Os muitos debates,
textos e algumas
conferências que
por aí circulam
sobre a noção de
lusofonia tornaram-se tão estafados como ociosos
com as suas complicadas considerações sobre “campos
epistemológicos“,
sistemas, raízes
e afins. No estrito
sentido de sumariar
o conjunto dos oito
países de língua
oficial portuguesa,
mesmo quando em
muitos deles, de Angola a Timor-Leste,
populações muitas não falam e,
muito menos, escrevem ou lêem em português, a palavra
lusofonia não tem,
simplesmente,
alternativa conquanto se possa
sempre desafiar a
mais fina inteligência académica
a criar uma fonia a
partir do vocábulo português:
não dá, pois não?
Mais do que um
termo útil e funcional até para não se
escrever ou dizer
demoradamente países-de-língua-oficial-portuguesa
(até porque PLP
– alguns até grafam PLPs! – soa a
slogan comercial
de americanizado
marketing), a lusofonia que se estende
em
embaraçadas
considerações sobre
culturas, memórias ou histórias
comuns deixa de ter simples utilidade
para tombar para esses lados mais perigosos das ideologias, dos sentimentos
nacionais e das sensibilidades políticas.
Os oito países de língua portuguesa são hoje, felizmente, estados soberano
lusofonias
nº 06 | 22 de Julho de 2013
Este suplemento é parte integrante
do Jornal Tribuna de Macau e não
pode ser vendido separadamente
COORDENAÇÃO:
Ivo Carneiro de Sousa
TEXTOS:
• A Farsa da Lusitânia
de Mestre Gil Vicente
• É a Lusofonia um bicho?
• Nacionalismo, Lusotropicalismo
e as extraordinárias viagens
da Língua Portuguresa
• O “Mundo em Português”
de Mário Soares e Fernando
Henrique Cardoso
Dia 29 de Julho:
Brasil na África:
Comércio e parcerias
de desenvolvimento
APOIO:
Será
algum
dia
Seda Bicho
Lusofonia?
de
o
da
Será algum dia
de Seda o bicho da
– vestindo aristocráticas elites ditando ao populus
como se deve comportar, fazer e mesmo ser – não
são mais do um velho discurso muito recalcado em
que a diversidade dos outros só era aceitável na
completa servilidade à nossa, única, superior e civilizadora.
Para complicar ainda mais o trabalho dos esforçados investigadores do “campo epistemológico”
(ou qualquer outro campo, baldio ou cultivado...)
da lusofonia, acresce ainda que a palavra não tem
praticamente história, não sendo sequer simplesmente usada para se pensar a expansão portuguesa
pelo mundo nos idos de Quatrocentos e Quinhentos.
Convém, aliás, recordar que quando o chamado
império marítimo português, para se reter uma noIvo Carneiro de Sousa
ção cara a Charles Boxer, chegou instaladamente
a vários enclaves orientais, nas primeiras décadas
s muitos debates, textos e algumas conferên- a reconstruir as suas sociedades, memórias e his- ainda do século XVI, alguns dos mais inteligentes incias que por aí circulam sobre a noção de luso- tórias nacionais já muito longe de qualquer lusó- telectuais portugueses da época – Gil Vicente, João
fonia tornaram-se tão estafados como ociosos com fona singular herança a que estariam obrigados de Barros, Damião de Góis e alguns outros – disas suas complicadas considerações sobre “campos a render-se: são países singulares, diversos, com cutiam acolorada e diversamente tanto o império
epistemológicos“, sistemas, raízes e afins. No es- gente diferente, culcomo reino promotrito sentido de sumariar o conjunto dos oito paí- turas variadas, agora
vendo as mais diverOs oito países de língua portuguesa são hoje, feses de língua oficial portuguesa, mesmo quando em procurando preservar
sas soluções sobre
lizmente, estados soberanos que se encontram a
muitos deles, de Angola a Timor-Leste, populações muitas línguas coma genealogia do semuitas não falam e, muito menos, escrevem ou pletamente diferengundo e os fumos de
reconstruir as suas sociedades, memórias e histólêem em português, a palavra lusofonia não tem, tes do português, mas
perdição vindos do
rias nacionais já muito longe de qualquer lusófona
simplesmente, alternativa conquanto se possa com ele decidiram liprimeiro.
singular herança a que estariam obrigados a rensempre desafiar a mais fina inteligência académica vremente edificar naÀquele que se conder-se: são países singulares, diversos, com gente
a criar uma fonia a partir do vocábulo português: ções independentes.
tinua a chamar funnão dá, pois não?
O plurar lusofonias
dador do teatro pordiferente, culturas variadas, agora procurando
Mais do que um termo útil e funcional até para serve q.b. na sua bretuguês, que Mestre
preservar muitas línguas completamente diferennão se escrever ou dizer demoradamente países- vidade para destacar
Gil era simplesmentes do português, mas com ele decidiram livre-de-língua-oficial-portuguesa (até porque PLP – esta diversidade culte conhecido (e que
mente edificar nações independentes. O plurar
alguns até grafam PLPs! – soa a slogan comercial tural que se descobre
criado da rainha D.
de americanizado marketing), a lusofonia que se nos diferentes países
Leonor havia sido),
lusofonias serve q.b. na sua brevidade para desestende em embaraçadas considerações sobre cul- de língua oficial porse deve uma das
tacar esta diversidade cultural que se descobre
turas, memórias ou histórias comuns deixa de ter tuguesa.
primeiras tentativas
nos diferentes países de língua oficial portuguesa.
simples utilidade para tombar para esses lados mais
A lusofonia convém,
dramáticas de reorperigosos das ideologias, dos sentimentos nacionais assim,
entender-se
ganizar a mitologia
e das sensibilidades políticas.
em pano crú, geral, primário, barato e de popular fundacional de Portugal..., em farsa como quase
Os oito países de língua portuguesa são hoje, acesso comum, logo, de todos, sendo os mais in- sempre preferiu representar para os reis e as suas
felizmente, estados soberanos que se encontram trincados esforços para a transformar em fina seda cortes.
