Verdes Campos Amarelos
Maria Gerusa Pereira Lopes
©2012 Maria Gerusa Pereira Lopes
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L8811 Lopes, Maria Gerusa Pereira
Verdes Campos Amarelos/Maria Gerusa Pereira Lopes.
Jundiaí, Paco Editorial: 2012.
116 p.
ISBN: 978-85-8148-054-1
1. Literatura Brasileira 2. Literatura Contemporânea 3. Romance
I. Lopes, Maria Gerusa Pereira.
CDD:B869
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura Brasileira
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
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B869
Aos meus filhos, Néia, Nádila, Nàdson e a minha pequena família, porque família é um grupo de indivíduos de talentos e opiniões próprias que juntos se
completam.
Agradeço a Deus por permitir a realização de um
sonho acalentado há dez anos.
À minha primogênita Néia por acreditar e sonhar o meu sonho.
CAPÍTULO I
Caminhando a passos rápidos, mas seguros, aquela menina apressava-se em chegar ao seu destino. Uma menina de cabelos longos e negros, pele branca e olhos verdes
perdidos na imensidão dos seus pensamentos de menina
pequena, revelados somente a ela. Aquela menina precisa
chegar à hospedaria de dona Maroca, e para isso atravessava longas avenidas com alguns carros, sempre da cor preta,
muitas pessoas e bondinhos. Os imensos trilhos de ferro,
onde os trens de longe anunciavam aos seus passageiros a
sua chegada com enormes baforadas de fumaça.
Aquela criança ficava admirada com tantos movimentos
e desejava um dia estar em um daqueles trens sentada em
uma janela acenando para as pessoas que estavam na estação. Imediatamente lembra-se dos seus afazeres e correu
em direção à hospedaria. Chegou à porta da hospedaria e
entregou um bilhete ao porteiro, seu Manoel, que sempre
a tratou com muito carinho. Era um homem magro, muito
magro, mas tinha um aspecto de jovem. Eli, nos seus quase
seis anos, não conseguia visualizar o rosto de seu Manoel
debaixo do boné, mas sabia que ele era jovem e não muito
bonito. Eli comenta sempre com sua amiga Anita:
— Quem se importa! Gosto dele assim mesmo! É gentil
e sempre me dá bolinhos de chuva, que ele compra na padaria do seu Ezequiel. Dizem que seu Ezequiel tem muito
dinheiro. Mas que ele é muito gordo, isso ele é.
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Sempre que Eli entregava o bilhete para seu Manoel o
via ir até a padaria e na volta lhe trazia muitos bolinhos de
chuva. Nunca sabia por que isso acontecia, mas adorava os
bolinhos. Talvez no bilhete estivesse escrito que era para
lhe dar bolinhos e depois sua mãe passava na padaria e
pagava os bolinhos.
Eli morava com sua mãe em um pequeno quarto, simples, mas aconchegante. O quarto também servia de cozinha e sala, e apenas um pequeno banheiro fora do quarto, que por sua vez era dividido para mais três pessoas, as
quais Eli via muito pouco. Sabia que eram mulheres muito
bonitas. Tinha uma que aparentava ar de cansada e sempre
chegava pela manhã e dormia o dia todo. Eli tinha pouco
contato com elas, mas sua mãe gostava muito das moças.
Dizia sempre que eram como irmãs.
Eli tinha uma amiga inseparável. Anita era tão boa que
às vezes Eli sentia pena dela, tinha um defeito nas pernas
devido uma paralisia. Mas Anita nunca deixava de brincar e
ser criança. Às vezes ficavam horas olhando o movimento
das pessoas e dos carros indo e vindo. O andar das pessoas
fascinava Anita. Ver os pés com movimentos tão sincronizados. Sentava na calçada da farmácia Vila Real, até que
aquele velho carrancudo as expulsava dali. O velho Tião
Real era um homem solteirão e talvez por isso não gostasse
de crianças. Eli sempre defendia seu Tião dizendo:
— Sabe, Anita, ele não é ruim como parece. Sempre
que eu adoeço sou atendida por ele e os remédios são de
graça, ele não cobra um tostão da Mamãe.
