as densidades da cor branca as densidades da cor branca as densidades da cor branca andré boniatti 2 as densidades da cor branca (o livro das lendas reais) 3 4 as densidades da cor branca (o livro das lendas reais) 1ª edição, (do autor) 2012 5 6 andré boniatti 7 8 primeiro sonho: a lenda do nascimento da flor 9 10 “Há no firmamento Um frio lunar. Um vento nevoento Vem de ver o mar.” (Fernando Pessoa) 11 12 a primeira flor do mundo antes disso, o mundo era rocha; rocha e exatidão medida, como a medida do corpo em fase de efervescência... ...reticência. ninguém acreditara na forma (da pedra na rocha), nem os cupins, nem o carmim do chão e do sol (da pedra na rocha), e os anjos molharam as nuvens com 13 mel e suor; — o céu ainda era o éden, por hora. e nasceu Deus na consciência do homem e, do ponto central da pedra, nasceram bolhas de sabão que fumacearam ao céu como ao hélio. os senhores e as senhoras pasmaram! e uma formação pouco rochosa cravou os brotos por de dentro da rocha. 14 clara como o algodão-doce rosa era doce e determinava a necessidade da chuva do céu. (era a única flor que nascera agora no mundo.) o coração era rocha do broto da flor 15 houve a revolta das cores; mas tudo era pra ser cinza. o fogo, contanto, incendiara tudo, e todos gritavam, queimavam, doíam, — pela primeira vez no mundo a dor era absoluta e inexplicável. de repente, um dos homens cravou no peito por sobre o coração um punhal: 16 o sangue vermelho escorrido fizera-o perder o palor; a cor bordô das orelhas e da ponta do nariz no frio fizera-o a -inda cheio de sonhos. e a flor nasceu de novo, agora, da ponta dos dedos de um homem mortal. o vaso de estanho 17 a mulher do réu, a rainha, porque o rei era culpado em razão do caos, observou um vaso de estanho, que a mãe do réu, a rainha, ganhara no bingo das bruxas. fora a primeira observação alquímica para transformar a flor em ferro: o pecado mais grave do mundo. a primeira liberdade dos deuses a partir do nascimento da flor, 18 o mundo tornou-se estranho, e havia estranhamento por todos os lados, (de forma infame e assombrosa e intemperantemente nervosa). e, dos nervos da rocha, antes rocha, fizera-se assim o desejo, a rosa; e de todos os modos das bifurcações nervosas se aprendera a faltar, e a desejar com o olhar, e a não perdoar, e assim se aprendera a doer e a cantar. e assim se fizera ao homem 19 possível errar. a descoberta da ciência ...contanto, concebido o elemento químico da pólvora, tamborosamente, à rosa, já se havia criado o canhão: e pois que houve a guerra, em razão da única flor (sólida) nascida do centro da rocha, onde escondido 20 achava-se o fogo, achavam-se sonho, lava, sexo e calor. o homem dos dedos de flor mas o homem dos dedos de flor, que cravara o coração com a “faca”, tinha as mãos de buquê, e tinha lírios na boca. com isso, plantara sementes (no xaxim das ideias dos homens) erguendo, com o sangue vermelho, a esperança: 21 a densidade mais funda da cor. o dilúvio sobre as hastes do horizonte enegrecido a terra levantou-se em poeira, raivosa, a berrar, como aos murros e aos socos, e a engolir os astros e os rastros da luz e do céu. o vento embriagara-se e bêbado, e cambo, e sedento, varrera tudo como aos braços do abismo, ou de Deus — enraivecido. 22 a cor pura quando então a pureza deitara o seu véu (branco) sobre as fontes do encanto, por ventura ali passava a diligência da luz. mediante ela, a mansidão se tornou colorida, da reflexão do sol, queimando os olhos como brasa e anunciando, — embora os dedos não quisessem tocar: nascera o tempo d’o vento assoprar, e não mais parar. 23 o tempo do cais pr’aportar. de dentro das tumbas (a canção apaixonada) ouvi! a canção agora sua. a lua flutua (branca). ouvi! a fruta resulta oculta. não fiqueis deitados, não fiqueis enterrados, vinde à mansidão: ‘stão nascendo campos. verdejando 24 cores. não é mais hora de estarmos deitados. a terra criou-nos braços !estridentes! agora é tempo de o braço erguer fortalezas. colher o fruto, a terra dará o fruto, ouvi! são pássaros cor-de-paisagem. anus. unhas-de-gato. tesourinhas. quero-queros. sabiás! isso é o rio que corre no mato, aliás! são os sonhos da menina pureza, 25 ela deitou o manto! vinde! saí para fora das tumbas! acordai! ouvi! tem espadas cravadas no chão, creio que sejam para tomá-las. vinde, depressa. ouvi! talvez seja só hoje! a madrugada de ovo (o dia seguinte ao amanhã) os grilos madrugavam cor de ovo, 26 não brancos, cor de gema; dourada era a lua no céu. tudo era assim, da cor de ouro, como se se quebrasse a casca das aparências. como se se por dentro tudo transparecesse, real, igual no que é desigual. e a olhar de longe havia um ser enternecido de mil anos corridos, um profeta do cosmos febril. pusera-se, agora encarquilhado, a desdenhar o passado. sorriu. sabia que o sol amanhecia de novo, revigorosamente. 27 28 parte 2: lendas do mundo anterior o apêndice 29 30 as estrelas do céu Fez, pois, Deus o firmamento, e separou as águas que estavam debaixo do firmamento das que estavam por cima do firmamento. E assim foi. (Gênesis, 1:7) no tempo em que não havia maldade, as borboletas que avoavam o céu, um dia, decidiram colorir o mar negro da noite. — suicídio! assim indicou um comum. pois quando as borboletas, caídas na água, banhavam suas asas perdiam sua 31 força. não podiam voar. mas subiram em bando, eram brancas e amarelas, e colaram-se às águas do céu: e foi assim que se nasceram as estrelas, que nos fazem sonhar. 32 os instintos vazios depois que o sonho foi firmado e que o sol passou a brilhar todas as manhãs, a terra queria brotar o sentido; o sentido mais íntimo: o de nascser. pois que naquele momento só o nascer salvaria o mundo da vaziez de sentido: a morte. 33 e a natureza despiu-se de seus instintos vazios. tornou -se mulher. 34 os peixes do ar ou o primeiro conflito os peixes, naquele tempo, moravam no céu, porque as nuvens eram cheias; e no chão não fazia água nem chuva. as barbatanas eram asas, a espinha era oca, e as guelras respiravam (no ar), às brânquias das nuvens , as águas celestes. 35 mas a terra, que era vazia, queria (ambicionadamente) os peixes pra si, e foi que, do centro da rocha, de dentro do miolo, fez queimar o calor causando o derretimento aos rios. as nuvens inchadas começaram a tremer (os vapores da terra as fizeram raivosas), e os peixes, de medo, mergulharam como planos descidos 36 águias gaivotas se escondendo onde os pingos nem os riscos de raios do céu jamais poderiam medrar. e a terra alcançou suas vaidades nascendo flores no m ar. 37 38 os ovos em flor quando um dia, da inveja entre os peixes, um espécime roubou os ovos botados dos outros e enterrou-os em fossos de areia e de terra, fora d’água, e d’água fez barro, e fechou; à semente, chocaram-se coisas insanas, como ao caos e à confusão. 39 e foi assim que os homens nasceram e todas as plantas e os corpos terrestres, e, por isso, no fim, hoje, tudo volta a ser água: tudo é capaz de voar, liquidamente; tudo é capaz de nadar. 40 41 as densidades da cor branca andré boniatti 2012 42