encontro:
Inicialmente solicitamos o protocolo de todas as
crianças; nele constavam todas as avaliações do ano
letivo anterior. Utilizamos esse material como ponto
de partida para avaliar o quanto Pedrinho poderia reconhecer o que havia produzido. Ao entrar em
contato com o protocolo, ele reconheceu imediatamente seu nome na primeira página. Logo após disse:
“não dou conta de ler”.
Respondi: mas o seu nome você consegue, não é?
Então, você já sabe.
Percebi muito desânimo e tristeza no menino. Parecia angustiado por ter que passar por tudo aquilo.
Eu lhe perguntei se estava ciente do porquê de estar
ali comigo. Respondeu: “porque sou burro, sou maluco, não dou conta de ler”.
Psicóloga: O que você gosta de fazer?
“Gosto de desenho, de gibi, de videogame. Minha
mãe disse que um dia eu vou para os EEUU. Lá eu
vou ter dinheiro. Eu queria ter dinheiro, ser rico pra
comprar um carro”.
Psicóloga: Olha, eu cuido de crianças que pensam
que não conseguem fazer as coisas que elas não conhecem. Eu não acho você burro, nem maluco. Eu acho que
você ainda não acredita muito que pode aprender muitas coisas legais. Quando a gente está aprendendo alguma coisa, qualquer coisa, é porque ainda não sabe. Então é sempre difícil. Depois que a gente aprende e consegue fazer, fica fácil. Vou te contar a estória de meu
menino... .Ele mora longe daqui. Mora no Rio de Janeiro
- Onde tem praia?
Psicóloga: - Sim, e ele está aprendendo a surfar.
Nesse momento percebi que o semblante do
menino havia se modificado e ele estava totalmente
imerso no diálogo.
- Então, continuei, ele telefonou no outro dia e disse: “mãe, é muito difícil surfar, a gente tem que se equilibrar muito na prancha e eu caio à toa. Mas eu não vou
desistir nunca, eu quero aprender...”. Pedro, você sabia
que ele tem o seu nome? Ele também se chama Pedro.
382
Pedrinho me interrompe e diz: “olha, eu sei como
é... Vou desenhar pra você ver”.
Desenha um menino na onda, surfando, como se
tivesse ilustrando minha fala. Fiquei surpresa com o
desenho de Pedrinho, com movimentos, coerência e
precisão. Certamente ele não tinha dificuldade de estar atento àquilo tudo, de se projetar na estória e imaginar além dali, de criar... Mostrei que das letras de
seu nome, que ele havia escrito inicialmente, poderíamos escrever muitas palavras interessantes que ele
havia dito: onda, nado, pé. Escrevemos as palavras,
juntos e, na terceira, Pedrinho já apresentava sinais de
cansaço e desânimo. Perguntei se ele lembrava do que
havia escrito e ele confirmou, lendo. Eu disse que nos
encontraríamos outras vezes, que continuaríamos a
conversar e que talvez ele pudesse lembrar a estória.
- “Não dô conta”, disse ele.
Estive com Pedrinho mais duas vezes, utilizando
nosso referencial do primeiro encontro. Sempre estava à minha espera na sala de aula e sinalizava o pouco tempo que ficávamos juntos e como eu demorava
em procurá-lo. Expliquei a ele que eu estaria por perto por bastante tempo, mas que uma outra pessoa
iria trabalhar junto com ele e os colegas, por um período mais prolongado.
Assisti Pedrinho, ainda na companhia de Vicente,
outra criança que havia sido encaminhada, e mais dois
meninos, João e Alex. Ele não se manifestava. Comprimia-se no canto da sala, na tentativa de se esconder. Os meninos o chamavam de maluco: “olha, tia,
ele bate a cabeça na parede, fica falando sozinho na
sala de aula e não sabe fazer nada”.
Pedrinho não se manifestava.
Eu disse: ele sabe sim, mas ainda não aprendeu tudo.
Tem muitas crianças assim. A gente nunca sabe tudo e
às vezes fica com vergonha de dizer por que pensa que
os outros sabem tudo, não é?
- É, acentua Vicente.
Durante a avaliação entendemos que Pedrinho não
apresentava déficits de atenção, mas dificuldade para
lidar com os estigmas a que vinha sendo submetido.
Ele não acreditava na possibilidade de se ver como
leitor. Sua condição socioeconômica e as dificuldades
que havia encontrado na relação com os pais, colegas
e professores na escola foram subjetivados como
Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas
obstáculos para aprender, fazendo com que ele acreditasse que não era capaz.
A coordenadora solicita reforço através de uma
estagiária. Sugeri um trabalho diferente, uma vez por
semana, com ênfase no potencial das crianças para
aprender. Após a avaliação assistida, encaminhei as
crianças para nossa aluna de Mestrado, para que pudéssemos colaborar.
No relato da mestranda, pudemos acompanhar a
difícil tarefa de ser sujeito quando não se chega à escola com os padrões hegemônicos de aprendizagem
e comportamento e situação socioeconômica “favorável ao aprendizado”. No Brasil, principalmente após
a redemocratização nos anos 80, tem-se ampliado o
debate sobre o acesso à educação de qualidade para
todos. Por meio da escola, mais especificamente da
escola pública, as classes populares poderiam ascender ao legado cultural dominante, o que virtualmente
corresponderia à possibilidade de ascensão social. Era
a perspectiva da escola redentora (Soares, 1987).
Com tão grandes esperanças depositadas, a escola
pública passa a receber alto contingente de alunos e se
depara com a questão da diferença: a clientela predominante não é mais a que dispunha de acesso e valorizava, por sua condição social de classe, aspectos do
conhecimento formal e da cultura dominante, chegando à instituição parcialmente alfabetizada. Muitas crianças das classes populares, ao contrário, afluem à educação fundamental sem prévio acesso à pré-escola formal ou informal. Dessa diferença, emergem conflitos
no ensino-aprendizagem originados pela discrepância
no atendimento às expectativas da escola. Acostumada
ao “aluno ideal”, a instituição educativa se depara com
alunos reais em suas diferenças, com suas marcas de
identidade individuais e de classe social (Estebán, 2001;
Soares, 1987). Constituem-se, nesse contexto,
estigmatizações, ou seja, referências, significações ou
marcas negativas (Goffman, 1975) em relação ao aluno
que não aprende da maneira esperada.
Os relatos, a seguir, são de encontros entre a
mestranda e as crianças. As construções e análise das
informações foram realizadas ao longo dos encontros,
conforme propõe a Epistemologia Qualitativa de
González Rey (2002). Nessa perspectiva de investigação, cada encontro, da relação pesquisador-parti-
cipantes-contexto, suscita reflexões e novos passos
para a construção-interpretação frente à realidade
pesquisada.
Apenas os momentos que produziram sentido,
serão apresentados, a partir dos indicadores (produções de significados e sentidos) voltados para o processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Os nomes dos participantes, por compromisso
ético, são fictícios.
7 de abril de 2004
Primeiro encontro com a mestranda
João, Alex e Pedrinho se apresentam alegres.
Pedrinho parece um pouco desconfiado, mais sério, mas
diz seu nome e o dos colegas. Os três trazem consigo
lápis e caderno. A sala oferecida é normalmente usada para apresentações de filmes e aulas de reforço
para alunos maiores. O mobiliário é composto por
cadeiras do tipo universitário. As crianças sentam-se
em círculos nas carteiras. A caixa de bolinhas de gude
que eu deixara propositadamente no chão, no meio
do círculo, de imediato chama atenção dos três.
- Que é isso, tia ?
- Vamos ver quem adivinha!
- Acho que é peteca, diz João.
- Já sei, é bolinha de gude, diz Alex.
Pedrinho toma a caixa para si e a abre afoito,
antes de adivinhar. Os outros já abrem os cadernos e
demonstram o que escreveram.
- Quem sabe ler?
- Eu sei, respondem os três ao mesmo tempo.
Pergunto individualmente. João e Alex dizem que
não sabem ler e antes de Pedrinho responder, dizem:
- Ele não sabe ler, não, tia. É muito “baguncento”!
Peço a João que leia o que escrevera.
- A letra dele é pequena, tia, diz Alex. Parece minhoca.
Pedrinho aproxima-se e olha o caderno do colega.
- O que é isso? (Eu aponto os peixinhos desenhados no caderno)
- Isso é peixe. E mal feito, disse. E corre à caixa
onde estavam guardadas roupas e acessórios usados,
em um dos cantos da sala. Põe-se a vasculhá-la.
A atenção é desviada para o ruído da festa de aniversário de uma aluna da turma da ex-professora de-
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les. As crianças chegam à janela e tentam desesperadamente chamar a atenção da professora.
- É aniversário do menino feio.
- Por que é feio?, pergunto.
- Ele é gordo. (adjetivo também conferido a
Pedrinho)
Observo que no pátio, “palco da festa”, está um
desenho no quadro-negro alusivo à Páscoa. Alex e João
começam a falar do Coelhinho da Páscoa. Um deles
canta a música. Pedrinho volta à caixa de roupas. Peçolhe que não mexa no que não nos pertence e o chamo
para conversar sobre a Páscoa. Proponho que façam
um desenho na cartolina ou escrevam algo a respeito.
- Eu vou desenhar, não vou escrever, diz Alex.
- Eu sei escrever, afirma João.
Os três vibram com a proposta de desenhar e
escrever no chão, com giz de cera, cada um em uma
parte da cartolina. Pedrinho avança e inicia o desenho
com um movimento brusco, traçados grandes, ocupando o espaço pretendido pelos colegas, o que os
irritou. Alex tira a cartolina e delimita seu espaço com
um traço. Pedrinho faz o mesmo, mas, provocando
o colega, invade-lhe a área. Alex revida. João, na outra
ponta, já está desenhando, mais tranqüilo, e se assusta quando Pedrinho também avança sua área. Intervenho dizendo que nem Alex nem Pedrinho haviam desenhado o coelho a que se propuseram. Será que sabiam...?
- Eu sei, dizem. E cada qual desenhou em seu espaço. Pedro termina primeiro, levanta-se e vai à caixa. Alex comenta:
- Coelho feio, não sabe desenhar.
- E os ovos de Páscoa?, pergunto.
- Ah, eu vou fazer.
Chamo Pedrinho e proponho o desenho dos ovos,
ao que se mostra indiferente. Desenho, então, perto
do coelho que ele fizera, um balão do tipo de história
em quadrinhos, esperando que Pedrinho “falasse alguma coisa por seu coelho”. Alex adianta-se:
- Eu sei o que é isso.
Pedrinho se aproxima e diz:
- Eu também sei, é uma sacola que ele está carregando.
- E o que ele carrega?, pergunto.
- Ovos!, respondem.
384
Pedrinho, num tom sério e crítico:
- O coelho agora virou Papai Noel.
- Meu coelho tem muitos ovos, diz Alex, continuando a desenhá-los. Pedrinho observa o colega e parece ter tomado a atividade como desafio. Abaixa-se,
pega um giz de cera e põe-se a preencher a “sacola”.
- Já fiz o meu, anuncia João. Eu quero escrever coelho (traça o “c” e hesita; olha para mim, meio envergonhado). “Eu não sei.”
- Você começou certo coelhinho, co... (Ele completa
“co”)
- Co-e (Coe).
- Lhi (li).
- nho.
- O “n” e o “o” ?
- Da Páscoa.
- O da Pás – co-a’, João completa, atento à sonoridade de cada sílaba, contente.
Alex escreve “Coelho”, olhando, de vez em quando, a área de João. Pedrinho se recusa a escrever.
Peço a João que lhe mostre como se escreve. Ele
chega à área de Pedrinho e escreve “Co”.
- Só que ficou de cabeça pra baixo para ele, observo.
Todos riem, inclusive Pedrinho, que me observa a
traçar a sílaba “de cabeça para cima”. Espontaneamente
escreveu copiando as demais letras de Alex.
O comentário de Alex sobre o coelho de Pedrinho
parecer um cachorro foi motivo para que começassem a desenhar e falar sobre animais. Lembrei-me da
história da lebre e da tartaruga e começo a contá-la,
até para atrair novamente a atenção de Pedrinho, que
voltara à caixa e, às vezes, reclamava que estava chato, que queria brincar com as bolinhas, desenhar no
quadro, jogar quebra-cabeça. Faltavam cinco minutos para o horário do lanche. Informo o fato às crianças e proponho que finalizemos a história e, posteriormente, joguemos. Pedrinho se irrita e reclama. Alex
adianta-se quanto à história e diz que o coelho ganhou a corrida por ser mais rápido. João, mais atento
à história, propõe:
- Vai, conta uma história. Conta que eu vou escrever: “Era uma vez...” (Inicio um trecho. Ele transcreve, depois me pede para ler o que escrevera). Com a
hora do lanche, interrompemos.
Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas
Na interação com os colegas, Pedrinho era visto como incapaz. O grupo, entre os meninos que foram selecionados como problemáticos, abria espaço
para a produção de novos sentidos e significados à
medida que, mesmo competitivamente, Pedrinho criava formas de enfrentamento por se sentir ancorado.
Pedrinho, o “disperso”, o “baguncento”, “o que
não sabe nada” (e também meio gordinho, como o
aniversariante “feio”) manteve um comportamento
mais distante. Sua motivação foi claramente “disparada” pela competição com os colegas, especialmente
com Alex. Sua fala brusca, gestos impetuosos e momentos agressivos são produzidos na relação com os
colegas, uma tentativa de conquista de espaço, como
no desenho. Foi interessante o fato de Pedrinho, após
tantas idas e vindas pela sala e dispersões, ter concluído a tarefa no seu espaço, dando sentido crítico a
partir de uma ação iniciada pelo outro (cópia da escrita do colega; identificação do meu desenho à “sacola” de Papai Noel), expressando conhecimentos
sociais subjetivados por ele.
À medida que a escola, na figura de suas subjetividades individuais (os colegas e as professoras e coordenadoras) e sociais (o grupo constituído por essas
subjetividades) relaciona-se com Pedrinho a partir de
sua dificuldade, ele precisa desenvolver formas para
manter-se como sujeito, como alguém que é muito
além da restrição e precisa ser aceito no que é, em
suas condições de ser e não ser o que é desejado. A
rejeição à leitura, naquele momento, tinha um sentido
de poder manter-se com o mínimo de integridade
(como sujeito) para que não pudesse ser visto novamente como incapaz pelos colegas. Assim, nega ou
se dispersa mediante a proposta de realização de uma
tarefa que irá expor sua desigualdade e dificuldade
perante os colegas que não o aceitam. O desempenho na atividade sugere que, potencialmente, podese aprender em situações e na relação com o outro,
respeitando espaços. O aluno “que não tem limite” já
procura delimitar seu espaço.
No decorrer dos encontros, as predileções e potenciais de cada um foram se evidenciando bem como
o movimento coletivo do quarteto. Os materiais da
sala (a mesma na qual Pedrinho fora avaliado) despertavam a curiosidade, especialmente em Pedrinho,
“aficcionado” por histórias de gibis e livros coloridos
de histórias. Seus olhinhos, ao entrarem na sala, percorriam a prateleira repleta de livros e logo seu corpo acompanhava o movimento, distanciando-o (fisicamente) das atividades propostas.
Envergonhado de ler em público (Em um dos encontros dissera: “Eu sei ler, tia, mas eu to com vergonha”.), mostrava-se visivelmente concentrado, absorvido pelo mundo dos livros e seus personagens quando dispunha da liberdade para conhecer e ler em silêncio, em paz, sem ser alvo de críticas ou chacotas.
De vez em quando chamava a atenção do grupo para
algo visto nos livros ou gibis - atitude que se intensificou no decorrer dos encontros - e encontrou
interlocutor em Alex. No sexto encontro, eles leram
um livro, juntos (Jogo do Pega-Pega, de Flávia Muniz,
editora FTD). Pedrinho inicialmente esteve em silêncio, mas quando o colega vacilou em uma palavra,
corrigiu-o, relendo corretamente.
Curiosamente, o ato de ler não era visto, naquela
situação, como significativo, melhor dizendo, produtivo, pois aparecia como “desvio” de uma tarefa principal que requeria a participação de todos; no caso, a
confecção de uma historinha em formatação de livro
em que cada aluno ficara responsável por uma página.
Nono encontro - 09 de junho
- Só a gente trabalhou na aula, comenta Vicente.
- E quem não trabalhou?, pergunto.
- Pedrinho! Vicente e João falam ao mesmo tempo
apontando para o colega, como se isso estivesse combinado (Isso seria freqüente em sala de aula?)
- Mas só ele?
- O Alex, lembram-se.
- Então vocês,Vicente e João, serão hoje os professores do dia.
- Oba!!!!! , exclamam.
- Vão ensinar quem não fez e ajudar. Um ajuda o
Pedrinho, o outro o Alex.
- Eu não quero ficar com o Pedrinho, dispara
Vicente. Vou com o Alex.
- Ah, não, reclama, eu também não quero ficar.
- Por que não?, pergunto.
- Ele não faz nada direito, tia, ele nunca faz.
- Par ou ímpar, sugere João. Aposta com o colega e
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ganha o direito a ajudar Alex. Vicente não gosta, mas
reconhece que foi justo; chama Pedrinho. Este parece não prestar atenção à conversa. Já pegara um gibi
e não se interessa em participar, mesmo com a minha
insistência e a de Vicente. Fecha os olhos.
- Tá vendo, tia ? Por que eu não queria? Não vou
ajudar mais, não. Ele não quer.
- Espera, mostra pra ele como você fez, começa a
fazer.
Vicente pega a “página” (pedaço de cartolina em
branco) e começa.
- Aqui, Pedrinho.Vou fazer pra você (e inicia).
- Eu sei, deixa eu fazer. (Pedrinho levanta-se da cadeira e se interessa).
- Deixa que eu faço, diz Vicente.
- Espera, Vicente, deixa ele, intervenho.
Pedrinho traça com a régua; é criticado pelo colega pelo fato das linhas ficarem (muito pouco) tortas.
- Não tem problema, digo. Podemos escrever. E
aqui colamos.
- Cadê, Pedrinho?, pergunta Vicente, que procura
entre os quadrinhos pintados o do colega. O autor
reconhece seu nome em um deles:
- É meu, afirma Pedrinho.
Vicente sugere que se coloque o quadrinho pintado
por Alex (o de Pedrinho está em branco; não fizera). Diante da sugestão, Pedrinho emburra e desvia a atenção.
Pedrinho é estigmatizado como o que não sabe
escrever”, “não sabe jogar”, “nunca faz direito”, “difícil de aprender”. A dificuldade real não estava na
escrita propriamente, mas no envolvimento da
atividade. Pedrinho preferia ficar lendo, fazendo algo
solitário, diferente (aparentemente sem fazer nada).
A não-participação aprecia relacionada limite do
enfrentamento que necessitava na relação com os
demais visto que era exposto pré-suposto
freqüentemente à condição de incapacidade dependência. Assim, quando chamado a participar, mostrava-se “indiferente” e “desatento”, estados referidos
pela mãe, coordenadora e professora: “olha para cima
e para o lado, sem fazer nada”, e sem obedecer.
Décimo encontro - 16/06/2004
Proponho a confecção de um segundo livro. Sugeri que cada um escrevesse e desenhasse a sua pá386
gina, expressando o que quisessem, produção denominada pelo grupo “O Livro da Vida”. Em todas as páginas apareceu o contexto da literatura infantil (livros gibis, historinha trabalhada em sala):
Vicente desenhou o peixinho, numa referência à
atividade trabalhada nas últimas semanas; Pedrinho,
uma cena de Batman e Robin; Alex, a turma da Mônica; João, entre caracteres de tesouro, moto e cavalo, deixou fluir a imaginação no desenho de sua
página. A unidade do livro (não prevista) esteve presente pelo contexto da literatura infantil. Foi um
momento importante para avaliação do sentido de
nossos encontros e de identificação de um caminho
potencial para o aprendizado da leitura e escrita com
prazer e produção de sentidos.
Décimo primeiro encontro - 23/06/2004
A coordenadora elogia Pedrinho:
- Eu não acreditava. Você viu o Pedrinho lendo?!
Dizer que ele lê isso aqui... Ontem ele veio com a
mãe dele e leu aquilo ali no quadro. Estava tentando
ler. Ele está exibido. Na sala, no corredor, olha para o
mural e quer mostra que sabe ler. Para quem não confiava nele mesmo!
O “problema” foi apresentado como uma questão
de autoconfiança, de insegurança do aluno, explicável
por si mesma, mas no primeiro momento, a coordenadora confessa que ela própria não acreditava (“ele
olhava pra cima, para o outro lado, parecia no mundo
da lua”). O fato é que não percebia o movimento diferenciado do aluno em direção ao aprendizado na
escola, mas vai à procura da confirmação de sua “profecia negativa” sobre o menino, como citado por Barbosa e Cupolillo (2004). Pensar e refletir sobre a própria ação poderia gerar mudanças na postura educacional e na consideração do aluno e sua aprendizagem. Afinal, o rótulo imposto não seria também um
constitutivo da insegurança?
04 e 05 de outubro de 2004
A psicóloga (orientadora do Mestrado) e eu propusemos uma atividade em que os meninos pudessem apresentar em classe como expressão do que
haviam produzido, sentido e aprendido. Seria, em
especial, uma oportunidade para que Pedrinho pudesse
Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas
ser visto tanto pelos colegas quanto pela professora
como um aluno atento e participativo.
Apresentaríamos uma história, a ser desenhada
no quadro-negro, dividida em quatro quadrinhos (cada
aluno ficaria responsável por uma parte), sendo o assunto: alguém que aprendesse a ler e que alguém o
ajudasse.
O grupo sugeriu a Mônica como protagonista e o
Cebolinha como “ajudante” e as partes foram assim
definidas: “A Mônica sem saber ler” (parte 1), “começando a aprender” (parte 2), “recebendo ajuda”
(parte 3) e “lendo” (parte 4).