Lusofonia?
O
A Farsa
da
Lusitânia
de
R
Mestre Gil Vicente
epresentada para D. João III, em 1532, é a muito esquecida A Farsa da Lusitânia, de Gil Vicente, a oferecer um mito fundador que
apenas poderia naturalmente sair de um matrimónio de divindades entre, imagine-se, Lusitânia e Portugal, um par que muito ensarilha uma
impossível história da lusofonia. Lusitânia é filha de Lisibea (Lisboa) e
do Sol, e por ela se apaixonou um caçador grego (certamente antes da
crise...) de nome Portugal (também antes da crise...). Como convinha
à cultura elitária deste período, dominada por juristas e não por humanistas, o auto vicentino trata de chamar um licenciado em Leis que,
argumentador da obra, explica a D. João III (homem especialmente
inculto segundo o humanista Diogo de Teive) e à sua corte que o Sol viu
Lisibea nua sem nenhuma cobertura (...) e houve dela uma filha tão
ornada de sua luz, que lhe puseram nome Lusitânia, que foi deusa e
senhora desta província. Passados tempos, um famoso cavaleiro grego
de nome Portugal ouviu falar da boa caça na serra da Solércia, e como
este Portugal, todo fundado em amores, visse a formosura sobrenatural de Lusitânia, filha do Sol, de improviso se achou perdido por ela.
Certamente para interpelar D. João III que interrogou no seu célebre
Sermão de Abrantes e, depois, criticou violentamente nas suas trovas
a Filipe Guillen, Gil Vicente convidou para a farsa dois demónios, Berzabu e Dinato, que aparecem no texto como “capelães” das deusas,
vêm presenciar o casamento e escutam o contraditório diálogo entre
Todo o Mundo e Ninguém. “Todo o Mundo” era um rico mercador (o
império, ou Lusitânia), e “Ninguém”, um homem pobre (o reino, Portugal, mas também o camponês, o parolo), cruzando estas acertadas
máximas:
NINGUÉM – Que andas tu i buscando?
TODO-O-MUNDO – Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém, ando porfiando,
por quão bom é perfiar.
NINGUÉM – Como hás nome, cavaleiro?
TODO-O-MUNDO – Eu hei nome Todo-o-Mundo,
e meu tempo todo inteiro,
sempre é buscar dinheiro,
e sempre nisto me fundo.
NINGUÉM – E eu hei nome Ninguém,
E busco a consciência.
BERZABU – Esta é boa experiência,
Dinato, escreve isto bem.
DINATO – Que escreverei, companheiro?
BERZABU – Que Ninguém busca consciência,
e Todo-o-Mundo dinheiro. (...)
TODO-O-MUNDO – Folgo muito d’enganar,
e mentir nasceu comigo.
NINGUÉM – Eu sempre verdade digo,
sem nunca me desviar.
BERZABU – Ora escreve lá, compadre, não sejas tu preguiçoso.
DINATO – Quê?
BERZABU – Que Todo-o-Mundo é mentiroso, E Ninguém diz a verdade.
LUSOFONIAS - SUPLEMENTO DE CULTURA E REFLEXÃO
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II
Segunda-feira, 15 de Julho de 2013 • LUSOFONIAS
lusofonias
É
N
ão sendo objecto nem sujeito, seguindo
as perplexidades da epistemologia da Crítica da Razão Prática, de Immanuel Kant, a
lusofonia não poderia ser conhecida de forma
racional, restando-lhe poder ser identificada
emocional e irracionalmente, entre outras várias categorias kantianas despidas de vontade
e autonomia, como bicho. Passemos, por isso,
imediatamente para o mundo dos bichos em
busca da lusofonia, pedindo ajuda a alguém
independente e acima de quaisquer suspeitas:
o grande escritor argentino que foi Jorge Luis
Borges. Num texto complicado como seria de
esperar intitulado quase cifradamente El idioma analítico de John Wilkins, Borges conduz-nos à China onde estamos para nos oferecer
um maravilhado fragmento da enciclopédia
O Império Celestial de Conhecimentos Benévolos. Neste tratado sínico, organizado pelo
século XVIII, descobre-se esta muito acertada
classificação dos bichos que se segue:
a) pertencentes ao imperador;
b) embalsamados;
c) domesticados;
d) leitões;
e) sereias;
f) fabulosos;
g) cães vadios;
h) incluídos na presente classificação;
i) que se agitam como loucos;
j) inumeráveis;
l) desenhados com um pincel muito fino
de pêlo de camelo;
m) et cetera;
a
n) que acabam de quebrar a bilha;
o) que de longe parecem moscas.
Apesar de hesitar entre colocar a lusofonia
na classe m) que acabam de quebrar a bilha, i) que se agitam como loucos e mesmo
a) pertencentes ao imperador, esta enciclopédia que Borges revisitou literariamente para
destacar o encanto exótico de um outro pensamento, significa rigorosamente o limite do
nosso: a impossibilidade de pensar isso. Michel
Foucault que utilizou directamente esta obra
de Borges nas páginas iniciais de As Palavras e
as Coisas destacou que o pensamento ocidental se solidificou num pensamento do Mesmo,
para o qual a alteridade representa o limite do
pensamento e da linguagem para uma cultura,
aquilo que a circunda por fora e lhe escapa,
sendo simultaneamente estranho e exterior.
Edward Said haveria, em 1978, por partir precisamente destas ideias para concluir o
seu célebre Orientalism que, infelizmente, não nos ajuda a
pensar a lusofonia porque
ignora textos, literaturas e espaços em que
circularam e, nalguns
casos, se instalaram os colonialismos ibéricos. Absolutamente
semelhantes na sua
organização
Lusofonia
um bicho?
política, administrativa, padroados e escravismos, fidalgos e mercadores, índios e mestiços.
