Educ Med Salud, Vol. 21, No. 2 (1987) CIENCIAS SOCIAIS EM SAÚDE NO BRASIL: NOTAS PARA A SUA HISTORIA' Everardo Duarte Nunes2 Uma área que se caracteriza por sua evidente interdisciplinaridade é, sem dúvida, a da saúde e das práticas médicas que a acompanham. Atravessada por uma grande variedade de ciencias e saberes, a questao de analisar sua interdisciplinaridade oferece diferentes caminhos desde as abordagens históricas mais gerais (que tratam da incorporaçao do social aos problemas médicos e de saúde) até as mais recentes que, ao questionarem o paradigma médico-biológico, procuram analisar o processo saúde-doença como processo social. A estas, juntam-se as possibilidades de verificar como ocorrem as interrelao5es no plano educacional e no assistencial, pois envolvem profissionais procedentes de diferentes campos do conhecimento. Torna-se, portanto, uma tarefa bastante complexa delinear as intricadas relao5es que ocorrem no ámbito da saúde seja no que tange a pesquisa, seja em relaaáo ao ensino ou á assistencia. Isto se complica na medida em que essas relaç5es ocorram em áreas do conhecimento que já trazem implícitas a interdisciplinaridade, como a Sociologia, a Antropologia, a Economia Política e outras, e que constituem o amplo domínio das ciencias sociais. Alguns estudiosos ao situarem esta problemática lembram, por exemplo, que em relaQao á Sociologia esta, como a Medicina, apresenta campos de pesquisa caracterizados por um baixo grau de articulaaáo (1), o que torna a questao mais difícil. Esse grau de articulacao foi definido como a "extensao em que os fenómenos com os quais o campo está interessado sáo potencialmente capazes de serem explicados e previstos em termos de um pequeno número de conceitos e constantes fundamentais" (1). Devo adiantar que nao pretendo enveredar por esta linha de análise por considerar que alguns dos principais pontos que se levantam Trabalho apresentado no XIII Encontro Nacional de Estudos Rurais e Urbanos, Universidade de Sáo Paulo, Sao Paulo, Brasil, 22-23 de maio de 1986. 2 Professor de Ciencias Sociais Aplicadas á Medicina e Doutor em Ciencias, Universidade de Campinas, Faculdade de Ciencias Médicas, Sao Paulo, Brasil. 106 Ciencias sociais em saúde no Brasil / 107 na área da interdisciplinaridade seráo abordados por outros estudiosos aqui presentes. Por outro lado, frente á diversidade de enfoques sobre a questáo, optei por tentar tragar um quadro geral das origens e do desenvolvimento das ciencias sociais em saúde no Brasil. Dessa forma, ao procurar situar um campo do conhecimento que, embora relativamente recente, tem despertado crescente atencao, ressaltarei alguns pontos que permitam estabelecer uma reflexáo sobre a interdisciplinaridade. Acredito que, dessa maneira, possa oferecer uma colaboraçao para alcançar os objetivos deste encontro e, dentro de um relato mais amplo, situar minha experiencia pessoal nessa área. OS ANOS DE FORMAAÁO OU A BUSCA DE UMA RELAÇAO INTERDISCIPLINAR Do ponto de vista mais geral, a história das ciencias sociais em saúde no Brasil (e aqui estou me referindo as primeiras tentativas de institucionalizaaáo e náo ás contribuio5es esparsas) tem sua origem na década de 1960. Aparece como decorrencia de um movimento mais amplo na América Latina visando reorientar a prática médica através da reformulaaáo dos conteúdos curriculares, acrescentando-lhes a dimensao integral, preventiva e social. Após inúmeros debates ocorridos tanto na América do Norte como na Europa, nos anos que precedem imediatamente a década de 60, os educadores de Medicina latino-americanos lançam novas idéias, chegando a constituir um movimento que, no fundo, preconizava modificar a prática médica através de reformas educacionais (2). Para tanto, dever-se-ia romper com a hegemonia do biológico para a compreensao de saúde-doença, do cuidado individual e intra-hospitalar como formas absolutas de prática médica. A partir da segunda metade dos anos 60, a instalaaáo do Departamento de Medicina Preventiva e Social