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OS DESDOBRAMENTOS DO RACISMO NA REALIDADE ESCOLAR E OS DESAFIOS PARA
O SERVIÇO SOCIAL: CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE
Jussara de Cássia Soares Lopes1
Epifânia Santos Oliveira Barros2
Thaís Fernandes de Deus3
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar os mecanismos de discriminação aos quais as
crianças negras são expostas nas escolas, visto que esse é um processo construído
historicamente, socialmente e culturalmente. Também objetiva refletir sobre o papel
do Serviço Social nessa relação, detectando se ele contribui na reprodução da
discriminação e na manutenção das desigualdades raciais, ou se busca combater os
estigmas e preconceitos, fomentando a construção de uma sociedade menos desigual.
Dessa forma, buscaremos realizar uma articulação com o tratamento que era imposto
às crianças escravas e as consequências que esse tratamento acarreta nos dias de hoje
nas escolas brasileiras e, a partir dessas análises, propor mecanismos que possam
contribuir para a implementação das políticas públicas educacionais que visam o
combate do racismo e a valorização da identidade das crianças negras.
Palavras-chave: Crianças negras, educação, didática,discriminação
1
Assistente Social, mestra em Serviço Social pela PUC/Rio, professora do curso de Serviço
Social da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP.
2
Graduanda do 6º período de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP.
Bolsista de Iniciação Científica no projeto “A Constituição Histórica da Política de Assistência
Social nos Municípios de Mariana e Ouro Preto”/ PROBIC-DECSO.
3
Graduanda do 6º período de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP.
2
INTRODUÇÃO
O tema das questões raciais e as discriminações no ambiente escolar abrangem
várias perspectivas que se contradizem em suas concepções, mas se aproximam
quando vamos nos referir ao processo sócio histórico do tema e suas disseminações
que acarretaram em um processo desigual nas didáticas dos professores ao referirem
esse tema para seus alunos, como relata Oliveira (2006). A discriminação racial está
presente nas relações sociais, sendo importante relevar que, muitas vezes, as escolas
que favorecem esse tipo de pensamento e os disseminam deveriam debater com os
alunos sobre a questão racial e suas contradições.
A relação do preconceito eminente nas escolas e na vida social dos indivíduos
quando se destina à criança negra, transcendem gerações. O pensamento que está
interiorizado no cotidiano vem desde o sistema de escravidão que foi implementado
no Brasil logo após a sua descoberta; como relatam Goés e Florentino (2005), crianças
eram escravizadas juntamente com os seus pais, forçadas a trabalhar em prol da sua
sobrevivência. É a partir dessa recordação trágica no cenário brasileiro que o
tratamento à criança negra gera consequências graves a forma de pensar as condições
dessa criança; é nesse momento que a escola deveria entrar com a sua função
educadora, porém, ela se submete a uma forma de precarização da igualdade entre
raças e gêneros.
O interessante seria um desenvolvimento na forma crítica de pensar a
sociedade como um todo e consequentemente acarretar em uma especialização na
questão do preconceito contra o negro nas escolas, havendo assim uma didática
conjunta entre ambos os professores, interagindo docentes e discentes para o tema.
Uma atuação que tem de ser diária, não apenas disseminada em uma aula expositiva,
mas sim um trabalho didático, modificando a sua forma de pensar e atuar diante a
essas dificuldades.
Diante disso, não podemos deixar de ressaltar a importância das políticas
públicas contra as desigualdades étnico-raciais na educação brasileira, que estão
presentes quotidianamente nas nossas relações sociais e, quando administrada
3
corretamente, se faz presente para uma específica orientação, sendo tomadas
decisões nos assuntos públicos, políticos ou coletivos.
Como um forte aliado no combate ao racismo, o Serviço Social torna-se uma
das profissões indispensáveis, pois o assistente social é um dos profissionais que
também pode fomentar a promoção da cidadania e da autonomia, conforme indica o
Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais: “Ampliação e consolidação da
cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos
direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras;” (CFESS, 1993, p.3). Desse
modo, é fundamental discutir o Serviço Social como uma opção para o enfrentamento
dessa realidade.
