Adesão de Empresas de Capital Aberto aos Comitês de Auditoria: um Estudo Empírico
sobre Boas Práticas de Governança Corporativa
Autoria: Marcos José Araújo dos Santos, Leonardo Barboza Pinheiro, Frederico Antônio Azevedo de Carvalho
RESUMO: Os comitês de auditoria representam uma boa prática de governança corporativa
que ganhou relevância no Brasil em 2002 com a publicação da Lei Sarbanes-Oxley nos EUA,
elaborada por conta dos sucessivos escândalos corporativos envolvendo fraudes contábeis
naquele país. O objetivo deste artigo é verificar o nível de adesão das companhias brasileiras
de capital aberto aos comitês de auditoria. Para tal, utilizaram-se as informações disponíveis
no anuário de governança corporativa de 2012 publicado pela Revista Capital Aberto.
Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa. Os resultados evidenciam
que 46,5 % das empresas da amostra aderiram aos comitês de auditoria.
1
1 INTRODUÇÃO
A formação dos comitês de auditoria é um assunto recorrente nas pautas dos conselhos
de administração das empresas que ainda não implantaram o órgão e estão engajadas com as
boas práticas de governança corporativa. Especificamente no Brasil, esse tema ganhou
relevância a partir de 2002 com a publicação nos Estados Unidos da Lei Sarbanes-Oxley
(SOX), onde as empresas que possuíam vinculação com o mercado americano, ou seja,
aquelas emissoras de American Deposity Receipts (ADR) tiveram que constituir comitês de
auditoria ou órgãos equivalentes dentro de suas estruturas organizacionais. A SOX foi
publicada por conta das sucessivas ondas de escândalos corporativos envolvendo fraudes
contábeis em renomadas companhias americanas, como Enron, WorldCom, Tyco, entre
outras.
Com relação aos órgãos equivalentes, a Securities and Exchange Commission (SEC),
entidade similar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), permitiu que os conselhos fiscais
das empresas brasileiras pudessem desempenhar as funções previstas para os comitês de
auditoria. Para tal, os órgãos tiveram que incorporar às suas responsabilidades as atribuições
dos comitês definidas na SOX. Os conselhos fiscais que apresentavam essa dupla
“identidade” passaram a ser denominados no mercado de capitais brasileiro como conselhos
fiscais “turbinados” ou “adaptados”.
Inicialmente, a adesão de empresas brasileiras aos comitês estava vinculada com a
questão legalista imposta pelos EUA. Hoje, os comitês de auditoria são órgãos recomendados
pela CVM e pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), independente dos
mercados de atuação das companhias, configurando como uma das melhores práticas de
governança. Os comitês de auditoria contribuem para minimizar os conflitos de agência, fruto
da assimetria informacional existente entre o principal (proprietários das empresas) e agente
(profissionais contratados pela administração que deveriam atuar em favor dos proprietários).
Nesse contexto, transcorrido pouco mais de uma década da publicação da SOX,
apresenta-se a questão de pesquisa norteadora deste artigo: qual o nível de adesão das
companhias brasileiras de capital aberto aos comitês de auditoria?
Sendo assim, o objetivo do artigo é verificar o nível de adesão das companhias
brasileiras de capital aberto aos comitês de auditoria. Para consecução do objetivo, utilizou-se
as informações disponibilizadas no anuário de governança corporativa de 2012 publicado pela
Revista Capital Aberto, contendo as principais práticas adotadas pelas 99 empresas emissoras
das ações mais líquidas da BM&FBovespa. Tendo em vista a possibilidade de utilização de
órgãos equivalentes aos comitês de auditoria pelas empresas emissoras de ADR, o artigo
também analisa de forma sucinta a presença desses órgãos nas estruturas das companhias
amostradas.
O presente estudo, além do seu objetivo, aborda questões normativas, como atos
emanados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pela CVM associados ao tema
proposto. A relevância da pesquisa reside em evidenciar e estimular as boas práticas de
governança corporativa, mais especificamente a constituição dos comitês de auditoria.