significará, para as escolas de medicina, um sinal de avanço em direaáo a uma escola renovada. E, nesse momento, começa a aparecer uma nova figura nos quadros profissionais da escola de medicina-o cientista social. É mais ou menos nessa época que eu começo a minha carreira na área da saúde, junto com a própria estrutura do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade de Campinas (UNICAMP). Na mesma ocasiao alguns sociólogos constituiriam esse grupo inicial que se instalaria em diversos departamentos de medicina preventiva e social.3 E interessante observar que nesse momento de formacao dos departamentos e de autodidatismo dos cientistas sociais na área da saúde, 3 Cabe destacar que o primeiro curso de ciencias sociais introduzido na área de saúde, em uma escola profissional no Brasil, foi "Problemas de Sociologia Aplicada á Higiene", na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Sao Paulo, em 1943. 108 / Educación Medicay Salud * Vol. 21, No. 2 (1987) o desenvolvimento de algumas formas de integraçao interdisciplinar irá se fundamentar muito mais nas atividades práticas do que nas teóricas. Assim, a própria proposta dos departamentos de medicina preventiva e social, enfatizando que os processos de formaaáo médica deveriamn sair dos limites das enfermarias para a comunidade-programas denominados extramurais-exigia urma participaçao de profissionais que conhecessem ou tivessem trabalhado em projetos de comunidade como assistentes sociais e cientistas sociais. O conhecimento sócio-antropológico das comunidades urbanas era de funclamental importancia para o levantamento de problemas sócio-médicos. Quando caracterizo esse período como de integraçao, o que estou fazendo, na prática, é dizer que o papel do cientista social náo se limitava a estabelecer a metodologia para o diagnóstico da comunidade mas, dentro do processo do ensino, acompanhar o estudante de medicina, juntamente com o médiico, e em alguns casos com o assistente social, em visitas domiciliares. O material coletado nessas visitas e que incluia nao só conhecimentos sobre questoes médicas conio sobre aspectos sociais, culturais e psicológicos dos componentes da familia, visava interligar várias disciplinas e levar a urm diagnóstico bio-psicossocial. A intenaáo era estender o conhecimento á comunidade, como um todo, e ás suas instituio5es. Além de ser um processo pedagógico visava a participaçao da co:munidade na busca da solucao para seus problemas. Dessa forma os programas extramurais aparecem como uma reaçáo ao ensino no hospital e, como analisa García (3): a "medicina comunitária" indica o desejo de que o estudante veja o paciente em seu ambiente social e a "medicina integral" reflete o interesse de reduzir a preponderancia concedida ao curativo no hospital". Esta inovaáao no currículo de Medicina, e que tinha origem em programas desenvolvidos nos Estados Unidos da América, seria alvo de análises críticas posteriores que apontaram, entre outras questoes, a impossibilidade de um único departamento (no caso, o de Medicina Preventiva e Social) arca.r nao somente com a responsabilidade de integraáao como, também, com a de criar "laboratórios" para a prestaçao de servicos e testar modelos de atenQao. A fase que irá suceder essa experiencia terá maior abrangencia e será conduzida no sentido de integrar o ensino de Medicina á rede de saúde existente nos diversos níveis: desde o da atenaáo primária á saúde até o nível da atencao terciária, passando pelo cuidado ambulatorial. Lembro que foi por volta de 1976 que se publicariam importantes trabalhos críticos sobre a questao da "Medicina Comunitária", que assumira características de um movimento para a reforma do servico de saúde. Situá-la no campo mais abrangente da prática da Medicinacomo forma de extensáo de serviços e prática simplificada--foi considerado como uma maneira de controlar, manipular e ordenar a co- Ci¿ncias sociais em saúde no Brasil / 109 munidade (4). Também o caráter político de sua emergencia e desenvolvimento seria