Os Três Últimos Dias de Fernando Pessoa Diaporama de Luís Aguilar e Vitália Rodrigues Concebido a partir do livro 1 Antonio Tabucchi Nasceu a 24 de setembro de 1943 em Pisa e morreu em 25 de março de 2012, em Lisboa, o mais português de todos os escritores italianos e o mais italiano de todos os escritores portugueses, dando assim razão a Kafka quando diz que toda a literatura é um assalto contra as fronteiras. 2 Antonio Tabucchi No regresso de uma estadia em Paris, compra por acaso na Gare de Lyon uma coletânea de textos de Pessoa e lê o famoso poema Tabacaria. Do desassossego que o poema lhe provocou vai para Lisboa e apaixona-se pelo país do Fado, onde se casa com uma portuguesa, Maria José de Lancastre, e aprenderá a língua e a cultura portuguesas para as ensinar em Itália. 3 Antonio Tabucchi Em 2004 obtém a dupla nacionalidade, a italiana e a portuguesa. Acaba por se tornar no tradutor e especialista de um dos maiores escritores portugueses e europeus, Fernando Pessoa, sendo autor do ensaio Uma Mala Cheia de Pessoas e Os três Últimos Dias de Fernando Pessoa, por entre três dúzias de obras e inúmeras traduções. 4 Antonio Tabucchi A obra que iremos neste diaporama resumir, Os Três Últimos Dias de Fernando Pessoa, foi representada, aqui, em Montreal, em 1997, com grande êxito, pelo Teatro Ubu de Denis Marleau. 5 Personagens que aparecem nesta obra 6 FERNANDO PESSOA Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em 13 de junho de 1988 em Lisboa. Filho de Magdalena Pinheiro Nogueira e de Joaquim de Seabra Pessoa, crítico musical num jornal da cidade. O seu pai, doente de tuberculose, morreu quaando Fernando Pessoa tinha cinco anos. A sua avó paterna, Dionísia, sofria de uma doença grave, uma espécie de loucura e morreu num asilo. Em 1895 foi viver para Durbun na África do Sul, pois a mãe voltara a casar com o cônsul de Portugal na África do Sul. Toda a sua escolaridade foi feita em inglês. Regressou a Portugal para se increver na universidade mas não prosseguiu estudos. Viveu sempre em Lisboa. No dia 8 de março de 1914 apreceu-lhe o seu primeiro heterónimo, Alberto Caeiro, a quem lhe sucederam Ricardo Reis e Álvaro de Campos. 7 FERNANDO PESSOA Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em 13 de junho de 1988 em Lisboa. Filho de Magdalena Pinheiro Nogueira e de Joaquim de Seabra Pessoa, crítico musical num jornal da cidade. O seu pai, doente de tuberculose, morreu quaando Fernando Pessoa tinha cinco anos. A sua avó paterna, Dionísia, sofria de uma doença grave, uma espécie de loucura e morreu num asilo. Em 1895 foi viver para Durbun na África do Sul, pois a mãe voltara a casar com o cônsul de Portugal na África do Sul. Toda a sua escolaridade foi feita em inglês. Regressou a Portugal para se increver na universidade mas não prosseguiu estudos. Viveu sempre em Lisboa. No dia 8 de março de 1914 apreceu-lhe o seu primeiro heterónimo, Alberto Caeiro, a quem lhe sucederam Ricardo Reis e Álvaro de Campos. 8 ÁLVARO DE CAMPOS Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no Algarbe a 15 de outubro de 1890, tendo feito o curso de engenheiro naval em Glasgow. Viveu em Lisboa sem nunca exercer a profissão. Fez uma viagem ao Oriente num transatlântico ao qual dedicou o seu poema Opiarium. Foi poeta decadente, futurista, avant-gardiste, niilista. Em 1928, escreveu o poema mais belo do século, Tabacaria. 