2. Didática racista e professores excludentes
Será realizada uma análise do processo sócio-histórico, articulando o
tratamento destinado a criança escrava negra com a forma com que crianças negras
são tratadas atualmente nas escolas brasileiras. A didática é um dos percursores que
possibilita a forma de discriminação da criança negra nas escolas, inferiorizando-a
diante das crianças brancas, sem contar com o tratamento diferenciado que muitos
professores tratam essas crianças. Sendo necessária uma articulação com as políticas
públicas para a melhoria dessa problemática, juntamente com a mudança da forma de
atuação dos profissionais da educação mediante a discriminação racial nas escolas
brasileiras.
2.1 – O processo sócio-histórico da criança negra e o preconceito nas escolas
O Brasil foi o último país a abolir a escravidão e, mediante a isso, nota-se uma
articulação constante entre esse passado cruel e os preconceitos existentes
atualmente. O preconceito gestado diante da raça negra se dá, a partir, de um
processo sócio-histórico, diferenciando e estereotipando a raça negra. Munanga
(2002) relata que,
4
Infelizmente desde o início, eles se deram o direito de hierarquizar, isto é,
de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças. O fizeram
erigindo uma relação intrínseca entre o biológico (cor de pele, traços
morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais.
Assim, os indivíduos da raça “branca”, foram decretados coletivamente
superiores aos da raça negra e amarela. (...) principalmente a negra mais
escura de todas e consequentemente considerada como a mais estúpida,
mais emocional, menos honesta, menos inteligente e portanto a mais
sujeita a escravidão e a todas as formas de dominação. (MUNANGA, 2002,
p.5)
Articulando o passado com o presente, criando concepções e rótulos a essa
população, que por anos sofreu com a escravidão e que, nos dias de hoje, sofre com o
preconceito e a exclusão da sociedade.
A criança escrava negra era vista como um indivíduo que tinha por finalidade
trabalhar para a satisfação do seu senhor. Os seus afazeres eram destinados como
forma de um adestramento, como relata Goés e Florentino (2010), onde a criança
aprendia um ofício e a ser escravo: o trabalho era o campo privilegiado da pedagogia
senhorial. Os chamados adestramentos tinham por finalidade ensinar um ofício à
criança escrava, criança essa, que passava por humilhações e repressões de seus
donos, era muitas vezes vista como um brinquedo mediante dos filhos dos senhores. O
adestramento da criança também se fazia pelo suplício. Não o espetaculoso, das
punições exemplares (reservadas aos pais), mas o suplício do dia a dia, feito de
pequenas humilhações e grandes agravos, como descreve excepcionalmente.
É necessariamente o processo sócio-histórico que traz para a atualidade a
concepção de que a criança negra tem por finalidade trabalhar e assim conseguir
desenvolver seus conhecimentos por via da prática. Essa ideologia propagada e
dissemina a contradição das raças, entretanto, a criança branca tem de estudar para
garantir o seu futuro, mas a negra não, por via desse pensamento racista, ela tem por
necessidade adentrar ao mercado de trabalho mais cedo. Há assim uma exclusão e
diferenciação, quando referimos à criança negra e a criança branca no Brasil.
A escola tem uma grande importância na disseminação dos preconceitos e da
discriminação com os negros em seu geral, tanto no que se refere à didática escolar,
como à forma com que os professores diferenciam o tratamento entre estas crianças.
Como descreve Munanga (2005), os professores, a quem é atribuída a ação de
contemplar as diferenças culturais na sua prática pedagógica, poderiam ter
5
internalizado o senso comum da desigualdade das diferenças culturais e não
evidenciar na sua prática pedagógica essa ação. É evidente uma diferenciação de
tratamento entre as crianças brancas e as negras, isso pode se dar por via desta
concepção de que a criança negra tem como obrigação trabalhar e não se ingressar
com veemência no processo acadêmico, acarretando em uma exclusão constante
dessas crianças muitas vezes potencializada por profissionais educadores.
É com base nessa articulação que se analisa a necessidade de uma atuação
crítica do professor, mediante a visão cultural, social e histórica sobre a criança negra
do Brasil. Concepção essa, que se assemelha ao tratamento escravocrata e que
atualmente ainda assume essa forma de pensar a criança negra como trabalhadora,
retirando a ideia de que ela tem como finalidade estudar para garantir um
aprendizado. Deve-se haver uma articulação entre escola, professores e alunos, e,a
partir dessa articulação,criar mecanismos que impossibilitem a discriminação da
criança negra nas escolas brasileiras, assim direcionando a criança negra uma boa
interação com os demais indivíduos da área acadêmica.