O artigo está estruturado em cinco seções contando com esta introdução. A segunda
seção apresenta o referencial teórico vinculado à formação dos comitês de auditoria. Em
seguida, aborda-se a metodologia empregada na pesquisa para consecução do objetivo
proposto. Na quarta seção é feita a análise dos resultados e, por fim, são apresentadas as
considerações finais.
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2 REFERENCIAL TEÓRICO
A revisão de literatura desta pesquisa apresenta três subseções: a teoria da agência
como ponto de partida para o desenvolvimento da governança nas empresas; os aspectos
conceituais e os princípios de governança corporativa; e o comitê de auditoria associado às
boas práticas de governança.
2.1 Teoria da Agência
No início da evolução histórica empresarial, as companhias eram administradas pelos
seus fundadores e descendentes, ou seja, possuíam uma estrutura essencialmente familiar.
Com o passar do tempo, a crescente complexidade e a globalização dos negócios exigiram
que a administração corporativa ficasse a cargo de gestores profissionais (administradores),
originando, assim, uma relação de agência entre os proprietários e os administradores.
De acordo com Jensen e Meckling (1976, p. 308) a relação de agência é definida como
“[...] um contrato sob o qual uma ou mais pessoas (o principal) contratam outra pessoa (o
agente) para desempenhar alguma tarefa em seu favor, envolvendo a delegação de autoridade
para tomada de decisão pelo agente”. A partir das relações entre o principal e o agente surgem
os conflitos de agência, tendo em vista que os interesses dos proprietários e administradores
nem sempre convergem para os mesmos objetivos. Nesse contexto, Jensen e Meckling (1976,
p.308) afirmam que “se ambas as partes do relacionamento são maximizadoras de utilidade,
existe uma boa razão para acreditar que o agente nem sempre agirá de acordo com os
melhores interesses do principal”. Para Kayo e Famá (1997, p. 2), “a suposição de que o
administrador deva agir sempre em benefício do proprietário é simplista e esconde vieses de
comportamento do administrador que podem prejudicar a empresa”.
Na visão de Rozo (2003), a teoria da agência trata de questões resultantes dos conflitos
de interesse de uma relação contratual, formal ou informal, quando as partes da relação
possuem informações assimétricas. De acordo com Iudícibus e Lopes (2008), os problemas da
assimetria informacional entre o principal e o agente agravam os conflitos de agência.
A relação entre principal e agente é destacada por Matias-Pereira (2010, p.18) ao
recordar que “a teoria da agência não se refere somente à relação entre proprietário/acionista e
administradores/gestores. Na verdade, essa relação de agência pode ser estabelecida entre
diversos tipos de principal e agente”. Por essa visão, a ideia simplificada de conflito entre
proprietários e administradores se estende para todos os níveis de uma organização, em que os
papéis desempenhados, principal ou agente, variam de acordo com as circunstâncias.
Com o intuito de minimizar os conflitos de agência, surge a governança corporativa e
as suas boas práticas, consolidando a sua devida importância no cenário empresarial. No caso
do mercado brasileiro, as boas práticas de governança são estimuladas e recomendadas por
órgãos como a CVM e o IBGC. A próxima subseção apresenta os conceitos e princípios de
governança corporativa disseminados pela literatura.
2.2 Aspectos Conceituais e Princípios de Governança Corporativa
A terminologia governança corporativa apresenta diversos significados que são
orientados de acordo com os diferentes contextos e dimensões de análise. Apesar da
diversidade conceitual, os princípios norteadores das boas e melhores práticas de governança
disseminados pela literatura são convergentes.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa [IBGC] (2009, p.19) estabelece que
a governança corporativa “é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas, monitoradas e
incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração,
3
Diretoria e órgãos de controle”. Ainda de acordo com o IBGC (2009), os princípios básicos da
governança corporativa são: transparência, equidade (caracterizada pelo tratamento justo de
todos os stakeholders), prestação de contas (accountability) e reponsabilidade corporativa
(associada à sustentabilidade das organizações).