A preparação requereu dois encontros. Pedrinho,
como de costume, procurava concluir rapidamente
para poder ler os gibis da sala. Na ocasião em que
começou a ler em voz alta o gibi do Batman ,Vicente
e Alex o criticaram:
“Devia ir para um hospício e lá darem um gibi pra
ele”. Uma censura, justamente no momento em que
começa a expressar em voz alta o seu “saber ler”.
A subjetividade social se expressa em sujeitos
concretos, como explica González Rey (2004). A ação
perversa com o colega decorre impossibilidade dos
meninos de se perceberem como aprendizes e, portanto, passíveis de apresentarem dúvidas e erros.
Além disso, a produção da emocionalidade que se dá
na relação com a dificuldade faz com que as crianças
no grupo eliminem o colega que poderia vir a
caracterizá-las como grupo dos incapazes.
A produção de novos sentidos na sala de aula torna-se sine qua non para a mudança no grupo, inclusive
e principalmente por parte da professora, agente
organizador da produção das novas necessidades e
desejos da turma. Poderia ocorrer, assim, como explica González Rey (2004) “um movimento mais complexo de produção de sentidos e significados”.
06 de Outubro de 2004 - A apresentação
A psicóloga e eu nos encontramos com as crianças. João faltara, por motivo de doença. Antecipadamente, eu havia dito à professora que faríamos uma
apresentação para a turma.
Chamamos Vicente, Alex e Pedrinho e “recapitulamos” a história e a ordem de apresentação, observando
a produção do dia anterior. Os meninos estavam eufóri-
cos e, ao mesmo tempo, um pouco envergonhados,
mas quando a psicóloga e eu entramos com eles na sala
de aula, iniciamos as apresentações e introduzimos a
atividade, dispuseram-se logo a desenhar no quadro-giz
da sala, dividido por nós em quatro partes. A psicóloga
escrevia na parte superior de cada “página” a história
por extenso, tal qual eu escrevera no papel, no livro das
crianças. Os meninos recorriam a ele para copiar seus
desenhos e a fala dos personagens.
Vicente desenha rapidamente, compenetrado na
responsabilidade de desenhar as duas páginas, observa se esquecera algum detalhe. Alex, tal qual ocorrera na véspera, demora mais e apaga com freqüência,
nunca achando seu desenho suficientemente bom e
depende de ajuda. Pedrinho é o mais envergonhado.
Fico a seu lado e digo que o ajudaria. No início, hesita, diz que não vai desenhar. Inicio o desenho e ele
concorda em completar, orientando-se pelo livro.
- Se você quiser escrever “Mônica” como fez aqui,
sugiro, mostrando–lhe a palavra que escrevera no papel.
Alguém faz um comentário sobre Pedrinho: - Ele
não sabe.
A psicóloga responde: se ele fez o livrinho é porque
sabe. Só está um pouco envergonhado de mostrar para
vocês. Vamos esperar que terminem e vocês poderão
dizer o que acharam da surpresa.
- Não, não quero, não, tia, diz Pedrinho, sorrindo
tímido. Olha para trás, depara-se com a turma e parece envergonhado.
A platéia fica atenta. Um dos colegas insiste que
quer desenhar também. A professora, sentada no fundo da sala, observa, sorrindo. Enquanto os meninos
desenhavam, uma garota comenta: “Quem desenha
melhor é o Pedrinho”.
“Acho o outro mais bonito”, ouve-se outra voz.
Por fim, Vicente lê a história. Alex também pede
para ler e lê a sua página. Convidamos Pedrinho a ler
a terceira página, mas ele novamente se encabula. Propusemos que lêssemos juntos e com a participação
da turma. Entre Vicente e Alex, perto da psicóloga,
Pedrinho acompanha as palavras no papel. Abre a boca
e inicia o mover de lábios, mas quando parece ensaiar
a leitura, o coro se sobrepõe e lê a frase.
A turma aplaude o grupo e os três autores. Eles
me pedem o livro, num indício de que o trabalho fora
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 379-389
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significativo. E não só esta produção, mas o principal:
todo o processo.
- E agora ?, pergunta Vicente, preocupado. E o
nosso reforço? Acabou?
Pedrinho ouve o colega e se aproxima, olhandome na mesma interrogação.
- Eu devo continuar com o Pedro e o João, que
estão aprendendo. Você, Vicente, já aprendeu...
- Não, mas... (Vicente procura uma justificativa).
Eu sei... Mas eu preciso porque senão minha letra vai
ficar feia.
Ao término da apresentação, a turma aplaude e
tece comentários sobre o grupo:
- Legal, eu também quero fazer.
- Tia, agora é minha vez.
A psicóloga pergunta o que eles acharam da surpresa.
A professora se prontifica em dizer que tinha gostado de vê-los escrevendo um livro. A turma confirma a capacidade dos colegas e algumas meninas comentam “O Pedrinho sabe”.
Apesar das reconhecidas melhoras, a coordenadora ainda retorna com as queixas: João, “regrediu;
Pedrinho”, estava melhorando, mas agora parece que
não lê”; e Vicente, o “hiperativo” quanto ao comportamento está “terrível”. Os problemas de João e
Vicente continuavam atribuídos a questões familiares,
especialmente à falta de acompanhamento e ao estado emocional da mães.
Novembro 2004
No processo final, Pedrinho é avaliado como apto
para a segunda série. Nos comentários da coordenadora percebe-se que nossa presença foi essencial para
que isso ocorresse, pois gerou credibilidade no processo de aprendizagem da criança, embora não tenhamos percebido mudanças na postura da escola.
(“Ele não evoluiu muito”, disse-nos, “mas está se esforçando”).
Considerações Finais
Estrangeiro, lento, fora das normas, letra feia, ,
faxineira, hiperativo, incapaz, desatento, doente, bur388
ro, maluco etc. Desde o início do texto pretendemos
destacar as diferentes formas de exclusão que se dão
nos bastidores dos contextos de educação. O discurso explícito da inclusão esconde as formas sutis de
diferenças: os caminhos da subjetividade de cada um
que aparecem em suas histórias, construções e condições sócio-econômicas.
Inclusão implica diversidade, diferença, alteridade
- condições para constituição subjetiva. Portanto, vem
da percepção do outro a possibilidade de ser diferente, de se constituir como subjetividade e sujeito,
já que o estado de igualdade do outro só levaria a uma
condição de linearidade e submissão.
A diversidade na educação é admitir a idéia de que
as pessoas não são apenas um bloco de indivíduos em
série, mas somos e produzimos idéias e conhecimento
a partir de uma relação de complexidade. Assim, a
inclusão, ocorre em um processo dialético, em um
espaço simbólico-emocional, relacional, que só produz significados e sentidos dentro de um marco cultural (González Rey, 2004), marco em que a inclusão/
exclusão se configuram constantemente.
A avaliação, no caso apresentado, deve ser um
processo de descoberta de possibilidades para inserção da criança no contexto escolar. A construção do
processo avaliativo deve ser dirigida pelos elementos
que atuarão na otimização das capacidades e funções
que se encontram em processo de desenvolvimento
na criança: seus recursos subjetivos e os recursos
subjetivos dos mediadores em questão. Os parceiros do processo de aprendizagem, colegas, professores e demais profissionais envolvidos na escola apresentada, não atuavam como promotores da inclusão
dessas crianças; contrariamente, “protege-se” e exclui-se ao articular às suas atitudes e práticas conhecimentos e pressupostos que confirmam e justificam a
não-aceitação das diferenças. As escolas parecem ter
retomado (um nunca abandonado) antigo modelo
médico na avaliação do desenvolvimento de suas crianças. Nesse sentido, como assinala Padilha (2001),
desconhecem a forma com a qual os educandos lidam com suas dificuldades, como superam suas deficiências, como utilizam suas forças, como, portanto,
organizam seus processos psicológicos na relação
constitutiva, constante com os espaços sociais que
Diferença: condição básica para a constituição do sujeito • Mercedes Villa Cupolillo e Ana Beatriz Machado de Freitas
elas próprias também constituem. E, ao distanciar-se
dessa reflexão, a escola deixa de reconhecer seu papel na saúde psicológica da instituição. Trata-se, portanto, de um trabalho mais amplo: a inclusão das subjetividades dos espaços educativos, a inclusão dos
educadores no processo de conhecimento de si mesmos, de reflexão e construção de políticas públicas
em direção a uma sociedade “re-humanizada”, em que
a Educação seja um processo contínuo de desenvolvimento da autonomia, sim, mas a autonomia
construída e constituída através e na possibilidade da
“com-vivência”.
Referências
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educacionais especiais nas classes comuns da rede regular e
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São Paulo: Ática.
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Vygotski, L. S. (1993). Obras Escorgidas II. Conferencias sobre
Psicologia (incluye Pensamiento y Lenguaje). Madrid: Visor
Distribuiciones S.A.
Recebido: 25/04/2007
Revisado: 30/10/2007
Aprovado: 17/12/2007
Sobre as autoras
Mercedes Villa Cupolillo ([email protected]) - Centro Universitário da Zona Oeste; Faculdades Paraíso- RJ
Rua Miguel de Frias, 214 apto 303, Icaraí, Niterói - Rio de Janeiro - RJ
Cep: 24220-004
Ana Beatriz Machado de Freitas ([email protected]) - Associação de Pais e Amigos de Excepcionais - Goiânia
Avenida Tocantins, 251 apto 303, Setor Central, Goiânia - GO
Cep: 74015-010
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Softwares educacionais podem ser instrumentos
psicológicos
Softwares educacionais: instrumentos psicológicos
Cristiano Mauro Assis Gomes
Resumo
O texto defende o pressuposto de que os softwares educacionais podem ser modelados de modo a se tornarem instrumentos potenciais de alteração
do fluxo de desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Em conjunto a esse pressuposto há o argumento de que os softwares educacionais, com o
objetivo de alterar o desenvolvimento dos estudantes devem ser instrumentos psicológicos. Três “grandes ondas” descrevem e demarcam diferentes
relações entre a educação e os softwares educativos. Para análise dessas relações, artigos de revistas internacionais em ensino de ciências foram
coletados, na medida em que tradicionalmente o ensino de ciências tem apresentado importantes inovações nessa área. O texto conclui seus argumentos
salientando a função dos softwares educacionais na construção do pensamento dos alunos. Concomitantemente destaca o papel dos softwares no
desenvolvimento cognitivo e profissional dos professores.
Palavras-chave: desenvolvimento cognitivo; aprendizagem, medida.
Educational software can be psychological tools
Abstract
The text defends that educational software can be fashioned in order to become potential instruments of alteration on the students’ cognitive
development course.The educational software has the objective of modifying the development of the students and must be psychological tools. Three
“great waves” describe different relationships between the education and educational software. To analyze these relationships, they had collected
articles from the international journals in sciences education for the reason that traditionally the education of sciences has presented important
innovations in this area. The text concludes its arguments pointing out the function of educational software in the construction of the students’ thought.
At the same time it detaches the role of software in the teacher’s cognitive and professional development.
Keywords: cognitive development; learning; measurement.
Softwares educacionales pueden ser instrumentos psicológicos
Resumen
El texto defiende el presupuesto de que los softwares educacionales pueden ser modelados de forma a tornarse instrumentos potenciales de alteración
del flujo de desarrollo cognitivo de los estudiantes. Junto a ese presupuesto está el argumento de que los softwares educacionales, con el objetivo de
alterar el desarrollo de los estudiantes, tienen que ser instrumentos psicológicos. Son descriptas tres “grandes olas” que marcan diferentes relaciones entre
la educación y los softwares educativos. Para el análisis de esas relaciones fueron cosechados artículos de revistas internacionales en enseñanza de ciencias,
una vez que tradicionalmente la enseñanza de ciencias ha presentado importantes innovaciones para el área. El texto concluye sus argumentos destacando
la función de los softwares educacionales en la construcción del pensamiento de los alumnos. Junto a eso también se destaca el papel de los softwares en
el desarrollo cognitivo y profesional de los profesores.
Palabras clave: desarrollo cognitivo; aprendizaje, medida.
391
Educação e informática: uma relação de
múltiplas facetas
Desde o início da década de 1970, o computador
tem sido utilizado por vários países como um instrumento para o desenvolvimento e a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem. Diversos softwares
foram produzidos no intuito de estabelecer tecnologias
de ensino-aprendizagem e essa produção passou a ser
denominada na literatura internacional de CbEs –
Computer-based Education (Cotton, 1991). Analisando
esse cenário, pode-se dizer que o campo tem passado
por transformações significativas ao longo do tempo,
no que tange às relações constituídas entre a educação
e a informática, assim como à construção e o uso dos
softwares educacionais (Berger, Lu, Belzer & Voss,
1994). Duas extensas meta-análises realizadas por
Berger e colaboradores (1994) e por De Jong e Van
Joolingen (1998) apresentam evidências a respeito da
ocorrência dessas transformações.
Enquanto a meta-análise de Berger e colaboradores (1994) enfocou as principais pesquisas internacionais que tinham como objeto de investigação a confecção e utilização de softwares educacionais nos anos de
1970 e 1980, no campo do ensino de ciências, a metaanálise de De Jong e Van Joolingen (1998) analisou essa
mesma temática entre os anos de 1980 e 1990. As
evidências de Berger e colaboradores (1994) mostram
que nos anos de 1970 havia uma primazia de softwares
com princípios comportamentais e positivistas e que
essa predominância foi alterada substancialmente nos
anos de 1980 para a produção e o uso de softwares
educacionais voltados para a construção do conhecimento e a alteração dos esquemas mentais. Segundo
os autores, essa mudança profunda foi gerada porque
uma nova perspectiva educacional foi inaugurada, subsidiando uma articulação entre a educação e a
informática bem diferente da anterior. De Jong e Van
Joolingen (1998), por sua vez, encontraram transformações também muito relevantes entre os anos de
1980 e 1990 e apontaram para uma nova relação entre
a educação e a informática que passou a determinar a
construção e o uso de softwares como meios simbólicos, voltados a propiciar aos estudantes uma assimilação mais efetiva das estruturas cognitivas sociais encontradas nos conteúdos escolares e uma interação
392
sujeito-objeto de maior qualidade. Semelhante ao período anterior, uma nova perspectiva educacional subsidiou essa mudança.
Neste texto, três grandes tendências que articulam a relação entre o uso dos softwares educacionais,
a informática e o campo da educação serão discutidas. Discuti-las será útil porque a última delas abre
possibilidades reais e efetivas para o pressuposto defendido neste texto: o de que os softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos. Ao mesmo tempo, a apresentação dessas diferentes perspectivas situará um conjunto variado de possibilidades sobre a interação entre a educação e a informática.
Descrevendo essas tendências, a primeira “grande onda” surgiu no início da década de 1970. Nesse
período, a informática e o computador tinham como
função educacional servir como instrumento precioso na transmissão clara e precisa das informações
presentes nos conteúdos curriculares escolares. Além
da transmissão, os softwares educacionais deveriam
oferecer ambientes com tarefas de fixação e reforço
da aprendizagem para alterar o comportamento dos
estudantes (Whithaus, 2004). Essa tendência foi muito forte a ponto de influenciar a quase totalidade das
pesquisas internacionais a respeito do papel educacional dos softwares (Berger e cols., 1994). A maior
parte dos estudos nos anos de 1970 centrou seu foco
nos efeitos ocasionados pelos CbEs sobre a aprendizagem dos estudantes, através da análise da quantidade da informação adquirida versus o tempo de aquisição da informação.
A partir dessa primeira conexão entre a informática
e a educação nasceram os softwares de Instrução
Assistida por Computador, os CAIs (Computer-Assisted
Instruction). Nos anos de 1970, os CAIs se
estruturaram na concepção de que uma informação
precisa e sem ruídos garantiria uma aprendizagem
melhor. As unidades de cada conteúdo eram expostas ao estudante em pequenas porções de informação, seguidas por um conjunto de exercícios ou
atividades capazes de modelar os comportamentos
emitidos pelos alunos, em função do princípio da aquisição seqüencial e gradativa do conteúdo assim como
da repetição da transmissão. Novas unidades eram
transmitidas quando o aluno demonstrava um conjun-
Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos • Cristiano Mauro Assis Gomes
to mínimo de respostas adequadas de fixação das informações e execução dos problemas (Cotton, 1991;
Karlgren, 2006).
Apesar do vigor apresentado no início dos anos
de 1970, a primeira “onda” cedeu lugar a uma segunda “grande onda” que demarcou uma nova forma de
vinculação entre a informática e a educação. Essa nova
tendência foi marcada pelo princípio educacional
construtivista da aprendizagem por descoberta
(Sjøberg, 2007; Vasconcelos, Praia & Almeida, 2003)
e que tinha como um de seus focos principais a
interação sujeito-objeto e a elaboração de ambientes
capazes de oferecer o maior grau de liberdade ao
sujeito nessa interação. No campo do ensino de ciências, a maior parte das pesquisas nos anos de 1980
sobre o uso do computador passou a avaliar o papel
dos softwares nas interações espontâneas dos estudantes com os objetos de conhecimento presentes
nos ambientes virtuais dos softwares. Esses estudos
passaram a analisar como as interações espontâneas e
os conflitos cognitivos propiciados por elas ou induzidos pelo professor poderiam alterar as concepções
prévias dos alunos e gerar novo conhecimento (De
Jong & Van Joolingen, 1998).
Um dos postulados educacionais mais fortes da
segunda onda é encontrado na concepção de que a
construção do conhecimento poderia ser garantida a
partir de ambientes virtuais ricos capazes de permitir ao sujeito tanto uma interação livre com os objetos
de conhecimento, como a possibilidade de vivenciar
conflitos cognitivos que desestabilizassem os seus
esquemas de conhecimento prévios de modo a gerar
novos conhecimentos. O modelo construtivista de
ensino que subsidiou a segunda onda defendia a concepção de que a interação sujeito-objeto e a formação de conflitos cognitivos seriam capazes de promover a construção do conhecimento e uma aprendizagem efetiva por parte dos estudantes. Schur
(1997) argumenta que esse modelo surgiu inicialmente
para a comunidade internacional através de um artigo
seminal de Driver e Easley (1978). A partir desse
período, o campo do ensino de ciências, influenciando a educação escolar de uma maneira mais geral,
voltou-se para observar e alterar os esquemas mentais de conhecimentos específicos dos alunos, elabo-
rados a partir da interação sujeito-objeto. As estratégias pedagógicas dessa época centravam-se no
objetivo de alterar os esquemas de conhecimento dos
estudantes através da geração de conflitos cognitivos.
Acreditava-se que os conflitos cognitivos teriam o
poder de desestabilizar os esquemas mentais prévios
dos estudantes e, concomitantemente, propiciar espaço para que novos esquemas pudessem ser
construídos. Nesse contexto, em essência o professor deveria ser um provocador de conflitos cognitivos
e, os softwares, por conseqüência, deveriam ajudar
nessa missão.
Experimentações Simuladas por Computador
(CSEs – Computer-Simulated Experimentation) e Laboratórios baseados em Microcomputador (MbLs –
Microcomputer-based Laboratories) foram produtos
dessa proposta educacional, indicando respectivamente ambientes que simulam experimentações e favorecem a aquisição de conhecimentos declarativos e
procedimentais de pesquisa e experimentação, assim
como ambientes que simulam materiais, ferramentas
e procedimentos presentes em um ambiente de laboratório (Kubicek, 2005), ambos favorecendo a
interação sujeito-objeto.
Apesar do caráter inovador trazido pela segunda
“grande onda”, ela passou a ser alvo de críticas sistematizadas e de amplo alcance a partir da década de
1990, justamente por valorizar excessivamente os
processos de interação individual do estudante com
os objetos de conhecimento e apostar demasiadamente na capacidade do conflito cognitivo. Boa parte das
críticas à segunda onda baseou-se no argumento de
que a aprendizagem por descoberta, levada aos seus
extremos, ocasionou uma série de empecilhos e lacunas na condução pedagógica do processo de aprendizagem. A meta-análise de De Jong e Van Joolingen
(1998), já abordada neste texto, mostrou evidências
de que boa parte das interações sujeito-objeto
alcançadas em vários softwares educacionais da segunda onda não possuía uma qualidade minimamente
aceitável. Segundo os autores, o problema encontrado não se referia à qualidade dos softwares, em termos de sua adequação à proposta educacional vigente da época. Ao contrário, eles atendiam aos princípios estabelecidos. Uma das conclusões elaboradas pelo
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estudo afirmava que os ambientes virtuais que se concentravam exclusivamente em oferecer possibilidades ricas de interação sujeito-objeto não eram capazes de gerar uma aprendizagem de qualidade nos alunos. Outra conclusão afirmava que os conflitos
cognitivos não eram facilmente gerados nesse tipo de
ambiente. Por sua vez, quando eram gerados, normalmente eles apenas desestabilizavam os esquemas
mentais dos estudantes sem propiciar a construção
de conhecimentos epistemologicamente superiores
aos esquemas prévios.
Para sustentar suas conclusões, os autores apresentaram vários problemas encontrados pelos alunos
em suas interações com ambientes virtuais de aprendizagem de caráter construtivista que apresentavam
um forte potencial para gerar interações ricas entre o
sujeito e o objeto e, por conseqüência, conflitos
cognitivos. O primeiro problema citado pelos autores envolvia o desenvolvimento do pensamento científico e a forte limitação dos estudantes em gerar hipóteses. Analisando extensos relatos de pesquisas, os
autores verificaram que os estudantes que interagiam
com ambientes de experimentação sem nenhum cerceamento, tutoria ou dicas, mostravam dificuldades
em gerar hipóteses. Boa parte dos estudantes apresentava consideráveis dificuldades em estabelecer
relações entre as variáveis dos ambientes virtuais assim como em relacionar a teoria com os dados observados em ambientes simulados. Em algumas situações, os estudantes construíam hipóteses rígidas e
não as alteravam mesmo a partir de informações contrárias fornecidas pelas experimentações realizadas
nos softwares. Os alunos também apresentavam problemas em construir desenhos experimentais.
