Notícia anterior Próxima notícia Classificação do artigo 16 dez 2014 O Globo CESAR BAIMA cesar. baima@ oglobo.com. br O avanço das águas Perda do gelo na Groenlândia se acelera, dizem estudos; cidades como o Rio estão em perigo DEGELO LÁ, ENCHENTE AQUI Estudos mostram degelo acelerado na Groenlândia, o que ameaça cidades costeiras como o Rio. Enquanto o mundo hesita em adotar metas obrigatórias de corte das emissões de gases causadores do efeito estufa para conter o aquecimento global, a natureza segue seu curso, num caminho que é uma crescente ameaça às regiões costeiras que concentram grande parte da população do planeta, caso do Rio de Janeiro, alertam especialistas. ANDREW TESTA/THE NEW YORK TIMES Menos gelo. Pescador passa por icebergs em Narsaq, na Groenlândia: derretimento total do manto sobre a ilha elevaria em mais de sete metros o nível dos oceanos, inundando cidades litorâneas, preveem duas novas pesquisas Um dia depois de representantes de 196 países reunidos na Conferência do Clima em Lima (COP 20) concordarem em reduzir emissões, mas deixarem para o ano que vem a costura final de um acordo vinculante de combate às mudanças climáticas, dois estudos indicam que a Groenlândia deverá perder sua cobertura de gelo mais rápido do que se pensava, enquanto um levantamento fala em continuidade na queda do volume de gelo sobre o Ártico durante o outono no Hemisfério Norte, que só não foi maior graças aos verões relativamente amenos dos últimos anos na região. AUMENTO DO NÍVEL DO MAR Lar do segundo maior manto de gelo do mundo, atrás apenas do antártico, a Groenlândia enfrenta alterações ambientais que deverão acelerar ainda mais seu derretimento, que já alcançou uma média anual de 243 bilhões de toneladas entre 2003 e 2009, o que provocou uma alta de 0,68 milímetro por ano no nível dos oceanos, afirma o primeiro dos estudos, publicado na “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS). Segundo os pesquisadores, os atuais modelos de previsão do comportamento dos glaciares da Groenlândia e o ritmo com que despejam água no oceano, montados com base em apenas quatro dessas estruturas, não são representativos do que acontece nos 242 glaciares. Assim, os cientistas liderados pela geofísica Beata Csatho, professora da Universidade de Buffalo, nos EUA, se debruçaram sobre dados coletados em quase 100 mil pontos da Groenlândia entre 1993 e 2012. Com isso, revelaram que o comportamento dos glaciares da ilha é muito mais complexo do que se imaginava e puderam chegar à estimativa do ritmo atual de perda manto de gelo local, que, caso derretesse por completo, elevaria o nível dos oceanos em mais de sete metros, inundando cidades litorâneas como o Rio de Janeiro e Nova York. — A importância de nossos dados é que, pela primeira vez, temos um retrato mais completo de como os glaciares da Groenlândia mudaram na última década — diz Beata. — Vemos que seu comportamento é complexo, tanto no espaço quanto no tempo. O clima local e as condições geológicas, a hidrologia local, todos esses fatores têm seu efeito, e os modelos atuais não levam em conta tal complexidade. Já o segundo estudo, publicado na edição desta semana do periódico científico “Nature Climate Change”, procura justamente abordar um desses fatores. Liderados por Amber Leeson, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, os pesquisadores analisaram a formação dos chamados “lagos supraglaciais”, que surgem com o derretimento da neve e do gelo nas bordas do manto sobre a Groenlândia. Nos anos 1970, esses lagos estavam restritos a uma faixa de cerca de 50 quilômetros de largura a partir do litoral da ilha, mas hoje já avançam mais de 100 quilômetros em direção do interior, e a expectativa é de que em 2060 sejam vistos ainda mais longe, a uma distância de até 210 quilômetros do litoral. — Os lagos supraglaciais podem aumentar a velocidade com que o manto de gelo derrete e flui, e nossa pesquisa mostra que até 2060 a área da Groenlândia coberta por eles vai dobrar — conta Amber. — A localização desses novos lagos é muito importante, já que eles estarão distantes o suficiente no interior para que a água que vaza deles não seja drenada para os oceanos tão efetivamente quanto acontece com os lagos de hoje, que estão mais perto da costa. A água que vazar desses lagos mais no interior poderá lubrificar o gelo de forma mais eficiente, fazendo com que flua mais rápido (para o oceano). Amber destaca ainda que este é um processo que se autoalimenta, isto é, quanto maior a área coberta pelos lagos supraglaciais, maior o derretimento e a velocidade com que as placas de gelo se movem em direção aos oceanos, deixando o manto sobre a Groenlândia cada vez mais fino. Além disso, como a superfície dos lagos é mais escura que a neve, ela absorve mais calor do Sol, acelerando ainda mais o derretimento do manto. — Quando você despeja massa de panqueca em uma panela, se ela correr muito rápido para as bordas você acaba com uma panqueca fina. Isso é semelhante ao que acontece com os mantos de gelo: quanto mais rápido eles fluem, mais finos ficam — explica. — E, quando o manto de gelo é mais fino, ele também está em uma elevação um pouco menor, exposto a temperaturas do ar mais quentes do que ficaria se fosse mais grosso, aumentando o tamanho da zona de derretimento nas bordas. Por fim, levantamento feito pelo satélite Cryosat, lançado em 2010 pela Agência Espacial Europeia (ESA), revelou que o volume da cobertura de gelo sobre o Oceano Ártico continua a apresentar uma tendência de queda, embora em um ritmo menor. De acordo com medições realizadas em outubro e novembro deste ano, início do outono no Hemisfério Norte e época importante para avaliar a capacidade de recuperação da calota polar após atingir a cobertura mínima do verão, este volume estava em cerca de 10,2 mil quilômetros cúbicos, pouco menos que os 10,9 mil registrados na mesma época no ano passado. Apesar de serem os dois maiores valores obtidos para estes meses, numa indicação de certa estabilidade na cobertura de gelo sobre o Ártico, eles ainda estão bem abaixo dos volumes vistos na década de 1980, que giravam na casa dos 20 mil quilômetros cúbicos. — O que vemos é o volume diminuindo e diminuindo, mas aí, por causa de um verão relativamente mais frio, ele retorna para formar um novo patamar mais elevado — conta Rachel Tilling, pesquisadora da University College London (UCL), que apresentou os resultados ontem em São Francisco, EUA, no primeiro dia da reunião de outono da União Americana de Geofísica (AGU). — Então, o que pode estar acontecendo aqui é um declínio que se parece um pouco com uma serra, em que perdemos volume e recuperamos um pouco dele se num ano a estação de derretimento for mais curta. RIO DE JANEIRO SOB AMEAÇA Com a elevação do nível do mar, também deverá crescer a demanda por projetos para proteger áreas costeiras do avanço das águas, mas essas intervenções na verdade vão piorar ainda mais a situação, alertam Andrew Cooper e Orrin Pilkey, especialistas em geologia marinha. Autores do recémlançado livro “The last beach” (“A última praia”), eles afirmaram ao jornal britânico “Guardian” que o desenvolvimento urbano e as paredes de concreto erguidas para proteção servem apenas para acelerar o processo de erosão da linha costeira que varrerá do mapa as praias de várias cidades do planeta. — A sentença de morte já soou para grandes extensões de praias ao longo de costas densamente povoadas, como as de Flórida (EUA), Costa del Sol (Espanha), Gold Coast (Austrália) e Rio de Janeiro — disse Pilkey. Impresso e distribuído por NewpaperDirect | www.newspaperdirect.com, EUA/Can: 1.877.980.4040, Intern: 800.6364.6364 | Copyright protegido pelas leis vigentes. 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