Para a Comissão de Valores Mobiliários [CVM] (2002, p. 1), “Governança
Corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma
companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e
credores, facilitando o acesso ao capital”. Os princípios defendidos pela CVM (2002) são:
transparência, equidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas.
No contexto internacional, o Cadbury Committee de origem inglesa realizou os
primeiros esforços para codificar um manual de boas práticas de governança, definindo
governança corporativa como o “sistema pelo qual as empresas são dirigidas e controladas”.
(Cadbury Committee, 1992, p.15). Além do comitê inglês, o International Monetary Fund –
IMF (americano) e o Chartered Institute of Public Finance and Accountacy - CIPFA (inglês)
elencam a transparência, a integridade e a accountability como princípios norteadores da boa
governança (Cadbury Committee, 1992; CIPFA, 1995; & IMF, 1997).
Além dos conceitos dos órgãos supracitados, a Figura1 apresenta as definições
propostas por estudiosos para a expressão governança corporativa:
Autores
Monks e Minow (1995)
Shleifer e Vishny (1997)
Hitt, Ireland e Hoskisson (1999)
Carvalho (2002)
Silveira (2002)*
Andrade e Rossetti (2004)
Santos (2004)
Definição de Governança Corporativa
Conjunto de leis e regulamentos que visam: (a) assegurar os direitos dos
acionistas das empresas, controladores ou minoritários; (b) disponibilizar
informações que permitam aos acionistas acompanhar decisões
empresariais impactantes, avaliando o quanto elas interferem em seus
direitos; (c) possibilitar aos diferentes públicos alcançados pelos atos das
empresas no emprego de instrumentos que assegurem a observância de
seus direitos; (d) promover a interação dos acionistas, dos conselhos de
administração e da direção executiva das empresas.
Conjunto de mecanismos pelos quais os fornecedores de recursos garantem
que obterão para si o retorno sobre o seu investimento.
É uma relação entre os stakeholders, a qual é usada para determinar e
controlar o desempenho e a direção estratégica das organizações.
Pode ser descrita como os mecanismos ou princípios que governam o
processo decisório dentro de uma empresa, visando minimizar os
problemas de agência.
Conjunto de mecanismos internos e externos que visam harmonizar a
relação entre gestores e acionistas, dada a separação entre controle e
propriedade.
Conjunto de valores, princípios, propósitos e regras que rege o sistema de
poder e os mecanismos de gestão das corporações, buscando a
maximização da riqueza dos acionistas e o atendimento dos direitos de
outras partes interessadas, minimizando oportunismos conflitantes com
este fim.
Capacidade de controlar o comportamento dos agentes de uma
organização, fazendo com que os recursos dessa organização sejam
mobilizados e aplicados de forma eficaz e eficiente e sob níveis de risco
adequados para o cumprimento da missão e dos objetivos requeridos pelos
acionistas e outros participantes relevantes.
Figura 1. Definições de governança corporativa
Fontes: Adaptado de Slomski, V., Mello, G. R., Tavares, F., Filho, & Macêdo F. Q. (2008). Governança corporativa e
governança na gestão pública (pp. 6-7). São Paulo: Atlas.
*Silveira, A. D. M. (2002). Governança corporativa, desempenho e valor da empresa no Brasil (pp. 1-2). Dissertação de
mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
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Dessa forma, apesar da diversidade de conceitos para o termo governança corporativa,
observa-se que os princípios basilares convergem para os seguintes atributos: transparência,
prestação de contas (accountability), integridade e equidade. A próxima subseção destaca a
formação do comitê de auditoria como uma boa prática de governança corporativa.
2.3 Comitê de Auditoria: Uma Boa Prática de Governança
A implementação de mecanismos de controle interno nas organizações como os comitês
de auditoria é sustentada pela teoria da agência (Santos, 2009; Souza, 2010).
No Brasil, os comitês de auditoria são órgãos relativamente recentes, pois ganharam
destaque a partir de 2002, mas, historicamente, sua existência remonta o final da década de
30. De acordo com Santos (2009), o primeiro conceito de comitê de auditoria foi aprovado em
1939 pela New York Stock Exchange (NYSE) e, em 1940, a SEC já recomendava a criação dos
comitês de auditoria composta por membros independentes.