Eles elaboravam experimentos considerando apenas variáveis que poderiam comprovar as suas hipóteses iniciais, não planejavam e articulavam os elementos importantes para uma exploração do ambiente
simulado, de forma que o desenho experimental não
possuía relação com as variáveis contidas nas hipóteses, o que invalidava a experimentação. Outro aspecto que mostrava severas lacunas na interação entre
os alunos e os objetos de conhecimento envolvia a
interpretação de dados. Os estudantes apresentavam
uma interpretação errônea dos dados provenientes
394
dos experimentos realizados em ambientes simulados com uma dificuldade pronunciada na área da interpretação de gráficos. No entanto, o problema mais
grave identificado foi a dificuldade dos estudantes em
regular a sua própria aprendizagem. Em geral, os estudantes com baixo desempenho escolar apresentavam importantes limitações no monitoramento de suas
próprias ações, indicando uma dificuldade na maneira
de interagir com os objetos de conhecimento dos
ambientes virtuais. Na medida em que esses ambientes ou o professor não atuavam na forma como o
aluno poderia elaborar estratégias para monitorar a
sua própria aprendizagem, boa parte dos estudantes
permanecia no mesmo lugar, ou seja, não alterava seus
processos metacognitivos de interação com os
objetos de conhecimento.
Um dos motivos centrais que ocupou a crítica à
segunda onda envolveu, pois, a desconfiança de que o
processo educativo deveria se centrar na interação
entre o sujeito e o objeto e no conflito cognitivo como
propulsores fundamentais da construção do conhecimento. Pesquisadores como Schur (1997), Solomon
(1994), Feuerstein, Rand e Rynders (1988), entre
vários outros, passaram a argumentar claramente que
ambientes extremamente ricos necessitavam ser desvendados e desbravados, pois careciam de uma
interação mais sofisticada a qual a maior parte dos
alunos não estava preparada, se deixada por conta
própria, ou se provocada exclusivamente através de
conflitos cognitivos gerados pelo ambiente virtual ou
pelo professor. Essa crítica implicava que a interação
sujeito-objeto deveria ser subsidiada ou
complementada por outras estratégias pedagógicas e
não apenas pelo princípio do ambiente rico e do conflito cognitivo. Mediações entre o sujeito e o objeto
precisariam ser empregadas para que o estudante
pudesse alterar de fato seus esquemas mentais prévios e viesse a construir novos conhecimentos em níveis epistemologicamente mais sofisticados.
A crítica à segunda onda gerou a terceira grande
onda, acrescentando-se um novo vínculo entre a
informática e a educação. Segundo De Jong e Van
Joolingen (1998), esse novo vínculo passou a determinar nos anos de 1990 a agenda principal das pesquisas
internacionais do ensino de ciências sobre o papel da
Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos • Cristiano Mauro Assis Gomes
informática e dos softwares, envolvendo tanto a análise dos ambientes virtuais, em termos de sua riqueza
para a interação sujeito-objeto (preocupação da segunda
onda), como os processos mediacionais necessários
para que a interação sujeito-objeto pudesse ser ampliada de forma a gerar conhecimento de qualidade (preocupação acrescentada pela terceira onda).
A próxima seção tratará especificamente das características principais da terceira onda, assim como
também abordará o argumento principal defendido
neste texto: o de que softwares educacionais podem
ser instrumentos psicológicos.
Softwares Educacionais podem ser Instrumentos Psicológicos
A terceira onda pretende que o computador e os
softwares educacionais sejam capazes de provocar
mudanças na qualidade da interação sujeito-objeto. A
perspectiva educacional que subsidia essa nova onda
parte do princípio de que as interações sujeito-objeto
podem ser alteradas substancialmente quando é alterada concomitantemente a capacidade de pensar do
aluno, seja através de intervenções pedagógicas em
suas formas de raciocinar, representar, elaborar estratégias, etc (Kozma, 1991). Há um conjunto de
postulados comuns na terceira onda que podem ser
descritos da seguinte maneira (Salomon, Perkins &
Globerson, 1991):
1. Os ambientes virtuais têm o potencial de permitir ao estudante pensar em um nível superior
ao que ele é capaz de forma espontânea, alterando progressivamente suas estruturas cognitivas.
2. As habilidades cognitivas e as estratégias de
pensamento fomentadas em ambientes virtuais digitais podem ser generalizadas para situações e
eventos gerais, o que sugere ser o computador
um potente instrumento para o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem.
3. Os ambientes virtuais podem desenvolver nos
estudantes uma prontidão para a análise do seu
próprio pensamento, impulsionando a
metacognição e a construção de uma aprendizagem profunda.
Esses pontos reúnem vários pesquisadores (Bliss
& Ogborn, 1992; Courtois, 1992; Hron, 1992;
Jonassen, 1996; Mandl & Hron, 1992;
Nirmalakhandan, 2007; Tisseau, 1992) em um universo comum: o de que os softwares podem ser
modelados para atuarem como ferramentas na reestruturação do pensamento de maneira que novas
formas de interação entre o sujeito e o objeto sejam
possíveis. Corroborando essa tese, Mayes (1992) e
Jonassen (1992), integrantes dessa proposta, sustentam que qualquer software pode tornar-se um instrumento cognitivo, se puder:
1. Ter um grau de extensão frente aos processos
cognitivos humanos, independentemente se foi
inicialmente criado para isso ou não.
2. Fomentar ações cognitivas gerais.
3. Assistir o processo de pensamento do aluno.
4. Agir como instrumento que facilite e engaje o
estudante em um processamento significativo da
informação através da construção do conhecimento.
A preocupação com a re-estruturação do pensamento e a noção de que os softwares podem ser
meios simbólicos capazes de modificar as formas de
interação dos sujeitos com os objetos de conhecimento abre margem para que se possa relacionar teoricamente essa posição junto ao conceito de instrumento psicológico de Vygotsky (Vygotsky; 1978,
1986, 1987; Wertsch, 1985; Zinchenko, 1985). Conforme destaca Kozulin (1999), o pensamento
vygotskiano foi fortemente influenciado pelo pensamento de Janet de que as funções mentais superiores
ocorrem primeiro no plano intersubjetivo das
interações sociais para depois serem interiorizadas e
construídas internamente no plano intra-subjetivo. As
análises de Kozulin (1999) indicam que a influência do
postulado de Janet ajudou Vygotsky a elaborar novos
argumentos a respeito do papel dos meios simbólicos culturais na formação das estruturas cognitivas
individuais (Kozulin, 1999). Um desses argumentos
enfatizava que as estruturas cognitivas sociais deveriam ser assimiladas pelo sujeito para que novas estruturas cognitivas individuais pudessem ser geradas e o
sujeito pudesse atingir novos níveis em seu desenvolvimento mental. Kozulin (2000) demonstra que o
conceito vygotskiano de instrumento psicológico envolve o problema da assimilação das estruturas soci-
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ais de pensamento por parte do sujeito. Em termos
processuais, um instrumento psicológico é gerado
quando o sujeito é capaz de assimilar os processos
fundamentais presentes em um meio simbólico da
cultura, elaborando internamente uma nova ferramenta
mental capaz de lhe oferecer novos níveis de pensamento e análise da realidade (Kozulin, 2000).
Um argumento forte da terceira onda defende a
interação entre a educação e a informática como uma
oportunidade para a geração de novas formas de pensamento através da construção mediada do conhecimento. Em suma, nessa visão o pensamento deve ser
mais deliberadamente construído, impulsionado e alterado por intervenções educacionais bem
direcionadas e focadas. Essa posição educacional possui
fortes relações com os conceitos de meios simbólicos e instrumentos psicológicos de Vygotsky, na medida em que há uma crença comum nessas posições
de que determinados agentes sociais externos podem
alterar profundamente a capacidade de pensar do ser
humana, de suas estruturas internas, sua autonomia
cognitiva e, por conseqüência, a sua capacidade para
interagir com os objetos de conhecimento.
Enquanto a segunda seção deste texto tratou da
terceira onda e do princípio de que softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos, a terceira seção expande o argumento principal deste texto e acrescenta que softwares educacionais podem
ser instrumentos psicológicos tanto para alunos como
para professores.
Softwares Educacionais podem ser Instrumentos Psicológicos tanto para Alunos
como para Professores
Para Vygotsky (1987), a capacidade de pensar de
uma pessoa é produto do modo como ela adquire os
meios simbólicos de sua cultura. O pensamento é alterado em nível estrutural através da interiorização
de novos meios simbólicos. Na medida em que os
meios simbólicos tornam-se interiorizados e dominados por um indivíduo, o pensamento se altera, novos componentes cognitivos são gerados, assim como
novas formas de representação e de interação com
os objetos de conhecimento. É nesse sentido que
surge um novo instrumento psicológico. Apesar do
396
alto grau de possibilidades oferecidas pelos meios simbólicos, na realidade o processo de incorporação
desses meios não é um fenômeno simples (Kozulin,
2000). Roth (1995) encontrou evidências de que os
alunos possuem considerável dificuldade em assimilar
os meios simbólicos presentes nos conteúdos
curriculares escolares, o que dificulta a produção de
significados e o desenvolvimento de novas estruturas
cognitivas. Essas evidências são corroboradas por
vários pesquisadores de modo a indicar um fenômeno generalizado (Andaloro, Bellomonte & SperandeoMineo, 1997; Beichner, 1994; Thornton & Sokoloff,
1990).
Ao que sugerem certas pesquisas (Kozulin, 2000),
a condução do processo de assimilação das estruturas sociais de pensamento presentes nos conteúdos
curriculares escolares e a transformação dos meios
simbólicos em instrumentos psicológicos é um processo trabalhoso que demanda muito engajamento e
know-how profissional por parte do professor, envolve materiais didáticos específicos para essa finalidade
e requer métodos pedagógicos sofisticados. Levando em consideração essas dificuldades, certos
softwares educativos podem ser entendidos como
oportunidades profissionais. Explicando o que isso
quer dizer, argumento que alguns softwares educacionais podem ajudar o professor a desenvolver a sua
capacidade de ser um mediador mais incisivo na capacidade de pensar e na constituição efetiva de instrumentos psicológicos em seus alunos. Ampliando o
argumento, certos softwares educacionais podem
atuar como ferramentas que se acoplam de forma
imbricada na ação docente de mediação junto ao aluno, abrindo potenciais para uma alteração significativa
na atuação profissional docente. Hatley (2007), por
exemplo, mostra que os melhores resultados pedagógicos têm sido provocados quando professor e
computador formam uma interação rica e de auxílio,
a qual eu preferia chamar e entender como uma
interação imbricada. Mas o que seria essa interação
imbricada? É possível que o estudo de Doerr (1997)
ajude na explicação desse conceito.
Doerr (1997) mostra que certos ambientes simulados imprimem a oportunidade de aulas diferenciadas, capazes de provocar processos cognitivos de
Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos • Cristiano Mauro Assis Gomes
alto nível. Essas aulas demandam aos alunos, entre
outras coisas:
1. Elaborar e testar hipóteses alternativas, pondo em prática seus modelos.
2. Operar sobre vários níveis de variáveis, analisando seus efeitos dentro de um sistema qualquer.
3. Construir uma variedade de representações
sobre quaisquer fenômenos estudados, utilizando diversas modalidades de linguagem e níveis
de abstração.
4. Modelar e experimentar eventos demasiadamente lentos ou rápidos, muito caros, complexos ou perigosos, mudando escalas, valores etc
(Schroeder & Moore, 1993).
O aspecto mais interessante do estudo de Doerr
(1997) não se refere exclusivamente ao papel dos
softwares junto ao desenvolvimento cognitivo dos alunos. Seu estudo possibilita a especulação teórica de
que os softwares educacionais podem penetrar intensamente na maneira do professor dar aula, mobilizar suas estratégias e ações docentes de modo a criar o que estou chamando de interação imbricada, em
que o software passa a não ser apenas uma extensão
da ação do professor para provocar a aprendizagem
do aluno, mas modifica a sua própria ação. Esse contexto, evidentemente, é diferente do uso do computador em separado, pois o professor dá a sua aula e
usa “em anexo” um software, seja para transmitir alguma informação, expor um conteúdo etc.
Juntando os estudos de Doerr (1997), o argumento
de que os softwares podem ser instrumentos para o
desenvolvimento profissional do professor e o argumento ampliado de que é possível uma interação
imbricada entre o professor e certos softwares, é
possível construir um novo argumento, o de que os
softwares podem ser instrumentos cognitivos para o
próprio professor. No entanto, essa situação é condicionada a situações em que os softwares interferem diretamente na maneira do professor de atuar e
trabalhar, alterando o seu fluxo de produção e criação. Por exemplo, teoricamente, um professor pode
desenvolver a sua capacidade de ensinar aos alunos
como construir várias formas de representar e organizar mentalmente os conceitos de um campo de
conhecimento através de ambientes virtuais elaborados especificamente para gerar diferentes modalidades e níveis de representação da realidade.
Em uma interação imbricada com o software, o
professor pode elaborar aulas em que os alunos aprendam a identificar e construir diferentes representações sobre um mesmo fenômeno. O mais significativo disso, e aí reside o argumento teórico defendido,
é que nessa interação imbricada em que o professor
ensina os seus alunos a representar, ele pode desenvolver tanto a sua competência profissional de alterar
a capacidade de pensar dos estudantes como a sua
própria capacidade de representar fenômenos. Ao
trabalhar intimamente com meios simbólicos nos
softwares elaborados para provocar o pensamento
do aluno não é pouco provável que o próprio professor tenha seu pensamento provocado.
Jonassen (1996) apresenta os softwares como instrumentos da mente (MindTools), termo cunhado por
ele para dizer sobre o potencial do computador e dos
softwares em alterar estruturas e padrões cognitivos
das pessoas. Aproveitando o termo de Jonassen (1996),
argumento de usar softwares de forma imbricada e
como instrumentos da mente, o professor tem a
chance de desenvolver as suas estruturas cognitivas.
Nesse contexto, não somente os estudantes têm as
suas mentes provocadas e transformadas. Isso é o que
se espera quando se argumenta que alguns softwares
educacionais podem ser instrumentos psicológicos tanto para os alunos como para os professores. Ao usar
uma ferramenta cognitiva como meio de ensino que
visa à transformação cognitiva do aluno, o professor
tem grande chance como mediador humano de ser
impulsionado cognitivamente (Kozulin, 2000). Ao buscar transformar, o agente da transformação pode ser
transformado.
Conclusões
A cada nova ferramenta de pensamento, novas formas de interpretar e relacionar a realidade são
disponibilizadas, abrindo potenciais latentes de novos
fluxos de desenvolvimento e de aprendizagem. Os
meios simbólicos presentes nos softwares educacio-
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nais são elementos potenciais de mudança dos indivíduos. No entanto, nada disso é possível sem a atuação
do agente humano, ou seja, do professor como mediador entre os meios simbólicos e o indivíduo. Na
medida em que os meios simbólicos são modulados,
agenciados e reconstruídos nas interações sociais,
determinadas interações sociais se fazem mais significativas e centrais na aquisição dos meios simbólicos
pelos estudantes (Kozulin, 2000). Pode-se afirmar que
nem toda interação social é capaz de provocar efeitos cognitivos significativos. Não basta colocar os alunos para interagirem consigo próprios e com os ambientes dos softwares para que a aprendizagem e a
construção do conhecimento desponte. Nesse sentido, o papel do professor é central. No entanto, determinados softwares disponibilizam elementos que
confluem para uma potencialização na alteração do
desenvolvimento cognitivo dos estudantes e na ampliação de sua capacidade de aprendizagem.
Ao mesmo tempo em que o professor é agente e
mediador fundamental da construção do estudante,
as estruturas cognitivas do professor podem ser
transformadas pelos materiais e pelos meios simbólicos que ele utiliza em seu processo de mediação junto ao estudante. Há evidências obtidas a partir de
programas psico-educativos, voltados ao desenvolvimento cognitivo, de que a estrutura cognitiva dos
aplicadores dos programas pode ser alterada, de
modo que os efeitos de uma intervenção cognitiva
não se situam apenas junto ao público-alvo imediato,
os aplicandos (Feuerstein e cols., 1980). Ao contrário, ocorrem implicações cognitivas relevantes aos
aplicadores. Quando as ações dos aplicadores estão
imbricadas às ferramentas cognitivas utilizadas por eles
mesmos, há uma tendência deles serem mobilizados
e vivenciarem uma alteração cognitiva estrutural
(Kozulin, 2000).
Muitas vezes, o que está em jogo para o aluno é a
aprendizagem de um determinado conteúdo. Por
outro lado, o que está em jogo para o professor é a
competência que o habilita a atuar diretamente no fluxo
de desenvolvimento de seu aluno, de modo a propiciar uma ampliação na capacidade de aprendizagem
e, por conseqüência, uma melhor aprendizagem dos
conteúdos escolares. Ambas as situações podem ser
398
mobilizadas através de bons softwares concebidos a
partir da terceira onda. O que é defendido nesse texto não é novidade para muitos professores que desejam que a sua prática educativa seja um meio capaz de
alterar a forma de pensar dos alunos. Muitos desses
professores sabem que o maior desafio se encontra
na dificuldade em fazer com que o aluno se aproprie
das ferramentas de pensamento, dos meios simbólicos presentes nos conteúdos curriculares escolares.
Essa distância, na medida em que é rompida, tem
como elemento fundamental o papel do professor
como mediador que intencionalmente provoca uma
aproximação dos meios simbólicos e catalisa a construção de instrumentos psicológicos. No entanto, ao
utilizar materiais ricos, tais como certos softwares
educacionais, é possível que o professor transforme
o seu aluno, assim como se transforme, gerando uma
nova forma de ensinar e uma nova forma de provocar
o seu aluno a aprender. E dentro desse processo, é
provável que o professor também tenha suas estruturas cognitivas transformadas, de modo que o ato
educativo inicialmente centrado do professor para o
aluno volte para o próprio professor, em uma relação
de desenvolvimento para ambos.
Ao lançar a questão dos softwares educacionais
como instrumentos psicológicos, este texto tratou
um ponto considerado crucial. Softwares educacionais são meios simbólicos que, se bem modelados,
podem se tornar instrumentos psicológicos, ou seja,
ferramentas de pensamento geradoras de novos níveis cognitivos, tanto para os alunos como para os
professores. Concomitantemente, softwares educacionais são meios simbólicos que trazem estruturas
cognitivas sociais que podem ser favoráveis ou desfavoráveis à formação da prática docente na função de
desenvolvimento do estudante.
Esse texto defendeu o argumento de que a terceira grande onda trouxe novidades importantes e um
caminho mais propício ao uso dos softwares
educativos. Através dessa nova tendência tem se tornado possível avaliar os softwares educacionais como
estruturas sociais de pensamento capazes de
disponibilizar potenciais de formação e transformação humana. Essa é uma visão mais sofisticada do papel dos softwares educacionais e vai muito além do
Softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos • Cristiano Mauro Assis Gomes
uso banal do computador como um meio de meramente atrair a atenção dos alunos ou fazer com que
eles não saiam de aula, não percam o interesse etc.
Tratar os softwares educacionais como instrumentos
psicológicos implica em comprometer-se, não somente incentivar o desenvolvimento dos estudantes, mas
também em construir maneiras de alterar
deliberadamente esse caminho, ou seja, de modificar
intencionalmente o fluxo de desenvolvimento cognitivo
dos alunos.
Talvez uma limitação possível da terceira onda seja
a viabilidade de tal proposta. Dúvidas podem surgir a
respeito da capacidade da educação escolar em alterar diretamente as estruturas cognitivas dos estudantes e ampliar a sua capacidade de aprendizagem. Afinal, pode-se defender a idéia de que as estruturas
cognitivas e a capacidade de aprendizagem são exclusivamente geradas e modificadas profundamente apenas na própria cultura e nas relações sociais em que o
sujeito está inserido, e não através de intervenções
pedagógicas feitas diretamente pela escola. No entanto, há evidências consideráveis de que é possível
alcançar esse objetivo através de materiais e recursos didáticos bem elaborados e estratégias bem delimitadas no campo da mediação fornecida pelo professor (Adey, 1997, 1999, 2003; Adey & Shayer,
1994, 1997; Kozulin, 1997, 2000; Kozulin & Rand,
2000; Shayer & Beasley, 1987). Por haver pesquisas
que mostram a viabilidade dessa proposta, potencializa
a elaboração de questões. De fato, ainda não se sabe
muito bem como os softwares podem ou devem ser
usados para que eles sejam ferramentas cognitivas para
o aluno e para o professor no momento da sala de
aula. Essa condição é mantida principalmente porque
não se tem conhecimento, efetivamente, como os
meios simbólicos se articulam com os instrumentos
psicológicos. Não se sabe, por exemplo, se os instrumentos psicológicos são traduções diretas dos
meios simbólicos sociais ou, ao contrário, se são construções internas específicas, em que os meios simbólicos têm um papel apenas indireto de provocação.
Para complementar a questão dessa temática não
se conhece ainda quais são as variáveis que
efetivamente intervém na dinâmica entre os meios simbólicos e os instrumentos psicológicos. Kozulin
(2000) aposta no fator mediacional humano como a
variável mais importante de interferência. Entretanto, faltam pesquisas capazes de encontrar evidências
sobre essa aposta. Outra questão importante, e que
remete a um argumento debatido neste texto, envolve o estudo da interação entre o professor e o
software educacional. É muito provável que a maioria
das interações entre os professores e os softwares
não seja capaz de gerar acoplamentos no sentido defendido neste texto. Compreender as relações e as
situações emergentes que possibilitam a interação
imbricada é um empreendimento relevante dentro da
temática aqui defendida. Em suma, todas essas questões levantadas, assim como outras possíveis apontam para uma agenda de pesquisa capaz de analisar e
compreender, em termos teóricos e de evidências, o
pressuposto de que os softwares educacionais podem ser instrumentos psicológicos, tanto para alunos
como para professores.