2.2 – Crítica de profissionais da educação mediante a didática escolar
A forma com que profissionais da educação lidam com a questão do
preconceito racial, se desmitifica de diversas formas, alguns lidam de uma maneira
crítica e outros seguem os estereótipos do senso comum. Munanga (2005) afirma que
cabe uma formação específica para o professor de ensino fundamental, com o objetivo
de fundamentá-lo para uma prática pedagógica, com as condições necessárias para
identificar e corrigir estereótipos e a invisibilidade constatados nos materiais
pedagógicos, especialmente nos textos e ilustrações dos livros didáticos.
Para que o professor tenha um pensamento crítico sobre a forma de ver a
criança negra na sociedade é necessário, acima de tudo, que haja um estudo referente
ao tema. A partir da retirada ideológica do senso comum, que exclui a criança negra,
oprime e a minimiza diante da criança branca, esse profissional necessita estabelecer
uma articulação com a teoria e a prática, atuando de forma crítica. Oliveira (2006)
relata a forma que pode ser a abordagem nas salas de aulas com muita clareza, onde,
segundo ela, a situação ideal é a emergencial/sistemático, pois, mesmo incluindo os
6
estudos raciais no seu projeto de trabalho para uma atuação determinada, o
profissional se defrontará com situações cotidianas, geradas espontaneamente, que
exigirão abordagens emergenciais.
É necessário explicitar que a própria didática utilizada pelas escolas brasileiras
torna o mecanismo de desmistificação da descriminação racial um empecilho, pois
neles estão disseminadas diversas concepções do senso comum referente ao ser
negro. Levando em conta que a educação está precária, com salas de aulas cheias e
poucos profissionais capacitados que consideram o tema do preconceito racial, uma
didática crítica, que não excluísse o negro, poderia auxiliar nessa nova forma de pensar
esses indivíduos na sociedade suprindo, assim, as necessidades pedagógicas.
Segundo Munanga (2005),
ao veicular estereótipos que expandem uma representação negativa e uma
representação positiva do branco, o livro didático está expandindo a
ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias, das teorias e
estereótipos de inferioridade/superioridade raciais, que se conjugam com a
não legitimação do Estado, dos processos civilizatórios indígenas e africano,
entre outros, constituintes da identidade cultural da nação. (MUNANGA,
2005, p.23)
Essa didática excludente proporciona aos alunos uma concepção deturbada
sobre ser negro, os moldando a uma realidade que não os pertence. Estereótipos são
criados, a fim de inferiorizar a raça negra e reerguer a raça dita branca. Toda esta
concepção inserida nos livros acadêmicos causam graves consequências aos indivíduos
negros e em especial as crianças negras, que vivenciam preconceitos vindos de
professores e alunos, e ainda, leem materiais escolas que lhes inferiorizam, se sentindo
assim excluídos. Pois é afirmado nos livros acadêmicos que a sua cor de pele não é
ideal, o seu cabelo é dito como ruim e outros fatores que podem influenciar no seu
psicológico e por via disso, o seu rendimento escolar se tornar inferior.
Munanga (2005) relata que o professor pode vir a ser um mediador
inconsciente dos estereótipos se for formado com uma visão acrítica das instituições e
por uma ciência tecnicista e positivista, que não contempla outras formas de ação e
reflexão. Por isso é necessário que o professor atue de maneira crítica, não deixando
que essas formas de preconceito se disseminem nas salas de aulas e indo contra a esta
7
didática excludente. Podendo assim criar articulações e mecanismos para minimizar a
concepção racista e evitar que seus alunos interiorizem estereótipos equivocados.
2.3 – Políticas Públicas contra as desigualdades étnico-raciais na educação
Nos tempos presentes da sociedade brasileira experimenta-se grande
movimentação de atores sociais em vários campos de atuação que não só a educação.
Nesses mesmos tempos, a educação parece ser o lócus de maior polêmica e tensão
quando o assunto são as relações étnico-raciais.