Transcorridos mais de 60 anos da recomendação da SEC, a constituição de comitês de
auditoria ou de órgãos equivalentes se tornou obrigatória nos EUA com a publicação do
Sarbanes-Oxley Act de 2002, também conhecido como Public Company Accounting Reform
and Investor Protection Act ou SOX. O dispositivo legal foi criado com o intuito de
reestabelecer a credibilidade do mercado de capitais americano por conta dos escândalos
corporativos oriundos de fraudes contábeis e financeiras, evidenciando a fragilidade dos
mecanismos de controle interno de grandes empresas americanas, como Enron, WorldCom,
Tyco, entre outras. Com a SOX, o tema comitê de auditoria ganhou relevância no meio
empresarial internacional, pois as regras e condutas a serem seguidas englobavam todas as
empresas com ações negociadas no mercado americano, ou seja, as emissoras de American
Deposity Receipts - ADR.
Especificamente para as empresas brasileiras emissoras de ADR, a SEC mediante
solicitação prévia da CVM e da Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA)
permitiu a utilização dos conselhos fiscais como órgãos equivalentes aos comitês de auditoria
em 2003. No mercado de capitais brasileiro esses órgãos ficaram conhecidos como os
conselhos fiscais turbinados (Furuta & Santos, 2010).
A SEC estipulou o prazo de 31 de julho de 2005 para a adequação das empresas
estrangeiras à seção 301 da SOX. Essa seção elenca as responsabilidades do comitê de
auditoria e o define como um órgão estabelecido e composto por membros do conselho de
administração de um emissor de ADR. As principais atribuições elencadas na seção 301 da
SOX (2002) são: (a) criar mecanismos para receber, processar e tratar denúncias, anônimas ou
não, relativas às questões contábeis, de controle interno e de auditoria, garantindo a
confidencialidade dos denunciantes; (b) avaliar a contratação e remuneração dos auditores
independentes, acompanhando os seus trabalhos; (c) resolver os conflitos existentes sobre os
relatórios financeiros entre a administração e os auditores independentes; (d) analisar o
processo de gerenciamento de riscos e controles internos da empresa; e (e) pré-aprovar os
serviços de auditoria.
Outro assunto relevante tratado na seção 301 da SOX é a questão da independência dos
membros do comitê de auditoria:
(3) INDEPENDÊNCIA
(A) GERAL - Cada membro do comitê de auditoria do emissor deve ser um membro do seu
conselho de administração, e ser independente.
(B) CRITÉRIO - A fim de ser considerado independente para os propósitos deste parágrafo,
um membro do comitê de auditoria de um emissor não deve, a não ser por sua competência
como membro do comitê de auditoria, do conselho de administração, ou de qualquer outro
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comitê assessor: (i) aceitar qualquer tipo de compensação da empresa emissora por
consultorias e assessorias; e (ii) ser uma pessoa afiliada do emissor ou de qualquer de suas
subsidiárias.
(C) ISENÇÃO A Comissão pode isentar dos requisitos do parágrafo (B) um determinado
relacionamento referente aos membros da comissão de auditoria, caso a Comissão considere
adequado à luz das circunstâncias (SOX, 2002).
Verifica-se que o comitê de auditoria previsto pela SOX preza pela independência dos
membros, com intuito de minimizar os conflitos pessoais que possam estar vinculados às
atividades da empresa.
No contexto brasileiro, as empresas que optaram pela escolha dos conselhos fiscais
turbinados acumularam as atribuições previstas na Lei n. 6404/1976 (Lei das S.A.) e na SOX.