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Recebido em: 21/05/2007
Revisado em: 28/06/2007
Aprovado em: 15/01/2008
Sobre o autor
Cristiano Mauro Assis Gomes ([email protected]) – Professor da Universidade Federal de Minas Gerais
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 391-401
401
Resenhas
As emoções no contexto escolar
The emotions in the school context
Arantes, V. A. (org) (2006. Humor e alegria na educação.
São Paulo: Editorial Summus
O coração tem razões que a própria razão desconhece. Essa frase, proferida por Pascal Blaise (16231662) há centenas de anos, resume bem o valor da
temática dos afetos no estudo do ser humano: o mundo do coração é que controla todas as volições humanas, tem suas leis próprias que para qualquer mortal
é de difícil compreensão. Dessa forma, as emoções,
os sentimentos e os afetos podem ser definidos como
um capítulo à parte do estudo da psique, ora pela
importância devida do tema no âmbito da Psicologia
Básica, em ensaios teóricos e estudos empíricos clássicos e atuais, ora na compreensão acerca das particularidades do ser humano que os fazem amar e até
mesmo odiar.
Partindo dessas reflexões iniciais, o livro Humor e alegria na educação, cuja organização fica a cargo de Valéria
Amorim Arantes, docente da Universidade de São Paulo
(USP), busca reunir uma série de pesquisadores conceituados na área acadêmica para a discussão da afetividade,
mais precisamente do humor e da alegria. O livro está
disposto em nove capítulos, cada qual incorporando uma
leitura psicológica e educacional.
No primeiro capítulo, que se chama Poesia e escola, Joan Fortuny discute a importância do conhecimento poético no ambiente escolar, sinalizando que
esse tipo de linguagem permite ao aluno a elaboração
de sua experiência pessoal, de modo a conhecer os
estados de ânimo e o que eles têm a ver com as experiências mais íntimas (a saber: subjetivas) nos relacionamentos humanos. Portanto, a poesia, através de
uma linguagem metafórica, e simbólica ao mesmo tempo, tem a função de exprimir novas vivências e sentidos à vida. Um outro debate nesse capítulo é questionar o papel da escola tecnicista, e por que não dizer,
aquela que é pautada no conhecimento mecanicista, o
que diminui substancialmente a formação do caráter
humano, e dá valor ao aspecto puramente
metodológico do aprender.
No capítulo seguinte, esboça-se um quadro teórico sobre a questão do lúdico na educação, no tocante
à leitura de São Tomás de Aquino, um dos pensadores
de maior prestígio na Filosofia. Segundo a óptica desse pensador, o brincar é necessário para a vida humana, pois é ele que consegue, até mesmo nos intelectuais, um tratamento divertido e agradável. Dessa forma, a atividade racional (pensante) não pode viver sem
o lado jocoso e alegre da vida, afinal: ninguém agüenta
um dia sequer com uma pessoa aborrecida e desagradável. Isso tudo dá indícios para se pensar que a mente
humana não é povoada somente pela compreensão
lógica da realidade, mas sim pelo espírito afetuoso do
gostar do quê e o como se aprende.
No terceiro capítulo – da autoria de Mario Sérgio
Vasconcelos – reflete-se sobre o lugar do jogo na prática educativa. Faz o autor um breve retrospecto acerca das várias maneiras de se ver o brincar, passando
pela Idade Média até o Romantismo, além de considerar o campo psicológico do saber. Ademais, destaca-se que o brincar foi excluído do contexto escolar
em virtude da ênfase na dimensão racional do ser hu403
mano, explicitando uma crítica, se bem se entende,
sobre o status, quase que majoritário, ou superior, da
razão em relação à emoção, permeando com isso um
dualismo secular, ou seja, uma separação entre razão
e coração.
Maria Lúcia de Oliveira, no quarto capítulo
intitulado Escola não é lugar de brincar?, aborda um
panorama da concepção da educação entre os gregos até o surgimento da instituição Escola propriamente dita. Enfatiza, nesse aspecto, o valor do humor e da alegria entre o povo grego, na questão do
conhecimento, parecendo até mesmo supor que na
filosofia grega há o mundo do prazer auxiliando na
reflexão: valorizando a capacidade criativa, os jogos e
a fantasia como um recurso lúdico na formação do
espírito, em oposição com o estabelecimento de uma
Escola com uma constituição técnica e centrada
prioritariamente nas disciplinas curriculares.
O quinto capítulo, cujo autor é José Sterza Justo,
expõe o humor do ponto de vista da constituição
emocional e primitiva do sujeito psicanalítico. Referese ao vasto campo dos sentimentos, como o riso, a
alegria e a perversão – esse último, aliás, muito discutido por Sigmund Freud em seus famosos ensaios.
Enfim, todos próprios da natureza humana e que se
constituem psiquicamente como tais através das primeiras vivências infantis. Assim sendo, as piadas e o
humor usados em situações fúnebres – como os velórios e enterros – são um bom exemplo da maneira
que algumas pessoas lidam com o sofrimento, e a angústia de sofrer, subtraindo da consciência toda e qualquer percepção de dor, e ajudando, também, a entender os caminhos que o humor percorre no funcionamento psicológico.
A discussão do sexto capítulo transcorre pela evolução dos caminhos da escola, acentuando o modelo
dessa instituição baseado na organização das disciplinas, na disposição das classes e imersa em uma sociedade de resultados visíveis e práticos. Ou seja, os
conteúdos disciplinares têm um fim, uma meta: o vestibular. Os alunos, sob tal justificativa, são cada vez
mais analisados, observados e diagnosticados, tendose a impressão de se continuar os padrões de uma
404
escola despreocupada com o prazer. Porém o autor,
João Batista Freire, traz elementos novos de discussão e técnica para a sala de aula, descrita na experiência de Florianópolis, em que a realidade do aluno é
transformada em imaginação e imagens e ganha novos significados. Pensada dessa maneira, a escola torna-se divertida e alegre, mas também responsável com
os conteúdos tradicionais.
O sétimo capítulo traz um exemplo prático de como
o educador, por intermédio de um diálogo franco e
sensível, pode usar o humor como um forte recurso
pedagógico na formação de seres humanos mais cônscios de seus atos. Em uma sala de aula, descreve-se
uma série de falas dos alunos com supostas intervenções mediadas pelo educador; que, muitas vezes, valese do humor para construir novas inter-relações e significados entre educador-educando. Para encerrar a
coletânea de textos, Maria Tereza Mantoan, professora
da Universidade Estadual de Campinas, em um tom
todo espirituoso elabora um conjunto de perguntas,
em forma de teste, a fim de examinar o poder de inclusão do leitor diante de muitas questões recheadas de
dilemas no cotidiano escolar, em que está subentendida, por vezes, uma visão preconceituosa de educação e
de educando, o que deveria ser inclusiva.
Para concluir, todo o livro traz, como uma proposta única e inovadora, um conjunto de discussões muito
pertinente e deveras atual para a Psicologia Escolar/
Educacional e também para as áreas de conhecimento
correlato, tais como a Pedagogia e a Filosofia. Este
material nos incita, e nos faz questionar, ainda que tacitamente, sobre a real função do educador e da escola,
do professor e do aluno. Após uma leitura atenta, haverá muitas perguntas a serem feitas, como a seguinte:
Devemos ou não mudar nossa maneira de ver o nosso
aluno? Por isso, recomenda-se este livro como um instrumento de apoio profissional para aquele que trabalha diariamente na formação pessoal de alunos nos mais
diferentes graus de instrução de ensino.
Fausto Eduardo Menon Pinto
Psicólogo
Prefeitura Municipal de Hortolândia
Resenhas
Tecnologia de informação e comunicação no processo educacional
TIC no processo educacional
Information and communication technology in educational process
Sancho, J. M. & Hernández, F. (orgs.) (2007). Tecnologias para transformar a educação.
Tradução de Valério Campos. Porto Alegre: Artmed Editora.
Sancho e Hernández reúnem pesquisadores e catedráticos em Didática e Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC), com experiência e atuação em
projetos de inovações educativas e em programas de
educação em redes em escolas européias, para discutir e explorar os saberes e as intervenções das novas tecnologias no processo educacional. A obra vai
além do que propõe no título e reflete a experiência
dos autores na área das TIC, assim como busca
equacionar e compreender as dimensões do complexo problema de integrar tecnologias e transformar o
processo educacional.
Os oito capítulos que compõem a obra e seus respectivos autores são apresentados de maneira clara
com as propostas de questões que vão da prática,
discussões oriundas de vivências em projetos nas escolas européias, à fundamentação teórica, ou a necessidade dela passando pelas concepções das políticas
educacionais.
No primeiro capítulo De Tecnologias da Informação e Comunicação a Recursos Educativos Sancho descreve programas de educação envolvendo aplicações
e usos de computadores nos processos de ensino e
de aprendizagem. Esse novo nicho se estabelece quando a estrutura “dura” da escola aceita com naturalidade a tecnologia “suave” dos computadores e da
Internet. A aceitação só será revertida em melhorias
e ganho educacionais se administradores escolares,
especialistas em educação, assessores pedagógicos e
professores reorientarem suas visões sobre o ensino, promovendo mudanças no currículo, processos
de avaliação, espaços educativos e incorporar
enfoques construtivistas na gestão do ensino.
São discutidas as influências e as possibilidades que as
redes de informações e comunicação exercem no desenvolvimento educacional ao longo da vida das pessoas
e a necessidade de converter em conhecimentos reais.
As argumentações e exposições ricas e atuais de
Sancho, não descrevem despretensiosamente questões mais profundas do processo educacional como
o ensino centrado no professor, as provas padronizadas, o interesse e habilidades dos alunos de interagir
com as novas tecnologias, os paradoxos de coexistências de programas educativos que desvinculam a
criatividade da autonomia intelectual. A escola, para
construir sua transformação e tirar proveito das
tecnologias disponíveis, deve refletir e questionar suas
atuais convicções pedagógicas.
Hernádez, no capítulo Por que dizemos que somos
a favor da educação se optamos por um caminho que
deseduca e exclui? apresenta a sua visão de educação
na qual deve incorporar criatividade, inventividade e
integração e ação sociais num mesmo eixo. Elege a
aprendizagem como sentido a partir de experiências
que conduzam crianças, jovens e adultos ao
envolvimento com o aprender. Critica a atual pedagogia “entediante” e os discursos modernistas de reforma, fruto de dominação e de poder que mantém
seu caráter hegemônico. Propõe o abando da estrutura curricular atual.
Sem dúvida, trata-se de uma proposta radical cujos
caminhos devem ser reconstruídos desconstruindo
o sistema atual de ensino. É possível que o leitor se
assuste ou, no mínimo, sinta-se “cartesiano demais”.
Os argumentos fazem referências à construção da
subjetividade a partir de experiências vividas contra405
pondo-se a subjetividade conformada construída em
contextos limitados das escolas atuais.
As justificativas para a proposta de mudanças não
se apresentam plenamente convincentes e soam, às
vezes como especulações. É fato que, apesar de ainda existir tantas questões por serem respondidas e
tanto por fazer na área da educação, é inegável que a
escola tem propiciado grandes avanços.
Pablos, no capítulo A visão Disciplinar no espaço das
Tecnologias da Informação e Comunicação faz uma apresentação esmerada com definições e conceitos de disciplina e interdisciplinaridade, a primeira como a práxis
e a outra como um espaço comum onde se encontram objetos de pesquisas ou de associações de áreas do conhecimento científico.
As discussões de Pablo trazem as análises de
Foucault (As palavras e as coisas, 2002) sobre a
racionalidade operativa que conduz às subdivisões dos
mais diversos aspectos da realidade. A interdisciplinaridade proporcionaria uma via ou possibilidade
de trânsito interativo entre essas subdivisões.
As fundamentações conduzem às necessidades e
aos desafios da interdisciplinaridade nas TIC e o desenvolvimento de uma teoria de educação. O leitor
se sentirá recompensado com as extensões e implicações apresentadas e as ricas análises envolvendo
mediações e ferramentas cognitivas.
Gilleran, no capítulo Práticas Inovadoras em Escolas
Européias faz uma análise descritiva dos programas e
das práticas educativas com o uso das TIC, à luz do
construtivismo compartilhado, desenvolvidos e patrocinados pela Rede de Escolas Européias. A concepção dos programas considera não só um processo de aprendizagem ao longo da vida como também
os avanços tecnológicos de equipamentos portáteis e
sem fios com possibilidades de acesso em praticamente qualquer ambiente.
O sucesso dos programas pode ser dimensionado
pelo leitor acessando os portais indicados no texto.
Esses portais demonstram que as escolas deram amplitude ao programa estabelecendo redes de comunicações em todos os níveis – alunos, professores e
gestores escolares.
A Organização das Escolas e os reflexos da Rede Digital é discutida por Martín. Trata da invisibilidade das
406
TIC e a remoção sutil da estrutura profunda a escola.
Os ganhos, nesse processo, devem articular o uso
das TIC nos propósitos e interesses escolares passando, necessariamente, pela organização do espaço
cibernético da escola, evitando os riscos da chamada
mcdonalização.
A organização escolar e da aprendizagem devem
mudar, iniciando pela “desaprendizagem organizativa”
para transformar-se ou recriar-se num sentido amplo.
Incorporar significa continuar com as velhas e inoperantes
práticas de dominação vertical via “web”. Na incorporação a escola, submetida aos “webmasters”, e os professores deixariam de interagir com seus alunos ou no
binômio caricato aluno-máquina.
O processo de inclusão é tratado por Alba no capítulo Uma Educação sem Barreiras Tecnológicas TIC e
Educação Inclusiva. A evolução da tecnologia, na ótica
de Alba, visa e se justifica por razões econômicas e
políticas e não sociais.
As declarações universais sobre reconhecimento
do direito de todos ao acesso à educação ainda não
se fizeram realidade. Nos países desenvolvidos uma
parcela reduzidíssima de pessoas com algum tipo de
deficiência chega aos bancos universitários. Essa é a
questão proposta pela autora – quais as causas, as
barreiras que impedem o acesso dessas pessoas às
atividades educativas?
Considerando a indisponibilidade de recursos
informáticos e o analfabetismo tecnológico digital é
possível concluir, sem muito esforço, a existência de
legiões de excludentes, marginalizados ou
“desconectados”, sem possibilidades de acessar a
cultura e a informação. Nessas legiões encontram-se
pessoas com algum tipo de deficiência, chegando a
50 milhões na Europa cerca e 18 milhões no Brasil. É
uma exclusão silenciosa.
Os dispositivos “inteligentes”, agendas falantes,
sintetizadores de voz, digitalizadores de sons, versões em Braille, entre muitos outros, vão muito além
do teclado e permitiriam o acesso à inclusão se as
páginas das “webs” educativas fossem projetadas para
essa finalidade.
Área traz à pauta Vinte Anos de Políticas Institucionais
para Incorporar as Tecnologias de Informação e Comunicação ao Sistema Escolar. As políticas educacionais
Resenhas
se estabeleceram no final de 1970 na Europa, Estados Unidos e Japão com programas e projetos educacionais, mas o grande desenvolvimento se deu entre 1997 e 2001 com a utilização Internet. A partir
desse período as TIC passam a constituir um importante elo de integração social, do qual fazem parte os
mais diversos segmentos e interesses.
Área analisa o modelo de desenvolvimento e incorporação das TIC nas Ilhas Canárias como um estudo de caso. Os aspectos apresentados vão desde
as questões práticas da sala de aula como o
voluntarismo de professores até as questões amplas
como os interesses político-partidários. As análises
indicam algumas premissas e caminhos que devem
ser observados para o estabelecimento de políticas
educativas assim como a necessidade do desenvolvimento de uma inovação pedagógica, sem as quais as
mudanças não ocorrerão nas práticas escolares.
Os Cenários da Escola do OCDE, os professores e o
Papel das Tecnologias da Informação e Comunicação
constitui o último capítulo assinado por Istance. São
apresentadas as reflexões sobre o futuro da escola
como um projeto de educação para toda a vida, desenvolvidos pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essas reflexões são construídas a partir de determinados cenários com a combinação de correntes e tendências ideológicas com propósitos de se fazer uma projeção
do futuro da educação num período de 10 ou 20 anos.
Nesses cenários são analisados a profissão docente, o uso das TIC e o “padrão” de sociedade no qual o
cenário projetado poderia ter lugar. É um exercício
extremamente interessante que, segundo o autor, tais
procedimentos têm permitido estabelecer importantes debates políticos e de desenvolvimento em muitos países europeus. A clareza e a qualidade das argumentações promovem a aproximação do leitor e, ao
mesmo tempo, convidam para uma análise, pelo menos comparativa, com a situação do Brasil.
Todos os capítulos apresentam notas com explicações complementares dos autores e referências, tornando a obra um espaço de debate. O tema não é
tratado como especulação ou superficialidade e
advém de experiências concretas, de realizações concebidas a partir de fundamentações científicas. Leitura necessária para profissionais da educação – professores e especialistas de educação – formados ou
em formação, e obrigatória para aqueles que respondem pelas políticas educacionais nos mais diversos
segmentos e rincões deste país.
Moacir Wuo
Universidade Camilo Castelo Branco
Universidade de Mogi das Cruzes
UNISUZ
Faculdade do Clube Náutico Mogiano
[email protected]
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 403-411
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Psicologia Escolar em discussão
School Psychology in discution
Joly, M. C. R. A. & Vectore, C. (2006) Questões de pesquisa e práticas em psicologia escolar.
São Paulo: Casa do Psicólogo
A Psicologia é uma ciência que não diz respeito
apenas a um ramo específico do conhecimento humano, tornando-se há pouco mais de 40 anos, uma
atividade profissional devidamente regulamentada,
enquanto ciência e profissão. Um dos setores da Psicologia voltado para a atuação e investigação em contextos educacionais é a Psicologia Escolar e Educacional. O livro “Questões de pesquisa e práticas em
Psicologia Escolar” organizado por Maria Cristina
Rodrigues Azevedo Joly e Célia Vectore, teve como
foco, estudos e pesquisas na área da psicologia escolar e educacional. Deste modo, este livro reúne textos com temáticas que visam ampliar as discussões e
especialmente as ações do psicólogo escolar.
O capítulo inicial, Metacognição e Cloze na avaliação de dificuldades em leitura escrito por Maria Cristina
Rodrigues Azevedo Joly e Janete Aparecida da Silva
Marini, discute a ampla temática da leitura focando a
metacognição e a técnica de Cloze na avaliação de dificuldades apresentadas nessa habilidade. Versa sobre a importância do auto monitoramento de seu
processo de leitura, por parte do leitor, para que neste
sentido seja possível implementar ações para a avaliação das dificuldades de compreensão em relação ao
processo, visando um ensino mais eficaz.
No capítulo seguinte Produção auto-regulada de
textos: considerações para a escolarização inicial, Elis
Regina da Costa e Evely Boruchovitch discutem a
produção auto-regulada de textos relacionada à
escolarização inicial. É interessante observar que,
dentro deste contexto, escrever claramente é uma
necessidade que distingue alunos com alto e baixo
desempenho. É válido esclarecer aos educadores que
inúmeras são as situações que podem e devem ser
criadas para desencadear produções textuais e que
propostas de produção auto-regulada de textos têm
muito a contribuir para enriquecer a capacidade de
escrever dos alunos.
Ana Paula Cabral contribuiu com o texto Fórmulas
de intervenção nos domínios da compreensão em leitura
e escrita no ensino superior. É de grande importância o
destaque dado às competências de leitura, compreensão e análise que possibilitam sucesso no ensino superior, conforme exposto pela autora em relação às
fórmulas de intervenção nos domínios da compreensão em leitura e escrita, incentivando a criação e o
desenvolvimento de sistemas de apoio que permitem
aos alunos adquirirem e aperfeiçoarem as suas competências no segmento.
Em seguida, as autoras Mirthis Czubka de Abreu,
Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly e Nayane
Martoni Piovezan escreveram o capítulo Escala de estratégias metacognitivas de leitura: caracterização de
uso por universitários paulistas e mineiros, que discute a
escala de estratégias metacognitivas de leitura utilizada por universitários paulistas e mineiros. Foram analisadas as diferenças do uso das estratégias de acordo
com idade, gênero e influência do curso e semestre
freqüentados, podendo ser consideradas evidências
de validade para a escala. Foram identificadas diferenças significativas em relação às análises feitas pelo uso
da escala por estudantes de diferentes estados
enfatizando a importância de novos estudos com maior número de participantes por regiões.
Eunice M. L. Soriano de Alencar escreveu o capítulo O papel do psicólogo escolar na prevenção de dificuldades socioemocionais do aluno com altas habilidades, onde são apresentadas recentes pesquisas com
alunos superdotados em seu desenvolvimento sócioemocional, as quais relatam o estudo de variáveis que
se referem à prevenção e diminuição do desajuste
emocional dos mesmos, otimizando o processo de
409
desenvolvimento, levando em consideração o papel
do psicólogo escolar na prevenção de dificuldades
socioemocionais desses alunos.
Desenvolvimento da criatividade no contexto escolar: integrando características personológicas e fatores
ambientais, é o capítulo escrito por Denise de Souza
Fleith. A autora destaca o papel fundamental da escola como um ambiente marcante, que pode proporcionar uma aprendizagem prazerosa, contextualizada,
que possibilite a expressão das qualidades e habilidades dos alunos, ao abordar o desenvolvimento da
criatividade no contexto escolar, integrando características personológicas e fatores ambientais.
A construção dialética da adição e da subtração no
jogo Gamão é o capítulo abordado por Maria José de
Castro Silva e Rosely Palermo Brenelli. O texto tratase de um relato de pesquisa que objetivou verificar as
relações existentes entre a construção dialética das
operações de adição e subtração e o tipo de estratégia utilizada pelos jogadores durante a partida de
Gamão. De maneira geral, os dados obtidos com a
pesquisa forneceram valiosas informações sobre as
dificuldades apresentadas pelos participantes. Assim,
pode-se perceber relações entre a construção dialética
da adição e da subtração e as condutas adotadas pelo
aluno na escolha de estratégias utilizadas no jogo.