O império espanhol morreu definitivamente
em 1898 na guerra com os Estados Unidos da
América
perdendo
Cuba,
Puerto Rico e as Filipinas,
abrindo o caminho para
essa geração de 70, a
de Unanmuno, que
reconstruiu a ideia
de hispanidad e de
nação espanhola mobilizando medievalismos, quixotes e
pedaços de liberalismo. O outro
império ibérico, o
português, ainda
resistiu quase um
século e tornou-se pilar fundamental do nacionalismo que
definitivamente uniu a
Lusitânia e Portugal,
o império e o reino,
o burguês e o parolo,
Viriato e esse Vasco da
Gama que continua a
baptizar as modernas
pontes sobre o Tejo:
um nacionalismo que
se incrustou resiliente e firmemente na
nossa memória colectiva até hoje.
É o que provavelmente acontece
com a lusofonia. Sendo, paradoxalmente, o mito qualquer coisa que
existe porque não existe, remetendo para a invenção de origens
e as suas funções na apropriação
de um território, a lusofonia parece muito dificilmente poder ser
todo-o-mundo, estando bem mais
próxima de ninguém. Por isso, não
se afigura que possa ser classificada como um objecto, já que não se
usa, pelo menos, em quaisquer
actividades concretas – as do fazer –, não sendo também possível
colocá-la na categoria dos sujeitos autorizando a sua iluminação
ontológica – os do ser. Simplesmente, está e movimenta-se
entre irritação e contemplação
nestes discursos em que se tenta perceber as relações – ou a
abstinência – entre os países
de língua oficial portuguesa, aditados por Macau,
evidentemente, e por essas famosas diásporas como
agora se chamam os emigrantes
portugueses espalhados pelo mundo à
procura de trabalho e dignidade.
lusofonias
LUSOFONIAS • Segunda-feira, 15 de Julho de 2013
III
Guiné Cabo-Verde São Tomé An
e as
E
Nacionalismo, Lusot
Extraordinárias Viagens da Língua
ste é o nacionalismo de 1940, da Exposição do Mundo Português, sendo
o preciso ano em que Gilberto Freyre
publicou O Mundo que o Português Criou
que, com prefácio de António Sérgio,
foi acolhido com entusiasmo pela velha
oposição republicana, mais a democrática em formação, sendo saudado nas
páginas da Seara Nova. Um nacionalismo que cercou ainda mais de perto as
colónias, esquecendo definitivamente
os camponeses-emigrantes que, apesar
da casa portuguesa, começaram a sair
do país em vagas sucessivas, perdendo
também a memória dessas comunidades deixadas na Ásia tanto pelo Estado
da Índia quanto por essoutro império-sombra de mercadores, mercenários,
aventureiros e milhares de eurasiáticos.
Esqueceram-se, assim, essas melodias de origem portuguesa e afro-asiáticas como a baila e a kafferinga
da comunidade de Baticaloa integradas
nas tradições musicais do Sri Lanka.
Deixaram os lugares da memória também as comunidades de mardijkers na
Indonésia, uma complicada mistura de
afro-luso-indiano-malaios, criadores de
uma tradição musical sincrética que, a
partir do século XVI, se difunde como
kroncong, coração para o indonésio comum, o dedilhar das cordas do cavaquinho para os etnomusicólogos que não
gostam das explicações simples.
Recentemente, a Fundação Calouste
Gulbenkian subsidiou a vinda a Portugal do grupo musical Portukis de Tugu,
em Jakarta, que foram descobrir a
rusga e a chula do Minho como fontes
das suas danças. Na região de Parisir,
na costa noroeste de Sumatra, visita-se ainda hoje a sikambang kapri que,
através da utilização dominante do violão, apresenta traços das canções populares portuguesas e remete para as
sínteses musicais luso-malaias que se
descobrem nos litorais do Sudeste Asiático continental: Tari Makan Sirih, Tari
Lancang Mersing, Tari Seri Mersing, Tari
Diondang Sayan. A introdução no Japão,
entre 1549 e 1639, do canto gregoriano,
da polifonia e de instrumentos musicais
europeus – harpa, orgão, viola de arco
IV
– encontra-se representada na fachada
da igreja da Madre de Deus de Macau
(ou ruínas de São Paulo como por aqui
se diz...) generosamente financiada
por ricos refugiados japoneses dos lucrativos tratos da prata, mas construída por operários chineses do Fujian.
Mais longe, o carnaval dessa Luanda
pólo de atracção desde finais do século
XVIII dos portugueses e dos migrantes
do
interior,
mobilizava
géneros musicais tradicionais, o kaduke
jogado
nos
musseques, o
kazuguta das
casas burguesas e a rebiota dos salões,
inspirando a
música angolana moderna
de Mário Rui
ou Liceu Vieira Dias. Mais
longe ainda,
os índios Potiguara da Baía
da
Traição
perto de João
Pessoa juram que o coco-de-roda que
dançam cada vez mais nas festas dos
santos padroeiros oferece um dos seus
rituais tradicionais, como o do toré,
esquecendo completamente as suas
influências africanas.
Juntem-se agora à expansão portuguesa as viagens de sabores intercambiando açúcares, pimentas,
mandiocas, batatas, essa a revolução
dos sabores na Europa de que falava
Fernand Braudel. Somem-se tratos de
quase tudo, do âmbar tirado do fígado
das baleias aos milhares e milhares de
escravos que bichos e bichas se chamavam em Macau. Músicas, danças,
especiarias, comidas, vestuários, tratos, doenças, orações devem ter precisado de comunicação, de língua. Mas
a língua não representa apenas uma
economia da comunicação. Exprime e
Segunda-feira, 15 de Julho de 2013 • LUSOFONIAS
configura formas de pensar, classificar,
conhecer e dominar. Mandar nos outros
quando se pode; convencer os outros
quando se tem lábia para isso; negociar
com os outros quando se tem alguma
coisa para oferecer; render-se aos outros quando já não há mais nada a fazer do que tentar salvar a pele.