evidenciado (5). Concomitantemente a essa imersao num trabalho de campo, o cientista social ingressava numa prática de ensino num ambiente que lhe era estranho-a escola de medicina-onde o seu saber era novidade. Assim, se os primeiros cursos eram extremamente "sociológicos", logo tiveram que se adaptar á realidade da escola de medicina. Em muitos casos a própria situaçao a ser enfrentada-a educaçao médica-seria objeto de reflexáo mais profunda: era imperativo conhecer os sujeitos sociais (os estudantes de medicina) objeto de nossas preocupaçSes educacionais. Urna associaçao que me ocorre neste momento é a referente a um campo de estudo que, embora tenha tido sua autonomia através de pesquisadores nao engajados no ensino, foi resultado da experiencia que o sociólogo desenvolveu no campo educacional-a sociologia da educaçao médica. Nos Estados Unidos da América, no final dos anos 50 e início da década de 60, pelo menos duas análises marcariam a busca de entendimento da escola de medicina como instituiçao social: uma dentro dos marcos teóricos do funcionalismo (6) e outra da interaçao simbólica (7). Cito essa área de pesquisa interdisciplinar pois um dos primeiros rompimentos com os esquemas de análise funcionalista, bem como a adoQao de um marco estrutural, ocorreria em uma pesquisa realizada em 1967 e publicada em 1972 onde era analisada a educaaáo médica na América Latina (3). Esse trabalho mostraria o exito das tentativas de implantar cursos de ciencias sociais nas escolas de medicina; cerca de 79% das escolas de medicina, com curso completo, haviam incorporado o tema. Deve-se lembrar que em muitas escolas de medicina a denominaçao ao campo que incorporava a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia era o de ciencias da conduta e nao ciencias sociais. Há dados demonstrando que em 1971 70% das escolas de medicina, de enfermagem, de odontologia e de saúde pública declaravam oferecer cursos que incluiam temas de ciencias sociais ou de comportamento em seus currículos (8). Uma pesquisa realizada em 1980/ 81 constatou que das 76 escolas de medicina existentes na ocasiao, 58% responderam ao questionário enviado e, destas, 59% declararam oferecer a disciplina de ciencias sociais quer ensinando as ciencias propriamente ditas ou somente temas referentes á área (9). O ano de publicaçao desse trabalho sobre a educaaáo médica também marcaria um momento importante, no que se refere a uma ánalise crítica dos marcos teóricos das ciencias sociais em saúde. E claro que a questáo de ensinar fundamentos de ciencias sociais a estudantes de medicina náo tinha a pretensáo de torná-los cientistas sociais. Porém, era necessário tentar uma convergencia de dois grupos de conhecimentos procedentes de campos distintos: a Medicina e as Ciéncias Sociais. Data desse momento a proposta de utilizar paradigmas proce- 110 / Educación Médicay Salud * Vol. 21, No. 2 (1987) dentes do campo mnédico e que facilitassem a incorporaaáo dos esquemas teóricos das ciencias sociais (10). Encontra-se nesse caso a "história natural da doença". Sua intenaáo de entender o processo da doença através das interrelaçoes entre o agente, o hospedeiro e o ambiente seria de ampla adoçao no campo rnédico e adaptada ao ensino das ciencias sociais. Ao modelo original incorporar-se-iam as variáveis psicológicas, sociológicas e culturais necessárias ás condutas a serem tomadas para a prevençao. Embora esse paradigma fosse visto como "soluáao transitória na área das ciencias sociais", seu uso tornou-se indiscriminado. Isso levou o próprio García, que havia desenvolvido a adaptaaáo desse modelo, a comentar: "A história natural da doença é um modelo típico para a aplicaçáo de conhecimentos que podem ser empregados como modelo educacional mas que náo se pode utilizar, sob nenhum conceito, corno modelo científico" (10). Segundo Arouca (2), quando o paradigma é convertido em modelo de aplicaçao para as ciencias sociais, ocorre simplesmente uma "nomeaçao do social". O social nao é um elemento explicativo ... "Assim, nao se pode negar que a história natural da doença nao se refira ao social mas, na medida em que o afirma também o nega pois, nilo especificando qual a sua determinaçáo, retira-lhe seu conteúdo". Ao abrir espaço para situar essa preocupaçao em elaborar um modelo de ensino que integrasse as ciencias sociais ao campo da saúde, cumpre lembrar que esta náo é uma questao acabada. Pode-se dizer que a primeira fase de integraçao das ciencias foi, sem dúvida, marcada por preocupaSces voltadas nitidamente para as questoes de ensino. Por outro lado, o período que vai das prirneiras propostas até os anos iniciais da década de 70 será profundamente enriquecido pela troca de idéias entre os docentes da área de ciencias sociais. Esse diálago, atrav,és de reuni5es e seminários internacionais, terá o apoio importante da Organizaaáo Pan-Americana da Saúde e de algumas fundao5es norte-americanas. O autor participou de muitos desses eventos podendo, assim, acompanhar as transformao5es pelas quais foi passando sucessivamente a área. Por exemplo, no seminário de 1972, em Cuenca, Equador, os participantes elaboraram uma análise crítica sobre as perspectivas teóricas que deveriam embasar as pesquisas e o ensino. A principal crítica que se faz, em termos teóricos, volta-se para a sociologia médica funcionalista que tivera em Talcott Parsons, desde os anos 50, seu maior representante quando analisou a prática da Medicina em seu tratado geral sobre os sistemas sociais. As críticas ao funcionalismo iráo assentar-se nas "limitao5es explicativas, nos desvios ideológicos e no parcelamento da realidade estudada" (6). De um modo geral, as interpretaçSes que se faziam das relaoSes entre a Medicina e a sociedade baseavam-se, especialmente, nas análises do hospital, nas funç5es de seu pessoal, nas relaçoes e conflitos entre os médicos e náo médicos. A avaliaaáo crítica da Ciencias sociais em saúde no Brasil / 111 integraçao das ciencias sociais no campo da Medicina conduziu a um modelo alternativo que deveria contemplar os seguintes aspectos: centrar-se na análise da mudança; incluir elementos teóricos que permitissem pesquisar a realidade em termos de suas contradio5es internas; permitir a análise tanto de níveis específicos da realidade como de níveis estruturais e as relacoes entre ambos (11). Esse momento abria, sem dúvida, um novo período para as relaoSes interdisciplinares que iriam se definir tanto ao nível da estruturaçao dos cursos de pós-graduaçao como ao do desenvolvimento de pesquisas da maior importancia e que marcariam com características específicas as ciencias sociais aplicadas á saúde na América Latina. IDENTIDADE E LEGITIMAÇAO Essa é a denominaçao dada por Mercer (12) ao período subseaquele em que a Sociologia e a Medicina ensaiaram seus primeiros quente de interrelaçoes e definiram os primeiros locais estabelecimento passos no de graduaçao em Medicina. Na quase totalidade cursos de trabalho-os dos casos, tanto sociólogos como médicos fizeram sua formacao vivenciando práticas conjuntas e conhecendo o material bibliográfico disponível. Nao existiam cursos de especializaçao ou de pós-graduaçáo, nem no Brasil nem em outros países latino-americanos, voltados exclusivamente para essas áreas. A formaçao em tais níveis somente era possível nos Estados Unidos da América ou na Europa. O autor, por exemplo, somente após alguns anos de atividade p8de completar e sistematizar sua formaaáo na área, na Universidade de Londres, com o curso de Sociologia Médica, um dos poucos oferecidos na Inglaterra. Pelos motivos apontados quando, em 1973, instalou-se no Rio de Janeiro o curso de Medicina Social, iniciou-se uma nova etapa no desenvolvimento dessa ciencia. As experiencias desenvolvidas na Bahia (curso de Saúde Comunitária) e no Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo foram também pioneiras para a integraçao das ciencias socias e da Medicina. Da mesma forma, o curso instalado no México em 1975 iria facilitar o acesso ao conhecimento das ciencias sociais em saúde para uma boa parte da América Latina assim como traçar rumos diversos daqueles estabelecidos nos cursos até entáo existentes, especialmente nos Estados Unidos da América. A proposta é analisar o processo saúde-doença, o saber médico e a prática médica como parte dinámica da formaçao sócioecon8mica e que encontra sua explicaçao dentro dela, ou seja, "sáo fatos históricos e sociais que nao podem ser desligados do processo histórico geral, ainda que conservem certa autonomia frente a ele" (13). 