O tema da educação sempre recebeu destaque tanto na atuação da militância
negra como nos estudos acadêmicos sobre desigualdades raciais devido à sua
inquestionável importância na compreensão e no enfrentamento das desigualdades
sociais e raciais no país. Em geral, a educação é considerada e analisada como atributo
individual, capital primordial no processo de realização dos indivíduos. No entanto, a
compreensão das desigualdades educacionais deve tratar a educação não somente
nessa perspectiva, mas também como um processo de aquisição que agrega as
políticas educacionais e as características institucionais no seu modelo analítico.
Entre as principais políticas públicas de âmbito federal com recorte racial na
educação destacam-se a Lei 10.639 (assinada pelo presidente Lula logo no início de seu
mandato, alterando a Lei 9.394/1996), que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino
a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", o Prouni (Programa
Universidade Para Todos) e o apoio às ações afirmativas nas universidades públicas.
Em termos de mudanças institucionais, destaca-se a criação da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), criada em julho de 2004, no âmbito
do Ministério da Educação, responsável pela execução de diversos programas.
O objetivo principal para inserção da Lei 10.639/03 é o de divulgar e produzir
conhecimentos, bem como atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto
à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir objetivos comuns que
garantam respeito aos direitos legais e valorização de identidade cultural brasileira e
africana, como outras que, direta ou indiretamente, contribuem para a formação da
identidade cultural brasileira.Contudo, a consolidação desse aparato jurídico não
significou a efetivação dos objetivos esperados.
8
2.3. A inserção do Assistente Social na escola: um debate emergente
Entendemos que o ambiente escolar é um dos mais afetados pelo processo que
atualmente se apresenta de formas mais latente, como a exclusão, a pobreza, a
fragilização dos vínculos familiares, a diversidade, entre outros fatores que afetam
diretamente sua aprendizagem.
Mediante esse contexto, a inserção do assistente social no espaço educacional
contribuiria positivamente na resolução de tais questões4, uma vez que é reconhecido
como um profissional que atua diretamente com as mazelas sociais. Segundo Almeida
(2009):
O reconhecimento da presença desses elementos no universo escolar, por si
só, não constitui uma justificativa para a inserção dos assistentes sociais
nesta área. Sua inserção deve expressar uma das estratégias de
enfrentamento desta realidade na medida em que represente uma lógica
mais ampla de organização do trabalho coletivo na esfera da política
educacional, seja no interior das suas unidades educacionais, das suas
unidades gerenciais ou em articulação com outras políticas setoriais. (...) O
que parece ser central aqui e que já vem sendo observado pelos
profissionais da área de educação é que o professor não vem conseguindo
dar conta, sozinho, desses problemas e que o processo de enfrentamento
dessa complexa realidade não é de competência exclusiva de nenhum
profissional (ALMEIDA, 2009, p. 08).
É notório refletir que existe a necessidade de um profissional para intervir nas
expressões da questão social que se refletem nos espaços escolares, já que o
assistente social é um dos vários profissionais que trabalham com a questão social.
Sobre isso argumenta Gouvêa (2009) que esta realidade vivenciada pelas escolas
muitas vezes é sinalizada pelo “tráfico de drogas, trabalho infantil, violência doméstica,
gravidez precoce, etc.; situações que, muitas vezes, levam à evasão escolar,
empurrando crianças e adolescentes para a marginalidade, transformando-os em
público do setor judiciário, entre outros” (GOUVÊA, 2009, p. 313). Isso tem interferido
4
Entendendo que o assistente social tenha embasamento teórico-metodológico e
comprometimento político aliado aos instrumentais que podem dar suporte crítico a essas
questões.
9
diretamente na qualidade das relações sociais existentes no espaço escolar e ainda, na
qualidade do processo de ensino-aprendizagem.
Dessa maneira, percebe-se que os professores, a direção da escola, bem como
o serviço pedagógico não tiveram, na sua formação profissional, a preparação e os
conhecimentos necessários para responder as demandas que chegam até eles, o que
pode ser evidenciado a partir das análises das grades curriculares da maioria dos
cursos da área da educação. Logo, ao se inserir no âmbito escolar, o Serviço Social
poderá diagnosticar a realidade da escola, propor estratégias e alternativas à
problemática social vivida por muitas crianças e adolescentes. Essa possibilidade de
intervenção corrobora para a redução da evasão escolar, para o aumento do
rendimento escolar dos alunos e resolução de outros problemas decorrentes das
desigualdades e carências vividas pelo educando.