As duas saíam dali caminhando a passos bem lentos,
pois Anita, com suas muletas, não podia caminhar depressa.
Eli contava para Anita seus sonhos desejando que um dia
se realizassem.
Certa vez que as duas se aproximavam da casa de Anita,
Eli percebeu algo estranho, via muito movimento, pessoas
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correndo e a polícia ainda mais depressa. As duas pequeninas começaram a ficar preocupadas e apavoradas. Não podiam correr, pois Anita não conseguia e Eli não podia deixar sua amiga sozinha naquele tumulto. Estavam ansiosas
para descobrir o que acontecera, pois o tumulto e a fumaça
estavam vindo da rua onde as duas moravam. Ao chegar
mais perto, Eli viu sua casa em chamas. Ficou estarrecida,
perdeu imediatamente a vontade de saber o que acontecera. Temia o pior. Anita sacudia sua amiga por diversas vezes
chamando seu nome. Nenhuma resposta. De repente uma
mão conhecida agarrou Eli e ela começou a tremer. Era sua
mãe que a segurava com força e a puxava para si dizendo:
— Vamos, Eli. Depressa. – Sua mãe estava desesperada.
Ao puxar Eli para sair, virou-se para Anita e falou:
— Anita, não conte a ninguém que nos viu, nem mesmo para sua mãe. Você promete? – Anita não entedia nada,
parada, apenas balançou a cabeça olhando para Eli procurando uma resposta.
— Apenas prometa, Anita. Prometa pela sua amiga. – Falou a mãe de Eli. Sem entender os acontecimentos, Anita
continuava a balançar a cabeça em sinal afirmativo.
Anita viu aquelas duas criaturas sem destino correr em
meio à fumaça e agitações. Viu sua melhor amiga acenar
em sinal de adeus. As lágrimas escorriam do rosto de Eli
enquanto sumiam na rua adiante. Enquanto Eli desaparecia, Anita chorou. As lágrimas caíram em suas botas como
pingos de chuva. Desmaiou.
Ao acordar, Anita olhou ao seu redor e viu sua mãe ao
seu lado. Havia uma mulher de branco, devia ser a enfermeira. Pensou.
— Anita, até que enfim você acordou! Tudo bem? – Anita não respondeu a pergunta de sua mãe. Veio em sua cabecinha de criança a cena de sua amiga e sua mãe correndo, fugindo. Por quê? Precisava saber.
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— Onde está Eli? O que aconteceu, mamãe? – Anita
perguntava aflita, preocupada com o destino de sua melhor amiga.
— Não é hora de conversarmos, minha filha. Quero
que você descanse. Em poucas horas iremos para casa.
Anita começou a chorar e querer explicações. Os pais
de Anita entreolharam e perceberam que para aquietar o
coraçãozinho daquela criança tinham que contar a verdade. Foi seu pai que falou primeiro, pois sua mãe estava na
janela com as lágrimas nos olhos.
— Sabe filha, a vida é um pouco dura com algumas pessoas. Infelizmente para sua amiga, Eli e sua mãe, o destino
foi um pouco cruel — O pai de Anita beijou-lhe as faces e
continuou a falar.
— Sua amiga morreu no incêndio junto com sua mãe.
Sinto muito filha.
Aquelas palavras ecoaram pelo quarto enquanto Anita
dizia ao seu pai:
— Não papai, não é possível. Eu as vi. Elas não morreram. – Anita falava enquanto tentava levantar para convencer seu pai que as duas não estavam mortas. Seu pai
abraçou-a enquanto sua mãe juntava-se a eles falando em
voz rouca e mansa.
— Calma, minha filha. Sinto muito te dizer, mas as palavras do seu pai são verdadeiras. A mãe de Eli tinha um
romance com seu Ezequiel da confeitaria. A mulher dele
descobriu e os filhos dele foram tomar satisfação e colocaram fogo na casa dela. Bateram muito nela. Quando a
polícia chegou não tinha mais jeito, tudo estava queimado.
