II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR A RELAÇÃO ENTRE LITERATURA, CULTURA E O JOGO DIALÓGICO ENTRE ESSAS CATEGORIAS: UMA LEITURA DO CONTO MEU TIO IAURETÊ DUARTE, Jane Deise Bezerra (UNIOESTE) RESUMO: Por meio deste ensaio temos a intenção de, com base nas leituras dos textos: O discurso crítico brasileiro, SOUZA, Eneida (2002); A língua, a letra, o território; MIGNOLO, Walter de; Os Processos de Transculturação na Narrativa Latinoamericana; RAMA, Ángel (2001), analisar o conto: Meu tio Iauaretê do escritor Guimarães Rosa. Partirmos para o entendimento do conceito de Transculturalização conforme Rama, pensar a transculturalização no estudo da transferência ou da transitividade cultural a partir do desafio apresentado pelas narrativas neo-regionalistas latino-americanas. Estudo no qual são citados escritores como Arguedas, Garcia Marques, Juan Rulfo e o escritor brasileiro Guimarães Rosa. (SOUZA, 2002, p. 47). No sentido de aproximar a concepção de Transculturalização à Literatura põem-se em cena os estudos do uruguaio Ángel Rama ao estudar as culturas do continente latino americano, valiosas em sua variedade mestiça. Seus estudos trouxeram importantes contribuições a respeito da formação do romance na América Latina, as relações entre literatura, cultura e classes sociais e o complexo jogo entre vanguarda e regionalismo. Nesse sentido, segundo o autor, podemos pensar a literatura enquanto objetivo de trabalho cultural na medida em que dialoga com áreas das Ciências Humanas. PALAVRAS-CHAVE: Transculturalização, literatura, Meu tio Iauretê, Guimarães Rosa “Eu quero tudo: o mineiro, o brasileiro, o português, o latim, talvez até o esquimó e o tártaro. Queria a linguagem que se falava antes de Babel”. Guimarães Rosa na entrevista a Günter Lorenz, em 1965. 1 - Introdução No sentido de aproximar a concepção de Transculturalização à Literatura põemse em cena os estudos do uruguaio Rama (2001), ao estudar as culturas do continente latino americano, valiosas em sua variedade mestiça. Seu estudo trouxe importantes contribuições a respeito da formação do romance na América Latina, as relações entre literatura, cultura e classes sociais e o complexo jogo entre vanguarda e regionalismo. Primeiramente partirmos para o entendimento do conceito de Transculturalização. A proposta de Rama é pensar a transculturalização no estudo da transferência ou da transitividade cultural a partir do desafio apresentado pelas narrativas neo-regionalistas ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR latino-americanas. Estudo no qual são citados escritores como Arguedas, Garcia Marques, Juan Rulfo e o escritor brasileiro Guimarães Rosa. (SOUZA, 2002, p. 47). Conforme Souza 2002, nesse conceito Ángel Rama explora e discute as relações entre universalidade e identidade nacional, modernização e projeto político de homogeneização social, assim como a constituição de discursos contraculturais em sociedades neocolonias marginalizadas e dependentes. E acrescenta que tal conceito foi inicialmente utilizado na área de Antropologia, contudo pode ser ampliado para a abordagem das relações culturais de modo mais abrangente. Nesse sentido, podemos pensar a literatura enquanto objetivo de trabalho cultural na medida em que dialoga com áreas das Ciências Humanas como a já citada Antropologia. Recorremos, neste sentido, aos estudos da linguagem e à teoria da literatura do estudioso Mikhail Bakhtin. Este autor ao se referir ao discurso verbal, o toma como fenômeno de comunicação cultural cuja compreensão não pode ser pensada independentemente da situação social que o engendra, pois segundo suas idéias: “Não é muito desejável estudar a literatura independente da totalidade cultural de uma época, mas é ainda mais perigoso encerrar a literatura apenas na época em que foi criada, no que se poderia chamar sua contemporaneidade” (BAKHTIN, 2000, p 364). O que vai, em nossa opinião, no sentido da visão de Rama (2001) quando pensa a literatura enquanto objetivo de trabalho cultural, por ser constituída à medida que faz parte de um discurso social. Por este viés, podemos pensar a análise do conto Meu tio Iauretê do escritor Guimarães Rosa (2001), pautando-se num estudo sobre o estreito laço entre Literatura e Transculturalização, considerando a importância da relação entre literatura e cultura identidade e o jogo dialógico entre essas categorias especificamente na obra acima citada. Para definirmos dialogismo, faremos alusão ao termo cunhado por Bakhtin. A relação dialógica é uma relação (de sentido) que se estabelece entre enunciados na comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justapostos no plano do sentido (não como objeto ou exemplo lingüístico), entabularão uma relação dialógica. Porém, esta forma particular de dialogicidade não intencional (por exemplo, a reunião de diversos enunciados emanentes de diferentes cientistas e pensadores ao se pronunciarem, em várias épocas, sobre um dado problema) (BAKHTIN, 2000, p. 345-346). Da mesma, forma na visão de Bakhtin, a literatura é tida como um fenômeno que está em constante relação com seu contexto de produção e que faz parte não apenas da ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR cultura, não podendo ser pensada separadamente desta e, passando por cima da cultura, relacioná-la diretamente com os fatores sócio-econômicos, [...] (Bakhtin, 2000, p. 362). 2 - Transculturalização nas obras literárias Ao justificar a utilização da noção de transcultualização voltada para a literatura a pesquisadora Moraña (apud Souza, 2002) acrescenta que a sua formulação e desenvolvimento se projetam além da textualidade narrativa e, nós acrescentaríamos como num jogo dialógico. Ainda segundo a mesma autora, justamente pelo fato de a série literária ser entendida como discurso e práxis cultural, como resposta críticosimbólica e projeto ideológico ante a “aceleração modernizadora”. (MORAÑA apud Souza, 2002). E continua anunciando que tal conceito pode ser ampliado para a abordagem das relações culturais de modo mais abrangente, não se detendo apenas nas questões de ordem moderna e nos problemas vinculados à política. Para entendermos o processo de transculturalização nas obras literárias como resultantes de um contato social, recorremos à Ángel Rama que aponta três níveis distintos e complementares que podem ser apreendidos nesses discursos: o lingüístico, o da estruturação e o da cosmovisão. Sumariamente esses três níveis seriam: a utilização inventiva da linguagem através do resgate de falas e modos de expressão regional ou local; a incorporação do imaginário popular, de formas narrativas e temas próprios, e ao abandono do discurso lógico racional em favor de uma visão mítica. (RAMA, apud AGUIAR & VASCONCELOS, 2001, p. 219 - 225). Neste ensaio nos deteremos no nível linguístico, por motivo de delimitação. Em breves palavras o explicitaremos enquanto utilização inventiva da linguagem através do resgate de falas e modos de expressão regional ou local, a incorporação de outras línguas, no caso o uso do tupi, do africano e da onomatopeia, interpretando essas séries como resultantes da tensão entre a modernidade e a vanguarda. Tais séries que se entrecruzam na cultura brasileira, atentando, especificamente nesta obra, e interpretando-as como tensões resultantes de uma cultura que é híbrida, repleta de assimilações e resistências ou na concepção de Rama, destruições, reafirmações e absorções que se refletem no discurso literário. (RAMA, apud AGUIAR & VASCONCELOS, 2001, p.218). ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR 3 - A arte de contar e ouvir histórias e/ ou a escritura como morte da fala “Ói: mecê gosta de ouvir contar, a‟ pois eu conto”(ROSA, 1985, p.191). Por qual caminho/história iniciaremos? Partiremos da história dos nomes. O nome Bacuriquirepa: é o nome da personagem principal do conto dado pela mãe. “Híbrido de tupi (bacuri/guacuri) e poss. port. (carepa, de crepe), significando menino levado da breca)”; “Breó, Beró: (variantes de Peró) advindos do tupi”; Antonho de Eiesus, nome de batismo dado pelo missionário a pedido do pai, por certo de origem espanhola; Tonico, nome pelo qual se identifica, a princípio; Tonho Tigreiro, nome chamado por Nhô Nhuão Guede; “Macuncozo (nome de um sítio, de origem africana)”; Sem nome (porque não tinha mais paradeiro e transmutou em onça) e Remuaci (montagem de „re‟ (amigo) + „muaci‟ (meio irmão) um dos últimos nomes que fala ao morrer). (Cf BORGES). Vários nomes para designar várias ascendências ou identidades, mas todos são de uma só “pessoa” a personagem “homem-onça”. Assim partindo do nome, percebemos que o contador de histórias ao narrar a sua história é representado por uma personagem híbrida, mestiça que se encontra perdida em sua própria origem. Ao narrar a sua história narra também a história de muitos. Através dessa criação rosiana a personagem principal/protagonista narra sua trajetória de vida em uma noite, ao “prosear” com um visitante. Através das “línguas” que fala, através da cultura plural em que, aparentemente está inserida: “Eh, este mundo de gerais é terra minha, eh isto aqui - tudo meu” (p. 170) Quem são os primeiros habitantes dessas terras: os indígenas e os animais. Transfigurar-se em “onça” é uma forma de resistência cultural. “Antes, de primeiro, eu gostava de gente. Agora gosto é só de onça” (p. 169). Neste conto, (ou novela) há também a representação de uma conversa por meio de um diálogo monologado entre um bugre onceiro e alguém que veio para ele, visitante (cipriuara). Suas histórias como matador de onça e depois matador de gente servem como forma de prorrogar a sua própria morte, representando a morte de uma cultura, de uma língua. Ao prender a atenção do visitante com suas histórias, (tal personagem pode ser um soldado, um jagunço que veio para matá-lo ou mesmo tomar o seu lugar no ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR trabalho de desonçador), infere-se que o onceiro vai ao mesmo tempo entregando-se a própria sorte, que estaria entre matar ou morrer ou ambas. Com este recurso de ir narrando histórias para passar o tempo, Tonico Trigueiro passeia por vários lugares, pelas culturas e pelas várias línguas que aprendeu: as “línguas” tupi, africana, regionalista, onomatopaica, além do bom português. Através dele Guimarães Rosa constrói a representação das identidades brasileira, por meio da transculturalização, que pode ser promovida através da narrativa. As trocas culturais, seguindo o conceito de Rama (2001), aparecem como por um processo de assimilação e resistência: O onceiro se identifica com índio? Homem branco? Bugre? Caraó? Péua? Tacunapéua? Não, como bicho do mato. (p. 160) “Onça” é o que ele quer ser, mas parece, no final, apelar às origens africana (Macuncozo) e à indígena (Remuaci). Todas essas categorias quando entram em contato desencadeiam na personagem sentimentos de perdas e ganhos, sob forma de resistências e assimilações de conteúdos e práticas culturais. Os trechos extraídos do conto são exemplo dessas tensões: Tou bebendo sua caçchaça de mecê. É foguinho bom, ela esquenta corpo também. Tou alegre, tou alegre...Nhem? Sei não, gosto de ficar nu, só de calça velha, faixa na cintura. Calçar botina quero não [...] Aqui tem festa não. [...] Missa não, de jeito nenhum! Ir pra o céu eu quero. Padre, não, missionário, gosto disso não, não quero conversa. Tenho medalhinha de pendurar em mim, gosto de santo. (p. 180). Neste ensaio, não entraremos no mérito de valoração dessas tensões, isso seria objeto de outro estudo, aqui apenas apontaremos exemplos apresentados no conto, mas nos deteremos ao nível lingüístico e faremos breves reflexões. Nome, é... Partimos dos nomes, nomes próprios que o nomeiam e/ou o identificam. Continuaremos. As várias denominações do desonçador ou caçador de onças vistas como forma de não assimilação de uma identidade. No caso do conto Meu tio Iauretê, a personagem/ protagonista levou mais da metade da narrativa para se apresentar com um nome que o identificaria como índio? Homem branco? Bugre? Caraó? Péua? Tacunapéua? Primeiro aparece o nome que a mãe (bugra) lhe pôs Bacuriquirepa. Breó, Beró. Depois nome dado quando o seu pai o levou para ser batizado por um missionário: Tonico, será Antonho de Eiesus?... Depois ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR o chamavam de Macuncozo. Bacuriquirepa, Breó, Beró, Tonico, Macuncozo narra suas experiências como caçador de onças até encontrar uma que quase o matou: Ela ficou doida. [...] Riscou esta cruz na minha testa, rasgou