De acordo com o artigo 163 da Lei n. 6404 (1976), as principais competências do conselho
fiscal são: (a) fiscalizar os atos da administração, verificando o cumprimento dos deveres
legais e estatutários; (b) opinar sobre o relatório anual da administração; (c) opinar sobre as
propostas econômico-financeiras da administração; (d) denunciar, aos órgãos de
administração, erros, fraudes ou crimes, sugerindo as devidas providências; e (e) analisar e
examinar balancetes e demonstrações financeiras elaboradas pela companhia. Constata-se que
antes mesmo da publicação da SOX, o país já havia normatizado na década de 70 a criação de
um órgão independente nas estruturas de governança das empresas brasileiras. Apesar de o
conselho fiscal turbinado ser uma alternativa ao comitê de auditoria, a independência
requerida dos membros constituintes permanece como um dos desafios a serem superados
pelas companhias brasileiras. A adaptação do conselho para se transformar em um órgão de
assessoramento do conselho de administração fragiliza a principal característica do conselho
fiscal prevista na Lei das S.A.: a sua independência.
A evolução e complexidade dos mercados acionários despertaram nas entidades
regulatórias do país a necessidade da disseminação de práticas de governança requeridas no
contexto internacional. Como exemplo, o Banco Central do Brasil (BACEN) exigiu a
implantação dos comitês de auditoria nos conglomerados financeiros brasileiros a partir de
2003. Atualmente, a implementação dos órgãos em instituições financeiras é regulada pela
resolução CMN n. 3198 (2004), que trata de assuntos como o volume financeiro a partir do
qual a entidade é obrigada a formar o comitê, além de questões vinculadas à independência
dos membros constituintes.
Recentemente, em 2011, a CVM formulou a instrução n. 509 estimulando a criação dos
comitês de auditoria estatutários (CAE) nas companhias brasileiras, independentemente dos
setores de atuação das mesmas. De acordo com a instrução CVM n. 509 (2011), as empresas
que instalarem e mantiverem o CAE nas condições definidas pela norma poderão contratar a
mesma firma de auditoria independente por 10 anos consecutivos. O prazo de rodízio dos
auditores independentes é de 5 anos para as empresas que não possuem o CAE. As atribuições
do CAE são: (a) opinar sobre a contratação e destituição do auditor independente para a
elaboração de auditoria externa independente ou para qualquer outro serviço; (b)
supervisionar e avaliar as atividades dos auditores independentes; (c) monitorar a qualidade e
integridade dos mecanismos de controles internos e das demonstrações financeiras da
companhia; e (d) avaliar e monitorar as exposições de risco da companhia. Alinhado à CVM,
o IBGC (2009) recomenda no seu código de melhores práticas de governança corporativa a
instituição do comitê de auditoria como órgão fortalecedor do controle interno das empresas.
Apesar do estímulo da CVM e da recomendação do IBGC para criação dos comitês,
Furuta e Santos (2010) afirmam que não existe um consenso entre os analistas de mercado e
executivos se o conselho fiscal turbinado é mais adaptável que o comitê de auditoria à
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realidade praticada no modelo de negócios brasileiro e se as funções dos dois órgãos são
distintas, evidenciando que a situação não é pacífica nos bastidores do mercado brasileiro.
Diferentemente dos EUA, observa-se que no Brasil a opção de aderir ou não ao comitê
de auditoria ficou a cargo das companhias, com exceção das instituições financeiras que são
regidas pela resolução CMN n. 3198 (2004). Segundo Furuta e Santos (2010), o nível de
governança corporativa foi um dos fatores que mais influenciou a decisão das companhias que
formaram os comitês de auditoria. Para Owolabi e Dada (2011), o comitê de auditoria eficaz
além de melhorar o nível de governança corporativa, gera relatórios financeiros confiáveis
para as decisões de investimento e formulação de políticas empresariais.
Dessa forma, observa-se que a formação dos comitês de auditoria representa uma das
boas práticas de governança corporativa e, consequentemente, uma tendência a ser seguida
pelas empresas que se destacam e que pretendem se diferenciar nos assuntos relacionados à
governança.
3 METODOLOGIA
Metodologia é a forma global de conduzir o processo de desenvolvimento da pesquisa,
começando na revisão de literatura indo até a coleta e análise dos dados (Collis & Hussey,
2005).