Nesse sentido, pode-se dizer, de acordo com Almeida (2009) que:
A presença dos assistentes sociais, sobretudo nas escolas, tem sido tomada
como a presença de um profissional que possa contribuir com a ampliação
do processo educacional em sentido amplo, ou seja, contribuindo para o
acesso e permanência das crianças e jovens na educação escolarizada, assim
como para a extensão dessa convivência para outros membros da família,
que por razões sociais diversas não concluíram ou experimentaram esta
oportunidade (ALMEIDA, 2009, p. 59).
Assim, devemos enfatizar que sua atuação no espaço escolar não deve se
pautar somente em solucionar os problemas sociais que já estão postos neste local e
afetam negativamente os estudantes, mas deve-se organizar de forma mais ampla,
atuando junto à família, realizando trabalhos que possam amenizar e/ou prevenir uma
série de situações. Dessa forma, percebe-se que um dos caminhos para isso acontecer
é que ocorra maior integração entre escola/comunidade/família. Assim, com a
interação dos responsáveis pela formação dos alunos e com as intervenções do
assistente social, poder-se-á melhor responder às demandas sociais presentes na
comunidade escolar. Sobre isso, assinala Gouvêa (2009)
(...) o assistente social deve desenvolver ações que possam caminhar junto
com a Coordenação Pedagógica, porém articulando contatos com as
10
famílias,
diagnosticando
as
condições
socioeconômicas,
culturais,
profissionais, a fim de detectar casos específicos relacionados às questões
sociais que interferem na aprendizagem do aluno (GOUVÊA, 2009, p. 10).
Nessa perspectiva, acredita-se que a inserção do profissional de Serviço Social
na Política de Educação é mais um passo a ser conquistado pela categoria (QUINTÃO,
2007), mas é necessário ressaltar que sua efetivação depende de vários fatores, sendo
um deles o maior conhecimento por parte dos profissionais que atuam na educação do
trabalho do assistente social.
É através de uma maior divulgação do papel do Serviço Social que poderemos
conquistar esse espaço, especialmente rompendo com alguns mitos que rondam o
assistente social, sobretudo na perspectiva da caridade, entendendo ainda que esse
profissional não possui uma “varinha de condão”5, capaz de solucionar todos os
problemas e desafios advindos das expressões da questão social, mas que poderia
minimizá-los.
2.4. Serviço Social, abordagens étinico-raciais e suas possíveis contribuições para a
educação³
É válido enfatizar a importância do assistente social no trato das questões
ligadas à diversidade étnico-racial, uma vez que o seu Código de Ética determina
“Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à
diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das
diferenças” (CFESS, 1993, p.3).
Assim sendo, enfatiza-se a importância de uma intervenção de forma a prevenir
e superar as relações discriminatórias que surgem na escola, descobrindo como os
professores trabalham com o problema e a postura da escola em relação à
discriminação étnico-racial e, desse modo, desenvolvendo um trabalho que consiga
atender às demandas apresentadas no contexto escolar.
5
Ver IAMAMOTO, Maria Vilela. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
11
O profissional do Serviço Social tem como objeto de trabalho a questão social
que está ligada também à viabilização de direitos e garantia de equidade, cidadania,
justiça social e dignidade. Sendo assim, é relevante pensar formas de combate à
discriminação racial e enfrentamento à exclusão sofrida pelos pretos e pardos
brasileiros.
Contudo, devemos nos ater para o questionamento de como o assistente social
trabalhará com a situação, visto que em sua formação acadêmica existe uma lacuna
referente ao trato das questões específicas da população negra, população essa
bastante expressiva no Brasil. Estaremos mais uma vez perpetuando o status quo?
Rocha (2009) avalia que:
O impacto da pouca reflexão acerca da temática racial no processo de
formação certamente será sentido no exercício da prática profissional.