minha perna. [...] Ela queria me estraçalhar, mas já estava cansada, tinha gastado muito sangue. [...] unhou meu peito, desta banda de cá tenho maminha não. [...] Rachou meu braço, minhas costas, morreu abraçada comigo, [...] derramou o sangue todo... Mahuhuaçá de onça! Tinha babado em minha cabeça, cabelo meu ficou fedendo aquela catinga, muitos dias, muitos dias... (p.173). Ao que parece, neste trecho, o matador de onças narra o fato como num ritual semelhante ao do batismo, quando foi inserido na “cultura bicho do mato”, a cruz desenhada na testa e a baba na sua cabeça como substituto do sinal da cruz e da água benta. Assim ele declara: “Elas sabem que eu sou do povo delas” (p. 173 e 186) Suas histórias parecem querer impressionar o visitante, depois de tanto heroísmo, relata como foi o seu primeiro contato com a onça Maria-Maria com a qual se entendem em linguagem de onça “Jaguanhenhen”. E narra como foi adotado. Esta passagem é descrita com muita intensidade, devo transcrevê-la: Primeira que eu vi não matei, foi Maria-Maria. Dormi no mato, aqui mesmo perto [...] Ela veio. Ela me acordou, tava me cheirando. Vi aqueles olhos bonitos, [...] Era um lugar fofo, prazível, eu deitado no alecrinzinho. [...] Ela chega esfregou em mim, [...] os olhos lumiavam- [...] Depois botou mãozona em riba de meu peito, [...]. Mas ela só calcava de leve, com uma mão afofado com a outra, [...] queria me acordar.Eh, eh eu fiquei sabendo...Onça que era onça- que ela gostava de mim, fiquei sabendo...Abri os olhos , encarei. Falei baixinho- “Ei Maria-Maria...[...]”.Eh, ela falava comigo, jauanhenhém, jagaunhém...[...] Vi que ela tava secando leite, vi o cinhim dos peitinhos. Filhotes dela tinham morrido, sei lá de quê. Mas agor , ela vai ter filhote nunca mais , não, ara!- vai não...(p. 174). Esta primeira onça ele não matou. Percebe-se a grande semelhança entre o nome da sua mãe: “Mãe minha chamava Mar‟Iara Maria, bugra e a onça Maria-Maria e assim toda a formosura e delicadeza com que descreve ambas. (Cf p. 175) Assim, o contato com a onça Maria-Maria fortaleceu seus laços: “ Maria-maria veio [...] Podia matar onça nehuma não, onça meu parente (p. 187). E vê como pai o “tutira”, isto é, o irmão da mãe, que é um “Jaguaretê”, uma onça verdadeira. Afirma: “Eu sou onça... Eu ─ onça ” (p. 171). Como prefere ser onça, insiste: “Mas eu sou onça: Jaguaretê tio meu, irmão de minha mãe, tutira...” (p. 182). “Meu parente é a onça, jaguaretê, meu povo” (p. 186). Por isso sua fala ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR contém elementos do português sertanejo da região dos Gerais, elementos do tupi e aparentes grunhidos de animal. Depois ele próprio se designa sem nome ou como nas suas palavras: “Agora não tenho nome mais não” (p.181), não carece ou não o tem por não possuir uma única identidade? Desprezado pelos homens que o deixaram só. O deixaram ali sozinho para matar tigreiro, segundo narra a personagem: “Nhô Nhuão Guede trouxe eu pr‟qui, ninguém não queria me deixar trabalhar junto com os outros... Por causa que eu não prestava. Só ficar aqui sozinho, o tempo todo. Prestava mesmo não, sabia trabalhar direito não, não gostava. Sabia só matar onça” [...] (p. 186). Ser parente de onça é ser bicho selvagem, disposto a matar pelo território. Tonico vai desonçar a terra que segundo ele era dele próprio. “Este mundo de gerais é terra minha, eh, isto aqui – tudo meu.” (p. 170) “Eu moro em rancho sem paredes...”(p 181-182). O percurso que fizemos diante da descrição da personagem como: “eu tenho cabelo assim, olho miudinho... É pai meu, não. Ele era branco, homem índio não. A‟ pois, minha mãe era,[...] (p. 180). Ao nome que com o passar do tempo das suas andanças foi se alterando, vai nos sendo contada juntamente com a história ou narrativa, que tem como pano de fundo, um bugre (mestiço) que foi contratado por um proprietário de terras (Nhô Nhuão Guede) para “desonçar” suas propriedades, mas ele se arrepende, pois se sente igual a onça, seus parentes, e aí tem o desejo de que todos tenham medo dele. “ Quero todo o mundo com medo de mim...” (p. 170) e assim vai contando que não mata mais onça, pois diz ter sido amaldiçoado por tal ação: (p. 169) mas agora ele mata gente: “Antes de primeiro, eu gostava de gente. “Agora eu só gosto de onça.” Assumindo esta identidade passa a matar gente e alimentar as onças. Dizendo ser onça, ele acredita ter o poder de matar pessoas e exime-se dessa culpa; justamente por ser igual a elas. Não mata mais onça, toma uma consciência de ele faz parte dessa natureza: “ Agora eu não mato mais não, agora elas todas têm nome. Que eu botei? Axi! Que eu botei só não, eu sei que era mesmo o nome delas”(p. 177). “De repente, eh eu oncei... [...] Levei pra o Papa - Gente. Papa gente, onça chefe, onço comeu jababora Gugué...”