Em Aprendizagem de conceitos estatísticos em estudantes de diferentes níveis de ensino, as autoras
Claudette Maria Medeiros Vendramini, Anelise Silva
Dias e Marjorie Cristina Rocha da Silva, abordam a
aprendizagem de conceitos estatísticos em estudantes de diferentes níveis de ensino. A pesquisa relatada
constatou que as dificuldades apresentadas pelos alunos em relação aos conceitos matemáticos surgem a
partir do ensino fundamental, isto posto, consideram
necessário inserir conceitos, visando o desenvolvimento da habilidade de leitura e compreensão de dados
estatísticos desde o início da vida acadêmica.
No capítulo Tecnologias da informação e comunicação: avaliação de desempenho dos estudantes, Ronei
Ximenes Martins descreveu as tecnologias da informação e comunicação por meio de uma avaliação de
desempenho dos estudantes. Em seu relato de pesquisa demonstrou a condição dos alunos quanto ao
uso de tecnologias no ensino médio, os quais já pos410
suem grande capacidade para sua utilização. Tal estudo poderá ajudar na orientação de atividades educacionais utilizando essas tecnologias, proporcionando
um possível diagnóstico quanto ao sucesso e dificuldades em relação a atividades educacionais
tecnológicas.
A pesquisa qualitativa assim como a sua importância para a compreensão dos processos escolares foram os assuntos abordados por Marilene Proença
Rebello de Souza no texto Pesquisa qualitativa e sua
importância para a compreensão dos processos escolares. A autora discute a importância de uma perspectiva etnográfica como abordagem qualitativa para compreensão dos processos do cotidiano escolar.
No capítulo Dialogando sobre o tempo livre com os
participantes da pesquisa, os autores Jorge Castellá
Sarriera, Ângela Carina Paradiso, Denise Carvalho Tatim
e Gabriela Howes, procuraram apontar a importância
da devolução dos dados levantados aos participantes
da pesquisa, sua verificação, validação e desenvolvimento, considerando os aspectos éticos e metodológicos.
Destacam que o processo de pesquisa incorpora a intervenção e a participação como elementos fundamentais para a pesquisa com fins sociais.
Em Concepções e práticas sobre formação em contexto: na busca de uma educação de qualidade, contribuição da autora Tizuko Morchida Kishimoto, são
expostas as concepções e práticas sobre formação,
objetivando uma educação de qualidade. Visando a
concretização da educação com qualidade, a autora
relata a inclusão de experiências do cotidiano tendo
consciência da complexidade do fenômeno educativo,
pois modificar os conteúdos curriculares e aprendizagem exige um processo participativo que integre a
educação e o cuidado com a criança. objetivando a
qualidade na educaçxige um processo participativo que
integre a educaç
Alternativas para a avaliação de qualidade do atendimento na educação infantil, escrito por Célia Vectore
e Cirlei Evangelista Silva Souza, relata as possibilidades para uma avaliação de qualidade do atendimento
na educação Infantil, por meio de um Programa de
Aprendizagem Pré-escolar efetiva (APE). As autoras
demonstraram uma alternativa viável, sendo passível
para ser utilizada em outros contextos nacionais, tenResenhas
do também como diferencial a avaliação contínua feita por todos os integrantes, sobre o andamento do
projeto.
Eulália Henriques Maimone contribuiu com o texto A pesquisa colaborativa autoscópica na formação
de professores da educação infantil. A autora destaca
a realização do projeto APE, como uma fonte de
conhecimento da qualidade das relações dos pais
com a instituição e nas relações adultos-crianças e
entre as crianças, que podem acontecer em uma instituição de educação infantil. Indica a necessidade de
mudanças nas condições do trabalho educativo por
meio das observações das características das mediações das aprendizagens pelos adultos, no contexto
escolar.
Tempo e lugar para brincar na contemporaneidade:
sentidos e possibilidades da brincadeira infantil, foi o
capítulo escrito por Beatriz Belluzo Brando Cunha e
Renata Fernanda Fernandes Gomes, que descreveram a criação de espaços alternativos para a expressão da infância como algo necessário, a fim de estimu-
lar as trocas de experiências, encontros e convívio
social entre as crianças por meio do brincar. As
brinquedotecas são recursos capazes de abrir espaço para o lúdico, que pela brincadeira favorece e incentiva atividades que oferecem condições para amenizar as desigualdades sociais e estimula as trocas de
experiências e convívio social entre as crianças.
Ficou claro que a meta estabelecida por este livro
foi alcançada. É de grande valia para quem trabalha e
pesquisa na área da psicologia escolar e educacional,
sendo também uma leitura agradável. Seu conteúdo é
rico em orientações sendo recomendado a todas as
pessoas envolvidas neste processo desafiador de ensino-aprendizagem, no qual se insere o psicólogo escolar.
Tatiana Cristina Teixeira
Psicóloga.
Aluna do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Psicologia pela Universidade São Francisco.
[email protected]
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 403-411
411
História
Entrevista com Mitsuko Antunes
Entrevistadora: Wanda Junqueira de Aguiar
Mitsuko Aparecida Makino Antunes, psicóloga, mestre em Filosofia da Educação e doutora em Psicologia
Social. Professora do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia da Educação da PUC-SP desde 1992,
orientando pesquisas em História da Psicologia Escolar e da Educação no Brasil e Desenvolvimento da Identidade do educador e do educando. Estes têm sido os temas de suas principais publicações, sempre marcadas
por um olhar crítico, questionador e propositivo. É assessora da Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos,
desde 2001.
Wanda: Como foi sua escolha pelo campo da educação?
Mitsuko: Fiz graduação em Psicologia. Desde o
início do curso, meu interesse foi se definindo pela
pesquisa. Todas as disciplinas que enfatizavam a investigação acabavam por me interessar mais:
metodologia, experimental, desenvolvimento. A maioria desses professores tinha forte vínculo com a
educação. Estes eram também os docentes mais críticos, mais politizados, os que ousavam, em plenos
anos 1970, discutir a dura realidade vivida sob a ditadura militar; eram eles que, não tendo ou não podendo dar Paulo Freire, ensinavam toda a Pedagogia
do Oprimido. Paulo Freire me foi apresentado de
forma bancária: sentada na carteira e ouvindo o professor (risos). Isso, obviamente, me predispôs ao
interesse pelas disciplinas diretamente relacionadas
à educação, tanto as de licenciatura (nessa altura, já
podíamos comprar e ler Paulo Freire), como as
PEPAs (Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem). Também já podíamos ter acesso a outros
autores, como Illich e Nidelcoff, mas, principalmente, autores brasileiros, de uma nova geração, que
tinham a crítica à educação e à sociedade como base
de suas formulações, como Luiz Antonio Cunha,
Maria Helena Patto, Dermeval Saviani, Barbara
Freitag, entre outros. Tive o privilégio de ter PEPA
com Sergio Leite, Lucilia Reboredo, Mary Julia
Dietzch e Verônica Sanduvetti. Não tive, nessa disciplina, uma formação clínico-terapêutica, individualista, tradicional, mas a crítica a esse enquadramento
da Psicologia Escolar e a busca de formas de ação
comprometidas com a ação pedagógica, com foco
na escola pública... Enfim, foi com PEPA que eu descobri que a Psicologia poderia ser diferente, comprometer-se com os interesses da maioria da população. Não era acaso a relação entre posicionamento
político e preocupação com educação desses professores.
Wanda: Como você começou a trabalhar em educação depois de formada?
Mitsuko: Não fui trabalhar em educação. Entrei direto no mestrado, em Filosofia da Educação,
por influência direta de minhas ex-professoras,
Mary Julia e Verônica. Também com elas, iniciei,
naquele mesmo ano, a lecionar PEPA. Acho que esse
foi o caminho da maioria de nós, que tínhamos interesse em educação. A atuação em Psicologia Escolar era muito restrita e, em geral, na perspectiva
que criticávamos; a exceção que me lembro, agora, era o trabalho da Secretaria de Educação da
Prefeitura de São Paulo, coordenado por Yvonne
Khouri.
413
Wanda: Como entra a História da Psicologia nesse percurso?
Mitsuko: Pela educação! Na disciplina História da
Educação Brasileira, no mestrado, deparei-me com
muitas coisas que, na Psicologia, nunca tinha ouvido falar. E era Psicologia, e no Brasil! Maria do Carmo
Guedes me acolheu, então, no doutorado, para desenvolver o projeto que, já de início, apostava na tese de
que Psicologia e educação no Brasil tinham uma história muito mais próxima do que se imaginava até então.
Minha tese foi sobre o processo de autonomização da
Psicologia no Brasil, processo este que teve na educação seu mais importante fundamento.
Wanda: Como você articula essas duas áreas, História da Psicologia e Psicologia Escolar e da Educacional?
Mitsuko: Eu sei que parece que ambas as áreas
correm meio paralelas. Mas acredito que consigo
estabelecer uma articulação, nem sempre fácil de explicar, pois parto do princípio de que a compreensão de uma área do conhecimento, assim como toda
realidade, só é possível se compreendemos o processo de sua constituição, isto é, sua história. A Psicologia é a área de conhecimento à qual me dedico;
a educação é o campo sobre o qual procuro mirar o
olhar psicológico. A história é o recurso teóricometodológico a partir do qual tento entender essa
relação como processo que se constrói no fluxo do
tempo, que é multideterminado e contraditório.
Adoto, tanto na tentativa de compreender o fenômeno psicológico como o processo histórico de
constituição da Psicologia, o referencial
epistemológico e metodológico do materialismo histórico-dialético. Costumo dizer que trabalhar com
o passado é uma condição para a compreensão do
presente; além disso, trabalho com o presente para
não perder a realidade. Procuro, assim, com essas
duas dimensões, não perder de vista o futuro, ou
seja, um projeto de sociedade mais justa e igualitária, para o qual a Psicologia e a educação podem e
devem contribuir. Acho que eu poderia dizer que
Psicologia, educação e história formam a tríade de
meus interesses, tendo como substrato a preocu414
pação epistemológica e como fim um projeto éticopolítico-social, que se afirma na possibilidade de construção de uma educação comprometida com os interesses próprios das classes populares. Aliás, não
há opção teórico-metodológica e, principalmente,
trabalho em educação que sejam neutros; há sempre aí uma opção política, quer esteja ela explícita
ou não. E, por falar em futuro, retomo o que você
dizia agora há pouco sobre Paulo Freire, “é preciso
apostar no ‘inédito viável’, numa utopia, não como
algo impossível, mas como algo que depende da
vontade política para ser efetivado”.
Wanda: As relações entre Psicologia, educação e
sociedade são muito antigas, não é?
Mitsuko: Uma das atividades de que mais gosto é a docência. Quando as condições permitem,
gosto muito de trabalhar as relações entre
epistemologia, idéias psicológicas e pedagogia.
Mais precisamente, se retomarmos o percurso do
pensamento ocidental, desde a Grécia Antiga, nos
deparamos com uma indissociabilidade entre essas três dimensões, as quais, obviamente, remetem a uma concepção de homem e de sociedade.
Por exemplo, a concepção socrática de produção
de conhecimento sustenta-se numa clara afirmação do psiquismo – que anunciou, inclusive, muitas formulações psicológicas posteriores –, do que
decorre sua proposta pedagógica, fundamentada
numa concepção de homem e sociedade... É possível traçar um caminho pela história do pensamento ocidental (e provavelmente de outras tantas manifestações do pensamento humano, inclusive das várias culturas indígenas pré-colombianas), da Antigüidade à Idade Média, com a Patrística
e a Escolástica, à Idade Moderna... até a
contemporaneidade, demonstrando a estreita relação entre essas três instâncias. Aliás, é muito importante dizer que o desenvolvimento da Psicologia como ciência autônoma teve na educação o
mais importante alicerce para a emergência da então chamada Psicologia aplicada, particularmente
com o funcionalismo, do qual outras abordagens
derivaram.
História
Wanda: E no Brasil?
Mitsuko: Desde o período colonial, preocupações
educacionais e idéias psicológicas aparecem articuladas. Essa tendência é encontrada ao longo do século
XIX e, na virada para o século XX, pode-se dizer
que ela se oficializa, com a criação da disciplina Psicologia e pedagogia nas Escolas Normais, que se tornaram, inclusive, as principais instituições produtoras
de conhecimento e práticas que relacionavam a Psicologia à educação, pelo ensino, pesquisas em seus
laboratórios, produção de livros e, sobretudo, pela
formação de profissionais, que foram os pioneiros da
Psicologia no Brasil. Foram as Escolas Normais que
deram as bases para os primeiros cursos de pedagogia, os quais, junto com os cursos de filosofia e pontualmente de medicina, foram, por sua vez, as bases
para os cursos de Psicologia, mesmo antes da regulamentação da profissão de psicólogo. Enfim, essa é
uma longa, complexa e fascinante história, que já conta com inúmeros estudos, mas que guarda ainda uma
infinidade de possibilidades para pesquisa.
Wanda: Muitas críticas foram feitas à maneira
como Psicologia e educação se relacionaram ao longo
desse período. Como você interpreta isso?
Mitsuko: Esse é um processo muito interessante.
É possível dizer que, com o pensamento escolanovista
e a maneira como ele aqui foi incorporado, a educação
e a pedagogia tiveram na Psicologia sua principal base
de sustentação, acarretando o que podemos chamar
de psicologização da educação, numa perspectiva
reducionista e, pode-se dizer, ideológica. São muito
questionáveis as maneiras como teorias e técnicas psicológicas (ou pseudo-psicológicas) foram utilizadas. A
aplicação e a interpretação indiscriminada de testes; a
culpabilização da criança e de sua família, por problemas tidos como “emocionais”, para legitimar o fracasso Escolar, produzido pelas relações eminentemente
Escolares, a redução dos processos pedagógicos aos
fatores psicológicos, contribuíram para legitimar práticas educativas questionáveis, desconsiderando os
determinantes históricos, sociais, culturais, políticos,
econômicos e, principalmente, pedagógicos, no pro-
cesso educativo. Isso foi e continua sendo objeto de
crítica à maneira como a educação incorporou a Psicologia. Da mesma maneira, também a Psicologia passou a criticar essa relação, indo mais além, ao colocar a
própria Psicologia Escolar como alvo de suas críticas.
Criticava-se o enquadramento clínico-terapêutico e individualizado, que, em última instância, também reforçava a culpabilização da criança e da família, pautado no
modelo médico e alheio às condições pedagógicas e
sociais, adotado pela maioria das ações em Psicologia
Escolar. Ou seja, as velhas e íntimas relações entre Psicologia e educação passavam a ser alvos de críticas de
pesquisadores e profissionais de ambas as áreas.
Wanda: Essas críticas produziram transformações
na educação e na Psicologia?
Mitsuko: Sim e não. Ainda hoje, por um lado, três
décadas depois dessas críticas começarem a ser formuladas, ainda encontramos uma e outra posturas.
Ainda é recorrente a responsabilização do aluno por
seu desempenho na escola, assim como ainda muitos
psicólogos continuam atuando ou representando a
atuação do psicólogo Escolar numa perspectiva clínico-terapêutica e individualista. Só por curiosidade, já
ouvi de um profissional que trabalhava num projeto
efetivamente interdisciplinar de Psicologia Escolar, que
ele achava o trabalho importante, mas era uma pena
porque ele não estava exercendo mais a profissão de
psicólogo! Por outro lado, sim. Creio que hoje, após
esse momento da primeira negação, já se alçou à segunda negação, isto é, à superação de uma Psicologia
reducionista e ideológica e da prática dela decorrente. Não se pode negar que os fatores psicológicos
são constitutivos do processo educativo, ao mesmo
tempo que este é concebido como totalidade concreta, da qual o psicológico faz parte. Da mesma
maneira, há várias experiências em Psicologia Escolar
que demonstram toda sua potencialidade de atuação
conjunta com outros profissionais da educação, na
construção de uma educação democrática, que busca garantir condições de aprendizagem e desenvolvimento para todos os educandos, considerando suas
condições específicas, elemento este que demanda
exatamente aquilo que é próprio da Psicologia que se
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 413-425
415
fundamenta em formulações teóricas hoje disponíveis,
capazes de fundamentar a compreensão desses fenômenos e a intervenção profissional. Essa não é a única
maneira de inserção do psicólogo na educação, mas
talvez seja aquela que melhor explicita a possibilidade
de articulação teórico-prática do trabalho em Psicologia Escolar.
Wanda: Fale um pouco da experiência em
Guarulhos.
Mitsuko: Você perguntou, no início, como eu comecei a trabalhar em educação. Bem, tive algumas
experiências mais diretas em educação, principalmente
com formação de professores (com alfabetização, no
programa desenvolvido por Sergio Leite; no antigo
Cenafor, hoje FDE; na antiga CENP), mas foi só na
Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos, na
gestão iniciada em 2001, que eu tive oportunidade de
acompanhar mais de perto a construção de uma verdadeira Rede de Ensino. Veja, eu digo “acompanhar”,
porque o projeto lá é tão ousado que eu apenas corro atrás para ver o que acontece e tentar elaborar
algumas análises. Mais precisamente, hoje há menos
da metade dos psicólogos que lá estavam antes dessa
gestão. Havia, na Secretaria, um departamento que
agregava os psicólogos e outro que agregava os
pedagogos; esses dois departamentos foram unidos
e, juntos, psicólogos e pedagogos passaram a compor núcleos por modalidade de ensino, passando a
atuar numa perspectiva interdisciplinar, tendo como
principal função, entre muitas outras, a elaboração e a
implementação do Projeto Político-pedagógico, com
foco na formação de professores. São muitas as funções exercidas por esses psicólogos, muitas das quais
retomam situações que há muito desejávamos que a
Psicologia pudesse interferir, como a contribuição à
formação de professores pela socialização da fundamentação teórica que dá base à atividade pedagógica,
particularmente os processos de ensino-aprendizagem e a criação de condições para o desenvolvimento da criança. Participam também de intervenções que
se aproximam da clínica, mas focadas na escola e nas
condições de aprendizagem do educando, como as
várias atividades realizadas pela Rede de Apoio à In416
clusão. O trabalho realizado pelos núcleos aponta também para possibilidades de atuação que estão sendo
construídas no processo, como o acompanhamento
dos programas de arte-educação e suas relações com
a aprendizagem. Enfim, há muitos trabalhos que estão sendo realizados e que não cabem todos aqui,
inclusive muitos que eu sequer conheço. Há também
trabalhos que não são específicos do psicólogo, mas
que fazem parte das tarefas institucionais que qualquer profissional incorpora a suas atividades, e que
são muito interessantes, como a organização das Semanas da Educação, da Consciência Negra, do Livro
etc. Voltando à pergunta, o sentido dessa experiência
para mim, eu afirmaria que são: o quanto aprendo
sobre educação, particularmente das classes populares; acompanhar de perto um projeto imenso de implantação de uma rede, desde a construção de escolas (de 24 mil para mais de 100 mil alunos) até, o mais
importante, a elaboração e a implementação de um
projeto pedagógico comprometido com os interesses das classes populares; a implementação de um
projeto integrado de saúde Escolar; formação de professores; o surgimento de uma nova modalidade de
educação infantil, o Programa Educriança; enfim, muitas
coisas. Disso tudo, eu diria que o maior privilégio para
mim é ter a oportunidade de ver que muitas coisas
que afirmávamos, na academia, que poderiam e deveriam ser feitas são possíveis.
Wanda: Você gostaria de falar mais alguma coisa?
Mitsuko: Gostaria. Pode até parecer uma atitude
de adulação, mas não posso me furtar a avaliar o papel que a ABRAPEE assume na organização da área,
promovendo um debate que dá voz às múltiplas perspectivas da área, qualificando a discussão e, com isso,
provocando uma significativa contribuição à produção de conhecimento e à prática da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil, ou melhor dizendo, entendo que a entidade tem conseguido estabelecer um
profícuo diálogo entre teoria e prática, entre ciência
e profissão. Isso não é pouco. É, na verdade, o
enfrentamento de um dos maiores desafios que se
colocam hoje para a Psicologia em particular e para
as outras áreas de conhecimento em geral.
História
O psicólogo escolar como psicometrista: 30 anos depois
Psicometrista
Geraldina Porto Witter
Resumo
O objetivo do artigo foi apresentar parte de uma tese não publicada, produzida em 1977, sobre a atuação do psicólogo escolar como psicometrista.
Primeiro há uma contextualização sócio-cultural e educacional do documento. Em segundo lugar aparece, em itálico, o documento original com suas
referências e na última parte há considerações sobre as mudanças e contrastes que ocorreram com o tempo. A apresentação do documento é
concernente às condições acadêmicas e sócio-culturais de sua produção. O texto original é somente um dos papéis do psicólogo escolar apresentados
na tese. A última parte apresenta variáveis e novas direções relativas ao psicometrista como evidências para tornar clara a evolução na área.
Palavras-chave: história, avaliação psicológica, formação do psicólogo, atuação do psicólogo.
School psychologists psychometrist: 30 years later
Abstract
The aim of the paper was to present part of one dissertation did not published, produced at 1977, concerning the school psychologist actuation as
psychometrist. First there are a socio-cultural and educational contextualization of the document. In second place appear the original text in italic with it’s
references and in the last part the are considerations about the changes and contrast that occurred with the time. The presentation of the document is
concerning the academic and socio cultural conditions of it production. The original text is only one of the roles of the school psychologist presented in the
dissertation. The last part presented variables and new directions concerning the psychometricts as evidences to make clear the evolution in the area.
Keywords: history, psychological evaluation, psychologist formation, psychologist actuation.
El psicólogo escolar como psicometrista: 30 años después
Resumen
El objetivo de este artículo fue presentar parte de una tesis no publicada producida en 1977 sobre la actuación del psicólogo escolar como psicometrista.