Diante do quadro de grande desigualdade social de nosso país, em que está
subjacente a discriminação racial, o profissional que foi educado no seio de
uma sociedade cuja cultura, ainda hegemônica, é a do mito da democracia
racial e que não obteve no período de sua formação instrumentos de análise
crítica das relações raciais constituintes do seu país, poderá ter dificuldade
em intervir de forma competente e comprometida com a restituição de
direitos violados da população historicamente discriminada por condição
étnico-racial (ROCHA, 2009, p. 544).
Observamos que, dentre os poucos estudos que discutem a questão racial
relacionada ao Serviço Social, todos destacam a invisibilidade dessa reflexão na
formação profissional.
Estudos de Filho (2006) destacam algumas hipóteses para a invisibilidade do
negro no Serviço Social:
a) A histórica influência da Igreja Católica na origem do Serviço Social na Europa e
na criação das primeiras escolas brasileiras;
b) A adoção do materialismo histórico-dialético no pós-movimento de
reconceituação;
c) O secular preconceito contra a cultura negra;
d) A falta de conhecimentos específicos por parte dos professores;
e) A falta de demanda por parte dos alunos e/ou sociedade;
12
f) Não-incorporação pelo Serviço Social da questão racial ou do negro como uma
expressão da questão social.
Conforme assinala o autor:
Ocorre que, assim como a maioria dos profissionais brasileiros que teriam
maior possibilidade de garantir o respeito na interação com o diferente, seja
em sala de aula, seja fora dela, os assistentes sociais também não dominam
os conhecimentos mínimos sobre a questão do negro na sociedade
brasileira (FILHO, 2006, p.66).
Não há dúvida de que os assistentes sociais reconhecem a desigualdade, mas
precisamos destacar que ela também é fruto da discriminação racial e que o racismo é
tão profundamente enraizado no tecido social e na cultura de nossa sociedade, que
todo repensar da cidadania precisa incorporar os desafios sistemáticos à prática do
racismo. É preciso destacar, sobretudo, que o preconceito e a discriminação estão para
além da classe social (HASENBALG, 1978).
Nesse sentido, Amaro (2005) analisa que,embora na atualidade o governo
brasileiro tenha dado visibilidade à questão racial, com a implantação das políticas
afirmativas, observa-se que a política de assistência social6 não tem acompanhado essa
conjuntura, uma vez que secundariza sua atenção a essa questão.
A apropriação crítica do racismo enquanto questão social, tanto pela
sociedade como pelas políticas públicas, tem sido lenta. Muitas vezes
ignora-se por que o usuário dos serviços sociais é majoritariamente negro,
por que são as mulheres negras as chefes de família que recebem salários
mais baixos e por que são as crianças negras quem mais precocemente
ingressam no mercado de trabalho e abandonam a escola (AMARO, 2005, p.
79).
Em consonância com essas ideias, Ribeiro (2004) aponta que, levando-se em
consideração o papel do profissional de Serviço Social, é válido dizer que, se o racismo
e o preconceito fazem parte das relações de dominação e exploração, é o assistente
social – que tem como principal função trabalhar as relações sociais através de uma
6
Enfatizamos que a política de assistência social não é o único campo de intervenção do
assistente social, mas é o espaço de trabalho que mais absorve esse profissional.
13
ação educativa, visando à consciência e à participação – um profissional indispensável
para a eliminação das situações de discriminação que vivemos.
Embora Iamamoto(2001) não discuta a questão racial, é importante ressaltar
sua afirmação de que:
Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas
expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no
trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social
pública, etc. Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia,
por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se
opõem (IAMAMOTO, 2001, p. 28).
Assim sendo, tratando-se de profissionais que lidam cotidianamente com as
parcelas mais pauperizadas da população brasileira, constituída em sua maioria por
pretos e pardos, acreditamos que o domínio de conhecimentos acerca da história, da
cultura afro-brasileira e das questões concernentes à raça no Brasil pelos assistentes
sociais seja imprescindível, tanto para um melhor aprimoramento pessoal, como para
um desempenho profissional mais consciente e crítico de intervenção diante da
realidade do público que busca seus serviços.
É relevante destacar que a relação entre teoria e prática constitui-se como
fundamental na formação e exercício profissional do assistente social, sendo
resultante do construto formado pela indissociabilidade entre as dimensões éticopolítica7, teórico-metódologica8 e técnico-operativa9.
7
Competência ético-política – o Assistente Social não é um profissional “neutro”. Sua prática se
realiza no marco das relações de poder e de forças sociais da sociedade capitalista – relações
essas que são contraditórias. Assim, é fundamental que o profissional tenha um
posicionamento político frente às questões que aparecem na realidade social, para que possa
ter clareza de qual é a direção social da sua prática (SOUSA, 2008).
8
Competência teórico-metodológica– O profissional deve ser qualificado para conhecer a
realidade social, política, econômica e cultural com a qual trabalha. Para isso, faz-se
necessário um intenso rigor teórico e metodológico, que lhe permita enxergar a dinâmica da
sociedade para além dos fenômenos aparentes, buscando apreender sua essência, seu
movimento e as possibilidades de construção de novas possibilidades profissionais (idem).
9
Competência técnico-operativa – o profissional deve conhecer, se apropriar, e sobretudo, criar
um conjunto de habilidades técnicas que permitam ao mesmo desenvolver as ações
profissionais junto à população usuária e às instituições contratantes (Estado, empresas,
Organizações Não-governamentais, fundações, autarquias etc.), garantindo assim uma
inserção qualificada no mercado de trabalho, que responda às demandas colocadas tanto
pelos empregadores, quanto pelos objetivos estabelecidos pelos profissionais e pela dinâmica
da realidade social (ibidem).
14
É sabido que articular essas três dimensões coloca um desafio fundamental e
que vem sendo um tema de grande debate entre profissionais e estudantes de Serviço
Social: a necessidade da articulação entre teoria e prática.
Desse modo, o assistente social precisa refletir sobre o seu papel diante das
questões que envolvam os afrodescendentes, e, a partir daí, pensar estratégias
metodológicas para a realização dessa abordagem, contribuindo para o enfrentamento
das questões raciais em todos os âmbitos institucionais nos quais esteja inserido.
3. Considerações Finais
Qualquer análise das políticas educacionais no país não pode negligenciar os
marcos históricos, políticos, econômicos e a relação com o Estado e a sociedade civil
nos quais essas se inserem. É imprescindível que no tempo presente haja o
envolvimento dos atores sociais em busca da construção de uma educação
e uma sociedade que reconheçam a necessidade de redimensionar as abordagens
metodológicas inerentes ao campo da educação. Atualmente é necessário que as
políticas públicas educacionais tenham a marca do combate às desigualdades
raciaiscomo viés principal nas suas objetivações. Para, a partir disso, minimizar as
expressões da exclusão racial, proporcionando assim, um incomodo moral aos
indivíduos.
Também podemos considerar que a temática aqui apresentada representa um
grande desafio para os assistentes sociais. São poucos os trabalhos que conseguem
realizar um recorte racial na área do Serviço Social e, considerando que este
profissional lida com as várias formas de exclusão, que afeta diretamente os negros,
faz-se necessário repensarmos o posicionamento crítico e responsável diante das
questões raciais.
Embora nosso estudo tenha como foco o preconceito racial na instituição
escolar, também fazemos um recorte sobre a inserção do Serviço Social na escola,
entendendo-o como possibilidade de enfrentamento ao racismo e valorização da
diversidade. No entanto, esta reflexão nos despertou para o questionamento de como
15
o assistente social trabalharia com a temática, visto que em sua formação a questão
racial e/ou das identidades culturais não é devidamente debatida. O que percebemos
é a existência de uma lacuna no que se refere à abordagem étnico-racial no Serviço
Social. Pouquíssimos estudos conseguem fazer com precisão o recorte racial.
Destacamos, pois, que buscamos aprofundar nos estudos sobre preconceito e
desigualdade racial, contudo, não se pretendeu esgotá-lo, e acreditamos ser de
extrema importância o surgimento de novas análises e reflexões que possam
contribuir para este debate, ainda pouco incentivado na academia e, mais
precisamente, no Serviço Social.
16
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ney Luis Teixeira. O Serviço Social na Educação: Novas perspectivas sócioocupacionais. Disponível em: http://www.peepss.org/documentos/. Acesso em 22 de
setembro de 2009.
AMARO, Sarita. A Questão Racial na Assistência Social: um debate emergente. In:
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CFESS, Código de Ética do Assistente Social. Brasília: Conselho Federal de Serviço
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HASENBALG, Carlos Alfredo. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de
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