112 / Educación Médica y Salud * Vol. 21, No. 2 (1987) Sem dúvida, os cursos de pós-graduaaáo, a partir de 1975, passaram a ser importante fonte de produaáo científica e de difusao das ciencias sociais. Cabe mencionar aqui que alguns departamentos fora do campo específico de pós-graduaaáo em saúde também geraram algumas pesquisas importantes sobre saúde e que a clientela dos cursos realizados na Universidade do Rio de Janeiro e na Universidade de Sao Paulo era formada, desde sua criaaáo, exclusivamente de médicos 4 (anexo 1). Os cursos citados estavam especificamente direcionados á formaaáo de pessoal docente e de pesquisa porém há uma forte penetraçao das ciencias sociais nos cursos de especializaaáo em saúde pública e na residencia médica. Em 1982 já existiam no Brasil quatro centros de mestrado e doutorado, 15 cursos de especializaçao em saúde pública e nove cursos de residencia (14). Se for feita uma comparaQao com os 10 anos anteriores, onde a meta havia sido tentar estabelecer os cursos de ciencias sociais a nivel de graduaçao, pode-se ver que, a partir de 1975, é clara a perspectiva de fortalecimento da formaçáo de recursos a nível da pós-graduaaáo. Ainda que os limites deste trabalho nao permitam entrar numa análise sobre a produçao científica, alguns aspectos precisam ser abordados. Produçao latino-americana. Ao elaborar uma análise do longo período de 1950 a 1979, p6de-se constatar o seguinte quadro: Se na década de 60 a literatura que tratava da medicina tradicional, tendo como principal disciplina a Antropologia, ocupava o primeiro lugar, nos anos 70 essa posiaáo seria conquistada pela temática referente aos servicos de saúde, seguida de perto pelas pesquisas relativas ao processo saúde-doença. Nesses dois grupos de pesquisas será notável a contribuiaáo dada pelo referencial do materialismo histórico como esquema teórico básico (15). Producao brasileira. Alguns autores procuraram agrupá-las sob o conceito de saúde coletiva privilegiando, assim, a relaçao medicinasociedade tomando como conceito-chave a organizaaáo social da prática médica. Embora os estudos tenham se fixado muito mais em torno da prática de saúde, alguns trabalhos se destacaram na análise da questao saúde-doença. A autora de um desses trabalhos (16) destaca como linhas mestras de pesquisa, quatro grupos de quest5es: * * estado, políticas sociais, acumulaçáo e legitimidade; instituiçoes de saúde e organizaçao social da prática médica; 4 Com a criaçao da pós-gEraduaSco (mestrado e doutorado) na Universidade de Campinas, hoje existem nove cursos de mestrado e quatro de doutorado em Saúde Coletiva no Brasil (um na Bahia, quatro no Rio de Janeiro e oito em Sao Paulo). Desses cursos seis tem clientela multiprofissional e sete admitem somente médicos. Ciéncias sociais em saúde no Brasil / * * 113 capitalismo, processo de trabalho e reproduçao da força de trabalho e medicina comunitária nos movimentos sociais. Ao analisar o papel das instituiçoes que a partir de 1970 se dedicaram as investigao5es no campo das ciencias sociais em saúde ressalta que, por quase urna década, esse trabalho institucional teria um caráter coletivo e interdisciplinar. A partir de 1980 ocorreram mudanças: o trabalho se automatizou, os núcleos de pesquisas nao se descentralizaram e as relaç5es interinstitucionais também nao se concretizaram na medida de algumas propostas anteriores. Relatados esses dois momentos que se destacam na história das ciencias sociais em saúde, e que se estendem de 1960 até 1975 