Dia da Criança: Missão Institucional do Exército?
Autoria: Claudiney Silvestre Alves, Fátima Bayma de Oliveira
Resumo
O presente Estudo de Caso trata da realização de um evento de cunho social dentro das
instalações de uma unidade militar do Exército. Trata-se de comemorações alusivas ao dia da
criança que têm ocorrência frequente em diversas organizações das Forças Armadas. Discutese uma problemática relacionada à legitimidade de realização deste tipo de atividade ante o
dilema: Ações socioculturais x Segurança Nacional. Desdobra-se ainda, a discussão sobre a
possibilidade de o particular realizar doações diretamente ao quartel bem como o devido
processo que se deve promover quanto ao recolhimento dos recursos recebidos aos cofres
públicos.
1 CENÁRIO - NARRATIVA DO CASO
Criciúma, Santa Catarina, 13 de setembro de 2010. Poucos dias depois das
festividades em comemoração ao 7 de setembro, o Comandante do 171º Grupo de Artilharia
de Campanha (GAC), Coronel Trautman, pediu para chamar o Fiscal Administrativo da
unidade, Capitão Siqueira Campos. Minutos depois, o capitão se apresentou: “Pois não,
Coronel!”.
“Precisamos preparar as festividades para a semana da criança”, disse o Coronel. E
prosseguiu:
O prefeito acaba de me ligar solicitando nosso apoio novamente. Nós realizamos esse
evento nas instalações desde 1993, e ele já foi incorporado ao calendário local. Como
você é novo aqui, estou avisando com antecedência para que você mantenha o padrão
de excelência do evento. No ano passado, contratamos uma empresa para colocação de
brinquedos para diversão das crianças. A empresa contratada ficou responsável pela
montagem de tobogã, piscina de bolinhas, cama elástica e castelo inflável. Lembro que
você precisa treinar os soldados para fazer a segurança da criançada. Não queremos
que elas se percam no interior do quartel. Nós também distribuímos o “kit bocão”,
com escova e creme dental, para realização de atividades com nossos dentistas sobre
higiene bucal. Siqueira Campos, outra coisa que deve anotar é o lanche que as crianças
receberão. No ano passado, faltou cachorro-quente, porque os soldados comeram um
bocado. Você precisa organizar isso. Para este ano, queremos oferecer sorvete, realizar
uma apresentação com músicos locais e uma animação com palhaços. Você tem
bastante trabalho a fazer, mas, no final, compensa, pelo prestígio que o quartel e o
Exército ganham junto à sociedade.
O Capitão ouviu atentamente, tomando notas de vez em quando, e começou a pensar
em como fazer e, principalmente, qual o custo do evento. Ao final da explanação, o Coronel
perguntou ao “capita” se ele tinha alguma dúvida. “Não, Senhor!”, respondeu. “Missão dada é
missão cumprida”, disse o Coronel, e acrescentou: “Mas vou lhe ajudar”. Nesse momento,
entregou ao Capitão Siqueira Campos uma lista de empresários locais. Fez-se um instante de
silêncio. Pedindo licença para se retirar, o Capitão foi alertado sobre uma última informação:
“Este é meu último ano de comando, ‘capita’. Não estrague o bom trabalho que vem sendo
feito antes de sua chegada”.
Na mente do Coronel Trautman, permanecia a informação de que o Capitão havia
servido em uma Inspetoria de Contabilidade (unidade de controle interno do Exército), e
haviam lhe alertado de que ele era extremamente apegado aos regulamentos, inflexível às
predileções político-sociais de seus comandantes. Ao mesmo tempo, pensava o Capitão
Siqueira Campos: “Se esse Coronel está achando que eu vou me desdobrar para fazer suas
vontades e caprichos, está muito enganado. Bem que me avisaram de que ele é político e faz
de tudo para concorrer ao generalato”.
Faltava menos de um mês para o evento...
Na manhã seguinte, na habitual reunião de oficiais após a formatura, em meio a
diversos assuntos do cotidiano militar, o Tenente Pinga-Fogo, que tinha sido responsável pela
organização do evento das crianças nos dois anos anteriores, pediu a palavra:
2 Coronel Trautman, o que vamos fazer este ano? No último evento, o dinheiro quase
não deu. Para este ano, recebi a informação de que o número de crianças quase
dobrou. Como vamos dar lanche e brinquedos para todos? E mais, os empresários
foram relutantes em nos repassar dinheiro. O Senhor Otávio Correa alegou que já
pagava impostos demais para ainda ter que entregar dinheiro vivo para os “milicos”!
