Projetos e práticas de formação de professores PROJETOS E PRÁTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES RELATOS DE EXPERIÊNCIAS VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 1 Projetos e práticas de formação de professores SUMÁRIO VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 2 Projetos e práticas de formação de professores VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 3 Projetos e práticas de formação de professores VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 4 Projetos e práticas de formação de professores A ELABORAÇÃO DE UM PROJETO DE FORMAÇÃO CONTINUADA: RELATO DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM E CONSTRUÇÃO COLETIVA BRUNO, Eliane Bambini Gorgueira; ABREU, Luci Castor de (FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste) APRESENTAÇÃO Este relato se propõe a apresentar o trabalho desenvolvido na disciplina de Gestão: Articulação do Projeto Político Pedagógico, realizado com o grupo de alunos do oitavo semestre do curso de Pedagogia da FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste, sob minha orientação no período de Fevereiro à Junho/2005, cuja sistematização e registro foram realizados por uma das alunas, co-autora deste texto. Objetivos da disciplina neste semestre: · Articular os saberes construídos e os acumulados ao longo do curso pensando nesses saberes como orientadores de nossa prática como educadores (com foco no curso de Gestão). · Pensar na memória e nas possibilidades futuras, não apenas no sentido intelectual. Mas também com a emoção, com o sentido da transformação, da mudança e da busca interior. Importante destacar que foram significativamente enfatizadas a dimensão política da gestão participativa bem como a fundamental articulação entre todos os atores da equipe gestora da escola na condução do cotidiano escolar. Foi nesta perspectiva que iniciamos o trabalho que resultou na elaboração de um Projeto Político Pedagógico utilizando como recurso a metáfora da construção coletiva de um painel que teve por objetivo representar todo o processo do grupo bem como os princípios que o fundamentaram. INÍCIO DO TRABALHO: NOSSAS APRENDIZAGENS A primeira atividade proposta aos alunos foi escrever individualmente sobre suas aprendizagens (durante todo o curso e mais pontualmente em relação às disciplinas voltadas para a área de gestão: Direção, Coordenação e Orientação Educacional). Em seguida os alunos deveriam trocar em duplas de forma que na apresentação para o grupo-classe, cada um falasse sobre o seu par. Assim, surgiram as seguintes falas: VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 5 Projetos e práticas de formação de professores - Mudar é um processo que pode ser doloroso. Mas é preciso mudar. É preciso querer mudar. - Qualquer coisa que se deseja fazer, começa mesmo é no desejo e na disponibilidade pessoal. - Fui aprendendo sobre a arrogância de pensar que já sabia tudo... Agora é que eu entendo o quer dizer formação continuada para toda a vida. - É fundamental rever a forma com que olhamos as diferenças entre as pessoas. - Às vezes, falamos o que não queremos. É preciso tomar mais cuidado com isso. Estamos aprendendo mais sobre o “olhar” e sobre o “ouvir” - Relações são fundamentais para o auto-conhecimento e para a auto-estima. Precisamos olhar para o que é micro e para o que é macro. - Estou me esforçando para “olhar o olhar do outro”. Percebi que acontecem retrocessos em coisas que já havíamos aprendido. - Não só os conteúdos são importantes. As relações e as vivências também são. Os alunos é que me ensinam como devo ensina-los. - Mesmo que algo pareça eterno, precisamos sempre questionar, propor, querer. O conhecimento nos torna mais fortes para argumentar sobre o que - pensamos. Agora eu entendo que a formação não pára. É para a vida inteira. Aprendi a argumentar com as pessoas da minha escola. - Aprendi a respeitar os saberes dos outros e aceitá-los com serenidade. Eu aprendi a aceitar e me sinto grata e segura com o afeto de vocês. - Quando a gente erra é porque está querendo acertar. Aprendi a ouvir mais e julgar menos. - Conviver é mais difícil do que parece. Só o sonho não é suficiente. É preciso lutar. - Aprendi a me sentir mais do que um simples número de matrícula. Já estou pensando no que vou fazer para preencher o espaço que hoje a - escola ocupa. Sinto-me orgulhosa pelo exemplo que sou para os meus filhos. - Eu buscava uma coisa que nem sabia o que era. Nós podemos construir juntos a nossa história. - Aprendi que sou capaz de superar obstáculos. Nesta escola, tudo é muito importante e tudo faz sentido. - Aqui eu estou inteira. Este é o meu momento. Estou aprendendo a me colocar no lugar do outro. - Sinto que fiz a escolha certa. Aprendi como aluna e como pessoa. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 6 Projetos e práticas de formação de professores Descobri como é importante dividir as dificuldades com os outros. A professora comenta que gostaria que os demais professores do curso estivessem conosco para ouvir todas essas coisas que estamos discutindo... Daí surgiu a proposta do registro para confeccionar um caderno que contasse sobre todas essas aprendizagens. Após aprofundamento nessas discussões, a idéia agora era fazer um levantamento sobre o que faltou (no curso de gestão) e as questões apresentadas pela turma foram: - Faltou falar um pouco mais sobre o Orientador Educacional. Eu queria saber mais sobre a função do Supervisor de Ensino - Senti falta de ver Estatística. Queria ver mais sobre o Projeto Político Pedagógico. - Queria saber como a equipe gestora cuida do fracasso escolar. Queria saber como a Direção trata a questão da alfabetização. Algumas dessas questões foram tratadas em aulas expositivas (por exemplo, Orientação Educacional e Supervisão de Ensino). Outras foram discutidas e sintetizadas num quadro no qual retomamos (em grupo) nossos registros de aula, trabalhos e estágios realizados. Esta síntese propiciou ao grupo a oportunidade de olhar para o curso como um todo, percebendo os papéis de cada ator, as culturas diferentes de cada escola e o que diziam os teóricos sobre todas essas coisas. Foi interessante discutir com os alunos sobre a forma com que cada um elabora sua própria vivência, além de favorecer a reflexão sobre o que é a unidade de princípios, autonomia, a diferença entre unidade e uniformidade, e o exercício de uma crítica sobre o que vemos hoje e as mudanças que gostaríamos de propor como educadores. COMPARECEM AS QUESTÕES SUBJETIVAS E AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS: É importante observar que o grupo vivenciava um período bastante tenso por conta da proximidade das qualificações, ajustes e apresentações dos TCCs e estavam também envolvidos com algumas outras questões como o final do curso, a separação das pessoas, a lacuna que já estavam vislumbrando... Desta forma, o investimento nos fazeres se misturava com a dificuldade de lidar com esses sentimentos. A oportunidade de explicitar e refletir sobre a vivência desse momento motivou o grupo a rever a finalização do curso e aceitar o desafio de reconstruí-lo coletivamente de forma a valorizar tanto o momento imediato em que compúnhamos questões práticas e objetivas ao mesmo tempo em que lidávamos com os aspectos mais subjetivos. Nesta fase já estava em andamento um trabalho de reflexão e análise do texto “Projeto Político Pedagógico: Considerações sobre sua elaboração e concretização (Vasconcelos, 2002), no qual foram destacadas e discutidas questões como: Conceito e finalidade, - Características e dimensões VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 7 Projetos e práticas de formação de professores - Perspectivas de mudança, Processo de construção coletiva, - Construção da identidade da escola, Princípios e valores privilegiados, Relações interpessoais. Compondo esse estudo, inserimos a discussão acerca da identidade do grupo e suas perspectivas para o futuro. O resultado dessas discussões foi a elaboração de duas propostas por parte da professora. A primeira foi constituir o que decidimos chamar de “Grupo de Referência” que consiste num grupo formado por todos os alunos e a professora que inicialmente atuará como coordenadora do trabalho - e que terá como características: - A mudança de vínculo. A relação professor-aluno passa a ser agora uma relação entre pares. - Deve ser um grupo no qual nós todos – em parceria – possamos trocar e refletir juntos. O elo a nos unir pode ser um estudo sobre as implicações das relações interpessoais num processo de construção coletiva. A professora pede aos alunos que pensem em sua disponibilidade interna e externa tentando viver esta fase final do nosso curso com alegria. Todo o grupo foi bastante receptivo a esta proposta. A segunda proposta era fazer o fechamento acerca do Projeto Político Pedagógico através de uma metáfora, na qual fossem contemplados todos os aspectos discutidos anteriormente e que além disso fosse um símbolo que refletisse nosso processo e a nossa elaboração sobre ele. Iniciamos o trabalho com alguns combinados: - Todo o processo deve ser registrado. Deve haver controle e acompanhamento do tempo e das atividades a que nos propusermos a cada dia. Discutimos e registramos: - Objetivo: Aprender a construir o Projeto Político Pedagógico, fazendo. Vamos vivenciar esta construção fazendo sempre uma ponte com a teoria. As primeiras propostas para a metáfora foram a construção de uma colcha de retalhos e a pintura coletiva de um quadro que representasse o grupo. Como se poderá observar, nosso processo a cada aula apresentou idas e vindas, escolhas, ganhos e perdas. COMEÇANDO A PENSAR NOS PRINCÍPIOS E NAS REGRAS Retomamos o trabalho iniciado reforçando alguns combinados e já pensando em como encaminharíamos daquele momento em diante. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 8 Projetos e práticas de formação de professores A professora comenta que o primeiro passo é o desejo. Na concretização do trabalho, ela terá o papel de dirigir, de direcionar da mesma forma como acontece nas escolas mas é preciso lembrar que este projeto não é dela. É nosso. Iniciamos então a reflexão sobre as escolhas que vamos fazendo...e sobre a identidade que vamos construindo... Quais são os princípios? O quê vai fundamentar nossa construção? Além do desejo, precisamos partir da nossa realidade: “Dia 30/06 vocês vão embora – já não serão mais alunos”. Aquela realidade mobilizou no grupo o desejo de continuidade e projetou o que queríamos alcançar. O grupo não deseja se separar mas constituir-se como um grupo de referência em Educação, podendo eleger como eixo as relações interpessoais. No início professora vai conduzir o grupo até que ele seja autônomo. Então seremos parceiros. A professora comentou que embora ela é quem estivesse falando sobre os princípios, a proposta estava aberta. Era importante que todos participassem, que fosse valorizado o jeito de cada um participar. Isso iria ajudando o grupo a se reconhecer. É essa a relevância social. Sobre os nossos desafios, discutimos: Como vamos construir esse grupo? Como vamos construir essa tela? Ou será um painel? Ou uma colcha de retalhos? Decidimos que a metáfora a nos representar seria um painel a ser pintado coletivamente a partir de quadrinhos individuais. Algumas regras que identificamos: - Todos deveríamos socializar o material. Precisaríamos nos planejar para organizar o ambiente, o material, e identificar as duplas que fariam o registro de cada encontro... Existiam várias questões em discussão e a cada momento apareciam outras mais... Assim é que o grupo foi se reconhecendo e escolhendo o seu caminho. Para aquele momento, o grupo decidiu pensar sobre o painel e uma das alunas propôs que cada um desse sua sugestão sobre a imagem que pintaríamos. Propostas que apareceram: - Flores Vitral - Mosaico Bandeirinhas (como as do Volpi) - Um grande aquário cheio de peixes. Um oceano - Arco-íris. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 9 Projetos e práticas de formação de professores Sobre essas primeiras propostas, surgiram comentários bem interessantes: Se vamos mesmo trabalhar as relações interpessoais, o oceano á mais interessante pois não teremos a limitação do aquário. Esse oceano pode representar características do nosso grupo: Ser forte, agitado, imenso, brilhante, um turbilhão, tem movimento, tem muitas correntes como o conhecimento. Era preciso então decidir algumas coisas práticas que viabilizassem a construção desse painel. Relativamente ao tempo, estávamos pensando em pedir algumas aulas de outros professores na medida em que eles fossem fechando o semestre conosco. Quanto à imagem, alguns alunos propuseram que esse oceano tivesse uma base com algas no fundo. Outros diziam que cada quadrinho deveria ser livre (dentro do tema), para que cada um pudesse se identificar com sua contribuição individual. Pensamos ainda sobre se iríamos fazer um esboço do painel ou de cada quadrinho. Definimos que cada um faria conforme suas possibilidades. A professora sugeriu que o painel representasse o grupo e que cada quadrinho individual tivesse algo que fosse do coletivo também. Ficamos pensando em várias possibilidades e vimos que escolhas sempre implicam ganhos e perdas. Por outro lado, percebemos que o bom é que estávamos discutindo, argumentando e com isso, construindo o quadro e construindo o grupo. Ao final da aula, retomamos as regras e os princípios para ver se faltava alguma coisa. Nesse dia não identificamos nada que precisasse ser acrescentado. Avaliamos, combinamos de trazer o material para a próxima aula (tintas, pincéis e telas) e a professora pediu para pensarmos: É possível articular a estética da produção com o prazer de fazer e ainda garantir a unidade dos princípios? SOBRE AS ESCOLHAS – OS DESEJOS INDIVIDUAIS E O DESEJO DO GRUPO Iniciando, retomamos alguns combinados e discutimos sobre a questão que finalizou a aula anterior e o foco da discussão acabou sendo mesmo a questão das escolhas. Relembramos que o nosso eixo era trabalhar a mudança de vínculo (de professoraluno para parceiros). Apareceu um elemento novo que deve ser representado no painel: esse movimento de mudança. Como proposta para o encaminhamento, a professora sugeriu que o grupo tentasse relacionar durante todo o fazer daquele dia, os seguintes aspectos (simultaneamente): A construção do painel, - A construção do Projeto Político Pedagógico, A construção do nosso grupo de referência. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 10 Projetos e práticas de formação de professores - Estávamos discutindo ainda sobre o formato do painel: Vertical ou horizontal? - Quadrado ou retangular? Com base ou sem base? - Pode repetir o mesmo desenho? O fundo deverá ter a mesma tonalidade? - Qual será a imagem que dará a unidade ao painel? Só teremos peixes ou pode ter outros animais e elementos do mar? Podemos combinar que o Nilson nos ajudará a dar a unidade quando todos os quadrinhos estiverem prontos? Começamos o trabalho com os quadrinhos, discutindo, decidindo, registrando e construindo juntos... A professora pediu que não perdêssemos de vista o nosso produto e nem o processo. Precisávamos nos organizar e pensar em cada passo, no tempo, na forma, em que ordem as coisas deveriam acontecer... Ela ainda explicitou sua preocupação em relação a algumas alunas que estavam muito quietinhas, lembrando que combinamos que todos deveriam se manifestar em relação ao seu próprio desejo e ao desejo do outro. Discutimos ainda sobre como poderíamos tratar as dificuldades de cada um e surgiram as falas: · É bom perceber a possibilidade de que cada um de nós escolha um caminho diferente para pintar seu quadrinho e ao mesmo tempo, algo nele represente o nosso ponto de referência, a nossa “toca”, a nossa luz; · Podemos combinar que a cada encontro, depois que o painel estiver pronto, vamos fotografa-lo e, a cada encontro faremos troca de quadrinhos; · É muito interessante olhar o quadro a partir de vários lugares. Há mesmo diferentes visões a depender do ponto de que partimos. Conversamos sobre que nesse início, a professora vai nos conduzir, assim como o Diretor faz na escola. Ao longo do processo o grupo vai se construindo e se tornando mais autônomo. Outro assunto que apareceu foi que no total somávamos 29 pessoas e o painel teria 30 quadrinhos. Desta forma um deles poderia ser “rodiziado” entre nós. Refletimos, pintamos, decidimos, registramos e construimos juntos... Em certo momento uma aluna observou e alertou sobre que deveríamos nos apressar para que o tempo fosse suficiente para terminarmos... Estávamos “fervendo em idéias” e a professora nos lembrou que – ainda que existisse um produto a ser construído - era preciso “ouvir” o outro. A professora propôs fechar a aula com uma breve avaliação, mas não deu muito certo. O grupo estava “a mil” e não conseguiu interromper a pintura para avaliar a aula. Esta situação imediata mostrou-se como uma questão importante para reflexão que se seguiu: tínhamos um produto a concluir e tínhamos uma restrição de tempo. Como garantir a efetividade do trabalho, sem perder de vista seu caráter coletivo, dialógico e de troca? VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 11 Projetos e práticas de formação de professores É SEMPRE IMPORTANTE RETOMAR, SEM PERDER A POSSIBILIDADE DE ACOLHER O “NOVO” Retomamos os nossos desafios e os princípios que nortearam nosso trabalho. Relembramos que o painel como um todo, deveria estar representado em cada parte (cada quadrinho), garantindo as diferenças individuais e a unidade que é coletiva. Surgiram novas questões que pediam novas decisões. Como vamos juntar os quadrinhos para compor o painel? Qual será o critério? - O que faremos com o produto final? - Quem cuidará do tempo e quem cuidará do registro? Qual recurso ou imagem utilizaremos para representar a unidade - Como fazer para que essa imagem represente também as diferenças, do grupo? os vínculos e interesses de cada um? Decidimos que: A unidade seria representada por uma luz que partiria do alto do quadro e iluminaria todos os quadrinhos. Um dos alunos – bastante habilidoso com os pincéis - nos ajudaria a operacionalizar essa idéia. Quanto à forma de composição do painel, decidimos fazer alguns testes, fotografar e escolher depois. Estávamos muito felizes com os resultados de cada contribuição individual e com o processo através do qual estávamos compondo no coletivo. O painel – o nosso oceano - estava muito bonito. Enquanto fazíamos esses testes, conversamos sobre questões que atravessaram o curso de gestão nos quatro últimos semestres: - Cada elemento modifica o grupo e é modificado por ele. É preciso ter clareza sobre a diferença entre regras e princípios. Regras são recursos temporários, transitórios e adequados para um determinado momento. Já os princípios são os fundamentos que garantem a sustentação de nossas ações. São os nossos pilares. - Quem dirige o processo precisa estar atento aos ritmos diferentes de cada um e aprender a lidar com sua própria frustração de forma que possa ajudar a condução e a construção do grupo. Às vezes é mais fácil trabalhar com grupos pequenos mas é preciso lembrar que, quem fica de fora das decisões, acaba não se comprometendo com elas. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 12 Projetos e práticas de formação de professores Decidimos como seria a composição final do painel e começamos a dar a ele a unidade de que já falamos. Além do que já havíamos combinado, foi proposto e aceito pelo grupo, a inserção de plantinhas, algas e ajustes na tonalidade de fundo de alguns quadrinhos, desde que fosse mantida a identidade do quadro e do autor. Decidimos ainda que cada aluno teria uma foto do painel. Ele seria montado no dia da nossa festa de formatura e projetado em telão. Uma surpresa: Uma professora de outra disciplina entrou na sala e nós a convidamos a participar do trabalho. Ela aceitou e ganhamos a autora e a autoria do nosso trigésimo quadrinho. Este foi mais um dos movimentos interessantes vivenciados por nós na medida em que revela o acolhimento afetuoso de um elemento novo ao mesmo tempo em que mostra a disponibilidade daquela professora – o elemento novo – em ser acolhida por nós e participar do trabalho. Estávamos novamente aprendendo... Enquanto concluíamos a composição do painel, conversamos sobre os nossos próximos encontros, já na perspectiva do que estávamos chamando de Grupo de Referência. Propostas: Periodicidade: Mensal. 1a. reunião: 20/08/2005, na FIZO, das 09:00 às 12:00hs Combinamos de trazer nossos quadrinhos para fazer a primeira troca. Local de encontro: Pracinha de alimentação. 2a. reunião: 17/09/2005 – mesmo esquema. 3a. reunião: 22/10/2005 – idem. CONCLUINDO O TRABALHO – RETOMANDO APRENDIZAGENS Montamos o painel de acordo com a composição definida na aula anterior e retomamos os combinados a respeito dos encontros do grupo. Após esses primeiros combinados, a professora propôs que avaliássemos o resultado do trabalho até aquele momento, pensando nas nossas expectativas. Propôs que mergulhássemos um pouco no painel (que já estava quase pronto, faltando apenas últimos retoques) para contar sobre as nossas aprendizagens, pensando sempre nas seguintes questões: - A construção coletiva do painel, A constituição do Grupo de Referência, - A construção do Projeto Político Pedagógico, As dimensões envolvidas neste trabalho. - As falas que surgiram: Estamos pacientemente esperando os últimos retoques e ainda curtindo... VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 13 Projetos e práticas de formação de professores - O trabalho revela o que é o nosso grupo: comprometido, muitas divergências, mas todo mundo muito apaixonado. - Mesmo sem saber, todo mundo participou e todos foram se ajudando. As pessoas se ajudaram e não foi só neste trabalho, mas em outros - também. O painel está alegre, forte mas está leve e tem vida. - A arte é uma janela para o mundo. A gente abre uma outra dimensão na nossa relação com o mundo. - Pensando no PPP, como é difícil que todas as pessoas se envolvam e participem principalmente aquelas que se sentem incapazes. - Essas diferenças características de cada pessoa mobilizam-nos também de formas diferentes. - A professora apostou em nós e nós topamos. Pensei que meu quadro não iria se encaixar em lugar nenhum mas - no final deu tudo certo. É complicado mexer na obra de arte do outra pessoa. É mexer numa - coisa que vem lá de dentro... Ficou mais fácil pedir e oferecer ajuda. Como resultado do trabalho, considero que houve aprendizagem acerca da construção do Projeto Político Pedagógico e que concretamente o grupo se revestiu de um caráter diferente em relação a esse marco que é a formatura, na perspectiva da continuidade, da reflexão, da mudança de vínculo e com a disponibilidade para se constituir de fato como um grupo de referência com vistas a investir em sua formação continuada. Foi desta forma que encerramos o semestre...e preparamos o início de uma nova fase de nosso aprendizado. Agora como pares... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ALMEIDA, Laurinda Ramalho; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza (Orgs). O Coordenador Pedagógico e o cotidiano da escola. São Paulo, Loyola, 2003. ÁLVAREZ, Manuel [et all.]; O projeto educatico da escola. Trad. Daniel Angel Etcheverry Burguño. Porto Alegre. Artmed,2004 VASCONCELOS, Celso dos Santos. Coordenação do trabalho pedagógico. São Paulo, Libertad, 2002. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 14 Projetos e práticas de formação de professores A FORMAÇÃO INICIAL DO DIRETOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA MONÇÃO, Maria Aparecida Guedes (Faculdade Integração Zona Oeste - FIZO) A educação infantil brasileira passa por um momento de grandes transformações seja no campo da legislação, seja no campo das práticas educativas. O debate a respeito do papel da educação infantil na contemporaneidade ocupa lugar nas universidades e nas diferentes instituições que atendem a criança pequena, na busca da construção de uma Pedagogia da Infância, que trate das especificidades da educação da criança de 0 a 6 anos. A produção de pesquisas na área tem crescido e contribuído muito para essa sistematização, no entanto, há poucos trabalhos que versam sobre a gestão na educação infantil, o papel do diretor e tampouco a respeito da formação dos mesmos, seja ela inicial ou continuada. Grande parte das produções discute a formação do educador, o que consideramos de extrema importância, no entanto, embora o Diretor exerça um papel fundamental nas instituições e, especificamente, na formação da equipe de trabalho, pouco se discute a esse respeito. A relevância da temática gestão da educação infantil está pautada na compreensão de que existe a necessidade da formação inicial e continuada do gestor, uma vez que estes profissionais precisam dominar conhecimentos específicos sobre o funcionamento das instituições de educação infantil, bem como as peculiaridades do trabalho com as crianças de 0 a 6 anos de idade. Pode-se, inferir que a tendência assistencialista, presente na trajetória da educação infantil brasileira, legitima a contratação de gestores que, em sua maioria, nunca tiveram um contato direto ou teórico com as temáticas da área. Neste cenário depara-se com um quadro de profissionais leigos que, sem formação específica, coordenam outros profissionais para trabalhar com a criança pequena, revelando um traço perverso do assistencialismo. Por outro lado, diante as transformações ocorridas na área, em função da incorporação das creches e pré-escolas no sistema de ensino, assiste-se também a chegada de muitos gestores com experiência no ensino fundamental que, de forma intencional ou não, constroem um trabalho pautado numa visão escolar, transpondo propostas e normas inerentes ao segmento do ensino fundamental e médio. Esta realidade revela a urgência de ampliar o debate sobre a identidade e formação do gestor em educação infantil, tal como tem sido feito em relação aos professores de crianças de 0 a 6 anos, área que contou com um maior desenvolvimento nos últimos anos, pois, embora compreendamos que o gestor é um educador, a sua formação comporta peculiaridades, não contempladas na formação do professor. Segundo Tronnolone “(...) poucas são as produções específicas sobre gestão em educação infantil, creche ou pré-escola, em geral, existe um número maior de publicações sobre VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 15 Projetos e práticas de formação de professores a gestão nos demais níveis de ensino“ (2003, p. 90). Além disso, pode-se também perceber a escassez do debate sobre o tema quando se analisa as pautas dos seminários e congressos na área de educação infantil, pois as reflexões sobre gestão, aparecem timidamente, ou mesmo inexistem. A concepção de educação infantil adotada no presente trabalho compreende a instituição de educação infantil como a primeira etapa da educação básica que integra cuidado e educação numa ação compartilhada com a família. Cabe salientar que a compreensão sobre cuidado pauta-se numa abordagem ampla: A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos. O desenvolvimento integral depende tanto dos cuidados relacionais, que envolvem a dimensão afetiva e dos cuidados com os aspectos biológicos do corpo, com a qualidade da alimentação e dos cuidados com a saúde, quanto da forma como esses cuidados são oferecidos e das oportunidades de acesso a conhecimentos variados (BRASIL/MEC,1999, p. 24). A partir desta visão ampla de cuidado, considera-se que, na educação infantil, o cuidado relaciona-se às crianças, aos profissionais, às famílias, ao ambiente físico e relacional da escola. No âmbito da gestão, o cuidado se desvela na formação contínua da equipe em busca da construção de uma gestão democrática e participativa que garanta a voz de todos os sujeitos que compõem o cenário da instituição, ou seja, crianças, profissionais e famílias. O reconhecimento do papel fundamental da afetividade na relação entre adultos e crianças na instituição de educação infantil, aponta a necessidade do trato com as questões relacionais, sem perder de vista o significado do contexto social, político e econômico na formação dos diferentes atores da instituição. Compreendendo, assim, o contexto escolar como lócus de educação de todos, de encontros permanentes em que o aprendizado para conviver com as diferenças é um desafio constante. A gestão na educação infantil tem que tomar como referência principal o sujeito criança, considerando suas capacidades e cultura na busca da construção da gestão social que integra as dimensões políticas, culturais e educacionais. Neste sentido, adota-se o conceito de gestão social, explicitado por Ghedini (1994), como norte para a reflexão sobre a especificidade da gestão na educação infantil brasileira: (...) É preciso explicar o significado da gestão social, porque vai muito além de uma simples relação entre trabalhadores de creche e os pais: tem um sentido político, cultural e educativo (...) o significado político implica a vontade de governar de forma descentralizada, oferecendo aos cidadãos (neste caso, aos pais) mais poder e democracia nas decisões. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 16 Projetos e práticas de formação de professores O significado cultural corresponde à oportunidade de trocas entre os trabalhadores de creche, pais e comunidade local, através das quais os trabalhadores de creche e pais não só socializam e compartilham seus problemas, recursos e estratégias, como também contribuem para a disseminação de concepções culturais relativas à educação e às necessidades sociais das famílias. Os serviços tornam-se assim um instrumento de conscientização, promoção e crescimento cultural, em questões gerais relevantes para as crianças. O significado pedagógico implica a necessidade de um plano educacional bem elaborado, que seja voltado não para uma criança abstrata, mas para crianças que são uma complexa combinação de suas características psicológicas e do contexto social e cultural onde seu desenvolvimento ocorre (Ghedini, 1994, p.205-6). Assim, tendo explicitado os conceitos básicos que embasam a reflexão sobre educação infantil, o presente texto tem por objetivo discutir a importância do processo de formação inicial de gestores (ou diretores) que atuam na educação infantil, tendo como eixo a socialização de minha experiência como docente na disciplina de Princípios e Métodos da Educação Básica I, ministrada na Faculdade Integração Zona Oeste, a qual tem como tema central à discussão da gestão na educação infantil. O presente trabalho pretende dar visibilidade e incentivar o debate sobre a especificidade da gestão na primeira etapa da Educação Básica. APRESENTANDO O CURSO DE PEDAGOGIA DA FIZO A proposta de formação construída no Curso de Pedagogia da Faculdade Integração Zona Oeste (FIZO), tem como eixo central à formação do educador reflexivo e pesquisador. Nesta perspectiva, é de fundamental importância o exercício do pensamento a partir da dúvida, da reflexão diante de uma realidade educacional dinâmica e complexa que exige tanto dos educadores quanto dos educandos uma abertura constante para o novo, para a construção de novas estratégias, novos percursos na busca de novas possibilidades, que favoreçam o rompimento com a perspectiva determinista que situa a prática pedagógica de maneira racional e única. Pensar um curso de Graduação em Pedagogia, nesta perspectiva complexa e interacionista, suscita a necessidade do diálogo constante entre teoria, prática, pesquisa e reflexão, na busca da formação do educador pesquisador e reflexivo. Manter uma boa relação com teorias e com a reflexão teórica é fundamental para a formação do educador reflexivo e para se cultivar uma boa relação com o conhecimento. Estimular no educador o gosto pelo estudo é tarefa do formador, que por sua vez deve desenvolver em si próprio este gostar. Uma condição para se cultivar uma boa relação com o ato de estudar está, sem dúvida, na possibilidade de se encarar o conhecimento como espaço de criação de hipóteses, de manifestação de dúvidas, de erros e tentativas de acertos. A impossibilidade de errar ou de se criar hipóteses pode provocar silêncios no processo de aprendizagem que conduzirão aquele que aprende para longe do conhecimento e das situações de reflexão (Bambini, Monção e Tronnolone, 2000, p. 5). VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 17 Projetos e práticas de formação de professores Assim, o curso de Pedagogia da FIZO contempla em sua grade disciplinas que privilegiam a prática e a pesquisa, com o intuito de favorecer ao educando um olhar reflexivo a respeito do campo da educação e a construção de sua identidade profissional. Neste sentido, reconhecendo a relevância e a especificidade da educação infantil, o curso possui a disciplina de Princípios e Métodos em Gestão da Educação Básica I, com a finalidade de inserir o aluno na área, contribuindo para a sua formação enquanto gestor desta etapa da educação. A disciplina, oferecida no 2o semestre do curso, tem como preocupação central inserir os alunos nas discussões contemporâneas sobre a educação da criança pequena, seus desafios e perspectivas, integrando a reflexão sobre a importância da construção de práticas de gestão democrática na educação infantil. Os objetivos da disciplina podem ser sintetizados em cinco eixos: 1. Construir com os alunos uma visão sobre educação infantil alicerçada numa concepção integral de cuidado e educação, bem como o papel social das instituições que atendem crianças pequenas. 2. Possibilitar aos alunos conhecer o histórico da educação infantil, inserindoos nas discussões contemporâneas da área, a fim de favorecer a reflexão sobre os conceitos chaves para a construção de uma educação infantil de qualidade, compreendo a criança como o foco do trabalho desenvolvido. 3. Favorecer a construção de uma visão de criança como sujeito de direitos e foco principal das preocupações da instituição de educação infantil. 4. Realizar a conexão entre teoria e prática, através das análises dos estágios e das palestras com diretores e coordenadores pedagógicos, à luz da fundamentação teórica adotada ao longo do semestre e das reflexões realizadas em sala de aula. 5. Analisar os diferentes tipos de gestão em educação infantil, refletindo, a partir das pesquisas realizadas no estágio, sobre o papel do diretor e do coordenador pedagógico, tendo em vista a especificidade da educação infantil. COMPARTILHANDO O PERCURSO DA DISCIPLINA Três anos se passaram desde a primeira turma que cursou a disciplina princípios e métodos de gestão na educação básica I. Nesse período a sala de aula foi palco de muitas reflexões envolvendo os alunos, os diretores e coordenadores pedagógicos de educação infantil e a professora responsável. A disciplina tem como foco a formação do gestor de educação infantil, numa perspectiva democrática que ouve e envolve todos os atores que compõem a instituição, ou seja, crianças, profissionais e famílias. Esse envolvimento se dá desde o conhecimento do trabalho realizado, até a participação efetiva nas decisões. Desde sua concepção, a disciplina foi pensada de maneira global, compreendendo a necessidade de articulação entre teoria-prática-pesquisa e reflexão. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 18 Projetos e práticas de formação de professores A sensibilização inicial no inicio do semestre versa sobre a visão de criança e infância buscando favorecer a reflexão dos alunos sobre a criança como sujeito de direitos e a importância desta etapa do desenvolvimento na formação da pessoa. Esse processo muitas vezes, remete a imagens e vivências da infância dos próprios alunos, configurando um momento de muitas lembranças e reflexões sobre esta fase. É neste momento que é realizada a discussão sobre a concepção de educação infantil, como primeira etapa da educação básica, que integra cuidado e educação numa ação compartilhada com as famílias. Tal perspectiva favorece introduzir a idéia de que o cuidado na instituição de educação infantil deve ser entendido com relação aos diferentes atores que a compõem: crianças, profissionais e famílias. Tal temática é desenvolvida, também, por meio das contribuições de Campos (1994) e Cerisara (1999). A reflexão aprofundada sobre o cuidado, desvela, também, a dimensão da afetividade no espaço educativo, buscando entendê-la como fruto das relações interpessoais estabelecidas no contexto da instituição, pois aqui a escola é compreendida como o lócus de educação de todos os segmentos que a constituem. O histórico da educação infantil é introduzido situando as diferentes concepções e representações sobre a educação infantil e os diferentes lugares que as crianças, profissionais e famílias ocuparam nesta trajetória. Neste momento, as obras de Haddad (1987); Kishimoto (1988); Kuhlmann Jr. (1998) e Kramer (1987); e o documento BRASIL (1999) servem como referências centrais ao desenvolvimento do trabalho. É um momento de muitas descobertas, com vistas a desenvolver um novo olhar para a educação infantil, mas também é momento em que afloram os conflitos e tensões explicitando as concepções assistencialistas e escolarizadas que reforçam a polarização entre cuidar e educar nas práticas educativas. Neste cenário de muitas inquietações e descobertas, os alunos participam em sala de aula de encontros com diretores e coordenadores pedagógicos de educação infantil. Os gestores relatam suas experiências, concepções, questionamentos sobre sua atuação na gestão. Após cada encontro, é realizada, em sala de aula, a reflexão sobre o mesmo, buscando identificar no relato dos profissionais os princípios e concepções que sustentam a sua gestão. A diversidade dos relatos dos profissionais possibilita visualizar a heterogeneidade existente e aprofundar a reflexão a respeito das diferentes concepções de gestão. Aqui Mello (1987,2000); Ghedini (1994); Campos (1995) garantem o aprofundamento da reflexão. O contato com a literatura de educação infantil acontece ao longo de todo o semestre, em sala de aula é construído um debate permanente buscando articular a fundamentação teórica explicitada nos textos e os relatos das profissionais e dos estágios, reforçando a concepção de gestão democrática. Esse processo é enriquecido pelo fato de existir, dentre os alunos do curso de pedagogia, uma diversidade entre aqueles que ainda não atuam na área de educação e aqueles que já atuam na educação infantil, seja no papel de educador seja no papel de diretor. Esta VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 19 Projetos e práticas de formação de professores multiplicidade de experiências garante a riqueza nas discussões em sala de aula, favorecendo a aproximação entre a fundamentação teórica e a realidade cotidiana. A conclusão da disciplina acontece com a produção de uma sistematização das palestras e sua articulação com os textos estudados. Assim, os alunos dividem-se em pequenos grupos e a partir dos registros de aula, constroem um quadro com as idéias das palestrantes e um texto reflexivo que discute, ainda que de maneira preliminar, as convergências e divergências entre os relatos e sua aproximação ou distanciamento dos textos estudados. É um exercício de análise e discussão dos alunos sobre o conteúdo trabalhado. A conclusão desta sistematização é feita com a elaboração de um texto com o título “A gestão na escola de educação infantil dos nossos sonhos”. O ESTÁGIO E SEUS DESAFIOS Concomitantemente, ao longo do semestre os alunos realizam o estágio em instituições de educação infantil, o qual está organizado em torno da pesquisa e da observação. Os alunos realizam durante a atividade quatro entrevistas, duas com diretores e duas com Coordenadores Pedagógicos na rede pública e particular, além de observarem reuniões de pais e professores e a realizarem a leitura dos documentos da escola, tal como o Projeto Político-Pedagógico e o Regimento Interno. A sistematização dos dados ocorre mediante a gravação e transcrição das entrevistas, os registros de observação do funcionamento da instituição e a síntese dos documentos da mesma. Quando os alunos terminam a etapa de campo, é iniciada a construção do relatório de estágio que compreende, primeiramente, os relatos das entrevistas e observações, juntamente com as reflexões dos estagiários. O próximo passo é a categorização e a análise comparativa das entrevistas, que é realizada a partir da escolha de algumas questões que servem como guias para a análise. Monta-se um quadro com os depoimentos dos diretores e coordenadores o que favorece a construção de um texto analítico com os dados coletados, à luz dos textos discutidos em sala. A conclusão do relatório se dá com uma reflexão do aluno sobre seu aprendizado ao longo do estágio. Os momentos de supervisão de estágio, que ocorrem fora do horário das aulas, possibilitam refletir sobre as observações dos alunos, aprofundando o olhar sobre os dados obtidos e também favorecendo a troca de informações entre os discentes, tendo em vista que a socialização dos mesmos evidencia um repertório amplo de relatos de trabalhos realizados em diferentes instituições de educação infantil, evidenciando a pluralidade de formas de atendimento à criança pequena. Esse momento é rico, pois favorece retomar os conceitos trabalhados em sala de aula e também, acrescentar novos, a partir dos depoimentos dos diretores e coordenadores entrevistados e das observações realizadas. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 20 Projetos e práticas de formação de professores É importante destacar que se reconhece as limitações que um estágio de pesquisa e observação se coloca na formação dos educadores, mas considerando as dificuldades encontradas no âmbito institucional para financiamento e apoio de pesquisas e trabalhos de intervenções nas instituições, além das dificuldades que os alunos apresentam em conciliar estudos e trabalho, acredita-se que tal proposta tem alcançado, seus objetivos e favorecido a construção de um novo olhar para a educação infantil e para a especificidade da gestão neste segmento de ensino. CONCLUSÕES PROVISÓRIAS A riqueza da experiência desenvolvida na disciplina Princípios e Métodos em Gestão da Educação Básica I, permite que os alunos, principalmente aqueles que não têm contato com instituições de educação infantil, tenham a dimensão do desafio imposto para o gestor da educação infantil. Da mesma forma, para os alunos que já têm contato com essa realidade, seja como professores ou gestores, possam compreender a especificidade da gestão nas instituições que atendem crianças pequenas. O início da disciplina permite acesso a depoimentos de alunos que já são gestores evidenciando a falta de preparo quando assumiram a gestão da creche ou préescola, conforme exposto a seguir: “Meu primeiro dia na creche foi assustador, pois foi a primeira vez na minha vida que entrei em uma creche, tendo como incumbência seu gerenciamento” (M.L.). “A minha chegada foi, num primeiro momento, tudo novo, tive pouca orientação, quanto ao trabalho burocrático, embora já sabia algumas coisas. A parte mais difícil foi em como administrar um grupo, pois tinha que conduzi-los e ao mesmo tempo me adaptar” (C.L.). Estes depoimentos revelam a chegada de profissionais nas creches e pré-escola sem formação anterior, pautando-se unicamente na experiência como processo de apropriação e aprendizado, o que muitas vezes constituem-se em práticas espontaneístas que reforçam a visão assistencialista de atendimento à criança pequena. Conforme já foi apontado em outra pesquisa realizada (Monção, 1999) muitos profissionais deparam-se com um cotidiano permeado de sentimentos ambivalentes com relação ao significado da creche, traduzidos em diferentes concepções e expectativas. Tal pluralidade aflora, muitas vezes, focos de tensão entre profissionais e famílias, revelando as influências tanto da vertente assistencialista quanto da educacional. Gerenciar os conflitos inerentes a um contexto marcado por diferentes interesses e necessidades é uma tarefa difícil e até mesmo árdua, que exige do gestor conhecimentos sobre a área de educação infantil, reflexão a respeito das diferentes formas de coordenar estas instituições, e flexibilidade para lidar com uma rotina de trabalho dinâmica e complexa, permeada por emoções. Se, por um lado, tais dificuldades encontradas no cotidiano podem interferir diretamente na qualidade do atendimento à criança, impossibilitando, em muitos casos, a construção VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 21 Projetos e práticas de formação de professores de um ambiente que favoreça o desenvolvimento integral da criança, por outro, a superação e o enfrentamento das mesmas pode favorecer a consolidação das creches e pré-escolas como um ambiente educativo favorecendo a re-significação das representações sobre a educação infantil. O trabalho realizado tem sido constantemente repensado, a partir das questões suscitadas no estágio e nas avaliações dos alunos, entretanto, podemos visualizar alguns objetivos que estão sendo alcançados no próprio depoimento dos alunos: “A matéria prática pedagógica e pesquisa despertou meu olhar para a necessidade de ser conversar mais sobre as nossas atitudes e rever a nossa postura perante problemas muitas vezes ditos sem solução e com um tom fatalista (...) Sem contar com a ampliação de horizontes através dos textos, livros e discussões feitos em sala de aula onde confrontamos o parecer de pessoas que trabalham na área da educação com pessoas que nunca estiveram ligadas diretamente a educação” (M.G.). Assim, a intenção de ampliar o repertório de referências na área tem sido o grande destaque do trabalho, fator considerado pelos alunos bastante positivamente: “(...) as visitas realizadas foram muito proveitosas, pois me colocaram próxima a outras realidades, as quais nunca tinha tido oportunidade de me aproximar que revelaram práticas tão diferentes, as quais a partir de então pude ter parâmetros para minha atuação” (M.L). Muitos são os desafios deste trabalho, pois os alunos sentem muitas dificuldades para a realização do estágio seja em função do tempo, pois na sua maioria, é composta por estudantes que trabalham, seja na elaboração e construção dos registros e reflexões que o estágio solicita. Considerando o percurso realizado ao longo desses anos, os resultados são positivos, favorecendo à construção de um novo olhar sobre a educação infantil, e sobre a especificidade da gestão nesta área. Pode-se perceber também, o interesse em aprofundar essa temática, especialmente nos Trabalhos de Conclusão de Curso, já que há um grande número de trabalhos que versam sobre a gestão na educação infantil. A meta é favorecer, através da formação inicial, um processo no qual o diretor assuma sempre como busca a “outra margem” e que as “pedras” encontradas pelo caminho, sejam visualizadas como desafios a transpor, a fim de construir uma educação infantil brasileira de qualidade social e que realmente favoreça a construção de uma sociedade mais justa, com pessoas autônomas e felizes. (...) Terás então de ler doutra maneira, Como, não serve a mesma para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca Ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegadas à página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar a outra margem, a outra margem é que importa...” (José Saramago, A caverna, p. 77). VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 22 Projetos e práticas de formação de professores BIBLIOGRAFIA BRASIL.Ministério da Educação e Desporto.Referenciais Curriculares para a Educação Infantil.Brasília: MEC/SEF/ DPE/COEDI 1999. BRUNO, E.G.; MONÇÃO, M.A.G.;TRONNOLONE, M. A Formação do diretor de creche – Relato de uma experiência com diretores das creches diretas da região Itaquera Guaianazes/SP. 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Creches e pré-escolas no Hemisfério Norte. São Paulo: Cortez, FCC, 1994. TRONNOLONE, M. A gestão de creche no município de São Paulo: Diretores em contexto. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 23 Projetos e práticas de formação de professores A PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO E O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORES: UMA APROXIMAÇÃO ENTRE LITERATURA INFANTIL E MATEMÁTICA OLIVEIRA, Rosa Maria Moraes Anunciato de; PASSOS, Cármen Lúcia Brancaglion (DME-UFSCar) Na formação de professores um tema freqüentemente relegado a segundo plano é a construção de materiais didáticos. Ao participar de cursos de formação contínua, os professores em serviço revelam a expectativa de que a utilização de materiais manipuláveis no processo de ensino pode amenizar as dificuldades de aprendizagem pelo suporte da materialidade. Essa expectativa nem sempre é atendida, sendo identificada, algumas vezes, como uma busca de soluções prontas, padronizadas que não consideram o contexto e as individualidades. A construção de materiais didáticos tem sido considerada como menor no campo da didática. Essa área temse configurado como ciência, abrangendo as diferentes dimensões do processo de ensino e aprendizagem. Observa-se nas disciplinas de didática grande ênfase nos fundamentos históricofilosófico-sociológicos do processo educativo e menor espaço para a elaboração, aplicação e avaliação de materiais didáticos, por exemplo. Isso não implica em uma dicotomia entre essas dimensões do processo de ensino e aprendizagem, o que significaria esquizofrenia pedagógica. A construção e o uso de materiais didáticos passa primeiramente pela concepção sobre o papel dos docentes. Esse tema está vinculado a dois aspectos interligados: a formação de professores e as suas concepções pedagógicas. Fiorentini e Miorim (1990) destacam esse fato quando analisam esta temática, lembrando que a escolha de um material, pelo professor, nem sempre é realizada com a devida clareza quanto a sua fundamentação teórica. De modo geral, enfatizam os autores, sempre que um congresso ou encontro de professor de matemática promove oficinas, conferências a respeito dessa temática, as salas ficam lotadas, evidenciando o grande interesse pelos materiais e jogos. Entretanto, essas discussões, muitas vezes, ficam restritas à utilização de um recurso que se mostrou favorável para a abordagem de um determinado tópico da matemática, não ocorrendo, naquele momento, reflexões de caráter epistemológico. Precisamos superar a expectativa que muitos professores têm, quando justificam a opção pela utilização de materiais concretos, como um fator de motivação tornando as aulas mais alegres, para que os alunos passem a gostar da matéria. Ao falar sobre a importância dos materiais concretos na aula de matemática, Fiorentini e Miorim (1990) salientam que “por trás de cada material se esconde uma visão de educação, de matemática, do homem e de mundo; ou seja, existe, subjacente ao material, uma proposta pedagógica que o justifica”. Os autores enfatizam ainda que os professores não podem “subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo de material porque ele é atraente ou lúdico (...) nenhum material é válido por si só”. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 24 Projetos e práticas de formação de professores Esse contraponto apresentado pelos autores indica para a formação de professores a busca de um equilíbrio entre a teorização da área e a ênfase nos recursos. As concepções de Castelnuovo (1970) podem ser extendidas para a formação de futuros professores ao enfatizar que a idéia fundamental da ação deve ser a reflexão: que o interesse da criança não seja atraído pelo objeto material em si ou pelo ente matemático, senão pelas operações sobre o objeto e seus entes. Operações que, naturalmente, serão primeiro de caráter manipulável para depois interiorizar-se e posteriormente passar do concreto ao abstrato. Recorrer à ação, diz Piaget, não conduz de todo a um simples empirismo, ao contrário, prepara a dedução formal ulterior, desde que tenha presente que a ação, bem conduzida, pode ser operatória, e que a formalização mais adiantada o é também (p. 25). Na formação de professores a questão do domínio do conteúdo é tratada quando os estudos focam as concepções de estudantes sob a forma de base do conhecimento para o ensino. Sem dúvida uma questão fundamental refere-se aos professores iniciantes, que não tiveram ainda oportunidade de criar sua forma pessoal de lidar com o conteúdo advinda da aprendizagem do conteúdo em situações de exercício da docência. Tendo em vista a superação dos dilemas aqui levantados investimos em ações formativas que procuram aliar literatura infantil, leituras, narrativas e conteúdos matemáticos na formação de professores. LÍNGUA ESCRITA E CONTEÚDO MATEMÁTICO: ARTICULAÇÃO POR MEIO DE NARRATIVAS A produção de textos nas aulas de matemática cumpre um papel importante para a aprendizagem do aluno. Diversos estudos envolvendo questões da linguagem e da matemática vêm sendo realizados. Lopes (2003) tem investigado, desde 1993, a escrita como um instrumento de avaliação no processo de ensino e aprendizagem da Matemática. O autor ressalta que estudos com foco em atividades de comunicação, escrita e uso de instrumentos de registros tais como cadernos, diários, portfólios e outras modalidades de textos têm sido considerados na elaboração de documentos curriculares. Utilizar a narrativa aliada ao processo educativo em geral é um meio bastante difundido desde as tradicionais fábulas e os apólogos aos livros paradidáticos da atualidade. Tratando de conteúdos matemáticos, ainda na primeira metade do século XX, Monteiro Lobato escreve a sua Aritmética da Emília, fazendo referência a outra obra bastante conhecida: O homem que calculava de Malba Tahan, pseudônimo de Júlio César de Mello e Souza. Dalcin (2002) pesquisou a importância dos livros paradidáticos para o ensino da Matemática no 3o. e 4o. ciclo do Ensino Fundamental e ao se referir às obras de Lobato e Malba Tahan afirma que “através de suas obras VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 25 Projetos e práticas de formação de professores mostraram-nos que a matemática pode ser ensinada por meio de nossa capacidade imaginativa e criativa de contar histórias” (p.15). Smole e Diniz (2001), Smole et al. (2004) estudam as conexões da literatura infantil e da produção de textos na aula de Matemática. Outros autores como Bicudo e Garnica (2001), Gómez-Granel (1996), e Teberosky e Tolchinsky (1996), também mostram a importância do trabalho integrado, bem como a aproximação da área da matemática e da língua materna. A literatura é por excelência um espaço de síntese da experiência humana, das emoções e, por isso, seu uso tem sido destacado em diversos estudos como privilegiado para o trabalho interdisciplinar. O texto nas aulas de matemática contribui para a formação de alunos leitores, possibilitando a autonomia de pensamento e também o estabelecimento de relações e inferências, com as quais o aluno pode fazer conjecturas, expor e contrapor pontos de vista. Pois, como afirma Smole et al. (2004:2): Interrogado pelo texto o leitor volta a ele muitas vezes para acrescentar outras expectativas, percepções e experiências, desta forma, a história contribui para que os alunos aprendam e façam matemática, assim como exploram lugares, características e acontecimentos na história, o que permite que habilidades matemáticas e de linguagem desenvolvam-se juntas, enquanto os alunos lêem, escrevem e conversam sobre as idéias matemáticas que vão aparecendo ao longo da leitura. É neste contexto que a conexão da matemática com a literatura infantil aparece. Dalcin (2002:60) referindo-se à importância da ficção na infância, afirma que as narrativas ficcionais mais conhecidas como “histórias” exercem forte influência tanto na formação cognitiva como na afetiva e social da criança. Sejam na forma de antigas lendas, contos de fadas, histórias infantis ou parábolas bíblicas, independentemente do gênero, as narrativas de ficção valorizam e ampliam nossa capacidade imaginativa, desenvolvem várias habilidades e estruturas do pensamento, além de auxiliarem na construção de significados. A referida autora enfatiza ainda que, relativamente à Matemática pode-se dizer que a imaginação tem um importante papel nos processos de compreensão, reflexão e abstração, pela possibilidade de criação de situações particulares vinculadas a outras conhecidas. Na mesma direção, os estudos de Alton-Lee, Nuthall e Patrick (1999) indicam que as experiências das crianças na construção de conhecimentos caracterizam-se como um processo único envolvendo três fatores concorrentes: a resposta aos tópicos do currículo, o gerenciamento da cultura da classe e a participação nos processos socioculturais. O termo “construção de conhecimento” é usado para referir-se a uma unidade do conhecimento que é construída na memória quando a criança interpreta a experiência escolar em relação a um conhecimento anterior. Essa construção envolve a criança em uma série de processos cognitivos: obter informações, criar associações, elaborar o conteúdo, avaliar a veracidade e a consistência da informação e desenvolver conhecimentos metacognitivos (ALTON-LEE, NUTHALL e PATRICK, 1999). O ato de ler e entender a história favorece e potencializa esses processos VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 26 Projetos e práticas de formação de professores cognitivos importantes para capacitar a criança a penetrar no estudo da matemática como uma área de conhecimento que exige a compreensão da sua linguagem específica e de raciocínios próprios para a solução de problemas. Dalcin (2002:62) salienta que Por intermédio de histórias infantis, as crianças tomam contato com diferentes situações e realidades. Os personagens, sejam ele humanos, animais, duendes, fadas, bruxas..., vivenciam conflitos e tomam decisões. Habitam num universo situado em um contexto particular que é regido por regras e normas próprias. Nesse universo, os personagens estabelecem relações entre si e com o seu meio, relações essas que precisam ser conhecidas e compreendidas por quem ouve ou lê a história. Dessa forma, entender como a narrativa opera ou qual sua função na vida cotidiana ajuda a entender seu potencial educativo em sentido amplo ou em sentido estrito: sua utilização nas aulas de matemática e seu poder formativo no desenvolvimento profissional de futuros professores. Inicialmente, é preciso considerar que uma narrativa envolve elementos como personagens, enredo, espaço, tempo e, principalmente, a configuração de um conflito relacionado a mudanças na situação que obrigam à reflexão e/ou ação dos personagens. É a resposta a esse conflito que leva ao desfecho do enredo. A seqüencialidade é uma característica essencial, ao contrário, é indiferente que ela seja “real” ou “imaginária”, assim, tanto o historiador como o romancista partilham a forma narrativa. Essa estrutura da narrativa advém em grande parte da tradição, mas como acrescenta Bruner (1997:47-48) é razoável supor que há uma “aptidão” humana para a narrativa capaz de conservar e elaborar tal tradição: “... eu me refiro a uma aptidão ou predisposição para organizar a experiência em uma forma narrativa, em estruturas de enredo e assim por diante.” O autor acrescenta que a essa predisposição para a organização narrativa, “a cultura logo nos equipa com novos poderes de narração, através de seu kit de ferramentas e através das tradições de contar histórias e interpretá-las, das quais nós logo nos tornamos participantes” (BRUNER 1997:74). Uma característica crucial da narrativa, segundo Bruner, é que ela se especializa em forjar ligações entre o excepcional e o comum. Toda cultura assenta-se no canônico, num conjunto de normas, crenças e comportamentos partilhados. A função da narrativa numa cultura está relacionada à interpretação do excepcional, do incomum e permite ao narrador lidar simultaneamente com canonicidade e excepcionalidade. Nas palavras do autor: “As histórias atingem seus significados explicando desvios do comum de uma forma compreensível...” (BRUNER 1997:49) VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 27 Projetos e práticas de formação de professores Essa característica é valiosa para pensarmos sobre o material narrativo presente nas histórias com conteúdo matemático. Cabe-nos indagar: Qual sua utilidade? Parece que a resposta a essa questão está relacionada de alguma forma ao não canônico, pois esse tipo de narrativa aborda uma temática disciplinar de uma área do conhecimento e integra-a ao discurso narrativo. Permite matematizar o mundo no sentido de tematizar o conteúdo matemático e desloca a prática docente com esse conteúdo da atitude de passar o ponto, ensinar um conjunto de regras previamente formulado, para a atitude inquieta da pergunta, do conflito narrativo que leva à reflexão, à aposta na postura de descobrir a matemática mais que na postura de ensinar a matemática que se conhece. Dalcin (2002:50-51) afirma que a Educação Matemática começa a buscar um discurso próprio aliado à compreensão de que a construção de significados próprios dos alunos na relação com os significados histórica e culturalmente negociados passa pela leitura de novos textos relacionados ao conteúdo matemático. Segundo ela: Sem dúvida, a busca por esse novo discurso da Educação Matemática passa pela necessidade de procurar formas diferentes de relacionar os vários elementos que, de uma forma ou de outra, sempre nele (discurso) estiveram presentes: os símbolos matemáticos, as palavras e as imagens. O papel das imagens (...) parece fundamental, principalmente no atual momento histórico, no qual as possibilidades tecnológicas ampliaram consideravelmente as suas funções nos mais variados setores da sociedade moderna. O material didático, seja ele de qualquer natureza, para ter efetivo sucesso na utilização no processo de ensino e aprendizagem deve possuir algumas características fundamentais para permitir: a expansão da experiência do aluno e do professor; a problematização dos conceitos ou idéias a serem exploradas; o esclarecimento de algum conteúdo ou oferecer pistas; novas estratégias, revelar heurísticas de resolução. Enfim, a construção e a utilização de materiais deve permitir tanto ao professor como ao aluno a possibilidade de dar uma significação pessoal ao tema estudado, ao conteúdo trabalhado em qualquer nível ou modalidade de ensino, seja um conhecimento conceitual, um conhecimento procedimental ou atitudinal. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 28 Projetos e práticas de formação de professores A PESQUISA A área de formação de professores no Brasil possui uma produção consolidada que pode ser comprovada, por exemplo, pela vasta e rica produção apresentada em congressos nacionais como na Reunião Anual da ANPEd, no ENDIPE e no Congresso Estadual Paulista de Formação de Educadores. No entanto, são raras as pesquisas envolvendo a análise de materiais didáticos ou a análise de processos de construção desses materiais por professores ou por futuros professores. Este trabalho tem como finalidade analisar as contribuições da construção de livros infantis com conteúdo matemático na perspectiva dos participantes dessa experiência. O CONTEXTO O trabalho interdisciplinar relacionando literatura e matemática pode resultar em um processo de ensino e aprendizagem extremamente rico, dinâmico e significativo, contribuindo tanto para a aquisição de conceitos matemáticos como para a prática de bons leitores. A partir da proposta de conectar a literatura infantil com conteúdos matemáticos, em 2004 e 2005 foram oferecidas a ACIEPE (Atividade Curricular de Integração Ensino Pesquisa e Extensão) “Histórias Infantis e Matemática nas Séries Iniciais” aos cursos de Pedagogia e Licenciatura em Matemática. Essa ACIEPE possui como objetivos: identificar e analisar obras de literatura infantil que abordam conceitos e noções matemáticas; produzir livros infantis com conteúdo matemático integrado a outras áreas do conhecimento; utilizar essas produções em contextos escolares; analisar a pertinência e adequação das produções nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Os participantes da pesquisa foram alunos do curso de Matemática e do curso de Pedagogia. Além de alunos regulares dos cursos da universidade, participaram professores que atuam em diferentes níveis de ensino cujo contato com a matemática se dá de diferentes maneiras. Assim, em 2005, tivemos duas professoras de educação infantil, uma professora de matemática que atua no Ensino Fundamental e Médio e uma psicopedagoga. No total foram 15 alunos. Os procedimentos para elaboração do livro incluíram levantamento bibliográfico de produções literárias infantis com conteúdo matemático; análises sobre diferentes conteúdos matemáticos passíveis de serem temas para narrativas; análises dos contextos, características de linguagem, adequação à faixa etária e nível de escolaridade necessários para o planejamento de uma história infantil com conteúdo matemático; discussão junto ao grupo de participantes das propostas elaboradas; elaboração individual ou em duplas de histórias, seguida de ilustração e encadernação. Os depoimentos dos participantes (individualmente ou nos grupos) que ocorriam nos momentos de reflexão conjunta durante o processo foram registrados. No final da atividade foi solicitada uma produção de texto avaliando a própria aprendizagem e as possíveis VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 29 Projetos e práticas de formação de professores contribuições para a prática docente. Esses registros e o livro produzido constituíram-se em fonte de dados da investigação com a finalidade de analisar as contribuições dessa experiência para a formação desses professores. A CONSTRUÇÃO DE HISTÓRIAS INFANTIS COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES A análise dos depoimentos mostra que os professores iniciantes indicam não possuir uma forma pessoal de lidar com o conteúdo matemático advinda da ausência de experiência em situações reais de docência. Dessa forma, consideraram o levantamento bibliográfico realizado e a catalogação dos livros que pressupunha uma análise de forma e conteúdo dos mesmos como uma oportunidade para suprir essa defasagem. O levantamento bibliográfico auxiliou na formulação e na escolha do tema do livro elaborado (V. I.) As catalogações foram importantes para a elaboração do livro, pois forneceram conhecimento sobre: ilustração; linguagem; contexto histórico; conteúdos matemáticos; (T. H.) Não me senti segura para trabalhar com um tema referente às séries iniciais, por não ter contato com criança. Assim escolhi o tema “matrizes”. O modo de trabalhar com o tema foi com o jogo de queimada (J. O.) No contato diário com estudantes de Pedagogia, observamos a dificuldades de muitos deles para lidar com o conteúdo da área de matemática. Essa dificuldade é expressa pela psicopedagoga ao afirmar: Não conseguia ver muitos conteúdos matemáticos que não estivessem explícitos. Isso durante o curso mudou muito, pois ao ler livros infantis, procurava qualquer conteúdo matemático. Tive um olhar mais curioso. (G. I) Esse “olhar mais curioso” de que fala a participante parece ser o resultado mais importante da experiência vivida, pois implica em uma atitude de pesquisa que passa tanto pela busca de conhecimentos, pela experimentação, como pelo sentimento de autoconfiança pela possibilidade de enfim poder aprender e ensinar esse conteúdo de uma maneira nova, criativa. Outra participante, professora de matemática destaca as possibilidades de descoberta da leitura: Uma experiência nova, que possibilita perceber a importância destes livros para o desenvolvimento do aluno, tendo em vista que sua imaginação e criatividade fluem. Por ter algumas experiências com material didático–pedagógico (por exemplo, Blocos Lógicos), tive o interesse de elaborar o texto sobre as formas e conectá-las com a poesia. (L.E.) Outra possibilidade apresentada pela elaboração do material foi a de permitir a expansão da experiência seja em quanto aluno ou enquanto futuro professor. Para a elaboração dos livros procurei ler sobre o tema, visitar sites infantis, pesquisei temas sobre fração e numerais decimais.(P. A.) VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 30 Projetos e práticas de formação de professores O tema de meu livro foi retirado de uma aula simulada que apresentei junto com uma amiga. A elaboração do texto foi relativamente simples, já com o titulo do texto tive dificuldades. (N. A.) Os textos ampliaram meu conhecimento sobre o ensino da matemática. A catalogação foi importante para a criação de uma visão critica sobre os livros, pois analisando os livros percebe-se o que seria interessante abordar ou não (V.I) Uma importante contribuição dada pelo material didático é possibilitar o esclarecimento de algum conteúdo, oferecer pistas tanto ao aluno como ao professor. O tema foi escolhido devido à dificuldade que algumas crianças apresentam na identificação de problemas matemáticos e de raciocínio lógico. (T.H.) A licencianda, assim se expressa tendo como referência sua experiência nos estágios. Percebe-se que se trata de uma observação mais genérica. Outra participante, psicopedagoga, acostumada a lidar com as chamadas dificuldades de aprendizagem, retira da sua experiência o tema para a elaboração do livro e espera que ele preencha uma importante lacuna e que venha a favorecer a aprendizagem desse conteúdo: A escolha do tema se deu pela observação fixa da minha clientela. A confusão que eles fazem com os valores posicionais. (G.I) Outra professora participante assim se expressa: Sempre tive dificuldades em trabalhar com os conteúdos voltados para a pré-escola, e no decorrer do curso através do estudo teórico sobre a temática e com as minhas experiências pude elaborar um livro com um tema de interesse das crianças, contendo os conceitos mais utilizados na pré-escola. (R. O.) Possivelmente, o maior defeito que um material didático pode possuir seja a tendência à padronização que abafa a individualidade. Essa experiência de construção de um material a partir da experiência de cada participante, ao contrário, abre a possibilidade para a atribuição de uma significação pessoal ao tema, aos conteúdos de diferentes naturezas trabalhados no livro, não importando se trata de um conhecimento conceitual, procedimental ou atitudinal. Uma participante assim analisa suas opções com relação ao conteúdo matemático a ser desenvolvido no livro: Houve modificações na escolha do tema, que acabou sendo limitado aos números naturais de 1 a 12, para que o livro se voltasse para a 1ª série do Ensino Fundamental, série com a qual nunca trabalhei, mas tenho curiosidade em trabalhar. (A.L.) Outra participante destaca as opções relativas ao tratamento do tema: Os textos estudados foram de grande importância para a elaboração de meu livro, pois me fizeram compreender que a narrativa deveria ser contextualizada e que muitas vezes o conteúdo que faz sentido ou parece fácil para o adulto não é para a criança (PA.) Durante este estudo e a realização da primeira versão do livro, percebi que o melhor caminho era propor o conteúdo na narrativa e propor várias atividades para não se tornar um livro VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 31 Projetos e práticas de formação de professores didático. Também utilizei palavras diferentes, adjetivos, diálogo e em apresentar elementos da cultura oriental pelas ilustrações. (P. A.) Outra participante ao analisar o percurso para a elaboração do livro nos oferece pistas sobre a maneira como os futuros professores vão construindo sua maneira pessoal de se relacionar com o ensino: Não conseguia idéias para os temas. Apenas os personagens estavam definidos. Houve muitas mudanças até a elaboração final do livro. No início quis fazer um livro com atividades que envolvessem as crianças, mas encontrei dificuldades. Conversando com a professora, esta sugeriu a análise dos livros “Atividades Matemáticas” e foi a partir disso que começou a surgir a idéia de trabalhar com “quadriláteros”, uma vez que a geometria é uma área pouco abordada e merece atenção (A.S.) Finalmente, uma participante, aluna do curso de matemática, faz uma síntese das dificuldades encontradas no processo de construção de um livro de história infantil com conteúdo matemático: Houve dificuldades, pois apesar de saber da diferença entre incógnita e variável, não conseguia explicar no livro. Para mim foram importantes os textos lidos para “entrar no mundo da criança”, ver o mundo com os olhos delas, para fazer algo para ela. A troca do livro com uma aluna da Pedagogia foi importante, pois ela mostrou que o livro não estava claro para uma criança compreendê-lo, fato que eu não havia percebido (L. I.) Dessa maneira, a construção do material didático na formação de professores possibilita uma reconstrução desse conteúdo na perspectiva do seu ensino. Um elemento importante nessa reconstrução é a percepção dos destinatários desse material, a compreensão de quem são os alunos aos quais eles devem auxiliar para que se possa interagir com eles. A pesquisa revelou ainda que a elaboração de histórias infantis envolvendo conteúdo matemático por alunos de cursos diferenciados da universidade constituiu-se em uma importante experiência formativa teórico-metodológica e revelou dados relativos aos saberes matemáticos manifestos pelos participantes sobre suas concepções a respeito dos processos formativos vividos ainda enquanto estudantes da educação básica. Durante essas atividades foi possível verificar que o debate envolvendo os futuros professores e os professores em exercício provocaram reflexões que iam além da elaboração do material evidenciando a construção pessoal de saberes próprios à docência. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTON-LEE, Adrienne, NUTHALL, Graham e PATRICK, John. Reframing Classroom Research: A Lesson from the Private World of Children. In MINTZ, E. e YUN, J. T. The Complex World of Teaching - Perspectives from Theory and Pratice. Harvard Educational Review. Reprint Series. No 31, pp. 43-75, 1999. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 32 Projetos e práticas de formação de professores ALTON-LEE, Adrienne, NUTHALL, Graham e PATRICK, John. Reframing Classroom Research: A Lesson from the Private World of Children. In MINTZ, E. e YUN, J. T. The Complex World of Teaching - Perspectives from Theory and Pratice. Harvard Educational Review. Reprint Series. No 31, pp. 43-75, 1999. BICUDO, Maria Aparecida e GARNICA, Antonio Vicente. M. Filosofia da Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2001 BRUNER, Jerome. Atos de Significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. CASTELNUOVO, Emma. Didática de la Matemática Moderna. México: Trillas, 1970. DALCIN, Andréia. Um olhar sobre o paradidático de matemática. Dissertação (Mestrado em Educação: Educação Matemática). Campinas,SP: Faculdade de Educação, UNICAMP, 2002, 162p. FIORENTINI, Dario e MIORIM, Maria Angela. Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no Ensino da Matemática. Boletim da SBEM-SP. São Paulo: SBM/SP, Ano 4, n. 7, 1990, p. GÓMEZ-GRANELL, Carmen. A aquisição da linguagem matemática: símbolo e significado. In TEBEROSKY, A. e TOLCHINSKY, L. (org.) Além da Alfabetização – Aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. (Trad. Stela Oliveira). São Paulo: Ática, 1996, pp. 257-282. LOPES, Antonio José. A escrita no ensino-aprendizagem da matemática como instrumento de avaliação. In Anais do II Seminário Internacional de Educação Matemática. Santos/SP: SBEM, 2003. (CD-ROM). SMOLE, Kátia Cristina S. et al. Era uma vez na matemática: uma conexão com a literatura infantil. São Paulo: CAEM/IME/USP. 2004.(3ª.ed). SMOLE, Kátia e DINIZ, Maria Inez (org.) Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001. TEBEROSKY, Ana. & TOLCHINSKY, L. (org.) Além da Alfabetização – Aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. (Trad. Stela Oliveira). São Paulo: Ática, 1996. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 33 Projetos e práticas de formação de professores CAMINHOS POSSÍVEIS DO ENSINAR E DO APRENDER: EXPERIÊNCIAS DE LEITURA RIBEIRO, Maria Augusta H. W.1 ; GONÇALVES, Carolina2 - UNESP/Rio Claro Voltado para a formação de professores, este projeto, Experiências de leitura: caminhos possíveis do ensinar e do aprender, enfoca a leitura como formação e propõe como seu objetivo geral criar um espaço social para compartilhá-la. Aprovado pelo Núcleo de Ensino/Rio Claro e financiado pela Fundunesp, foi desenvolvido nos meses de março a dezembro de 2004, em parceria com a Secretaria de Educação do Município de Rio Claro, para professores do Ensino Fundamental I. Integra um projeto maior, Quem conta um conto ... aumenta um ponto, com início em 1999, no Departamento de Educação da UNESP/ Campus de Rio Claro e ao qual vêm sendo acoplados outros projetos, diversificados em alguns pontos, mas percorrendo todos o mesmo caminho investigativo - o do ensino/aprendizagem da leitura - e com a mesma base teórica. Preocupadas com essa questão, porque nossos alunos liam apenas para obter informações, na contra-mão do que pensávamos sobre esse ato, abrimos um caminho investigativo para refletirmos sobre o que se nos colocava como um problema. Neste caminho encontramos alguns teóricos dos quais citaremos dois - Jorge Larrosa - que entende a leitura como formação “(...) para que a leitura se resolva em formação é necessário que haja uma relação íntima entre o texto e a subjetividade. E se poderia pensar essa relação como uma experiência ...” (LARROSA, 2002, p. 136) - e Paulo Freire - que a concebe como leitura de mundo “Refiro-me que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele.” (FREIRE, 2003, p. 20) Com base nestes dois teóricos formulamos o projeto aplicado em 2004, com o objetivo geral de fornecer um curso, aos professores, para estudo de textos teóricos sobre a aprendizagem da leitura. Do primeiro, selecionamos A Lição (Larrosa, 2003); de Freire (2003), A importância do ato de ler. Acrescentamos, ainda, de Marisa Lajolo (1993), o texto Tecendo a leitura, no qual a autora complementa as idéias anteriores, entrelaçando esse conceitos numa visão coletiva do ato de ler: o texto lido por mim, leitor, é por sua vez produto da leitura /ou das leituras do autor que leu outros textos lidos por outros autores: Como a manhã, que no poema de João Cabral se perfazia pelo entrelaçamento do canto de muitos galos, também a leitura, principalmente a literária, parece constituir-se um tecido ao mesmo tempo individual e coletivo. Cada leitor, na individualidade de sua vida, vai entrelaçando VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 34 Projetos e práticas de formação de professores o significado pessoal de suas leituras com os vários significados que, ao longo da história de um texto, este foi acumulando. Cada leitor tem a história de suas leituras, cada texto, a história das suas. Leitor maduro é aquele que, em contato com o texto novo, faz convergir para o significado deste o significado de todos os textos que leu. E, conhecedor das interpretações que um texto já recebeu, é livre para aceitá-las ou recusá-las, e capaz de sobrepor a elas a interpretação que nasce de seu diálogo com o texto. (LAJOLO, 2004, p. 106). Várias intenções permearam a elaboração deste projeto de intervenção na realidade das escolas, todas elas, no entanto, voltadas para a questão da leitura como Freire a viu: “um instrumento para o que Gramsci chamaria de ação contra-hegemônica” (FREIRE, 2004, p. 21). Compartilhando deste sentido revolucionário proposto por Freire, temos Larrosa, que discorre sobre o ato da leitura como parte do processo formador dos sujeitos, pois “a leitura [...] tem a ver com aquilo que nos faz ser o que somos” (LARROSA, 2002, p. 134), alertando que a pensar como formação é pensá-la “como algo que nos forma (ou nos de-forma e nos trans-forma)” (idem, p. 133). A formação, para Lajolo (2004), amplia-se do individual para o coletivo, pois a autora coloca que “a história da literatura de um povo é a história das leituras de que foram objeto os livros que integram o corpus dessa literatura” (LAJOLO, 2004, p. 107). Com base no pensamento desses três estudiosos do assunto foi, então, elaborado o projeto em forma de curso sobre leitura para professores das escolas da rede municipal de Ensino Fundamental I (1ª a 4ª séries), com carga horária de 70 horas, com a finalidade específica de discutirmos a leitura como formação do professor. Dividido em três blocos, o curso teve o primeiro dedicado à figura do professor, com o texto básico A lição; o segundo, dedicado ao ato de ler, com o texto básico de Paulo Freire, A importância do ato de ler e o último, dedicado à tessitura da leitura, baseou-se no texto de Lajolo, Tecendo a leitura. Historicamente, a leitura foi tomando outras proporções, principalmente com o desenvolvimento da tecnologia, que nos impõe outros tipos de leitura, e não só a tradicional (papel/leitor). A partir de Gutenberg, tornou-se possível a massificação da leitura, trazendo para o horizonte dela o risco de alienação, de fracionamento e esgarçamento do significado do texto e do ato de ler. A atividade de leitura, que, em suas origens, era individual e reflexiva (em oposição ao caráter coletivo, volátil e irrecuperável da oralidade de poetas e contadores de histórias), transformou-se hoje em consumo rápido do texto, em leitura dinâmica que, para ser lucrativa, tem de envelhecer depressa, gerando constantemente a necessidade de novos textos (LAJOLO, 2004, p. 105). O contato do leitor com os livros passa, então, a tornar-se relativamente frio, distante; o que era instrumento principal para a aquisição de outros conhecimentos tem-se tornado exercício remoto e até mesmo objeto estranho da realidade escolar. Objeto estranho, pois, sendo alto o custo dos livros, não é considerado um bem para todos. Torna-se freqüente a utilização de cópias reprográficas, dissimulando a idéia de livro, portanto, dissimulando também a idéia de leitor. O leitor presente hoje é aquele que não lê as obras em sua totalidade; um leitor econômico que, às VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 35 Projetos e práticas de formação de professores portas da tecnologia e da difusão rápida da informação, não consegue estabelecer relação nenhuma entre o que lê e sua subjetividade. Atualmente, é dada à leitura uma conotação própria, formando-nos justamente para a efemeridade. Na rapidez da circulação das informações, os sujeitos nem vislumbram mais a possibilidade da existência de um ócio no qual possam contemplar os fatos ocorridos e ter uma certa inconformidade: “uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem [...]