O estudo é classificado quanto aos fins como uma pesquisa descritiva. De acordo com
Vergara (2011), a pesquisa descritiva é aquela que “expõe características de determinada
população ou de determinado fenômeno”. Quanto aos meios de investigação, classifica-se
como uma pesquisa bibliográfica e documental. Trata-se de um estudo bibliográfico por ter
sido desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, periódicos científicos,
dissertações e teses. Considera-se uma investigação documental por utilizar como referência
resoluções e instruções normativas de órgãos governamentais.
Para atender o objetivo de verificar o nível de adesão das companhias brasileiras de
capital aberto aos comitês de auditoria foram utilizadas as informações do anuário de
governança corporativa de 2012 publicado pela Revista Capital Aberto. O anuário é composto
por uma amostra de 99 empresas que mais se destacam na liquidez de suas ações na
BM&Fbovespa. A publicação traz as principais práticas de governança adotadas pelas
companhias, incluindo a verificação da presença de órgãos como os comitês de auditoria e os
conselhos fiscais.
Para análise dos dados, adotou-se uma abordagem qualitativa. Inicialmente foram
identificadas as empresas emissoras de ADR, uma vez que a formação dos comitês de
auditoria ganhou relevância no cenário corporativo brasileiro a partir da publicação da SOX
em 2002. Após a segmentação das empresas que operam no mercado americano, constatou-se
a quantidade de companhias que aderiram aos comitês de auditoria e aquelas que adaptaram
os seus conselhos fiscais para atender a legislação americana.
Outro contexto de análise foi a verificação da adesão das companhias aos comitês de
auditoria, independentemente dos seus mercados de atuação. A pretensão dessa análise foi a
de demonstrar o número de empresas que utilizam o comitê de auditoria sem a exigência legal
americana, o que leva a acreditar que as companhias constituíram o órgão para elevar o seu
nível de governança corporativa.
Tendo em vista a disponibilidade dos dados do anuário, também foram observadas as
médias dos totais de membros dos comitês de auditoria e dos conselhos fiscais turbinados, a
independência dos coordenadores dos comitês e a presença dos conselhos fiscais nas
estruturas das empresas amostradas. Ressalta-se que os conselhos fiscais foram aceitos pela
SEC como estruturas equivalentes aos comitês de auditoria, desde que incorporassem as
atribuições previstas na SOX. Nessa análise específica não foram feitas distinções entre os
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“conselhos fiscais” e os “conselhos fiscais turbinados”, uma vez que essa diferenciação pode
ser verificada na segmentação das companhias emissoras de ADR que adaptaram os seus
conselhos.
Por fim, efetuou-se a análise da concentração de empresas por setores de atuação,
sendo apresentados os cinco segmentos de mercado mais representativos da amostra com base
no número de empresas. Nesta análise foram observadas as quantidades relativas de entidades
que aderiram ao comitê de auditoria dentro dos seus respectivos setores.
A próxima subseção apresenta a análise dos resultados de acordo com a metodologia
proposta.
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Para consecução do objetivo, verificar o nível de adesão das companhias brasileiras de
capital aberto aos comitês de auditoria, a análise dos resultados inicia pelas empresas atuantes
no mercado americano, uma vez que a constituição dos órgãos no Brasil foi estimulada pela
publicação da SOX em 2002. Sendo assim, identificaram-se as companhias emissoras de
ADR da amostra, devido à obrigatoriedade da composição de comitês de auditoria ou de
órgãos equivalentes definida pela SOX. Do total de 99 empresas, 31 afirmaram que operam
no mercado acionário americano. Após a segmentação das empresas emissoras de ADR,
observou-se a estrutura de governança empregada pelas companhias para atendimento da
SOX. Das 31 empresas que operam no mercado americano, três empresas foram excluídas da
análise por terem afirmado que não possuíam comitês de auditoria nem conselhos fiscais
turbinados. Levando-se em consideração que para operar nos EUA a empresa deve possuir
um dos órgãos, excluíram-se as três empresas da análise. Sendo assim, das 28 empresas
consideradas, 15 empresas possuem os comitês de auditoria instalados e 13 empresas operam
com os conselhos fiscais turbinados. A média do total de membros dos conselhos fiscais
turbinados foi de 3,77 membros.