Respondendo à indagação do Tenente, o Coronel Trautman disse, em tom desafiador:
“Vai depender da desenvoltura do Capitão Siqueira Campos. Já passei uma lista de
empresários para ele ir pedir o dinheiro que for necessário. Só depende dele”.
O Capitão Siqueira Campos não se sentia muito confortável. Via-se impelido a realizar
algo que, em seu entendimento, não parecia adequado. E via na forma como sua
responsabilidade fora exposta ante seus pares uma busca de legitimação por parte seu
superior.
Ao chegar a sua casa, pôs-se a estudar os regulamentos, para avaliar a possibilidade de
pedir dinheiro à sociedade. Não queria fugir da responsabilidade, mas sabia que não podia
cumpri-la a qualquer custo, sem respeito aos preceitos legais e regulamentares. Estudou até de
madrugada, relembrando seus tempos de Cadete da Academia Militar das Agulhas Negras
quando os estudos noite afora, somados à sua conduta exemplar, lhe renderam a primeira
colocação, com vários prêmios.
No dia seguinte, abraçado aos ditames regulamentares que havia estudado, Siqueira
Campos foi ter com o Comandante. Foi direto ao ponto: o quartel não havia recebido recursos
orçamentários destinados à realização de eventos como o dia da criança, e, sem os referidos
créditos orçamentários, não seria possível realizar os procedimentos necessários às despesas
destinadas ao evento. Quanto ao levantamento de recursos com o empresariado, informou que
não encontrou normativo que viabilizasse tal ação.
O Coronel Trautman, percebendo a perspicácia do seu fiscal administrativo, refutou
suas colocações. Como quem guarda as melhores cartas na manga para o momento certo, o
Coronel informou:
Você não tomou conhecimento do parecer da Secretaria de Economia e Finanças, que
autoriza a solicitação de recursos às empresas? E mais: desde 1993, nunca utilizamos
recursos dos cofres públicos para a realização desses eventos. Até porque não haveria
como usar recursos do Tesouro, pois o evento exige aplicação imediata do dinheiro. Se
esperássemos os prazos da realização da despesa, como você quer, o evento se
chamaria “Festa de Natal”, e não “Dia da Criança”!.
Siqueira Campos ouviu atentamente o Coronel e respondeu que verificaria o assunto
com mais cuidado, diante dos esclarecimentos recebidos. Pediu licença e saiu pensando:
Ainda que haja autorização para pedir dinheiro, não é possível sua utilização sem o
respeito às fases e estágios dos gastos públicos: licitação ou dispensa, empenho,
liquidação e pagamento. Ainda que o Coronel argumente que a realização do evento
“Dia da Criança” encontra guarida no seio das ações públicas levadas a cabo pelo 171º
GAC, existem questões não respondidas: Como conceber que uma unidade gestora
julgue relevante a realização de determinado evento e não disponha de recursos
específicos para tal? E mais: a situação de um quartel dispondo de seus oficiais e
praças para arrecadação de dinheiro junto a particulares, com fim de realizar evento de
3 interesse da própria unidade, não é algo que colide com a própria imagem do
Exército?
Meia hora depois, o Coronel Trautman, muito pensativo sobre as últimas ocorrências,
mandou chamar o Subcomandante, Tenente-coronel Oblivion. Em uma longa conversa,
refletiu sobre o evento Dia da Criança. De certa forma, o Capitão tinha razão: se considerado
de interesse da Força Terrestre, deveria ter sido custeado pelos recursos públicos e executado
dentro do orçamento anual, e não a partir de doações recebidas das empresas de Criciúma,
doações, aliás, que sempre haviam sido operadas fora da gestão orçamentária da unidade. O
diálogo entre os dois foi o seguinte:
Oblivion: “O Capitão Siqueira Campos me procurou mais cedo, para pedir orientação
sobre esta situação. Tivemos uma longa conversa e, ao final, ele indagou sobre a necessidade
de recolher o dinheiro recebido mediante depósito na conta única do Tesouro Nacional.
Aquele procedimento que se faz com a GRU [Guia de Recolhimento da União]”.
Nesse momento, o Coronel Trautman fez cara de surpresa e demonstrou preocupação.