Primero hay una presentación de un contexto socio-cultural y educacional del documento. En segundo lugar aparece, en itálico, el documento original con
sus referencias, y en la última parte hay consideraciones sobre los cambios y contrastes que ocurrieron con el tiempo. La presentación del documento
se refiere a las condiciones académicas y socio-culturales de su producción. El texto original es apenas uno de los papeles del psicólogo escolar presentados
en la tesis. La última parte presenta variables y nuevos caminos que se refieren al psicometrista, como evidencias para tornar clara la evolución en el área.
Palabras clave: historia, evaluación psicológica, formación del psicólogo, actuación del psicólogo.
417
Apresentação
O conhecimento científico vem crescendo em ritmo acelerado desde o século passado. Em conseqüência as mudanças são rápidas, teorias e modelos são
substituídos prontamente por novas proposições,
parâmetros e indicadores de desenvolvimento tornam-se cada vez mais exigentes. A ciência é imprescindível no cotidiano da vida humana. O ritmo varia
de uma para outra ciência e entre as áreas de uma
mesma ciência. Ciências mais avançadas chegam a
dobrar o conhecimento em um ano ou menos, outras evoluem bem mais lentamente. De qualquer forma, o saber-fazer-poder da ciência torna-se obsoleto
cada vez mais rapidamente. Via de regra, se há avanços significativos, espera-se que pelo menos a cada
quatro anos, grandes mudanças ocorram e o saber
passado seja história e base para a produção atual.
Uma produção com 30 anos de vida certamente é
história, mas nem todas as áreas caminham no ritmo
acelerado de hoje. O que ainda é válido é tecer comparações, uma forma de avaliar o ritmo em que se
está evoluindo. O presente artigo retoma um texto
não publicado, que já tem 30 anos e que pode servir
de base para se considerar o hoje e o amanhã.
Trata-se de pequena parte da primeira tese de livre-docência defendida no Instituto de Psicologia,
criado com a reforma da Universidade de São Paulo.
Witter (1977) defendeu uma tese apresentada em três
volumes (839 p.) sendo que em parte do primeiro
deles elaborou um referencial tendo por base os papéis e funções do psicólogo escolar, destacando-se o
psicólogo escolar como profissional, clínico,
psicometrista, avaliador, consultor, especialista educacional, ergonomista, modificador de comportamento, pesquisador, atuando dentro e fora do sistema
educacional.
A Banca Examinadora do processo de livredocência foi constituído pelos professores doutores
Maria José de Barros Fornari de Aguirre, Ruy Galvão
de Andrada Coelho, Cidmar Teodoro Pais, Odette
Lourenção van Kolck, José Pastore e Arrigo Leonardo Angelini que a presidiu,
1
Dentre os temas tratados foram destacadas para
o presente trabalho as páginas sobre o psicólogo escolar psicometrista. Elas seguem transcritas da tese
em itálico (Witter, 1977, p. 37-45) mantendo-se o
texto sem qualquer interferência de forma e conteúdo. Para tanto, manteve-se o padrão de reprodução
de textos históricos, espaçamento e normas vigentes
à época da produção. A única interferência foi passar
tudo para itálico para indicar sua condição no presente texto. Em seguida são apresentados comentários
sobre o que mudou no decorrer de 30 anos.
O psicólogo escolar como
psicometrista
Nos primórdios da Psicologia Escolar, já se definiu
o papel de psicometrista como um dos que deveria
ser desempenhado pelo profissional que atua na área.
Como ocorreu com o papel de Clínico, em alguns países, este passou a ser praticamente o único papel por
ele desempenhado, vindo, muitas vezes, ampliado pela
adoção também do papel de Clínico. Trata-se de um
papel, que, embora possa subsistir por si mesmo,
freqüentemente aparece sendo desempenhado como
apoio a outros papéis (Roberts, 1970).
Como Psicometrista o Psicólogo Escolar ocupase com a aplicação de testes, notadamente de nível
intelectual, visando ao encaminhamento para classes
especiais, ou a organização em composição das classes1, bem como, as de possibilidade, para atender às
necessidades de orientação (vocacional e profissional) e de triagem para a psicoterapia (a ser conduzida
na escola ou fora dela).
Como ocorreu com o papel de Psicólogo Escolar
Clínico, também o de Psicometrista vem sendo objeto
de intensas críticas nos últimos 10 ou 15 anos.
Fairchild (1975) critica os papéis tradicionalmente
desempenhados pelo psicólogo escolar como
psicometrista e clínico para os programas de educação especial, que levaram à crítica e ao próprio
questionamento dos serviços de Psicologia na escola.
O autor sugere a mudança de papéis e também um
Veja-se a propósito: Borg (1966).
418
História
cuidadoso registro das próprias atividades diárias,
como forma de levantamento de dados que justifiquem sua atuação na escola.
Há um aspecto ligado ao surgimento da Psicologia
Escolar como área diferenciada que pode ter contribuído, por um lado para a manutenção quase exclusiva de alguns papéis, por muito mais tempo do que o
desejável, e por outro, pela confusão e indefinição de
outros. Ligando-se por origem à clínica ou à
psicometria (depende do país) e atuando na escola
teve, fatalmente, a marcá-la toda a indecisão e falta de
delimitação que caracteriza a fusão de campos do
conhecimento. As origens marcaram duas funções, a
de clínico e a de psicometrista. Esta imagem se concretizou na expectativa do grande público e dos outros profissionais da escola.
Como a Psicologia Escolar representa uma área
de transvariação de conhecimentos oriundos de muitas áreas, era de se esperar o que ocorreu, no início,
tanto de sua instituição na escola como na formação
dos profissionais que se encarregariam de pô-la em
prática.
No que tange à aplicação da Psicologia, segundo
Bardon (1968), quando se difundiu que através da
Psicologia Escolar se pretendia por em prática tudo o
que a Psicologia tinha a oferecer à escola, esta transferência foi tentada de uma forma caótica e nada
científica. Não se transpôs os cuidados científicos de
teste criterioso, e de avaliação cuidadosa da aplicação
feita. O resultado lastimável deste fato foi que os psicólogos passaram a atuar ao sabor de suas próprias
convicções ou acompanhando o que era moda. A situação era pouco clara mesmo para os próprios Psicólogos Escolares, aos quais faltava identidade profissional, não tinham um conhecimento preciso de seus
direitos e eram hipersensíveis quanto ao que os outros esperavam deles. Nestas circunstâncias, por
muito tempo e muitas vezes eles se dedicaram mais a
fazer o que os outros queriam do que aquilo que poderiam fazer melhor e que traria maiores benefícios
para a escola. Estas considerações podem servir para
esclarecer a longa insistência nos dois papéis iniciais:
clínico e psicometrista.
2
Muitas das críticas retomam as posições e ponderações feitas em relação ao papel de Psicólogo Clínico, especialmente no que diz respeito ao não atendimento das necessidades mais prementes da escola e
do sistema educacional. Estas críticas se aplicam especialmente a sua atividade de seleção e triagem de
crianças com problemas. Mesmo quando as críticas
são mais suaves, elas concluem pela necessidade de
se reduzir o tempo consumido com a aplicação de
testes, quer pata liberar o psicólogo para papéis mais
úteis, quer para não perturbar o próprio desenvolvimento do processo educacional.
A redução da ênfase do papel de psicometrista
cedendo lugar a outros que o Psicólogo Escolar pode
exercer reflete, pelo menos em parte, o que vem
ocorrendo na história destes instrumentos de avaliação, em parte o desapontamento dos psicólogos e
do público com relação aos mesmos.
Poder-se-ia, à guisa de exemplo, lembrar aqui as
asserções de Albee em relação a um dos testes mais
pesquisados2 - o Rorschach, considerado uma das
grandes aquisições da Psicologia, com uma validade e
credibilidade amplamente difundida, requerendo um
longo e difícil treino antes do psicólogo estar apto a
aplicá-lo.
Seus poderes eram tão grandes que todo tipo de
controle tinha que, ser colocado no preparo daqueles que usariam. Há 20 anos, muitos de nós acreditavam na arte do Rorschach. O público foi fascinado
pela mágica que possuíamos. Outras profissões viam
nossa mágica com respeito. Mas, então vieram os cientistas cautelosos, a mensuração das pessoas, com
suas questões sobre fidedignidade e validade, com suas
técnicas sofisticadas, e suas exigências de demonstração pública do valor de nossa mágica sob condições
estritamente controladas. Como conseqüência, o
Rporschach está quase desaparecendo do cenário da
psicologia profissional devido a nossa sensibilidade ao
chamado da ciência. (Albee, 1970, p. 1075).
Cleveland estreitamente controladas. Como conseqüência, o Rorschach está quase desaparecendo do
cenário da psicologia profissional devido a nossa
(1976) arrola uma série de fatores que contribuíram
Ver Reybolds e Sundberg (1976)
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para o declínio do uso de testes. Alguns deles são
decorrentes de mudanças nos valores sociais, por
natureza bastante difusos, enquanto que outros são
mais definitivos e, assim sendo, mais fáceis de identificar. Entre os principais fatores arrolados pelo autor
estão os resultados negativos que as pesquisas recentes vêm encontrando; a grande quantidade de estudos mostrando a baixa confiabilidade dos testes; a
inadequação e a dificuldade de acordo entre juízes nas
interpretações dos testes; a inadequação e o baixo
nível de precisão; o pouco uso efetivo dos testes em
situação de clínica e estando os mesmos mais a satisfazer as necessidades de realização acadêmica do que
de trabalho3.
Segundo Cleveland, outro fator relevante para o
descrédito dos testes reside na crescente sofisticação dos sujeitos face à popularização, às vezes direta
às vezes indireta dos mesmos através dos meios de
comunicação. Direta quando divulgam suas bases teóricas e científicas. Nestas circunstâncias, aos poucos,
os testes acabam por não medir o comportamento
real dos sujeitos mas sim aquilo que ele quer que o
psicólogo pense sobre ele, uma vez que pode responder de acordo com critérios de avaliação e dando
de si mesmo a imagem que queira dar4.
O terceiro fator importante arrolado com o responsável pela crescente desilusão no uso dos testes
encontra-se no seu emprego dentro de um vacum
clínico, como se cada um deles por si mesmo, pudesse ser instrumento seguro de diagnóstico e terapia.
Outra variável está em íntima relação com esta, tratase da crescente inovação na psicopatologia em termos de modelos teóricos, taxonomia e técnicas
psicoterápicas. Outro aspecto a considerar neste
descrédito é o alto custo operacional que um trabalho de aplicação de testes apresenta quando bem feito, implicando no emprego concomitante de vários
instrumentos e em muitas horas de trabalho, por vezes desproporcional ao emprego que posteriormente se poderá fazer da informação levantada na prática
profissional.
Outra variável apontada por Cleveland (1976) é
que os cursos de testes parecem ter decaído de ní4
3
vel, com jovens inexperientes lecionando em lugares
dante ocupados por membros muito experientes do
quadro universitário. Considera que as faculdades
deveriam cuidar para contar com pessoas experientes neste setor uma vez que, mal formados, os futuros psicólogos tenderão a fazer mau uso destes instrumentos e mais desilusão e descrédito eles terão.
Finalmente apresenta como fato contribuindo para
o negativismo em relação aos testes a própria idade
dos mesmos (Rorschach – 53 anos, TAT – 43 anos,
MMPI – 35 anos, WAIS – 19 anos) sem que se tenham levado em conta adequadamente às muitas
mudanças sócio-culturais e educacionais pelas quais o
mundo passou, neste período, nos vários aspectos
do material, das instruções, da aplicação e da avaliação dos instrumentos. Seu prognóstico para progresso destes instrumentos implica em mudança no tipo
e nas características dos novos testes em desenvolvimento e a serem criados no futuro, com ênfase em
escalas de observação do comportamento e em mediadas de aspectos específicos do mesmo, mais do
que em instrumentos genéricos abrangendo, por
exemplo, toda a “personalidade”.
O autor conclui dizendo que o declínio dos testes
parece estar diretamente relacionado com o medo
de descobrir que os indivíduos diferem. Mudanças
nos valores sociais como estas podem ter um grande
impacto na mudança nas práticas de psicodiagnóstico.
(Cleveland, 1976, p. 317).
Nestas circunstâncias, não é de estranhar a redução do papel de psicometrista e o menor uso de testes como recurso no desempenho de seus papéis.
Conseqüentemente, isto deve ter implicações para a
revisão da formação destes profissionais.
Muitos destes problemas com os testes e que se
refletem no papel de Psicometrista, poderiam ter sido
evitados se um maior esforço de pesquisa fosse devotado aos mesmos, antes de se fazer um uso generalizado e indiscriminado dos mesmos. Aqui, o Psicólogo Escolar poderia fornecer uma contribuição
significativa não só na produção, mas também na padronização e em outros aspectos relacionados à pesquisa de validade e precisão destes instrumentos.
O autor critica inclusive publicações sobre o assunto em revistas como Psychology Today, no Reader’s Digest e livros como os de Whyte Jr. (1956) e Black (1962).
Ver também: Meehl (1959); Sines (1970)
420
História
Realmente as origens da Psicologia Escolar de certa forma constituíram fatores marcantes no delineamento de alguns papéis atribuídos aos Psicólogos Escolares, conforme já se disse aqui. Mas, ainda que
possam parecer incongruentes estes fatores também
contribuíram para a diversificação de papéis e técnicas que se registraria mais tarde.
Apoiando-se ora na Psicologia, ora na Educação,
ora na Sociologia ou outras disciplinas de área
correlata, o Psicólogo Escolar ficou menos restrito
que outros especialistas e teve a oportunidade “sui
generis” de poder testar novas técnicas, idéias, métodos e instrumentos. Muitos dos quais transpostos
de outras áreas que não a Psicologia.
A Psicologia Escolar parece ser a única especialidade na psicologia que considerou seriamente, em
todas as épocas, quase todas as práticas correntes na
psicologia, na educação, e em campos próximos... Se
houver algo a ser tentado o psicólogo escolar o tentará! (Bardon, 1976, p. 787).
Este fato parece ter levado à caracterização de
novos papéis e funções para o psicólogo e ampliado
sensivelmente a expectativa da escola e da comunidade em relação a este profissional.
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Comentários
Conforme se deduz da consulta a obras gerais,
como o livro The World of Psychology (Wood &
Wood, 1996) a preocupação com a medida é uma
constaste em todas as áreas da Psicologia embora,
como no passado, o desenvolvimento de instrumentos específicos se faça mais presente em umas do que
em outras. Entre as primeiras e mais freqüentes podem ser mencionadas: memória, inteligência, cognição,
linguagem, criatividade, desenvolvimento, aprendizagem, motivação, sexualidade e sócio-psicopatologias.
Medida e instrumentação são partes essenciais das
ciências. Em todas elas há sempre um grupo de profissionais dedicados exclusiva ou parcialmente ao seu desenvolvimento. O mesmo ocorre na Psicologia de um
modo geral. Todavia, há momentos na história em que
tais esforços são mais valorizados ou são vistos como
de menor relevância. A tese destaca o clima menos
favorável que ocorria nos anos setenta e hoje há uma
postura mais positiva, otimista e condizente com as
necessidades de uma ciência em desenvolvimento.
A expressão que se desenvolveu com o tempo para
designar a área tornou-se mais abrangente e passou a
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incluir os testes foi Avaliação Psicológica, passando
no Brasil por uma fase denominada Técnicas de Exame Psicológico (TEP) com que aparece ainda hoje na
maioria das grades curriculares dos cursos. Assim hoje
é mais raro se usar psicometria embora possa aparecer em textos de história, quando os autores tomam
o cuidado metodológico correto de preservar a nomenclatura de época, ou em textos específicos, em
geral de cunho metodológico. O texto aqui comentado usa linguagem da época e aponta para as diferenças, (na tese há uma outra parte para Avaliação –
Witter, 1977), dificuldades e limitações.
Entretanto, ainda é mantida a psicometria que passou a ser considerada como ramo da psicologia
dedicada ao desenvolvimento e à aplicação de técnicas estatísticas para análise de dados. Também é
mensuração psicológica em que se obtém estimativas numéricas de um aspecto do desempenho.
(Walker Jr., 1997). Inclui como sub-áreas: medidas,
testes psicológicos, teoria dos itens de resposta,
psicofísica, análise estatística, aplicação e interpretação de testes, bem como estudos experimentais envolvendo estes aspectos.
Ainda não está disponível um contexto ideal, adequado, não abusivo dos testes e outras medidas psicológicas, mas a evolução já permite antever progresso
substancial na área. O uso exclusivo de testes para
avaliação, ainda que tenham boas características
psicométricas, continua a ser considerado inadequado por um amplo conjunto de razões como: restrição ou cegueira teórica na visão do que é avaliado,
desconstextualização tempo-espacial, abrangência de
aspectos do fenômeno estudado, formatação, rápidas mudanças sócio-culturais de hoje que levam à rápida desatualização que as pesquisas de atualização
não estão acompanhando no mesmo ritmo, etc. (Fiene,
McMahon, 2007, Johnston, Costello, 2005).
No Brasil do começo do século XX até o final
do mesmo (anos 90) cresceu a preocupação com a
avaliação conforme dados de Alchieri e Scheffer
(2000) analisando revistas nacionais com predomínio
de testes de Personalidade, seguida de áreas pulverizadas, avaliação intelectual e de habilidades e aptidões.
Sendo apreciável o crescimento nas últimas décadas.
Noronha e Alchieri (2002) enfatizam a necessidade
422
de pesquisas sobre o desenvolvimento da área no
Brasil e de pesquisas de metaciência. A própria estrutura do livro organizado por Primi (2002) mostra a
preocupação maior centrada nas áreas tradicionalmente mais investigadas. Também fica registrada alguma
preocupação de cunho metodológico.
Em 2003, Pacheco em pesquisa de metaciência
enfocando seis periódicos nacionais (1997 a 2002)
estudou a produção científica sobre avaliação psicológica verificou que, dos 549 artigos dos periódicos
27,3% eram sobre o tema pesquisado, sendo que
Psicologia: Reflexão e Crítica apresentou maior ocorrência (33,3%). Predomina a autoria múltipla o que é
um bom resultado em termos de cientometria. No
todo houve equilíbrio de gênero entre os produtores, na maioria docentes universitários (65,8%), sendo o grupo maior da USP (18,2%) e prevalecem as
pesquisas (88,2%) sobre os trabalhos teóricos
(11,8%). Testes e escalas foram os recursos mais
estudados (30,1% e 22,2%). A produção tende a
atender aos parâmetros esperados em ciência como
indicativos de bom desenvolvimento.
Para que se estabelecesse condições favoráveis é
preciso lembrar algumas variáveis relevantes que ocorreram ao longo do decurso entre a apresentação da
tese e a situação atual. Desde a primeira gestão do
Conselho Federal de Psicologia, sob a presidência de
Arrigo Leonardo Angelini, a preocupação com a avaliação psicológica se fez presente, especialmente com
o uso inadequado de testes e escalas. Encontros de
especialistas, discursos em eventos foram feitos, mas
se esbarrava na resistência dos próprios profissionais.
Nas sucessivas gestões do Conselho Federal de Psicologia a matéria continuou como uma dificuldade a
ser superada. A Resolução CFP 025/2001 ao definir
os testes psicológicos como método de avaliação
privativo do psicólogo e regulamentar sua elaboração, comercialização e uso viabilizou um grande avanço de qualidade na produção científica e no uso de
testes e escalas no Brasil.
Também é preciso lembrar que o aumento da produção de testes em condições de uso seguro passou
a influir não apenas na qualidade dos serviços, mas na
credibilidade das avaliações feitas. Conseqüentemente, melhorou a imagem dos profissionais dedicados à
História
área não só na Psicologia como no intercâmbio com
outros profissionais.
Este clima mais favorável às medidas tem uma
abrangência mundial e decorre de melhor cuidado
com aspectos diversos dos testes (Wechsler, Guzzo,
1999), do próprio amadurecimento da Psicologia e
dos responsáveis por seu crescimento. Aspectos específicos do processo de criação dos testes passaram a ser melhor cuidados. Apesar de se carecer de
estudos profundos sobre os cuidados no uso e interpretação dos resultados, tudo indica que a situação
hoje é bem mais compatível com o científica e eticamente recomendável. Todavia, vale atentar para as
considerações de Patto (1997) ainda pertinentes quando a formação de profissional não o alerta para problemas como o uso inadequado e político de instrumentos de avaliação. Uma produção científica de qualidade e uma formação sólita evitam erros e usos
indevidos.
Um exemplo é o trabalho Núñez, Núñez e Pinha
(2006) enfocando técnicas para detectar os padrões
aberrantes de respostas que são úteis na construção
de testes e para a criação de bancos de itens para
testes, com características psicométricas e de validade conhecida. Certamente são conhecimentos importantes tanto para os que produzem como para os que
usam tais instrumentos. Em cursos de pós-graduação
centrados nos testes, escalas e outras medidas psicológicas é certamente um assunto de relevo já que como
lembram os autores a questão diz respeito a todas as
principais atividades da Psicometria (escalograma,
teorias, generalização, análise de itens, modelos não
paramétricos etc).
A credibilidade dos instrumentos também decorreu de desenvolvimento de instrumentos específicos
isolados ou de baterias de testes para avaliar questões específicas. Como exemplo de bateria deste tipo
pode ser a pesquisada por Sartori, Belliard, Chevier,
Trebon e Edan (2006) para avaliar déficit cognitivo
decorrente de esclerose múltipla que leva à
incapacitação progressiva. A bateria validada em francês compreende vários testes, detecta sinais diversos, viabiliza encaminhamentos, o acompanhamento
do tratamento e a eficácia potencial de vários procedimentos terapêuticos. Como exemplo do primeiro
caso pode-se lembrar a Construção da Escala de
Empregabilidade: competências e habilidades sociais,
elaborada por Lara Campos (2006) que fez um amplo e profundo estudo psicométrico, propondo instrumento de que tanto era carente a Psicologia no
Brasil, quer no setor organizacional, quer no de orientação profissional.