Anita ficou parada olhando o teto verde claro e começou a sorrir. Agora entendia tudo. Elas não tinham morrido.
Dona Marta, a mãe de Eli, conseguiu escapar. Elas estavam
bem longe dali. Sua amiga não estava morta e guardaria
aquele segredo para sempre.
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— Os filhos do senhor Ezequiel fugiram. São ricos e
não vai acontecer nada com eles. – A mãe de Anita falava
com pesar no coração.
— Seja feliz, minha amiga. – Anita desejou com todo o
ardor do seu coração jovem.
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CAPÍTULO II
Viajar de trem era o sonho de Eli, mas não naquelas
circunstâncias. Fugidas. Se esgueirando pelas ruas, escondendo das pessoas como bicho do mato. Mas já que estava
no trem, ia aproveitar. Eli começou a dar tchau, não tinha
ninguém na estação, mas mesmo assim ela continuava sorridente e acenava com a mão. Estava feliz por estar viajando de trem pela primeira vez. De repente sentiu uma forte
ardência na mão. Ganhara um forte tapa de sua mãe.
— Coloque este braço para dentro e abaixe-se. – Falou
sua mãe agitada.
— Quer que nos vejam aqui? Porque se isso acontecer
estamos perdidas.
Eli conteve sua alegria e viu que sua mãe estava muito
nervosa.
A viagem estava muito cansativa. Trocaram de trem
duas vezes. Para Eli, aquela criança de olhos vivos e observadores, tudo era motivo de alegria. Apenas a agitação
constante de sua mãe a incomodava. Era um cigarro atrás
do outro e contraía as mãos em sinal de nervosismo.
Com muito pesar, Eli viu sua mãe cortar aqueles cabelos cor de fogo que a encantavam. Aquelas madeixas
avermelhadas caíam no colo de sua mãe como labaredas
consumindo o tecido de sua roupa. Eli as apanhava uma
a uma e ia desenrolando, e ficavam enormes. Colocava os
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enormes fios de cabelo em uma caixinha preta com bordados dourados. Era uma caixinha muito bonita que Eli
ganhara de seu Ezequiel, o homem da padaria. Quando a
caixinha estava cheia, ela fechou e guardou. Enquanto isso
sua mãe enxugava as lágrimas do rosto e passava a mão nos
cabelos agora curtos.
Ao descer do trem, Eli viu uma pequena cidade. Casas
simples e algumas pessoas que por ali passavam. Ao longe
viu paisagens belíssimas. Muito verde, flores e lindos jardins. Eli percebeu logo que iria gostar daquele lugar.
— Mamãe, que lugar é esse? Onde estamos? Por que
o verde perde de vista? – Perguntava Eli, querendo saber
o destino das duas. Sua mãe relutou um pouco enquanto
olhava tudo, mas respondeu com uma lágrima.
— Este é o lugar onde nasci, filha. Aqui tive momentos bons. Pensei que nunca mais voltaria aqui. – Parou um
pouco de falar e limpou uma lágrima que teimava em cair.
— Eli, quero que preste bastante atenção. – Marta segurou Eli pelos ombros e olhou bem no fundo de seus olhos.
— De hoje em diante, Eli, se alguém perguntar para
você pelo seu pai diga que morreu e a mamãe ficou viúva. Não me pergunte por que, apenas diga o que te falei.
Certo? – Eli não entendeu o que sua mãe queria dizer, mas
concordou. Era uma garota esperta e inteligente.
— Eu nasci aqui, filha, e brincava naqueles campos que
você está vendo. — Marta apontou para o verde ao longe.
— Fui muito feliz aqui. Até o dia que mudamos para São
Paulo. Eu tinha a sua idade, Eli, e nunca mais voltei.
Lágrimas escorreram dos olhos de Marta. Eli, parada,
segurava a mão de sua mãe com força e a imaginava correndo pelos campos, e o vento batendo em seus cabelos
de fogo. O que será que aconteceu? Sua mãe tinha sempre
os olhos distantes e tristes. Será que o seu pai morava naquela cidade? Sua mãe nunca falava dele. Dizia sempre que
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fora abandonada quando estava grávida de Eli. Coitada de
sua mãe. Não queria pensar, pois não compreendia as coisas direito. Queria apenas sentir o ar fresco da manhã de
quarta-feira. Era primavera.