. Porque não é uma renovação autêntica que está em jogo, e sim uma galvanização” (BENJAMIN, 1987, p. 115). Concebemos, então, uma proposta de leitura em que os textos, não reproduzidos em cópias reprográficas, se ofereciam “à nossa inquieta procura” nas páginas dos livros, numa real possibilidade de resgate de experiências, tornando significativas essas leituras. Para tanto, foi requisitado no orçamento do projeto verba para a compra de vinte exemplares de cada um dos livros para ser fornecido um exemplar de cada uma das obras aos participantes, durante a realização do curso. Foram feitos Termos de Compromisso – individuais - assinados por cada participante no recebimento das obras. Ao final eles foram entregues à coordenadora que os mantém, em sua sala do Departamento, para uso coletivo dos professores, em aulas ou reuniões com alunos ou bolsistas. Despontava, assim, a importância do ato público da leitura, derrubando as paredes do individualismo exacerbado e possibilitando trocas por meio da leitura - para que houvesse reconhecimento e um primeiro processo de significação interna, por parte do leitor – da escuta para que o leitor, ao ouvir a leitura – em voz alta – de outrem, “ouvisse” aquilo que o texto dizia – e da discussão - para que o texto inicial fosse injetado de outras leituras/escutas. Era preciso ouvir o que os outros tinham a dizer para, então, considerar esses textos como múltiplos de sentidos, portanto, de experiências. Dessa forma, a realização desse projeto atendeu à necessidade de criação de um espaço social para compartilhar textos que enfocassem a questão da leitura, pela sua importância na formação do professor, de diferentes formas – dadas as várias “leituras/escutas” de textos (geradores e gerados) – possibilitando aos professores-leitores andar pelos vários caminhos “do ensinar e do aprender” oferecidos. Cabe aqui, também, reconhecer a importância da leitura emplazada, segundo Larrosa (2003), aquela que, num ato público, tem a chave magna para a experiência de leitura, e que utilizamos como metodologia, uma vez que os textos foram lidos “em público” tal como a “lição”: “a lição é convocação em torno do texto: congregação de leitores” (LARROSA, 2003, p. 143). Pensando na formação desses professores, na articulação universidade-escola, tão necessária atualmente e na urgência conclamada por vários órgãos de soluções para as questões da leitura, estabelecemos uma parceria com a Secretaria Municipal da Educação de Rio Claro. Foi elaborado um folder com informações básicas para a divulgação do curso, contendo uma pequena introdução ao tema da leitura e especificando os objetivos, o público-alvo, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 36 Projetos e práticas de formação de professores o número de vagas, a carga-horária, o programa, a forma de avaliação, a ficha de inscrição, o período e local das inscrições, a questão dos certificados, o local de realização e telefones para contato. Além de todas essas informações pertinentes ao curso, também elaboramos uma questão (“A leitura, para você, é...”), constante da ficha de inscrição, e que implicitamente continha uma de nossas primeiras inquietações: qual seria, inicialmente, a visão de leitura desses professores? Recebemos um total de vinte inscrições. As respostas à questão constante da ficha de inscrição apresentaram diferentes enfoques. Nós os agrupamos em quatro. Nove pessoas tomaram a leitura como forma de conhecimento. Neste caso, a leitura assumia conotação informativa: “a base do conhecimento, sem ela não há um aprendizado completo”; “a chave que abre as portas do saber”; “uma possibilidade de conhecer, aprender e aprofundar conhecimentos”; “um prazer, uma eterna busca de conhecimentos”; etc. Mas, para Larrosa, ...não se reduz, tampouco, a um meio de se conseguir conhecimentos [...] No segundo caso, a leitura tampouco nos afeta dado que aquilo que sabemos se mantém exterior a nós. Se lemos para adquirir conhecimento, depois da leitura sabemos algo que antes não sabíamos, temos algo que antes não tínhamos, mas nós somos os mesmos que antes, nada nos modificou. E isso não tem a ver com conhecimento, senão o modo pelo qual o definimos. (LARROSA, 2002, p. 133-134). Paulo Freire também trata sobre esta forma de leitura: Em minha andarilhagem pelo mundo, não foram poucas as vezes em que jovens estudantes me falaram de sua luta às voltas com extensas bibliografias a serem muito mais ‘devoradas’ do que realmente lidas ou estudadas. Verdadeiras ‘lições de leitura’ no sentido mais tradicional desta expressão, a que se achavam submetidos em nome de sua formação científica e de que deviam prestar contas através do famoso controle de leitura. Em algumas vezes cheguei mesmo a ler, em relações bibliográficas, indicações em torno de que páginas deste ou daquele capítulo de tal ou qual livro deveriam ser lidas: ‘Da página 15 à 37’”. (FREIRE, 2003, p. 17). Duas pessoas tomaram a leitura como forma de comunicação. As respostas foram: “um meio de comunicação onde posso obter informações e divertimento, possibilitando meu desenvolvimento pessoal e profissional” e “uma forma de comunicação com o mundo”. Para Lajolo, “a própria sociedade de consumo faz muitos de seus apelos através da linguagem escrita e chega por vezes a transformar em consumo o ato de ler, os rituais da leitura e o acesso a ela” (LAJOLO, 2004, p. 106). Uma pessoa tomou a leitura como diálogo: “uma maneira de interagir entre o real e o imaginário – ler é ser capaz de extrair de cada história uma lição, de cada ato um ensinamento, de cada acontecimento um aprendizado”. Para Zumthor, a recepção decorre do ouvinte (leitor) receber a mensagem e recriá-la de acordo com as suas expectativas. “A componente fundamental da ‘recepção’ é assim a ação do ouvinte, recriando, de acordo com seu próprio uso e suas próprias configurações interiores, o universo significante que lhe é transmitido” (ZUMTHOR, 1997, p. 241242). Ou, como para Larrosa, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 37 Projetos e práticas de formação de professores ...o comunicar do texto não é a elaboração do comum, mas o estabelecimento de um “entre” no que os leitores se separam e se dispersam de um modo não totalizável, numa relação pluralizadora. O comunicar do texto, seu ser-em-comum, é o espaçamento que torna possível o heterogêneo. O texto comum é o texto no qual os leitores participam, é o texto compartilhado entre os leitores, o que os leitores com-partem, o que os parte em comum, o que não se com-parte a não ser como partição e re-partição (LARROSA, 2003, p. 144). Oito pessoas tomaram a leitura de diferentes maneiras, sem estar nenhuma delas relacionada a uma concepção de leitura bem definida: “fundamental”; “tudo”; “tudo!!!”; “essencial para a qualificação profissional e um momento de lazer no dia-a-dia”; “entretenimento, prazer, viagem, enfim voar alto sem sair do chão”; “prazerosa”; “uma porta para a vida, quem tem um livro nunca está sozinho” e “fundamental, promove o indivíduo em todos os sentidos, oferece recursos críticos, lúdicos, cognitivos e pessoais”. No primeiro encontro, foi apresentada a proposta e o programa aos professores. Como metodologia, a experiência de leitura como travessia (caminho), ou seja, “propor a experiência da leitura em comum como um dos jogos possíveis do ensinar e do aprender” (LARROSA, 2003, p. 139). Para o desenvolvimento do projeto, foram planejados encontros quinzenais, com duração média de duas horas, durante os quais foram lidos os diversos tipos de texto. Os comentários surgidos durante esses encontros foram anotados pelas estagiárias do projeto num diário de campo, para posterior análise, além do recolhimento das assinaturas dos participantes num livro-ata. Como forma de avaliação, os professores elaboraram projetos de leitura com base nos referenciais teóricos com os quais tomaram contato ao longo do curso. Com o decorrer das atividades, alguns professores deixaram o curso por motivos diversos. As reuniões eram sempre permeadas por algo em “comunidade”. Privilegiando os diversos tipos de textos (teórico, filme, etc), prevalecia no começo da leitura/discussão o silêncio não tão silencioso, em virtude dos olhares que se entrecruzavam. “Mas uma conversação que tem também sua face silenciosa, reflexiva, solitária” (LARROSA, 2003, p. 143). A maior parte dos comentários era sobre a fala de um dos participantes, que se encorajava para comentar algo no texto que o despertou. Assim, os comentários (textos) surgiam sobre um outro comentário (texto) dito anteriormente, constatando assim a presença marcante da oralidade na formação dos professores. Para melhor entendimento, procuraremos aqui fazer uma descrição da primeira etapa. Nela, tratamos sobre posturas do professor. Colocamos os participantes em contato com um referencial teórico quanto a um novo tipo de postura do professor frente a atividades de leitura (dentro e fora da sala de aula): o texto Sobre a lição, de Jorge Larrosa, que propõe a experiência de leitura como um jogo. Primeiramente, fizemos um estudo sobre a capa do livro Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas, no qual está contido o texto acima citado. Pedimos aos alunos que descrevessem as sensações que eram despertadas ao tocarem neste livro. Vários comentários surgiram, seguidos ainda da análise da capa. A arte da mesma não passa desapercebida. Feita VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 38 Projetos e práticas de formação de professores por Jairo Alvarenga Fonseca traz aos nossos sentidos a imagem de uma tapeçaria datada de 1703 – El majo de la guitarra, Ramón Bayeu, Espanha; a imagem de um homem tratando seu violão nos levava a pensar qual seria a relação dessa displicência – contida na imagem – e a questão da leitura, que nos remete sempre a uma postura séria e regrada. A capa era um convite para entrar no texto Sobre a Lição, condição que Larrosa propõe para uma real leitura, imbricando-nos a ele. Essa é uma demonstração de amizade do leitor para com o texto escrito. Larrosa ainda toca em dois outros pontos-chave para que a experiência da leitura proponha-se como jogo: o da liberdade - para que a experiência da leitura resulte em formação é necessário que o leitor também fale junto com o texto, pois “somente a ruptura do já dito e do dizer como está mandado faz com que a linguagem fale, deixa-nos falar, deixa-nos pronunciar nossa própria palavra” (p. 145) - e o da experiência - ou melhor, da experiência como mudança. E a experiência da leitura, por sua vez, é facilitada por aquilo que “o texto leva a pensar” (p. 142). Sobre esses três pontos repousa o ato público da leitura. Porque só pelo ato público dela é que há a possibilidade de diálogo entre as pessoas. De um diálogo que pressupõe a escuta. A questão da escuta implica em um ato de ler, do qual é decorrente o de ouvir, de ouvir-se e de fazer-se ouvido, tal como o professor: O professor lê escutando o texto como algo em comum, comunicado e compartilhado. E lê também escutando a si mesmo e aos outros. O professor lê escutando o texto, escutando-se a si mesmo enquanto lê, e escutando o silêncio daqueles com os quais se encontra lendo. A qualidade da sua leitura dependerá da qualidade dessas três escutas. Porque o professor empresta sua voz ao texto, e essa voz que ele empresta é também sua própria voz, e essa voz, agora definitivamente dupla, ressoa como uma voz comum nos silêncios que a devolvem ao mesmo tempo comunicada, multiplicada e transformada (LARROSA, 2003, p. 141). Os espaços em branco entre a leitura e a escuta são múltiplos de sentidos: neles se pode falar, dialogar “com o texto, ou contra o texto ou a partir do texto (idem, p. 142). A comunidade em torno do texto acima proposta, como uma plaza, traz a idéia de conversação, pois é na unidade (reunião) das diferenças (pessoas) que ressoa a multiplicidade (diálogo) do único (texto). Após a leitura do texto em comum, para que os professores elaborassem os seus projetos de leitura ao final do curso, previmos no cronograma a apresentação de alguns, já finalizados e/ou em andamento. Referente a este bloco tivemos aquele a que nos referimos no início deste artigo -Quem conta um conto... aumenta um ponto3, - desenvolvido no Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro desde 1999, com o objetivo geral de levar a diferentes públicos a proposta da leitura compartilhada de diversos textos, criando um espaço social, no qual possivelmente possam ocorrer experiências de leitura. Em seguida, houve uma palestra sobre o autor e o texto estudado – A leitura na proposta de Larrosa4. A última atividade deste bloco foi assistir ao documentário Ser e ter5, de Nicholas Philibert. O filme discorre sobre a relação professor-aluno e algumas tensões vividas nessa relação. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 39 Projetos e práticas de formação de professores Na seqüência, com o Bloco II, o foco foi o ato de ler. Inicialmente, lemos o texto A importância do ato de ler, de Paulo Freire. Este texto, de importância já amplamente conhecida, começa com uma explanação do que seria a leitura de mundo de Freire, em sua infância. Discorre sobre a sua “descoberta do mundo” pela palavra, atentando para vários aspectos: a politização do ato de ler; a importância do contexto (quando criança, da linguagem dos mais velhos); a relação medo/conhecimento; a compreensão errônea do ato de ler, como se a quantidade de textos lidos correspondesse à qualidade dessas leituras. Nesses sentidos, a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo por meio de nossa prática consciente. A próxima atividade foi a apresentação do Projeto Guia de Leitura de Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato6, um guia de leitura em forma de CD-Rom que privilegia uma articulação entre obras universais citadas na referente obra de Lobato, criando, dessa maneira, uma rede de intertextos. Este bloco foi finalizado com o filme Fahrenheit 4517, escrito por Ray Bradbury e dirigido por François Truffaut, que expõe a falta de liberdade do leitor na escolha dos seus próprios livros. Lembra muito a Inquisição, pelo fato dos livros serem queimados em praça pública. O último bloco, III, teve como eixo principal a tessitura da leitura. Para tanto, lemos o texto Tecendo a leitura, de Marisa Lajolo. Partindo da imagem de artesanato que a leitura exige, para Lajolo, entrelaçá-las como fios transformando-as em tecidos constitui-se numa “matriz metafórica da leitura”. A leitura precisa ocorrer num espaço de liberdade. Escola e professor são, talvez, os únicos pontos de ruptura dessa alienação. É preciso fazer frente ao paternalismo dos órgãos governamentais e empresariais em suas campanhas de provimento de livros em bibliotecas, escolares ou não, que ocorrem esporadicamente. Após a atividade de leitura, houve uma palestra sobre a autora e o texto estudado, O leitor e o texto8. Em seguida, houve outra palestra – A elaboração de projetos como metodologia para o trabalho intelectual9 – na qual os professores receberam orientações mais técnicas para a elaboração de seus projetos de leitura. A elaboração desses projetos foi supervisionada pela equipe responsável do curso. Os professores tiveram vinte horas como atividades extra-classe para essa construção. Entregues, eles foram avaliados segundo o aporte teórico utilizado no curso e a coerência das idéias. Tomamos os projetos de leitura elaborados pelas professoras como reveladores do processo de escuta, movimentado nas reuniões com o grupo. O Projeto O despertar para a leitura é um projeto simples, coeso, abrangendo todas as propostas de leitura discutidas durante o curso. Centra-se na leitura do livro de Ruth Rocha, O menino que aprendeu a ver (1998). Propõe uma atividade de leitura com alunos, compartilhada, a qual se desdobra em outras, tendo como objetivo geral a “formação de leitores para o mundo”. A metodologia apresentada propõe ações de leitura, além do texto convencional. Embora aparentemente o projeto contemple os teóricos estudados na elaboração das atividades percebemos que a professora retoma às antigas práticas de leitura. Como exemplo, temos a indicação da leitura compartilhada, que foi feita em todas as sessões de leitura do curso. No VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 40 Projetos e práticas de formação de professores entanto, ao colocá-la como uma das atividades de seu projeto, ela assim se expressa: “fazer a leitura compartilhada levantando questões de interpretação e entendimento”. No curso nós não dirigíamos as questões, elas brotavam de cada participante, indicando os diferentes diálogos produzidos em cada um. Na proposta da professora esse diálogo é conduzido, não se pondo “à escuta” da voz dos alunos. Esta postura inviabiliza a própria proposta feita inicialmente por ela. O que percebemos é a manutenção do antigo discurso, incorporado, entranhado, que reaparece nas colocações quando há qualquer movimento de desatenção. O Projeto Poesia, um convite à leitura com... Cecília Meireles é extenso, com muitas informações sobre esta poetisa, mas não contém explícito o aporte teórico e a metodologia proposta não está ligada ao objetivo, que é o de “criar oportunidades para que o educando se torne um leitor competente da linguagem poética”. Em seu todo, traz uma proposta de leitura, mas que não contempla os temas abordados nas reuniões com o grupo. Este projeto, possivelmente, já se encontrava pronto e foi adequado ao curso. O fato de os teóricos estudados não estarem contemplados indica a separação entre o que foi escutado e a elaboração do projeto. Esta é uma postura comum nos professores que não permitem que a leitura seja vista como um instrumento de “ação contra-hegemônica”. Dois outros projetos, um simplesmente denominado “de leitura” e outro, Diálogo com a palavra escrita não apresentaram nenhuma relação com a proposta do curso, indicando que as autoras não expressaram na elaboração dos mesmos o aporte teórico estudado. Embora tivéssemos pedido que os projetos fossem individuais, duas alunas o fizeram em dupla: Poesia... um dos caminhos possíveis do ensinar e do aprender. O projeto enfoca, como o título diz, a leitura de poesias. Na metodologia, por exemplo, encontramos: “o objetivo é sugerir que as atividades de leitura propostas aos alunos devam levá-los a observação mais de perto de procedimentos relevantes para o significado geral do texto, não apenas no que diz e sim no modo como diz o que diz...” Essa fala nos informa que as autoras não foram capazes de interiorizar as idéias propostas por Freire, Larrosa e Lajolo. Esse descompasso entre o discurso e a prática é constante nos projetos educacionais, nos quais a teoria encanta, mas a prática nem sempre. Por último, um projeto que atendeu as nossas expectativas: Leitores em formação, no qual a primeira ação proposta é a aquisição de livros (Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato) para os alunos da classe. Esta relação aluno/livro precisa ser recuperada para que os pequenos leitores valorizem este suporte. As relações estabelecidas entre a proposta da autora e os aportes teóricos indicam, para nós, a qualidade da sua escuta: tomou o lugar de ouvinte (porque levou em conta todas as discussões) e tomou o lugar de intérprete (porque foi capaz de criar, na escrita, um novo texto). São exemplos dessa escuta dois trechos que selecionamos de seu projeto. O primeiro diz respeito ao enfoque dado ao ato de ler: Em outros momentos os alunos farão a leitura ou a motivação inicial, oferecendo assim autonomia de escolha aos mesmos, pois os textos desse livro são variados, existem contos, fábulas, mitologia. É preciso somente despertar, mostrar o caminho, segundo Larrosa... o começo da lição é abrir o livro, num abrir que é ao mesmo tempo, um convocar. E o que se pede aos que, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 41 Projetos e práticas de formação de professores no abrir-se o livro, são chamados à leitura não é senão a disposição de entrar no que foi aberto. Os leitores, agora dispostos à leitura, acolhem o livro na medida em que esperam e ficam atentos... (2003, p. 139)” (grifo nosso). O segundo revela uma leitura crítica da forma como a escola trata a leitura: É comum vermos nos planejamentos anuais das escolas de ensino fundamental objetivos destinados à leitura; porém a metodologia para o desenvolvimento desses objetivos quase sempre não passa da leitura de textos de livros didáticos ou até mesmo preparados pelos professores para uma posterior cobrança. Não se valoriza a leitura pelo prazer, pelo simples contato com o livro e as reflexões que se estabelecem a partir da leitura. Partindo dessa concepção de Larrosa, este projeto pretende avançar para além desse paradigma”. Em um momento em que há um interesse, até governamental, voltado para as questões da leitura, este interesse não parece mover tanto as pessoas, pois no início do curso contávamos com vinte professores e até com outras pessoas interessadas em freqüentá-lo. No entanto, ao final do curso, contamos apenas com sete professoras. Das sete, como podemos ver na análise feita, apenas uma conseguiu estabelecer uma co-relação entre a teoria e a prática, entre o que foi lido e as possibilidades de atuação. Esses resultados nos levam a cogitar se as bandeiras desfraldadas em prol da leitura são realmente para torná-la crítica ou apenas uma nova forma de alienação? REFERÊNCIAS BENJAMIN, W. Experiência e pobreza. In: Obras escolhidas – Magia e técnica, arte e política. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 114-119. FREIRE, P. A importância do ato de ler. In: A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 44. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 11-21. LAJOLO, M. Tecendo a leitura. In: Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 2. ed. São Paulo: Ática, 1993, p. 104-109. LARROSA, J. Aprender de ouvido. In: Linguagem e educação depois de Babel (trad. FARINA, C.). Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 33-46. ______. Literatura, experiência e formação. In: COSTA, M. V. (org.) Caminhos investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 133-160. ______. Sobre a lição. In: Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 139-146. ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. São Paulo: Hucitec, 1997. Notas 1 Coordenadora do Projeto e Professora Doutora do Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro. 2 Estagiária do Projeto e aluna do Curso de Pedagogia da UNESP/Rio Claro. 3 Exposto por Jessé C. Reis, aluno do Curso de Pedagogia da UNESP/Rio Claro. 4 Proferida pela Profª Drª Maria Rosa R. M. de Camargo, docente do Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro. 5 Em cartaz, na época, no Espaço Unibanco Arteplex, em São Paulo – SP. 6 Apresentado por Augustinho Ap. Martins, ex-aluno do Curso de Pedagogia e por Daniel M. D. Entorno, aluno do Curso de Ecologia, ambos da UNESP/Rio Claro. 7 Com comentários do Prof. Dr. Jorge L. Mialhe, docente do Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro. 8 Proferida pelo Prof. Antonio C. D. Chagas, Coordenador Pedagógico do Ensino Médio da Escola Puríssimo Coração de Maria, em Rio Claro – SP. 9 Proferida pelo Prof. Dr. Osvaldo Aulino da Silva, na época, Secretário Geral da UNESP. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 42 Projetos e práticas de formação de professores CONTAR HISTÓRIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA APROXIMAÇÃO ENTRE GERAÇÕES KOBAYASHI, Maria do Carmo Monteiro (UNESP-Bauru, USC – Universidade do Sagrado Coração -Bauru) Muitas vezes, ouvimos falar e falamos nas nossas conversas rotineiras sobre as dificuldades enfrentadas no relacionamento entre as gerações. Os conceitos mudaram, os costumes já não são mais os mesmos, tudo está mesmo de pernas para o ar... Nossos avós, pais e nós mesmos sentimos as transformações sofridas no convívio com nossos filhos, sobrinhos, netos e mais ainda aqueles que têm a felicidade de ver seus bisnetos, mas devemos ressaltar que algo continua como há muito: o gosto infantil por ouvir histórias. A criança se desprende da realidade e assume o papel de Emília, chapeuzinho, Rapunzel, Porquinho, Patinho Feio e tantos outros personagens. Ao contarmos uma história, estamos buscando no imaginário da nossa cultura repertório para tanto, ou em outras vezes, estamos conhecendo a cultura de outros povos, pois essas narrativas estão baseadas no discurso que se encontra no imaginário de um povo. Elas podem ser fábulas, contos, lendas que são organizados de acordo com o repertório de mitos que a sociedade produz. Quando são lidas ou contadas por um adulto para uma criança, abre-se uma oportunidade para a construção de sua identidade social e cultural. As crianças gostam muito de ouvir histórias, mesmo porque essa é uma parte importante da infância. Ao brincar ou ao fantasiar, a criança tenta entender o mundo do adulto cheio de regras, que podem, por vezes, serem mudadas, e ela tem dificuldade em entender tais regras as quais têm que se submeter. Assim, a história infantil pode ser comparada ao jogo simbólico “[...] o jogo simbólico pode servir ainda para liquidar os conflitos, mas também para a compensação de necessidades não satisfeitas, para a inversão de papéis (obediência e autoridade), para a liberação e extensão do eu etc.” (PIAGET, INHELDER, 1994, p. 54) Nas histórias da carochinha (contos tradicionais para crianças), tenta-se passar para a criança um pouco das mazelas do mundo adulto, de forma abrandada: o Chapeuzinho Vermelho e o lobo, João e Maria e a bruxa, Jeca Tatu e as suas dificuldades, a Tartaruga e a Lebre... As fábulas, que são narrativas curtas sobre bichos, que transmitem conceitos morais, como no caso da formiga e da cigarra, exprimem uma versão maniqueísta de olhar uma situação, passando uma versão única e de um tempo, que pode não ser mais o nosso. Para Cashdan (2000), os contos de fadas auxiliam as crianças a lidar com seus conflitos psicológicos, ao projetarem nos personagens das histórias seus próprios conflitos. Assim, figuras como a do porquinho preguiçoso, do “João Ratão que cai na panela de feijão” por sua gula, do Pinóquio com sua preguiça e a luxúria da Pequena Sereia apresentam situações pelas quais as crianças podem lidar com os “pecados capitais”,. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 43 Projetos e práticas de formação de professores Hoje, com a correria dos pais, o contato com a família está reduzido por força das suas atividades profissionais e, portanto, de estarem mais livres para atividades de lazer e por que não, de contar histórias. Desse modo, contar histórias deixou de ser um momento entre pais e filhos, ficando restritas às atividades escolares e às vezes em espaços públicos como em livrarias, shopping center ou esporádicas feiras de livros. Os pais não têm mais tempo ou interesse em contar histórias. É mais fácil comprar um brinquedo eletrônico que entreter a criança, deixando pais e avôs mais sossegados. Pude acompanhar a infância dos meus filhos, pois esse foi um tempo que elegi para estar com eles e, mesmo sem saber, pois ainda não havia estudado o desenvolvimento infantil, contava histórias ao pô-los para dormir, pois essa era uma forma de levá-los sem reclamações e para deixá-los um pouco mais tranqüilos. Esses momentos eram apropriados para falar dos mitos, do folclore, dos contos de fadas e do dia que havia findado. Somente pude perceber a riqueza de tais momentos, quando um dia, ao assistirem um episódio de um seriado infantil, vieram me chamar para que visse “Pandora”, a qual, anos mais tarde, pude constatar que muitos dos meus alunos da universidade não conheciam. Deixando de lado as narrativas e as fábulas, as histórias de vida da formação de nossas famílias devem, também, fazer parte da vida dos nossos filhos. O que eles conhecem dos seus antepassados? Como foi a vida daqueles que construíram sua história? Muitas vezes ouvimos que os brasileiros se esquecem facilmente dos fatos. Devo afirmar que somos um jovem país, que está construindo sua história e sua cultura, mas que aceita todos os filhos de outras terras de braços abertos. Por outro lado, aqueles que vieram de terras distantes, como os ancestrais dos meus filhos, muito têm a ensinar para nós, que somos filhos deste jovem país, para que possamos conhecer e valorizar suas tradições. Assim, contar histórias é uma forma de conhecer outras culturas, de saber as suas raízes, de reviver um pouco do passado, de entender e prever o futuro, e quem sabe, essa não seja uma maneira de minimizarmos as dificuldades, os conflitos das gerações, pois assim nossas crianças aprendem um pouco e o porquê de seus pais e avôs acharem que tudo está tão diferente. Falamos que tudo está de pernas para o ar... mas nos esquecemos, muitas vezes, de contar como era antes e como tudo se foi transformando.. PARA QUE CONTAR HISTÓRIAS? Se contar histórias é algo espontâneo e que as pessoas precisam somente ter algo de interessante a contar ou a ler, por que são necessários estudos e oficinas para se aprender contar a histórias? A razão para isso é que contar histórias também pode ser uma arte, que possui seus segredos e técnicas, quando conhecemos (narrador), o que contar (história escolhida), como contar (técnicas e os recursos) e, principalmente, quais as características de quem vai ouvir (ouvinte). Estaremos mais seguros e poderemos usar essas ações de maneira mais adequada para o crescimento dos ouvintes. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 44 Projetos e práticas de formação de professores Sendo uma arte que lida com matéria prima especialíssima, a palavra, prerrogativa das criaturas humanas, depende, naturalmente de certa tendência inata, mas pode ser desenvolvida e cultivada, desde que se goste de crianças e se conheça a importância da história para elas. (COELHO, 2002, p. 9) A escolha da história a ser contada é a chave mágica e será decisiva para o agrado dos ouvintes, por isso devemos considerar suas características, pois há publicações direcionadas sobre assuntos diversos e como a história é algo que mexe com o imaginário infantil, quando chegado o momento de contar a história, nossa preocupação principal estará voltada ao que lhe interessa, ao que ela possa entender, ao tempo que ela consegue estar atenta ao narrador, ao seu repertório lingüístico e outras características que o contador vai poder levantar em ação. Segundo Aguiar (2001), para que possamos conhecer o leitor que temos à nossa frente, podemos propor a eles um desenho a partir do tema: Eu sou assim ... Nos desenhos, podemos conhecer as características dos nossos alunos, pois teremos um quadro revelador, em que eles mostram como percebem o mundo e como nele se inserem. Para Coelho (2002), o enredo da história infantil tem três momentos cruciais: a introdução, clímax e o desfecho. A introdução é parte fundamental para a compreensão da história, pois é o momento em que se apresentam as características dos personagens e se estabelece um primeiro contato entre o narrador, a história e os ouvintes, quando e onde ocorre o fato narrado. À apresentação da história – introdução que possibilitou aos ouvintes entendê-la sucede-se o clímax, ou seja, o ponto crucial, fruto do encaminhamento anterior das mazelas da vida dos personagens, e que poderá ter vários momentos culminantes, como no caso dos três porquinhos e as investidas do lobo, despertando o ouvinte para os embates entre os perigos vividos e as estratégias do lobo. Após os perigos vividos e superados pelos personagens, os ouvintes esperam pelo desfecho da história, no qual se restabelece a vida dos personagens que podem ser, diferentes de nós, felizes para sempre... No que se refere aos recursos que podemos utilizar para contar histórias, muitos deles são dos dotes do narrador. Outros são livros com figuras maravilhosas, os fantoches, dedoches, os cd’s, dvd’s e tantos outros que vão depender da imaginação de quem conta. Ao narrador é importante: conhecer bem a história, planejá-la antes de contá-la, evitar ênfase em detalhes simples, contar com naturalidade, mostrar entusiasmo ao contá-la, evitar o uso de muitos “e” “ou” “então”, encarar seus ouvintes, olhando-os e procurando sua receptividade. Outros itens que podem aumentar essas sugestões virão das experiências nos contadores no decorrer das suas vivências. Não podemos esquecer que aos detalhes anteriores, somam-se o local e a situação mais adequada ao contar uma história. Ponto a ser sublinhado é o preparo a ser feito quando as crianças são muito novas – sanar a curiosidade delas. Se vou falar dos três porquinhos, contar como são esses animais. Caso sejam conhecidos, perguntar quem já os viu, o que sabem... VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 45 Projetos e práticas de formação de professores Esse cuidado evita que a toda hora sejamos interrompidos pelas crianças que contam que viram no sítio do tio... . Faria (2004, p. 35) aponta que: [...] um bom criador (ou contador) de histórias sabe estabelecer com competências os cortes da narrativa, ou seja, deixar bem claro, no desenrolar da história, o início o fim das seqüências e suas cenas. Esses cortes têm função importante para compreensão dos fatos narrados. Contar história pode ser muito mais envolvente ao se colocar uma toalha no chão sob uma árvore, ou um fundo musical, ou ainda usar o perfume que anuncia a chegada de uma linda menina, coisas que aguçam os sentidos e mexem com as emoções de adultos e crianças. A escolha da história, os recursos necessários, as técnicas empregadas não teriam razão senão em função de quem vai ouvir as histórias. Conhecer as suas características é condição para o sucesso do “contar histórias”, para tanto, devemos recorrer à psicologia e aos trabalhos de Piaget, que mostram as fases do desenvolvimento infantil e as características da criança em cada fase. Além de contar histórias como uma forma de conhecer o passado, aproximar gerações e recreação, é contando histórias que podemos enriquecer as experiências infantis, propiciando situações nas quais as crianças falem sobre seus desejos, medos e fantasias e principalmente desenvolver diversas formas de linguagem, ampliando o vocabulário, desenvolvendo a confiança na força do bem, proporcionando a ela viver o imaginário. O PROJETO FORMANDO CONTADORES DE HISTÓRIA UNINDO GERAÇÕES O projeto teve início no primeiro semestre de 2004, pela solicitação da diretora da Escola Municipal de Educação Infantil, que participa do GEIEI – Grupo de Estudos da Infância e Educação Infantil, o qual coordenamos. A partir dessa solicitação, passamos a levantar junto aos professores a viabilidade e interesse em um projeto que estivesse ligado a contar histórias e literatura infantil. A receptividade foi grande quando sugerimos a possível participação das famílias no projeto para o resgate da cultura local e da aproximação entre avós e netos. As características da EMEI “Stélio Machado Loureiro”, na cidade de Bauru – SP são: atende a crianças de 3 a 6 anos, totalizando 14 professores, 320 alunos distribuídos em 11 turmas, nos períodos manhã e tarde. totalizando 320 alunos, em 11 turmas, nos períodos manhã e tarde. Os alunos são advindos de diversos bairros da cidade, pois a escola está localizada no centro comercial, e assim muitos deles permanecem na escola durante o horário em que os pais se encontram no trabalho. A escola, uma das primeiras EMEI s da cidade, conta com pais e avós que participam ativamente, pois muitos dos alunos são filhos e netos de ex-alunos, o que facilitou a implantação do projeto. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 46 Projetos e práticas de formação de professores A partir do encontro inicial, levantamos junto aos professores os conteúdos a serem estudados para a viabilidade do projeto pelo grupo: · · As características dos alunos de educação infantil; Literatura infantil: origens; · · Classificação da literatura infantil: faixa etária, espécies e gêneros literários; Estudo das diversas modalidades dos textos infantis; · · A importância do maravilhoso na literatura infantil; Autores nacionais da literatura infantil; · · Monteiro Lobato e as suas contribuições para a literatura infantil brasileira; Elaboração de projetos para o trabalho com a literatura infantil; · A literatura infantil hoje. Os conteúdos pedidos podem ser expressos em um objetivo: · Estudar os conteúdos necessários para o trabalho da literatura infantil com crianças de 3 a 6 anos. Contar história, à primeira vista, pode parecer uma atividade na qual o contador precisa somente saber o teor do que se vai contar, mas como expusemos anteriormente, essa simplificação é errônea. Com tal preocupação, numa primeira (1o e 2o semestres de 2004) etapa, em que realizamos um estudo com os professores sobre o que seria necessário para um grupo formado de professores e pessoas da comunidade em geral que quisessem contar histórias, apontaram: · Identificar os tipos de história: contos de fadas, fábulas, gibis, livros infantis, etc; · · Identificar as características necessárias ao contador de história; Selecionar adequadamente os recursos para os diferentes tipos de história; · Descrever técnicas de expressão corporal e vocal, relação com o espaço, expressão do olhar, vocabulário etc; · Conhecer as características cognitivas e afetivas das crianças, segundo as teorias piagetiana e psicanalítica dos ouvintes. O contato com os professores era uma oportunidade sem precedentes para investigar junto ao público participante, se gostavam de história na infância, quem lhes contava, qual eram as histórias, como contava (recursos e técnicas), com que freqüência e sua preferência atual de leitura. Assim, os professores passaram a relatar as suas preferências e quais as alterações começaram a ocorrer após os estudos que eles realizavam sob nossa orientação, ao que passamos a pedir que eles relatassem por escrito as contribuições que os estudos traziam à sua prática cotidiana, o que os fez refletir sobre o seu trabalho, bem como nas formas de aprimorá-lo, que se encontra em fase de categorização. O trabalho dos professores com as “histórias” apontou que a “biblioteca escolar”, nos moldes em que estavam, não atendiam mais aos interesses de alunos e professores.Assim, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 47 Projetos e práticas de formação de professores pedimos a colaboração de uma bibliotecária que está montando as orientações para a organização da biblioteca pelos professores, momento crucial do desenvolvimento do projeto, pois serão eles que irão organizá-la, bem como mantê-la, o que aponta o quanto os professores já avançaram em relação ao período anterior dos seus estudos. Nesse momento (2o semestre de 2005), estamos iniciamos o trabalho junto às famílias (pais e avós). Para tanto foi enviado um questionário, que tem por objetivo esclarecer sobre o projeto “Contar histórias e aproximar gerações” e obter algumas informações sobre: · Se ouviu histórias quando criança; · · Se gostava de ouvir histórias; Quais eram as de sua preferência; · · Quem as contava; Se conta histórias para os parentes mais jovens; · E se gostaria de participar do projeto. A partir desses dados, vamos conhecer as experiências e preferências das famílias no que se refere às histórias infantis, o que nos permitirá resgatar características de gerações, bem como que parentes (pais e avós) gostariam de transmitir suas histórias, sua visão sobre o mundo e a vida a partir delas. Fato merecedor de nossa atenção é que a maior parte das crianças brasileiras tem na escola o contato inicial com os livros, sendo a literatura infantil o convite para o gosto da leitura. Para muitas crianças, essa a oportunidade é única. Assim, promover ações para que o professor usufrua o encanto mágico das histórias e contos é fundamental, mas para tanto é preciso que ele goste de ler, conheça a importância da leitura, saiba como trabalhar, e não fazer como temos visto – a literatura infanto-juvenil tem se tornado um recurso artificial e desprazeroso de leitura, que se torna uma “obrigação”. Com o projeto que apresentamos, possibilitamos: o estudo dos professores sobre o valor da literatura infantil e de se conhecer a criança, bem como a aproximação a partir das histórias das gerações, sensibilizando a criança para a valorização das diferentes fases do desenvolvimento da vida, para as diferenças culturais, sociais e étnicas. REFERÊNCIAS AGUIAR, V. T. Era uma vez... na escola. Formando educadores para forma leitores. Belo Horizonte: Formato, 2001. BETTHELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra, 1998. CASHDDAN, S. Os sete pecados capitais nos contos de fadas. Como os contos de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus, 2000. COELHO, B. Contar histórias - uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 2002. COELHO, N, N. Literatura infantil. Teoria, análise e didática. SP: Moderna, 2000. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 48 Projetos e práticas de formação de professores FARIA, M. A. Como usar a literatura infantil na sala de aula. SP: Contexto, 2004. PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de janeiro, 1975. PIAGET, J. INHELDER, B. A psicologia da criança. São Paulo: Bertrand Brasil, 1994. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 49 Projetos e práticas de formação de professores “DANÇANDO NA ESCOLA”: UM PROJETO DESENVOLVIDO PELO NÚCLEO DE ENSINO DO INSTITUTO DE ARTES DA UNESP GODOY, Kathya Maria Ayres de (Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, Departamento de Artes Cênicas, Educação e Fundamentos da Comunicação) APRESENTAÇÃO Apresentar o Projeto “Dançando na Escola” (2004) significa em primeiro lugar resgatar a história do projeto piloto “Desenvolvendo a Dança no Magistério” (2003), pois foi por meio da implantação do piloto que conseguimos a estruturação deste último. Ambos foram desenvolvidos pelo Núcleo de Ensino do Instituto de Artes da Unesp em parceria com a Escola Estadual Alexandre de Gusmão. O projeto piloto “Desenvolvendo a Dança no Magistério” foi gestado a partir da constatação de que a linguagem da dança faz parte do cotidiano das pessoas como uma manifestação sociocultural, mas não é trabalhada no universo escolar como uma possibilidade de reflexão sobre aspectos relacionados ao corpo e ao movimento expressivo. Por outro lado oportunizar a descoberta da motricidade e de novas aprendizagens de maneira criativa poderia instrumentalizar futuros educadores da rede pública. Por isso o projeto piloto preocupou-se em desenvolver um curso específico para os alunos do magistério. Portanto para que o projeto piloto fosse implantado foi estabelecida uma parceria entre o Instituto de Artes da Unesp e a Escola Estadual Alexandre de Gusmão. Essa escola localiza-se em uma região carente da cidade de São Paulo, a caminho da favela Heliópolis, caracterizando-se como uma escola de passagem que atende moradores estudantes dessa região. Para que o projeto piloto fosse implantado, inicialmente pesquisamos a região, conversamos com os alunos da escola e com o corpo escolar a fim de que essa parceria acontecesse de fato. Posteriormente conversamos com a professora responsável pela disciplina de Prática de Ensino do Instituto de Artes para que pudéssemos aliar o projeto a essa disciplina, possibilitando aos alunos do Instituto de Artes o cumprimento do estágio obrigatório. Assim implantamos o projeto piloto em 2003, com a participação de várias pessoas: a coordenadora do projeto, a professora de Prática de Ensino, duas alunas do curso de licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas do Instituto de Artes, doze alunas do curso de magistério da Escola Estadual Alexandre de Gusmão, vinte professores da escola, direção e vice-direção que mostraram um imenso compromisso com essa parceria. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 50 Projetos e práticas de formação de professores Os resultados foram positivos, pois as alunas estagiárias relataram que houve um desenvolvimento pessoal e profissional, que revelou que o projeto aliado à prática de ensino pode ser uma alternativa interessante de cumprimento de estágio. As alunas do magistério em seus depoimentos relataram que o curso forneceu a elas o instrumental necessário para o trabalho na escola. O corpo escolar se integrou ao projeto e trouxe a comunidade para participar dos eventos que foram feitos na escola como as apresentações das alunas do magistério e dos grupos convidados. O PROJETO “DANÇANDO NA ESCOLA” A partir dessa primeira experiência e após a avaliação feita entre os participantes do projeto piloto “Desenvolvendo a Dança no Magistério”, resolvemos ampliar o projeto incorporando algumas sugestões e assim iniciamos o projeto “Dançando na Escola”. Fez parte desta ampliação o realinhamento dos objetivos do projeto. Dessa maneira, o objetivo principal: levar a cultura da dança para a escola se desdobrou na reflexão sobre essa manifestação sociocultural, na possibilidade de aquisição de repertório motriz, no exercício e na descoberta do potencial criativo por meio de novas aprendizagens e na apreciação estética dessa linguagem artística. Para que esses objetivos fossem contemplados também foi preciso selecionar um número maior de alunos estagiários. Portanto participaram desse projeto quatro alunas estagiárias do curso de licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Artes Cênicas do Instituto de Artes da Unesp. A parceria entre as instituições públicas se manteve, mas por sugestão da direção e vice-direção da escola, definimos quatro ações distintas e integradas que foram desenvolvidas no decorrer do ano de 2004. Procuramos oferecer essas ações a todos os alunos do Ensino Médio, não somente aos alunos do magistério, aos professores, coordenadores, direção, à comunidade, para que todos pudessem participar em diferentes esferas de atuação. Dessa forma trabalhamos com trinta professores, dois coordenadores, o vice-diretor, o diretor, vinte e cinco alunos participantes das oficinas e cerca de quatrocentos presentes na apresentação e o registro de quarenta e cinco pessoas da comunidade que viram a exposição. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS As ações Definimos como ações artístico-pedagógicas um processo de capacitação docente para os professores da escola; o oferecimento de duas oficinas de dança para os alunos da escola, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 51 Projetos e práticas de formação de professores uma exposição de fotos sobre dança aberta à comunidade e a apresentação de um espetáculo de dança na quadra da escola para todo corpo escolar. A capacitação dos professores ocorreu no horário das reuniões de HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) da escola. Nesses momentos a coordenadora do projeto dirigiu as reuniões junto com as alunas estagiárias apresentando textos e propondo dinâmicas a fim de proporcionar discussões sobre a importância da introdução da linguagem da dança no espaço escolar. Dessa forma foi possível estabelecer uma articulação entre a proposta do projeto e o corpo escolar, o que facilitou o trânsito das alunas estagiárias na escola e o acontecimento das outras ações. Como segunda ação oferecemos duas oficinas de dança. A primeira foi uma oficina de dança-teatro: “Você tem fome do que?” que ocorreu no início do ano. Essa oficina foi idealizada pelas quatro alunas estagiárias e objetivou apresentar aos alunos da escola a dança como uma linguagem expressiva e comunicativa, por isso a junção da dança ao teatro e a provocação “Você tem fome do que?”. A outra oficina “Dance senão estamos perdidos” ocorreu no segundo semestre e procuramos trabalhar com aquisição de repertório motriz por meio de improvisações criativas e exercícios sistematizados. Como ambas foram oferecidas a todos alunos do Ensino Médio, o desafio esteve presente na preparação dessas oficinas levando em consideração não só os objetivos definidos para a aprendizagem, mas também a motivação e o interesse dos adolescentes. A apreciação estética foi o foco das duas ações que se seguiram. A exposição de fotos de dança foi aberta à comunidade. Essas fotos foram selecionadas pelos alunos da escola e pelas alunas estagiárias. Adicionamos depoimentos, poesias e imagens de manifestações da cultura popular brasileira à exposição que foi montada no saguão principal da escola, por onde todos passam diariamente. Deixamos também um livro de registros para que as pessoas pudessem escrever sobre o que estavam visualizando. A exposição se manteve por três semanas e os depoimentos registrados revelaram diferentes olhares sobre a dança. Isso foi discutido posteriormente com os alunos da escola e com as pessoas da comunidade. A quarta ação envolveu toda a escola no período matutino. Cerca de quatrocentas pessoas assistiram a apresentação de dança “Das flores, não mais falam os jardineiros” exibida pelo do Núcleo de Pesquisa do Centro de Dança de Santo André. A apresentação ocorreu na quadra da escola e apesar da quantidade de alunos presentes nas arquibancadas, o silêncio foi geral. Todos estiveram atentos em uma manifestação de respeito e apreciação à obra artística. CONCLUSÃO Vivemos em uma sociedade que contribui para a formação de pessoas fragmentadas, as quais se especializam em determinadas atividades, em um tipo de raciocínio, hipertrofiam algumas funções cerebrais e partes do corpo em detrimento de outras. Pessoas condicionadas pelo bombardeio diário de informações provenientes dos meios de comunicação e da cultura de massa, as quais impõem modelos prontos e influenciam diretamente na capacidade de percepção e atuação na sociedade (Godoy, 2004). VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 52 Projetos e práticas de formação de professores Neste sentido, a prática da dança é uma forma de resgatar e ampliar a percepção das pessoas, a partir da ampliação da consciência corporal, buscando favorecer a integração do corpo, mente e emoções por meio do contato com essa manifestação artística. Por isso, achamos de capital importância que a linguagem da dança entre nas escolas públicas. O que nos parece a melhor alternativa para democratizar uma linguagem tão elitizada dentro da realidade sócioeconômica brasileira. Com o intuito de ampliar o repertório cultural e potencialidades criativas e expressivas dos participantes, o projeto esforçou-se não só por favorecer a prática da dança, mas também, por promover debates, com todos que pertencem à escola, nos âmbitos da arte, estética, cultura, filosofia, realidades históricas e sociais dos participantes por meio da apreciação estética das manifestações artísticas presentes na sociedade. Nessa medida, procuramos o envolvimento da comunidade nas atividades propostas pelo projeto que também se manifestou por meio dos registros deixados na exposição de fotos e pelas conversas dentro e na porta da escola. Mas o que nos pareceu relevante foi o amadurecimento profissional das alunas estagiárias, pois relataram ao passar pelas quatro ações propostas pelo projeto que este proporcionou um olhar diferenciado para a realidade da escola pública e da docência. Elas disseram que não imaginavam como seria a resposta do corpo docente da escola em relação à capacitação e que tinham uma idéia pré-concebida de que esses professores talvez não se interessassem por projetos artísticos: “ainda bem que nos enganamos”. Um outro aspecto foi o fato de ter que elaborar e ministrar aulas para alunos do Ensino Médio: “puxa, eles são exigentes, temos que alterar a estratégia a todo o momento, pois a concentração é pequena”; “eles perguntam sobre o objetivo de cada atividade, temos que ter uma super clareza do que vamos propor”; “dependendo do que falamos ou propomos, eles travam”. Outro aprendizado para as estagiárias se deu em função da percepção das implicações de se trabalhar em grupo e estabelecer relações interpessoais que são importantes no exercício da docência: “precisamos tomar cuidado na condução das aulas, acho que por estarmos em quatro é necessário que a gente estabeleça quem conduz a aula e em que momento isso deve acontecer”. Talvez o que tenha sido mais significativo para todos os envolvidos com o projeto foi a manifestação dos alunos no dia da apresentação do grupo convidado. Eram mais de quatrocentas pessoas em absoluto silêncio, dentre as quais algumas estavam visivelmente emocionadas. O depoimento do diretor do grupo, professor Ferron traduz o que aconteceu: “eu percebi enquanto estava dançando o olhar desses meninos, eles me pegaram, foi sutil, o ar se tornou denso e ao mesmo tempo leve”; “eu vi, eu senti que eles compreenderam a proposta do trabalho, temos que ocupar esse espaço porque ele existe...” BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Laurinda Ramalho de & PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza (orgs.). As relações interpessoais na formação de professores. São Paulo. Edições Loyola, 2002. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 53 Projetos e práticas de formação de professores BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo. Cortez Editora, 2002. BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Arte. Brasília: MEC/SEF, 2000. DE CAMILLIS, Maria de Lourdes. Criação e docência em arte. São Paulo. PUC-SP. Tese de doutorado, 1997. FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo e FUSARI, Maria F. de Rezende e. Metodologia do ensino de arte. São Paulo. Cortez Editora, 1993. GODOY, Kathya Maria Ayres. “Dançando na Escola”: o movimento da formação do professor de arte. São Paulo. PUC-SP. Tese de Doutorado, 2003. HERNANDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre. Artes Médicas, 2000. MARQUES, Isabel A. Ensino de dança hoje, textos e contextos. São Paulo. Cortez, 1999. MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Revelações pedagógicas: ensaios, projetos e situações didáticas. São Paulo. Espaço Pedagógico, 2000. MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias, PICOSQUE, Gisa e GUERRA, Maria Terezinha Telles. 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No exercício das respectivas funções da docência no ensino superior e da assistência na Coordenação do curso de Pedagogia da UNIb, foi possível a experiência no campo da formação de professores, observando-se o ingresso no ensino superior, a formação inicial do pedagogo e a instrumentalização do mesmo, pautada nas vivências de prática pedagógica e estágio supervisionado. Para tanto, essa experiência foi implementada a partir do redimensionamento curricular pelo o qual o curso de Pedagogia da UNIb atravessou no decorrer dos últimos dois anos. A preocupação com o redimensionamento, a organização e a implementação do currículo passou por fortes mudanças desde o ano de 2003, a partir da Resolução n° 2/2002 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação Básica. Com base nas orientações previstas nessa Resolução foi possível estruturar um currículo que apresentasse a possibilidade de proporcionar uma formação do educador voltada para os elementos constitutivos da aprendizagem escolar propriamente dita, bem como, voltada para elementos constitutivos do papel do professor na instituição escolar enquanto agente propulsor de mudanças e transformações sociais. A intencionalidade do currículo foi evidenciada em situações de estudo, observação e atuação do aluno do curso de Pedagogia durante as propostas de projetos e realizações das quatrocentas horas destinadas a Prática Pedagógica e ao Estágio Supervisionado. Na verdade, a linha mestra que alinhavou esse trabalho fundamentou-se na interlocução entre a docência e o estágio, promovendo uma experiência com inferências qualitativas na formação dos futuros educadores. O grande desafio foi verificar a existência de um diálogo possível entre docência, estágio e prática pedagógica em três eixos temáticos de pesquisa, com o objetivo de formar o professor pesquisador. Ou seja, o propósito final da observação do trabalho foi verificar se no decorrer do percurso realizado pelo aluno do curso de Pedagogia durante a sua formação inicial, o mesmo encontraria condições de potencializar sua prática profissional, o entendimento dos elementos constituintes da profissão professor e das implicações sociais, culturais e políticas em VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 55 Projetos e práticas de formação de professores que estaria envolvido. O CURSO DE PEDAGOGIA O curso de Pedagogia da Universidade Ibirapuera foi o primeiro curso a ser oferecido nessa Instituição. Historicamente, configurou-se como características de atendimento as necessidades de administração escolar. Paulatinamente, foi ganhando novas características, atreladas ao exercício da docência e gestão. Hoje, o foco central está voltado, principalmente, para a formação de professores e posterior formação para as gestões educacionais. O curso tem como missão formar profissionais em Pedagogia capacitados para atuar nas atividades de ensino formal e não formal, relacionadas as áreas de docência, técnicoadministrativa-pedagógica e de pesquisa, caracterizando–se como estudiosos da educação que investem na formação continuada como condição para se instrumentalizarem para agir num mundo em mudanças. A meta do referido curso releva-se a capacitar os profissionais específicos para serem capazes de entender como o objeto de estudo da área, as implicações e as relações da tarefa educativa, inseridas numa formação voltada para a autonomia, a participação e a consciência crítica O Curso é estruturado com a firme intenção de contribuir, meritoriamente, para a formação acadêmica e a potencialização de instrumentos, habilidades e competências que possibilitem o exercício dos novos profissionais. Ressalta-se que o foco do Curso de Pedagogia é propiciar a formação de profissionais competentes para atuarem com o ato educativo nas instâncias do ensino formal, como atividades docentes, administrativas pedagógicas e pesquisa em educação, bem como nas instâncias do ensino não formal, e atividades de consultoria, orientação, pesquisa, recursos humanos e outras que não as especificamente escolares. O DIÁLOGO ENTRE A DOCÊNCIA, A PRÁTICA E O ESTÁGIO As relações entre pesquisa e ensino tem sido muito discutidas nos últimos anos, principalmente, pela consolidação dos cursos de pós-graduação das Universidades. Esta preocupação também tem se estendido aos cursos de graduação, pois ao se propor a formação docente na perspectiva do “professor pesquisador” esta relação não pode ser esquecida. Mesmo tendo controvérsias quanto a necessidade ou não de se formar o professor como um investigador como traz Santos (2001) em que mostra que há grupos que afirmam que a trajetória profissional de ambos (professor/pesquisador) são distintas, o curso de Pedagogia da Universidade Ibirapuera tem investido nestes últimos anos na formação do docente com tal competência. Não vamos aqui discutir o papel do professor como um profissional da pesquisa enquanto construtor de conhecimentos, mas procurar articular o que André (2001, p.59) explica: “É extremamente importante que ele (professor) aprenda a observar, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 56 Projetos e práticas de formação de professores a formular questões e hipóteses e a selecionar instrumentos e dados que o ajudem a elucidar seus problemas e a encontrar caminhos alternativos na sua prática docente.” O curso tem por objetivo formar o futuro professor/pedagogo com competência para proposição de ações transformadoras no meio em que está inserido a partir da análise de seu campo de atuação e das necessidades nele encontradas. Para isto o curso está organizado em três bases de formação teórico-prático: a formação do educador social; do professor/pedagogo; e do gestor educacional. O currículo do curso de formação inicial do professor foi estruturado pensando-se na possibilidade de otimização do mesmo para o pleno exercício profissional. Ou seja, não adianta se falar em mudanças organizacionais no ensino das instituições escolares da Educação Básica sem se pensar em mudanças organizacionais nos cursos de ensino superior. Segundo Barroso (2003, p.140) ...”Não há ‘mudança curricular’ no ensino básico e secundário se não houver mudança curricular na formação de professores, no ensino superior. A formação de professores tem de ser isomórfica das mudanças que os professores devem introduzir nas suas práticas profissionais, na gestão do currículo, nos métodos pedagógicos e na relação com os alunos”. Há a necessidade de se rever a formação de professores pensando na proposição de situações de estudo, pesquisa e atuação que favoreçam ao futuro professor/pedagogo a intervenção nos processos de ensino aprendizagem, nas situações de gestões e nos momentos de interlocução com a comunidade escolar enquanto agente social, cultural e político de mudanças e transformações. Ainda para Barroso (2003, p.140) ...”A solução está em adotar práticas de formação inicial de professores que sejam em si mesmas a expressão de modos de organização pedagógica que se espera que os futuros professores venham a aplicar com os alunos na sala de aula”. Assim sendo, ao longo do curso tem-se oferecido aos alunos oportunidades de articulação teórico-prática a partir da disciplina Prática Pedagógica e Estágio (PPE/ESU) e a interdisciplinaridade entre as demais disciplinas. Especificamente esta disciplina – PPE/ESU também tem atendido as exigência da Resolução nº 2/2002 que institui as Diretrizes Curriculares para a formação de professores da educação básica que diz em seu artigo 1º inciso I e II que é necessário oferecer 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciada ao longo do curso e 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade do curso. A organização curricular tem oferecido não só a articulação teoria e prática entre as diversas disciplinas, mas tem extrapolado o espaço físico universitário como possibilidade de aprendizado, pois o futuro professor/pedagogo tem a oportunidade de realizar seus estudos e desenvolver ações práticas a partir do 3º semestre do curso por meio de estudos, pesquisa de VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 57 Projetos e práticas de formação de professores campo e prática, possibilitando um diálogo entre estas três vertentes. A disciplina PPE/ESU, a cada semestre, proporciona aos alunos um eixo temático de investigação e prática. No PPE/ESU I o objetivo é conhecer e compreender as diferentes instituições de educação formal e não formal e suas interfaces, possibilitando ao futuro professor/ pedagogo o desenvolvimento de um plano de ação junto a estas instituições frente aos desafios educacionais encontrados. Os estudos sobre estes desafios, nos últimos semestres, se centraram nos temas: educação sexual, rotulação de “alunos problemas”, a indisciplina e a violência na sala de aula, a relação família e escola entre outros. No PPE/ESU II, o objetivo é compreender o cotidiano da escola formal e suas ações em seu entorno, possibilitando aos universitários práticas relacionadas à inter-relação família e escola, além de compreender os aspectos éticos e estéticos da educação. No PPE/ESU III e IV, proporciona ao futuro professor/pedagogo a articulação teóricoprática com as disciplinas metodológicas, oportunizando momentos de atuação prática em sala de aula, atuando nas diversas áreas do conhecimento. Nesta perspectiva o estágio não é apenas uma exigência para a formação profissional e nem mais um componente ou “apêndice” curricular. O estágio faz parte do corpus do curso e envolve estudos, análise, problematização, reflexão e proposição de solução à situações de ensino e aprendizagem. Com este caráter formador, o estágio e a prática pedagógica inter-relacionam-se com as demais disciplinas, fazendo com que os futuros professores/pedagogos ampliem seu universo de conhecimentos através das práticas sociais e coletivas, possibilitando-o a desenvolver as competências e habilidades de: capacidade de formular e encaminhar soluções de problemas educacionais, tendo como parâmetro a Educação como direito universal do homem; capacidade de estabelecer diálogo entre a área educacional e as demais áreas do conhecimento; capacidade para identificar, selecionar e desenvolver metodologias adequadas ao atendimento das necessidades dos educandos; entre outras competências e habilidades que são essenciais segundo Perrenoud (2001). A atuação do professor orientador da PPE/ESU se dá por meio de encontros na Universidade, com o grupo de alunos, que orienta os estudos e discussões teóricas (seminários temáticos) e na supervisão da elaboração dos projetos de prática e estágios desenvolvidos pelos alunos. A supervisão se dá desde a concepção do projeto até a realização do mesmo, pois o professor orientador acompanha as atividades práticas dos alunos/grupo nas escolas parceiras. Estas escolas, em sua maioria, estão entorno da universidade o que facilita a supervisão, além de garantir a atuação da universidade em sua comunidade. Mas sabendo-se dos limites de atuação do professor orientador da PPE/ESU, as reflexões críticas no desenvolvimento da disciplina tem se centrado nos elementos: a) Qual a concepção de homem se pretende contribuir para formar? b) Qual a concepção epistemológica de conhecimento e de saber escolar estamos assumindo ao desenvolvermos nossa prática? c) Que postura política estamos exercendo e assumindo ao realizarmos nossa prática educacional? Por conseqüência, tais questionamentos, remete aos futuros professores/pedagogos VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 58 Projetos e práticas de formação de professores a análise crítica sobre sua ação “in lócus” educacional. Colocar em prática a idéia do professor pesquisador e reflexivo tem sido um grande desafio. Em primeiro momento, porque confronta-se com a concepção pré-concebida do aluno que o professor universitário lhe dará as respostas prontas e acabadas, que basta ler, decorar e registrar aquilo que está nos livros acadêmicos. No segundo momento, porque o aluno não se vê, em primeira instância, como ser autônomo e capaz de investigar, refletir e atuar. E terceiro, porque exige do professor orientador uma prática flexível, acolhedora, mas problematizadora. Este último desafio exige que o professor compreenda que o “o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para eles intervir, transformando-os”(Pimenta, 2004, p. 49). No decorrer do semestre o professor orientador discute com os alunos as práticas desenvolvidas, os desafios encontrados e as conquistas, além de assuntos pertinentes ao eixo investigativo para cada semestre. Ao longo da disciplina, os alunos devem ir a campo para desenvolverem seu projeto de pesquisa e prática, retornando constantemente à Universidade. A socialização do trabalho de pesquisa e prática tornar-se essencial na formação do professor/ pedagogo, pois é na troca de vivências e de conhecimentos entre os envolvidos na PPE/ESU que a aprendizagem se consolida. As discussões são norteadas pelos estudos teóricos desenvolvidos também em sala de aula, com leitura de textos já solicitadas pelo professor. No último estágio do PPE/ESU, é garantido ao futuro professor/pedagogo a construção de sua autobiografia (Nóvoa, 1988) como instrumento auto-formador. A autobiografia também “exerce uma função retroactiva – ela ordena o passado. Por outro lado, aquele texto, de índole primeiramente íntima, na sua vigilância a curto prazo, permite uma influência prospectiva, no sentido de resolução, de decisão, para enfrentar o acontecimento em função de impulsos do passado recente.” (Ramos e Gonçalves, 1996, p.129) Neste contexto, na elaboração da autobiografia, o futuro professor/pedagogo traz duas características fundamentais: a retrospectiva e a prospectiva. É possibilitado a ele compreender o seu percurso formativo e tomar decisões baseadas em fundamentações teóricas de maneira a compreender o cotidiano escolar e romper com algumas práticas consolidadas. Por isso as idéias de Nóvoa (1988), Alarcão (1996), Josso (1988), Tardif (1991) e Ramos e Gonçalves(1996) orientam este trabalho. “Temos vindo a abordar mais ou menos explicitamente, aspectos sem os quais o conceito/realidade de professor reflexivo não poderia existir. Assim, ao triplo estatuto de professor/narrador/ personagem empenhada subjazem conceitos como Aprender e Ensinar, Contar, Refletir, Agir, Criar, Existir (numa dialética sócioindividual). Consciencializar, julgar, transformar, enfim, toda uma VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 59 Projetos e práticas de formação de professores imensidão de conceitos que fazem do professor actual um ser cada vez mais ávido de, em primeira instância, se autoconhecer para se auto-desenvolver.” (Ramos e Gonçalves, 1996, p.130) O conteúdo do texto da história de vida dos alunos é pessoal e muitas vezes, esbarra-se na seleção de lembranças que muitas vezes não querem que sejam trazidas a tona. Os sentimentos e lembranças desagradáveis muitas vezes são esquecidos, mas não inteiramente, principalmente os de infância, sendo assim devem ser respeitados e aceitos pelo professor orientador. A produção da história de vida pelos futuros professores/pedagogos segue as orientação de Josso (1988) que sugere o desenvolvimento da “atenção interior” para a leitura do próprio itinerário formativo, procurando responder as questões fundamentais: “Como me tornei no que sou?” e “Como tenho as idéias que tenho?”, para então, a partir de tais questionamentos organizar sua produção reflexiva. Durante esta produção o professor orientador pode intervir solicitando maior aprofundamento sobre determinadas passagens do percurso formativo, permitindo que o autor reflita ainda mais sobre os intervenientes participantes deste processo e suas influências; as práticas pedagógicas vividas enquanto aluno; os meios sociais e culturais e outros fatos significativos. Com a construção deste tipo texto, vários futuros professores/pedagogos questionaram qual seria o percurso formativo de alguns professores formados que já estão atuando nas redes públicas ou particulares, principalmente quando não conseguem romper com os moldes arraigados de professor autoritário e bancário (Freire, 1997). Eles passam a compreender que muito dos moldes educativos são construídos pelo professor enquanto aluno, e que a ruptura com tais modelos nem sempre é fácil, pois significa muitas vezes “abrir mão” de conhecimentos que até então eram considerados absolutos e inquestionáveis. Durante a realização da PPE/ESU, nestes dois últimos anos, pudemos constatar que os futuros professores/pedagogos tem conseguido compreender e realizar atividades práticas com maior inter-relação teórico-prática, o que facilita aos futuros professores perspectivas de análise para compreender os contextos histórico-sociais, culturais, organizacionais e de si mesmo como agentes atuantes e transformadores, não esquecendo-se do princípio reflexivo que segundo Dewey (1938) é “Uma forma especializada de pensar, implica uma prescrutação activa, voluntária, persistente e rigoroso daquilo em que se julga acreditar ou daquilo que habitualmente se pratica, evidencia os motivos que justificam as nossas acções ou convicções e ilumina as conseqüências a que elas conduzem. Eu diria que ser reflexivo é ter a capacidade de utilizar o pensamento como atribuidor de sentido.” (apud, Alarcão, 1996, p. 175) CONSIDERAÇÕES FINAIS VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 60 Projetos e práticas de formação de professores É claro, que no presente momento, ainda há possibilidade de reorganização na proposta de articulação entre docência, prática pedagógica e estágio supervisionado, uma vez que estamos num percurso formativo com a preocupação de respeito a interioridade humana dos alunos, sem se desvincular dos aspectos políticos da ação educativa, que é inerente a prática docente e os aspectos profissionais da própria docência. No entanto, esta experiência tem trazido ganhos significativos na formação do futuro professor/pedagogo. Com as análises feitas até aqui, podemos constatar e afirmar que o caminho para a formação inicial do professor sempre deve apresentar a preocupação sobre o diálogo possível entre: docência, estágio e prática. Não é fácil, mas é um desafio possível de se realizar. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ANDRÉ, M. (org.), O papel da Pesquisa na formação e na prática dos professores, Campinas, São Paulo: Papirus, 2001. ANDRÉ, M. e OLIVEIRA, M. R.N.S (orgs.), Alternativas do ensino de didática, Campinas, São Paulo: Papirus, 1997. ALARCÃO, I. , Formação reflexiva de professores, Portugal: Porto Editora, 1996. BARBOSA, R.L.L., Formação de educadores: desafios e perspectivas, São Paulo: UNESP, 2003. BARROSO, J., A formação dos professores e a mudança organizacional das escolas, in FERREIRA, N.S.C. (org.), Formação continuada, São Paulo: Cortez, 2003 BRASIL, Resolução 01/2002, do Conselho Federal de Educação, Ministério da Educação, 2002. ______. 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VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 62 Projetos e práticas de formação de professores EDUCAÇÃO AMBIENTAL: FORMAÇÃO DOCENTE E PRÁTICAS EDUCATIVAS VOLTADAS PARA A CONQUISTA DE UM AMBIENTE SAUDÁVEL E A JUSTIÇA SOCIAL MARIN, Fátima Aparecida Dias Gomes (Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT/UNESP) INTRODUÇÃO O Núcleo de Ensino da UNESP - Presidente Prudente (SP) tem por objetivo promover a educação ambiental, no âmbito da formação de professores (inicial e em serviço), a partir da compreensão de problemas de degradação e de ações de preservação, conservação e recuperação ambiental, especificamente relacionadas à questão da água e do resíduo/lixo. Atualmente, participam do projeto alunos dos cursos de Geografia e Pedagogia e docentes de diferentes áreas do conhecimento. O enfoque globalizador é o referencial teóricometodológico adotado no trabalho pedagógico interdisciplinar que envolve pesquisa, ensino e extensão. Com o objetivo de somar esforços para reverter o quadro de degradação ambiental, promover melhoria na qualidade de vida e a justiça social, o projeto busca alcançar parceiros do ensino fundamental. Para tanto, este texto é endereçado aos profissionais com interesses neste âmbito e apresenta proposta teórico-metodológica embasada no enfoque globalizador sobre a educação ambiental em resíduos, a ser desenvolvida com alunos do primeiro ciclo. O papel da educação no enfrentamento da crise ambiental A crise ambiental da atualidade é caracterizada pelos impactos de toda ordem: poluição, aquecimento global, destruição da camada de ozônio, esgotamento de recursos naturais e extinção das espécies. Somam-se a estes problemas a desigualdade social, a pobreza e a violência, sintomas de uma sociedade que clama pela revisão dos seus valores éticos e morais e por ações para enfrentar estes problemas. Os impactos ambientais anunciam a fragilidade do planeta em suportar as interferências humanas. A natureza tem sido apropriada como fonte de recursos para a satisfação das necessidades, considerando-a como uma mercadoria. Este processo não tem respeitado os ciclos naturais, a restauração dos ecossistemas e o desenvolvimento humano. Os pilares deste empreendimento se baseiam na competição, na dominação e no lucro. O crescimento econômico nem sempre está atrelado ao desenvolvimento humano, à melhoria da qualidade de vida e a justiça social. Maturana (1998, p.35) ressalta que: O progresso não está na contínua complicação ou mudança VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 63 Projetos e práticas de formação de professores tecnológica, mas na compreensão do mundo natural (...) com base no seu conhecimento e no respeito por ele. Mas para ver o mundo natural e aceitá-lo sem pretender dominá-lo ou negá-lo devemos aprender a aceitar-nos e a respeitar-nos como indivíduos [...]. A degradação ambiental traz conseqüências para toda sociedade ao interferir, por exemplo, na redução da qualidade de vida, mas afeta principalmente as pessoas de baixo poder aquisitivo que são excluídas do acesso digno a moradia e a serviços de saúde e de educação. Em virtude da especulação imobiliária, a população de baixa renda constrói as suas moradias em áreas de risco estando sujeitas ao deslizamento das encostas, aos prejuízos materiais, ao convívio com o lixo, o esgoto, as doenças. A visão antropocêntrica atribui ao homem o poder de dominação e exploração da natureza sem precedentes, contrariando a concepção de que como ser vivo integra a teia da vida e, portanto, não está apartado da natureza. Neste sentido, são oportunas as considerações de Capra (1996, p.231): Todos os membros de uma comunidade ecológica estão interligados numa vasta e intrincada rede de relações, a teia da vida [...] A interdependência – a dependência mútua de todos os processos vitais dos organismos – é a natureza de todas as relações ecológicas. O comportamento de cada membro vivo do ecossistema depende do comportamento de muitos outros [...] À revelia desta premissa a relação homem-natureza vem se dando de maneira arbitrária e predatória provocando a crise ambiental que anuncia a possibilidade de um colapso dos ecossistemas. As discussões sobre a crise ambiental ganharam relevância nos últimos anos tornando uma preocupação para diversos setores da sociedade. O aumento populacional, os hábitos consumistas e os desperdícios agravam a degradação ambiental. Os avanços científicos e tecnológicos não são suficientes para conter a degradação e restaurar o equilíbrio natural colocando em risco a sobrevivência. As conseqüências de desastres ambientais localizados se fazem sentir do outro lado do planeta. Há um consenso sobre a gravidade da degradação ambiental. Entretanto, o gerenciamento adequado do meio ambiente, a adoção de medidas de conservação e preservação, a efetivação de políticas e leis ambientais esbarram em interesses contraditórios. Embora sejam efetivos os ganhos promovidos por segmentos da sociedade que têm se organizado e promovido ações com relação à gestão eficiente dos recursos naturais, nem todos estão comprometidos com a instauração de uma aliança global para estes fins. Proporcionar situações para que os alunos possam identificar os conflitos, os interesses privados e coletivos, os agentes sociais, os valores, os poderes em jogo e as diferentes responsabilidades diante da crise ambiental é o primeiro passo para compreender a complexidade que envolve as questões ambientais. São relevantes as considerações de Guimarães (2004, p.75) quanto à educação ambiental crítica: VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 64 Projetos e práticas de formação de professores A educação ambiental crítica das desigualdades sociais e dos desequilíbrios nas relações entre sociedade e natureza percebe os problemas ambientais como decorrentes do conflito entre interesses privados e coletivos, mediados por relações desiguais de poder que estruturam a sociedade contemporânea em suas múltiplas determinações e seu modo de produção. A concepção de sustentabilidade fundamenta-se no equilíbrio entre o desenvolvimento do sistema socioeconômico e os ecossistemas. A ciência e a tecnologia contribuem para promover a manutenção do capital natural com a finalidade de não comprometer as gerações futuras. Sinaliza-se para medidas de preservação da diversidade das espécies para manter a complexidade das relações de vida. Um dos princípios da sustentabilidade é a substituição do uso de recursos naturais não renováveis pelos renováveis. São oportunas políticas de reciclagem e reuso dos materiais. Estas medidas poupam matéria-prima, energia e amenizam o impacto ambiental causado pela disposição irregular dos resíduos. Neste contexto, é importante destacar a exploração desenfreada dos recursos naturais, o aumento da geração e o descarte dos resíduos/lixos, bem como os impactos negativos causados ao ambiente. Cabe ao docente problematizar o modo de produção, as relações homemnatureza e homem-homem, o consumismo, os diferentes interesses em jogo, bem como valorizar ações quanto à redução do consumo, o descarte seletivo, o reuso de materiais e produtos que estão sendo descartados como lixo e a reciclagem. Segundo Logarezzi (2004, p.236): [...] educação ambiental implica em discutir integralmente conhecimentos, valores e participação política, a abordagem da questão dos resíduos deve incluir com destaque a atividade de consumo de produtos e serviços, em análises que busquem distinguir necessidades básicas do ser humano, voltadas para objetivos essenciais, de necessidades criadas pelo ser humano, voltadas para objetivos artificiais, tendo sempre como parâmetros as referências socioambientais que condicionam a realidade contemporânea e suas implicações para com as gerações futuras. A qualidade de vida e ambiental pressupõe transformações profundas na sociedade de caráter cultural e político-ideológico coadunadas com princípios éticos e morais, a fim de assegurar a democracia, a cidadania, o respeito às diferenças, amenizar as desigualdades sociais e garantir para todos o acesso à alimentação, à saúde, à escola, à habitação e a um ambiente saudável. De acordo com a Lei Nacional de Educação Ambiental n° 9.795/99, no seu capítulo I - artigo primeiro, a Educação Ambiental refere-se aos: [...] processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999). Nesta lei estabelece-se que a dimensão ambiental deve fazer parte dos currículos de formação de professores. A primeira vista esta normatização não oferece obstáculos, uma vez que é comum o professor reconhecer a sua importância, sentir-se capaz de compartilhar vivências do seu cotidiano, ser tocado por sentimentos nobres e engajar-se na luta pela melhoria do ambiente. Todavia, embora estas intenções sejam legítimas, requerem a construção de saberes e VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 65 Projetos e práticas de formação de professores competências para que a atuação deste professor não se caracterize por um pragmatismo exacerbado, um vale tudo, sob o risco de banalizar a prática e inviabilizar o sonho da cidadania ambiental. Entre os princípios básicos estabelecidos pela Política Nacional de Educação Ambiental estão a sua continuidade e a permanência no processo educativo. Para tanto, faz-se necessário o empenho do professor para identificar diferentes perspectivas que estão diluídas sob o rótulo ambiental, dominar conhecimentos específicos no trato do ambiente, identificar conteúdos relevantes, proceder à transposição didática em adequação às características da criança e ao caráter formativo, na intenção de estabelecer as contribuições específicas da educação no enfrentamento da crise ambiental. O empenho em sensibilizar e instrumentalizar as crianças para este enfrentamento não se reduz à realização de atividades pontuais como, por exemplo, o plantio de árvores em dias comemorativos. Estas atividades possuem uma função socializadora, mas pouco contribuem para a cidadania ambiental. Geralmente, caracterizam-se pela superficialidade, não ultrapassam as concepções ingênuas e não possibilitam a construção de conhecimentos para uma leitura crítica da realidade. Não é raro encontrar em materiais didáticos a menção de atitudes corretas e incorretas no trato do ambiente apenas de caráter informativo. A razão de agir de maneira adequada não é compreendida e sequer interiorizada pela sua importância intrínseca. A criança pode respeitar estas indicações para não ser advertida pelo professor ou para ser “politicamente correta” perante os colegas. Estas menções, talvez tenham uma razão nobre na sua proposição, mas carecem de contextualização, de problematização sobre o porquê agir de determinada maneira e estão longe de alcançar a conscientização e a cidadania ambiental. O processo de conscientização crítica é mais complexo e baseia-se numa percepção ecológica profunda. Capra (1996, p.25) defende este percepção ao admitir que: Uma visão holística [...] de uma bicicleta significa ver a bicicleta como um todo funcional e compreender, em conformidade com isso, as interdependências das suas partes. Uma visão ecológica da bicicleta inclui isso, mas acrescenta-lhe a percepção de como a bicicleta está encaixada no seu ambiente natural e social – de onde vêm as matérias-primas que entram nela, como foi fabricada, como seu uso afeta o meio ambiente natural e a comunidade pela qual ela é usada, e assim por diante. O pensamento sistêmico tem como pressuposto esta complexidade e aponta para a necessidade de articular diferentes campos do conhecimento numa tentativa de compreender a questão ambiental. A profundidade no tratamento dos temas ambientais condiz com o processo paulatino de (re)construção de conhecimentos, sem perder de vista a globalidade. O termo meio ambiente engloba aspectos naturais e sociais. A conquista de uma comunidade ecologicamente equilibrada envolve aspectos econômicos, políticos, sociais, éticos, culturais. O trabalho pedagógico que tenha como foco a educação para a cidadania ambiental tem por princípio resgatar as discussões sobre meio ambiente e adotar uma proposta teóricometodológica em adequação ao público infantil. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 66 Projetos e práticas de formação de professores Proposta teórico-metodológica de educação ambiental em resíduos para o ensino fundamental Para que o saber possa ser inteligível, além de adaptações dos conteúdos à linguagem apropriada são necessários investimentos em metodologias de ensino que respeitem a estrutura lógica do material de aprendizagem e a estrutura psicológica dos alunos e ofereça oportunidades para facilitar a aprendizagem significativa. A transposição didática exige cuidado para que a simplificação e a maneira de apresentar os conteúdos não comprometam a compreensão da realidade. Especialmente com relação a discussões sobre o meio ambiente, a mídia (televisão, filme, jornal, revista) tem sido uma fonte de pesquisa paralela do professor assumindo o papel de socializar conhecimentos. Entretanto, nem sempre há um compromisso com o rigor teórico e conceitual o que requer a vigilância crítica das informações veiculadas. Por outro lado, os saberes escolares são organizados de forma a obedecer as lógicas internas das disciplinas, cuja prioridade se justifica como um fim em si mesmo. Justificase o estudo de um assunto, por exemplo, porque faz parte do currículo proposto para série e não pela sua relevância social. Este fato se agrava ao se considerar a fragilidade da fragmentação do conhecimento em disciplinas escolares. Esta compartimentação contraria a maneira global com que nos deparamos e atribuímos significados aos problemas da realidade (ao observarmos um fenômeno buscamos compreendê-lo na sua totalidade sem o atrelamento a Geografia, a Matemática,... ), ainda que se justifique a importância da especialização para assegurar o aprofundamento necessário dos estudos. Como amenizar esta problemática e oferecer um outro parâmetro para a definição do que e como ensinar em consonância com a função social da escola? Na perspectiva do enfoque globalizador (ZABALA, 2002) são identificados problemas da realidade e os conteúdos escolares tornam-se relevantes ao se constituírem em conhecimentos que possibilitem a resolução dos mesmos. De acordo com o enfoque globalizador a escolha dos conteúdos se dá em função da necessidade de compreender e intervir na realidade complexa, valendo-se das ciências como instrumento para a melhoria das condições de vida. Neste contexto, a interdisciplinaridade se sustenta ao promover a intercomunicação dos saberes, através de um amplo processo de negociação entre os professores que culmine na colaboração de diferentes profissionais no estudo de um tema ou problema. É importante que a escolha do tema possibilite a ampliação do repertório de conhecimentos a respeito do mundo social e natural, a partir de uma problemática vivenciada no meio onde a criança se insere. Contextualizar o objeto de estudo, em consideração às relações estabelecidas no cotidiano da criança pode torná-lo mais significativo, porém é necessário não perder de vista as possibilidades de generalização para outros contextos. O estudo do tema resíduo/lixo, por exemplo, pode ser reconhecido pela comunidade da instituição como instigador e de relevante significado social. Discutir o resíduo/lixo (da escola, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 67 Projetos e práticas de formação de professores da casa) estimula a construção de valores, hábitos e atitudes de cidadania ambiental, em favor de medidas de diminuição do consumismo e de conservação e preservação ambiental. Cabe ressaltar que, nesse processo educativo, a construção de conhecimentos deve incluir a discussão de conceitos, incorporando novas propostas conceituais, a exemplo de Logarezzi (2004, p.222), cujos conceitos para resíduo e lixo são mostrados neste trabalho: resíduo – Aquilo que sobra de uma atividade qualquer, natural ou cultural. Nas atividades humanas em geral, geramos resíduo (e não lixo); (...) ao ser descartado um resíduo pode ter seu “status” de resíduo (que contém valores sociais, econômicos e ambientais) preservado, ao longo do que pode ser chamada de rota dos resíduos, a qual geralmente envolve descarte e coleta seletivos – terceiro R- reciclagem; caso contrário, um resíduo pode, por meio do descarte comum, virar lixo – nenhum dos 3R. [...]