Também nas últimas décadas, os movimentos de
inclusão das pessoas atípicas ou com necessidades
especiais impulsionou parte da psicometria para o
desenvolvimento de instrumentos específicos para
diversas limitações físicas. Cromwell (2005) retoma
as questões enfrentadas pelos psicólogos para testar
pessoas que apresentam sérias limitações auditivas.
O uso da linguagem de sinais foi um avanço, mas nem
todo psicometrista ou pessoa surda domina a linguagem. Espera que a Arte da Psicometria resolva tais
problemas. Crítica o comodismo dos psicometristas
e dos profissionais da área que parecem acomodados
no contexto de ignorância do qual precisam sair e
evoluir. Muitos parecem não estar cientes de mudanças específicas em Psicometria. Mas outros estão criando novas possibilidades.
Entretanto, apesar dos avanços alcançados há ainda um longo caminho a percorrer para melhorar a
área da psicometria não só no Brasil como no exterior. Ainda há carência de instrumentos específicos em
muitas áreas. Bedford (2006) lembra a necessidade
da psicometria disponibilizar instrumentos para o diagnóstico de demência, por exemplo.
Na área da Psicologia Escolar, o papel da
psicometria, segundo Damusi e Desjarlais (2004) continua a ter destaque na medida e descrição das diferenças intelectuais, na definição de políticas e técnicas
educacionais, na avaliação de estilos perceptivos
cognitivos, modos de percepção, tratamento da informação, dependência – independência de campo,
estabilidade psicológica, diferenciação psicológica,
gênero, estilo cognitivo, traços de personalidade,
mecanismos de defesa, problemas psicopatológicos
entre outros. Em uma perspectiva mais sintética as
áreas em que mais estão sendo usados os testes, segundo os autores são cognição, aprendizagem de comportamentos típicos dos vários estilos cognitivos,
matérias acadêmicas, solução de problemas e apren-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 413-425
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dizagem de conceitos. Os instrumentos são recursos
para fazer avaliações, por exemplo, do estilo cognitivo
de modo a facilitar a aprendizagem para os alunos.
A questão de gênero é uma preocupação constante entre educadores e pesquisadores educacionais para
garantir equidade no atendimento (McCormick,
2006). Para que tenham igual atenção é preciso medir as diferenças em capacidades cognitivas, atitudes
(Cassidy, 2006) o que é básico para educação para a
cidadania (Crocco e Libresco, 2006) e para inclusão
(Brown e Roy, 2006, Koch, 2006, Bell e Norwood,
2006). Nestas circunstâncias, não é de surpreender
o surgimento e o aprimoramento de testes na área.
Pelo exposto é evidente que hoje as condições
ambientais e técnico-científicas criaram uma maior
aceitabilidade e uso crítico das medidas psicológicas,
notadamente para os testes e escalas. Entretanto é necessário conduzir pesquisas junto aos profissionais que
estão atuando para uma caracterização do como o recomendável se efetiva. Também é preciso verificar
como os futuros psicólogos estão sendo formados no
que concerne à avaliação. Certamente inserir umas
poucas questões constantes no instrumento de avaliação dos alunos dos cursos, embora útil, não é suficiente. São necessárias pesquisas mais específicas e que
enfoquem aspectos conceituais, metodológicos e práticos da aplicação e uso de tais instrumentos.
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Recebido em 16/04/2007
Revisado em: 08/10/2007
Aprovado em: 17/12/2007
Sobre a autora:
Geraldina Porto Witter ([email protected]) – Universidade Castelo Branco
Av. Pedroso de Moraes, 144/302 - Pinheiros - CEP 05420-000 - São Paulo - SP
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 413-425
425
Sugestões Práticas
Orientações para busca bibliográfica on-line
Orientações para busca on-line
A guide to an on-line bibliographic search
Isabel Cristina Dib Bariani
Cristiane Guidetti Dias
Íris de Miranda
Marina Colosso
Mirian Maria Zucareli Rosa
Rafaela Paula Marciano
Renan Ribeiro Vilela
Na construção de trabalhos científicos, apesar da
peculiaridade de cada projeto e dos estilos pessoais de
seus autores, que imprimirão características na organização e nos procedimentos adotados, há importantes
diretrizes que devem ser seguidas. A revisão da literatura é uma peça fundamental no processo de realização de um trabalho científico, podendo, ela própria,
constituir-se em um trabalho de pesquisa (Luna, 1996).
O certo é que para a construção de trabalhos científicos (projetos de pesquisa, relatórios de pesquisa, monografias, etc) é imprescindível que se tenha
uma fundamentação teórica, que deve ser elaborada
a partir da literatura especializada da área que se está
abordando.
A literatura científica é encontrada tanto em bibliotecas quanto em páginas de web sites, no entanto,
atualmente, quase a totalidade dos acadêmicos e profissionais das diferentes áreas do conhecimento realiza seus trabalhos de levantamento bibliográfico, ou
seja, a localização e busca metódica dos documentos
que possam interessar, através de sites de busca
especializados, isto é, busca em Bases de Dados online. Bases de Dados on-line são bibliotecas virtuais
nas quais podem ser encontrados: resumos e artigos
na íntegra; Teses, Dissertações e Monografias e livros
ou suas referências.
Apesar de amplamente utilizada, nem todas as pessoas que realizam buscas bibliográficas on-line obtêm
resultados satisfatórios. Muitas vezes isso acontece,
especialmente com os estudantes de graduação, devido à falta de conhecimentos para a sua execução.
Nesse sentido, o presente texto visa oferecer algumas diretrizes que facilitem a identificação de literatura especializada, pois ainda são poucos os autores
de Metodologia do Trabalho Científico que se propõem a oferecer instruções específicas para a pesquisa bibliográfica na internet, tal como o fazem
Andrade (2001) e Severino (2000). E, assim como
apontado por este último, as orientações aqui apresentadas não focam em aspectos técnicos, sendo apenas indicações operacionais que podem subsidiar o
trabalho do usuário comum. Convém destacar que
as mesmas têm sido usadas com sucesso por estudantes universitários, o que justifica o interesse dos
autores em fazer esta publicação.
Otimização das buscas em web sites
Um resultado satisfatório nas bases de dados depende da seleção criteriosa dos descritores que serão utilizados. Descritores são palavras-chave que
ajudam na indexação dos dados na internet e identificam os textos.
427
• Selecione os descritores cuidadosamente de
acordo com o tema escolhido.
- Estes não precisam estar necessariamente contidos no problema de pesquisa, ou seja, na questão
específica que pretende investigar, mas devem ser
referentes ao tema geral do trabalho. Por exemplo, para o problema de pesquisa “Há diferenças
entre os motivos que levam homens e mulheres à
infidelidade?” Os descritores podem ser, além das
palavras-chaves contidas no problema de pesquisa – neste caso “infidelidade” – também: “fidelidade”, “relacionamento amoroso”, “relacionamento
extraconjugal”, “traição”, “fiel”, “infiel”.
- Evite o uso de descritores muito amplos. Por
exemplo, para o mesmo problema de pesquisa
acima, evite descritores como homem, mulher,
motivos.
• Verifique se a palavra escolhida é um descritor:
Como?
- Uma possibilidade é ir ao site da Bireme http://
www.bireme.br;
- Procure na página inicial um tópico chamado
Diretório, Portais;
- Neste diretório, clique em DeCS - Terminologia em saúde;
- Ao abrir a nova janela, clique em Consulta ao
DeCS
- Nesta página as palavras selecionadas poderão
ser escritas na caixa de texto e, assim, verificar se são
descritores ou não. É importante lembrar de anotar
com quais palavras já se obteve sucesso e, desse modo,
são descritores e quais não são descritores. O link
direto para este site de busca de descritores é:
http://decs.bvs.br/cgi-bin/wxis1660.exe/decsserver/
? I s i s S c r i p t = . . / c g i - b i n /
decsserverdecsserver.xis&interface_language=
p&previous_page=homepage&previous_task=
NULL&task=start
• Use somente substantivos e adjetivos e, preferencialmente, use palavras no singular. Não use preposições, conjunções ou artigos.
1
• Se necessário, use sinônimos. Por exemplo, ao
tratar da gravidez na adolescência, não utilize apenas
os descritores “gravidez” e “adolescência”, mas também outros como “gestação” e “jovem”.
• Em bases de dados nacionais, utilize descritores
em português.
• Em bases de dados internacionais, utilize
descritores em inglês.
• Cada site tem regras próprias – consulte o ícone
Ajuda!
• Planeje a busca e SEMPRE anote os sites e os
descritores utilizados. Conforme a pesquisa vai se desenvolvendo, pode-se precisar de mais referências, e as
anotações dos sites e descritores evitarão que você acesse
novamente aqueles que já foram utilizados. (Verificar o
anexo com um exemplo de esquema de anotações!).
• Para refinamento, use busca avançada, se o site
oferecer esse serviço. Por exemplo, ao buscar material apenas de um determinado período.
• A busca exata é facilitada quando se escreve
palavras ou frases entre aspas. Por exemplo, se a pesquisa é sobre Relacionamento Amoroso, é conveniente que se considere como um descritor o “Relacionamento Amoroso”, pois se não houver o uso das
aspas a busca considerará “Relacionamento” e “Amoroso”, que são descritores distintos.
• Para melhorar a qualidade do resultado da pesquisa, contribuindo para o direcionamento da busca,
devem ser usados os operadores boleanos1, ou seja,
as expressões AND, OR, NOT, NOR (NOT+OR).
Uso de operadores boleanos:
AND – para localizar mais de um termo na mesma referência
Ex: adolescência AND emprego;
NOT – para excluir um termo comum de ser encontrado com a palavra-chave usada;
Ex: idoso NOT aposentadoria
NOR – para excluir mais termos comuns de serem encontrados com a palavra-chave usada;
Ex: idoso AND emprego NOT aposentadoria
NOR saúde
Booleana: um tipo de álgebra devida ao matemático inglês George Boole (1815-1864); uma das bases da inteligência artificial. (Andrade, 2001, p.50)
428
Sugestões Práticas
Anexo - Exemplo de Esquema
de Anotações
Exemplo de problema de pesquisa: A depressão
pós-parto altera a relação mãe-bebê?
Site de busca: http://www.scielo.br
1. Descritores utilizados (e operadores):
depressão AND parto
Artigos encontrados (e referências):
• Schwengber, Daniela Delias de Sousa and
Piccinini, Cesar Augusto, “O impacto da depressão pós-parto para a interação mãe-bebê”,
Estud. psicol. (Natal), Dez 2003, vol.8, no.3,
p.403-411.
• Zinga, Dawn, Phillips, Shauna Dae and Born,
Leslie, “Postpartum depression: we know the
risks, can it be prevented?”, Rev. Bras.
Psiquiatr., Oct 2005, vol.27, suppl.2, p.s56-s64.
2. Descritores utilizados (e operadores):
depressão AND parto NOT adolescência
Artigos encontrados (e referências):
• Cruz, Eliane Bezerra da Silva, Simões, Gláucia
Lucena
and
Faisal-Cury,
Alexandre,
“Rastreamento da depressão pós-parto em
mulheres atendidas pelo Programa de Saúde
da Família”, Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Abr
2005, vol.27, no.4, p.181-188.
3. Descritores utilizados (e operadores):
maternidade OR parto AND depressão
Artigos encontrados (e referências):
• Motta, Maria da Graça, Lucion, Aldo Bolten and
Manfro, Gisele Gus, “Efeitos da depressão materna no desenvolvimento neurobiológico e psicológico
da criança”, Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul, Ago 2005,
vol.27, no.2, p.165-176.
Referências
Andrade, M. M. de (2001). Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. SP, Editora Atlas.
Luna, S. V. de (1996). Planejamento de pesquisa. SP, Educ.
Severino, A. J. (2000). Metodologia do Trabalho Científico. SP,
Cortez.
Sobre os autores
Isabel Cristina Dib Bariani ([email protected]) Professora da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas
Cristiane Guidetti Dias - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas
Íris de Miranda - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas
Marina Colosso - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas
Mirian Maria Zucareli Rosa - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas
Rafaela Paula Marciano - Aluna do Curso de Psicologia da PUC-Campinas
Renan Ribeiro Vilela - Aluno do Curso de Psicologia da PUC-Campinas
Nota dos autores
Esse texto foi elaborado como recurso didático-pedagógico para a disciplina Métodos de Pesquisa em Psicologia, Curso de Psicologia da PUCCampinas, pelos monitores do ano de 2007, sob orientação da Profa. Isabel Cristina Dib Bariani.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 427-433
429
Como educar para a paz
How peace education can be achieved
Elizabeth dos Santos Columa
Não há caminhos que levem à Paz: a Paz é o caminho.
M. Gandhi
O que é paz?
O vocábulo paz possui conotações diversas na língua portuguesa, entre elas, a “de um estado de um país
que não está em guerra, união, concórdia nas famílias
ou tranquilidade da alma.”1 Existem na literatura tantas
definições de paz quanto às disciplinas que a estudam
(Columa, 2001). Independentemente do seu significado referencial, paz é a condição de vida que almejamos
em todas as dimensões da existência humana, incluindo a política, social, psicológica e pessoal.
Paz tem uma conotação positiva e negativa, sendo
que a primeira pressupõe certos padrões de justiça,
harmonia com a natureza, cidadania e participação em
formas democráticas de governo. Na Paz negativa
existe a priori algum tipo de conflito a ser combatido.
Daí a dicotomia Paz Positiva, que constrói a paz como
parte do currículo escolar regular, e Paz Negativa, cujo
objetivo é a contenção e prevenção de diferentes
manifestações da violência.
A ausência de guerras ou a não-violência, por sua
vez, não necessariamente pressupõe a existência da
Paz. Esta envolve mais que a não-violência. A paz significa seres humanos trabalhando juntos para resolver conflitos; ela respeita padrões de justiça, satisfaz
necessidades básicas do homem e honra os direitos
humanos (Morrison & Harris, 2003).
Em contrapartida, o mundo de hoje, longe de propiciar a paz que tanto idealizamos, está cada vez mais
conturbado e violento. E a mídia e as fontes de entretenimento em geral agravam essa situação reportando incessantemente notícias que vão desde a destruição do planeta à destruição de vidas por guerras,
pela violência urbana e as mais diversas formas de
opressão.
1
Hannah Arendt, filósofa e prolífera escritora sobre direitos humanos e o fenômeno da violência, constatou que “muito da presente glorificação da violência
é causada pela severa frustração da faculdade da ação
no mundo moderno” (1994, 60). Pode-se claramente deduzir do pensamento de Arendt sobre a importância do agir e reagir perante tal fenômeno que certamente se aplica amplamente ao tema em questão.
A cultura da violência
No campo da educação, há muito que discorrer
sobre o tema. Refletindo o mundo lá fora, a escola
atual enfrenta conflitos e enormes desafios. A cultura
da violência, normalmente associada à exclusão social, altos índices de desemprego e falta de oportunidades de ascensão, enfraquece os alicerces da escola e
desnorteia seu rumo.
Isto tem gerado uma crise de identidade da escola
pública, para empregar a frase de Nascimento, pois
ela tem sido incapaz de promover, a longo prazo, uma
melhor qualidade de vida para os alunos, tradicional
missão da escola. Como consequência, “pais e educadores/as têm manifestado uma grande preocupação
com as frequentes expressões da violência no interior das escolas, tais como: a interferência e a presença
do narcotráfico no cotidiano escolar, a depredação
dos prédios e materiais escolares, as brigas e agressões entre alunos/as e entre estes/as e os adultos que
trabalham nas escolas e a violência familiar, que apesar de estar localizada, quase sempre, fora dos muros escolares, interfere significativamente no trabalho que aí se realiza” (2000, 48 ).
Uma elaboração sobre as causas da deteriorização
do ensino público estaria fora do escopo desta seção
(Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis, Editora Melhoramentos, São Paulo, 1998).
431
nem caberia atribuí-la exclusivamente à violência escolar. Talvez esta seja a causa, não consequência. No
entanto, pode-se concluir com um grau de certeza
que a violência é um reflexo da crise de valores (morais, éticos, humanísticos) em que a violência se insere e que o Brasil e o mundo em geral atravessam.
Educar para a paz
No entanto, o contexto sócio-político em que se
dá a Educação Para Paz (EPP) é fator determinante
para a realização de metas e objetivos (Solomom &
Nevo, 2002). Cada país implementa programas e trata
do assunto de acordo com sua própria visão cultural.
Consequentemente, o ensino da EPP difere quanto à
ideologia, ênfase, conteúdo, práticas e objetivos.
Na Austrália, por exemplo, a EPP enfrenta o desafio do etnocentrismo enquanto tenta, ao mesmo tempo, promover o desarmamento nuclear e a diversidade cultural. No Japão, enfatiza-se o tipo de responsabilidade pelos atos de violência cometidos no passado e o militarismo assim como o desarmamento
nuclear. Nos Estados Unidos, interessa-se mais pelo
combate ao preconceito racial, à violência e questões
sobre o meio-ambiente. Em países em desenvolvimento, a maior preocupação é com o que se denomina “violência estrutural”, ou seja, a desigualdade
sócio-econômica e injustiça social.
Além disso, a EPP pode abordar a violência de três
formas distintas (Morrison & Harris, 2003): Manter a
Paz, Fazer a Paz e Construir a Paz.. Para Manter a Paz,
educadores utilizam atividades de prevenção da violência a fim de criar nas escolas um clima organizado
de aprendizagem que se assemelha a políticas governamentais que investem recursos astronômicos em
defesa e prisões para garantir segurança a seus cidadãos. Para Fazer a Paz, a resolução de conflitos se tornou uma das reformas escolares mais empregadas nas
últimas décadas; os alunos aprendem técnicas de resolução de disputa na tentativa de resolverem construtivamente seus próprios conflitos. Para Construir a
Paz, observa-se ainda uma escassez de métodos, por
esta ser menos divulgada que as outras. Nesta abordagem, a paz é construída, ou seja, é cultivada desde
a infância escolar por meio de um incentivo de atitudes positivas e implementação de valores promoven432
do um mundo mais justo e igual. Este é o programa
encontrado nas denominadas ‘regiões de relativa tranquilidade’.
A EPP não deve ser rígida nem padronizada, concluiu Reardon (1997) após analisar mais de uma centena de currículos nesta área. Segundo a pesquisadora, a
EPP atua, respectivamente, nos domínios da cognição,
do comportamento e da atitude nas oito seguintes áreas:
cooperação, resolução de conflito, não-violência, direitos humanos, justiça social, recursos mundiais, meioambiente global, e compreensão multicultural.
Os programas em EPP, no entanto, não estão isentos de problemas. A prática ainda se vê defasada em
relação à teoria; há escassez de avaliação dos programas (somente 30% dos programas mundiais em EPP
são avaliados); e a aplicação de um currículo em EPP
nem sempre se transfere para outros locais (Solomom
& Nevo, 2002).
A partir destas conclusões e das idéias acima
introduzidas, em seguida o tema será explorado do
ponto de vista da aplicação destas idéias na realidade
educacional no Brasil como em qualquer país onde a
Educação para a Paz, em ambos os sentidos de Construir e Fazer a Paz, se faça urgente e vital.
Sugestões práticas
Primeiramente, a Educação para a Paz deve ser
embasada em uma compreensão significativa de conceitos fundamentais tais como os fatores que causam a violência, o real significado da não-violência e os métodos
pedagógicos disponíveis para alcançá-la ou mantê-la.
Quanto aos métodos de EPP, há uma vastidão de
propostas de metodologias e currículos que traduzem os anseios de educadores e especialistas nesta
área. Normalmente avocam o uso de conhecidas técnicas como a cooperação, a colaboração, o diálogo, a
criatividade, e o altruísmo. Algumas metodologias são
mais gerais e abrangentes enquanto outras, mais específicas e localizadas. Embora não sejam propriamente revolucionárias em termos de concepção, elas podem tornar-se instrumentos úteis e eficazes.
As recomendações serão listadas a seguir, constituindo uma pequena amostra das mais relevantes idéias
extraídas de diversos autores. Independente do
objetivo para que possa ser utilizado, o conteúdo das
Sugestões Práticas
recomendações oferece mais uma forma de reflexão
sobre esse tema. Elas tendem a ser específicas ou
abrangentes, aplicando-se, respectivamente, ao âmbito escolar e educadores ou à sociedade e ao governo. As dez recomendações que se seguem, porém se
aplicam somente ao âmbito escolar, ainda de que forma bastante ampla.
Finalmente é importante ressaltar, conforme anteriormente mencionado, a importância da avaliação dos
programas de EPP e de sua implementação direcionada
às necessidades locais de cada região ou de cada país,
tendo em mente que trabalhar para a construção permanente da paz é sempre o ideal de todos nós.
Recomendações finais
1. Promover uma educação que envolva valores
humanos e sociais, resolução de conflitos através
do diálogo e a construção da justiça (Nascimento, 2000).
2. Desenvolver uma cultura dos direitos humanos através do reconhecimento da dignidade de
cada pessoa (Candau,2005).
3. Redefinir o papel da educação, onde predomine a forma da “violência estrutural” (Nascimento, 2000).
4. Dar voz aos estudantes e desenvolver formas
participativas de construção de normas (Nascimento, 2000).
5. Lutar pela manutenção da paz ressaltando a
valorização da ética, da criatividade, das experiências e da reflexão constante sobre nossas ações
(Beauclair, 2007).
6. Identificar recursos e material de apoio a serem utilizados num curso, currículo ou programa em EPP, quer seja ele informal ou formal
(Morrison & Harris, 2003).
7. Refletir sobre o impacto de nossas ações sobre o meio físico e psicológico da escola e do
ambiente à nossa volta (Beauclair, 2007).
8. Estimular a aquisição de competências, as quais
os alunos poderão utilizar para desenvolverem
estratégias não-violentas para toda a vida
(Columa, 2001).