Esta última actividade, a acreditarmos no Soldado Prático que Diogo do
Couto publicou em 1602, em Lisboa,
tinha-se tornado cada vez mais preferida pelas milícias portuguesas do Estado da Índia que gostavam de atacar o
inimigo de sopetão, em multidão, com
muito grito e barulho, mas quando os
outros não se intimidavam, não fugiam
e ripostavam levava as mais das vezes a
pungentes pedidos de rendição.
A difusão do Português como língua
franca de comércio no Sudeste Asiático, imposta no Brasil como língua única em concorrência com o tupi-guarani
normalizado pelos missionários e falado
mesmo em São Paulo até às primeiras
décadas do século XVIII, esse português
apenas difundido nos grandes centros
urbanos da África ocidental e oriental
nos séculos XIX e XX, é uma língua historicamente remendada para descrever mundos e pessoas vistos do mar.
Por isso, crónicas, geografias, relatórios
tanto como as cartas que os jesuítas
eram obrigados a enviar anualmente ao
Geral da Companhia começam sempre
por descrever costas, a foz do rio, as
restingas, praias, embocaduras, portos.
Sempre que a língua penetrava estes
continentes já não era transportada
por esses homens do mar com os seus
capitães, pilotos e cosmógrafos, mas
muito mais por
aventureiros,
gente violenta, mestiços,
renegados cruzando então as
mais diferentes oralidades.
Tratou-se
na
longa duração
braudeliana da
história de uma
difusão do português a partir
do mar enquanto poder ligado
aos
esforços
imperiais, depois intentando
a subordinação
e erradicação
das línguas locais que souberam as mais vezes resistir.
Língua também de paradoxos, como
todas: o português que se foi afirmando
historicamente como língua de dominação, foi instrumento de afirmação identitária em Timor-Leste e língua dos movimentos de libertação nas antigas colónias africanas portuguesas, mas também serve no bairro kristang de Malaca
para afirmar uma comunidade que jura
falar uma língua de origem portuguesa.
Língua também de costas largas: não
podemos acusar a língua que falamos
de todas as desordens e frustrações à
nossa volta e que escondemos em nós
mesmos. A língua que falamos limita-se
a reflecti-los, a torná-los transparentes. A língua não os criou: retem-nos
simplesmente quando aqueles que a
falam persistem em os reter. Língua su-
lusofo
ngola
Moçambique Macau Timor
O “Mundo
tropicalismo
Portuguesa
jeita a transformações, manipulações,
equívocos, a ser segunda e estrangeira
quando se ensina fora dos seus espaços oficiais, língua obrigada mesmo a
inventar-se. Como o fez com típico mas
cómico preconceito colonial Gil Vicente
quando, na farsa do Clérigo da Beira,
de 1526, introduziu pela quarta vez nas
suas obras mais um negro da Guiné que
haveria de roubar lebre, capões e fruta
ao padre vilão desta história enquanto
lhe cantava o Pai Nosso:
Pato nosso/ santo pacetor anho tu e
figuo/ valente tu e cinco cego/ salva
tera, pão nosso quanto dão/ dá noves
caro e debrite nose/ debrita noses já
libro nosso galo amen. Jeju, Jeju, Jeju.
Este mundo imperial que, contraditório e velhaco, Gil Vicente soube gozar
como ninguém desde o Auto da Índia,
logo em 1509, recebeu um entendimento teórico que, vindo convenientemente de um príncipe fundador das
ciências sociais em língua portuguesa,
se tornou irritantemente persistente:
o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre
que, bebendo as suas bases teóricas
em Casa Grande e Senzala (1933), se
consagrou viajadamente em Aventura e
Rotina (1953) e, sobretudo, no Luso e o
Trópico, de 1960, obra muito divulgada
e traduzida pelos favores do regime.
Apesar de pouco acolhido nos meios
historiográficos, tendo sido qualificadamente criticado por Charles Boxer
e Vitorino Magalhães Godinho, Freyre
ofereceu à política ultramarina de Salazar um paradigma discursivo centrado no excepcionalismo português que,
através da estranha comemoração da
portuguesa natural preferência pela
plasticidade da mistura, havia preferido à democracia política a democracia racial. Pese embora os seus muitos
críticos, o lusotropicalismo mostrou-se
especialmente resiliente, continuando
a sobreviver nessas noções de misceginação, mestiçagem e hibridismo que
contaminam práticas políticas emancipatórias com a mais profunda ambiguidade, simplesmente.
onias
e
Fernando
U
ma ambiguidade que, adejando alto por diplomacias, ministérios e presidências, se convida o
leitor a acompanhar neste trecho saboroso do diálogo do livro O Mundo em Português entre Fernando
Henrique Cardoso e Mário Soares:
FHC - Na especificidade cultural brasileira há
uma parte que é também portuguesa: a plasticidade, a capacidade de absorção de fatores culturais exógenos. Por que digo isso? Por causa do livro
de Gilberto Freyre O mundo que português criou,
que talvez, como já dissemos, tenha sido mal percebido na época por
causa da proximidade
de Freyre com o regime salazarista. Mas,
a despeito disso tudo,
mostra que o português criou um mundo
diferente. Claro que
há um pouco de ideologia
conservadora,
sabemos que há. Mas
há na cultura lusa uma
percepção do “outro”
e a capacidade de
aceitar o “outro.”
MS - E uma grande
curiosidade pelo outro.