9 ALBERTO CAEIRO Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no Algarve a 15 de outubro de 1890, tendo feito o curso de engenheiro naval em Glasgow. Viveu em Lisboa sem nunca exercer a profissão. Fez uma viagem ao Oriente num transatlântico ao qual dedicou o seu poema Opiarium. Foi poeta decadente, futurista, avant-gardiste, niilista. Em 1928, escreveu o poema mais belo do século, Tabacaria. 10 Os Três Últimos Dias de Fernando Pessoa de Antonio Tabucchi traduzido do francês e adaptado por Luís Aguilar Desenhos de Júlio Pomar Os Três Últimos Dias de Fernando Pessoa de Antonio Tabucchi traduzido e adaptado por Luís Aguilar Desenhos de Júlio Pomar 13 FERNANDO PESSOA - Antes de tudo o mais, preciso de fazer a barba. A última fotografia de Fernando Pessoa, em 1935, feita pelo seu amigo Augusto Ferreira Gomes. PORTEIRA - Mas, senhor Pessoa o táxi já está à sua espera, na porta de entrada. FERNANDO PESSOA - E que importância tem isso agora? Não me levam daqui com uma barba de três dias. Chame o barbeiro, por favor. A barbearia Seixas do senhor Menacés 14 NARRADOR O táxi passa diante da Basílica da Estrela e Pessoa olha a sua cúpula barroca, através do vidro. Foi aí Basílica da Estrela perto, no Jardim da Estrela, que Pessoa, anos antes, se encontrara com Ofélia Queiroz, seu único grande amor. Num banco do Jardim da Estrela eles trocavam beijos, beijinhos tímidos e faziam promessas de amor eterno. Jardim da Estrela FERNANDO PESSOA - A minha vida foi muito mais forte do que eu, meu amor. Perdoa-me Ofélia, mas eu tinha de escrever, eu não podia fazer outra coisa senão escrever. Ophélia Queiroz 15 NARRADOR O táxi passava diante do Parlamento, depois percorria a Calçada do Combro. Fernando Pessoa também morou, em tempos, nesse canto da cidade, num quarto Parlamento alugado. Assim que chegaram à Rua Luz Soriano, um polícia, mandou-os parar. POLÍCIA (COELHO PACHECO) - Por aqui não podem passar. A rua está ocupada por uma manifestação nacionalista e com tudo o que uma festa dessas impõe. Mas os senhores podem fazer um Rua Luz Soriano pequeno desvio e prosseguir o vosso caminho pelo Bairro Alto. 16 Bairro Alto NARRADOR Pessoa sorriu ao reconhecer o polícia, que era Coelho Pacheco, um heterónimo raro, alguém que escrevera poesia sombria e visionária de estilo neogótico. O táxi seguiu a sua marcha, depois de Pessoa e Coelho Pacheco se terem saudado com gestos esotéricos. Chegados ao hospital, feitas as despedidas dos amigos que o acompanharam, cumpridas as formalidades e de o médico que o assistiu ter escrito na sua ficha medical, crise hepática, Fernando Pessoa foi conduzido por uma enfermeira ao quarto número 4 do Hospital de São Luís dos Franceses. O Hospital de São Luís dos Franceses – o mesmo quarto onde morreram em 30/11/1935 Fernando Pessoa e em 14/06/1970 Almada Negreiros 17 FERNANDO PESSOA - Que horas são? ÁLVARO DE CAMPOS - É quase meia-noite: a hora ideal para encontrar-te. É a hora dos fantasmas. Fernando Pessoa FERNANDO PESSOA - Porque vieste aqui? ÁLVARO DE CAMPOS - Porque, se tu vais partir, eu gostaria que antes disso falássemos de algumas coisas que temos para dizer um ao outro. Eu não te sobreviverei. Terei de partir contigo e antes de mergulhar na obscuridade temos muito que falar. . FERNANDO PESSOA - E o que tens tu, ainda, andado a fazer. Álvaro de Campos 18 ÁLVARO DE CAMPOS - Mas, meu caro Pessoa, que grande surpresa. Reparo que não me tratas por engenheiro. Aprecio esse tom mais familiar. FERNANDO PESSOA - Admiras-te com o meu tratamento familiar? Nada mais evidente: tu entraste pela minha vida adentro, Álvaro de Campos substituíste-me e, sobretudo, fizeste com que a minha relação com a Ofélia terminasse. ÁLVARO DE CAMPOS - Fi-lo para teu bem. Essa rapariguita emancipada nunca poderia convir a um homem como tu. Seria um casamento fracassado. E sabes que mais, todas essas cartas de amor que lhe escreveste são ridículas. Tudo somado, eu salvei-te do ridículo. Espero que me estejas Fernando Pessoa reconhecido. 19 FERNANDO PESSOA - Mas eu amei-a. ÁLVARO DE CAMPOS - De um amor ridículo. Fernando Pessoa FERNANDO PESSOA -É bem possível! E tu? Fernando Pessoa e Álvaro de Campos ÁLVARO DE CAMPOS - Escrevi um soneto que nunca te mostrei. Fala de um amor que te vai chatear, pois ele foi dedicado a um jovem rapaz que eu amei e que me amou, em Inglaterra. Foi depois desse soneto que nasceu a lenda dos teus amores recalcados e quando isso se souber será o gáudio para certos críticos. FERNANDO PESSOA - Tu amaste verdadeiramente alguém? 20 ÁLVARO DE CAMPOS Sim, amei alguém intensamente. FERNANDO PESSOA Se assim é, eu absolvo-te. Absolvo-te, já que sempre acreditei que na tua vida tinhas amado apenas a teoria. ÁLVARO DE CAMPOS Eu também amei a vida e se nas minhas odes futuristas furiosas fiz poemas niilistas e destrui tudo à minha volta, incluindo eu próprio, quero que saibas que eu também amei. Amei com uma dor bem real. FERNANDO PESSOA Se assim foi, absolvo-te. Vai com os deuses eternos Álvaro. Se tu tiveste nem que fosse um só amor estás absolvido, porque isso fez de ti um ser humano. 21 ÁLVARO DE CAMPOS Álvaro de Campos - Sabes uma coisa Fernando? Tenho saudades do tempo em que era um poeta decadente. Do tempo em que viajei num paquete, pelos mares do Oriente. Nessa altura, era capaz de escrever versos à lua e confesso-te: numa noite, no momento em que havia um baile a bordo, a lua estava tão teatral que me pertencia. Mas nesses tempos eu era tão estúpido que ironizava a vida em vez de gozá-la. E foi desse modo que desperdicei a ocasião e a vida escapou-se-me. FERNANDO PESSOA E depois? Fernando Pessoa ÁLVARO DE CAMPOS - Depois, comecei a querer à viva força decifrar a realidade como se a realidade fosse decifrável e foi então que o desencorajamento chegou e, com ele, o niilismo. Depois deixei de acreditar no que quer que fosse, nem mesmo em mim. Hoje, aqui estou à tua cabeceira como um trapo inútil. Fiz as malas para nenhures e o meu coração não passa de um vaso vazio. Bom, meu caro Pessoa, foi tudo isto que eu tinha vontade de dizer-te, neste momento em que nos vamos deixar. Tenho de partir. Os outros também virão aqui encontrar-se contigo e tu 22 olha não tens muito tempo. Adeus. Morreu Fernando Pessoa. Mal acabei de ler a notícia no jornal, fechei a porta do consultório e meti-me pelos montes a cabo. Fui chorar com os pinheiros e com as fragas a morte do nosso maior poeta de hoje, que Portugal viu passar num caixão para a eternidade, sem ao menos perguntar quem era. Miguel Torga In Diário I (3 de Dezembro de 1935) 23 Fernando Pessoa, culturalmente considerado, não será muito mais poeta nacional deste século do que Camões? Miguel Torga 24 E o Poeta morreu. A sombra do cipreste pôde enfim Abraçar o cipreste. O torrão Caiu desfeito ao chão Da aventura celeste. Nenhum tormento mais, nenhuma imagem (No caixão, ninguém pode Fantasiar). Pronto para a viagem De acabar. Só no ouvido dos versos, Onde a seiva não corre, Uma rima perdura A dizer com brandura Que um Poeta não morre. Túmulo de Fernando Pessoa no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa Ninguém antes tinha realizado o milagre de criar de raiz um Portugal feito de versos. Miguel Torga 25 Diaporama Conceção e pesquisa de Vitália Rodrigues e Luís Aguilar Abril de 2012 26