9. Focar na formação de um ser social com o
potencial de falar e se comunicar, como principal
estratégia para a resolução de conflitos (Nascimento, 2000).
10. Criar sentido para a construção de um novo
tempo
num
mundo
em
complexa
interdependência (Beauclair, 2007).
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Dumará.
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Solomom, G., & Nevo, B. (2002). Peace education: the concept,
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Lawrence Erlbaum Associates.
Sobre a autora
Elizabeth dos Santos Columa ([email protected]) - educadora bilíngüe e consultora para empresas brasileiras e multinacionais nas áreas de competência intercultural, comunicação comercial e resolução de conflitos.
Endereço para correspondência
Rua das Palmeiras, 79 Apt. 406, Botafogo Rio de Janeiro, RJ 22270-070
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 427-433
433
Informativo
Notícias Bibliográficas
Niskier, A. (2007). 10 anos de LDB: uma visão crítica. Rio de
Janeiro: Consultor, 239 p. Independentemente do nível de ensino em que atue, o profissional da educação tem aqui uma
revisão útil de toda a legislação brasileira a partir da Lei nº
9.394/96.
Serrano, C., Waldman, M. (2007). Memória D’África: a temática
africana em sala de aula. São Paulo. Cortez, 327 p.
Em sete capítulos, além da apresentação, enfocam a percepção
da África, o espaço africano, suas características e peculiaridades, tradições, influências européias, lutas pela independência,
desafios e oportunidades. Apresenta anexos narrando histórias
interessantes. No final, em apêndice trasncreve leis brasileiras
como a Lei nº 10.639 de 09/01/2003 que torna obrigatória a
temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo das
escolas brasileira; Decreto nº 4.886, de 20/11/2003 que institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial e a
Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
Satrapi, m. (2007). Persépolis (completo). Tradução do francês de P. Werneck. São Paulo: Cia das Letras. Histórias em
quadrinhos de grande êxito internacional, aglutinadas em
livro que consiste no empenho da autora para contar sua
vida e os contrastes vivenciados do viver na Europa e no
Irã. É material utilizável em todos os níveis de ensino seguindo-se a onda atual de uso dos quadrinhos para ir da
alfabetização a filosofia, o que pede estratégias diversas de
leitura e discussão.
Fink, R., Samuels, S.J. (orgs). (2007). Inspiring reading sucess:
interest and motivation in an age of high-stakes testing.
Newark: IRA, xvii+174p.
O livro compreende sete capítulos que tratam de como obter
e manter o interesse e a motivação pela leitura em termos
individuais de uma classe toda. Tratam de como ajudar a criança a “vencer o jogo da vida”.
435
Informe
Agosto 2007 - dias 5 a 10
17ª. Conferência Bianual do Conselho Mundial para Crianças Superdotadas e Talentosas
Local: University of Warwick, Conventry, Inglaterra
Contato: www.worldgifted2007.com
Agosto 2007 - 16 a 18
I Congresso Latinoamericano de Orientação Profissional da ABOP e VIII Simpósio Brasileiro de Orientação
Vocacional & Ocupacional
local: Bento Gonçalves
contato: http://www.abopbrasil.org.br/congresso.php
Setembro 2007 - 07 a 09
VI Congresso Brasileiro de Psicologia do Desenvolvimento da SBPD
Local: Vitória - ES
Link: http://www.sbpd.org.br/cbpd2007
Setembro 2007 –12 a 14
II Congresso da União Latino-americana de Psicologia – ULAPSI
Local: Havana, Cuba
Contato: www.ulapsi.org
Setembro 2007 - 18 a 21
III Congresso Internacional de Psicologia
Local: Maringá
contato: (044)3261-4291
http://www.cipsi.uem.br
Outubro/novembro – 31/10 a 03/11
XIV Encontor Nacional da ABRAPSO
Simpósios, Mesas redondas, Sessões temáticas, Pôsteres, Cursos, Vídeos e Lançamentos de livros.
Local: Rio de Janeiro
contato: [email protected]
www.abrapso.org.br
Novembro 2007 - 03 a 10
VII Colóquio Internacional de Direitos Humanos
local: São Paulo
contato: 55 (11) 3884-7440
www.conectas.org/coloquio
437
Novembro 2007 – 24
I Fórum Sobre Psicologia Escolar e Qualidade de Ensino
O CRP-03 Seção Sergipe - Auditório da Faculdade Pio Décimo – campus I
2008
Julho – 16 a 19 de julho de 2008
III Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional
Cidade: Florianópolis – SC
E-mail: inscriçã[email protected]
Link: http://www.cbpot2008.com.br
Julho – 20 a 25 de julho de 2008
XXXIX Internacional Congresso of Psychology
Endereço: ICC Berlim
Cidade: Berlim – Germany
Telefone: 49-30-300 6690
E-mail: [email protected]
Link: http://www.icp2008.org
438
Informe
Normas de publicação
Forma de Apresentação dos Manuscritos
Psicologia Escolar e Educacional adota as normas da APA (4a edição, 1994), exceto em situações específicas onde há conflito com a
necessidade de se assegurar o cumprimento da revisão cega por pares, regras do uso da língua portuguesa, normas gerais da ABNT,
procedimentos internos da revista, inclusive características de infra-estrutura operacional. A omissão de informação no detalhamento que
se segue implica em que prevalece a orientação da APA. Os manuscritos devem ser redigidos em português, espanhol, inglês e francês nas
seguintes categorias:
1. Artigos – trabalhos originais teóricos, de revisão de literatura e de relatos de pesquisa (até 25 laudas);
Comunicação de Pesquisa – relatos originais sucintos de pesquisas realizadas;
Resenhas – apresentação e análise de livros publicados na área nos últimos dois anos (até 5 laudas)
2. História – reimpressão ou impressão de trabalhos ou documentos de difícil acesso relevantes para a pesquisa e a preservação da história
da Psicologia Escolar; entrevistas com personagens relevantes da área e trabalhos originais sobre esta história;
3. Sugestões Práticas – apresentação de procedimentos, tecnologias, propostas de trabalhos úteis para a solução de problemas
psicoeducacionais ou para a atuação do psicólogo escolar, de vivência do autor de novos instrumentos e de outras sugestões relevantes para
a área (até 5 laudas);
4. Registro Informativo – dados sobre eventos, publicações na área, assuntos diversos de interesse de psicólogos escolares e educacionais
(até 2 laudas);
5. Cartas dos leitores – inclui cópias de cartas, ou parte de cartas de leitores à direção da revista e aos seus autores, bem como respostas
aos mesmos.
Os manuscritos originais deverão ser encaminhados em uma via impressa em papel e uma em CD room, digitadas em espaço duplo, em
fonte tipo Times New Roman, tamanho 12, não excedendo o número de laudas da categoria em que o trabalho se insere, paginado desde a
folha de rosto personalizada, a qual receberá número de página 1. A página deverá ser tamanho carta ou A4, com formatação de margens
superior e inferior (no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm).
Em caso de reformulação, a nova versão deve ser encaminhada por correio eletrônico e uma via em CD room, sendo que a formatação de
texto e de página deve obedecer às mesmas características indicadas para a primeira versão.
Todo e qualquer encaminhamento à revista deve ser acompanhado de carta assinada pelos autores, na qual deve estar explicitada a intenção
de submissão ou re-submissão do trabalho para publicação. Além disso, devem conceder à Psicologia Escolar e Educacional o direito
autoral do artigo, se publicado, bem como responsabilizando-se pelos procedimentos éticos necessários quando da realização de pesquisas
com seres humanos. A apresentação dos trabalhos deve seguir a seguinte ordem:
1. Folha de rosto despersonalizada contendo apenas:
1.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12 palavras.
1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não devendo exceder 4 palavras.
1.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em português.
2. Folha de rosto personalizada contendo:
2.1. Título pleno em português.
2.2. Sugestão de título abreviado.
2.3. Título pleno em inglês.
2.4. Nome de cada autor, seguido por afiliação institucional e titulação por ocasião da submissão do trabalho.
2.5. Indicação de endereço para correspondência postal e eletrônica, seguido de endereço completo, de acordo com as normas do correio
de todos os autores.
2.6. Indicação de endereço para correspondência com o editor sobre a tramitação do manuscrito, incluindo fax, telefone e, se disponível,
endereço eletrônico.
2.7. Se necessário, indicação de atualização de afiliação institucional.
2.8. Se apropriado, parágrafo reconhecendo apoio financeiro, colaboração de colegas e técnicos, origem do trabalho (por exemplo,
anteriormente apresentado em evento, derivado de tese ou dissertação, coleta de dados efetuada em instituição distinta daquela informada
no item 2.4), e outros fatos de divulgação eticamente necessária.
2.9 Endereço postal completo e endereço eletrônico de todos os autores.
3. Folha contendo Resumo, em português.
O resumo deve ter o máximo de 150 palavras para trabalhos na categoria de Artigos. Ao resumo devem-se seguir 3 palavras-chave para fins de
indexação do trabalho - devem ser escolhidas palavras que classifiquem o trabalho com precisão adequada, que permitam que ele seja recuperado
junto com trabalhos semelhantes, e que possivelmente seriam evocadas por um pesquisador efetuando levantamento bibliográfico.
No caso de relato de pesquisa, o resumo deve incluir: descrição sumária do problema investigado, características pertinentes da amostra,
método utilizado para a coleta de dados, resultados e conclusões, suas implicações ou aplicações.
439
O resumo de uma revisão crítica ou de um estudo teórico deve incluir: tópico tratado (em uma frase), objetivo, tese ou construto sob
análise ou organizador do estudo, fontes usadas (p. ex. observação feita pelo autor, literatura publicada) e conclusões.
4. Folha contendo Abstract, em inglês, compatível com o texto do resumo.
O Abstract deve obedecer às mesmas especificações para a versão em português, seguido de três keywords, compatíveis com as palavraschave e com o Thesaurus da APA.
5. Texto propriamente dito.
Em todas as categorias de trabalho original, o texto deve ter uma organização de reconhecimento fácil, sinalizada por um sistema de títulos
e subtítulos que reflitam esta organização. No caso de relatos de pesquisa o texto deverá, obrigatoriamente, apresentar: introdução,
metodologia, resultados e discussão. As notas não bibliográficas deverão ser reduzidas a um mínimo e colocadas ao pé das páginas,
ordenadas por algarismos arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual se refere a nota. Os locais
sugeridos para inserção de figuras e tabelas deverão ser indicados no texto. As citações de autores deverão ser feitas de acordo com as
normas da APA, exemplificadas ao final deste texto. No caso de transcrição na íntegra de um texto, a transcrição deve ser delimitada por
aspas e a citação do autor seguida do número da página citada. Uma citação literal com 40 ou mais palavras deve ser apresentada em bloco
próprio, começando em nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. O tamanho da fonte deve
ser 12, como no restante do texto.
6. Referências, ordenadas de acordo com as regras gerais que se seguem. Trabalhos de autoria única e do mesmo autor são ordenadas por
ano de publicação, a mais antiga primeiro. Trabalhos de autoria única precedem trabalhos de autoria múltipla, quando o sobrenome é o
mesmo. Trabalhos em que o primeiro autor é o mesmo, mas co-autores diferem são ordenados por sobrenome dos co-autores. Trabalhos
com a mesma autoria múltipla são ordenados por data, o mais antigo primeiro. Trabalhos com a mesma autoria e a mesma data são
ordenados alfabeticamente pelo título, desconsiderando a primeira palavra se for artigo ou pronome, exceto quando o próprio título
contiver indicação de ordem; o ano é imediatamente seguido de letras minúsculas. Quando repetido, o nome do autor não deve ser
substituído por travessão ou outros sinais. A formatação da lista de referências deve ser apropriada à tarefa de revisão e de editoração além de espaço duplo e tamanho de fonte 12, parágrafo normal com recuo apenas na primeira linha, sem deslocamento das margens; os
grifos devem ser indicados por um traço sob a palavra (p. ex., sublinha). A formatação dos parágrafos com recuo e dos grifos em itálico é
reservada para a fase final de editoração do artigo.
7. Anexos, apenas quando contiverem informação original importante, ou destacamento indispensável para a compreensão de alguma seção
do trabalho. Recomenda-se evitar anexos.
8. Figuras, incluindo legenda, uma por página em papel, ao fina do trabalho. Para assegurar qualidade de reprodução as figuras contendo
desenhos deverão ser encaminhadas em qualidade para fotografia; as figuras contendo gráficos não poderão estar impressas em impressora matricial. Como a versão publicada não poderá exceder a largura de 8,3 cm para figuras simples, e de 17,5 cm para figuras complexas,
o autor deverá cuidar para que as legendas mantenham qualidade de leitura, caso redução seja necessária.
9. Tabelas, incluindo título e notas, uma por página em papel e por arquivo de computador. Na publicação impressa a tabela não poderá
exceder 17,5 cm de largura x 23,7 cm de comprimento. Ao prepará-las, o autor deverá limitar sua largura a 60 caracteres, para tabelas
simples a ocupar uma coluna impressa, incluindo 3 caracteres de espaço entre colunas da tabela, e limitar a 125 caracteres para tabelas
complexas a ocupar duas colunas impressas. O comprimento da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé(s). Para outros
detalhamentos, especialmente em casos anômalos, o manual da APA deve ser consultado.
Tipos Comuns de Citação no Texto
Citação de artigo de autoria múltipla
1. Dois autores
O sobrenome dos autores é explicitado em todas as citações, usando e ou & conforme abaixo:
“ A revisão realizada por Guzzo e Witter (1987)” mas “a relação do psicólogo-escola pública foi descrita com base num estudo exploratório
na região de Campinas” (Guzzo & Witter, 1987)”
2. De três a cinco autores
O sobrenome de todos os autores é explicitado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante só o sobrenome do
primeiro autor é explicitado, seguido de “e cols.” e o ano, se for a primeira citação de uma referência dentro de um mesmo parágrafo:
Vendramini, Silva e Cazorla (2000) verificaram que [primeira citação no texto]
Vendramini e cols. (2000) verificaram que [citação subsequente, primeira no parágrafo]
Vendramini e cols. verificaram [omita o ano em citações subsequentes dentro de um mesmo parágrafo]
Na seção de Referências todos os nomes são relacionados.
440
Normas de Publicação
3. Seis ou mais autores
No texto, desde a primeira citação, só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, seguido de “e cols.”, exceto se este formato gerar
ambigüidade, caso em que a mesma solução indicada no item anterior deve ser utilizada:
Primi e cols. (2001).
Na seção de referências todos os nomes são relacionados.
Citações de trabalho discutido em uma fonte secundária
O trabalho usa como fonte um trabalho discutido em outro, sem que o trabalho original tenha sido lido (por exemplo, um estudo de Taylor,
citado por Santos, 1990). No texto, use a seguinte citação:
Taylor (conforme citado por Santos, 1990) acrescenta que a avaliação da compreensão em leitura...
Na seção de Referências informe apenas a fonte secundária, no caso Santos, usando o formato apropriado.
Exemplos de Tipos Comuns de Referência
1. Trabalho apresentado em congresso, mas não publicado
Serpa, M.N.F. & Santos, A.A.A. (1997, outubro). Implantação e primeiro ano de funcionamento do Serviço de Orientação ao Estudante. Trabalho
apresentado no XI Seminário Nacional das Universidades Brasileiras, Guarulhos - São Paulo.
2. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação seriada regular
Tratar como publicação em periódico, acrescentando logo após o título a indicação de que se trata de resumo.
Silva, A.A. & Engelmann, A. (1988). Teste de eficácia de um curso para melhorar a capacidade de julgamentos corretos de expressões faciais
de emoções [Resumo]. Ciência e Cultura, 40 (7, Suplemento), 927.
3. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação especial
Tratar como publicação em livro, informando sobre o evento de acordo com as informações disponíveis em capa.
Todorov, J.C., Souza, D.G. & Bori, C.M. (1992). Escolha e decisão: A teoria da maximização momentânea [Resumo]. Em Sociedade
Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas, XXII Reunião Anual de Psicologia (p. 66). Ribeirão Preto: SBP.
Witter, G.P. (1985). Quem é o psicólogo escolar: Sua atuação prática. [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), XVII Reunião
Anual de Psicologia, Resumos (p. 261). Ribeirão Preto: SBP.
4. Teses ou dissertações não publicadas
Polydoro, S.A.J. (2001). O trancamento de matrícula na trajetória acadêmica do universitário: Condições de saída e de retorno à instituição. Tese
de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP.
5. Livros
Solé, I. (1998). Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes Mdicas.
6. Capítulo de livro
Anderson, R.C. & Pearson, P.D. (1984). A schema-theoretic view of basic processes in reading comprehension. Em P.D. Pearson, R. Barr,
M.L. Kamil & P. Mosenthal (Orgs.) Handbook of reading research (Vol. 1, pp 251-291). New York: Longman.
Pasquali, L. (1996). Teoria da resposta ao item - IRT: uma introdução Em L. Pasquali (Org.), Teoria e métodos de medida em ciências do
comportamento (pp. 173-195). Brasília, INEP.
7. Livro traduzido, em língua portuguesa
Salvador, C.C. (1994). Aprendizagem escolar e construção de conhecimento. (E.O. Dihel, Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho
original publicado em 1990)
Se a tradução em língua portuguesa de um trabalho em outra língua é usada como fonte, citar a tradução em português e indicar ano de
publicação do trabalho original.
No texto, citar o ano da publicação original e o ano da tradução: (Salvador, 1990/1994).
8. Artigo em periódico científico
Kintsch, W. (1994). Text comprehension, memory, and learning American Psychologist, 49 (4), 294-303.
9. Obra no prelo
Não forneça ano, volume ou número de páginas até que o artigo esteja publicado. Respeitada a ordem de nomes, é a ultima referência do
autor.
Sonawat, R. (no prelo). Families in India. Psicologia: Teoria e Pesquisa.
10. Autoria institucional
American Psychiatric Association (1988). DSM-III-R, Diagnostic and statistical manual of mental disorder (3a ed. revisada). Washington, DC: Autor.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11 Número 2 Julho/Dezembro 2007 • 439-442
441
A remessa de manuscritos para publicação, bem como toda a correspondência de seguimento que se fizer necessária, deve ser enviada para
a Revista Psicologia Escolar e Educacional, conforme endereço abaixo ou enviada para o endereço eletrônico [email protected] :
Universidade São Francisco
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia
Profª Drª Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45
13251-900 – Itatiba/SP
Procedimentos de submissão e avaliação dos manuscritos
Os manuscritos que se enquadrarem nas modalidades de trabalho especificadas acima, passarão pelo seguinte procedimento:
1. Encaminhamento para emissão de parecer a membros do Corpo Editorial da revista e/ou consultores ad hoc
2. Recepção dos pareceres, com recomendação para aceitação (com ou sem modificações) ou rejeição. No caso de aceitação com
modificações, os autores serão notificados com a maior brevidade possível das sugestões (cópias dos pareceres serão enviados aos
autores, exceto quando houver restrição expressa por parte do consultor).
3. No caso de aceitação para publicação, o Conselho Editorial reserva-se o direito de introduzir pequenas alterações para efeito de
padronização conforme os parâmetros editoriais da Revista.
4. O processo de avaliação utiliza o sistema de revisão cega por pares, preservando a identidade dos autores e consultores.
5. A decisão final acerca da publicação ou não do manuscrito é sempre do Conselho Editorial.
Direitos autorais
Os direitos autorais das matérias publicadas são da revista Psicologia Escolar e Educacional. A reprodução total ou parcial (mais de 500
palavras do texto) requererá autorização por escrito do Editor. O autor principal da matéria receberá três exemplares da edição em que
esta foi publicada. Os originais não-publicados não serão devolvidos.
442
Normas de Publicação
ALGUNS
TÍTULOS DA
CASA
DO
PSICÓLOGO
Título
Autor/Organizador
Educação, Pedagogia
Cinco Estudos de Educação Moral
Computador no Ensino e a Limitação da Consciência
Crianças de Classe Especial
Crianças Querem Saber, e Agora?, As
Difusão Das Idéias de Piaget No Brasil, A
Encontros com Sara Paín
Ensaios Construtivistas
Era Assim ... Agora Não
Ética e Valores: Métodos para um Ensino Transversal
Formas Elementares da Dialética, As
Guia de Orientação Sexual
Histórias de Indisciplina Escolar
Introdução à Psicologia Escolar
Jean Piaget Sobre a Pedagogia
Oficina Criativa e Psicopedagogia
Pelos Caminhos da Ignorância e do Conhecimento
Professores e Alunos – Problema: um círculo vicioso
Produção do Fracasso Escolar, A
Programa de Leitura Silenciosa
Psicanálise e Educação – Laços Refeitos
Psicologia e Educação
Psicologia Escolar: em Busca de Novos Rumos
Psicopedagogia: Uma Prática, Diferentes Estilos
Saúde e Educação. Muito prazer!
Quatro Cores, Senha e Dominó
Quatro Cores, Senha e Dominó – Caderno para Atividades
Reunião de Pais: Sofrimento Ou Prazer?
Tecnologia no Ensino:Implicações para a Aprendizagem, A
Macedo, Lino de (Org.)
Crochik, Jose Leon
Machado, Adriana
Costa, Moacir
Vasconcelos, Mario Sérgio
Parente, Sonia Maria
Macedo, Lino de
Scarpa, Regina
Puig, Josep Maria
Piaget, Jean
Gtpos – Abia – Ecos
Cíntia Copit Freller
Patto, Maria Helena S.
Parrat, Sílvia
Allessandrini, Cristina
Parente, Sonia Maria
Mantovanini, Maria Cristina
Maria Helena S. Patto
Condemarin, Mabel
Bacha, Márcia Neder
Marilene Proença
Machado, Adriana M. (Org.)
Rubinstein, Edith
Maria Salum e Morais; Beatriz Souza (Orgs.)
Macedo, Lino (Org.)
Macedo, Lino (Org.)
Althuon, Beate G.
Joly, Maria Cristina Rodrigues (Org.)
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