(p. 194). Sobra sua identidade ele diz: ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR Ter cheiro diferente de negro é descendente de índio: “Mas preto dizia que eu também tenho: catinga diferente, catinga aspra.” (p. 162). “Meçê acha que eu pareço onça? Mas tem horas em que eu pareço mais. Meçê não viu. Meçê tem aquilo – espelhim, será? Eu queria ver minha cara...” (p. 171). Dito isso, parece evidente que se ele não se vê, não sabe que identidade tomar ou não se reconhece como tendo uma única identidade. Em toda a narrativa ele tenta convencer o “visitante” de que é mesmo onça: “Um dia lua-nova, mecê vem cá, vem ver meu rastro, feito rastro de onça, eh, sou onça!” (p.180). E na tentativa de intimidar o visitante, (jagunço) ele ameaça-o seguidas vezes... Percebemos também uma forma de buscar a Identidade através dos olhos do outro: “Tinham dúvida em mim não, farejam que eu sou parente delas... Eh, onça meu tio, o jaguaretê, todas (p. 172). “Elas sabem que eu sou do povo delas”(p.163). “Mulher Maria Quitéria me deu café, falou que eu era índio bonito.” (p.193). 4 - Considerações finais Assim, ao término do conto, Bacuriquirepa, Breó, Beró, Tonico, Macuncozo chega ao final de sua história, contado-a ao homem branco através de suas últimas palavras e virando onça. Para nós isso é interpretado como representação da morte da cultura e da língua indígenas. A personagem homem-onça é também interpretada como uma negação de um processo de desaculturação que ela estava vivendo. Em nossa opinião, neste conto, Ramos estava tentando recuperar no discurso literário a língua ou as línguas e dialetos regionais, para isso o autor a reintegra na comunidade liguística, reelaborando-a não apenas com uma finalidade literária, mas também como forma de preservação cultural. Segundo Mignolo, construímos uma identidade que chamamos de nós quando a situamos em um espaço em um espaço delimitado por fronteiras geográficas e cronológicas. O homem-onça parece defender, em forma de discurso literário, a preservação lingüística/cultural indígena. Por isso o título apresentado em duas versões: A arte de contar e ouvir histórias e/ ou A escritura como morte da fala... ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BAKHTIN, Mikhail, Estética da Criação Verbal. 3º Ed. S. Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 362 - 368. LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. In: ROSA, Guimarães. Obra Completa Rio de Janeiro: ed. Nova Aguilar, 1994. RAMA, Ángel. Os processos de transculturação na narrativa latino-americana. In: AGUIAR, Flávio y VASCONCELOS, Sandra Guardini T. (Org.) Literatura e cultura na América Latina. São Paulo: Edusp, 2001. p. 209-238. ROSA, João Guimarães. Meu tio Iauaretê, In: Estas Estórias. 5º ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 335 p. SOUZA, Eneida Maria de. O discurso crítico brasileiro. In: Crítica Cult. Belo Horizonte: UFMG, 2002. p. 47- 66. REFERÊNCIA NA WEB BORGES, Maria Zélia. Interferência e Integração da Língua Tupi no Português do Brasil: studo em um conto rosiano. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Disponível em: www.mackenzie.com.br/fileadmin/Pos_Graduacao/.../Letras/.../zelia01.doc acesso em: 27/jun./2010 MIGNOLO, Walter D. La lengua, la letra, el território: o la crisis de los estudios literários coloniales. Dispositio, University of Michigan - Departament of romance language, v.11. n.28/29, p.137-160. Tradução: Tatiana Capaverde. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cdrom/mignolo/index.htm acesso em: 27/jun./2010 ISSN 2178-8200