ESCOLA NÁUTICA INFANTE D. HENRIQUE T EEC CNNO OLLO OG GIIAA M AARRÍÍTTIIM MAA MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DOS NAVIOS 2ª Parte João Emílio C. Silva 2007 TECNOLOGIA MARÍTIMA 3 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) ÍNDICE 1 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 2.8 2.9 3 4 4.1 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 4.7 4.8 4.8.1 4.8.2 4.9 4.9.1 4.9.2 4.9.3 4.10 4.11 4.12 4.13 4.13.1 4.13.2 5 6 7 8 MÁQUINAS ALTERNATIVAS DE COMBUSTÃO INTERNA – CONCEITOS GERAIS ................................................................ 4 COMPONENTES DAS MÁQUINAS ALTERNATIVAS DE COMBUSTÃO INTERNA .................................................................. 4 BASE (BEDPLATE) ...................................................................................................................................................................... 7 ESTRUTURA (ENGINE FRAME) ................................................................................................................................................. 7 CAMISAS (LINERS) ..................................................................................................................................................................... 7 VEIO DE MANIVELAS (CRANKSHAFT) ...................................................................................................................................... 7 ÊMBOLOS (PISTONS) ................................................................................................................................................................. 8 TIRANTE, HASTE E CRUZETA (CONNECTING ROD, PISTON ROD AND CROSSHEAD) ...................................................... 9 VÁLVULAS (VALVES) ................................................................................................................................................................ 10 VEIO DE RESSALTOS E DISTRIBUIÇÃO (CAMSHAFT AND DISTRIBUTION) ...................................................................... 10 CABEÇA DO MOTOR (ENGINE HEAD) .................................................................................................................................... 11 PARÂMETROS E DEFINIÇÕES MAIS RELEVANTES DAS MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA .................................. 12 CLASSIFICAÇÃO DAS MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA............................................................................................ 14 QUANTO AO MODO COMO SE EFECTUA A COMBUSTÃO ................................................................................................... 14 MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA A VOLUME CONSTANTE ....................................................................................... 14 MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA A PRESSÃO CONSTANTE ..................................................................................... 15 MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA A CICLOS MISTOS ................................................................................................. 17 QUANTO AO COMBUSTÍVEL UTILIZADO ................................................................................................................................ 17 QUANTO AO NÚMERO DE FACES ACTIVAS DO ÊMBOLO ................................................................................................... 18 QUANTO AO NÚMERO DE ÊMBOLOS POR CILINDRO ......................................................................................................... 18 QUANTO AO NÚMERO DE CILINDROS QUE POSSUEM ....................................................................................................... 18 QUANTO À DISPOSIÇÃO DOS CILINDROS ............................................................................................................................ 18 QUANTO À VELOCIDADE DE FUNCIONAMENTO .................................................................................................................. 19 QUANTO À FORMA COMO O AR É INTRODUZIDO NOS CILINDROS .................................................................................. 19 MOTORES ATMOSFÉRICOS OU DE ASPIRAÇÃO NORMAL ................................................................................................. 19 MOTORES SOBREALIMENTADOS .......................................................................................................................................... 20 QUANTO À FORMAÇÃO DA MISTURA AR-COMBUSTÍVEL ................................................................................................... 22 MÁQUINAS COM FORMAÇÃO EXTERIOR DA MISTURA AR-COMBUSTÍVEL LÍQUIDO ...................................................... 22 MÁQUINAS COM FORMAÇÃO EXTERIOR DA MISTURA AR-COMBUSTÍVEL GASOSO ..................................................... 22 MÁQUINAS COM FORMAÇÃO INTERIOR DA MISTURA AR-COMBUSTÍVEL LÍQUIDO ....................................................... 22 QUANTO AO PROCESSO DE INFLAMAÇÃO DO COMBUSTÍVEL ......................................................................................... 23 QUANTO AO SISTEMA DE REFRIGERAÇÃO UTILIZADO ...................................................................................................... 24 QUANTO À RELAÇÃO VOLUMÉTRICA OU RELAÇÃO DE COMPRESSÃO .......................................................................... 24 QUANTO AO CICLO DE FUNCIONAMENTO............................................................................................................................ 24 CICLO A QUATRO TEMPOS ..................................................................................................................................................... 24 CICLO A DOIS TEMPOS............................................................................................................................................................ 26 INJECÇÃO .................................................................................................................................................................................. 28 DISTRIBUIÇÃO .......................................................................................................................................................................... 30 INVERSÃO DE MARCHA ........................................................................................................................................................... 30 REGULAÇÃO DE VELOCIDADE ............................................................................................................................................... 31 Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 4 1 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) MÁQUINAS ALTERNATIVAS DE COMBUSTÃO INTERNA – CONCEITOS GERAIS Tanto as turbinas de gás como os motores diesel são máquinas de combustão interna de utilização comum nos navios. Embora, em princípio, fosse possível utilizar motores de explosão, tanto na propulsão como para serviços auxiliares dos navios mercantes e de pesca, por razões económicas e de segurança, estes motores não são utilizados nos navios mercantes1, enquanto que as turbinas a gás devido a razões de natureza económica, apenas são utilizadas nos navios mercantes em alguns casos específicos, designadamente, quando são requeridas potências elevadas ou quando existem limitações de espaço e peso. Dado que são os motores diesel, que hoje em dia desempenham um papel preponderante na propulsão, será sobre eles que, fundamentalmente, irá incidir o nosso estudo. Uma vez que os motores diesel, pertencem ao grupo das chamadas Máquinas Alternativas de Combustão Interna, julgamos de todo o interesse, para evitar possíveis confusões, iniciar este breve estudo pela sua correcta identificação, acentuando para o efeito, as semelhanças e as diferenças que os caracterizam quer em relação aos motores semi-diesel, quer aos motores de explosão seus parceiros de grupo. 