Outra análise foi a observação das companhias que possuem comitês de auditoria,
independentemente do seu mercado de atuação. Constatou-se que, do total da amostra, 46
empresas instituíram o comitê dentro de suas estruturas. Pela análise anterior, nota-se que 15
das 46 empresas são emissoras de ADR. Logo, verifica-se que 31 companhias não
participantes do mercado americano aderiram à formação dos comitês, o que leva a crer que o
principal estímulo para essa iniciativa foi a busca pelo aumento do nível de governança
corporativa. A média do total de membros dos comitês de auditoria amostrados foi de 3,44
membros. A questão da independência dos membros dos comitês perante o conselho de
administração tão recorrente na literatura foi avaliada. De acordo com as informações
disponibilizadas no anuário, 21 empresas das 46 supracitadas afirmaram que são coordenadas
por conselheiros independentes.
Os conselhos fiscais também foram analisados nesta pesquisa, constatou-se que 65
companhias da amostra apresentam o órgão instalado permanentemente. Das 65 empresas, 28
afirmam que também possuem os comitês de auditoria nas suas estruturas e 13 companhias
operam com conselhos fiscais turbinados. Outro achado de pesquisa, contrariando as boas
práticas de governança corporativa, foi que 16 empresas da amostra não apresentam nenhuma
das duas estruturas mencionadas. A Tabela 1 sintetiza os diferentes contextos de análise,
facilitando a visualização dos resultados divulgados.
8
Tabela 1:
Síntese das Análises
Comitê de
Conselho Fiscal
Tipo de Empresa
Auditoria
Normal
Turbinado
Emissoras de ADR
15
x
13
Demais empresas
31
52
x
Total de empresas
46
65
Amostra = 46 + 65 + 16 - 28b = 99 empresas
Nenhum
Órgão
1a
15
16
Nota. Dados compilados pelos autores. Fonte: Editora Capital Aberto (2012). Revista Capital Aberto: anuário de
governança corporativa das companhias abertas. São Paulo: SP: Autor.
a
Companhia excluída da análise das empresas emissoras de ADR juntamente com outras duas companhias que afirmaram
possuir conselhos fiscais que não atuavam como comitês de auditoria, totalizando a exclusão de três empresas da análise.
b
O valor foi subtraído pelo fato de 28 empresas possuírem os dois órgãos (comitê de auditoria e conselho fiscal).
Por fim, foi observada a concentração de empresas por segmentos de mercado. A
Tabela 2 ilustra os cinco setores de atuação mais representativos da amostra como base no
número de empresas e a quantidade relativa de companhias que possuem o comitê de
auditoria instalado.
Tabela 2:
Setores de Atuação por Quantidade de Empresas
Setores de atuação
Construção e incorporação
Energia
Financeiro
Petróleo, gás e biocombustível
Varejo
Total
Quantidade
de empresas
10
12
8
6
7
43
Quantidade de empresas
com comitê de auditoria
1
5
7
4
5
22
Nota. Dados compilados pelos autores. Fonte: Editora Capital Aberto (2012). Revista Capital Aberto: anuário de
governança corporativa das companhias abertas. São Paulo: SP: Autor.
Verifica-se pela Tabela 2 que os setores financeiro, de petróleo, gás e biocombustível
e de varejo se destacam pela expressiva adesão aos comitês de auditoria. Especificamente
com relação ao setor financeiro, ressalta-se que a formação dos comitês é regulamentada pela
resolução CMN n. 3198 (2004). Sendo assim, a maioria das empresas do setor foram
obrigadas a implementar o órgão. Em contrapartida, evidencia-se no setor de construção e
incorporação uma baixa adesão aos comitês. Provavelmente a constituição do órgão ainda não
figura como estratégia empresarial e de governança dentro do setor.