“Pois é”, continuou Oblivion, “o Siqueira Campos conhece o procedimento, pois era
uma das suas responsabilidades na Inspetoria de Contabilidade”.
“Mas como realizar a despesa, então?”, indagou Trautman. “Você sabe que não
recebemos crédito orçamentário para esse tipo de atividade. Mesmo que pedíssemos! Com o
constante corte de despesas imputado ao Exército, não seríamos atendidos nunca. E como
fazer com as crianças que, a cada ano, esperam ter ao menos um momento de atenção? A
cidade já espera de nós esse evento, as escolas se programam, as famílias aguardam o
atendimento médico-odontológico de nossos profissionais de saúde. Seria um grande impacto
negativo para unidade e para o Exército”.
“Perfeitamente, Comandante”, assentiu Oblivion, “mas é preciso ter em conta,
também, que uma ação fora dos ditames legais pode ter efeitos negativos. Ela pode prejudicar
a sua carreira. Digo isso, pois o Capitão Siqueira Campos me apresentou este documento
contendo alguns mandamentos legais que devem ser respeitados”.
Nesse momento, o Tenente Coronel Oblivion apresentou uma separata ao
Comandante. Apontou a fundamentação legal presentes na Constituição Federal, lembrando
que, além da destinação das forças armadas à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais, também era destinada “à garantia da lei e da ordem” – dando ênfase em tom
mais alto. Prosseguiu chamando atenção para outra legislação, a Lei 4.320 de 1964. Nesta
observação de Oblivion sua expressão era a de quem não reconhecia o conteúdo nas
aplicações de recursos nos eventos cívico-sociais até então impetradas pelo quartel.
“Comandante! Aqui diz que todas as receitas devem ser recolhidas ao Tesouro sem
criar caixas especiais. Ora! Ele [Capitão Siqueira Campos] esta querendo dizer que estamos
fazendo caixa dois? Que afronta!”
Em suma, era questionada a legalidade de o quartel receber verbas da comunidade
para realizar eventos de cunho social, inclusive o fato de utilizar o pessoal da organização
militar, bem como disponibilizar os meios necessários à consecução do evento.
Trautman: “Bem... [pausa]. De fato, o pica-fumo tem razão. Não é o primeiro
colocado da sua turma à toa. Falta-lhe a sua experiência, Oblivion, para informar as coisas
com jeito. Mas, sobre a possibilidade de realizar o evento, isso está fora de questão. Se não
fosse possível, o escalão superior já teria proibido”.
4 “Sobre a realização do evento”, disse o Tenente-coronel, “consultei o Major Dutch, da
6ª Inspetoria de Contabilidade e Finanças, e ele asseverou que é possível, sim. Ele me enviou
o seguinte normativo, baseando-se no mesmo art. 142 da Constituição, que, no seu § 1º,
dispõe que uma lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na
organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. Essa lei é a Lei Complementar n.
97, de 9 de julho de 1999”. Oblivion leu para o Comandante destacando a possibilidade de
“participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse social.”
Trautman: “Perfeito! Além disso, o simples fato de trazer jovens para realizarem
atividades no interior da organização militar, sem sombra de dúvidas, tem o condão de
despertar a noção de patriotismo e de cidadania. Nesse sentido, não se pode dizer que foge à
razoabilidade a adoção dessas ações. Ademais, a integração das Forças Armadas com a
comunidade é demasiadamente salutar, mormente nas cidades em que a presença do Estado
pouco se faz sentir. Etapa resolvida. Mas ainda estamos em um impasse quanto ao uso dos
recursos”.
“Certamente, Comandante!”, respondeu Oblivion. E, buscando uma nova informação
em suas anotações: “O Siqueira Campos questiona a legitimidade da organização militar de se
valer desses recursos para a realização de seus eventos. Menciona que a busca de patrocínio
com a iniciativa privada poderia afrontar o princípio da moralidade, mormente o Código de
Ética do Servidor Público [Decreto n. 1.171, de 22 de junho de 1994]. Defende que esse
normativo veda ao servidor público ‘pleitear, solicitar, provocar, sugerir ou receber qualquer
tipo de ajuda financeira, gratificação, prêmio, comissão, doação ou vantagem de qualquer
espécie, para si, familiares ou qualquer pessoa, para o cumprimento da sua missão ou para
influenciar outro servidor para o mesmo fim’. Mas eu não vejo na ação de pedir ajuda aos
empresários qualquer infração ao dispositivo ora comentado. Vale esclarecer que a vedação
contida no Código de Ética refere-se a benefícios que venham a ser revertidos ao servidor, à
sua família ou qualquer outra pessoa. No nosso caso, pretende-se a captação de recursos para
a realização de evento em que toda a comunidade seria beneficiada”.