FHC - Há uma curiosidade pelo outro que
é portuguesa e nós a
herdámos, faz parte
do ethos luso-brasileiro. Nesse sentido,
Gilberto Freyre tinha
razão em buscar identidades que não eram
aceitas naquele momento, principalmente por razões políticas, e talvez também
porque nessa altura
ainda existia um preconceito
antiportuguês. Talvez não fosse
agradável às elites brasileiras perceberem, naquele momento, que eram fruto do mundo português.
Hoje não, hoje aceitamos essa influência com muito prazer. Se é assim, e eu acho que é, por que
razão não vamos trabalhar juntos na África? (pp.
276-77)
Português”
de
Mário Soares
Henmrique Cardoso
em
E se quisermos investigar em lusofonias a enorme
sobrevivência destas ambiguidades, talvez se pudesse tentar fazé-lo voltando a ler essa obra que
o grande escritor angolano Pepetela concluiu em
1997 com o épico título de A gloriosa família: o
tempo dos flamengos. O livro esclarece o papel das
elites luso-fluminenses na expulsão dos holandeses
de Angola, em 1648, visitando a história da família
Van Dunem (Van Dum no texto). O romance apresenta claramente uma angolana casa-grande e sanzala (como o termo é pronunciado em Kimbundu),
onde o assimilado flamengo Baltazar Van Dum vive
com a sua mulher oficial
D. Inocência, filha de um
chefe africano, mais larga prole mulata e muitos
escravos. A casa-grande
e sanzala de Van Dum
pinta-se como espaço
multilinguístico Kimbundu-Português-Flamengo,
marcado pela mistura
racial, mas de estrita
ordem patriarcal. Freyre
adoraria de certo este
belíssimo romance de
Pepetela que desagua
nos piores dramas psicológicos em que se dissolve esse sistema colonial-patriarcal, mas que
o romance não deixa de
apresentar como uma
das raízes de Angola.
Seja como for, um
qualquer entendimento
sedoso, qualquer agitação ou militância ideológicas em torno da palavra lusofonia sem se
libertar destas ambiguidades transforma-a alternativamente no bicho
b) embalsamados ou no
o) que de longe parecem
moscas. Pessoalmente,
prefiro o d) leitões, mas como estou proíbido agora
de comer tudo aquilo que é bom só posso mesmo
abandonar o bicho da lusofonia na classe m) et cetera. O que fica bem e serve a todos, ainda mais
com essa vantagem do que não se sabe definir com
toda a exactidão cabe sempre bem num etc.
“A casa-grande e sanzala de
Van Dunem (Van Dum no
texto) pinta-se como espaço
multilinguístico Kimbundu-Português-Flamengo, marcado pela mistura racial, mas de
estrita ordem patriarcal. Freyre
adoraria de certo este belíssimo romance de Pepetela que
desagua nos piores dramas
psicológicos em que se dissolve esse sistema colonial-patriarcal, mas que o romance
não deixa de apresentar como
uma das raízes de Angola.”
LUSOFONIAS • Segunda-feira, 15 de Julho de 2013
V
Economias...
Reúne
estudos e análises sobre o desenvolvimento económico dos
Países
ANGOLA | Comércio com a China
mil vezes superior ao registado há
A
CABO VERDE
Parque automóvel
aumenta anualmente
3,1%
VI
Segunda-feira, 15 de Julho de 2013 • LUSOFONIAS
e a sua cooperação com a
República Popular
da
China
O
Banco Mundial
aprovou
um
crédito equivalente
a quase 84 milhões
de euros a Moçambique, no âmbito
do programa de
redução da pobreza e melhoria das
condições de vida,
anunciou a instituição, citada pela
Bloomberg. “Este é
o nono de uma série
anual de empréstimos no âmbito do Crédito de Apoio à Redução da
Pobreza (PRSC) que o Banco Mundial tem feito desde 2004, e constitui mais um inequívoco compromisso com as metas de médio e longo
prazo do país”, disse o responsável da instituição pela relação com Moçambique, Laurence Clarke. “Esta série de empréstimos ao abrigo do
PRSC apoia a agenda de desenvolvimento das políticas em Moçambique, abordando os constrangimentos nas políticas públicas que podem
constituir impedimentos a um crescimento económico sustentável a
longo prazo e abrangente”, acrescentou o responsável da instituição
sediada em Washington. Os empréstimos são patrocinados por 19 países, entre os quais está Portugal e os maiores países europeus, o Banco
de Desenvolvimento Africano e o Banco Mundial. Na prática, as verbas
vão servir para melhorar o clima de negócios, simplificando os procedimentos, aumentar a transparência na gestão das indústrias extrativas,
aumentar o leque de programas de proteção social e melhorar os controlos, auditorias e gestão das finanças públicas.
Distribuídos
TIMOR
computadores
em escolas e universidades
O
parque automóvel em Cabo Verde aumenta 3,1% a cada ano que passa, situando-se
agora nos 69.277 veículos, crescimento que traz
consequências a nível ambiental, da segurança rodoviária e da organização urbana, revelou
fonte oficial. Segundo o diretor geral dos Transportes Rodoviários (DGTR), José João de Pina,
citado na edição online do jornal cabo-verdiano
A Semana, do total de 69.277 veículos, 73% são
ligeiros, 16% pesados e 11% motociclos. Do total,
só 55.002 estão operacionais e a circular pelas
estradas do país, uma vez que os restantes estão
parados ou acidentados. Santiago, a ilha mais
populosa do arquipélago, com cerca de 56% da
população total, é onde existem mais viaturas
a circular (63% do total), à frente de São Vicente, Fogo e Sal. As ilhas do Maio e da Brava, as
mais pequenas, são as que contêm o menor parque automóvel. Em 2012, segundo os dados da
Direção Geral, foram matriculados mais 2.107
automóveis, um aumento de 3,1 pontos percentuais. Para José João de Pina, o aumento do parque automóvel é “preocupante”, uma vez que
coloca a necessidade de maior controlo e traz
consequências a nível ambiental, da segurança
rodoviária e da organização urbana. “Cada um
quer ter o seu carro, mas sabemos que, do ponto
de vista da segurança, organização e protecção
do ambiente, não é a solução mais adequada”,
sublinhou, lembrando a recomendação de utilização de transportes públicos e de passageiros e
o uso de carros mais ecológicos.
Língua Portuguesa
MOÇAMBIQUE
Banco Mundial empresta
84 milhões de euros
30 anos
s
trocas
comerciais
entre Angola e
China em 2012
atingiram 37,5
mil milhões de
dólares, recordou terça-feira
o embaixador
da China em
Angola,
Gao
Kexiang, após a
abertura do pavilhão da China
na edição deste
ano da Feira Internacional de
Luanda. Dizendo que o comércio bilateral é actualmente mil vezes superior ao registado há 30
anos, Gao Kexiang adiantou que a cooperação bilateral deu suporte à reconstrução
nacional de Angola e também teve um papel positivo no crescimento socioeconómico
da China. No seu discurso, o embaixador referiu que ao longo dos 30 anos, através de
esforços conjuntos, os laços sino-angolanos conheceram um grande desenvolvimento. “São cada vez mais frequentes os encontros e visitas de alto nível entre os dois
países e cada vez maior a cooperação bilateral nos domínios da economia, comércio,
finanças, construção civil, agricultura, justiça e formação de quadros”, sublinhou,
citado pela agência noticiosa angolana Angop. O embaixador recordou igualmente
que as relações sino-angolanas foram definidas oficialmente como estratégicas em
2010. O primeiro dia da 30ª edição da Feira Internacional de Luanda (Filda) foi dedicado à China, que participa com cerca de 100 empresas. Segundo o site “macauhub”
a mais importante feira multissectorial de Angola contou com a participação de mais
de mil empresas angolanas e estrangeiras de 35 países.
de
A
Timor Telecom, empresa detida maioritariamente pela
Portugal Telecom, está a oferecer vários computadores às escolas e universidades timorenses,
incluindo a Escola Portuguesa,
em Díli, disse Mafalda Ferreira,
directora comercial daquela empresa. “O nosso objectivo é contribuir para a info-inclusão dos
alunos e criar uma nova abordagem no ensino, tornando-o mais sofisticado”, afirmou. Segundo Mafalda Ferreira, para a
Timor Telecom faz sentido aquela “responsabilização pelo facto de a TT ser uma empresa
tecnológica e contribuir para a sociedade de informação e inclusão dos alunos no mundo das
novas tecnologias”. A oferta de computadores é feita com o apoio da Fundação PT (Portugal
Telecom). Em comunicado, a empresa refere também que no “âmbito daquela oferta, a Timor
Telecom contribuiu para a Escola Portuguesa em Díli iniciar, para o ano, a disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação”. “De forma a criar uma melhor e mais forte relação
com os jovens timorenses foi criado um protocolo de ajuda, não só financeiro mas também a
nível de equipamentos de que as escolas carecem. Tendo sido uma das primeiras a assinar o
Protocolo com a TT, a Escola Portuguesa é pioneira a introduzir a nova disciplina”, refere. O
documento refere também que a Timor Telecom vai instalar circuitos de internet nas escolas
e universidades para “permitir que os estudantes possam aprender e ambicionar mais, com a
ajuda das tecnologias de informação”. Neste momento, o número de clientes de rede móvel e
internet da Timor Telecom no país é de 632.500.
lusofonias
Justiça
e jornalismo
debatidos em Luanda
P
rocuradores de Angola, Brasil, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe reunidos, em Luanda, durante o XIº Encontro dos Procuradores Gerais da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), defenderam por unanimidade a necessidade de a Comunicação Social (MC) preservar
a presunção de inocência de pessoas acusadas de cometerem qualquer delito. O facto foi defendido durante a palestra subordinada ao tema: “A liberdade de imprensa-influência da investigação
jornalística na investigação criminal” que teve como oradores, Mota Liz, Alcides Martins, Lúcia
Maximiana, Jorge Bacelar e Ismael Mateus, sendo moderador Aguinaldo Carvalho. De acordo com
o semanário “O País” os oradores justificaram que qualquer pessoa acusada é inocente até que
o Tribunal prove o contrário, daí a necessidade de se preservar a sua imagem, não publicitando-a como acontece actualmente em quase em todos os países desta Comunidade, constituída por
oito países que falam português. “A sua imagem tem de ser preservada para não causar danos ”,
alertou Mota Liz. Segundo o procurador-geral adjunto angolano, a presunção de inocência é um
mecanismo de defesa de toda a pessoa acusada, até que o Tribunal prove que o arguido tenha ou
não cometido o crime. Por isso, aconselhou aos jornalistas para que se tenha a máxima atenção na
exposição pública do acusado. De acordo com o magistrado, a exposição pública da pessoa acusada
é interpretada nos círculos forenses como um julgamento público e pode ter consequências que
afectem a investigação do crime por quem de direito. O jurista reconheceu, contudo, que a investigação jornalística tem sido útil no nosso país “quando é feita com profissionalismo”. Reforçou
ainda que “ a imprensa assume-se como um mecanismo de regulação da vida social”. Sobre este
tema, os Procuradores falaram das experiências dos seus respectivos países sobre o acesso da imprensa as processos judiciários, o que, também como é óbvio, dissocia paixões. Em Moçambique,
segundo a Procuradora Lúcia Maximiana, há investigações que têm estado a ajudar os órgãos de
justiça a inquirir casos de tráfico de drogas, corrupção, combate à fraude e outros. Já Jorge Bacelar, referiu que o acesso ao processo permitiu em Portugal denunciar os abusos contra menores do
conhecido caso “Casa Pia”, sendo um dos casos mais mediáticos nos últimos dez anos na naquele
país. Reconheceu o papel importante desempenhado pela media lisboeta no que concerne a este
caso. Os representantes do Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe teceram também algumas
considerações neste painel, com opiniões que conformam o não acesso ao processo em segredo de
justiça, embora reconheçam o papel fundamental da imprensa para levar a informação ao público
que necessita de ser informado pontualmente.
GUINÉ-BISSAU
ONU apoia luta contra
Aeroporto internacional
a corrupção e tráfico de drogas
reabre a voos nocturnos
A
O
lusofonias
LUSOFONIAS • Segunda-feira, 15 de Julho de 2013
batalha contra a corrupção, o tráfico
de drogas e a violência política levam
tempo, mas qualquer jornada longa inicia-se com o primeiro passo, e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos está aqui para apoiar esta jornada», referiu o secretário-geral adjunto
Ivan Simonovic na abertura da conferência nacional sobre a Impunidade, Justiça
e Direitos Humanos, que deverá contribuir
para a produção de um roteiro específico
na Guiné-Bissau, destinado a pôr fim à impunidade. O responsável da ONU mostrou-se encorajado ao saber que as eleições
gerais estão previstas para Novembro de
2013 e lembrou que eleições livres, justas,
transparentes e credíveis só serão possíveis se houver determinados pré-requisitos, tais como a liberdade de expressão e
de reunião pacífica, e caso não se registem ameaças e intimidações contra figuras
políticas, os media e as organizações da sociedade civil. Tanto os interlocutores governamentais
como os não-governamentais concordaram que a impunidade é o principal desafio à protecção
dos direitos humanos e à estabilidade do país. «O meu Gabinete analisou as consequências da Lei
da Amnistia de 2008, tendo ficado claro que o número de violações sérias de direitos humanos
aumentou desde a promulgação da referida lei, incluindo após o golpe de Estado de 2012, e contribuiu ainda mais para a cultura da impunidade na Guiné-Bissau, referiu Ivan Simonovic. Segundo
o jornal online “Bissau Digital” o responsável da ONU aproveitou também a estadia no país para
discutir a reforma no sector da Justiça e Segurança com as autoridades de transição, incluindo o
Presidente, o Primeiro-ministro, o porta-voz do Parlamento, os Ministros dos Negócios Estrangeiros, da Justiça, do Interior e da Saúde. O responsável reuniu também com os promotores civil e
militar, o Presidente da Instituição Nacional para os Direitos Humanos, organizações da sociedade
civil, com a ONU e com a comunidade internacional presente em Bissau.
S.TOMÉ
Aeroporto Internacional de São Tomé e Príncipe retomou as suas operações noturnas para
funcionar 24 horas, após a reinauguração do sistema de iluminação da pista, avariada desde 2008.
De acordo com o director da Empresa Nacional
de Aeroportos e Segurança Aérea (ENASA), Raúl
Cravid, o investimento feito para a reabertura do
principal aeroporto do país aos voos nocturnos irá
refletir-se positivamente na saúde financeira da
empresa, que tem nas cobranças relativas ao uso
do espaço aéreo nacional a sua principal fonte de
receitas. Com o novo sistema de iluminação, os
voos noturnos “estão seguros sem riscos de apagões”, disse Raúl Cravid, antes de revelar que a
produção de energia eléctrica também aumentou
para cerca de 14 megawatts, satisfazendo em pleno as necessidades de consumo interno. A falta de
iluminação nos dois mil e 200 metros de comprimento da pista levara a que o aeroporto de São
Tomé e Príncipe encerrasse as suas atividades às
17:30 horas, o que fez com que S.Tomé entrasse
na lista negra da aviação civil internacional.
VII
A condição da mulher africana
Publica
textos de estudo e opinião
sobre a diversidade cultural
das Lusofonias
nos escritos de Alda Espírito Santo
Ideias
Manuel Vaz*
“Todos os poemas
desta antologia são
inéditos. Muitos
estiveram à guarda do
advogado português
Manuel João da Palma
Carlos, a quem foram
entregues em 1953,
por recear que a PIDE
lhos confiscasse, por
ocasião do julgamento
do massacre de Batepá.
Outros estavam nos
arquivos da PIDE,
confiscados em 1965
na sua residência
em Lisboa, e agora
depositados no Arquivo
da Torre do Tombo,
em Lisboa, e outros
foram entregues ao
organizador, Carlos
Espírito Santo, pela
própria poetisa, que
acabou por não redigir
o prefácio deste livro,
devido à sua morte
inesperada.”
VIII
S
em pompa nem circunstância, mas com grande dignidade,
foram finalmente editados pela Colibri, Lisboa, os Escritos
de Alda Espírito Santo, poetisa maior da Língua Portuguesa, conhecida combatente pela independência nacional, pelo que era
considerada o expoente máximo do nacionalismo santomense,
do qual é uma referência incontornável.
Alda Espírito Santo nasceu no dia 30 de Abril de 1926, em São
Tomé e Príncipe, onde fez os estudos primários, tendo posteriormente viajado para Lisboa, onde tirou o curso de Magistério Primário. No início da década de 40, Alda Espírito Santo faz contato
com alguns dos importantes escritores e intelectuais que viriam a ser os futuros dirigentes dos movimentos de independência das colônias portuguesas de África, como Amílcar Cabral,
Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos,
Francisco José Tenreiro, entre outros. A casa de sua família, no
número 37 da Rua Actor Vale, funcionou como local de encontros do CEA (Centro de Estudos Africanos), Nos encontros regulares na casa de Alda faziam-se regularmente palestras sobre
temas diversos como Linguística, História e também sobre a
consciência cultural e política acerca do colonialismo, do assimilacionismo e da defesa do colonizado. Na mesma época,
Alda Espírito Santo frequentava a CEI (Casa dos Estudantes do
Império). Devido à atividade política que então desenvolveu, foi
presa no dia 4 de Dezembro de 1965, na capital portuguesa, e
levada para o estabelecimento prisional de Caxias, por ordem
da PIDE.
A prisão, todavia, não a demoveu de continuar a lutar pela
libertação do seu povo, revelando superior coragem, benevolência e solidariedade. Alda Espirito Santo integrou diversas
federações político-africanas. Por exemplo, o Movimento Anti-Colonialista (MAC), fundado em 1957, e de que faziam parte
dois patrícios seus, Hugo de Menezes e Guilherme Espirito Santo. Mais, a Frente Revolucionária Africana para a Independência
Nacional das Colónias Portuguesas (FRAIN), criada no dia 28 de
Janeiro de 1960, e à qual também pertencia Hugo Azencourt de
Menezes. Em janeiro, regressa a São Tomé e Príncipe, onde atua
como professora e jornalista. Nesse mesmo ano, escreve o poema Trindade que denuncia o massacre ocorrido em 5 de fevereiro em Trindade, conhecido como o Massacre de Batepá. Após a
independência de São Tomé e Príncipe, ocorrida em 12 de junho
de 1975, Alda Espírito Santo ocupa vários cargos sucessivos no
governo da jovem nação, entre os quais os de Ministra da Educação e Cultura, Ministra da Informação e Cultura, Presidente
da Assembleia Nacional e Secretária Geral da União Nacional de
Escritores e Artistas de São Tomé e Príncipe. Nesse mesmo ano,
em novembro, compõe a letra do Hino Nacional de São Tomé e
Príncipe, intitulado “Independência Total”. Em 9 de março de
2010, falece em Luanda (Angola), tendo o governo santomense
decretado luto oficial de 5 dias.
Em vida, em livro, publicará, apenas, em 1976, o livro de poemas intitulado O jogral das Ilhas, e em 1978, o livro de poemas
É nosso o solo sagrado da terra, que reúne uma coletânea dos
poemas produzidos por Alda entre os anos de 1950- 1970.
O aparecimento destes Escritos é por isso de capital importância para abarcar a totalidade da sua obra, até agora dispersa
sobretudo por várias antologias lusófonas, nomeadamente a de
Mário Pinto de Andrade e de Francisco José Tenreiro, Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1958); a de Maria Manuela Margarido, Poetas de S. Tomé e Príncipe (1963); a de Manuel Ferreira,
No Reino de Caliban II (1976); a de Cremilda Medina, Sonha Ma-
Segunda-feira, 15 de Julho de 2013 • LUSOFONIAS
mana África (1988); O Coro dos Poetas e Prosadores de S. Tomé
e Príncipe (1992); entre outros, bem como em jornais e revistas
de São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique.
Todos os poemas desta antologia são inéditos. Muitos estiveram à guarda do advogado português Manuel João da Palma
Carlos, a quem foram entregues em 1953, por recear que a PIDE
lhos confiscasse, por ocasião do julgamento do massacre de
Batepá. Outros estavam nos arquivos da PIDE, confiscados em
1965 na sua residência em Lisboa, e agora depositados no Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa, e outros foram entregues
ao organizador, Carlos Espírito Santo, pela própria poetisa, que
acabou por não redigir o prefácio deste livro, devido à sua morte
inesperada.
Como salienta o organizador, além da sua preocupação fundamental, que foi a condição da mulher africana em geral, «o vetor que suporta inúmeras macro composições poéticas de Alda
Espírtio Santo é, sem dúvida, a esperança, (que) … representa o
empenho dinâmico com que se pretende um bem futuro, possível de lograr, ainda que incerto». Surgem privilegiados na poesia
de Alda Espírito Santo dois tipos de esperança, designadamente
a esperança-paixão, albergando diversos tipos de sentimentos,
tais como a angústia, o desespero e a vingança, e a esperança-intelecto, suportada, por conseguinte, pela razão.
«Poeta da negritude e/ou da africanidade, Alda Espírito Santo viu-se forçada a tecer inúmeros elogios, tendo como destinatários a África, os seus povos e territórios – assinala ainda o
organizador destes Escritos,- A raça negra e cor de ébano são
(re)presentadas sob a tela da excelência. Se quiséssemos um
exemplo para ilustrar estas observações serviria cabalmente a
composição Eu canto a África, que pode ser considerada um
verdadeiro panegírico ao continente africano e à negra gente.»
Por outro
lado, Seara Negra é o poema que tenta sublinhar o contributo
do homem negro para a construção de várias civilizações dispersas pelo mundo.
Além de um vasto conjunto de poemas e de contos, de inegável interesse literário e documental, este volume integra igualmente uma série de ensaios, em fac-simile, e ainda um lote de
cartas dirigidas ao Dr. Palma Carlos, de capital importância para
se perceber o horror do massacre de Batepá e o papel deste
advogado português na denúncia da violência gratuita que ele
constituiu, e outras à sua prima Andreza, a elogiar sobretudo o
causídico que arrostou o regime colonial defendendo os santomenses da repressão inaudita que o regime colonial lhes tinha
infligido. Antes do final, que integra um conjunto de documentos da PIDE que esclarecem por si sós o papel da poetisa na sua
luta pela independência de S. Tomé, são incluídos ainda uma
série de telegramas nos quais vai dando conta ao advogado da
libertação a conta-gotas dos arguidos de Batepá.
Como curiosidade, vale a pena referir que este volume integra ainda um vigoroso desenho do pintor surrealista português
António Domingues, que lhe serviu de cartão de Natal em 1952,
no qual o autor desejava à poetisa «Felicidades e Vitórias totais». António Domingues, que faleceu em Lisboa em 2004, era
filho do grande jornalista e escritor santomense Mário Domingues, que foi um dos mais prolíficos dos escritores portugueses.
*Jornalista e editor, antigo director do Serviço
Internacional da Rádio Nacional de Angola, in: CULTURA.
Jornal Angolano de Artes e Letras
lusofonias
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Seda Bicho Lusofonia? - Jornal Tribuna de Macau