2 COMPONENTES DAS MÁQUINAS ALTERNATIVAS DE COMBUSTÃO INTERNA Vamos seguidamente efectuar a identificação dos principais componentes das máquinas alternativas de combustão interna, recorrendo para o efeito a figuras que representam de forma muito esquemática, os dois tipos destas máquinas hoje em dia mais utilizados, respectivamente os motores de explosão e os motores diesel. As figuras 1 e 2 correspondem a vistas em corte de um motor de explosão a quatro tempos de tipo clássico, tal como os utilizados pelos veículos automóveis. Note-se que, a grande maioria dos motores que equipam os modernos automóveis, apesar de manterem, no essencial, a mesma configuração do motor representado na figura diferem, contudo, no que respeita aos sistemas de alimentação e de inflamação do combustível. Hoje em dia a grande maioria dos motores de explosão utiliza sistemas de injecção de combustível em alternativa aos sistemas de carburador, enquanto nos sistemas de inflamação o processo clássico de distribuidor e bobina foram substituídos por sistemas de ignição electrónica. Mais à frente estes dois sistemas serão tratados com maior detalhe. No motor representado nas figuras 1 e 2, o arrefecimento do motor é garantido por um sistema em que a água circula internamente o motor através de passagens no bloco do motor (câmaras de circulação). Os componentes essenciais do circuito são: Bomba de água; válvula termostática; arrefecedor de água ou radiador (não representado na figura). Neste caso, o sistema de arrefecimento inclui um ventilador accionado a partir do veio de manivelas, que força o ar através do radiador. Normalmente, nos modernos motores, os ventiladores são accionados por motor eléctrico que é também comandado por um termostato,2 o que permite manter constante a temperatura da água de circulação, independentemente do regime de funcionamento do motor. A válvula termostática actua em função da temperatura da água de circulação fazendo com que a água circule ou pelo radiador ou por um encanamento de ‘by-pass’. 1 A utilização dos motores de explosão a bordo dos navios é restringida por questões de segurança. A Convenção para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar – SOLAS (Safety of Life at Sea) impede a utilização de combustíveis com pontos de inflamação (flash point) inferiores a 65ºC. 2 O termostato é um órgão para controlo automático da temperatura. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 5 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) balanceiro mola da válvula válvula colector evacuação carburador impulsor distribuidor êmbolo tirante taco do impulsor veio de ressaltos veio de manivelas filtro de óleo de lubrificação aspiração do óleo de lubrificação FIG. 1 – VISTA TRANSVERSAL EM CORTE DE UM MOTOR DE EXPLOSÃO DE QUATRO TEMPOS válvula de admissão válvula termostática válvula de evacuação bomba de água de circulação ventilador volante correia de accionamento do ventilador e da bomba de água corrente de distribuição veio de ressaltos chumaceiras de apoio do veio de manivelas chumaceiras das manivelas FIG. 2 – VISTA LONGITUDINAL EM CORTE DE UM MOTOR DE EXPLOSÃO DE QUATRO TEMPOS Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 6 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) ACTUADOR HIDRÁULICO SOBREALIMENTADOR VÁLVULA DE EVACUAÇÃO CAMISA COLECTOR DE EVACUAÇÃO ÊMBOLO ARREFECEDOR DE AR DE LAVAGEM JANELAS DE ADMISSÃO HASTE DO ÊMBOLO CRUZETA BUCIM DA HASTE SISTEMA ARTICULADO DE LUBRIFICAÇÃO DA CRUZETA VEIO DE RESSALTOS PÉ DO TIRANTE TIRANTE CABEÇA DO TIRANTE TIRANTE CÂMARA DE MANIVELAS FIG. 3 – VISTA TRANSVERSAL EM CORTE DE UM MOTOR DIESEL A 2 TEMPOS DE GRANDE POTÊNCIA. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 7 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) O motor representado na figura 3 é um motor diesel a dois tempos de potência elevada e de baixa rotação, utilizado, quer na propulsão de navios, quer para fins estacionários, como sejam os grupos de produção de energia eléctrica das centrais termoeléctricas. Tal como mostra a figura, os êmbolos, ao contrário do que sucede no motor das figuras 1 e 2, não se encontram ligados directamente aos tirantes mas sim a hastes que por sua vez se encontram ligadas aos respectivos tirantes através de órgãos designados por cruzetas. Trata-se de um motor sobrealimentado onde o ar de admissão, que é comprimido pelo sobrealimentador, após passar por um arrefecedor de ar (arrefecedor de ar de lavagem) entra num colector que o distribui pelos cilindros, efectuando-se a admissão nos cilindros através de janelas. Os gases de evacuação (escape) saem do motor através de válvulas montadas na cabeça de cada cilindro. No caso do motor representado, a actuação das válvulas de evacuação é efectuada através de um sistema hidráulico que, por sua vez, é comandado pelo veio de ressaltos instalado lateralmente ao motor. Este sistema hidráulico substitui, com vantagem, os tradicionais sistemas mecânicos que utilizam balanceiros. Apesar dos princípios de funcionamento se manterem inalteráveis, os construtores têm desenvolvido sistemas, mais ou menos sofisticados, no sentido de melhorar a eficiência dos motores. Hoje em dia é possível encontrar motores em que a cadeia de distribuição constituída por engrenagens, correntes e veio de ressaltos foi substituída por dispositivos electro-hidráulicos controlados por microprocessadores. Não cabendo, no âmbito destes apontamentos, uma análise exaustiva do funcionamento das máquinas de combustão interna procurar-se-á, contudo, efectuar uma abordagem simplificada do funcionamento dos motores diesel e dos sistemas e componentes que estes motores dispõem. 2.1 BASE (BEDPLATE) A base do motor é o elemento da estrutura que suporta todos os restantes componentes e, como tal, deverá possuir resistência suficiente para suportar as cargas elevadas a que se encontra sujeito, sejam elas de natureza estática ou dinâmica (provenientes dos órgãos móveis). A base possui umas sapatas que permitem a fixação do motor às carlingas (fixe) que são elementos estruturais do casco do navio. 2.2 ESTRUTURA (ENGINE FRAME) A estrutura do motor é apertada à base através de esteios (parafusos longos) que também garantem o aperto do bloco do motor à estrutura. 2.3 CAMISAS (LINERS) As camisas destinam-se a guiar os êmbolos do motor. No caso dos pequenos motores, as camisas são maquinadas directamente no bloco. Neste caso, quando o seu desgaste atinge um valor tal que os aros dos êmbolos já não conseguem garantir a vedação dos gases, as camisas são rectificadas e instalam-se novos êmbolos de maior diâmetro (oversized pistons). No caso dos motores de maiores dimensões, como não seria praticável este procedimento, as camisas são independentes do bloco (postiças), permitindo a sua substituição quando o seu desgaste atinge o valor máximo admissível. Nestes motores, existem espaços livres entre a face exterior das camisas e o interior do bloco, por onde circula um fluído de arrefecimento. Estes espaços designam-se por câmaras de circulação. 2.4 VEIO DE MANIVELAS (CRANKSHAFT) O veio de manivelas, em conjunto com os tirantes, forma um mecanismo que converte o deslocamento linear dos êmbolos em movimento de rotação do veio de manivelas. O veio de manivelas é constituído, essencialmente, por moentes ou munhões de apoio (A), braços de manivela (B) e moentes ou munhões de manivela (C). Os moentes de apoio assentam nas A D A C chumaceiras de apoio do veio. Os braços de manivela ligam os moentes de apoio aos moentes de manivela, sendo nestes últimos onde vão trabalhar as cabeças dos tirantes. E B FIG. 4 – VEIO DE MANIVELAS Engenharia de Máquinas Marítimas No braço de manivela existem contrapesos (D) que têm como objectivo assegurar o equilíbrio dinâmico do veio. Uma das extremidades do veio de manivelas possui uma flange (E) que estabelece a ligação ao volante do motor. Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 8 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) 2.5 ÊMBOLOS (PISTONS) São constituídos por coroa e saia que correspondem, respectivamente, às partes superior e inferior. O êmbolo possui rasgos na sua periferia onde se alojam os aros (caixas dos aros). O conjunto de aros é designado por feixe elástico, tendo em conta que cada um dos aros deve possuir uma elevada elasticidade de forma a manter-se permanentemente ajustado à camisa. Os aros instalados na parte superior do êmbolo designam-se por aros de compressão, cuja missão consiste em assegurar a vedação entre o êmbolo e a camisa, impedindo a passagem dos gases da combustão para a parte inferior do motor (câmara de manivelas) permitindo, desta forma, o aproveitamento quase total da sua força expansiva. O primeiro aro de compressão, contado a partir do topo do êmbolo toma o nome de aro de choque, pelo facto de ser aquele que suporta pressões e temperaturas mais elevadas. COROA AROS ( FEIXE ELÁSTICO ) CAVIRÃO SAIA Para além dos aros de compressão, os êmbolos são dotados de aros de lubrificação que têm por missão distribuir o óleo de lubrificação por toda a face interna da camisa e ‘raspar’ o excesso de lubrificante quando o êmbolo realiza o seu passeio descendente. Na figura 5, que mostra o conjunto êmbolo e tirante de um motor de pequenas dimensões, verifica-se que o feixe elástico do êmbolo é constituído por dois aros de compressão e um aro de lubrificação. FIG. 5 – ÊMBOLO E TIRANTE Na figura 6, aparece representado em pormenor uma caixa com o respectivo aro e as dimensões e folgas mais relevantes. As dimensões dos aros são mostradas na figura 7. Quando o aro se encontra instalado na camisa, têm que existir uma folga adequada entre ambos os topos para que, quando o motor aquece, a expansão térmica do aro não dê origem ao encosto entre os dois topos o que daria lugar ao aumento significativo do atrito entre o aro e a camisa e, eventualmente, à fractura do êmbolo. Esta folga, contudo, não pode ser exagerada, pois a sua função de vedação dos gases, deixaria de se verificar. CAIXAS DOS AROS DE COMPRESSÃO A B FACE DE CONTACTO E C LARGURA DO ARO F D DIÂMETRO EXTERIOR DO ARO D CAIXAS DOS AROS DE LUBRIFICAÇÃO A - PROFUNDIDADE DA CAIXA B - FOLGA DO ÊMBOLO C - LARGURA DO ARO D - PAREDE DO CILINDRO E - ARO F - ÊMBOLO FIG. 6 – FEIXE ELÁSTICO Engenharia de Máquinas Marítimas ESPESSURA DO ARO FIG. 7 – ARO Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 9 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) 2.6 TIRANTE, HASTE E CRUZETA (CONNECTING ROD, PISTON ROD AND CROSSHEAD) O tirante é o órgão que assegura a transmissão do movimento do êmbolo ao veio de manivelas. A figura 8 mostra um tirante de um motor de pequenas dimensões. Neste caso, o pé do tirante liga directamente ao êmbolo através de um cavilhão enquanto a cabeça do tirante abraça o moente da manivela (motores de PÉ DO TIRANTE tronco). De forma a reduzir o atrito e evitar o desgaste tanto do tirante como do moente da CAVILHÃO DO ÊMBOLO manivela, o tirante dispõe de bronzes que podem ser substituídos. Os bronzes são constituídos por duas capas fabricadas em liga de metais não ferrosos (metal anti-fricção) que, no caso de haver uma falha de lubrificação, evita que se verifique uma gripagem imediata. PARAFUSO DE APERTO CABEÇA DO TIRANTE BRONZE OU CAPAS Noutro tipo de motores, geralmente de grandes dimensões, como é o caso dos motores marítimos, o pé do tirante encontra-se ligado a uma haste (haste do êmbolo) através de um elemento designado por cruzeta (Fig. 9). Neste tipo de motores, como a haste trabalha sempre na vertical, o cilindro encontra-se isolado da parte inferior do motor (câmara de manivelas). A vedação é garantida por um bucim (não representado na figura), onde a haste do êmbolo trabalha. FIG. 8 – TIRANTE HASTE DO ÊMBOLO POLAINA CRUZETA GUIA DA CRUZETA TIRANTE VEIO DE MANIVELAS CÂMARA DE MANIVELAS FIG. 9 – TIRANTE, CRUZETA E HASTE DO ÊMBOLO Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 10 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) 2.7 VÁLVULAS (VALVES) A figura 10 mostra os elementos fundamentais constituintes de um cilindro de um motor de explosão, distinguindo-se as válvulas de admissão e VELA evacuação instaladas na cabeça do cilindro. A válvula de admissão permite a entrada da mistura ar-combustível e a válvula de evacuação (ou de escape) destina-se a dar passagem para o exterior VÁLVULA DE VÁLVULA DE dos gases resultantes da combustão após se ter EVACUAÇÃO ADMISSÃO realizado a conversão da energia química do combustível em energia mecânica. ÊMBOLO 2.8 CAMISA TIRANTE BRAÇO DE MANIVELA VEIO DE MANIVELAS CONTRAPESO VEIO DE RESSALTOS E DISTRIBUIÇÃO (CAMSHAFT AND DISTRIBUTION) A abertura e o fecho das válvulas são efectuados pelos veios de ressaltos que por sua vez são accionados a partir do veio de manivelas através de um mecanismo de distribuição ilustrado na figura 11. A transmissão do movimento entre o veio de manivelas e os veios de ressaltos é assegurada por carretos, por correias dentadas ou por correntes, sendo este o caso representado na figura. O accionamento de ambas as válvulas (admissão e evacuação) pode ser efectuado por um único veio de ressaltos ou, tal como mostra a figura, por dois veios distintos (um para as válvulas de admissão e outro para as válvulas de evacuação). FIG. 10 – ELEMENTOS DE UM MOTOR DE EXPLOSÃO RESSALTO Quando o accionamento é efectuado por correias ou por correntes, estas são mantidas esticadas através de tensores que compensam as folgas provenientes do desgaste a que os órgãos ficam sujeitos. VEIOS DE RESSALTOS Os veios de ressaltos (camshaft’s) podem ser instalados junto à cabeça do motor tal como no exemplo ilustrado na figura ou situarem-se lateralmente, tal como TENSOR exemplificado nas figuras 1 e 2. Quando os veios de ressaltos trabalham na cabeça do motor, os ressaltos actuam directamente sobre as válvulas, podendo CORRENTE DE dispensar o uso de impulsores e balanceiros. DISTRIBUIÇÃO O fecho das válvulas é garantido por molas de aço cuja tensão terá que garantir a melhor vedação possível. Quando o ressalto não se encontra em posição de actuação sobre a válvula, tem que existir uma folga adequada entre esta e o ressalto, de forma a garantir que, mesmo que se verifiquem dilatações nos materiais, as válvulas fechem completamente (Fig. 12). TENSOR FIG. 11 – DISTRIBUIÇÃO Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 11 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) HASTE FOLGA DA VÁLVULA GUIA FIG. 12 – FUNCIONAMENTO DA VÁLVULA A figura 13 representa uma válvula de evacuação de um motor diesel. A válvula é constituída pelo obturador e pela haste que trabalha numa guia apertada ao bloco do motor por parafusos. De forma a poder resistir às elevadas pressões e temperaturas, a face de assentamento da válvula é sujeita a um tratamento térmico ou termoquímico que lhe garante uma elevada dureza e resistência. OBTURADOR Em alguns casos, as faces de assentamento são revestidas por ligas micropulverizadas de elevada qualidade, sendo depois sujeitas a tratamento térmico ou termoquímico visando aumentar a sua resistência mecânica. FACE DE ASSENTAMENTO FIG. 13 – VÁLVULA DE EVACUAÇÃO DE UM MOTOR DIESEL 2.9 CABEÇA DO MOTOR (ENGINE HEAD) A cabeça do motor assenta no bloco, sendo a vedação entre estes dois elementos assegurada por uma ESBARRO DA MOLA VEIO DE BALANCEIROS PARAFUSO DE AJUSTE DA FOLGA DA VÁLVULA CONTRAPORCA APOIO DO VEIO DE BALANCEIROS IMPULSOR SAÍDAS DE EVACUAÇÃO MOLA DA VÁLVULA BALANCEIRO FIG. 14 – CABEÇA DO MOTOR Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 12 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) junta (junta da cabeça). No caso mostrado na figura 14, as válvulas são actuadas por balanceiros que oscilam em torno de um veio (veio de balanceiros). Os balanceiros são accionados pelos impulsores que, por sua vez, são actuados pelo veio de ressaltos instalado lateralmente ao motor tal como acontece nas figuras 1 e 2. A regulação das folgas das válvulas é efectuada através de parafusos montados num dos braços dos balanceiros. Para evitar desajustamentos das folgas, os parafusos são travados por contraporcas, tal como se mostra na imagem de pormenor. 