e de 1975 até hoje, tentarei, mesmo de forma geral, estabelecer algumas avaliao5es conclusivas. Acredito que a questáo do ensino de ciencias sociais ainda apresente alguns pontos críticos que devem ser revisados a fim de conseguir-se um grau maior de integraçao, especialmente na graduaçao, onde muitos óbices sáo decorrentes da própria orientaçáo das faculdades de medicina ao privilegiar uma formacáo técnica e biológica. Nesse nivel, a principal finalidade do ensino de ciencias sociais parece ser a análise crítica da questáo da saúde e a incorporaçáo dos conceitos básicos para a melhor compreensáo dos aspectos sociais da saúde. Já nos cursos de pós-graduaçao, além desse aspecto, as possibilidades de avanço sao maiores pois a incorporaçao do social poderá ser aliada mais facilmente a uma prática de campo (diagnósticos de saúde, pesquisas sobre práticas específicas de saúde, avaliaçao das políticas de saúde) nos cursos de especializaçao, de mestrados e de doutourados, para a geraçao de novos conhecimentos. Dois outros setores que poderáo propiciar também a integraaáo das ciencias sociais referem-se ás inovao5es curriculares e ás mudanças nos sistemas de atençao á saúde. No primeiro caso, buscando uma definiçao mais clara dos objetivos educacionais, das características dos profissionais e do tipo de treinamento necessário. Na questáo da atencáo á saúde, torna-se fundamental o enfoque das ciencias sociais, especialmente quando estas se orientam para a prática social da Medicina e para a formacao de especialistas em saúde coletiva. Como último ponto uma observaçao sobre a questáo da pesquisa, onde a integraçao do quadro conceitual das ciencias sociais muito progrediu. Dentro dos dois grandes campos de pesquisa -o processo saúde-doença e a prática em saúde- é que os pesquisadores vem buscando uma definiçáo da interdisciplinaridade. Após criticar a mono e a multicausalidade como explicao5es para o processo patológico, caminharam para urna compreensao mais rigorosa do social. A utilizaçáo de cate- 114 / Educación Médicay Salud * Vol. 21, No. 2 (1987) gorias como produQiio e reproduçáo social e a incorporaçao de categorias intermediárias como mercadoria, valor, trabalho, força de trabalho e classe, tem sido o grande salto qualitativo, redimensionando a investigaaáo. RESUMO Neste trabalho o autor traça, em linhas gerais, as origens e o desenvolvimento das ciencias sociais em saúde no Brasil, enfatizando o papel dos departamentos de medicina preventiva e social que ao incorporarem, nos anos 60, os aspectos sociais ao ensino de graduagiio nas faculdades de medicina, ensejaram a introduçao de temas e disciplinas das ciencias sociais. Situa, também, o ensino de pós-graduaaáo e traca considerao5es gerais sobre a pesquisa em ciencias sociais na área da saúde. Apresentado, originalmente, no Seminário sobre "O Cientista Social na Area da Saúde", no qual os participantes deveriam relatar sua experiencia pessoal, o trabalho procura situar alguns aspectos da experiencia do autor. THE SOCIAL SCIENCES IN THE HEALTH FIELD IN BRAZIL: HISTORY NOTES Summary In this work the author reviews, along general lines, the origins and development of the social sciences in the health field in Brazil, with emphasis on the part played by the departments of preventive and social :medicine, which extended the scope of undergraduate medical school instruction in the sixties to embrace social issues, and introduced the first subjects and disciplines of the social sciences. He also describes graduate jinstruction and makes general remarks on social science research in the health field. Originally presented at a Seminar on "The Social Scientist in the Health Field," where participants had to relate their personal experiences, the work tries to evaluate some aspects of the author's experience. REFERENCIAS 1 Ellison, J. Methods of sociomedical research. In: Freeman, H., Levine, S. e Reeder, L. G., Org. Handbook of medical sociology, 2a ed. 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