— Eli. – Chamou sua mãe. — Se alguém perguntar pelo
seu pai, diga que morreu. Está bem?
— Assim você se tornaria viúva, mamãe? – Perguntou
Eli, sentindo os primeiros raios de sol em seu rosto.
— Sim. – Respondeu Marta, com muita dor no coração.
Sem olhar para trás seguiram por uma ruela atrás da estação. A estação e a cidade se completavam. Para Eli, tudo
era novidade. Para Marta, nada era novidade. Estava apenas um pouco diferente. Será que ainda conhecia sua casa?
Onde moraram até os sete anos de idade. Sabia pelos seus
pais, antes de morrerem vítimas de envenenamento, que a
casa agora era de sua madrinha que havia ficado viúva.
Vinte anos depois, a casa continuava na mesma rua H,
número quarenta. Era uma casa de esquina toda branca,
com janelas de madeira feitas pelo seu pai, que era carpinteiro. As portas tinham adornos que pareciam cabelos de
anjos. Havia um muro com grades que separava o jardim da
rua. Os jardins de rosas amarelas não existiam mais. Tinha
apenas umas plantas altas de folhas grandes e arvores médias desfolhadas. Algumas flores silvestres saíam espremidas
por entre o muro e a calçada. Agora as poucas ruas que a
cidade tinha estavam calçadas com pedras. Aquela casa não
era a mesma, parecia sombria e cheia de fantasmas do passado. Marta precisava enfrentar mais este obstáculo de sua
vida, uma vez que já enfrentara tantos outros, desde a morte
de seus pais há nove anos. Que saudades de seus pais.
— O que deseja, minha filha? – Aquela voz era conhecida. Ecoou nos ouvidos de Marta como música tocada no
velho violino de sua mãe. Marta virou devagar e deparou
com aquele rosto amigo.
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— Não me conhece mais, minha madrinha querida?
Os lábios de Marta começaram a tremer, enquanto os
olhos negros de sua madrinha encheram de lágrimas ao
reconhecer sua afilhada preferida. Suzan era uma mulher
de feições encantadoras. Uma mulher forte e determinada que nem mesmo o tempo e o sofrimento foram capazes de tirar aquele sorriso que mostravam todos aqueles
dentes perfeitos.
O abraço foi longo. Os olhares diziam tudo. Aquelas
duas mulheres necessitavam de carinho e aquele momento
era eterno. Eli estava encostada no muro e assistia àquela
cena emocionada. Nunca tinha visto sua mãe sorrir com
tanta felicidade. Marta e Suzan viraram para Eli e foi Susan
quem falou:
— Posso saber quem é essa criança tão linda de cabelos
negros e olhos verdes como uma esmeralda? – Suzan falava
enquanto caminhava em direção a Eli.
— Oi! Eu sou Eli. Minha mãe falou de você. É tia Suzan.
Posso te chamar de tia, não posso? – Eli falava enquanto era
abraçada por Suzan.
— Esta é a minha filha, tia Suzan. – Marta falou orgulhosa de apresentar Eli para Suzan.
— Muito prazer, Eli! Sei que vamos nos dar muito bem.
Suzan convidou-as para entrar e colocou Eli no chão,
pois já estava velha e não aguentava carregar pesos.
— Carreguei muito sua mãe no colo, pequena Eli! Mas
sinto que as forças me faltam agora.
— Onde está o jardim de rosas amarelas? – Eli falou enquanto entrava e olhava em volta à procura do jardim que
a sua mãe tanto falava na viagem de trem. Suzan subiu as
escadas que davam para a varanda. Olhou para Marta que
já estava com Eli no colo.
No chão um tapete feito de retalhos. Marta conhecia
bem aqueles tapetes que sua madrinha fazia tão bem.
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