3 PARÂMETROS E DEFINIÇÕES MAIS RELEVANTES DAS MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA DIÂMETRO (D) - Refere-se ao diâmetro interior do cilindro. PONTOS MORTOS (PM) - São as posições extremas que o êmbolo pode ocupar durante o seu movimento no interior do cilindro. É nessas posições que inverte o sentido do seu movimento rectilíneo e consequentemente a sua velocidade se anula. PONTO MORTO SUPERIOR (PMS) - É a posição que o êmbolo, durante o seu movimento, pode ocupar mais próxima da cabeça do cilindro. PONTO MORTO INFERIOR (PMI) - É a posição que o êmbolo, durante o seu movimento, pode ocupar mais afastada da cabeça do cilindro. PMS Vc D curso (L) PMS r FIG. 15 – DEFINIÇÕES CARACTERÍSTICAS CURSO OU PASSEIO (L) - É a distância percorrida pelo êmbolo quando se desloca de um ponto para o outro. Dado que cada deslocamento do êmbolo de um ponto morto para o outro implica meia rotação do veio de manivelas, é evidente que o curso é igual ao dobro do raio da manivela, ou seja: L = 2 r em que r representa o raio da manivela. CÂMARA DE COMPRESSÃO OU CÂMARA DE COMBUSTÃO (Vc) - É o volume compreendido entre a cabeça do cilindro e a cabeça do êmbolo, quando este se encontra no PMS. A distância entre o topo superior do êmbolo e a superfície interna da cabeça é designada por ‘liberdade do êmbolo’. VOLUME DESLOCADO PELO ÊMBOLO - É o volume deslocado, varrido ou gerado pelo êmbolo quando se desloca do PMS para o PMI. Este parâmetro pode ainda ter as seguintes designações: volume varrido pelo êmbolo; volume gerado pelo êmbolo; cilindrada unitária; embolada. O seu valor é obtido através da seguinte expressão: Vd = π D2 4 ×L CILINDRADA TOTAL (Vt) - É o volume correspondente ao produto do número de cilindros do motor pela cilindrada unitária, ou seja: Vt = Vd 3 i em que i é o número de cilindros VOLUME TOTAL DO CILINDRO (Va) - É o volume do cilindro correspondente à soma do volume da câmara de combustão com o volume deslocado pelo êmbolo Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 13 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) Va = Vc + Vd RELAÇÃO DE COMPRESSÃO OU RELAÇÃO VOLUMÉTRICA – É a relação entre o volume total do cilindro e o volume de câmara de combustão, ou seja: ε= Va Vc + Vd Vd = = 1+ Vc Vc Vc Quanto maior for a relação de compressão ou volumétrica de um motor, maior será o seu rendimento. TEMPO DE FUNCIONAMENTO – É o conjunto de operações efectuadas durante um curso ou passeio do êmbolo. FLUIDO OPERANTE; FLUÍDO MOTOR OU FLUÍDO DE TRABALHO – É assim designada a mistura ar/combustível que evoluciona no interior dos cilindros do motor. CICLO DE FUNCIONAMENTO – Define-se como sendo a série de transformações químicas e físicas a que o fluído motor é submetido quando da sua passagem através do motor, as quais se repetem segundo uma lei periódica. DIAGRAMAS – São representações gráficas apropriadas que nos permitem exprimir através de uma curva, as variações de uma grandeza em função de uma outra. Deste modo, é possível representar as variações de pressão de um fluído gasoso contido num cilindro, em função do seu volume, tendo em consideração que quando comprimido através de um êmbolo ao mesmo tempo que a pressão e a temperatura aumentam, diminui o volume. Pelo contrário, quando descomprimido isto é, quando o mesmo fluído se expande, à medida que o seu volume aumenta, diminui a pressão e a temperatura. Medindo em cada instante a pressão e o volume ocupado, para uma dada temperatura constante, verifica-se o seguinte: 1º Para o mesmo volume o fluído tem sempre a mesma pressão, 2º A uma variação de volume corresponde sempre uma variação de pressão Traçando dois eixos perpendiculares Ox e Oy (abcissas e ordenadas), a partir do ponto O, marcamse comprimentos que, no eixo das abcissas, correspondem, em escala determinada, aos volumes ocupados pelo fluído e, no das ordenadas, comprimentos que representem as diferentes pressões. Fazendo passar linhas perpendiculares aos eixos pelos pontos que em dado momento correspondem aos volumes e pressões do fluído, vamos obter, pelo seu cruzamento, um ponto que representa o estado do fluído nesse momento. Procedendo de igual modo para os restantes pontos, correspondentes aos vários estados do fluído, obteremos outros pontos de cruzamento que, ligados, darão a curva que representa a variação de pressão e de volume a que o fluído foi submetido. Y=P 25 3 2 15 1 10 10 14 19 t = const X=V FIG. 16 - EVOLUÇÃO DE UM FLUÍDO NO INTERIOR DO CILINDRO Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 14 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) 4 CLASSIFICAÇÃO DAS MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA 4.1 QUANTO AO MODO COMO SE EFECTUA A COMBUSTÃO Em 1892, Rudolf Diesel desenvolveu a ideia e obteve a patente alemã de um motor de eficiência superior aos motores de gasolina (explosão) que foram inventados em 1876. As principais diferenças entre estes dois tipos de motores podem ser sintetizadas no seguinte: • No motor de explosão a mistura ar combustível é admitida no motor que a comprime e inflama com a ajuda de um arco eléctrico. No motor diesel apenas o ar é comprimido no cilindro e apenas quando o êmbolo se encontra perto do PMS (ponto morto superior) o combustível é injectado no seio do ar comprimido. A temperatura a que o ar se encontra é responsável pela ignição expontânea da mistura. • A relação de compressão de um motor de explosão é de 8:1 a 12:1, enquanto num motor diesel a relação vai de 14:1 até valores superiores a 25:1. Em termos gerais podemos dizer que quanto maior é a relação de compressão do motor diesel maior é a sua eficiência. • A entrada da mistura ar/combustível no motor de explosão é efectuada através de um dispositivo designado por carburador, no qual é efectuada a mistura (antes de entrar no cilindro) ou, através de um sistema que injecta o combustível na admissão do motor. O motor diesel recorre a um processo de injecção directa (o combustível é injectado a alta pressão directamente no cilindro). 4.1.1 MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA A VOLUME CONSTANTE Mais conhecidas por motores de explosão (Ciclo Otto). São assim designadas por o seu ciclo de funcionamento se basear num ciclo teórico segundo o qual a combustão se realiza instantaneamente, isto é, verifica-se um brusco aumento de pressão da massa gasosa contida no interior do cilindro sem variação de volume. Este ciclo teórico foi inventado em 1862 por Beau de Rochas e experimentado pela primeira vez por Nikolaus Otto em 1878. Diagrama teórico A figura 17 mostra o diagrama teórico de um motor de explosão. Este diagrama é uma linha curva fechada que representa graficamente as transformações supostamente verificadas ao longo de um ciclo teórico de funcionamento de um motor. P 3 Q1 2 4 P atm Q2 1 5 6 V FIG. 17 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO CICLO TEÓRICO A VOLUME CONSTANTE EM COORDENADAS PV Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 15 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) Diagrama real ou indicado Nos cilindros dos motores reais temos um fluído operante que muda a cada instante de pressão, volume e temperatura. Representando graficamente essas transformações, obteremos uma curva fechada que é designada por diagrama real do motor que representa o ciclo real de funcionamento do motor, ou seja, as diversas alterações de pressão e de volume a que fluído operante é efectivamente submetido durante esse ciclo. Ele dá-nos a conhecer o funcionamento interno do motor, revelando os seus defeitos, a fim de poderem ser corrigidos, bem como, permite a determinação da potência que o motor desenvolvia na altura em que foi obtido. Os diagramas reais de funcionamento dos motores diesel lentos, são obtidos através de aparelhos indicadores, sincronizados com o funcionamento do motor, os quais permitem registar as condições reais de funcionamento dos motores sob a forma de diagramas. 