Dessa forma, os resultados apresentados expressam a adesão das empresas de capital
aberto aos comitês de auditoria em diferentes contextos de análise. Considerando a totalidade
da amostra, independentemente da participação da empresa em mercados nacionais ou
internacionais, pode-se afirmar que o nível de adesão das companhias abertas aos comitês é de
aproximadamente 46,5% (46 empresas). Nas 28 empresas emissoras de ADR, o percentual de
adesão se eleva para cerca de 54% (15 empresas). Subsidiariamente, o estudo também
analisou os órgãos equivalentes aos comitês de auditoria, conhecidos no mercado como
conselhos fiscais turbinados.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste artigo foi verificar o nível de adesão das companhias brasileiras de
capital aberto aos comitês de auditoria. A amostra utilizada foi composta por 99 empresas
emissoras das ações mais líquidas da BM&FBovespa. As informações das empresas foram
9
disponibilizadas no anuário de governança corporativa das companhias abertas de 2012
publicado pela Revista Capital Aberto.
Além do objetivo, foram apresentadas as normas associadas à constituição dos comitês
de auditoria elaboradas por organizações governamentais, como o CMN e a CVM. A teoria da
agência foi ressaltada como ponto de partida para a adoção de boas práticas de governança
corporativa. A associação entre a teoria da agência e a composição dos comitês de auditoria é
comentada por Santos (2009) e Souza (2010) ao afirmarem que a implementação de
mecanismos de controle interno nas empresas, como os comitês de auditoria, é sustentada pela
teoria da agência.
Apesar de o conselho fiscal turbinado ser uma alternativa ao comitê de auditoria, a
independência dos membros constituintes figura como um dos desafios a serem superados
pelas empresas brasileiras. A adaptação do conselho para se transformar em um órgão de
assessoramento do conselho de administração fragiliza a sua característica de órgão
independente.
Os resultados da pesquisa foram apresentados sob a ótica de diferentes contextos de
análise. Considerando as 99 empresas da amostra, independentemente da participação em
mercados nacionais ou internacionais, pode-se afirmar que o nível de adesão das companhias
abertas aos comitês é de aproximadamente 46,5% (46 empresas). Para as emissoras de ADR
(28 empresas), o percentual de adesão se eleva para cerca de 54% (15 empresas).
Para o caso das companhias brasileiras que operam no mercado americano, Furuta e
Santos (2010) afirmam que não existe um consenso entre os analistas de mercado e
executivos se o conselho fiscal turbinado é mais adaptável que o comitê de auditoria à
realidade brasileira e se as funções dos dois órgãos são distintas. A afirmação dos autores
explica de certa forma o resultado equilibrado encontrado na pesquisa, ou seja, a adesão aos
comitês de 15 das 28 empresas que precisam cumprir a SOX. No contexto internacional,
Owolabi e Dada (2011) ressaltam que o comitê de auditoria eficaz além de melhorar o nível
de governança corporativa, gera relatórios financeiros confiáveis para as decisões de
investimento e formulação de políticas empresariais.
Na análise de concentração de empresas por segmento de mercado, os cinco setores
mais representativos com base na quantidade de companhias foram: construção e
incorporação; energia; financeiro; petróleo, gás e biocombustível; e varejo. Os setores
financeiro, de petróleo, gás e biocombustível e de varejo se destacaram pela expressiva adesão
aos comitês de auditoria. Especificamente no caso do setor financeiro, a constituição do
comitê é regulamentada pela resolução CMN n. 3198 (2004), o que fundamenta um maior
número de adesões. Em contrapartida, evidencia-se no setor de construção e incorporação
uma baixa adesão aos comitês, pois apenas uma das 10 empresas do setor constituiu o órgão.
A relevância deste estudo reside em evidenciar e estimular as boas práticas de
governança corporativa, mais especificamente a constituição dos comitês de auditoria. Como
sugestões de pesquisas futuras, recomenda-se a análise de outros comitês estratégicos das
empresas ou de práticas corporativas que estejam alinhadas com os princípios de governança,
como a transparência, a equidade e a prestação de contas.
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