Esfregando a mão no queixo, bastante pensativo, mas não resignado, o Coronel
Trautman emendou: “Obrigado pelas informações, Oblivion. Agora a decisão é minha. Volte
aqui amanhã pela manhã, junto com o Capitão Siqueira Campos. Você está dispensado. Pode
retornar às suas atividades”.
Na manhã seguinte, conforme estabelecido pelo Comandante, se apresentaram o
Tenente-coronel Oblivion e o Capitão Siqueira Campos. O Coronel Trautman recebeu-os já
dizendo: “Vamos dar continuidade aos procedimentos relativos ao Dia da Criança. Essa é a
minha decisão”.
Oblivion e Capitão Siqueira se entreolharam, surpresos com a decisão. Depois de uma
pequena pausa, o Coronel Trautman, alisando seu bigode, num claro esforço para aceitar as
ponderações de seus oficiais, disse, titubeante: “Em todo caso, para esclarecer essa história,
precisamos urgentemente contatar a Assessoria Especial e falar com o Coronel Braddock. Ele
saberá dizer como devemos proceder neste caso. Eles saberão nos informar como realizar o
evento sem pôr em risco a lisura e as boas práticas administrativas”.
Oblivion: “Certo, Comandante. Vou providenciar a viatura para que possamos todos ir
a Florianópolis saber o que deve ser feito”.
No dia seguinte, embarcaram o Coronel Trautman, o Tenente Coronel Oblivion, o
Capitão Siqueira Campos e o Tenente Pinga-Fogo.
5 NOTAS DE ENSINO
Aplicação do caso
Roesch (2007, p. 1-4) esclarece que os casos para ensino foram concebidos a mais de
100 anos na Universidade de Harvard nos Estados Unidos. A autora apresenta ainda que, uma
vantagem é possibilidade de aprendizagem sobre resolução de problemas e tomada de
decisões sem os riscos. De fato os riscos inerentes aos fatos concretos - uma decisão errada,
por exemplo - podem comprometer a organização e/ou seus usuários e colaboradores tanto em
aspectos financeiros quanto sociais. Evidentemente que não se deseja correr riscos
desnecessários, modo que o exercício de análise com casos que congreguem os elementos
necessários de uma realidade vivida por alguém ou instituição vem ao encontro da segurança
almejada.
Neste sentido, de caso de ensino – cabe destacar que hoje é um dos produtos finais
possíveis nos mestrados profissionais –, segundo Roesch (2007 p. 4), possibilita o resgate da
experiência profissional relatando situações reais com uma construção baseada em pesquisas
efetuadas nas organizações;
Feitas esta apresentação inicial indicamos a utilização deste caso inicialmente às
organizações militares em especial as do Exército Brasileiro (EB). Especialmente o EB por
conta da experiência desta instituição em promover a constante atualização de seus quadros
no tocante as peculiaridades administrativas do dia-a-dia da caserna. Trata-se do Simpósio de
Administração em que deixo as considerações para a própria Secretaria de Economia e
Finanças do Exército (SEF):
A Administração Pública, assim como as demais áreas sociais, encontram-se em
constante evolução doutrinária e tecnológica, e, nesse sentido, a sedimentação e o
aprimoramento daqueles conhecimentos já consagrados, bem como a absorção das
novas idéias e tendências, faz parte do constante e imperioso aprendizado que é
exigido de todos os profissionais envolvidos na gestão de recursos públicos.
A compreensão de complexos procedimentos técnicos, em constante mutação
devido ao grande volume de normas legais que são publicadas diariamente, pelos
diversos agentes governamentais, faz parte do principal desafio a ser enfrentado,
diuturnamente, por todo aquele que lida rotineira ou esporadicamente com bens,
direitos e obrigações públicas.
Assim sendo, a Secretaria de Economia e Finanças (SEF), ciente de que a efetiva
capacitação e o exaustivo treinamento dos recursos humanos é a melhor maneira
para se evitar impropriedades e/ou irregularidades administrativas, elaborou
uma lista de assuntos e procedimentos que deverão, constantemente, ser objeto de
simpósios e/ou instruções para todos os agentes da administração.
Para elaboração da presente lista, a SEF levou em consideração aqueles assuntos que,
num primeiro momento, foram julgados mais importantes pelos seguintes motivos:
(...)
- é extremamente importante para o Exército que todos os seus quadros estejam
capacitados a agir como elementos avançados do controle interno.
6 As palestras disponibilizadas por esta Secretaria constituem uma base mínima de
conhecimentos que devem ser ministrados objetivando o preparo dos agentes da
administração. (grifos meu)
Face ao exposto e, notadamente a minha experiência profissional de mais de 15 anos
perpassando diversas lidas administrativas e acompanhando as demandas dos sistemas de
controle interno e externo, vislumbrei a construção deste caso de ensino que perpassa
situações que podem ocorrer em mais de 500 organizações militares do EB espalhados pelo
país.
Subsidiariamente, o caso também pode ser utilizado em cursos de gestão pública, em
aulas que discutam um ou mais dos seguintes temas:
• Captação de recursos diretamente por instituição pública mediante doações. Desafios
na aplicação diante das determinações legais;
• Gestão social: os desafios nas parcerias público-privadas e organizações da
sociedade civil;
• O Direito e o papel das Forças Armadas nas ações cívicos-sociais (ACISO).
Finalidade institucional e sua legalidade.
Fonte de dados
As informações foram coletadas do processo jurisdicional do Tribunal de Contas da
União através do Acórdão Nº 2198/2007 – TCU – Plenário e seus anexos. Como os
procedimentos realizados pelas instancias da corte de contas são bastante detalhados os
documentos citados serviram como uma fonte rica e adequada a construção do caso. Para as
notas de ensino foram utilizados, além do acórdão em comento, outras fontes referenciadas ao
longo da Análise Teórica e apresentadas nas Referências Bibliográficas.
Objetivos educacionais
Espera-se que a leitura, análise e discussão do caso ajudem o aluno a:
• Reconhecer e problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir
modificações, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer,
em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão;
• Desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos
institucionais no setor público.
Questões para discussão
1. Capacidade de analisar problemas e de questionar decisões tomadas
• Descreva a finalidade institucional do Exército Brasileiro.
7 • Discuta a realização de um evento dessa natureza é condizente com essa finalidade.
Apresentar fundamentação.
• Discuta se a atuação do Exército Brasileiro nas ACISO e sobre o seu amparo legal.
Apresentar fundamentação.
• Discuta sobre a possibilidade de captação de recursos diretamente por instituição
pública mediante doações.
2. Capacidade de apresentar soluções alternativas
• Identifique os desafios para aplicação diante das determinações legais.
• Elabore políticas e práticas administrativas que podem ser aplicadas para prevenir a
ocorrência dos problemas.
5. Habilidade de desenvolver argumentos e comunicar ideias em grupo
(objetivo a ser atingido pela interação dos alunos durante a discussão do caso.)
6. capacidade de ouvir e de aceitar o ponto de vista de outros
(objetivo a ser atingido pela interação dos alunos durante a discussão do caso.)
7. Habilidade de analisar e comentar a literatura, com base nas evidências apresentadas
no caso ou em outras situações vividas pelos participantes da discussão;
Como organizar e como gerenciar recursos financeiros doados por terceiros, visando o
atendimento da legislação vigente?
Quais são as principais dificuldades para organizar e gerenciar a atividade do Dia da
Criança e outros eventos dentro das ACISO?
Análise teórica
A narrativa do caso trata de possíveis irregularidades perpetradas especificamente pelo
Comando do 171º GAC, mas as situações apresentadas podem ocorrer em outras organizações
públicas que venham a receber recursos de doação. Desse modo, a situação observada no caso
é aplicável a muitas outras instituições públicas.
Conforme destacado no texto do caso, fica evidente o questionamento sobre a
legalidade de o quartel ter recebido verbas da comunidade para realizar eventos de cunho
social, tendo, para tanto, utilizado pessoal daquela organização militar, bem como
disponibilizado os meios necessários à consecução do evento.
Respondendo à indagação da legalidade, é necessário destacar que, na administração
pública, só é possível realizar aquilo que está previsto em lei. Segundo Meirelles (2003):
8 Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração
Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode
fazer assim”; para o administrador público “deve fazer assim” (MEIRELLES, 2003, p.
85).
O papel das Forças Armadas está inscrita na Constituição federal de 1988 em seu
artigo 142 que assim determina:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base
na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e
destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa
de qualquer destes, da lei e da ordem.
Nesse sentido, o § 1º do art. 142 da Constituição Federal dispõe que lei complementar
estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das
Forças Armadas.
Foi a Lei Complementar n. 97, de 9 de julho de 1999, que veio regulamentar a matéria.
Desse normativo, vale destacar o preconizado em seu art. 16:
Art. 16. Cabe às Forças Armadas, como atribuição subsidiária geral, cooperar com o
desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da
República.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, integra as referidas ações de caráter geral
a participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse
social. (grifo nosso).
Logo, a participação das Forças Armadas em campanhas institucionais de utilidade
pública ou de interesse social é possível. Corrobora o exposto o relato do Ministro do
Tribunal de Contas da União, Marcos Bemquerer Costa:
Elemento de integração nacional, os militares realizam atividades por diversas vezes
esquecidas por aqueles que vivem em grandes centros urbanos, onde as facilidades são
colocadas ao alcance de quase toda a coletividade. Não se pode olvidar, contudo, que
o Brasil é um país de dimensões continentais e que, por muitas vezes, a presença do
Estado somente é sentida pelas atividades desenvolvidas anonimamente pelos
militares. (Acórdão n. 2.198/2007 – TCU – Plenário).
Nesse contexto, temos as ACISO desenvolvidas pelas três Armas. A título de
exemplo, vale citar o baile da terceira idade, em continuidade às ACISO da Marinha do
Brasil, inseridas no contexto da Operação Atlântico II, que realizou um grande baile
9 direcionado às pessoas da terceira idade, no Centro de Convivência do Idoso, em Marataízes.
O evento contou com a apresentação da Banda de Música da Marinha do Brasil e também
com o Coral da Terceira Idade, o que proporcionou, para cerca de cem idosos, uma agradável
tarde, repleta de muita música e dança de salão.
A definição do que vem a ser utilidade pública ou interesse social não é tarefa fácil,
uma vez que se trata de conceito jurídico indeterminado. De acordo com Carvalho Filho
(2005, p. 41), “conceitos jurídicos indeterminados são termos ou expressões contidos em
normas jurídicas, que, por não terem exatidão em seu sentido, permitem que o intérprete ou o
aplicador possam atribuir certo significado, mutável em função da valoração que se proceda
diante dos pressupostos da norma. É o que sucede com expressões do tipo ‘ordem pública’,
‘bons costumes’, ‘interesse público’, ‘segurança nacional’ e outras do gênero. Em palavras
diversas, referidos conceitos são aqueles cujo âmbito se apresenta em medida apreciável
incerto, encerrando apenas uma definição ambígua dos pressupostos a que o legislador
conecta certo efeito de direito.”
Diante do exposto, o limite entre o que a norma permite e rejeita fica bastante reduzido
quando o aplicador do direito se depara com os ditos conceitos jurídicos indeterminados. Fica
mais complicado ainda quando o aplicador do direito é um administrador público, porquanto,
consoante o princípio da legalidade, somente lhe é permitido fazer o que a lei determina.
Segundo o Ministro Bemquerer: “A solução para esses casos passa necessariamente pela
observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”.
Resta verificar, assim, se as atividades empreendidas pelo 171º Grupo de Artilharia de
Campanha encaixam-se, segundo os princípios acima descritos, nos conceitos de utilidade
pública ou de interesse social.
O fato de trazer jovens para realizarem atividades no interior da organização militar
tem o condão de despertar a noção de patriotismo e de cidadania. Nesse sentido, não se pode
dizer que foge à razoabilidade a adoção dessas ações. Ademais, a integração das Forças
Armadas com a comunidade é demasiadamente salutar, mormente nas cidades em que a
presença do Estado pouco se faz sentir. Logo, a realização da referida atividade harmoniza-se
com o papel do 171º GAC.
Outro ponto a se discutir refere-se ao tipo de tratamento que deve ser dado aos
recursos captados na comunidade, bem como discutir a possibilidade de a organização militar
dispor de meios materiais e humanos e se há legitimidade em se valer desses recursos para a
realização de seus eventos.
A busca de patrocínio com a iniciativa privada poderia afrontar o princípio da
moralidade, mormente o Código de Ética do Servidor Público, que veda ao servidor público
“pleitear, solicitar, provocar, sugerir ou receber qualquer tipo de ajuda financeira,
gratificação, prêmio, comissão, doação ou vantagem de qualquer espécie, para si, familiares
ou qualquer pessoa, para o cumprimento da sua missão ou para influenciar outro servidor para
o mesmo fim.” Todavia, não houve qualquer infração ao dispositivo ora transcrito. Vale
esclarecer que a vedação contida no Código de Ética refere-se a benefícios que venham a ser
revertidos ao servidor, à sua família ou qualquer outra pessoa. No caso, os recursos seriam
para realização de evento em que a comunidade seria beneficiada.
Quanto à legalidade de recebimento de doações, o Manual Técnico do Orçamento
(MTO), elaborado pelo Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG), apresenta,
entre as fontes orçamentárias previstas, “doações de pessoas ou instituições privadas
nacionais”. Assim, fica clara a possibilidade de pessoas físicas e jurídicas fazerem as doações
10 que bem desejarem. Logo, não se pode dizer que a utilização de patrocínios fere o princípio
da legalidade.
Quanto ao tratamento que deve ser dado aos recursos captados, todavia, foi bem
observado pelo Capitão Siqueira Campos o princípio de unidade de Tesouraria. A esse
respeito, vale transcrever o art. 56 da Lei n. 4.320/1964:
Art. 56. O recolhimento de todas as receitas far-se-á em estrita observância ao
princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de
caixas especiais.
O recolhimento dos recursos arrecadados visa permitir a atuação dos controles social,
interno e externo. Uma vez recolhidos aos cofres públicos, a natureza dos recursos transmudase para pública. Nesse sentido, somente podem ser utilizados quando respeitadas as normas
atinentes à licitação (Leis n. 8.666/1993 e n. 10.520/2000) e às despesas públicas (Lei n.
4.320/1964). Dessa forma, toda doação feita ao 171º GAC deve ser recolhida aos cofres
públicos, merecendo, por conseguinte, o mesmo tratamento dos demais recursos públicos.
Roteiro para discussão
O presente caso pode ser aplicado de maneiras distintas, conforme a disponibilidade
de tempo e número de participantes da turma. Apresentamos uma forma de condução das
atividades que pode ser adaptada conforme a necessidade.
Recomenda-se que os alunos tenham lido o caso previamente à seção em que ele será
aplicado. Caso isso não seja possível, recomenda-se reservar um tempo não inferior a 20
minutos, para a leitura.
Etapa 1 – 5 minutos
Para a aplicação do caso em sala de aula, recomenda-se a divisão da sala em grupos de
discussão com 4 a 6 integrantes. Uma vez formados os grupos, o professor enunciará a tarefa:
“Vocês fazem parte da Assessoria Especial em Florianópolis e receberam a visita
do Coronel Trautman e sua delegação. A tarefa agora é discutir as possibilidade e
entregar uma (ou mais de uma, se possível) solução para o caso.”
Esta é a direção geral que provocará a discussão no âmbito dos grupos.
Etapa 2 – 20 minutos
Cada grupo, então, exercendo o papel de Assessoria Especial, deverá buscar
posicionar-se em relação à tarefa. As questões de estudo sugeridas nestas Notas de Ensino
podem servir de apoio à discussão e podem ser entregues aos grupos a critério do professor.
11 Etapa 3 – 20 minutos
Durante o debate, o professor poderá, caso julgue conveniente, apoiar os grupos,
introduzindo questões adicionais para orientar o rumo das discussões, sem, contudo, intervir
diretamente. Seguem alguns exemplos de questões que poderão ser utilizadas.
Etapa 4 – 20 minutos
Após o debate, sugere-se que cada grupo exponha rapidamente à sala as conclusões a
que chegou. O professor fará comentários, apontando falhas nas propostas, indicando as boas
ideias. Nesta fase, também se sugere que o professor apresente à turma o desfecho do caso
real, relatado nestas Notas de Ensino.
O que aconteceu no caso real
É interessante que, na aplicação do caso, o professor mencione que a narrativa trata de
uma situação real, que foi objeto de reclamação apresentada à Ouvidoria do Tribunal de
Contas da União, dando conta de possíveis irregularidades perpetradas pelo Comando do 28º
Grupo de Artilharia de Campanha, localizado na cidade de Criciúma-SC. Se achar oportuno,
poderá apresentar e/ou comentar o acórdão que decidiu sobre a representação:
ACÓRDÃO Nº 2198/2007 - TCU - PLENÁRIO
(...)
VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que foi apresentada reclamação junto à
Ouvidoria desta Corte de Contas sobre possíveis irregularidades perpetradas no âmbito
do 28º Grupo de Artilharia de Campanha do Comando do Exército.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão
Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. com fulcro no art. 237, inciso VI e parágrafo único, do Regimento Interno/TCU,
conhecer da matéria tratada nestes autos como Representação formulada pela unidade
técnica, para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente;
9.2. com fundamento no art. 250, inciso II, do Regimento Interno/TCU, determinar aos
gestores responsáveis pelo 28º Grupo de Artilharia de Campanha que, doravante,
observem a necessidade, consoante o disposto no art. 56 da Lei n. 4.320/1964, de
recolherem aos cofres públicos os recursos recebidos a título de doação, dandolhes, por conseguinte, tratamento público; (grifo meu)
(...)
Note-se que o acórdão coincide com a opinião de Siqueira Campos, ao apontar
necessidade de recolhimento aos cofres públicos das doações recebidas pela unidade militar.
12 Outras possibilidades
Uma das vantagens do caso de ensino, consonante aos objetivos educacionais, é a
possibilidade de surgimento de diferentes soluções. Evidentemente que este alcance depende
tanto da habilidade do professor em promover esforços individuais e grupais quanto do nível
de conhecimento daqueles que ora se submetem ao caso de ensino em análise.
Todavia, uma possibilidade (caso não tenha surgido na discussão do caso) seria
mencionar outra forma factível de utilização direta dos recursos pela unidade militar,
explorada pelo Ministro Marcos Bemquerer Costa, em seu relatório para o Acórdão n.
2198/2007 – TCU – Plenário:
Alternativamente, vislumbro a possibilidade de a iniciativa privada gerir, diretamente
ou com apoio da organização militar, os recursos de doação. Nesse sentido, os
patrocinadores poderiam depositar as suas contribuições em conta-corrente específica
[de uma empresa ou associação, por exemplo] que seria utilizada para fazer frente às
despesas do evento. Assim, uma vez que a origem e a gestão dos recursos seriam de
natureza particular, não se teria a necessidade de recolhê-los aos cofres públicos,
tampouco de lhes dar tratamento público. Vale, contudo, o alerta de que, nesses casos,
a participação da unidade militar apenas cingir-se-ia à cessão do espaço para a
realização dos eventos.
Esta possibilidade, contudo, deve ser vista com cautela. A cessão de espaço para
realização de eventos é acompanhada pela falta de transparência e critérios razoáveis na
utilização de áreas militares por terceiros. Um exemplo que ganhou destaque na mídia foi a
utilização de espaços localizados na orla do Rio de Janeiro. Em que pese a legalidade de tais
concessões de espaço seu controle é exercido exclusivamente pelas unidades militares sem
uma normatização por parte dos escalões superiores que impeça a subutilização para fins
econômicos. Fato este que acometeu o Forte de Copacabana no ano de 2013 em que uma área
construída mais a praia foram concedidas a empresa Seven Music Entertainment em conjunto
com um empresário carioca. O evento chamado de Aqueloo Beach Club, visava investimento
de 2,5 milhões de reais. Com ingressos que variavam de 90 a 250 reais, e camarotes entre
4.000 e 20.000 reais, não se pode deixar de refletir sobre os aspectos ligados ao princípio da
moralidade administrativa ao se permitir a exploração econômica de bens públicos sem o
devido processo licitatório.
REFERÊNCIAS
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outubro de 1988.
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______.
Tomada
de
contas:
TC-017.645/2006-0
Disponível
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<http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2046314.PDF>. Acessado em: 10 de abril de
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______. Acórdão n. 2198/2007 – TCU – Plenário. Disponível em:
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6task%3Ddoc_download%26gid%3D9374%26Itemid%3D&ei=ZKZkUqDmJPOw4AOsmY
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14 BRASIL. Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui normas gerais de direito
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