4.1.2 MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA A PRESSÃO CONSTANTE Mais conhecidos por Motores Diesel, o seu ciclo de funcionamento baseia-se num ciclo teórico, segundo o qual, a combustão se efectua gradualmente, mantendo-se constante a pressão, pelo que, por vezes, também são designadas por ‘Máquinas de Combustão Gradual ou de Combustão Lenta’. O diagrama representa o ciclo termodinâmico e não um ciclo mecânico, que nos permite a sua análise e a determinação do resultado de certos efeitos sem ter que entrar nos detalhes e na complexidade inerente a um motor real. O desenvolvimento do ciclo termodinâmico pressupõe determinadas simplificações. Q1 P 2 3 1–2 2–3 3–4 4–1 Compressão adiabática (q=0) Adição de calor a pressão constante (isobárica) Expansão adiabática Rejeição de calor a volume constante (isocórica) 4 P atm Q2 1 6 5 V FIG. 18 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO CICLO TEÓRICO A PRESSÃO CONSTANTE EM COORDENADAS PV A primeira é que o fluído de trabalho é o ar e que possui massa constante. Isto significa que o ar nunca abandona o cilindro, nele permanecendo durante todo o ciclo. Outra simplificação consiste em considerar que, em lugar de existir a combustão de um combustível, verifica-se um processo de adição de calor e que em vez de haver um processo de evacuação, o calor é rejeitado do cilindro. A área a tracejado, limitada pelas linhas correspondentes às transformações corresponde ao trabalho útil produzido. Para cada rotação do veio de manivelas, dá-se um ciclo completo. Dado que a área a tracejado representa o trabalho útil a sua determinação é importante para o conhecimento do comportamento do ciclo. A figura 20 mostra uma área rectangular equivalente à área do diagrama. Esta área rectangular possui um comprimento igual ao curso do êmbolo (V1 – V2) e uma altura igual à pressão média efectiva. O trabalho é igual em ambas as formas representadas. A pressão média efectiva é definida por: mep = Engenharia de Máquinas Marítimas W Curso do êmbolo Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 16 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) Se conhecermos a pressão média efectiva e o curso do êmbolo podemos calcular o trabalho. Por outro lado, se conhecermos o número de rotações por unidade de tempo, a potência pode ser determinada. 2 3 P W 4 1 mep W VPD V PMS PMI FIG. 20 – PRESSÃO MÉDIA EFECTIVA Tendo em conta as simplificações assumidas anteriormente, o diagrama P-V de um motor não corresponde exactamente ao diagrama anteriormente analisado, devido fundamentalmente à ‘adição’ de calor (injecção) antes e após o PMS. A adição de calor ocorre tanto a volume constante como a pressão constante, tal como se pode verificar no diagrama da figura 21. Q''1 P 3 4 Q'1 2 5 P atm Q2 1 6 7 V FIG. 21 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO CICLO TEÓRICO MISTO EM COORDENADAS PV Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 17 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) 4.1.3 MÁQUINAS DE COMBUSTÃO INTERNA A CICLOS MISTOS Pressão, P São também conhecidas por motores Semi-Diesel ou de Cabeça Quente. Estas máquinas devem a sua designação ao facto do seu ciclo de funcionamento se basear num ciclo teórico que é um misto dos dois ciclos já referidos, ciclo este do qual sempre se aproxima o funcionamento dos Motores diesel de injecção mecânica actuais. Este ciclo teórico foi inventado por ‘Sabathé’. combustão a pressão constante D E combustão a volume constante ciclo misto teórico C AI ciclo misto real área útil ciclo misto real F P. atmosf. 0 B A V PMS V Volume, V PMI FIG. 22 - COMPARAÇÃO ENTRE OS CICLOS MISTO TEÓRICO E REAL 4.2 QUANTO AO COMBUSTÍVEL UTILIZADO As máquinas de combustão interna podem utilizar combustíveis muito diversos. De acordo com o tipo de combustível as máquinas podem ser classificadas da seguinte forma: • Motores a gasolina e a petróleo; • Motores a gás; • Motores a óleos pesados; • Motores ‘dual-fuel’; • Motores ‘bi.fuel’ • Motores ‘multi-fuel’. Em qualquer dos casos, os combustíveis utilizados nos motores são, em regra, compostos derivados do petróleo bruto, resultantes de processos de refinação e tratamentos diversos. Alguns motores modernos possuem um sistema de combustível que permite a utilização combinada de gasóleo e gás natural. Com esta tecnologia designada por “dual fuel” os fabricantes conseguem baixas taxas de emissões de gases poluentes, maior flexibilidade e diminuição dos custos de operação. O conceito Dual-Fuel é simples. Em lugar de utilizar velas como fontes de ignição, o motor utiliza uma injecção piloto a diesel e ignição por compressão. O sistema de injecção sequencial multi-ponto de gás natural, controlado electronicamente funciona de forma integrada com o sistema de injecção electrónica de diesel. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 18 4.3 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) QUANTO AO NÚMERO DE FACES ACTIVAS DO ÊMBOLO Classificam-se em: • Motores de simples efeito – quando apenas uma face do êmbolo, normalmente a superior, é utilizada para produzir trabalho. • Motores de duplo efeito – quando são utilizadas as faces superior e inferior do êmbolo para produzir trabalho. Os motores de simples efeito utilizam-se tanto para pequenas como médias e grandes potências, variando a sua velocidade de funcionamento de acordo com a potência a desenvolver e as limitações de utilização. Os motores de duplo feito, muito embora se tenham utilizado nos casos em que era necessário desenvolver grandes potências a baixa velocidade, hoje em dia já praticamente se não utilizam. 4.4 QUANTO AO NÚMERO DE ÊMBOLOS POR CILINDRO Classificam-se em: • Motores de um só êmbolo; • Motores de dois êmbolos, vulgarmente designados por motores de êmbolos opostos. 4.5 QUANTO AO NÚMERO DE CILINDROS QUE POSSUEM Classificam-se em: • Monocilíndricos, • Policilíndricos. O número de cilindros que equipam os motores é função de determinados factores, tais como: • Dimensões dos locais onde são instalados; • Custo comparativo para a mesma potência; • Facilidade de acesso aos diferentes órgãos para efeitos de reparação, manutenção, etc; • Assistência em mão-de-obra especializada e sobressalentes. 4.6 QUANTO À DISPOSIÇÃO DOS CILINDROS Existe uma grande diversidade de formas de disposição dos cilindros nos motores. As figuras seguintes ilustram alguns dos principais tipos. FIG. 20 – MOTOR DE 4 CILINDROS EM LINHA Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 19 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) FIG. 21 – MOTOR DE CILINDROS EM ‘V’ FIG. 22 – MOTOR DE CILINDROS OPOSTOS FIG. 23 – MOTOR DE CILINDROS EM ESTRELA 4.7 QUANTO À VELOCIDADE DE FUNCIONAMENTO Podem classificar-se em: Maquinas lentas ou de baixa rotação (até 200 rpm) - normalmente utilizadas na propulsão de navios mercantes de grande porte e em centrais diesel-eléctricas. Máquinas de média rotação (200 a 800 rpm) - normalmente utilizadas na propulsão de navios de pequeno e médio porte e no accionamento de geradores de corrente eléctrica. Máquinas de alta rotação (800 a 1500 rpm) - no que respeita aos navios mercantes são utilizadas quase que exclusivamente para accionamento de geradores de corrente. Máquinas de altíssima rotação (mais de 1500 rpm) – são utilizadas para accionamento de veículos automóveis ligeiros e pesados. 4.8 4.8.1 QUANTO À FORMA COMO O AR É INTRODUZIDO NOS CILINDROS MOTORES ATMOSFÉRICOS OU DE ASPIRAÇÃO NORMAL Designam-se por motores de aspiração normal os motores em que o ar é introduzido nos cilindros apenas devido à depressão provocada pelo deslocamento dos êmbolos no interior daqueles, caso dos motores a 4 tempos, ou à acção desenvolvida pelas bombas de ar de lavagem, caso dos motores a 2 tempos. A designação de motores atmosféricos pode induzir em erro, uma vez que nos motores a 4 tempos, a pressão do ar que entra nos cilindros é inferior à pressão atmosférica, pela simples razão que o os êmbolos ao aspirarem o ar provocam uma depressão. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 20 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) CONTROLO DE AR FILTRO DE AR VÁLVULA BORBOLETA INJECTOR ADMISSÃO VELA EVACUAÇÃO FIG. 24 – MOTOR DE ASPIRAÇÃO NORMAL 4.8.2 MOTORES SOBREALIMENTADOS Nos motores sobrealimentados, o peso de ar introduzido nos cilindros por cada ciclo de funcionamento é superior ao que seria introduzido se o motor fosse de aspiração normal. Estes motores dispõem para o efeito, de compressores de ar (sobrealimentadores) que aspiram o ar do exterior e em seguida comprimem-no para um colector ligado aos cilindros por forma a ser introduzido no seu interior, na altura oportuna, a uma pressão superior à que se verificaria no caso da aspiração normal. A figura 24 representa um motor de explosão a quatro tempos, de injecção (a injecção de combustível é feita no colector de admissão), de aspiração normal, possuindo uma válvula de borboleta no colector de admissão para o controlo da quantidade de ar. A redução do caudal de ar, através da borboleta, permite o enriquecimento da mistura, facilitando o arranque quando o motor se encontra frio. AR DE SOBREALIMENTAÇÃO VÁLVULA DE ADMISSÃO VÁLVULA DE EVACUAÇÃO ARREFECEDOR DE AR SOBREALIMENTADOR ASPIRAÇÃO DE AR SAÍDA DOS GASES DE EVACUAÇÃO RODA DO COMPRESSOR DE AR RODA DA TURBINA DE GASES GASES DE EVACUAÇÃO FIG. 25 – MOTOR SOBREALIMENTADO Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 21 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) No caso dos motores sobrealimentados, tal como o representado na figura 25, os gases de evacuação do motor são canalizados para o sobrealimentador, actuando sobre a roda da turbina, onde a sua energia cinética é convertida em movimento de rotação da turbina. A turbina encontra-se montada num veio a que também se encontra ligada a roda do compressor de ar. O compressor aspira o ar do exterior e comprime-o para a admissão do motor. De forma a aumentar a massa específica do ar de admissão, é normalmente utilizado um arrefecedor de ar, intercalado entre a saída do compressor e o colector de admissão do motor. 4 6 2 2 4 1 3 3 1 5 5 6 FIG. 26 – SOBREALIMENTADOR 1 – Aspiração do ar, 2 – Compressão do ar para o colector de ar de lavagem, 3 – Entrada dos gases de evacuação, 4 – Saída dos gases de evacuação, 5 – Roda do compressor de ar, 6 – Roda da turbina de gases BHP 1200 O diagrama da figura 27, mostra as curvas de potência (BHP)3, binário e consumo de combustível de um motor de 12 cilindros típico, com e sem sobrealimentação. Binário 1100 1000 Verifica-se que a sobrealimentação aumenta a potência, o binário e o consumo de combustível. No caso dos motores de dois tempos, o aumento de potência pode ser da ordem dos 35 a 50%, enquanto nos motores a quatro tempos essa potência pode aumentar até valores superiores a 100% relativamente aos motores de aspiração natural. Binário 900 Potência 800 Verifica-se ainda que os motores sobrealimentados atingem o seu binário máximo a uma velocidade inferior à dos motores de aspiração natural. Consumo de fuel 700 600 Consumo de fuel Potência 1200 1400 1600 sobrealimentado não sobrealimentado 1800 2000 rpm FIG. 27 – POTÊNCIA, BINÁRIO E CONSUMO COM E SEM SOBREALIMENTAÇÃO 3 BHP (Break Horse Power) corresponde à potência medida no veio do motor ou potência ao freio. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 22 4.9 4.9.1 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) QUANTO À FORMAÇÃO DA MISTURA AR-COMBUSTÍVEL MÁQUINAS COM FORMAÇÃO EXTERIOR DA MISTURA AR-COMBUSTÍVEL LÍQUIDO As máquinas com formação exterior da mistura ar-combustível líquido, são os vulgares motores de explosão que, em relação à forma como se efectua a mistura, podem ainda ser classificados em: Motores de explosão de carburação – quando a mistura ar-combustível líquido é efectuada num órgão exterior à máquina, designado por carburador. Motores de explosão de injecção – quando a mistura ar-combustível é efectuada através da injecção mecânica de combustível no seio do ar de admissão. Se a mistura ar-combustível for efectuada nas condutas de admissão, o combustível é injectado imediatamente antes das válvulas de admissão, geralmente durante a fase de aspiração, a pressões de injecção usualmente compreendidas entre 30 e 50 bar, misturando-se assim com o ar que está a ser admitido nos cilindros. A duração da injecção varia com a carga do motor estando normalmente compreendida entre 40 e 80º de rotação do veio de manivelas. Os motores de explosão de injecção de uso normal, possuem consumos específicos inferiores em cerca de 10% aos dos motores de explosão de carburador de igual cilindrada. Face aos desenvolvimentos verificados ao nível da electrónica, do controlo e também ao nível dos materiais utilizados, a grande maioria dos motores de explosão modernos são motores de injecção, utilizando pressões de injecção de combustível muito elevadas com a finalidade de, através de uma maior atomização do combustível líquido, se conseguir uma melhor combustão e, consequentemente, um maior aproveitamento energético do combustível. 4.9.2 MÁQUINAS COM FORMAÇÃO EXTERIOR DA MISTURA AR-COMBUSTÍVEL GASOSO Os motores de explosão adaptados para queimar combustível gasoso, são maquinas onde a mistura arcombustível gasoso se efectua no exterior. A mistura ar-gás é efectuada exteriormente aos cilindros em órgãos especiais designados por misturadores cuja função é idêntica à desempenhada pelos carburadores normais. 4.9.3 MÁQUINAS COM FORMAÇÃO INTERIOR DA MISTURA AR-COMBUSTÍVEL LÍQUIDO Tanto no caso dos motores diesel, como no dos motores de explosão de injecção directa de combustível nos cilindros, a mistura ar-combustível é efectuada no interior dos próprios cilindros do motor. FILTRO DE AR TUBO DE RETORNO INJECTOR ADMISSÃO ALTA PRESSÃO DE COMBUSTÍVEL EVACUAÇÃO FILTRO DE COMBUSTÍVEL BOMBA DE INJECÇÃO BOMBA DE ALIMENTAÇÃO TANQUE DE COMBUSTÍVEL FIG. 28 – SISTEMA DE INJECÇÃO DE UM MOTOR DE 4 TEMPOS Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 23 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) Os sistemas de injecção podem ser de diversos tipos. O sistema mais vulgarizado, representado na figura 28, possui uma bomba de injecção por cada cilindro. As bombas que podem ser constituídas por corpos individuais separados ou encontrarem-se instaladas num único bloco. Cada uma das bombas recebe movimento a partir do veio de ressaltos do motor, comprimindo o combustível a alta pressão para os injectores instalados em cada cilindro. Um outro tipo de sistema de injecção hoje em dia muito utilizado nos motores diesel é designado por ‘Common Rail’ que, de uma forma muito liberal podemos traduzir por ‘Rampa Comum’. Este sistema possui uma bomba de alta pressão que mantém uma pressão sensivelmente constante num colector (rampa) onde se encontram ligados os encanamentos de combustível para cada injector (válvula de injecção). Nos motores antigos, equipados com este tipo de sistema de injecção, a abertura das válvulas de injecção era efectuado através de accionamentos mecânicos tal como mostra a figura 29. Nos motores recentes a injecção é controlada através de válvulas electromagnéticas comandas electronicamente, usualmente por microprocessadores. COMANDO DO INJECTOR PARA INJECTORES INJECTOR RAMPA COMUM (COMMON RAIL) BOMBA DE ALTA PRESSÃO ACUMULADOR VEIO DE RESSALTOS FIG. 29 – SISTEMA ‘COMMON RAIL’ A injecção de combustível directamente nos cilindros dos motores de explosão, pode ser feita durante a fase de admissão sendo todavia recomendável, que se faça durante a fase de compressão dada a maior facilidade em obter a evaporação do combustível e a necessidade que há em evitar o desperdício de combustível durante as fases de lavagem e de cruzamento de válvulas. 4.10 QUANTO AO PROCESSO DE INFLAMAÇÃO DO COMBUSTÍVEL Quanto à forma como se processa a inflamação do combustível, as máquinas de combustão interna podem classificar-se em: De inflamação por compressão de ar – quando a temperatura no seio do ar, no final da sua compressão no interior dos cilindros, for superior à temperatura de ignição do combustível, caso dos motores diesel normais. De inflamação através de bolbo aquecido - quando a inflamação do combustível é conseguida por pulverização de um jacto de combustível atomizado na superfície de um bolbo aquecido (motores de cabeça quente ou semi-diesel). De inflamação por arco eléctrico – quando a inflamação é obtida por meio de uma faísca eléctrica produzida entre os eléctrodos de uma vela de inflamação, (motores de explosão). Os motores de inflamação por arco eléctrico, isto é, os motores de explosão, podem dispor de dois sistemas distintos de inflamação a saber: Sistema de inflamação por magneto – normalmente utilizado em motores monocilíndricos (motociclos, moto serras, etc.). Sistema de inflamação por bobina e distribuidor – normalmente utilizado nos motores de explosão policilíndricos (veículos automóveis, etc.). Modernamente os sistemas de ignição electrónica substituíram, na generalidade dos casos, os sistemas electromecânicos baseados no distribuidor e bobina tradicionais. Tal como acontece com os sistemas de injecção, os sistemas de ignição electrónica, para além de permitirem obter maior rendimento dos motores, são mais fiáveis e de manutenção reduzida. A implementação da microelectrónica no controlo e comando dos motores diesel e de explosão, veio permitir uma mais completa monitorização dos motores, permitindo, a cada instante, adequar os diversos parâmetros às condições de carga, optimizando o funcionamento desses motores. A eficácia deste controlo implica que, tanto os sistemas electrónicos de controlo como os inúmeros sensores que os motores dispõem sejam fiáveis, rápidos e de elevada precisão. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 24 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) 4.11 QUANTO AO SISTEMA DE REFRIGERAÇÃO UTILIZADO Podem classificar-se em: Motores refrigerados por ar – São, normalmente, motores que desenvolvem pequenas potências excepto nos casos da aviação em que podem atingir potências elevadas. Têm uma grande aplicação na aeronáutica sendo igualmente utilizados para equipar veículos automóveis mas, a uma escala reduzida, dado que a grande preponderância vai para os motores arrefecidos por água e por líquidos especiais. Motores refrigerados por água – Salvo casos especiais, a partir de determinadas potências, todos os motores são refrigerados por água. De um modo geral, os motores diesel marítimos, utilizam água doce tratada como fluído de refrigeração. De forma a evitar o eventual congelamento do fluído de arrefecimento e impedir ou minimizar os efeitos corrosivos sobre os circuitos e sobre o próprio motor, em alternativa à utilização de água doce normal, utilizam-se fluídos especiais ou água destilada a que são adicionados aditivos especialmente desenvolvidos com essas finalidades. 4.12 QUANTO À RELAÇÃO VOLUMÉTRICA OU RELAÇÃO DE COMPRESSÃO Podem classificar-se em: Motores de baixa compressão – são os vulgares motores de explosão em que a relação de compressão varia normalmente entre 6 e 10 podendo no entanto em casos especiais como é o caso dos motores destinados à competição atingir o valor de 12. Motores de alta compressão – são os motores diesel normalmente utilizados em que, a relação de compressão varia entre 14 e 22. O limite superior da relação de compressão é, nos motores de explosão, determinado essencialmente pela qualidade anti-detonante dos combustíveis, enquanto que, nos motores diesel, é determinado, sobretudo, pelo peso da estrutura do motor, que aumenta ao aumentar a relação de compressão, de um modo especial para as grandes cilindradas. 4.13 QUANTO AO CICLO DE FUNCIONAMENTO 4.13.1 CICLO A QUATRO TEMPOS O ciclo a quatro tempos é um ciclo mecânico em que se verificam duas rotações completas do veio de manivelas por cada ciclo de trabalho. Numa rotação verifica-se a admissão e a compressão, enquanto na outra se verificam as fases de trabalho e de evacuação. Sequencialmente o ciclo completo de um motor diesel a quatro tempos, compreende: • Admissão do ar • Compressão do ar • Injecção do combustível, imediatamente seguida da sua combustão e consequente expansão dos gases queimados • Evacuação, escape ou expulsão dos produtos de combustão. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 25 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) FIG. 30 - CICLO DE FUNCIONAMENTO DO MOTOR DIESEL A 4 TEMPOS. Admissão do ar – Antes de se iniciar já a válvula da admissão se encontra aberta, o que significa que abre um pouco antes do êmbolo atingir o ponto morto superior, portanto durante a fase final do ciclo anterior. Por seu lado a válvula de escape ou evacuação, fecha-se um instante depois do êmbolo atingir o ponto morto superior, portanto já com o êmbolo no curso de admissão a deslocar-se para o ponto morto inferior. Uma vez fechada a válvula de evacuação o deslocamento do êmbolo para o ponto morto inferior, provoca uma rarefacção que permite a entrada de ar fresco no cilindro através da válvula de admissão. Se o motor for sobrealimentado, o ar é introduzido no cilindro sob pressão, em vez de ser aspirado pela depressão provocada pelo deslocamento descendente do êmbolo. Compressão – Inicia-se uma vez atingido o ponto morto inferior pelo êmbolo, isto é, na altura em que este inverte o seu movimento. Com o êmbolo já a caminho do ponto morto superior, a válvula de admissão fecha-se, iniciando-se a compressão do ar, o qual chega a alcançar temperaturas da ordem dos 550 a 550 ºC e pressões de compressão superiores a 40 bar. Injecção – Um pouco antes do êmbolo atingir o PMS, o combustível é injectado a alta pressão no interior do cilindro. Devido à elevada pressão de injecção, o combustível é finamente pulverizado no seio do ar, inflamando-se espontaneamente. A pressão de combustão atinge então valores entre 70 e 130 bar e a temperatura no interior do cilindro, pelo menos momentaneamente, atinge valores da ordem dos 1500 ºC. Expansão – A expansão dos gases provenientes da combustão, ‘empurra’ o êmbolo para baixo no sentido do ponto morto inferior produzindo trabalho. Evacuação – Um pouco antes do êmbolo atingir o ponto morto inferior, já os gases se expandiram suficientemente abrindo-se a válvula de evacuação. O êmbolo, ao realizar o seu passeio ascendente, força os gases queimados a sair do cilindro, através da válvula de evacuação. Um pouco antes do êmbolo alcançar o ponto morto superior, a válvula de admissão abre-se novamente, dando-se início a um novo ciclo. Conclui-se portanto que o ciclo de funcionamento do motor começa com a abertura da válvula de admissão, e termina com o fecho da válvula de evacuação. Estes motores são dotados de válvulas de admissão e evacuação geralmente comandadas através de um veio de ressaltos que roda a metade da velocidade do veio de manivelas, com o qual está sincronizado. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 26 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) A figura 31 representa o diagrama P-V correspondente às diversas fases do ciclo de funcionamento do motor de quatro tempos. 3 2 EXPANSÃO 4 COMPRESSÃO EVACUAÇÃO 5 5Æ1 Admissão 1Æ2 Compressão 2 Injecção 2Æ3 Combustão 3Æ4 Expansão (tempo de trabalho) 4Æ5 Evacuação 1 ADMISSÃO FIG. 31 – CICLO REAL DO MOTOR DE 4 TEMPOS FIG. 32 – TEMPOS DE FUNCIONAMENTO / ÂNGULO DA MANIVELA (DIAGRAMA DE CARACOL) 4.13.2 CICLO A DOIS TEMPOS Este ciclo de funcionamento completa-se em apenas uma volta completa do veio de manivelas, ou seja, em dois cursos do êmbolo. Os motores que funcionam segundo este ciclo realizam, portanto, as mesmas fases dos motores que funcionam segundo o ciclo a quatro tempos, em apenas uma volta completa do veio de manivelas. Dado que não existe uma individualização nítida entre os cursos de admissão e evacuação, torna-se necessário utilizar novos métodos para remover os gases queimados, e encher os cilindros com ar fresco. O ar empregado para a limpeza dos gases e enchimento dos cilindros é designado por ar de lavagem e é, geralmente, fornecido por uma bomba ou compressor accionados mecanicamente através do próprio motor ou através da energia cinética dos seus gases de evacuação. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 27 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) FIG. 33 - CICLO DE FUNCIONAMENTO DO MOTOR DIESEL A 2 TEMPOS. O ar de lavagem penetra no cilindro através de janelas ou aberturas de lavagem existentes na camisa, que são abertas e fechadas pelo próprio êmbolo durante o seu movimento, enquanto que os gases queimados abandonam o cilindro por idênticas aberturas ou, em alternativa, através de válvulas de evacuação. A figura 33 mostra as diversas fases de funcionamento de um motor a dois tempos com lavagem por bomba de lóbulos e evacuação através de válvula instalada na cabeça do cilindro. Analisemos agora as diversas fases: A compressão inicia-se quando o êmbolo se encontra no ponto morto inferior. Com o êmbolo nesta posição, as janelas de ar de lavagem estão abertas, permitindo assim a entrada de ar fresco sob pressão, o qual expele os gases queimados através das janelas ou válvulas de evacuação - que também se encontram abertas - e enche o cilindro. No caso de evacuação por janelas, o êmbolo ao subir fecha primeiro as janelas de lavagem e depois as de evacuação iniciando-se a compressão do ar no interior do cilindro. No caso de evacuação por válvulas na cabeça do cilindro, estas são comandadas pelo veio de ressaltos mantendo-se abertas durante a fase de lavagem e fechando após se ter completado a evacuação dos gases da combustão, iniciando-se em seguida a compressão do ar no interior do cilindro. As pressões e temperaturas alcançadas pelo ar comprimido são similares às do motor a quatro tempos. A injecção de combustível começa um pouco antes do êmbolo atingir o ponto morto superior, dando-se início de imediatamente à sua inflamação e combustão no seio do ar altamente aquecido. Expansão – Inicia-se com o êmbolo no ponto morto superior, terminando um pouco depois a injecção do combustível e consequentemente a sua combustão. A expansão dos gases queimados empurra o êmbolo para o porto morto inferior, impulsionando assim o veio de manivelas e produzindo trabalho. Na parte final do curso o êmbolo começa por abrir as janelas de evacuação (ou são abertas as válvulas de evacuação), a fim de permitirem a saída dos gases queimados. Descendo um pouco mais o êmbolo abre as janelas de lavagem e o ar ao penetrar no cilindro sob pressão expele o resto dos gases queimados para fora do cilindro, ficando este cheio com uma nova carga de ar fresco iniciando-se um novo ciclo. Nas instalações de grande dimensão, os motores de dois tempos possuem uma potência cerca de 1,8 vezes superior aos motores de quatro tempos de peso idêntico. Nos motores mais pequenos, (i.e. motores de camiões) esta diferença diminui e a potência efectiva para motores de dimensões semelhantes é sensivelmente idêntica nos motores de dois e quatro tempos. Os motores de dois tempos são muito comuns em aplicações onde se requerem grandes potências tais como na propulsão de navios e nas centrais de produção de energia eléctrica. Na propulsão naval, os Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 28 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) motores são normalmente muito altos para que o curso dos êmbolos seja suficientemente grande para aumento da eficiência do curso de trabalho. As baixas velocidades de rotação – em torno das 100 rpm - dos grandes motores diesel utilizados na propulsão naval, têm as duas seguintes principais vantagens: Permitem a utilização eficiente de combustíveis pesados (Heavy Fuel Oil) com a consequente redução de custos. Podem ser acoplados directamente4 ao veio do hélice, eliminando a necessidade de caixas redutoras. Possuem uma arquitectura mais simples, dado que não utilizam válvulas de admissão o que reduz a possibilidade de falhas. Estas são as principais vantagens que justificam a razão pela qual o motor diesel a dois tempos é a máquina mais utilizada na propulsão de navios. 5 INJECÇÃO Existem diversos sistemas de injecção de combustível. Em todos eles, a bomba injectora comprime o combustível a uma pressão suficientemente elevada para que se verifique uma fina pulverização do mesmo, permitindo desta forma uma combustão completa e em consequência o total aproveitamento da sua energia. Combustível da bomba elevatória Uma das bombas de injecção mais utilizadas nos motores diesel, é a bomba do tipo Bosch. A figura 34 representa esquematicamente o elemento básico deste tipo de bomba, constituído por um junço que trabalha no interior de uma camisa. O combustível, após ter sido admitido na bomba através de orifícios laterais existentes na camisa, é comprimido pelo junço, saindo pela abertura superior da camisa. A figura 34 (a) ilustra três fases da operação da bomba. A variação do débito da bomba é conseguida através da rotação do junço, mantendo-se constante o seu curso. FIG. 34 – CAMISA E JUNÇO DA BOMBA DE INJECÇÃO TIPO BOSCH A rotação é efectuada por uma cremalheira que actua sobre o extremo inferior do junço. orifícios abertos, início do fecho (A) início da injecção (B) fim da injecção (C) FIG. 34 (a) – FASES DE FUNCIONAMENTO DA BOMBA 4 Elevadas rotações do hélice originam baixa eficiência devido ao fenómeno da cavitação. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 29 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) FIG. 35 (a) - BOMBAS DE INJECÇÃO FIG. 36 (a) - BOMBAS DE INJECÇÃO FIG. 35 (b) - BOMBAS DE INJECÇÃO FIG. 36 (b) - BOMBAS DE INJECÇÃO A figura 37 mostra uma válvula de injecção de um motor diesel. O combustível a alta pressão proveniente da bomba é enviado para a válvula de injecção que o pulveriza no interior do cilindro. Devido às elevadas temperaturas que se verificam na zona da cabeça do cilindro, as válvulas de injecção são providas de canais onde circula um fluido de arrefecimento (água ou combustível). Uma falha no circuito de arrefecimento pode dar origem à prisão da agulha (oturador) da válvula de injecção, com a consequente entrada descontrolada de combustível no cilindro. FIG. 37 – VÁLVULA DE INJECÇÃO Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 30 6 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) DISTRIBUIÇÃO A figura 38 mostra a posição angular (calagem) das manivelas e a ordem de inflamação de dois motores de 4 e 2 tempos com 6 cilindros. 1-6 1 4 6 (a) (b) Nº de cilindros 6 6 Tempos 4 2 Ângulo de calagem das manivelas 4-3 2-5 3 Ordem de inflamação 5 120º 60º 1-5-3-6-2-4 1-4-5-2-3-6 2 (b) (a) FIG. 38 - CALAGEM DAS MANIVELAS E ORDEM DE INFLAMAÇÃO 7 INVERSÃO DE MARCHA Ao contrário do que acontece com os motores que equipam os nossos automóveis, muitos motores diesel utilizados na propulsão de navios podem inverter o sentido de rotação. Esta inversão é efectuada alterando a distribuição do motor. Esta modificação da distribuição pode ser efectuada por diversos processos, sendo a mais comum a ilustrada na figura seguinte, onde o motor roda num sentido ou no outro dependendo da posição do veio de ressaltos que se pode deslocar longitudinalmente. A figura 39 mostra o processo de inversão por deslocamento longitudinal do veio de ressaltos. Neste caso o veio possui ressaltos específicos para cada sentido de rotação. Um sistema hidráulico ou pneumático, actua no extremo do veio fazendo com que este se desloque longitudinalmente. Tal como a figura ilustra, os ressaltos são ligados entre si por uma espécie de rampa para permitir que os roletes dos impulsores possam escorregar quando o veio se desloca. AV AV AR RESSALTOS VÁLVULA ADMISSÃO AR AV AV AR RESSALTOS VÁLVULA AR ARRANQUE AR AV AV AR RESSALTOS BOMBA INJECTORA AV RESSALTOS MARCHA AVANTE AR RESSALTOS MARCHA A RE AR AV AV AR AR RESSALTOS VÁLVULA EVACUAÇÃO FIG. 39 - INVERSÃO DE MARCHA POR DESLOCAMENTO LONGITUDINAL DO VEIO DE RESSALTOS Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos TECNOLOGIA MARÍTIMA 31 MÁQUINAS E INSTALAÇÕES DO NAVIO (2ª PARTE) 8 REGULAÇÃO DE VELOCIDADE De forma a manter constante a velocidade dos motores quando, por qualquer motivo, a carga varia, os motores são equipados com sistemas automáticos de regulação de velocidade. Estes reguladores podem ser de diversos tipos (mecânicos, hidráulicos, e electrónicos) e de maior ou menor complexidade. O princípio de funcionamento de um regulador mecânico é ilustrado na figura 40. MOLA Se o motor tiver tendência para MASSAS CENTRÍFUGAS aumentar a velocidade, devido à redução da carga aplicada, o veio BRAÇO DA MASSA de transmissão tende também a aumentar o número de rotações PIVOT DO BRAÇO DA MASSA CARRETO o que faz aumentar a força centrífuga exercida sobre as RODA DENTADA massas em rotação. Este aumento da força centrífuga faz CHUMACEIRA DE APOIO com que as massas tendam a afastar-se, sendo esse HASTE DO REGULADOR deslocamento transmitido a uma EIXO DE ROTAÇÃO haste que vai posteriormente VEIO DE TRANSMISSÃO actuar sobre o comando das bombas injectoras, reduzindo a FIG. 40 - REGULADOR MECÂNICO DE VELOCIDADE quantidade de combustível injectado e, em consequência, repondo a velocidade do motor no valor pretendido. No caso de aumento de carga sobre o motor verifica-se uma acção inversa. Os reguladores de velocidade mecânicos são autênticas peças de relojoaria dada a precisão que têm que possuir. Nos modernos sistemas de injecção de combustível, é frequente que a regulação de velocidade seja efectuada através de dispositivos electrónicos, designadamente através de microprocessadores. Engenharia de Máquinas Marítimas Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos