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INCÊNDIOS FLORESTAIS EM PORTUGAL
Contributo para Grupo de Trabalho da Assembleia da República para Análise
da Problemática dos Incêndios Florestais
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2014
Por iniciativa da Senhora Presidente da Assembleia da República, foi constituído na Assembleia da
República um Grupo de Trabalho para Análise da Problemática dos Incêndios Florestais, tendo esse grupo
que apresentar um relatório no final de 190 dias.
Tendo em conta o despacho da Senhora Presidente da Assembleia da República, é intenção do Grupo de
Trabalho centrar-se mais no Sistema Nacional da Floresta Contra Incêndios. Este sistema, constituído por
três pilares gerais (Prevenção Estrutural e Sensibilização; Combate, Rescaldo e Vigilância pós-incêndio;
Vigilância, Deteção e Fiscalização).
Passados 8 anos da sua publicação e de ter sido alvo de uma alteração em 2009, importa perceber se há
(ou não) alterações, atualizações ou correções a fazer por forma a responder aos desafios de hoje.
Em particular, o GT pretende ver respondidas algumas questões, segundo nos comunicou no pedido de
contributos, a saber:
a)
Quais os principais estrangulamentos que identifica no âmbito do SNDFCI e quais as prioridades que o poder político
deve ter em conta e procurar resolver, tendo em conta os constrangimentos a que o país está obrigado devido ao Programa
de Assistência Económica e Financeira?
b) Sendo as Redes primárias de Faixas de Gestão de Combustíveis uma infraestrutura fundamental e porque continuam a
existir áreas de responsabilidade menos claras, quem considera que deve assumir o seu planeamento, execução e
manutenção nas áreas onde não há ZIF’s constituídas ou que não sejam da administração central ou local?
c) Um dos problemas muitas vezes levantados com o qual é igualmente justificada a reduzida taxa de execução das faixas
de gestão de combustíveis (rede primária e secundária), tem que ver com a falta de capacidade de identificação dos
proprietários e o inconsequente levantamento dos autos por parte da GNR. Como podem ser ultrapassados estes
problemas?
d)
Como é que um Plano Nacional do Uso do Fogo poderia diminuir a continuidade da carga c ombustível horizontal e
vertical e que entidades deveriam estar creditadas para o fazer? Qual o papel das OPF´s nesse Plano Nacional?
e)
Considera importante que as Equipas de Sapadores Florestais continuem a fazer serviço público durante uma parte
importante do ano? Quais são os constrangimentos e benefícios que este serviço público trás para a gestão operacional das
ESF? A função das ESF no dispositivo de Especial de Combate a Incêndios está apropriada às características destas
equipas?
f)
Até onde deve ir a responsabilidade civil dos proprietários e produtores florestais na não gestão? Ou seja, um
proprietário florestal deve ser penalizado se a sua opção de não gestão contribuir para causar danos em terceiros?
g)
A não execução da prevenção estrutural, nomeadamente no que diz respeito às Faixas de Gestão de Combustível
(rede primária e rede secundária), associa-se a dois problemas de dimensões diferentes: i) financeiro; ii) identificação do
proprietário. Como podem ser ultrapassados e quais as alterações, também legislativas, que podem ser implementadas?
h)
Conhecida que é a dimensão da nossa propriedade com pequenas áreas, dificultando o ordenamento florestal, qual a
melhor forma de promover o emparcelamento de forma a aumentar a dimensão das áreas a gerir e promover uma melhor
gestão florestal em toda as suas vertentes (rentabilidade, espécies, prevenção, etc)?
A posição que o GEOTA aqui apresenta cobre algumas dos aspectos referidos acima, directa ou
indirectamente.
Apartado 26006 – EC Lapa
Travessa do Moinho de Vento
nº17, CV Dta 1201-801 Lisboa
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ONGA com estatuto de utilidade pública |
Associado fundador da Confederação Portuguesa das Associações de
Defesa do Ambiente | Membro de: EEB; SAR
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ADAPA; A.D.Praia da Madalena; A.E.Alto Tejo; Amigos da Beira;
ARCHAIS,AZÓRICA; C.A. Almada; FPCUB; LOURAMBI; Marés,
OIKOS; PATO; Palhota Viva; ADPCCBombarral, Associação de
Defesa do Património de Mértola, Real 21, Amigos dos Açores, SETA,
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As causas
- Temos uma floresta dominada pela monocultura de pinheiro e eucalipto, espécies altamente
combustíveis devido respectivamente à resina e aos óleos. Este tipo de mata é muito mais
vulnerável ao fogo do que as matas dominadas pelos carvalhos, sobreiros, azinheiras e outras
espécies autóctones;
- Temos um espaço rural e florestal em processo acelerado de despovoamento; as aldeias estão
envelhecidas ou em vias de extinção por força da migração para as cidades, e o uso económico
da floresta alterou-se substancialmente. Daqui decorrem três efeitos, todos contribuindo para a
vulnerabilidade ao fogo: primeiro, os terrenos dedicados à agricultura de subsistência deram lugar
a manchas contínuas de matos ou floresta; segundo, os matos da orla florestal deixaram de ser
usados para lenha e cama de gados; terceiro, desapareceu a primeira linha de prevenção e
combate aos incêndios, que eram as populações das aldeias;
- O Estado detém apenas 3% da floresta, correspondendo outros 12% a baldios sem gestão digna
desse nome. Os restantes 85% pertencem a meio milhão de proprietários com uma dimensão
média da propriedade de 5 ha, muitas vezes dividida em várias parcelas; este indicador é ainda
menor nas regiões mais vulneráveis; não se conhece o proprietário de talvez metade dessas
parcelas, devido às múltiplas sucessões e partilhas não registadas. Um ordenamento adequado
só possível mediante o associativismo florestal, que em Portugal está ainda na infância;
- O número de profissionais da floresta, vulgo sapadores florestais, é insuficiente, e os diversos
serviços públicos com intervenção no problema sofrem de crónica falta de meios humanos,
materiais, preparação e coordenação. A prevenção, embora tenha melhorado nos últimos anos,
continua a ser insuficiente;
- Os fogos postos são frequentes, com duas origens principais: os pirómanos, ainda mais
excitados pelo tratamento espalhafatoso e emocional no mau sentido que os meios de
comunicação dão ao problema; e os interesses económicos ou pessoais. A negligência é
igualmente frequente, p.e. queimadas fora de controlo, pontas de cigarro acesas ou fogueiras mal
apagadas;
- O dispositivo de combate aos incêndios florestais não está a funcionar devidamente, como foi
tragicamente demonstrado este ano pela morte de vários bombeiros, especialmente jovens
voluntários;
- O clima está a mudar. Nas nossas latitudes esta alteração traduz-se na maior frequência de
fenómenos meteorológicos extremos, incluindo secas e ondas de calor. A probabilidade de
propagação dos incêndios cresce dramaticamente quando ocorrem vários dias seguidos com
temperaturas acima de 30°C, o que é agravado em episódios de seca.
Em síntese, sofremos uma situação estrutural de alta vulnerabilidade aos incêndios florestais, com
tendência para se agravar na ausência de medidas activas. Não se trata de um destino fatal, mas
sim da completa ausência de uma política florestal e de ordenamento com qualquer estratégia ou
coerência.
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As consequências
Os incêndios florestais têm consequências muito graves, algumas óbvias, outras não:
- A perda de vidas humanas;
- A perda de habitações e outros bens materiais, bem como outros valores económicos da
floresta, desde a madeira aos frutos, ao mel ou ao valor paisagístico e turístico, especialmente
dramáticas em regiões pobres do interior, exactamente as mais vulneráveis aos incêndios;
- A desregulação do ciclo hídrico, com fenómenos de erosão, assoreamento das linhas de água,
aumento da escorrência superficial e portanto da frequência e dimensão das cheias, redução da
recarga de aquíferos com o consequente agravamento das secas;
- A perda de biodiversidade (apenas mitigada pelo facto de as áreas com maior interesse para a
conservação serem menos vulneráveis aos incêndios que as monoculturas de pinheiro e
eucalipto);
- A poluição atmosférica em larga escala provocada pelos incêndios.
As soluções
Podemos apontar sete conjuntos de medidas para solucionar o problema dos incêndios florestais:
1. Desenvolvimento sustentável da floresta com espécies autóctones.
A floresta entendida como valor estratégico nacional tem que ser planeada a cem anos: os nossos
filhos e netos recolherão os resultados das boas ou más medidas que tomarmos hoje, tal como
estamos agora a pagar a factura dos erros cometidos pelos nossos pais e avós.
Devemos apostar na expansão das espécies autóctones (carvalhos, sobreiro, azinheira,
castanheiro, cerejeira, nogueira, etc). As vantagens são múltiplas: são menos vulneráveis aos
incêndios; a longo prazo oferecem maior rendimento por hectare (para aplicações como o
mobiliário ou a construção de qualidade); são mais compatíveis com o uso múltiplo da floresta
(pastoreio extensivo, apicultura, turismo de natureza e cinegético); são melhores para a
conservação do solo e a regulação do ciclo hídrico; têm rotações mais longas e maior biomassa
em pé, donde funcionam como sumidouros de carbono.
Refira-se que há duas grandes condicionantes a esta expansão: o mau estado de muitos dos
nossos solos, e o longo tempo de recuperação do investimento. O primeiro problema poderá ser
parcialmente resolvido através da instalação de povoamentos mistos. A solução do segundo
passará necessariamente por políticas de incentivos, como a valorização dos serviços dos
ecossistemas, empréstimos a juro bonificado ou arrendamentos de longa duração.
Lamentavelmente, medidas recentes como a desregulamentação da Reserva Ecológica Nacional
vão exactamente no sentido oposto.
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2. Associativismo florestal.
Com a maior parte da área florestal na mão de micro-proprietários, o associativismo é
indispensável para uma gestão consequente, em todas as vertentes: a perspectiva estratégica, a
conservação dos recursos, a racionalidade económica, a produtividade, a certificação dos
produtos florestais, a prevenção de incêndios.
O associativismo deve ser autónomo e de raiz local, mas ser incentivado, apoiado e reconhecido
pelo Estado, sob pena de o tempo de maturação dessas estruturas ser demasiado longo. Este
processo já se iniciou (é a única das medidas estruturais que já saiu do papel), mas o processo
tem sido muito lento e insuficientemente apoiado pelos poderes públicos.
3. Intervenção regular do Estado.
O Estado deve incrementar seriamente a sua intervenção na floresta para garantir objectivos de
longo prazo para fins de conservação da natureza, investigação científica, recreio e reservas
económicas estratégicas.
Deverão ser reconstituídos os serviços florestais desmantelados ao longo das últimas décadas. A
integração do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas poderá ser uma ferramenta
positiva, mas só se a filosofia de sustentabilidade for cumprida e se o novo ICNF for dotado dos
meios adequados (o que até agora não aconteceu).
No terreno, urge incrementar as equipas de sapadores florestais, dedicadas à prevenção e
primeira intervenção na época de fogos, e a outras tarefas de gestão e conservação das matas ao
longo do ano (p.e. regeneração das espécies autóctones, manutenção de caminhos e aceiros,
eliminação de infestantes, condução de fogos controlados para reduzir a carga térmica).
A experiência nacional e internacional demonstra que estes profissionais são essenciais à boa
gestão das matas.
4. Prevenção na época de incêndios.
Uma vez um fogo florestal iniciado, o factor mais importante na sua extinção é a rapidez da
intervenção inicial.
Nos últimos anos as medidas de prevenção têm melhorado, mas não o suficiente: o rácio de
despesas prevenção/combate continua a ser demasiado baixo.
Além do reforço dos meios de vigilância convencionais (torres de vigia, patrulhas de sapadores,
melhores comunicações entre diferentes serviços), deve pensar-se em retomar o patrulhamento
por unidades das Forças Armadas de áreas mais vulneráveis aos incêndios criminosos (uma
medida com sucesso no passado).
5. Formação e coordenação no combate aos incêndios.
Há que acabar com a lógica dos feudos e montar sistemas que funcionem. Há que entregar o
comando a quem sabe o que está a fazer, e mandar para a frente de combate só quem foi
devidamente treinado para o efeito.
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O trágico número de bombeiros mortos em serviço este ano deve fazer reflectir na adequação (ou
falta dela) do actual dispositivo de combate aos incêndios florestais; se não por outro motivo, em
honra aos que deram a vida pela sociedade. A melhor homenagem que lhes pode ser feita é
garantir que tais tragédias não se repitam.
6. Desmontar os interesses económicos.
Sabe-se que muitos incêndios resultam de interesses económicos diversos.
Não cabe aqui fazer quaisquer acusações, mas vale a pena eliminar situações que criam,
objectivamente, beneficiários dos incêndios florestais.
Para além das medidas gerais de política florestal, podemos citar outras duas, especificamente
relacionadas com os incêndios, que deverão ser equacionadas:
a) a colocação dos meios aéreos de combate a incêndios sob tutela da Força Aérea, como
missão de serviço público;
b) a criação de “bolsas de madeira” pelo Estado e/ou associações, para parquear
devidamente a madeira queimada e evitar a sua desvalorização.
7. Melhorar o ordenamento do território.
Áreas periurbanas misturadas com floresta aumentam dramaticamente a vulnerabilidade e a
perda de bens em caso de incêndio; o despovoamento das aldeias e do interior do País têm o
mesmo efeito.
Políticas sérias de desenvolvimento regional no interior e ordenamento do território mais rigoroso
reduzem esta vulnerabilidade.
Em síntese, as soluções para resolver o problema dos incêndios florestais não são simples, mas
estão equacionadas e estudadas há muito tempo. Assim haja vontade e coragem política para as
aplicar.
Contactos: João Joanaz de Melo, membro do GEOTA, [email protected]
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