. lixo – Aquilo que sobrou de uma atividade qualquer e é descartado sem que seus valores (sociais, econômicos e ambientais) potenciais sejam preservados, incluindo não somente resíduos inservíveis, mas também, incorretamente do ponto de vista ambiental, resíduos reutilizáveis e recicláveis. Resíduos assim descartados geralmente adquirem aspectos de inutilidade, sujidade, imundície, estorvo, risco etc., Ao professor cabe proporcionar situações que mobilizem as crianças para construírem conhecimentos sobre a temática, diagnosticarem problemas no seu contexto e sugerirem soluções para os problemas que envolvam ações individuais e coletivas. É preciso querer aprender, estar motivado positivamente para aprender. Esta é uma das condições fundamentais para a ocorrência da aprendizagem significativa. Em educação ambiental destaca-se a importância da sensibilização como uma primeira aproximação para atingir os objetivos da cidadania ambiental. A criança tem uma dimensão diferente quanto à relevância social da aprendizagem dos conteúdos. Para suscitar este interesse é preciso observar as vivências das crianças, a fim de instigá-las na busca do significado para o estudo de um determinado tema. Com relação ao tema resíduo/lixo é possível aproveitar as vivências e/ou criar oportunidades que mereçam atenção. Um forte odor, um bueiro entupido, fotos de lixão, catadores ou de uma pessoa alimentando-se de restos coletados no lixo, o acúmulo de resíduo/lixo na sala ao ponto de incomodar podem ser objetos de atenção e ativar o interesse em aprender. A valorização das conquistas, das experiências idiossincráticas, da auto-estima, a administração adequada dos conflitos e das diferentes expectativas, a proposta de novos desafios, através de um acompanhamento constante do docente, colaboram para a manutenção do interesse e criam um clima favorável à aprendizagem. De acordo com o enfoque globalizador, em um primeiro momento, a apresentação da realidade caracteriza-se por uma perspectiva metadisciplinar evitando-se o atrelamento aos conteúdos das diferentes disciplinas. Um dos problemas da educação é centrar a atenção nas disciplinas o que empobrece a leitura de mundo. Romper com esta estrutura significa ampliar as possibilidades de entendimento. Mesmo ciente da complexidade da realidade e de todas as limitações das crianças em compreendê-la, é fundamental instigar a sua leitura. Neste sentido, são oportunas situações VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 68 Projetos e práticas de formação de professores em que as crianças verbalizem os porquês (do forte odor, do bueiro entupido, do acúmulo de resíduo/lixo na sala, de pessoas sobreviverem catando resíduos ou alimentando-se de restos) e proponham hipóteses. Ao explicitar as suas indagações as crianças evidenciam os seus conhecimentos prévios a respeito do assunto a ser estudado. Este é o momento adequado para avaliar o que sabem, as limitações deste saber, os obstáculos diante da compreensão e intervenção na realidade. A criança pode expressar os seus conhecimentos, através da fala, da escrita, de desenhos, de dramatizações. Os critérios estabelecidos para estas tarefas precisam ser claros para que a criança sinta-se encorajada para representar o que sabe. A troca dos materiais produzidos, a apresentação dos desenhos para o coletivo, a argumentação sobre o porquê dos desenhos têm o potencial de desencadear a ampliação dos saberes, a negociação dos diferentes pontos de vista. Em relação ao tema resíduo/lixo o levantamento inicial pode ser realizado, através de desenhos e de uma roda de conversa a respeito dos conceitos de resíduo e lixo, da identificação de problemas causados pelo lixo, das sensações, etc. O levantamento dos conhecimentos prévios, a formulação de hipóteses pelas crianças e o questionamento intencional do professor (ex. Quais os resíduos/lixos da sala de aula? Quem utilizou os produtos? Para que usou? Eles ainda servem para algo? Para onde vão parar? Eles causam problemas para o meio ambiente? Por quê algumas pessoas sobrevivem catando resíduos? Como resolver estes problemas?) auxiliam na mobilização de esquemas de pensamento para interpretar a realidade e têm por princípio focalizar e potencializar as observações da criança sobre acontecimentos relevantes do seu entorno. Ativar os conhecimentos prévios, evidenciar as suas limitações causam desequilíbrios que fazem parte do processo de aprender e merecem a intervenção do professor para providenciar materiais e os recursos necessários para que a criança possa relacionar os seus conhecimentos prévios ao novo material de aprendizagem e reorganizar e ampliar os seus saberes, o que caracteriza a aprendizagem significativa. Diante das hipóteses levantadas pelas crianças cabe ao professor delimitar o objeto de estudos. Não é possível responder a todas as questões em função da disponibilidade de tempo e das condições efetivas de aprendizagem. Adequações quanto à profundidade e amplitude do trabalho a ser desenvolvido de acordo com as possibilidades remetem a diferentes fontes de informação, a seleção de materiais de aprendizagem, ao julgamento dos conteúdos relevantes, a organização e a apresentação lógica destes saberes em atendimento aos objetivos pretendidos. Por outro lado, não há uma seqüência rígida dos conteúdos. O que ensinar vai sendo reavaliado a cada momento diante das necessidades de compreensão do grupo. Num segundo momento, busca-se assegurar a interdisciplinaridade. A delimitação dos conteúdos requer esclarecer qual a função de cada disciplina específica para a compreensão e intervenção na realidade. A delimitação de situações problemas, a consideração das experiências e a definição de áreas curriculares que lançam mão da interdisciplinaridade e a intercomunicação dos saberes são atitudes que favorecem o pensamento complexo. Este procedimento respeita os VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 69 Projetos e práticas de formação de professores instrumentos conceituais e metodológicos específicos das disciplinas e é enriquecido pela multiplicidade de abordagens e contribuições de diferentes áreas do conhecimento o que potencializa os resultados da aprendizagem. O estudo do tema resíduo/lixo pode suscitar conexões com uma infinidade de assuntos de acordo com o caminho do grupo caracterizado por experiências, expectativas, subjetividades e contextos sociais e culturais singulares. O grupo é quem decide quais serão os temas que serão abordados, as fontes de informação e as estratégias utilizadas, a fim de favorecer a interpretação crítica da realidade. Oportunamente, o agendamento de visitas, palestras ou atividades desenvolvidas por outros profissionais se faz necessário, assim como a participação dos pais. Em educação ambiental é imprescindível acompanhar, refletir e valorizar as manifestações cotidianas em prol da transformação social, da conquista de um ambiente saudável. Com este objetivo é indicado reservar um espaço para arquivar os registros da caminhada e resgatar a memória coletiva. A título de sugestão seguem algumas atividades que podem fazer parte do estudo sobre o tema resíduo/lixo para crianças do primeiro ciclo com a contribuição de diferentes áreas do conhecimento. Ressalta-se a importância da valorização das várias linguagens (musical, corporal, plástica, pictórica, oral...) e dos aspetos lúdicos no processo de construção de conhecimentos. 1) Resíduo/Lixo • Objetivos: Abordar o tema resíduo/lixo em consideração às características de construção do conhecimento pela criança; Identificar e confrontar hipóteses dos alunos, no sentido de aproximá-las das explicações científicas. • Procedimentos: Observação e descrição da sala com resíduo/lixo; Registro e discussão sobre as percepções e as sensações de ocupar uma sala com muito lixo; Fotografia (ou desenhos) da sala para documentação; Investigação coletiva dos materiais que compõem o resíduo/lixo da sala e agrupamento destes materiais por categorias; Observações e registros de pesquisa (Ex. formulários simples para levantamento de dados sobre tipos e quantidades de resíduo/lixo produzido durante um período na sala); Elaboração de gráficos, apresentação oral dos resultados e debate sobre os resultados. 2) Você sabe o que é resíduo/lixo? • Objetivo: Conceituar resíduo/lixo, identificar os resíduos/lixos produzidos no local e os seus diferentes tipos: domiciliar, comercial, público, saúde, industrial, portos, aeroportos, terminais rodoviários, agrícola e entulhos. • Procedimento: Montagem de painel coletivo com imagens ou objetos de diferentes tipos de resíduo/lixo. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 70 Projetos e práticas de formação de professores 3) Do que e como são feitos os produtos? Processo de produção (recursos naturais, matéria-prima, energia, técnica/tecnologia, trabalhadores). • Objetivos: Compreender o processo de produção de objetos utilizados pelas crianças (Ex.papel); Avaliar a necessidade de reposição do recurso natural utilizado como matéria prima (Ex. árvores e reflorestamento) e discutir sobre a importância da manutenção da biodiversidade. • Procedimentos: Montagem de cartazes de produtos e suas respectivas matérias-primas; Escolha de alguns produtos utilizados (Ex. papel, lápis) para o estudo do seu processo de produção; Painéis com fotografias de desmatamento/ reflorestamento – plantas nativas - monocultura/ biodiversidade. 4) O lixo de antigamente e de hoje • Objetivos: Reconhecer o valor de resíduos e materiais que são jogados fora; Contribuir para construção de noções espaciais, temporais (transformações e permanências no espaço); Problematizar sobre o avanço tecnológico e o aumento da geração de lixo não degradável. • Procedimentos: Contador de estórias; Desenhos coletivos sobre os resíduos/ lixos de antigamente e de hoje; Montagem de painel com desenhos e imagens de resíduos/lixos gerados no decorrer do tempo (cronologia); Montagem da casa de antigamente (remédios naturais, horta, transformação do lixo orgânico em adubo, reuso de produtos, pouca geração de lixo) e da casa de hoje (excesso de produtos industrializados, de embalagens descartáveis, geração de muito resíduo/lixo); Entrevistas com familiares ou pessoas da comunidade sobre a coleta do resíduo/lixo e papel dos catadores no decorrer do tempo (construir o instrumento de entrevista junto com as crianças). 5) O ciclo da natureza • Objetivo: Evidenciar o ciclo da natureza. • Procedimentos: Experiência de decomposição do lixo orgânico - relatório semanal das alterações percebidas e convite para um especialista para tratar da decomposição do lixo na natureza/ Horta comunitária na escola cuidada pelos alunos. 6) Para onde vai o lixo? A rota do lixo (lixão, aterro controlado, aterro sanitário, incineração) • Objetivos: Estabelecer as diferenças entre as rotas do lixo e do resíduo e identificar os problemas causados pelo lixo ao meio ambiente. • Procedimentos: Questionamento sobre qual a forma de descarte (comum ou seletivo) da casa de cada um; Apresentação de história em quadrinhos sobre o descarte comum realizado por uma família e o caminho do lixo produzido com ênfase nos impactos ambientais; Apresentação e leitura de imagens e maquetes de lixão, aterro controlado, aterro sanitário, incinerador (favorecer a manipulação das maquetes e a dedução dos processos dinâmicos VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 71 Projetos e práticas de formação de professores envolvidos em cada etapa) - levantamento das observações e hipóteses dos alunos - identificação de semelhanças e diferenças entre os diferentes destinos do lixo; Apresentação e análise de imagens de impactos ambientais. 7) Quais os problemas causados pela disposição irregular do lixo? (poluição da água, do solo, do ar, proliferação de insetos e risco da disseminação de doenças) • Objetivo: Identificar os problemas causados pelo lixo ao meio natural e as pessoas; Procedimentos: Leitura de história em quadrinhos sobre os problemas causados pelo lixo e convite para profissional da área de saúde para falar sobre os riscos da disseminação de doenças no lixão. 8) Lixão: poluição, qualidade de vida dos catadores, exclusão social, desemprego, trabalho infantil, doenças • Objetivo: Perceber as desigualdades sociais, sensibilizar-se com a situação de vida dos catadores e empenhar-se para o bem estar do semelhante. • Procedimentos: Interpretação de fotografia de lixão e roda de conversa: compartilhar opiniões. 9) Para onde vai o resíduo? A rota do resíduo (descarte seletivo, coleta seletiva, triagem, pré-processamento, reciclagem/ usina de triagem e compostagem) • Objetivo: Estabelecer as diferenças entre as rotas do lixo e do resíduo. • Procedimentos: Apresentação de história em quadrinhos sobre o descarte seletivo realizado por uma família e o caminho do resíduo; Apresentação e leitura de imagens e maquetes de descarte seletivo, coleta seletiva, triagem, pré-processamento, reciclagem, usina de triagem e compostagem (favorecer a manipulação das maquetes e a dedução dos processos dinâmicos) - levantamento das observações e hipóteses dos alunos; Identificação de semelhanças e diferenças entre as rotas do lixo e do resíduo com destaque para os impactos socioambientais positivos e negativos; Apresentação e problematização da realidade local quanto ao destino do resíduo/lixo (existência de lixão, aterro controlado, aterro sanitário, incinerador, cooperativa de – coleta seletiva, pré-processamento, reciclagem - usina de compostagem). 10) Produtos que entram na nossa casa e Preciso de tudo isto? (Hábitos de consumo x desperdício) • Objetivos: Identificar os diferentes modos de vida e de consumo; Problematizar os desperdícios e os hábitos de consumo priorizando a redução do consumo; Potencializar as capacidades analíticas, críticas e interpretativas frente às mensagens recebidas pelos meios de comunicação de incentivo ao consumismo. • Procedimentos: Debate sobre o resíduo/lixo produzido nas casas dos alunos; Apresentação de dados de pesquisas sobre as diferenças de consumo das classes sociais com destaque para a exclusão social e identificação das diferenças entre os padrões culturais de VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 72 Projetos e práticas de formação de professores consumo; Investigação sobre a quantidade de produtos consumidos pelas crianças e o que é desperdício; Excesso de embalagens. 11) Os resíduos servem para alguma coisa? • • Objetivo: Reconhecer o valor de materiais que são jogados fora. Procedimentos: Solicitação para que as crianças tragam resíduos que podem ser reutilizados ou recicláveis de casa para que sejam separados (plásticos, metais, papel, vidro); Construção com caixas de papelão encapadas (vermelho, azul, amarelo, verde) de coletores seletivos; Visita à cooperativa/associação de resíduos e doação do material recolhido. (Elaboração em conjunto com os alunos de um roteiro de entrevista sobre as condições de trabalho, renda, resíduos e materiais recicláveis, história de vida -reconstrução da trajetória de um catador); Registro, sistematização e divulgação da experiência para a comunidade escolar. 12) Redução , reuso e reciclagem • Objetivo: Compreender, promover e valorizar práticas de redução do consumo e reuso de materiais e produtos (papel, brinquedos, roupas) para poupar os recursos naturais envolvidos no processo de produção e diminuir a poluição./ Compreender processos de reciclagem. • Procedimentos: Sugestões (alunos e professor) de como diminuir o consumo e reaproveitar os materiais antes jogados na lixeira (Ex. aproveitamento dos dois lados do papel); Substituição de copos descartáveis por canecas duráveis trazidas de casa; Um dia na cozinha: receita com o aproveitamento de alimentos que, geralmente, são desprezados (ex. talos de agrião, folhas de beterrabas); Organização de palestra – nutricionista; Estabelecimento coletivo de regras e cuidados com a conservação das mesas, carteiras e outros objetos para que tenham um maior tempo de vida útil; Promoção de campanha de doação de brinquedos usados para crianças carentes / Reciclagem: Exposição de produtos reciclados e dos materiais recicláveis que lhes deram origem; Técnica artesanal de reciclagem do papel; Transformação de materiais usados em matéria-prima para brinquedos. 13) Poder Público (federal, estadual, municipal), indústria, comércio e comunidade Objetivo: Compreender as responsabilidades com relação ao descarte, coleta, acondicionamento, triagem, processamento, reciclagem, transporte, disposição e tratamento do resíduo/lixo Procedimentos: Palestras, visitas. 14) Cidadania Ambiental • Objetivo: Avaliar a experiência de aprender sobre o tema resíduo/lixo e o significado da cidadania ambiental; Problematizar o co mpromisso para com a preservação e conservação do meio ambiente; Promover a generalização da experiência com destaque para VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 73 Projetos e práticas de formação de professores outras realidades; Mobilizar ações políticas locais envolvendo a escola e a comunidade no enfrentamento dos impactos sociambientais relacionados a questão do resíduo/lixo. • Procedimentos: Debate sobre os resultados do trabalho e do conceito de cidadania ambiental; Instalação de coletores seletivos na escola e doação dos resíduos recolhidos; Dramatização: o papel individual e coletivo diante das ações que podem ser realizadas em diferentes espaços para a conservação e preservação do meio ambiente. CONCLUSÕES As atividades propostas são condizentes com a cidadania ambiental na medida em que privilegiam a aquisição de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais voltados para a conservação do meio ambiente. A instituição escolar tem um papel “limitado” diante do contexto global da tomada de decisões pertinentes à transformação da política econômica vigente. Não obstante, contribui para efetivar a construção de um outro paradigma para nortear os relacionamentos do homem com a natureza e homem-homem em que valores éticos e morais fundamentem projetos de vida sensíveis à problemática ambiental e solidários com o bem estar e a justiça social. A cidadania ambiental é um processo moroso fundamentado na mudança de paradigma. Não basta apenas informar as atitudes corretas e incorretas com relação ao meio ambiente. Este compromisso envolve a todos que pertencem à instituição e necessita da conquista de parceiros além dos muros da escola. Neste sentido, é primordial conquistar parceiros da sociedade civil (ONGs, Associação de moradores, igrejas...) e representantes do poder público com o objetivo de efetivar ações coletivas de preservação, conservação e recuperação ambiental. Na universidade são realizadas pesquisas interdisciplinares sobre a realidade de Presidente Prudente (SP) com relação ao resíduo/lixo. A extensão tem por propósito socializar os conhecimentos com a comunidade. São confeccionados materiais didáticos, acervo fotográfico, realizadas exposições, estágios de regência na rede de ensino e oficinas voltadas à formação docente em serviço. O objetivo do Projeto é realizar pesquisas, investir na formação docente inicial e em serviço e realizar parcerias com o poder público e a comunidade na busca do enfrentamento da crise ambiental. Promover a educação ambiental requer estudo, o rompimento com algumas crenças para reconstruir o caminho, viver o coletivo, negociar as diferenças. Para avançar é inevitável abalar a segurança, acreditar na utopia, abrir-se para o novo e refletir sobre a própria prática na busca constante de realizar o sonho da cidadania ambiental. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Diário Oficial [da] República do Brasil, DF, Poder Legislativo, Brasília, DF, 28 abr. 1999. CAPRA, Fritjof. A teia da vida.Tradução de Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 74 Projetos e práticas de formação de professores GUIMARÃES, Mauro. A formação de educadores ambientais. Campinas: Papirus, 2004. LOGAREZZI, Amadeu J. M. Contribuições conceituais para o gerenciamento de resíduos sólidos e ações de educação ambiental. In: LEAL, Antonio Cezar et al. Resíduos sólidos no Pontal do Paranapanema. Presidente Prudente: Antonio Thomaz Junior, 2004. p.221-244. MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Tradução de José Fernando Campos Fortes. Belo Horizonte: UFMG, 1998. SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Coordenadoria de Educação Ambiental. Guia pedagógico do lixo. São Paulo: SMA, 2002. ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Tradução de Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 75 Projetos e práticas de formação de professores EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E A UTILIZAÇÃO DO BRINCAR: RELATO DE EXPERIÊNCIA ALVES, Heliana Castro (UFSCar) Constitucionalmente vêem-se hoje garantidos muitos direitos às pessoas portadoras de necessidades especiais no sentido da inclusão social. No campo da educação, o paradigma da inclusão social veio para garantir às crianças com necessidades educacionais especiais sua inserção na rede regular de ensino, invertendo a lógica da exclusão de grupos minoritários historicamente construída a partir de um modelo de referência segregacionista. Encontra-se esta nova forma de conceber a educação em documentos como a LDB n. 9.394/96 no Plano Nacional de Educação (Minto, 2000), na Declaração de Salamanca e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, este que propõe diretrizes para a educação desta população, contemplando as áreas de Educação Infantil e Especial. A escola inclusiva se baseia no princípio de igualdade social, que preza o reconhecimento e a legitimação da diferença; que a diversidade deve ser incorporada e não marginalizada e segregada da convivência social. A inclusão incorpora uma filosofia que aceita a diversidade, na vida em sociedade; reconhece que todas as pessoas são diferentes, têm necessidades diversas e que deve ser contemplada, constitucionalmente a garantia das mesmas condições de desenvolvimento e oportunidades na vida social para todos seus membros. Segundo Abramowicz, Rocha e Cunha (2002) constatam-se entre os fatores que dificultam a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais a formação do professor de ensino regular: “Poucos têm conhecimento nessa área e sentem-se inseguros ao saber que em sua turma haverá um aluno com estas características” (p.245). Aranha (2000) concorda ao pontuar a necessidade de prover os professores de ensino regular de suporte técnico, didático e pedagógico, possibilitando o ajuste refinado entre fazer e saber, na construção do conhecimento e na prática pedagógica. Mendes (2004), ao analisar pesquisas sobre escola inclusiva realizadas no Brasil, conclui que a função da pesquisa na área seria a de produzir conhecimento para a construção de sistemas educacionais inclusivos, e destaca três vertentes que considera relevantes para a produção científica: a primeira delas é relacionada à formação de professores; a segunda à implantação e avaliação de políticas de inclusão em sistemas públicos de ensino; a terceira trata de estudos relacionados à família e educandos com necessidades educacionais especiais. Destaca-se nas suas considerações finais, o seguinte: “uma política de formação de professores é um dos pilares para a construção da inclusão escolar, pois a mudança requer um potencial instalado, em termos de recursos humanos, em condições de trabalho para que ela possa ser posta em prática” (p.228). Com base em estudos, que revelaram haver demanda, por parte do sistema de ensino, na formação dos professores na compreensão do paradigma da inclusão social (ARANHA, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 76 Projetos e práticas de formação de professores 2000, PEREIRA, 2002; MENDES, 2004), e na capacitação para lidarem com a criança portadora de necessidades especiais, a experiência aqui relatada utiliza o “brincar” da criança para convidar o professor a um olhar reflexivo sobre a sua prática. A escolha do brincar parte do fato de este ser o comportamento típico da fase da infância, presente nas crianças com necessidades especiais e crianças com desenvolvimento típico, fazendo parte do cotidiano escolar e do conjunto de recursos de que o professor se utiliza na sua prática. Existem várias linhas desenvolvimentistas e pensadores que enfatizam a importância do brincar no desenvolvimento infantil. Abramowicz, Rocha e Cunha (2002) apontam a atividade lúdica enquanto um importante instrumento na ação educativa, e Mrech (2003) percebe os brinquedos e jogos assumindo um papel nuclear no estabelecimento de intervenções que visam a atender às necessidades especiais das crianças que apresentam alguma disfunção no desenvolvimento. Kishimoto (2003) discorre sobre como se dão as relações entre o jogo infantil e a educação ao longo da história, discernindo diferentes concepções para cada época, desde a antiguidade, o renascimento, até aos dias atuais. O brinquedo assume um papel importante para o desenvolvimento infantil e para a aprendizagem. De forma intuitiva a criança pode adquirir noções espontâneas, envolvendo aspectos da cognição, afetividade, físico e social. O jogo, permitindo a ação intencional, a construção de representações mentais, a manipulação de objetos e o desempenho de ações sensório-motoras, contribui para seu desenvolvimento. A dimensão educativa surge a partir do momento que existe a intenção do adulto no estímulo de certos aspectos da aprendizagem. Desta forma, a autora chama a atenção para o significado do jogo na educação, diferenciando duas funções: a lúdica, envolvendo o prazer e a escolha voluntária e a educativa, envolvendo a apreensão do mundo, a complementação do saber. Estas funções parecem entrar em contradição, já que a natureza livre do jogo incompatibiliza-se com a busca de resultados, típica de processos educativos. Pontua em seus estudos que duas das características do jogo infantil é a livre escolha e o controle interno sendo que em ambas percebe-se a criança protagonizando a situação da brincadeira, quanto à sua escolha e quanto ao desenvolvimento dos acontecimentos. Desta forma a autora levanta o questionamento em relação à forma de reunir na mesma situação de brincar, a função lúdica e educativa. Quanto a isso, exemplifica: “Se a criança está diferenciando cores, ao manipular livre e prazerosamente um quebra-cabeça disponível na sala de aula, a função educativa e lúdica estão presentes. No entanto se a criança prefere empilhar peças do quebra-cabeça, fazendo de conta que está construindo um castelo, certamente estão contemplados o lúdico, a situação imaginária, a habilidade para a construção do castelo, a criatividade na disposição das cartas, mas não se garante a diferenciação das cores” (p. 37) Kishimoto (2003) acrescenta que a despeito da diversidade de situações de aprendizagem propiciadas na situação lúdica, não existe a garantia de que a intenção pedagógica do professor tenha sido contemplada na construção do conhecimento efetuado pela criança. Essa é a especificidade do brinquedo educativo. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 77 Projetos e práticas de formação de professores Estas características e funções dos jogos infantis são importantes já que a concepção e percepção do professor sobre o brincar da criança com necessidades educacionais especiais passa, antes de tudo pela sua forma de conceber o jogo na educação e na sua prática educativa. Kishimoto (2003) destaca a liberdade como atributo principal do jogo devendo ser respeitada conciliando-se com a orientação própria dos processos educativos. “Desde que não entre em conflito com a ação voluntária da criança, a ação pedagógica intencional do professor deve se refletir na organização do espaço, na seleção de brinquedos e na interação com as crianças (...) Qualquer jogo empregado pela escola aparece sempre como um recurso para a realização das finalidades educativas e, ao mesmo tempo, um elemento indispensável ao desenvolvimento infantil” (KISHIMOTO, 2003 p.19 e 22). Victor (2004) aponta que muitas vezes o jogo, quando presente enquanto um recurso pedagógico para crianças com necessidades especiais, especialmente a deficiência mental, serve geralmente como suporte às atividades didáticas, perdendo-se sua especificidade. Apresenta, neste sentido, a noção trazida por Kishimoto (2003) em relação à necessidade de se integrar as duas funções do jogo, o lúdico e o educativo, ao dizer que “o brincar, além de proporcionar alegria e divertimento, desenvolve a criatividade, a competência intelectual (...) atuando como fator significativo para a aprendizagem”(p. 92). As pesquisas descritas pela autora visam contribuir na discussão sobre o papel do brincar no currículo da Educação infantil e na educação de crianças com necessidades educacionais especiais. Em uma das pesquisas a autora se propunha a analisar o jogo, a mediação pedagógica e a interação entre a criança com deficiência mental e a criança com desenvolvimento típico. Sua meta neste trabalho foi contribuir para a formação do professor promovendo a reflexão sobre a mediação pedagógica, tendo por referência a brincadeira de faz-de-conta de crianças com deficiência mental e crianças com desenvolvimento típico. Assim, além do interesse nas interações entre as crianças com necessidade educacionais especiais, a autora também escolheu como objeto de estudo na sua pesquisa a mediação pedagógica de alunos de iniciação científica, ou seja, futuros profissionais da área da educação em formação inicial. A pesquisa se deu em uma brinquedoteca. No resultado de sua pesquisa sobre as contribuições do brincar na inclusão da criança com necessidades educacionais especiais, a autora também chama a atenção para a ineficiente mediação do professor na condução do aluno ao conhecimento através da brincadeira e na promoção de situações de inter-relacionamento entre as crianças com necessidades especiais e as que apresentam desenvolvimento típico. Para a autora, esta “lacuna” na formação do professor quanto às possibilidades do brincar na ação educativa e nas trocas sociais, permite sentimentos e atitudes de exclusão na escola, portanto, contrários à perspectiva de inclusão. Emmel (2004) discorre sobre o papel do adulto para o brincar da criança, uma vez que, através da interação entre adulto e criança, pode ser criado um ambiente propício ao desenvolvimento global do indivíduo. Esta interação possibilita, além do contato afetivo, um apoio para a atividade cognitiva fornecendo bases novas para a aprendizagem. Segundo esta mesma autora o papel do adulto também está no estabelecimento de uma interação entre as crianças, ao VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 78 Projetos e práticas de formação de professores organizar o espaço e as experiências da criança, estabelecendo regras, condições para o desenvolvimento das atividades e estimulando modalidades específicas de comportamento social entre elas. Destaca, porém, que em alguns momentos a presença do adulto na brincadeira também pode restringir iniciativas de interação dentro do grupo, resultando na redução do número de contatos entre as crianças e seus pares. Por outro lado, Emmel (2000) diz que a presença do adulto possibilita à criança a oportunidade de representar e simbolizar, além de atribui relevância social a suas ações e aos objetos. Victor (2004) também realça a função do educador no acompanhamento do movimento lúdico da criança e na realização de mediações pedagógicas que favoreçam o seu desenvolvimento, estimulando a criatividade, a operatividade, o equilíbrio emocional, a sociabilidade, entre outros fatores. Mrech (2003) ao falar sobre o uso de brinquedos, jogos e materiais pedagógicos na prática do professor junto à criança com necessidades especiais, adiciona o conceito de modalidade de aprendizagem que revela a forma e o conteúdo de estruturação da aprendizagem do sujeito. Diferentemente do modelo de aprendizagem geral e universalista, a modalidade de aprendizagem é sempre singular e específica (FERNANDÉZ, 1991). É através da modalidade de aprendizagem do sujeito que realmente poderemos conhecer como o material introduzido pelo professor foi captado e quais são as necessidades específicas do aluno. Neste sentido se o olhar for direcionado para o fato de que a inclusão de crianças com necessidades especiais inseridas na rede regular de ensino desestrutura de certa forma o sistema de ensino tal como ele é concebido, admite-se a necessidade de uma mudança significativa nas configurações físicas e pedagógicas da escola, investindo-se na formação do professor no sentido de colaborar para que este possa perceber quê tipo de recurso de instrumentos o aluno precisa receber (Victor, 2004). Isso significa que não há uma metodologia única para a multiplicidade das diferenças (Abramowicz, Cunha e Rocha, 2002) e que devemos aderir a um sistema de ensino que habilite o professor para olhar a singularidade de cada aluno, adaptando assim suas estratégias pedagógicas. Abramowics, Cunha e Rocha (2002) discutem que o educador, preocupado em avaliar a capacidade intelectual da criança, acaba não priorizando a criação de um ambiente que favoreça o aprendizado daquela criança, conforme sua necessidade. Para as autoras, a falta de compreensão acerca dos problemas dos portadores de deficiência leva à adoção de comportamentos que provocam impacto negativo no desenvolvimento da criança. Por exemplo, a atitude de superproteção do educador, ou cuidador, ao se depararem com a criança com necessidades especiais realizando alguma atividade. Geralmente, acabam por realizar a tarefa por ela, já que não aceitam a velocidade com que ela realiza a sua ação, não dando condições para o exercício da autonomia. Neste sentido, Miura, Profeta e Toledo (2000) alertam que o professor e os familiares podem desempenhar um papel importante no processo de estigmatização da criança com necessidades educacionais especiais dependendo da forma com este se relaciona com ela, e que, havendo uma mudança de atitudes destes atores em relação à deficiência, possibilitando ao aluno “uma melhor interação dele com meio, é possível que ele seja visto como VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 79 Projetos e práticas de formação de professores uma pessoa que participa afetivamente, socialmente, economicamente, etc, de uma vida comum a todos.” (p.174). Partindo destes pressupostos, acredita-se que é preciso criar na escola espaços de reflexão que poderão levar a modificações importantes no pensar e no fazer pedagógico, conforme aponta Oliveira (2002). Assim, adaptar os recursos pedagógicos e ampliar a área de conhecimento do professor, passa, antes de tudo, pela concepção do professor acerca da deficiência em si. Acreditase que este pensar interfere na prática do professor e também na forma como ele interage com a criança ao brincar, na forma como ele a observa ao brincar, na forma como ele estabelece seu papel de mediador pedagógico e no favorecimento da relação com as crianças que apresentam desenvolvimento típico. Projeto Criando Asas:estrutura de funcionamento e reflexão sobre a prática Através de um espaço de “brinquedos e brincadeiras” a experiência desenvolvida no Projeto Criando Asas se propõe a oferecer suporte para estes educadores, favorecendo o processo de inclusão, além de prestar atendimento às crianças com necessidades educacionais. O projeto Criando Asas era um programa do estado, passando a ser municipalizado a partir de 2003/ 2004 foi realizado através da secretaria de educação e cultura em parceria com a secretaria da cidadania. Funcionava dentro das brinquedotecas nas creches de São Carlos e Centros Comunitários. O Criando Asas apesar de ter nascido com a proposta de funcionar dentro das brinquedotecas que era um espaço diferenciado do cotidiano educacional, teve desde o início um caráter formativo. Os educadores que atuavam neste projeto passaram a criar um espaço de reflexão e atuação com estas crianças com necessidades especiais. A partir do brincar estabeleceuse uma nova interação e uma nova compreensão a respeito da deficiência sendo que muitas vezes estas novas formas de contato favoreciam o processo de inclusão destas crianças. Além disso, estes educadores começavam a cumprir a função de multiplicadores no momento em que dividiam suas experiências com outros profissionais. Os professores recebiam as crianças com necessidades educacionais especiais nestas brinquedotecas, desenvolvendo um trabalho de estimulação e estabelecimento de contato educador-criança através do brincar, do lúdico. Para tanto recebiam orientações de uma terapeuta ocupacional e de uma fonoaudióloga. A terapeuta ocupacional orientava as educadoras em relação aos brinquedos, brincadeiras e atividades apropriadas para cada criança inclusa no projeto, tendo em vista seu desenvolvimento e o favorecimento do processo de inclusão. No entanto, as orientações eram realizadas a partir, principalmente das reflexões das educadoras e o relato de sua rotina com a criança, favorecendo o processo de mudança na sua mediação pedagógica e possibilitando um importante diálogo entre profissionais em relação ao atendimento das necessidades daquelas crianças. Dentro das creches, a princípio, as crianças eram retiradas da sua sala para serem atendidas separadamente na brinquedoteca. Ao perceber que isso poderia favorecer atitudes VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 80 Projetos e práticas de formação de professores discriminatórias dentro da creche, começou-se a incluir no projeto crianças com desenvolvimento típico, criando um espaço propício não só para o desenvolvimento de habilidades mas um espaço de integração e configuração de novas formas de relação entre professor e aluno, entre as crianças com necessidades educacionais e crianças com desenvolvimento típico, favorecendo atitudes e situações mais coerentes com a concepção e os princípios da educação inclusiva. A brinquedoteca é um espaço diferenciado e diferenciado no sentido de propiciar um maior leque de possibilidades de contato desta criança com o lúdico. O papel do educador também se modifica, pautando sua ação mais no brincar do que no desenvolvimento de ações com finalidades puramente pedagógicas. Foi possível observar uma mudança na forma dos professores perceberem as crianças que estavam sendo acompanhadas, levando em consideração as potencialidades e não apenas o déficit. A concepção de deficiência foi criando novos contornos a partir da atmosfera lúdica, permitindo que se ressaltasse os aspectos positivos de cada criança atendida. A partir de um novo olhar sobre estas crianças, foi possível uma melhor qualidade na relação educador-criança, favorecendo o processo de inclusão destas crianças na rede regular de ensino. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOWICZ, A.; ROCHA, M.J.S; CUNHA, I,A,M. O desenvolvimento das Crianças de três a Seis anos. In: PALHARES, M.S; MARINS, S. (Org.). Escola inclusiva. São Carlos: Edufscar, 2002. ARANHA, M.S.F. Inclusão sócia e municipalização. In: MANZINI, E.J. Educação Especial: temas atuais.Marília. Unesp-Marilia-Publicações, 2000. EMMEL, M.L.G. Proposições sobre o significado e a função do brincar no desenvolvimento infantil. In: MENDES, E. G; ALMEIDA, M. A; WILIAMS, L.C. (Org.).Temas em educação especial- avanços recentes. São Carlos: Edufscar, 2004 FERNÁNDEZ, A. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991 MENDES, E. G. Construindo um “locus” de pesquisas sobre inclusão escolar. In: MENDES, E. G; ALMEIDA, M. A; WILIAMS, L.C. (Org.).Temas em educação especial- avanços recentes. São Carlos: Edufscar, 2004 MINTO, C. A. Educação Especial: Da LDB aos planos Nacionais de Educação-MEC e Proposta da Sociedade Brasileira. In: PALHARES, M.S; MARINS, S. (Org.). Escola inclusiva. São Carlos: Edufscar, 2002. MRECH, L.M. O uso de brinquedos e jogos na intervenção psicopedagógica de crianças com necessidades especiais. In: KISHIMOTO, T.M. (Org). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2003. OLIVEIRA, A.A.S. Representações sociais sobre Educação Especial e deficiência: o ponto de vista de alunos deficientes e professores especializados. 2002. Tese (doutoramento em Educação)Faculdade de Filosofia e Ciências. Universidade Estadual Paulista, Marília. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 81 Projetos e práticas de formação de professores PEREIRA, E. G. Avaliação de uma experiência de formadores de professores de magistérios sobre educação inclusiva. 2002. Dissertação (Mestrado)- Universidade Federal de São Carlos. KISHIMOTO, T.M. O jogo e a educação infantil. São Paulo. Editora Pioneira, 2003 VICTOR, S. L. O Brincar na educação infantil e suas contribuições na inclusão da criança com necessidades educacionais especiais. In: MENDES, E. G; ALMEIDA, M. A; WILIAMS, L.C. (Org.).Temas em educação especial- avanços recentes. São Carlos: Edufscar, 2004 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 82 Projetos e práticas de formação de professores EXPERIÊNCIA DO CECEMCA – UNESP NO PROJETO PILOTO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM CARTOGRAFIA E MEIO AMBIENTE FREITAS, Maria Isabel Castreglhini de (DEPLAN-IGCE/UNESP); ALMEIDA, Rosangela Doin de (IGCE/UNESP); RAMOS, Eugênio Maria de França (IB/UNESP); CABRAL, Márcia Pereira (IGCE/UNESP) INTRODUÇÃO A Rede Nacional de Formação Continuada, um programa vinculado ao MEC/SEB, tem por objetivo a constituição de centros de pesquisa e desenvolvimento, visando promover a formação permanente de professores e a implantação de novas tecnologias de ensino, onde os materiais didáticos estarão acessíveis para Estados e Municípios interessados, abarcando atividades presenciais, semi-presenciais ou a distância. O Centro de Educação Continuada em Educação Matemática, Científica e Ambiental (CECEMCA) – Unesp iniciou suas atividades no ano de 2004 e resulta de um Convênio entre a Unesp e o MEC. Faz parte da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Secretaria de Educação Básica do MEC e tem como objetivo produzir material didático e oferecer cursos de educação continuada para professores das escolas públicas municipais e estaduais de todo o Brasil. A experiência aqui apresentada faz parte do projeto piloto do CECEMCA/Unesp – Núcleo Rio Claro, realizada na escola estadual Marcello Schmidt, na cidade de Rio Claro/SP, no período de Abril e Maio de 2005. O Curso teve como objetivo a apresentação de conceitos relativos às ciências cartográficas e educação matemática aplicados aos estudos ambientais e foi ministrado para 20 professoras, num total de 40 horas. Objetivou também aprimorar o conteúdo dos cadernos didáticos elaborados para a formação continuada de professores do ensino fundamental, no formato semi-presencial. O curso se desenvolveu através de encontros presenciais, atividades monitoradas usando ferramentas de educação a distância e atividades desenvolvidas em classe pelos professores com seus alunos do ensino fundamental. CARTOGRAFIA E MEIO AMBIENTE NO ENSINO FUNDAMENTAL O CECEMCA – Núcleo Rio Claro, adotou como estratégia centralizar na Educação Ambiental e nos estudos voltados para os aspectos ambientais a realização de seus cursos, que podem ser presenciais, semi-presenciais e à distância, bem como do material didático a eles relacionados, como livros, vídeos e diferentes mídias eletrônicas. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 83 Projetos e práticas de formação de professores O Meio Ambiente, considerado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) como tema transversal, é abordado aqui de forma a integrar as disciplinas e temáticas referentes à Cartografia sendo que, para tal, é alimentado de exemplos, divulgando o conhecimento científico gerado pelas diferentes áreas. Pela sua complexidade, a questão ambiental não é exclusividade de uma ou outra área de conhecimento ou disciplina, mas resulta da combinação de inúmeras variáveis, envolvendo a natureza física da Terra e a ação do homem como principal ator de sua transformação e humanização. O curso Cartografia, Matemática e Meio Ambiente foi preparado para professores do Ensino Fundamental que atuam nas séries iniciais e tem o objetivo de apresentar conceitos elementares de cartografia, assim como possibilitar um aprofundamento em temas das ciências cartográficas que normalmente não se encontram acessíveis no cotidiano do professor. Objetivando tornar menos árdua a tarefa de transitar por definições e conceitos técnicos, inserções são feitas em Cartografia Ambiental bem como em Educação Ambiental, trazendo situações do dia-a-dia visando estimular a sua reflexão sobre a vida, a sociedade e o ambiente nos quais o professor se insere. Desta forma, pretende-se contribuir para uma visão mais abrangente da Cartografia, que geralmente é associada exclusivamente aos estudos Geográficos, sendo assim pouco explorada por professores de Matemática e Ciências, dentre outros, nas suas atividades didáticas. A Cartografia aqui é encarada para além de ciência que se ocupa de conceitos e classificações dos produtos cartográficos, bem como de aplicações metodológicas incluindo coleta de dados, processamento de informações e representação sob a forma de mapas, gráficos e modelos, dos aspectos humanos e dos relativos à superfície física da Terra. A cartografia também ordena e representa o ambiente, aprimorando aquilo que sempre foi intuitivo no homem, e o acompanha desde os primórdios de sua vida no planeta, que é representar a paisagem a sua volta, desenhar e descrever suas rotas, seus caminhos e os aspectos que refletem sua organização em sociedades. A cartografia ambiental parte do princípio de que os problemas ambientais atuais são, em sua maioria, desencadeados prioritariamente por problemas sociais e não por ações naturais, sendo que essas últimas também têm sua importância. Eles emergem principalmente da sociedade e não da natureza (MARTINELI, 2001). E é na paisagem que esses problemas se materializam. Assim, valendo-se de estudos em escala temporal e espacial, a cartografia ambiental, busca detectar e representar tais problemas de caráter sócio-ambiental, dando suporte à tomada de decisão dos administradores em nível local e regional. Abordar os conteúdos da cartografia para o ensino, considerando o meio ambiente como elemento de ligação entre as diversas áreas do conhecimento, permite ao professor flexibilidade no estudo e na representação cartográfica de temas que vão desde a percepção ambiental do caminho percorrido para chegar à sua escola até, por exemplo, as mais complexas interações que envolvem representação espacial e o estudo dos impactos ambientais. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 84 Projetos e práticas de formação de professores Torna-se importante incluir nas atividades didáticas no ensino fundamental atividades que explorem as relações espaciais topológicas elementares e de orientação, que permitem aos alunos o domínio do seu espaço cotidiano e dos aspectos relativos a sua posição em relação aos objetos que o cercam. Aspectos relativos à classificação de mapas, às normas cartográficas e ao exercício de observação da paisagem e de sua representação através de mapas são algumas das ferramentas tratadas no curso que permitem o aprofundamento do conhecimento de diferentes conteúdos como os relativos a história, geografia, matemática, dentre outros. A questão de escala e generalização cartográfica, representação dos elementos que compõem objetos do cotidiano na paisagem urbana e rural, através de croquis e de maquetes são temas cartográficos que podem ser explorados em diferentes disciplinas, fortalecendo os conceitos e dinamizando as aulas. O CURSO PILOTO A EE Marcello Schmidt, escolhida para a aplicação do curso piloto, está localizada no centro da cidade de Rio Claro, a maioria dos seus professores atua como efetivo na escola, mantendo assim sua participação ativa nos projetos da escola, que são vários. Os alunos que freqüentam a escola pertencem predominantemente à classe média. Observa-se o empenho e a liderança da direção e coordenação da escola para abrigar novos projetos que dêem melhores condições de atualização para os professores e formação para os alunos. A escola estadual em questão foi contemplada com um laboratório com computadores e internet rápida, que deveria ter sido instalado no início de 2005. Atrasos nessa instalação, que até o final do curso piloto não havia ocorrido, levaram ao uso de computadores particulares dos professores cursistas e os da administração da escola (3 computadores) para o desenvolvimento das aulas à distância. O Curso teve como objetivo a apresentação de conceitos relativos às ciências cartográficas e educação matemática aplicados aos estudos ambientais, para 20 professoras do Ensino Fundamental da Escola Marcello Schmidt, dentro do piloto do Projeto Unesp - MEC relativo a Rede de Formação Continuada do MEC. A experiência de aplicação do curso para o grupo de professores de uma escola visou aprimorar o material didático gerado em termos de conteúdo, profundidade e viabilização de sua aplicação na formação de professores das séries iniciais. e as metodologias didáticas adotadas pelo CECEMCA. Adotou-se para a aplicação do Curso a metodologia de Ensino Semi-Presencial, tendo sido realizadas aulas presenciais e à distância fazendo uso da plataforma gerenciadora de conteúdo – o TelEduc. Na etapa presencial do curso foram ministradas aulas teóricas e práticas na própria escola, num total de 20 horas. As 20h restantes do curso foram utilizadas para as atividades à distância, através da internet, nas quais o acesso ao curso pôde se dar de acordo com sua disponibilidade de horário. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 85 Projetos e práticas de formação de professores O acompanhamento do trabalho das professoras cursistas foi feito através do agente Tutor, que acompanhou as atividades ao longo do curso, e do agente Instrutor, que as acompanhou conduzindo discussões, fomentando a pesquisa e novas fontes de informação. A avaliação dos cursistas na etapa à distância foi realizada através de tarefas relacionadas com os conteúdos trabalhados, bem como pela sua participação no mural de discussões, expondo dúvidas e sugestões, além das salas de bate-papo. Além dessas atividades os participantes tiveram o compromisso de aplicar em classe, com seus alunos regulares, um dos temas abordados no curso. Esta atividade foi acompanhada pelos estagiários tutores que assistiam às aulas e elaboravam relatos das mesmas. Os registros das aulas, realizados por observadores de campo (bolsistas do CECEMCA) em diários de campo, foram transformados em relatos ampliados (com o auxílio de gravação em cassete) e apresentados aos professores como notas para escrita da narrativa, suprindo a impossibilidade do professor, ao mesmo tempo, realizar e registrar a sua aula. Ao final do curso os professores participantes tiveram como tarefa final a redação de uma narrativa na qual descreviam a sua percepção dos aspectos abordados no curso relativos aos conteúdos e a reflexão sobre os mesmos, assim como a experiência realizada com seus alunos em sala de aula. RESULTADOS OBTIDOS Algumas dificuldades foram encontradas no transcorrer do curso, principalmente com relação aos professores que trabalhavam por três períodos (exerciam função tanto na rede municipal, quanto estadual e particular), visto que possuíam pouco tempo para acessar o curso, resultando assim na desistência dos mesmos. O curso transcorreu conforme as expectativas destacando-se o empenho e dedicação por parte das participantes. Algumas dificuldades foram observadas no que se refere ao volume de conteúdo trabalhado no curso, que foi super dimensionado para o período previsto. Em função do ritmo das professoras cursistas, observou-se que uma redução no conteúdo era fundamental para o sucesso das atividades práticas previstas. A equipe redimensionou o curso, visando atender a demanda das participantes. Os resultados positivos da experiência estão relatados nas atividades da ação colaborativa que foi desenvolvida pelas participantes. As narrativas elaboradas indicam o comprometimento coletivo das professoras com o curso proposto, e sua dedicação para que a conclusão dos trabalhos fosse feita com êxito. Observou-se ainda que foi possível para a maioria do grupo integrar cartografia e matemática com os aspectos ambientais em suas práticas pedagógicas. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 86 Projetos e práticas de formação de professores AÇÃO COLABORATIVA E AVALIAÇÃO POR MEIO DE NARRATIVAS Como ação colaborativa, os cursos realizados pelo CECEMCA foram avaliados pela inserção de saberes trazidos pelos professores participantes a partir de conexões que estabeleceram com suas práticas. A escrita, sob a forma de registros em diários de campo e também sob a forma de narrativa, consistiu no meio fundamental para tanto, o que deu maior abrangência à avaliação a respeito dos desdobramentos dos cursos nas práticas dos professores. Há uma bibliografia já bem conhecida dos pesquisadores da área da educação que dá fundamento teórico-metodológico para esta abordagem, designada por alguns como pesquisa colaborativa, a qual associamos à proposta da pesquisa narrativa apresentada por D. Jean Clandinin e F. Michael Connelly1. Por se tratar de uma ação formativa, as produções escritas podem ser tomadas como testemunhos indicativos do que se busca observar (a transformação das práticas docentes como resultados de conexões, entre o que era usual e o que se colocou como inovação, realizadas durante os cursos), além disso, o que foi narrado torna-se um enunciado para interlocução futura entre os professores narradores e outros (participantes ou não do curso). As narrativas apresentam a experiência de uma unidade de ensino, que pode ter tomado diversas aulas, sobre um tema relacionado com um dos itens do programa apresentado no curso. Consistiram, portanto, na forma sob a qual cada um dos participantes apresentou-se aos demais, narrando a experiência de suas práticas a partir dos registros. Nesse sentido, a avaliação por meio de narrativas, nesta fase inicial, estabeleceu elos de ligação entre o cotidiano das salas de aula e o lugar onde se encontram os organizadores dos cursos - alguns deles bem remotos, pois vários autores dos módulos não precisaram chegar até as escolas. O conhecimento de repercussões dos cursos à distância, por meio de narrativas dos professores, servirá como referência para as adequações a serem feitas nos próximos cursos. Notamos que 70 % dos participantes realizaram a narrativa, o que é um resultado muito bom, se considerarmos as condições objetivas de trabalho dos participantes. Destacamos, a seguir, aspectos que iluminam a qualidade das narrativas. Primeiro, a narrativa como relato de uma aula, colada na seqüência do que foi realizado, de modo impessoal. Esse tipo de texto não permite saber como as pessoas experienciaram a aula, suas dúvidas, dilemas etc, apresenta ocorrências que poderão ser objeto de reflexão por parte do leitor, embora não o convide a estabelecer conexões com suas próprias experiências. Este é um exemplo: “A atividade aplicada está relacionada ao conteúdo de Geografia e Ciências da 4a série. Portanto, procurei dar seqüência, trabalhando a planta da parte superior e pátio da escola. De imediato, os alunos deslocaram-se da sala de aula, acompanhados por mim e Rafaela, onde iniciaram a pesquisa, que surgiu a partir do conteúdo que foi desenvolvido na 1a aula de alfabetização cartográfica. Circularam por toda parte superior, alguns entrevistaram os professores, outros visitaram cada repartição (salas), anotaram o nome do profissional que ali ocupa, número de alunos que estuda em cada série etc. (...)” (Professora J.M.J.S.) VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 87 Projetos e práticas de formação de professores As narrativas, geralmente, deixam entradas para que o leitor possa, se for o caso, fazer ligações com suas próprias experiências. Destacamos este trecho de narrativa como exemplo: “Desde que ingressei no magistério, dar aulas de Geografia nunca me agradou, talvez seja pelo trauma que sofri quando estava no ginásio, pois não me sentia segura, nunca foi me passado como uma matéria prazerosa, portanto nunca gostei. Toda vez que tinha que dar essa aula aos meus alunos sentia medo de passar essa insegurança. Então, dava aquelas aulas maçantes, seguindo apenas o livro didático. Fazendo o PEC, aprendi que Geografia não é decorar, decorar e decorar, mas sim observar, comparar, refletir, etc, sobre os fatos reais. (...) Senti que os alunos ficaram motivados, porque me pediram que nossas aulas de Geografia sempre seguissem essa dinâmica.” (Professora C.S.G.B.). A prática de produção de narrativas permitirá ainda que se crie nos cursos um ambiente colaborativo de fato, pois elas convertem-se em uma construção e re-construção compartilhadas, “uma mesma pessoa está ocupada, ao mesmo tempo, em viver, em explicar, em re-explicar e em re-viver histórias” (Connely e Clandinin, 1995, p. 22). CONSIDERAÇÕES FINAIS A aplicação do curso piloto de formação continuada abordando o tema Cartografia e Meio Ambiente foi uma oportunidade ímpar de realizarmos, na prática, a ação de formação proposta pelo CECEMCA – Núcleo Rio Claro, envolvendo professores de 1º a 4º anos do Ensino Fundamental. Embora a maioria dos professores possuísse computador em casa, com acesso à internet, muitos deles não os utilizam no seu dia a dia. Alguns professores deram depoimento de que o curso piloto oferecido permitiu pela primeira vez seu acesso a correio eletrônico e navegação na internet. A experiência adquirida no curso piloto permitiu a readequação dos assuntos trabalhados em classe, ou através das aulas à distância, para que o rendimento dos professores seja adequado. Desta forma, através da interação com as professoras participantes dos cursos, foi possível a construção do conhecimento do grupo todo, professores da universidade, estagiários e professores cursistas, o que leva a uma formação contínua e integrada de todos os participantes do processo. Os cursos ministrados tiveram a vantagem de aprofundar alguns dos conteúdos já de domínio dos professores, levando-os a refletir sobre suas práticas e ampliando as possibilidades de exploração dos recursos da internet. Conteúdos como Sensoriamento Remoto e Cartografia Tátil, no curso de Cartografia e MeioAmbiente, foram inovadores e atraentes, faltando aos cursos maior tempo para que os professores pudessem se dedicar ao aprofundamento dos mesmos. Deve-se destacar que a maioria dos professores justifica o seu maior domínio de um conteúdo, em detrimento de outro, devido à sua formação inicial, inclusive no que se refere ao uso de materiais didáticos. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 88 Projetos e práticas de formação de professores Os resultados obtidos apontam para a importância e a necessidade de atividades de formação continuada que permitam aos professores em exercício terem acesso ao conhecimento para se manterem atualizados frente ao desenvolvimento da cultura e das ciências. Observou-se ainda que o trabalho pautado na ação-reflexão-ação é um determinante na mudança de conduta do professor em sala de aula. O exercício de pensar as suas práticas e redigir narrativas sobre suas atividades cotidianas permitirá ainda que se crie nos cursos um ambiente colaborativo de fato, pois elas se convertem em uma construção e re-construção compartilhadas. BIBLIOGRAFIA BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Ambiente. Brasília: MEC/SEF, 1998. CLANDININ, D.J. & CONNELY, E.M. Relatos de experiência e investigación narrativa. In: Déjame que te cuente: ensayos sobre narrativa y educación. Barcelona: Editorial Laertes. Pp. 11-59. 1995. MARTINELI, M., PEDROTTI, F. A Cartografia das Unidades de Paisagem: Questões Metodológicas. Revista do Departamento de Geografia, 14 (2001): 39-46. NOTAS 1 CLANDININ, D.J. & CONNELY, E.M. Relatos de experiência e investigación narrativa. In: Déjame que te cuente: ensayos sobre narrativa y educación. Barcelona: Editorial Laertes. Pp. 11-59. 1995. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 89 Projetos e práticas de formação de professores FORMAÇÃO DOCENTE A DISTÂNCIA: DISTANTE DE QUEM? A TUTORIA COMO DIFERENCIAL EM EAD NO CURSO NORMAL SUPERIOR DO CENTRO UNIVERSITÁRIO HERMÍNIO OMETTO – UNIARARAS – UMA PROPOSTA PRESENCIAL MUSSI, Amali de Angelis; GUILHERME, Claudia Cristina Fiorio; MONTEIRO, Aneridis Aparecida; PACHECO, Márcia Maria Reis Dias; CARVALHO, Lúcia Helena de Carvalho; SANO, Midori (Centro Universitário Hermínio Ometto- UNIARARAS) Os assuntos ligados a formação de professores em cursos a distância sempre causam polêmicas, especialmente porque as propostas deste tipo de educação surgiram há décadas atrás, com bases behavioristas, elaboradas em modelos de instrução programada, e também organizadas para cursos, em sua grande maioria, essencialmente técnicos. Os alunos de tais cursos recebiam um material para estudo individual (auto-estudo) e depois comprovavam, por meio de testes, enviados aos “formadores distanciados”, a aquisição satisfatória (ou não) de conhecimentos. Atualmente, um grande número de pesquisadores da área educacional condena as propostas de formação docente nos moldes de EAD (Educação a distância), pois entendem a sustentação das mesmas nesses moldes iniciais (décadas de 40 e 50) - condutivistas/objetivistasque implicam em conceitos inapropriados sobre a educação como a transmissão, instrução, mecanização e mera transferência de informação. Temos adotado para a formação docente do século XXI, de forma oposta, um paradigma onde a interação humana é que garante a educação, e isto, de certa forma, justifica o elevado número de profissionais contrários a EAD: Em algumas instituições, os docentes questionavam a legitimidade de tais propostas por considera-las, acima de tudo, uma manifestação dos enfoques tecnocráticos do ensino de da aprendizagem. Os projetos de educação a distância eram caracterizados como uma metodologia do tipo processo-produto, a qual respondia aos critérios de uma eficácia instrumental. Argumentavase, além disso, que todas as propostas consideradas nessa modalidade apoiavam-se em técnicas condutivas de estímulo-resposta, desconhecendo a interação das dimensões psicológicas, sociais e políticas que perpassam todo processo educacional. Não obstante essas generalizações, também é certo que muitos projetos com os quais se deu origem a essa forma de estudo em diferentes lugares do mundo tinham uma forte marca tecnicista, tanto em sua concepção pedagógica global como no desenho de seus materiais. (Coiçaud, 2001, p.55) A justificativa da negação desta forma de educação aos olhares julgadores, parte do entendimento dos termos, pois educação e ensino para alguns são coisas distintas, com intenções e resultados diferentes. Sob a ótica das críticas, não podemos chamar de educação a VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 90 Projetos e práticas de formação de professores distância o que se propõe atualmente, mas de ensino a distância (Cascino, 2001). Contraargumentando estes estudiosos que condenam por completo a formação de professores a distância, nossa proposta é indicar a EAD para a formação docente em nossos moldes, como um amplo processo de mudança de paradigmas, ou seja, para além de modismos, a formação docente fora da sede, ou a distância, é entendida por nosso grupo de pesquisadoras como uma crescente democratização de saberes em nível superior e também como a crença na formação de professores para a autonomia, para o constante aprender a aprender, sendo assim, sob a nossa ótica, uma excelente oportunidade de construir o conhecimento, desenvolver competências e habilidades, além de dominar a tecnologia atual pelo contato direto com os mídias. Esta problematização com relação a nomenclatura e crítica aos formatos e materiais dos cursos de EAD (tecnofilia) enfocam a necessidade da presencialidade como condição sine qua non na promoção do conhecimento humano, subentendendo o conceito de educação que exprime a idéia de que é na interação que ocorre a construção de conceitos e que o compromisso ético exige a fisicidade dos sujeitos: Em complemento, a educação não é apenas um somatório de experiências presenciadas, vividas, mas um sem-número de informações refletidas, acumuladas, articuladas. É tentativa e erro, carinho e raiva, conquistas e derrotas. Não está afeita a um lugar ou um momento específico...A educação é multiforme, polifônica, inacabável. Daí decorre a afirmação de que o componente importante ao ato educativo é sua fisicidade, sua presencialidade. Contudo, se a distância que possibilita a realização da diferença torna-se afastamento, separação entre os indivíduos, passa a ser solo fértil onde o poder pode plantar sua lógica: o “indivíduo só e nu”. (Cascino, 2001, p.55) Ao empregar no meio acadêmico o termo educação a distância para a formação docente tem-se a impressão de que estamos lesando a Pedagogia. É como se estivéssemos cometendo um grande pecado educacional por algumas razões apontadas anteriormente. Pretendemos neste estudo, construir um outro discurso em EAD com uma figura que altera sua condição de vilã e a transforma em possibilidade real de ampliação da formação docente pela ausência da separação física e formação de um grupo de alunos: o tutor. No Brasil a Educação a Distância foi normatizada pela LDB 9394/96, pelos Decretos nº 2.494, de 10 de fevereiro de 1998 e nº 2.561, de 27 de abril de 1998. A nova LDB desencadeou um processo de oferta desta forma de educação, especialmente para atender o que estava socialmente visível: a alta demanda pelo ensino superior. A partir da legalização (LDB 9394/96) houve uma preocupação com o cadastramento (MEC) de instituições públicas e privadas que ofereceriam educação superior aos brasileiros, no caso das licenciaturas, através dos Institutos Superiores de Educação (ISEs). Nesse direção é que surge o Normal Superior visando atender esta alta demanda e também a indicação legal que enfatizava a necessidade da formação dos professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (primeiras séries) em nível superior. As preocupações legais com os profissionais da educação estão em completa consonância com a sociedade atual, ansiosa pela democratização do ensino e pela qualidade da VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 91 Projetos e práticas de formação de professores educação, assim como pela caracterização de um mundo pleno de mudanças instantâneas que exigem um novo professor: dotado de competências, autonomia e criatividade. Assim, a educação a distância para a formação de professores objetiva levar o ensino superior aos brasileiros que não dispõem de meios para buscarem o ensino superior, ou mesmo, terem acesso a este nível de ensino, o que, de certa forma, estaria centrado na concepção ampla de escola e educação inclusivas. Modelos e experiências surgiram nesses últimos anos voltados para a formação de professores e dentre eles destacamos: PEC-Formação Universitária (SEE/SP), Pedagogia Cidadã (UNESP), Curso Normal Superior Fora de Sede (UNIARARAS), PCN em ação (Formação Continuada- MEC/SEE/SME), PROFA – programa de formação do professor alfabetizador (Formação Continuada (MEC/SEE/SME). Cada um destes dotado de identidade singular, com múltiplas combinações de linguagens e recursos. Enfocaremos um destes, o Curso Normal Superior Fora de Sede, do Centro Universitário Hermínio Ometto – Uniararas. Este curso foi estudado por nossa equipe de pesquisa durante dois anos (2003 e 2004), e, toda a equipe de pesquisadoras (teve) tem contato com alunos, tutores e supervisores do Curso, além de também compor a equipe pedagógica desde 2003. O Curso Normal Superior Fora de Sede da Uniararas nasceu com uma proposta especial de dois anos com um modelo diferenciado de EAD, pois além de oferecer os mídia, comuns aos programas de EAD, tem a presença de um tutor para encurtar distâncias e tornar possível o caráter de grupo de alunos, com a presencialidade e fisicidade diárias necessárias à educação problematizadora e interativa: O modelo didático do Curso Normal Superior é um modelo que usa multimídias e a presença de um professor-facilitador (tutor) para encurtar distâncias e alcançar um grande contingente de alunos. Traz, um novo conceito de ensinar a distância, valorizando a comunidade de aprendizagem. Por isso, é considerado presencial, pois os alunos devem freqüentar, diariamente, as aulas sob orientação de um facilitador (tutor) utilizando-se dos recursos tecnológicos de educação a distância. (...)A metodologia de ensino a distância revoluciona a própria aula presencial, porque a torna replicável tanto em seu conteúdo quanto no que se refere às estratégias e etapas de ensino-aprendizagem adotadas. Isso ocorre sem que o docente e os alunos deixem de ser protagonistas nesse processo, pois ambos, a partir do estabelecimento de novas conexões e relações entre os conteúdos abordados e fatos mais próximos no tempo e no espaço, ressignificam e atribuem novos sentidos às propostas e atividades. Esta possibilidade deve-se, prioritariamente, ao processo de interação entre alunos e tutor, em tempo real e ao vivo na sala de aula local onde, inclusive os demais componentes didáticos estarão presentes, à disposição dos alunos. Tem como objetivos: VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 92 Projetos e práticas de formação de professores · Construir, compartilhar, sistematizar conhecimentos significativos, ou seja, conhecimentos que façam sentido para a vida dos alunos nas dimensões pessoal e profissional; · Compreender e aplicar conceitos em situações de prática de aula, seja em estágios supervisionados ou no exercício docente dos alunos que já trabalham, seja em simulações ou casos construídos com base em situações educativas reais; · Sistematizar e socializar a reflexão sobre a prática docente; · Avaliar a própria aprendizagem. (Proposta Pedagógica CNSFS, 2003) Este curso estruturou-se a partir das demandas de melhoria da educação escolar de crianças e das discussões recentes sobre as especificidades do trabalho profissional do professor. O objetivo geral é promover transformações efetivas nas práticas curriculares da formação de professores, procurando superar a insatisfação generalizada com os modelos vigentes. O seu maior desafio é preparar professores para a escola básica contemporânea que, como diz a Resolução CNE nº 1, de 18 de fevereiro de 2002, é uma novidade social e cultural. Portanto, a meta prioritária do Instituto Superior de Educação – UNIARARAS é o desenvolvimento do professor, de modo a favorecer o exercício autônomo e responsável das funções profissionais. Prevê, nesse sentido, a construção de uma escola comprometida com o aprendizado do aluno, exigindo uma formação profissional de alto nível para seus professores, de modo a atender todas as demandas pertinentes à docência. Caracteriza-se como EAD na questão de dar-se fora de sua sede, por usar recursos tecnológicos, mas o Curso Normal Superior Fora da Sede não se encaixa nas concepções tradicionais de EAD (conceitos de estudiosos das décadas de 60 e 70), pois estavam pautadas em métodos de instrução que secundarizavam o papel do aluno e estavam voltadas à transmissão eficiente de informações na tentativa de superar a relação face a face presencial determinadas em um tempo e espaço. Por outro lado, nosso modelo não se dá na Sede e nem há contato presencial com os professores do curso, mas apresenta-se como “semi-presencial”, especialmente pela mediação ocorrer através de um tutor, mas ainda sem um termo específico para a singularidade da proposta. Este nosso tipo de modelo de EAD, relativizado pelo diferencial do tutor e do grupo presencial fora da sede, estaria voltado a uma concepção interacionista de ensino e o “facilitador” pedagógico, no nosso caso, o tutor, seria a figura responsável pela relação dialógica imprescindível ao aprendizado dos alunos. ANALISANDO O PERFIL E O PAPEL DO TUTOR NO CURSO NORMAL SUPERIOR FORA DE SEDE DA UNIARARAS: A PRESENÇA QUE ENCURTA DISTÂNCIAS Baseados nos pressupostos de Educação a Distância do Centro Universitário Hermínio Ometto – autonomia, aprendizagem contínua, espaços colaborativos de aprendizagem - o Curso Normal Superior surge integrado ao Programa Especial de Formação Pedagógica VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 93 Projetos e práticas de formação de professores Superior, inicialmente, destinado a oferecer a graduação para professores em exercício nas redes públicas, conforme Deliberação CEE nº 12/2001. O CNSFS (Curso Normal Superior Fora de Sede) é descentralizado, oferecido na sede de municípios e exige a presença diária dos alunos. Foi credenciado pelo MEC através da Portaria nº 1500 de 26/05/2004 e atualmente tem duas modalidades: Ï% CNSFS 02 anos - destinado a professores da rede pública e privada que já possuem o curso Normal ou Magistério em nível Médio; Ï% CNSFS 03 anos – destinado a alunos provenientes do ensino Médio. A Uniararas, neste ano de 2005, conta com 180 pólos no Estado de São Paulo, perfazendo um total de 9.562 alunos e 2.435 concluintes. O CNSFS conta também com recursos e materiais que são disponibilizados em cada um dos pólos, há uma preocupação com relação ao espaço físico das aulas e para isso há uma equipe na Uniararas que se encarrega de visitar e autorizar os locais e ainda uma seleção de Tutor para acompanhamento do grupo. Além de criteriosa seleção (o que inclui a preocupação da formação superior na área da Educação), o grande requisito, e que reconhecemos a sólida base do trabalho do tutor, é a sua experiência na educação básica, mediante os seus conhecimentos práticos e seus conhecimentos científicos, assim ele personifica os requisitos para conduzir o Curso Normal Superior Fora da Sede, com sua proposta pedagógica a qual comentamos objetivamente acima. A tutoria presencial visa atender às necessidades socioculturais dos alunos e garantir a interação, humanizando o processo de aprendizagem fora da Sede. Há também capacitações na sede para esclarecimento e discussões de questões conceituais, metodológicas e estruturais (desde a discussão teórica do material, função do tutor, funcionamento dos equipamentos, etc.). O dia-a-dia da tutoria e de segunda a sexta-feira, cumprindo uma carga horária de quatro horas e meia por dia. Ele tem capacitações mensais realizadas pela equipe pedagógica ou pelo supervisor de sua área, um roteiro de aula, onde são sugeridas atividades e leitura de textos que ele pode enriquecer a aula do dia, que tem como base o material escrito e a aula televisiva e que preparada e gravada pelo professor especialista da sede. Este trabalho conjunto gera uma harmonia, porque o tutor sente amparado pela equipe e pelo professor. Com as capacitações e a liberdade para o tutor sanar qualquer dúvida por telefone ou via e-mail a sua atuação pedagógica é eficiente, gerando nos alunos uma tranqüilidade e uma aprendizagem dinâmica e reflexiva do aprender a aprender. Outra face que não poderíamos deixar de evidenciar são os elos afetivos que essa proposta nos tem revelado, temos relatos que demonstram que alem da formação profissional a formação pessoal destaca em nossos alunos e tutores, onde o regaste da auto-estima, da convivência social e os valores aprimorados, estão na convivência do cotidiano em nossas salas de aulas. Entendemos que a educação tendo este aporte complementar o humano fica sustentado e o profissional alicerçado nas bases do conhecimento necessário para gerar profissionais autênticos e capacitados para formar cidadãos competentes para atuarem no mundo globalizado. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 94 Projetos e práticas de formação de professores Alguns dados obtidos através de pesquisas realizadas pelos tutores em exercício e formação contínua (Monografias apresentadas ao Curso de Pós Graduação Stricto Sensu Formação de Formadores – Centro Universitário Hermínio Ometto – 2004/2005) nos acenam positivamente a este tipo de proposta, principalmente pela figura do tutor presencial. Traçamos, pelos dados dos tutores, um cenário de nossos alunos do CNSFS: 99% da clientela são do sexo feminino; a grande maioria procurou o curso (2 anos) para não “perder” o emprego ou para nova oportunidade de trabalho (3 anos); as idades variam de 25 a 40 anos. Nas monografias são apontados os depoimentos de alunos que evidenciam o CNSFS como a realização do sonho de “cursar uma Faculdade”, a oportunidade de reconhecer e utilizar os novos recursos tecnológicos para uma educação do futuro (uso das TIC’s) e essencialmente a importância da presença do Tutor, que toma o lugar de um “aprendente”, o que os aproxima mais (alunos e tutor) e possibilita um processo de comunicação que ultrapassa o entendimento do tutor como alguém que controla os alunos e o torna o CNSFS um novo espaço de construção e reconstrução de saberes, dentro de uma dimensão colaborativa na sala de aula possibilitada pela presença e atuação do tutor. . Assim, o tutor, um profissional que ainda não é reconhecido no meio acadêmico, que tem seu papel questionado, ganha uma nova dimensão: um misto de mediador “interacionista”, pois tutores e alunos, em suas cidades, vão descobrindo aos poucos as novas dimensões do ensinar e aprender. O tutor para nós tem se configurado como um profissional que passa a ser um gestor de ensino e de aprendizados em espaços e tempos diferenciados. Dizemos, assim, que encurtar distâncias é a possibilidade de recriar uma sala de aula com as dimensões de uma instituição que desempenha o seu papel de oferecer cursos e desenvolver a sua missão de gerar profissionais competentes, e, na percepção dos alunos do CNSFS é: - tornar o aprendiz sujeito de seu aprendizado; - redimensionar possibilidades metodológicas; - aprender com o trabalho coletivo e com as relações interpessoais; - ter a presença do tutor na sala de aula. Em síntese, a nossa proposta com esta análise do CNSFS é discutir como tornar possível novos processos de ensinar e aprender na formação docente e continuar pesquisando sobre esses novos tempos e espaços no ensino superior. Sem esgotar o assunto, apresentamos aqui parte dos dados que temos em mãos e que, num segundo momento pretendemos cruzar com outros dados de avaliação do CNSFS da Uniararas que foram coletados pela Fundação Carlos Chagas. BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, Inês Olinda Botelho. Educação a Distância: gestão, desafios e perspectivas. Araras, 2005. Monografia (Pós Graduação- Formação de formadores para educação infantil e ensino fundamental) UNIARARAS, Araras, SP. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 95 Projetos e práticas de formação de professores AZZARINI, Ana Maria Gimenes. O perfil do tutor na educação a distância – experiência no curso normal superior fora da sede. Araras, 2005. Monografia (Pós Graduação- Formação de formadores para educação infantil e ensino fundamental) UNIARARAS, Araras, SP. BRASIL/MEC/ Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, MEC, 23/12/ 1996. ______ Educação a distância. Decreto nº 2.494, de 10 de fevereiro de 1998. ______Decreto nº 2.561 de 27 de abril de 1988. Altera a redação dos artigos 11 e 12 do Decreto2.494, de 10 de fevereiro de 1998, que regulamenta o disposto no artigo. 80 da LDB 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. ______Portaria Ministerial MEC 301/98, normatiza os procedimentos de credenciamento de instituições para a oferta de cursos de graduação e educação profissional tecnológica a distância. ______ Resolução CNE/CES nº 01 de 3 de abril de 2001. Estabelece normas para a pós graduação lato e stricto sensu. CAMPOS, Adriana Cristina Agnelli Corte. Educação a Distância: o desafio de profissionais da educação. Araras, 2005. Monografia (Pós Graduação- Formação de formadores para educação infantil e ensino fundamental) UNIARARAS, Araras, SP. CASCINO, Fábio. Ensino a distância e presencialidade: uma discussão necessária. 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VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 96 Projetos e práticas de formação de professores ROSSINI, Antonio Otávio. Educação a distância: características e objetivos de um ensino futurista. Araras, 2005. Monografia (Pós Graduação- Formação de formadores para educação infantil e ensino fundamental) UNIARARAS, Araras, SP. SIQUEIRA, Cidalia Maria Cepeda. Educação a distância e as redes colaborativas de aprendizagem no contexto atual. Araras, 2005. Monografia (Pós Graduação- Formação de formadores para educação infantil e ensino fundamental) UNIARARAS, Araras, SP. VIGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente: desenvolvimento dos processos psicológicos superiores.6ª.ed. São Paulo, Martins Fontes, 1998 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 97 Projetos e práticas de formação de professores NÚCLEO DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE SOCIOLOGIA: TEORIA E PRÁTICA NO FAZER PEDAGÓGICO MENDONÇA, Sueli Guadelupe de Lima - UNESP O Núcleo de Ensino (NE) da FFC/UNESP tem desenvolvido, entre outras pesquisas, desde o início de seus trabalhos, pesquisas sobre a formação inicial e continuada de professores em Sociologia, bem como sobre a presença da disciplina Sociologia nas escolas, na região de Marília. Além desses temas, também tem investigado o cotidiano escolar das escolas parceiras, visando a apreender elementos da realidade escolar que possibilitassem a elaboração de diagnóstico e propostas de soluções para os principais problemas existentes nessas instituições. A pesquisa pioneira de CHAMMÉ e MOTT “A realidade do ensino da sociologia no 2º grau: inovações e continuidades”, desenvolvida junto ao Núcleo de Ensino, na região de Marília, buscou identificar a realidade do ensino da Sociologia nas escolas de 2º grau. Analisando o período de 1984 a 1993, os pesquisadores, embora constatando a quase duplicação de escolas com a referida disciplina, encontraram, também, condições desfavoráveis à consolidação da Sociologia na grade curricular. As razões que explicam tal fato são diversas e perpassam desde a falta de condições estruturais até a resistência ideológica de parte significativa da comunidade escolar frente à Sociologia. A realidade do ensino de Sociologia para o 2º grau revela-se, pois, delicada e preocupante se considerarmos que a pulverização da carga horária, em várias disciplinas distintas, representa a possibilidade que os professores das disciplinas da área de Humanas têm de complementar suas cargas horárias e, então, poderem perceber os parcos rendimentos que o Governo do Estado oferece aos professores da Rede. Com salários aviltados, que mal lhes permite a assinatura de um único jornal que seja, o que dizer sobre a compra de livros? Além disso, estando eles responsáveis por diferentes disciplinas, múltiplos programas específicos e iguais Propostas Curriculares, mal lhes sobra tempo para correção de trabalhos e provas de seus alunos... (CHAMMÉ, MOTT, 1996, p. 127). As dificuldades detectadas para a disciplina de Sociologia, como também para os seus professores, são muito próximas, pois ambos, além dos problemas característicos da educação brasileira, encontram um elemento adicional a sua situação específica na Rede Pública de Ensino, qual seja, a desvalorização dessa disciplina e também do seu profissional, conseqüência direta de décadas da sua inconstante presença no currículo da escola. Esse processo de ”entra e sai” do currículo, ao longo da história da educação brasileira, não permitiu a consolidação da disciplina Sociologia e, conseqüentemente, o reconhecimento e o “status” das outras disciplinas já VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 98 Projetos e práticas de formação de professores consolidadas na grade curricular como Português e Matemática. As razões que justificam tal processo ainda precisam ser melhor investigadas pelos pesquisadores da área. Além disso, a concepção de sociedade e de educação dominante no Brasil contribuiu significativamente para a maior marginalização da Sociologia na escola. Diante do quadro já desolador de marginalidade em que se encontra a população brasileira em relação ao processo educativo excludente e expulsivo, no qual apenas pequena parcela que se manteve no processo de escolaridade ou que a ele retornou chega a freqüentar o 2º grau, pudemos observar – no tocante ao desinteresse ou à desinformação sobre os reais objetivos da Sociologia no 2º grau – a presença de uma situação de tal sorte reprodutivista e não interpretativa, capaz de contribuir para a geração do desinteresse e o conseqüente distanciamento do papel que o Ensino e 2º grau, por meio das inter-relações estabelecidas a partir da discussão crítica por disciplinas como a sociologia, poderia desempenhar na formação do indivíduo. (idem, p.123-124). O diagnóstico elaborado pela primeira pesquisa do NE sobre a realidade da disciplina Sociologia na Rede Pública de Ensino só veio a se agravar, como também toda a problemática da escola. Tivemos, objetivamente, um decréscimo das aulas de Sociologia nas escolas e o surgimento e consolidação de um novo fenômeno: indisciplina e violência na escola. Sabemos que a escola expressa, em muito, em seu micro espaço social, os problemas maiores da sociedade. Se há o aprofundamento do nível de exclusão social manifesto pelo desemprego, fome, falta de perspectiva de futuro, etc., também encontraremos na escola não só reflexos dessa exclusão social maior. A própria instituição desencadeia o seu processo de exclusão interno ao discriminar seus agentes sociais frente à ausência de respostas aos problemas que enfrenta no seu dia a dia. Neste sentido, as políticas educacionais dos últimos Governos Federal e Estadual corroboram para o acirramento da crise estrutural da educação. A política de avaliação “Progressão Continuada”, desvirtuando a proposta original de ciclos, ao não dar as condições necessárias à escola a sua implementação (diminuição de número de aluno por sala, qualificação profissional, infra-estrutura, etc.) criou o fenômeno da exclusão dentro do processo de inclusão. Hoje, há alunos formalmente aprovados, que não dominam os conhecimentos mais elementares do ler e escrever, que conseguem chegar ao ensino médio. Assim, temos na escola, cada vez mais, um grande número de alunos discriminados por não ter conseguido se apropriar dos conteúdos curriculares, mas aos olhos da estatística oficial do Governo estão aptos na sua escolaridade. A indisciplina é uma das conseqüências desse processo, que se não enfrentada adequadamente pode chegar a níveis de violência não desejados na escola. Nos últimos anos, o NE tem sido muito procurado pelas escolas públicas de Marília e região exatamente para assessorá-las na busca de soluções para dois problemas centrais: as dificuldades de aprendizagem dos alunos e a indisciplina. Esses problemas estão presentes desde as escolas das séries iniciais do ensino fundamental até ao ensino médio, transformando-se em VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 99 Projetos e práticas de formação de professores sério desafio para aqueles que atuam na educação. Neste sentido, alunos e docentes do curso de Ciências Sociais assumiram esse desafio e se envolveram, via NE, nessa nova frente de atuação: as séries iniciais do ensino fundamental. O NE tem atuado em uma escola, em especial, de 1ª a 4ª séries com trabalho interdisciplinar (Português, Matemática, Filosofia e Ciências Sociais). O trabalho foi realizado com três turmas, com cerca de 60 alunos no total, com cada turma tendo duas horas e meia de aula de Reforço por semana, em horário diferente das aulas regulares. A primeira etapa do trabalho do NE foi conhecer as professoras responsáveis, bem como delinear o perfil e as dificuldades dos alunos do reforço, tendo chegado nas seguintes questões: a)Sérias dificuldades de aprendizagem: os alunos não dominam o ler e o escrever, comprometendo profundamente os conteúdos das áreas específicas, especialmente os das Ciências Humanas (História/Geografia), ficando a parte conceitual extremamente prejudicada, gerando graves distorções na 5ª série, quando, na verdade, o aluno se defrontará, de fato pela primeira vez, com os conteúdos dessa área do conhecimento. b) Frágil formação dos professores na área de Ciências Humanas: os docentes da escola, nas reuniões periódicas dos projetos anteriores de Ciências Humanas, declararam, por diversas vezes, não dominar os conteúdos de História e Geografia, pois simplesmente não tiveram esses conteúdos na sua formação específica. Logo, optavam por não ensiná-los, para não ensinálos errados. Esse fato já explicitava a forte resistência ao conteúdo desconhecido, principalmente pela sua ausência na formação desses professores. O trabalho de sensibilização junto aos professores foi um dos investimentos de destaque do NE. c) Difíceis relações entre os agentes sociais da escola: o motivo que levou a escola procurar a UNESP foi exatamente a dificuldade que enfrentava frente aos problemas de indisciplina e de violência. Por sua presença constante na escola, os vários projetos do NE puderam constatar que a indisciplina tinha pelo menos duas matrizes centrais: uma se centrava na própria dificuldade do aluno em aprender, derivada muitas vezes pela limitação do professor em ensinar; outra gerada nas relações extremamente desequilibradas entre os agentes sociais da escola, como, por exemplo, professor/aluno, aluno/aluno, professor/direção/coordenação, escola/ comunidade. Esta escola é do distrito de Marília, sendo seus alunos, em sua maioria, de baixa renda, de famílias desestruturadas, com graves problemas de sociabilidade (alcoolismo, desemprego, fome, etc.). Essa combinação de fatores se transforma numa “bomba social”, quando os agentes sociais não se conscientizam da necessidade de mudança dessa situação. Apesar de ser um processo extremamente lento e difícil, a escola já deu um primeiro passo ao reconhecer a existência de problema e ao buscar auxílio. Diante do quadro, o NE atuou interdisciplinarmente através de basicamente dois projetos pedagógicos: “Identidade”, que buscava resgatar as raízes e a cultura dos alunos; e “Igualdade e Diferenças”, que trabalhava a discriminação econômica e racial, explicitando muitos conflitos e preconceitos dos agentes sociais da escola. Concomitantemente, foram realizadas VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 100 Projetos e práticas de formação de professores entrevistas com os próprios alunos, seus professores e pais, visando traçar o perfil sócio-econômicocultural desse aluno. Esse trabalho articulado do NE foi, lentamente, resgatando a auto-estima dos alunos e professores, favorecendo o desenvolvimento de atividades pedagógicas, organizadas a partir da realidade adversa desses alunos. Gradativamente, os alunos foram apresentando avanços significativos, em termos conceituais nas diversas áreas, bem como melhor domínios no ler, escrever e contar. Esses resultados parciais só foram possíveis porque houve, na prática, um trabalho interdisciplinar dos diversos projetos através de atividades criativas que passavam desde jogos lúdicos de matemática à recriação de historinhas infantis, em especial do Patinho Feio, com conteúdos voltados à temática da cidadania e discriminação social. Assim, os alunos foram recuperando, aos poucos, o interesse pelos estudos, bem como hábitos de estudar, que não existiam anteriormente, dispondo-se à realização das atividades com uma vontade de “conhecer o desconhecido e desvendar o conhecido” reconquistada nesse processo. Os alunos do reforço, aptos para participar da avaliação do SARESP de 2002, tiveram um desempenho muito bom, chamando a atenção da escola. Mesmo com os importantes avanços destacados acima, se faz necessário ainda um acompanhamento mais de perto e diferenciado junto a esses alunos. Assim, para os alunos do curso de Ciências Sociais a experiência concreta com educação, através do NE, tem permitido uma formação diferenciada para a docência, mudando sua perspectiva como futuro profissional. O trabalho apresentado dá pistas concretas de como a área de Ciências Humanas pode estar contribuindo efetivamente para mudar esse quadro caótico da educação pública. A estratégia de atividades que privilegiem o processo de resgate de identidade dos alunos como sujeito histórico, como aluno, como cidadão dentro do mundo contemporâneo, se mostrou extremamente eficaz. Em decorrência, se apresentou uma demanda efetiva de elaboração de material didático-pedagógico voltado a situação específica. Esses desafios devem se constituir em eixos permanentes na formação de professores na área de Ciências Humanas, em especial, de Sociologia. Vale lembrar que a licenciatura de Ciências Sociais, desde 2002, vem trabalhando nas disciplinas de Prática de Ensino e Didática a produção de material didático-pedagógico para o ensino fundamental e médio, abordando temáticas como: a questão racial na escola; cidadania; história do Brasil contada a partir da participação da juventude nos movimentos sociais; questão indígena, questão ambiental; questão do trabalho, do tempo e participação política; história do Brasil a partir de charges de época; etc. Toda a produção foi incorporada ao acervo do NE, que busca constituir um Laboratório de Ciências Humanas, construído a partir de experiências significativas na formação dos alunos. CONSIDERAÇÕES FINAIS As Ciências Sociais têm um papel fundamental no resgate da identidade da instituição escolar, passando por um amplo processo de reflexão e transformação de seus agentes, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 101 Projetos e práticas de formação de professores isto é, alunos, professores, funcionários e a comunidade local. Isso implica uma nova perspectiva de atuação da universidade, trazendo para si a necessidade de redefinir o seu trabalho acadêmico, principalmente no que se refere à formação de professores e pesquisa educacional. Neste sentido, a Sociologia tem uma contribuição valiosa a fazer nesse processo de busca de novas relações sociais no âmbito da escola, bem como no estabelecimento das diretrizes e conteúdo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) na área de Ciências Humanas, que venham a colaborar na construção de alternativas pedagógicas, que possam estar subsidiando, de modo mais efetivo, os desafios do fazer pedagógico no cotidiano escolar. Para darmos conta de tal tarefa, ou seja, do fazer pedagógico, temos como fio condutor a indissociabilidade entre a teoria e a prática. Para tanto se faz uma ferramenta vital desse processo a formação dos agentes sociais envolvidos. O planejamento de várias atividades que articulam a relação teoria/prática busca criar novos caminhos que consigam construir processos educativos mais consistentes, aliando a necessária reflexão sobre ação, com os indispensáveis fundamentos teóricos para começar a compreendê-la, numa relação dialética onde os pólos interagem. Por isso, a necessidade de seminários de estudos sobre os problemas encontrados no cotidiano escolar, visando a elaboração de subsídios para avançar na superação desses problemas. Na perspectiva da formação docente, defendemos a concepção que a práxis pedagógica só é possível com pesquisa, com uma permanente reflexão do professor sobre a sua ação, o que o leva a produção de conhecimentos, de sabres pedagógicos. Sem dúvida, isso requer uma articulação cada vez mais complexa no interior da escola e nos projetos que se disponham a contribuir nessa direção. Neste sentido, as Ciências Sociais têm um grande desafio à frente no trabalho da (re) significação das relações sociais no interior da escola e dos seus conteúdos curriculares, buscando recuperar o distanciamento histórico e teórico das últimas décadas, em especial a Sociologia, que pouco se dedicou à educação, trazendo sérios prejuízos à escola e à pesquisa científica. Os PCN e a própria Lei de Diretrizes da Educação Nacional (LDB) ressaltam a importância dos conteúdos das Ciências Humanas na formação do aluno desde a escolarização inicial, apesar da quase inexistência das disciplinas de Sociologia e Filosofia na educação básica. Porém, contraditoriamente, verificamos a desvalorização das Ciências Humanas na vida da escola, que ultrapassa a questão curricular, explicitando-se como um problema maior de crise de valores éticos e morais da própria sociedade. O acúmulo de pesquisa e atuação do NE junto à Rede Pública de Ensino possibilitou o delineamento de novas diretrizes à licenciatura de Ciências Sociais, que vem, aos poucos, repensando o seu processo de formação de professores. A articulação entre a licenciatura e o trabalho do NE vem se constituindo no novo caminho a ser trilhado no processo de formação de professores de Sociologia. Atualmente, com a Resolução CNE/CP 2, de 19/02/2002, juntamente com o Parecer CNE/CP 28/2001 - que define as novas diretrizes para os cursos de formação de professores, instituindo 400h de prática vivenciada ao longo do curso, 400h de estágio curricular VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 102 Projetos e práticas de formação de professores supervisionado - iniciativas como dos projetos do NE precisarão ser incentivadas e ampliadas, se a universidade pública quiser garantir a qualidade da formação docente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHAMMÉ, S.J., MOTT, Y.T..”A realidade do ensino da sociologia no 2º grau: inovações e continuidades”. In BICUDO, M. A . V., BERNARDO, M. V.C. (orgs.). Núcleos de Ensino: um projeto de educação continuada. São Paulo: Editora da Unesp, 1996. COLL, C.C. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. GENTILI, P. (org.). 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VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 103 Projetos e práticas de formação de professores O ESTÁGIO NA FORMAÇÃO DOCENTE: UM OLHAR PARA A INCLUSÃO ATRAVÉS DA ARTE SARTORI, Janete de Andrade (Faculdade Mozarteum de São Paulo) A FAMOSP – Faculdade Mozarteum de São Paulo, tendo como missão a formação de professores, estende sua responsabilidade social para além da dimensão da educação escolar. Fundamentada em sua história e experiência, as ações que desenvolve têm como eixo a arte e a educação. A arte sempre esteve presente, desde o início da história da humanidade, em todas as formações culturais: o homem sempre comunicou suas idéias, pensamentos e sentimentos através da arte. A arte de cada cultura revela o modo de perceber, sentir e articular valores e significados às relações entre os indivíduos numa sociedade. Hoje, arte constitui-se numa forma de comunicação rápida e eficiente, estimulando a visão, a escuta e os demais sentidos, tornando-se uma porta de entrada para uma compreensão mais significativa das questões sociais. Usualmente, a formação inicial do professor, fica restrita às questões da escola e da regência de classe não tratando das demais dimensões do processo social. Uma formação voltada à construção da cidadania deve incorporar o tratamento de questões sociais urgentes, o que requer, dos educadores, uma sólida e ampla formação cultural, razão pela qual privilegiamos o trato da dimensão social. A reflexão sobre o universo cultural e as questões sociais é, uma necessidade no currículo de formação de professores. Na reorganização dos cursos de licenciatura a FAMOSP privilegia a formação pedagógica com disciplinas voltadas para a sensibilização referente às questões sociais incluindose um projeto de Prática de Ensino visando a inclusão social. A proposta desta ação está relacionada ao estágio, mas não se restringe a ele. Tem como finalidade promover a articulação dos diferentes conteúdos da formação geral, artística e pedagógica numa abordagem interdisciplinar, pautada nos referenciais teóricos e em experiências que conduzam a uma educação inclusiva. O exercício da reflexão sobre a prática é sistemático permitindo compreender a realidade e atuar em situações contextualizadas. Fundamentado em Delors, o trabalho com arte, neste projeto, apoia-se nas quatro aprendizagens fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. aprender a conhecer – oferece os instrumentos para explorar, atualizar, aprofundar e enriquecer os conhecimentos possibilitando se adaptar às constantes mudanças e VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 104 Projetos e práticas de formação de professores inovações que o progresso oferece, significa uma oportunidade de continuar aprendendo ao longo de toda a vida. aprender a fazer – adquirindo competências que, possibilitem o enfrentamento de situações diversas, preparando, para o mundo do trabalho, colocando em prática os conhecimentos e exercitando as capacidades de inovação e criação para atuar no contexto local. aprender a viver juntos – constitui-se no grande desafio para os educadores, exercitar a convivência, conhecer o outro, lidar com os conflitos. aprender a ser – a síntese das aprendizagens anteriores, desenvolvendo a capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade social. São saberes que vão além da mera aquisição de informações para uma formação humana e social do indivíduo. Adquirindo os instrumentos de compreensão, propiciam agir sobre o meio, participando e cooperando com os outros na convivência humana. Um projeto de Educação através da Arte contempla os princípios éticos da autonomia, estéticos da sensibilidade e políticas dos direitos e deveres, portanto, o aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conhecer e aprender a conviver. As práticas artísticas favorecem a interação entre os participantes através das estratégias de classe, da organização da sala, da aprendizagem cooperativa, dos círculos comunitários e trabalhos compartilhados. As oportunidades de fazer arte contribuem de maneira significativa para a auto estima, os processos estéticos e artísticos constituem-se em desafios para o aprender a aprender. Os registros das observações realizadas, os conhecimentos prévios e a resolução de situações-problemas embasam as atividades significativas, presentes na teoria de Ausubell. É na ação/reflexão/ação que a prática é construída permitindo conhecer melhor a realidade e as contradições nela presentes. Pensar a inclusão é compreender a diversidade, buscando diferentes formas de agir favorecendo a construção da cidadania. Hoje, uma educação voltada aos grupos minoritários é uma necessidade e tem como finalidade levar esses grupos a tomar na mão o seu próprio destino. Nesse sentido segundo Delors (2001), para haver reconhecimento social, é bom, sempre que possível, diversificar os sistemas de ensino e envolver nas parcerias (...) os diversos atores sociais. O projeto constitui-se dos momentos de planejamento, execução e avaliação. Tendo como ponto de partida a formação dos formadores, em relação às linguagens que estão sendo estudadas, pensar como podem contribuir para que as comunidades menos favorecidas experimentem as emoções de fazer arte e construam saberes e competências que possam propiciar sua inserção na sociedade. Nesse sentido foram estabelecidos os objetivos e as ações. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 105 Projetos e práticas de formação de professores I - Objetivos na formação: - Refletir a realidade social e as oportunidades reais ao acesso aos bens culturais. - Limitar um campo para atuação e observação, escolhendo o local de atuação. - Conhecer a realidade e estabelecer prioridades. - Propor e desenvolver um plano de atividades que tem a Arte, como eixo dessa intervenção. - Observar, acompanhar e registrar o processo, as expressões espontâneas com vistas à avaliação qualitativa. - Colher elementos de avaliação externa, das comunidades que indiretamente acompanham e observam o projeto. - Ao final, estabelecer pistas para a inclusão social e construção de uma cidadania efetiva. Para os participantes: Vivenciar momentos e emoções com os prazeres da arte. - Desenvolver habilidades e competências nas diferentes linguagens. Melhorar a comunicação e a expressão individual. - Favorecer a convivência. Propiciar, gradativamente, a inclusão escolar e social. II - Escolha dos espaços, para atuação: - Restringem-se às instituições que abrigam parcela da população mais desfavorecida. -São de caráter assistencial e constituem-se de igrejas, creches, asilos, lares de crianças, idosos, portadores de deficiências, etc. localizados nos bairros periféricos da cidade. A maioria não dispõe de recursos próprios, contando com a colaboração da comunidade. Algumas são conveniadas com a prefeitura, mas os recursos nunca são suficientes, contando com a participação de voluntários. III - Conhecimento do local, contato com as pessoas que atuam nas diferentes funções, diagnóstico das necessidades e possibilidades de atuação, levantamento de materiais disponíveis. IV - Propostas de ações: - Estabelecimento de cronograma com o desenvolvimento das atividades, que devem ocorrer regularmente e sistematicamente, com escolha do dia da semana e horário definido. - Definição de prazo. Um encontro semanal de duas horas durante dois semestres. - Levantamento, com fundamento no diagnóstico, do tema transversal que servirá de eixo para as atividades artísticas. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 106 Projetos e práticas de formação de professores - Indicação dos conteúdos das linguagens artísticas com o estabelecimento das atividades. - Previsão de recursos humanos e materiais que darão suporte às atividades, com aproveitamento de materiais recicláveis, cujas experiências têm demonstrado bons resultados. V - O acompanhamento e o desenvolvimento das atividades, com olhar reflexivo, propiciam elementos que redirecionam as ações dos projetos. VI - Da avaliação: -A avaliação quantitativa fornece os dados que apontam a constância, o interesse e a dimensão do projeto. -A avaliação qualitativa, através das expressões espontâneas e relatos sinalizam o desenvolvimento e o grau de satisfação das atividades. - A avaliação do projeto, envolve também a dimensão da instituição, à medida em que os coordenadores/direção manifestam-se, através de documento à IES, avaliando o projeto. VII - O envolvimento da comunidade através dos momentos de apreciação estética como: apresentações musicais, exposições e encenações de pequenas peças, constitui-se também em instrumento de avaliação. Apresentamos alguns projetos realizados em 2003 e 2004 com registro fotográfico e especificação do tema, local, participantes, faixa etária e depoimentos, nas diferentes áreas: - Área de Artes Cênicas Área de Artes Plásticas - Área de Música Área de Desenho 1 - ÁREA DE ARTES CÊNICAS: Propostas desenvolvidas: · Projeto: O Artista Vai à Escola. Local: Escola pública da periferia da zona norte da cidade. Participantes : alunos do Ensino Médio (período noturno) Faixa etária: 15 a 20 anos. Considerando-se que no corpo discente da IES encontramos artistas que atuam profissionalmente na área, estes levaram sua contribuição aos jovens, que viveram a experiência de conhecer e sentir o artista. Através de atividades com os jogos dramáticos e improvisações, os alunos experimentaram uma vivência cênica. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 107 Projetos e práticas de formação de professores São expressões dos alunos: Quero fazer teatro... - Gostaria de conversar com o meu professor... - Projeto: Encenação: Aí, vai encarar? Local: Espetáculo desenvolvido em Escola Municipal de Ensino Fundamental. Participantes: 200 crianças . Faixa etária: 11 a 15 anos. Depoimento da escola: Agradecemos o belíssimo espetáculo de teatro e que vocês continuem fazendo este trabalho nas escolas. · Projeto: Arte e Inclusão Social: textos teatrais Local: Instituto de Arte e Saúde Participantes: 11 crianças excepcionais do tipo síndrome de down, lesão cerebral e adolescentes autistas. Faixa etária: de 14 a 35 anos. Depoimentos:...esta atuação propiciou um apoio no desenvolvimento dos alunos nas oficinas profissionalizantes, auxiliando diretamente para suas desenvolturas sociais e culturais, apoiando suas inserções naturais na sociedade. - Projeto: A Descoberta da Linguagem Teatral. Local: Espaço Gente Jovem. Participantes: 40 alunos. Faixa etária: de 8 a 14 anos. Depoimento da dirigente da Instituição: .... Nossas crianças precisam muito de iniciativas como estas, de alunos que vêm, e se dispõe a trabalhar as habilidades artísticas... sempre traz surpresas e novas emoções. Os alunos aguardam ansiosos a chegada das “bonequinhas”, como carinhosamente foram apelidadas... 2 - ÁREA DE ARTES PLÁSTICAS: Propostas desenvolvidas: · Projeto: Dobradura e Modelagem. Local: Instituição de obras sociais. Participantes: 15 alunos. Faixa etária: de 3 a 5 anos. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 108 Projetos e práticas de formação de professores Depoimentos: A instituição agradece a Faculdade por nos favorecer com alunas competentes e com uma excelente formação. · Projeto: Tecelagem e Cestaria Local: Comunidade Assistencial Participantes: 20 alunos Faixa etária: de 10 a 15 anos. -Projeto: uma cestaria de jornal. Local: Escola Municipal – EJA – Educação de Jovens e Adultos. Participantes: 28 alunos. Faixa etária: de 17 a 33 anos. Depoimentos:...a proposta muito colaborou para o conhecimento artístico dos alunos, levando-os a um aperfeiçoamento de suas habilidades, e também, a um processo de criação. Sendo assim, os resultados foram gratificantes para todos nós. -Projeto: Técnicas utilizando papel cartão e vegetal. Local: Escola Municipal de Educação Especial – Município de Cajamar. Participantes: 19 alunos Faixa etária: de 13 a 21 anos. · Projeto: Criações em Papel Vegetal. Local: Comunidade Assistencial de Bairro. Participantes:12 Faixa etária: de 35 a 58 anos. - Projeto: Integração Escola- Comunidade Local: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais- Município de Cajamar. Participantes: 24 crianças. Faixa etária: de 5 a 14 anos. -Projeto: Desenhando Uma Nova Criança. Local: Lar de Crianças. Participantes: 27 crianças. Faixa etária: de 5 a 6 anos. Depoimentos: ... o projeto cumpriu com um papel muito importante no processo de desenvolvimento das capacidades de criação, imaginação, coordenação motora e expressiva da faixa etária pré escolar. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 109 Projetos e práticas de formação de professores 2 - ÁREA DE MÚSICA: Propostas desenvolvidas: - Projeto: Quem canta, encanta. Local: Igreja Batista. Participantes: 20. Faixa etária: de 19 a 35 anos (sem conhecimento musical). - Projeto: Canto Coral. Local: Igreja Basílica Nossa Senhora da Conceição de Santa Ifigênia. Participantes: 40. Faixa etária: adultos, envolvendo a 3ª idade – aposentados, donas de casa e comunidade. - Projeto: Musicalização Infantil. Local: Centro de Convivência Comunitária. Participantes: 22. Faixa etária: de 09 a 14 anos. · Projeto: Brinquedos Cantados. Local: Lar de crianças. Participantes: 68. Faixa etária: 07 anos. 4 - ÁREA DE DESENHO: Propostas desenvolvidas: - Projeto: Cartões Arquitetônicos. Local: Colméia. Participantes: 30. Faixa etária: 14 e 15 anos. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 110 Projetos e práticas de formação de professores Comentários: Das crianças: Dos professores - - A professora chegou! Oba! Que bom! - Tia, que dia você volta? Eles nunca tiveram esta oportunidade... Que danadinho, nunca imaginei que ele fosse tocar tão bem... Dos estagiários Valeu, foi uma experiência rica em todos os sentidos, pois pudemos contribuir para o desenvolvimento de crianças maravilhosas, porém carentes.... até de carinho! Avaliação qualitativa As expressões espontâneas dos participantes e os depoimentos dos funcionários e estagiários indicam o grau de satisfação e interesse dos envolvidos constituindo-se em indicadores para avaliar os objetivos propostos. Assim se expressaram: Os participantes ... T (06 anos) “ Gosto de mexer na argila. Nunca ninguém falou sobre artistas de pintura. Na minha escola a professora não fala dessas coisas que vocês falam. Dá pra vocês ficarem mais tempo aqui? Posso ir com vocês na escola de vocês? Não vão embora está gostoso”. E (07 anos) “ Gosto de pintar. O que vamos fazer hoje? Posso usar a cor que eu quiser? Fazer sucata é fácil. Que legal vamos pintar. Papel machê, que que é isso? Vocês vão voltar outra vez? Não vão embora”. K (08 anos) “Posso ser o ajudante? Papel reciclado é esquisito mas fica legal! Argila é mole demais mas é legal. Por que Picasso pintava assim? Todo mundo pode pintar que nem ele? Não vão embora. Vocês vão voltar algum dia novamente? J (09 anos) “ A professora da escola falou que eu melhorei bastante nos meus desenhos. Ela quer que eu pinte do jeito dela e eu falei que não pode ser assim. Gosto quando vocês falam do VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 111 Projetos e práticas de formação de professores pintor Picasso, ele é muito interessante. Olha a minha pintura! Que pena que vocês vão embora. Será que vocês voltam um dia?” E (10 anos) “ Acho que não vou conseguir fazer é nada. Não tenho coordenação, é o que todo mundo fala de mim. Nem acredito que consegui fazer tudo isso sozinho. Agora sei que sou capaz, mas não muito direito, mas consigo...” P (12 anos) “ Arte é difícil. Minha professroa só dá desenho pronto pra pintar. Tenho que pintar do jeito que a professora quer. Posso usar a cor que eu quiser? É difícil fazer tela? Que legal, vou usar tinta de verdade. Não quero parar essa atividade. Não gosto muito de desenho pronto. Gosto de desenhar árvores. T (13 anos) “Sabe que eu estava fazendo quando vocês estavam para chegar? Desenhando uma figura de animal. Ficou legal? Que bom vamos trabalhar com argila, é geladinha e mole”. D (14 anos) “ Na minha escola a professora fala que eu não sei fazer e não tenho habilidade. Hoje vocês mostraram que sou capaz! Como é bonita a obra de Picasso. Será que um dia posso ser parecido com Picasso?” E (16 anos) “ Que utilidade tem tudo isso que vocês fazem? Hoje gostei de fazer essa atividade de sucata e papel machê. É mais legal ! Espero que vocês voltem mais vezes”. O Coordenador administrativo da Instituição PROHACC ... o projeto possibilitou às crianças envolvidas, a vivência da Arte em sua especialidade e como meio de formação e valorização da auto estima. Enfatizando o trabalho de pintura, a importância de materiais recicláveis, como forma de expressão e comunicação, o projeto cumpriu com um papel muito importante no processo de desenvolvimento das capacidades de criação, imaginação, expressiva e motora da faixa etária – 6 à 13 anos. BIBLIOGRAFIA BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais : Arte, vol. 06, Brasília: MEC, 1998. BRASIL, Parecer CNE/CP 09/2001e 27/2001. Diretrizes para a formação inicial de professores da educação básica, Brasília, 2001. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 112 Projetos e práticas de formação de professores BRASIL, Resolução CNE/CP nº 1 de 2002. Diretrizes Curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, Brasília, 2002. DELORS, Jaques. Educação: Um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 2001. IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores, Porto Alegre, Artmed, 2003. IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional, São Paulo, Cortez, 2000. MACEDO, Lino de. Ensaios pedagógicos: como construir uma escola para todos? Porto Alegre, Artmed, 2005. NOVOA, Antonio. Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote 1992. Ltda, PATTO, Maria Helena Souza. Introdução à psicologia escolar, São Paulo, T. A. Queiroz, 1981. PERRENOUD, Phillipe. Dez novas competências para ensinar, Porto Alegre, Artmed, 2000. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 113 Projetos e práticas de formação de professores PRÁTICA DE ENSINO E PROJETOS DE TRABALHO NA FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL GUIMARAES, Célia Maria - FCT/UNESP Esta pesquisa-ação em desenvolvimento desde o ano 2000 originou-se da preocupação em investigar e implementar práticas de formação inicial articuladas às necessidades e ao contexto das IEI – Instituições de Educação Infantil e às exigências da legislação brasileira. O problema da pesquisa se constitui da crise de identidade das IEI brasileiras e de seus profissionais, da necessidade de definir a função educativa dos profissionais perante a necessidade de articular a educação da criança aos seus cuidados, de rever a inadequação da metodologia dos estágios curriculares praticados na disciplina de Pratica de Ensino, de superação da histórica dificuldade de conferir intencionalidade às ações desenvolvidas com crianças pequenas, e da expectativa de elaboração dos saberes e conhecimentos específicos para educação infantil e qualificação profissional daqueles que trabalham na IEI. É objeto desta pesquisa a formação inicial do profissional de educação infantil capaz de considerar a singularidade deste nível da educação básica. Desde o ano 2000, participam do estudo as alunas da Habilitação para o Magistério em Educação Infantil do curso de Pedagogia da FCT/UNESP - Campus de Pres. Prudente-sp, matriculadas na disciplina: “Prática de Ensino da Educação Infantil”. Com base no art. 65 da LDB (Lei 9394/96), o parecer CES/CNE no. 744/97, orienta o cumprimento das 300 horas de Pratica de Ensino desdobradas em no máximo 75 horas em sala de aula para contemplar a parte teórica e o mínimo de 225 horas para estágio supervisionado para desenvolver a parte prática. O curso de Pedagogia acima segue esta orientação e as 300 horas mencionadas são utilizadas para desenvolver o estudo em questão. Os objetivos que têm orientado a pesquisa são: · Pesquisar práticas de formação teórico-prática no âmbito do estágio curricular capazes de superar os erros metodológicos cometidos nos estágios durante a formação inicial em nível superior de ensino – graduação e, · avaliar quais práticas de formação teórico-prática melhor se adequam a elaboração dos saberes e conhecimentos específicos durante a formação inicial em nível superior. A Metodologia é qualitativa. A partir da pesquisa-ação, há um movimento constante entre ação-reflexão-ação que dá sentido a relação teoria e prática e vice-versa. O aluno tem como núcleo da sua formação a intervenção pedagógica adotando metodologias globalizadoras (ZABALA, 2002, 1998) em ÍEIS durante o ano letivo onde planeja, executa e avalia suas ações sob a forma de projetos de trabalho (FERNANDO HERNÁNDEZ ,1998). VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 114 Projetos e práticas de formação de professores A teoria das representações sociais segundo Moscovici, por sua vez, baliza procedimentos escolhidos para a pesquisa: oferece os elementos teóricos para o conhecimento e a compreensão dos sistemas de referências e o que move as opções e as práticas dos grupos estudados. São utilizadas para este fim as técnicas: verbais, não-verbais, projetivas de associações livres de palavras e observações. Para analise dos dados é usada a técnica de análise de conteúdo · o pesquisador e os alunos são levados a avaliar suas representações preexistentes e se tornarem sujeitos do processo de mudança de representações e ações inadequados aos objetivos de articular os cuidados da criança a sua educação. · As representações sociais são investigadas antes de iniciar as ações com os participantes e estas norteiam as intervenções junto a eles, assim como a escolha de conteúdos e estratégias para os encontros onde utilizo o grupo focal. · Os alunos são levados a avaliar e comunicar resultados das ações e intervenções desenvolvidas na IEI. · É constante a prática de apreciar (avaliar o antes/durante e depois) resultados obtidos com as ações e intervenções com intenção de reconduzir, melhorar, mudar e/ou introduzir novos elementos na pratica pedagógica com a intenção de estabelecer a relação teoria e prática e vice-versa. O professor de infantil precisa compreender que atua numa sociedade de classes distintas, que existe uma diversidade de culturas, entender o sujeito-criança e compreender como constrói conhecimento, como organiza sua afetividade etc. É necessário construir instrumentos que lhe permitam enfrentar o imprevisível, o novo trazido pelo cotidiano. Por isso, a formação inicial do aluno num contexto de formação em contexto (OLIVEIRA-FORMOSINHO E KISHIMOTO, 2002) poderá proporcionar a vivencia de uma sala de pré-escola, aprendendo visceralmente como é ser professor, junto com as crianças e voltando ao que é teórico para repensar, refletir e, voltar ao cotidiano com novas idéias, com novas dimensões (SÁ, 1993). Segundo Sousa (1996), para formar o professor de educação infantil competente do ponto de vista do conhecimento (competência técnica), da atitude e do compromisso (competências humana e político-social) os formadores de educadores precisam capacitá-lo a desempenhar sua função competentemente e a refletir sobre os pressupostos que subjazem à sua prática educativa. “Porque os ”tempos estão mudando” (HERNÀNDEZ, 1998, p.65) a instituição educacional deve responder à mudança em relação à informação que hoje se produz. De acordo com Hernàndez (1998), vivenciamos algumas diferenças de contexto: interdependência entre países e culturas; um desenvolvimento tecnológico que permite trabalhar com múltiplas fontes e sistemas de informação; as concepções psicopedagógicas sobre a aprendizagem e o ensino; a relação entre o saber das disciplinas e o conhecimento escolar; a função social da Escola. A propósito deste contexto diferenciado, Hernández (1998, p.12-13) apresenta uma proposta transgressora, cujo objetivo é transgredir: 1) “...a visão da educação escolar baseada nos “conteúdos, apresentados como ‘objetos” estáveis e universais e não como realidades socialmente construídas que, por sua vez, reconstroem-se nos intercâmbios de culturas e biografias que têm lugar na sala de aula... VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 115 Projetos e práticas de formação de professores 2) a visão de aprendizagem vinculada ao desenvolvimento (conhecido como construtivismo). Enfoque que, sozinho, não dá conta de explicitar alguns aspectos da aprendizagem na escola: intercâmbios simbólicos que se representam na sala de aula, construções sociais que o ensino intermedia, valores que o professor promove ou exclui, construção de identidades que favorece, relações de poder que a organização escolar veicula e o papel dos afetos na (des) aprender. 3) a visão de currículo escolar centrada nas disciplinas, entendidas como fragmentos empacotados em como compartimentos fechados, que oferecem ao aluno algumas formas de conhecimentos sem vínculo com os problemas dos saberes fora da Escola e estão afastados das demandas que diferentes setores sociais propõem a instituição escolar. 4) A visão da Escola que impede que alunos se construam como sujeitos em cada época de sua vida, deslocando as necessidades do aluno à etapa seguinte da escolaridade. 5) a perda da autonomia dos docentes: “...as inovações ou são realizadas pelos professores ou acabam não acontecendo. 6) a incapacidade da Escola para repensar-se permanentemente, dialogar com as transformações sociais, dos alunos e da educação. 7) as amarras que impedem de pensar por si mesmo, de construir uma nova relação educativa baseada na colaboração na sala de aula, na Escola e com a comunidade, na valorização do saber dos excluídos, na construção da cidadania que favoreça a solidariedade, o valor da diversidade, o sincretismo cultural e a discrepância.” As mudanças desejadas nas práticas dos adultos que se responsabilizam pelo cotidiano das crianças de 0 a 6 anos no âmbito daquelas instituições impõem a necessidade de que as instituições norteiem seu trabalho por meio de uma proposta pedagógica fundamentada em uma concepção de criança e de educação infantil claramente definida e nos conhecimentos acumulados sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem na primeira etapa da vida humana. A relevância do papel social da Educação Infantil está em prestar serviços às crianças e às mulheres trabalhadoras, em dar atendimento assistencial ou médico, porém, não se limita a essas questões, precisando ser organizada para o trabalho pedagógico, ‘’...Valorizar os conhecimentos que as crianças possuem e garantir a aquisição de novos conhecimentos, exercendo (...) função pedagógica...” (Kramer, l989, p. 22-3). A função educativa, por sua vez, seria concretizada pela concepção de criança como sujeito de sua ação, percebida em sua diversidade e pelo espaço físico propiciador de interações entre iguais, com os adultos e com os objetos, considerando a particularidade desta etapa da vida. A concepção de aprendizagem se caracterizaria pela certeza de que a criança constrói e apropria-se do conhecimento desde o momento em que interage pela primeira vez com o mundo, as coisas e as pessoas, num longo processo de construção do saber. Sendo assim, sobretudo o brincar e os jogos lúdicos seriam as formas privilegiadas de interação, capazes de promover a capacidade de representar, de simbolizar, fator este de essencial importância para que a criança se aproprie da realidade externa assimilando-a à sua realidade interna. A capacidade de criar representações e símbolos, nesta fase, é fundamental para a criança registrar, pensar e ler o mundo. O jogo, a brincadeira, o faz-de-conta têm papel preponderante na VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 116 Projetos e práticas de formação de professores vida cognitiva, afetiva e social da criança pequena. O papel do profissional de Educação Infantil caracterizar-se-ia como o de mediador, de dinamizador do processo de desenvolvimento e de aquisição de conhecimentos e das oportunidades da vivência de experiências enriquecedoras, iniciando ou propondo atividades, lançando desafios, etc.. A ele caberia o papel de planejar e executar atividades caracterizadas pela intenção educativa, além de cooperar no planejamento da rotina geral, dos eventos, do trabalho com as famílias, de avaliar sua ação e prática, de diagnosticar e avaliar o desenvolvimento do seu grupo de crianças, de organizar o espaço-físico e materiais para as atividades, de incentivar a criança a colaborar em sua reorganização, de buscar aperfeiçoamento e atualização constante. A formação e a qualificação deste profissional é essencial para o sucesso da intenção de que a Educação Infantil (0 a 6 anos) possa articular as funções de cuidar e educar no contexto das exigências sociais e educacionais do terceiro milênio. Toda expectativa posta no profissional de educação infantil exige práticas de formação inicial que criem contextos significativos para aprender a pensar criticamente. Esta capacidade requer ações que permitam ao profissional em processo de formação dar significado à informação, analisá-la, sintetizála, planejar ações, resolver problemas, criar novos materiais ou idéias, e envolver -se mais na tarefa de aprendizagem escolar. (Hernández, 1998). Por outro lado, para que estes profissionais possam dedicar-se ao trabalho com as crianças, precisam ter garantidas condições adequadas de suas funções aos direitos trabalhistas (contrato, horário, férias, licenças); salário, instalações; incentivos e estímulos para aperfeiçoamento de seus conhecimentos; clareza quanto às funções que exercerão no espaço educativo da Instituição de Educação Infantil, etc. A escolha dos projetos de trabalho para realização de estágio curricular no processo de formação inicial se justifica porque “... Pretende desenvolver no estudante um senso, uma atitude, uma forma de relacionar-se com a nova informação a partir da aquisição de estratégias procedimentais, que faça com que sua aprendizagem vá adquirindo um valor relacional e compreensível. Tal intenção parece a mais adequada se o que se pretende é aproximar-se à complexidade do conhecimento e da realidade e adaptar-se com um certo grau de flexibilidade às mudanças sociais e cultuais.”(Hernández e Ventura, 1998, p. 59) Segundo Moss (2002), nos últimos anos tem se delineado uma idéia de criança que supera concepções equivocadas sobre a criança pequena. Outra visão seria a criança concebida como membro de um grupo social, agentes de suas vidas, embora ainda não o sejam totalmente agentes livres, co-construtores do conhecimento, de identidade e cultura. Se Aceita hoje que a infância se relaciona com a fase adulta, mas não hierarquicamente. É uma etapa importante da vida em si mesma que deixa traços nas fases posteriores, e a preocupação é com o adulto que a criança vai se tornar e com a infância que está vivendo. Essa idéia de infância corresponde a uma série de imagens de criança: forte; competente; inteligente; pedagogo, capaz de teorias interessantes e desafiadoras, capaz de compreensões e perguntas desde o nascimento; criança com voz para ser ouvida (nas suas muitas formas). Esta concepção de criança e suas imagens correspondentes desafiam a ficarmos atentos as escolhas que faremos, pois ta construção VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 117 Projetos e práticas de formação de professores de criança “rica” produz um tipo de Instituição de Educação Infantil (IEI) e gera programas para as IEI que enfatizam (MOSS, 2002): - Serviços para primeira infância como espaços para o enriquecimento da criança aqui e agora e que reconhecem o valor da infância: Programas que promovem uma cultura da própria criança, especialmente brincadeiras, e políticas democráticas; - À criança é permitido participar de um mundo de relações e atividades; Não há um programa que serve a um propósito - produzir um produto especifico; As IEI- Instituições de Educação Infantil são locais para provocação, confrontação, discordâncias, complexidade e diversidade, incerteza, ambivalência, manutenção do pensamento crítico, deslumbramento, assombro, curiosidade, diversão, de aprender com adultos e outras crianças respostas para as quais não há tarefas pré-estabelecidas. Moss (2002), afirma que essa conceitualização de criança e de IEI requer outra conceitualização dos profissionais para a Educação Infantil: nem substituo da mãe e nem “professor” escolar. A imagem de criança “rica” exige novo entendimento sobre programas e escolas e é preciso construir o profissional que: Reflete sobre sua prática - aja como um pesquisador aja como co-construtor do conhecimento - das crianças e dele próprio seja criador de ambientes e situações desafiadoras seja questionador de suas imagens de criança e de seu entendimento de aprendizagem infantil e outras atividades - seja capaz de apoiar a aprendizagem da criança e de aprender com ela seja capaz de sustentar as relações com a criança seja capaz de lidar com a cultura própria da infância. A construção do profissional com esta identidade exige métodos de trabalho que enfatizem e possibilitem análise crítica constante da prática – o que acontece, como concebem e entendem a criança. Os aspectos propostos antes delineiam escolhas políticas e éticas e uma função para as IEI, uma função para o profissional, opções por princípios e pressupostos teóricos que fundamentarão as propostas pedagógicas e programas curriculares das IEI. Por estas razões a metodologia que temos adotado no estudo (2000-2005) tem sido interessante porque a transformação das práticas da Educação Infantil consideradas inadequadas as necessidades da criança dos tempos atuais carece iniciar pela transformação da forma de proceder a formação inicial dos profissionais responsáveis pelo cotidiano das Instituições de Educação Infantil. A tarefa de articular as funções de cuidar e educar precisa ser consubstanciada numa concepção de Educação Infantil suficientemente explicitada, fundamentada num corpo teórico/prático capaz de subsidiar práticas propiciadoras do desenvolvimento infantil, da emancipação dos conhecimentos prévios da criança, da construção de novos conhecimentos, da cidadania e da construção de uma educação e de uma sociedade mais democrática. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 118 Projetos e práticas de formação de professores Trabalhar por projetos hoje guarda diferenças dos projetos de outras épocas. O que se pretende com os projetos de trabalho é a mudança na educação e na função da escola: “Os projetos de trabalho supõem, do meu ponto de vista, um enfoque do ensino que trata de ressituar a concepção e práticas educativas na escola, para dar resposta (não “A” resposta’) às mudanças sociais, que se produzem nos meninos, meninas e adolescentes e na função da educação, e não simplesmente readaptar uma proposta passada e atualizá-la.” (Hernández, 1998, p. 64) Os resultados obtidos entre 200 e 2005 vem demonstrando que os futuros professores de educação infantil precisam construir a intenção educativa desde suas ações durante do processo de formação inicial, por meio de práticas que relacionem a função de educar e a de cuidar. Em geral, os estágios obrigatórios durante a formação inicial em ÍEI e as poucas práticas pedagógicas que desenvolvem raramente têm favorecido a formação didática e metodológica de futuros profissionais de educação infantil, tampouco favorecem a sua competência técnica, humana e político-social e a constituição da articulação da educação da criança aos seus cuidados. Esta proposta tem pretendido gerar informações e conhecimentos capazes de fomentar a construção da mudança das práticas de formação e a metodologia de ensino adotada na disciplina “Prática de Ensino” dos cursos responsáveis pela formação inicial de professores para as Instituições de Educação Infantil. Um aspecto importante foi descobrir que no momento em que alunos em formação inicial são colocados a realizar intervenções com crianças nas ÍEIS é preciso oferecer ao menos uma alternativa de organização de suas práticas. Por isso, em coerência com o enfoque globalizador adotado na disciplina, a organização dos conhecimentos e atividades que alunos desenvolvem nas ÍEIS têm sido feitos sob a forma de projetos de trabalho segundo a concepção de Fernando Hernández (1998, 1998a). As ações e conhecimentos são definidos após avaliação diagnóstica (inicial) , seguida da elaboração das propostas de intervenção pedagógica baseada no diagnóstico. Este procedimento tem permitido conhecer a realidade das ÍEIS e provoca a compreensão da razão de estudar para propor situações e intervenções para crianças, desarticula práticas pedagógicas escolarizantes em salas de pré-escolares, gera conflitos acerca da metodologia que vem sendo adotada com crianças pequenas, provoca professores em exercício e alunas a voltarem o foco de sua ação para a criança concreta com a qual trabalham, oferece norte e sistematicidade frente a constante dúvida sobre o que, como e quando ensinar / avaliar na educação infantil. Esta forma de promover a organização do conhecimento escolar favoreceu o acompanhamento do grupo a respeito de sua dinâmica de funcionamento ao se defrontar com a contradição entre o velho e o novo, a ruptura e a continuidade entre o conhecimento baseado no senso comum e o conhecimento científico e a relação que as alunas foram podendo estabelecer entre a teoria e a prática profissional. A articulação entre educação e avaliação ficou mais significativa. A atitude de investigar as representações sociais sobre a função da educação, papel do professor pré-escolar e visão da criança em idade pré-escolar e concepções individuais das alunas antes de iniciar o VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 119 Projetos e práticas de formação de professores ano letivo orientou a seleção dos conteúdos de ensino, as técnicas de ensino adotadas, os aspectos a serem destacados durante os grupos focais e as discussões, orientações e reflexões. As mudanças ocorridas na prática pedagógica foram verificadas por meio do acompanhamento das ações na escola no decorrer do ano. Os avanços e aspectos positivos se devem a metodologia escolhida que intencionalmente provoca gradativamente no aluno a interação com a escola, com a sala de aula e as crianças e suas individualidades, as famílias, a comunidade, o profissional em exercício. Todas estas facetas da interação fazem emergir as exigências, sucessos, limitações, decepções e vicissitudes que esta relação provoca. O aluno se vê crescentemente sendo exigido num grau de envolvimento e compromisso pessoal necessário para qualquer processo de mudança e qualificação em se tratando de educação. Até o momento alguns aspectos foram detectados como fundamentais nas ações propostas: definição prévia do número de horas/aula de estágio em cada semestre; agendamento e regularidade das orientações individuais presenciais; supervisão das ações realizadas com crianças e posterior discussão individual ou coletiva; alguns dos conteúdos que darão os fundamentos necessários às ações na escola deverão ser estudados no inicio do ano letivo; a organização do programa de ensino: fazê-lo em blocos mais definidos de conteúdos; a forma de registro e controle das horas /aula de estágio não podem ter caráter de mero cumprimento das mesmas. O relato parcial das ações desenvolvidas tem sido realizado no final de junho com objetivo de avaliar o desenvolvimento da proposta de intervenção pedagógica, trocar experiências, acatar sugestões e propor as revisões necessárias. O relato oral com base na apresentação do processo desenvolvido na sala onde estagiou, com demonstração dos resultados obtidos, o uso de fotos, produções infantis etc. se revelou momento de síntese e avaliação. À medida que o ano letivo se desenrola, os alunos vão revisitando suas representações sociais iniciais e podem reformular suas visões, crenças, conhecimentos. Ao avaliar suas representações sociais ao término do ano letivo constata-se processos de mudança em andamento, especialmente em relação a alteração dos conhecimentos baseados apenas na experiência prática e senso-comum. À maioria dos cursos formadores e, em especial, à disciplina de “Prática de Ensino” falta a necessária fundamentação teórica às suas práticas de ensino, falta reflexão crítica acerca do que o aluno observa nos estágios e há ausência de situações reais, contextuais, através das quais o aluno experiencie a necessidade de relacionar teoria e prática para dar respostas e/ou alternativas a problemas concretos gerados na/pela Instituição de Educação infantil e salas de aula de educação pré-escolar. Os estágios obrigatórios em salas de aula, pouco têm favorecido a formação didática e metodológica dos futuros profissionais e sua competência técnica, humana e político-social, devido à descaracterização de sua finalidade na formação inicial de educadores. O estudo, ao fazer opção pelas práticas adotadas, pretende que a formação do educador ocorra com base na formação das competências técnica, político-social e humana, visto que são fundamentais para a constituição de uma prática pedagógica contextualizada, democrática, formadora do homem e do cidadão e capaz de promover situações de ensino possibilitadoras da aquisição dos conhecimentos acumulados pela humanidade e produtoras de novos conhecimentos e do desenvolvimento infantil, segundo suas peculiaridades e singularidade. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 120 Projetos e práticas de formação de professores REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HERNÁNDEZ, FERNANDO. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Art Med, 1998. Trad. Jussara H. Rodrigues. HERNÁNDEZ, FERNANDO, VENTURA, MONTSERRAT. A organização do conhecimento por projetos de trabalho – o conhecimento é um caleidoscópio. 5ª. Ed. Porto Alegre: Art Med, 1998a. Trad. Jussara H. Rodrigues KRAMER, SONIA. Melhoria da qualidade do ensino: o desafio da formação de professores em serviço. Revista Brasileira de Est. Pedagógicos. Brasília, n.70, p. 189-207, maio/ago. 1989. MOSS, PETER. Para além do problema com qualidade. Maria Lucia de A. Machado (org.). Encontros e desencontros em educação infantil. São Paulo: Editora Cortez, 2002. OLIVEIRA-FORMOSINHO, JÙLIA e KISHIMOTO, Morchida Tizuko. Formação em contexto: uma estratégia de integração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. SÁ, MÁRCIA S. M. MOURÃO. A formação do educador para a pré escola - a chave do tamanho. Revista Criança. Brasília, n.25, p.15-27, 1993. SOUSA, ANA M. C. Educação Infantil: uma proposta de gestão municipal. São Paulo: Papirus,1996. ZABALA, ANTONI. Enfoque globalizador e pensamento complexo –uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2002. ZABALA, ANTONI. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ARTMED Editora, 1998. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 121 Projetos e práticas de formação de professores O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR – PROPOSTA PARA UMA FORMAÇÃO REFLEXIVA GEBRAN, Raimunda Abou; LEPRE, Rita Melissa; BASÍLIO, Valéria Cristina (IEDA/Assis). INTRODUÇÃO O presente trabalho é síntese de um projeto que vem sendo realizado no Instituto Educacional de Assis (IEDA), especificamente junto ao curso de Pedagogia. Preocupados com a formação do professor, futuro profissional das séries iniciais do ensino fundamental, os docentes e a coordenação pedagógica do curso, envolveram-se num processo de estudos, reflexões e discussões que encaminharam para o estabelecimento de novas proposições para a formação dos professores. Esse processo propiciou a reestruturação curricular do curso e, por conseqüência, a reestruturação da Prática de Ensino e Estágio Supervisionado. Assim, procuramos centrar nesse trabalho, como vem sendo concebida essa formação docente e como tem sido deflagrada a Prática de Ensino e o Estágio Supervisionado. Apresentamos as concepções teóricas e legais que respaldam o projeto de estágio, bem como a sua caracterização geral, as ações docentes e discentes, a sua operacionalização, apontando ao final, alguns indicativos iniciais de avaliação do mesmo. REFLETINDO SOBRE A FORMAÇÃO DO PROFESSOR A formação do educador tem sido pauta obrigatória nas discussões que visam a busca de melhorias para o processo ensino-aprendizagem. É certo que o professor surge como peça chave nesse processo e o seu papel assume proporções importantes quando pensamos na sua atuação em sala de aula e na escola como um todo. Além do importante papel de auxiliar as crianças no seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e social, o professor deve ter ainda formação política para entender, criticar e buscar soluções para os diferentes problemas vivenciados no sistema educacional. Nesse sentido, o preparo do professor nos cursos de formação, deve contemplar elementos que orientem e façam a mediação entre o ensino e a aprendizagem dos alunos e que favoreçam uma ação pedagógica significativa, propiciando compromisso com o sucesso da aprendizagem, desenvolvimento de práticas investigativas, elaboração e execução de projetos para trabalhar com os diferentes conteúdos curriculares, utilização de novas metodologias de ensino e de avaliação e desenvolvimento de trabalhos em equipe. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 122 Projetos e práticas de formação de professores Em uma palavra, o professor deve ter autonomia intelectual, ter o direito e a responsabilidade para tomada de decisões profissionais, ou seja, além de saber e saber fazer, deve compreender o que faz e por que faz. Para tanto, é necessário que ele tenha uma formação integral, onde possa conhecer as várias faces da educação e da sua gestão, pois a escola é mais do que salas de aula, é mais do que regras de linguagem e matemática, é mais do que muros e grades. Escola é vida em processo e, como tal, precisa ser conhecida na sua integridade para que possa ser entendida. É sabido que a Universidade, e em especial os cursos de formação docente, tem papel importante na formação dos professores, e é dentro dela que o mapa para o conhecimento da realidade educacional pode e deve ser traçado. Este mapa precisa, necessariamente, inscreverse no binômio teoria-prática. Educadores necessitam de formação teórica e da concretização da teoria na prática, a partir de situações didáticas que permitam que os conhecimentos apreendidos, de diferentes naturezas e experiências, possam ser vivenciados em tempos e espaços diferenciados, de maneira crítica e reflexiva, pois como aponta Freire (1998) ...na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. (p. 44) O professor, enquanto sujeito que não reproduz apenas, por ser também sujeito do conhecimento, pode, por meio de uma reflexão crítica, fazer do seu trabalho em sala de aula um espaço de transformação. É na ação refletida e no redimensionamento de sua prática que o professor pode ser agente de mudanças, na escola e na sociedade. Nessa perspectiva, a formação do docente se faz pelo repensar sobre a prática, sobre a realidade, bem como pela construção da identidade pessoal, ética e política. Considerando que a teoria e a prática constituem o núcleo articulador do currículo, permeando todas as disciplinas e tendo por base uma concepção sócio-histórica da educação, alguns princípios devem nortear o projeto de estágio supervisionado: a) a docência é a base da identidade dos cursos de formação b) c) o estágio é um momento da integração entre teoria e prática; o estágio não se resume à aplicação imediata, mecânica e instrumental de técnicas, rituais, princípios e normas aprendidas na teoria; Assim, o estágio supervisionado é o lugar por excelência para que o futuro professor faça a reflexão sobre sua formação e ação, possa aprofundar conhecimentos e compreender o seu verdadeiro papel e o papel da escola na sociedade. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 123 Projetos e práticas de formação de professores A PRÁTICA DE ENSINO E O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA LEGISLAÇÃO ATUAL A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394, aprovada em dezembro de 1996, ao introduzir novos indicadores para a formação de profissionais para a Educação Básica, suscitou novas discussões e encaminhamentos. Ressalte-se que as proposições estabelecidas pela LDB, para a formação de profissionais da educação (artigos 61 a 65), implicaram em uma série de regulamentações que se seguiram, a saber: a Resolução CP/CNE 1 de 30 de setembro de 1999, que dispõe sobre os Institutos Superiores de Educação, o Decreto nº 3276/99, que dispõe sobre a formação de professores em nível superior para atuar na Educação Básica, alterado pelo Decreto 3554/2000, o Parecer CES 970/99 que trata sobre a formação de professores nos Cursos Normais Superiores e o Parecer CNE/CP 9/2001 que trata das Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, dentre outras. O Parecer 9/2001 ao apresentar as diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, destaca a importância da articulação da teoria com a prática e indica que a prática na matriz curricular não pode ficar reduzida a um espaço isolado, que a reduza ao estágio como algo fechado em si mesmo e desarticulado do restante do curso. Propõe que ela deve permear todo o curso, desde o seu início, inserida em todas as áreas ou disciplinas, mobilizando e articulando diferentes conhecimentos e experiências. O Parecer reforça ainda a idéia da prática como componente curricular e define: Uma concepção de prática mais como componente curricular implica vê-la como uma dimensão do conhecimento, que tanto está presente nos cursos de formação nos momentos em que se trabalha na reflexão sobre a atividade profissional, como durante o estágio nos momentos em que se exercita a atividade profissional. (p.22) Com relação aos estágios, a proposição inicial do Parecer 9/2001, foi alterada pelo Parecer 27/2001, estabelecendo os seguintes termos: No estágio curricular supervisionado a ser feito nas escolas de educação básica. O estágio obrigatório definido por lei deve ser vivenciado durante o curso de formação e com tempo suficiente para abordar as diferentes dimensões da atuação profissional. Deve, de acordo com o projeto próprio, se desenvolver a partir do início da Segunda metade do curso, reservando-se um período final para a docência compartilhada, sob a supervisão da escola de formação, preferencialmente na condição de assistente de professores experientes. Para tanto, é preciso que exista um projeto de estágio planejado e avaliado conjuntamente pela escola de formação inicial e as escolas campos de estágio, com objetivos e tarefas claras e que as duas instituições assumam responsabilidades e se auxiliem mutuamente, o que pressupõe relações formais entre instituições de ensino e unidades dos sistemas de ensino. Esses “tempos na escola” devem ser diferentes segundo os objetivos de cada momento da formação. Sendo assim, o estágio não pode ficar sob a responsabilidade de um único professor da escola de formação, mas envolve necessariamente uma atuação coletiva dos formadores. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 124 Projetos e práticas de formação de professores O Parecer 28/2001 enfatiza o estágio curricular supervisionado de ensino, como outro componente curricular obrigatório integrado à proposta pedagógica do curso, efetivando-se a partir da segunda metade do curso, como coroamento formativo da relação teoria-prática. Deverá, portanto, ser uma atividade intrinsecamente articulada com a prática e com as atividades de trabalho acadêmico. Deve ainda ser considerado “o momento de efetivar, sob a supervisão de um profissional experiente, um processo de ensino-aprendizagem que tornar-se-á concreto e autônomo quando da profissionalização deste estagiário”. (p.10). A Resolução CNE/CP 1 de 18 de fevereiro de 2002, com base nos Pareceres 9/ 2002 e 27/2001, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, definindo os princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino e a Resolução CNP/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, respaldada no Parecer CNE/CP 28/2001, institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, a saber estabelecendo 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso e 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade do curso. Essas regulamentações definiram novas concepções, organização e estruturação dos cursos de formação de professores tendo exigido reformulações significativas nos projetos pedagógicos dos cursos, em especial, nas licenciaturas. DESENVOLVIMENTO DO PROJETO A preocupação em estar acompanhando e atendendo as orientações propostas pelas diretrizes para a formação dos professores e tendo como suporte a concepção de uma formação crítica e reflexiva, instigou os docentes do curso de Pedagogia, do Instituto Educacional de Assis (IEDA) a elaborarem um projeto interdisciplinar para atender ao estágio supervisionado de prática de ensino. A proposta de um projeto interdisciplinar constituiu-se a tônica desse processo, ou seja, um trabalho que propiciasse a articulação e o envolvimento das diferentes áreas do conhecimento. Um real trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e ao planejamento, onde estivessem envolvidas diversas disciplinas do curso de Pedagogia. O Projeto de Estágio Supervisionado numa perspectiva redimensionada tem como objetivo central efetivar a articulação do curso de Licenciatura em Pedagogia com a Educação Básica da rede pública e privada, aprimorando a formação do profissional da educação de forma a garantir uma ação mais comprometida com o processo educativo. O Projeto de Estágio redimensionado ganha contornos diferenciados porque pressupõe que a aquisição dos saberes pedagógicos (científicos e docentes) não ocorre de forma estanque, mas ao contrário, se dá pela interação entre as várias áreas de conhecimento. Entendendo que a missão do Curso Superior de Pedagogia seja a de formar um profissional adequado ao seu tempo, propõe-se uma forma de Estágio que contemple a formação de um pedagogo capaz de atender às demandas de uma realidade, que se faz nova e diferente a VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 125 Projetos e práticas de formação de professores cada dia. Buscou-se então um trabalho interdisciplinar, em que a maioria dos docentes do curso pudesse trazer a sua contribuição para o projeto, oferecendo subsídios e participando efetivamente da sua orientação, acompanhamento, execução e avaliação. A Prática de Ensino e o Estágio Supervisionado passaram a se configurar como eixo articulador da formação dos professores, envolvendo diferentes disciplinas. A partir de observações, relatórios, investigações e análise do espaço escolar e da sala de aula, esse processo ultrapassa a situação do processo ensinoaprendizagem favorecendo espaços de reflexão e o desenvolvimento de ações coletivas e integradoras, Apesar de entender que a formação de um pedagogo está ligada a situações mais amplas, tanto na área da educação formal quanto informal, neste primeiro momento o grupo de docentes orientadores, optou por centralizar o seu olhar no Ensino Fundamental. Esta opção deveu-se à necessidade de uma organização operacional, que se mostrasse viável. Desta forma, as escolas municipais, estaduais e privadas, de Assis e região, que mantêm o Ensino Fundamental, são alvos desse projeto de trabalho. Como estagiários atuam os alunos do 3º, 4º, 5º e 6º termos do Curso de Pedagogia do Instituto Educacional de Assis – IEDA. No 3º termo os alunos iniciam o estágio com a observação da escola como um todo. Essa observação tem como objetivo analisar e compreender as características do espaço escolar, na sua singularidade, inteirando-se de seu funcionamento, suas deficiências, suas possibilidades e a forma como a escola se organiza para resolver seus conflitos, dificuldades e enfrentamentos. O contato com todos os sujeitos inseridos no contexto escolar permite que, a partir de suas falas e de suas ações, o aluno estagiário visualize as possibilidades de sua inserção na busca de resolução de determinadas situações-problema. No 4º termo o estagiário elabora e inicia o desenvolvimento de um projeto de atuação, em qualquer setor da escola que exista uma necessidade real de intervenção – biblioteca, secretaria, eventos esportivos, culturais e de lazer, produção de materiais didáticos, entre outros. Essa intervenção tem propiciado intensa participação dos alunos estagiários na escola como nas reuniões do horário de trabalho pedagógico, nas atividades e eventos programados pela escola, nas atividades relacionadas à biblioteca e, principalmente, o desenvolvimento de projetos de ação que envolvem: atividades lúdicas na escola, recreação no espaço escolar, projetos de leitura junto à biblioteca, mini-cursos sobre sexualidade, ética, meio-ambiente, produção e organização de material didático-pedagógico, produção e organização de jornal escolar, dentre outros. Nos 5º e 6º termos o aluno estagiário desenvolve um trabalho, também voltado para suprir necessidades da escola, mas agora diretamente ligado à sala de aula, analisando os aspectos estruturais da sala de aula (disposição física), as relações em sala de aula, aspectos organizacionais da sala de aula e os aspectos didáticos pedagógicos. Essa análise dá suporte aos alunos para projetarem suas propostas junto às salas, envolvendo, dentre outras, atividades regulares de docência, aulas de reforço e recuperação de alunos com dificuldades de aprendizagem, orientação sexual, seminários sobre os temas transversais (ética, pluralidade cultural, trabalho e consumo, ecologia,). VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 126 Projetos e práticas de formação de professores Em geral, os projetos de intervenção dos alunos estagiários são propostos e desenvolvidos em grupos de até três elementos, levando em consideração a experiência anterior dos alunos, seu repertório cultural e suas habilidades. Esta opção foi feita pelo entendimento de que a interação entre os alunos é tão importante quanto a integração dos diferentes componentes curriculares do Curso de Pedagogia, na elaboração deste Projeto de Estágio Supervisionado. Em todos os momentos do estágio, os alunos têm a supervisão direta de seu orientador, escolhido pelo próprio aluno estagiário, no início do 3º e 5º termos, levando em consideração a afinidade existente entre a sua proposta de intervenção e a área de atuação do docente orientador, com acompanhamento e orientação dos professores de Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino, Filosofia da Educação, Psicologia da Educação, História da Educação e Sociologia da Educação. É importante ressaltar que os encontros entre o supervisor de estágio e seus alunos, constituem-se essenciais para a reflexão sobre as observações e/ou investigações realizadas e os encaminhamentos possíveis e necessários em cada unidade educativa. A avaliação do Projeto de Estágio acontece de forma processual, com ênfase nos aspectos qualitativos sobre os quantitativos, mas sempre levando em consideração os resultados alcançados. Os estabelecimentos de ensino que recebem os alunos estagiários são envolvidos nesse processo de avaliação, por meio da socialização dos relatórios elaborados pelos estagiários, enquanto desenvolvem as suas propostas de trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao término de um semestre letivo, julgamos necessário uma avaliação do projeto acima apresentado. Em atividade conjunta, chegou-se às seguintes conclusões: 1) Houve um real envolvimento no trabalho, tanto por parte do corpo docente como dos estagiários; 2) Foi possível notar mudanças nas relações internas, entre os professores, que passaram a conversar mais e a “trocar idéias” continuamente. Dessa maneira, o Curso de Pedagogia, como um todo, pôde sentir os benefícios da ação interdisciplinar; 3) Os alunos puderam observar a escola participando dela e assim reconhecer os seus vários aspectos. Normalmente, os olhares sobre a escola procuram captar o que ela “não tem”, ou seja, têm a tendência de descrevê-la em termos negativos, de comunicar o que nela não existe para elencar suas carências e deficiências. Pode-se verificar que “olhares” puderam ir além e ver, também, aquilo que a escola “tem” e que a faz singular, como sua cultura, sua história, seus medos, suas dúvidas, suas vitórias, ou seja, a sua vida cotidiana; 4) A supervisão se mostrou, antes de tudo, um espaço de socialização, onde os alunos estagiários puderam falar de suas experiências e escutar a dos outros, promovendo discussões e buscando possíveis soluções para os problemas, quando encontrados. Constituiuse num espaço singular de reflexão sobre a ação pedagógica Enfim, na sua totalidade, julgamos o trabalho realizado de forma positiva. Entendemos, também, que houveram aspectos que passaram desapercebidos e que, VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 127 Projetos e práticas de formação de professores provavelmente, ressurgirão em outros momentos. Como toda prática que se inicia, não possuímos respostas para todas as questões que surgiram e que hão de surgir, mas possuímos, sem dúvida, a vontade e a disposição para continuar pesquisando e buscando caminhos que possam auxiliar a formação de docentes críticos e atuantes. Buscar melhorias para os aspectos injustos de nossa realidade educacional será, sempre, o objetivo último de nosso trabalho e, para tanto, precisamos de profissionais que tenham condições para possibilitar a transformação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO NACIONAL PELA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ANFOPE. XII Encontro Nacional: Documento Final. Brasília: ANFOPE, 2004. BRZEZINSKI. I. Pedagogia, Pedagogos e Formação de Professores: a busca e movimento. Campinas, São Paulo: Papirus, 1996. (Coleção Magistério: Formação e trabalho Pedagógico) FAZENDA, I. Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1997. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998. LIBÂNEO. J. C. Pedagogia e Pedagogos, para quê? .São Paulo: Cortez, 1998. LIBÂNEO, J. C. Adeus Professor, adeus professora? : novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 1998 (Coleção Questões da nossa época: vol. 67) LIMA. M. S. L. A hora da prática: reflexões sobre o estágio supervisionado e a ação docente. 3ª ed. Fortaleza: Edições Demócrito rocha, 2003 OLIVEIRA, A. C. B. de Qual a sua formação, professor? Campinas, São Paulo: Papirus, 1994. PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: unidade, teoria e prática. 3ª ed. São Paulo Cortez, 1997. SILVA, C. S. B. da. O curso de Pedagogia no Brasil: história e identidade. 2ª ed. revisada e atualizada. Campinas, SP: Autores Associados, 2003. (Coleção Polêmicas do nosso tempo; 66). Documentos Legais BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. ________. Conselho Nacional de Educação. Parecer CP 09 de 08 de maio de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Mimeografado. ________. Conselho Nacional de Educação. Parecer CP 28 de 02 de outubro de 2001. Dá nova redação ao Parecer CNE/CP 21/2001, que estabelece a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da educação básica em nível superior. ________. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1 de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da educação básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena. Mimeografado. ________. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1 de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da educação básica em nível superior. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 128 Projetos e práticas de formação de professores O PAPEL DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DO JOVEM: A VOZ DO ALUNO DO ENSINO MÉDIO MENDES, Maria Celeste de Jesus (Universidade Católica de Santos) Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver o Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer. Porque sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura... Fernando Pessoa Este trabalho se propõe a tratar de aspectos que consideramos fundamentais para ampliarmos nosso olhar para o aluno do Ensino Médio. Os dados abordados foram coletados através de textos produzidos por 98 alunos ingressantes nesta etapa escolar de uma escola pública de periferia em 2004. A produção destes textos fez parte de um projeto1 maior desenvolvido na escola desde 2003, que consistia em valorizar o aluno enquanto sujeito de sua aprendizagem. Faremos, inicialmente, algumas considerações sobre a função social da escola, o Ensino Médio e a adolescência, para, então, adentrarmos às considerações e análise dos dados coletados. Várias instituições são responsáveis pela formação do jovem, a família, as comunidades, os meios de comunicação e a escola, e esta é, sem dúvida, o principal espaço para organizar, sistematizar, transmitir e proporcionar a construção do conhecimento. É através do conhecimento, do domínio das ciências e das tecnologias que o homem adquire meios de transformar o meio natural e a sociedade em que vive. Esse caráter transformador da escola é determinado pelo grau com que instrumentaliza seus alunos no campo da ciência, da técnica, da crítica e da criatividade. Ao estimular e desenvolver nos educandos as capacidades intelectuais, as atitudes e o comportamento crítico em relação à sociedade, na qual estão inseridos, a escola colabora de forma determinante com a transformação social. Mas o que qualquer pessoa ligada à escola, seja professor, aluno ou comunidade percebe com clareza é o que toda a sociedade já se habituou a chamar de “crise da educação”. Todos a reconhecemos, embora não se saiba exatamente qual sua extensão e nem quando começou, mas ela se torna evidente quando concretamente uma enorme parcela de crianças ingressantes na escola não consegue concluir satisfatoriamente os oito anos mínimos e obrigatórios. Esse é, certamente, um dos maiores problemas enfrentados pela escola brasileira na atualidade. Por conta disso, vários esforços foram e estão sendo articulados numa tentativa de redirecionar a educação brasileira. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº 9.394/97, ao estabelecer como sendo dever do Estado a progressiva extensão da obrigatoriedade do Ensino Médio, pretende corrigir uma das razões que provocam a distorção idade/série e a elevada exclusão dos jovens e adolescentes desta etapa escolar. O Plano Nacional de Educação estabeleceu metas para a educação no Brasil com duração de dez anos que garantam, entre muitos outros avanços, a elevação global do nível de VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 129 Projetos e práticas de formação de professores escolaridade da população, a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis, a redução das desigualdades sociais. E uma das mais importantes metas do Plano Nacional de Educação, no que tange o Ensino Médio, é a garantia do acesso a todos aqueles que concluam o Ensino Fundamental. Com o aumento da demanda, o Ensino Médio vem gradativamente passando por algumas mudanças, engendradas, em grande parte pelas políticas públicas. É cada vez mais forte a idéia de que esta etapa escolar deva ter uma estreita relação entre o Ensino Fundamental e o Superior e não se reduzir a uma série de conteúdos que visem à aprovação em provas vestibulares. Ou seja, o aluno deve, neste período, ser levado a perceber as articulações entre ciência, diversidade cultural e trabalho, como também desenvolver atitudes e valores éticos, ter o convívio social estimulado e ser conscientizado a rejeitar qualquer tipo de preconceito. E, ainda, desenvolver o educando, assegurando-lhe a preparação para o trabalho e a cidadania. Os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCNs do Ensino Médio (Brasil, 1999), propõem que, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à formação específica, deve orientar “o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização”. Aqueles que de alguma forma estão ligados a escolas de Ensino Médio verificam que a realidade apresentada está muito distante do que propõem os Parâmetros. Essa etapa escolar encontra-se, atualmente, sem identidade e os professores carentes de formação mais adequada a essa etapa. Preparar os educandos, para o mundo do trabalho, para o acesso ao ensino superior, para o exercício da cidadania, tudo isso é um discurso do qual, em teoria, não podemos discordar, mas o que percebemos na prática é a impossibilidade de concretizar esses propósitos, principalmente, porque a escola e o professor não estavam preparados para o aumento da demanda desse público específico do Ensino Médio: adolescentes e jovens. Percebe-se um descompasso entre o que a escola oferece ao adolescente do Ensino Médio, aquilo que se pretende que ela deva oferecer e ao que o aluno espera que ela ofereça. Percebe-se inclusive um “mal-estar” com relação ao trabalho dos professores. A crise da escola evidencia-se de tal maneira que os profissionais da educação são acometidos de uma série de conflitos que perpassam pela falta de credibilidade profissional que, por sua vez, é produto da falta de credibilidade da escola. Se a imagem da escola como instituição está ameaçada, a idéia de cidadania também está, pois a escola ainda é o meio de o cidadão ter de fato acesso aos seus direitos com vistas não somente ao direito de voto, mas também a uma vida com dignidade. Quando se investiga o insucesso escolar, principalmente no Ensino Médio, as razões que constantemente surgem é a falta de interesse do aluno, não têm perspectivas, não querem estudar etc., ou seja, esse insucesso é produto de outras fontes que não a escola, o professor ou a ação pedagógica. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 130 Projetos e práticas de formação de professores Para Aquino (1998:182): (...) ao eleger o aluno-problema como um empecilho ou obstáculo para o trabalho pedagógico, a categoria docente corre abertamente o risco de cometer um sério equívoco ético, que é o seguinte: não se pode atribuir à clientela escolar a responsabilidade pelas dificuldades e contratempos de nosso trabalho, nossos ‘acidentes de percurso’. Seria o mesmo que o médico supor que o grande obstáculo da medicina atual são as novas doenças, ou o advogado admitir que as pessoas que a ele recorrem apresentam-se como um empecilho para o exercício ‘puro’ de sua profissão. Quem é esse aluno que chega ao ensino médio? O que quer? Quais são seus projetos? Que vivências ele já possui? Quais são seus anseios e dúvidas? A escola e o professor esperam um aluno ideal e desconsideram ou rotulam o aluno real com o qual se deparam. Ignoramse as suas múltiplas experiências de vida fora do espaço escolar. A expectativa pelo aluno ideal torna-se mais problemática se desconsiderarmos a diversidade do público atual do ensino médio. O que nos parece claro é que a escola, os professores e a sociedade em geral olham para a conduta do adolescente sempre de forma reducionista, simplista e como problemática. O aluno adolescente, ou o “aborrecente” é apontado sempre como um problema, criam-se estereótipos e, ao mesmo tempo, em que lhe são impostas novas regras do mundo adulto lhe é negada participação efetiva nesse espaço, principalmente, no que diz respeito ao direito à expressão. Esse espaço de tempo, em que as características infantis são abandonadas, mas ainda não se assumiram as obrigações e responsabilidades da vida adulta, torna-se cheio de contradições. Sobre essas contradições, Melman (1999) afirma que a forma pela qual a adolescência é tratada revela uma discordância que nossa cultura mantém entre os estatutos biológico, subjetivo e social. O adolescente, por um lado, é tomado por uma exigência interna e, de outro, por uma norma social que o subestima e o declara ainda incapaz. Com o alongamento da permanência na escola, propiciado pelo aumento progressivo do acesso à escola de ensino médio, há a necessidade de novas propostas de trabalho para esse público específico, prioritariamente, adolescentes e jovens. Para Calligaris (2000: 8-9), os adolescentes: (...) amam, estudam, brigam, trabalham. Batalham com seus corpos, que se esticam e se transformam. Lidam com as dificuldades de crescer no quadro complicado das famílias modernas (...) eles precisam lutar com a adolescência, que é uma criatura um pouco monstruosa, sustentada pela imaginação de todos, adolescentes e pais. (...) A adolescência é o prisma pelo qual os adolescentes se contemplam. Ela é uma das formações culturais mais poderosas de nossa época. A adolescência não é um fenômeno universal. A antropologia já constatou que os povos primitivos não passam por esse estágio, pois o mundo adulto encontra-se nitidamente dividido pelo “ritos de passagem”. Esses rituais introduzem o indivíduo no mundo adulto com VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 131 Projetos e práticas de formação de professores valores e regras bem definidas, não havendo ambigüidades a respeito dos direitos e deveres que estado de “adulto” lhe acarreta. Já, nas sociedades modernas, há a segregação do jovem através de uma espécie de segmentação no período de transição de uma faixa etária para outra. A escola, na modernidade, passou a ter papel fundamental nesse período de espera enquanto espaço separado, apropriado e de grande importância para a preparação para a vida adulta. Mas como já observamos anteriormente, a escola vê esse adolescente de modo reducionista e estereotipado, não proporcionando momentos de vivências adequadas para que os educandos se desenvolvam enquanto sujeitos dessa preparação para adentrar na vida adulta. Faz-se necessário, então, que a escola perceba, como nos diz Dayrell (1996: 140), que: (...) os alunos chegam à escola marcados pela diversidade, reflexos dos desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente desiguais, em virtude da qualidade de suas experiências e relações sociais prévias e paralelas à escola. O tratamento uniforme dado pela escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sócias dos alunos. É preciso, assim, que a escola propicie espaços para que seus alunos tenham voz, para que se expressem, opinem, sugiram, analisem, critiquem, enfim, participem, desenvolvendo assim competências fundamentais para o mundo do trabalho, característica primeira do mundo adulto. Compreender esse aluno que chega à escola é apreendê-lo como sujeito sócio-cultural. Para isso, é preciso superar a visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno. Ou seja: Trata-se de compreendê-lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, escala de valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios. (Dayrell, 1996:140) Ao participarmos por alguns minutos de qualquer reunião de conselho de classe e série, veremos que essa necessária mudança de visão está bem distante da realidade, pois nos deparamos com vários rótulos e estereótipos dados aos alunos: o desinteressado, o indisciplinado, o desrespeitoso, o que não tem pré-requisitos, o que não tem limites, o agressivo, o tímido, o bagunceiro, ou ainda, uma expressão que de tão ampla é vazia de significado: “esse aluno tem problemas”. Esses esteriótipos acabam por cristalizar modelos de comportamento com os quais os alunos passam a se identificar. De acordo com Spósito (2001), o estereótipo atribui a priori características ao sujeito, neste caso, o adolescente, e nega o direito à fala. Ou seja, nos negamos a escutar o que ele teria a dizer sobre si mesmo e lhe são impostas definições externas que toma como suas, que, ainda segundo a mesma autora, essas definições tornam-se representações incorporadas pelo jovem, podendo gerar estigmas que deformam a identidade. Desta forma, torna-se claro que o olhar que lançamos ao adolescente tem grande importância na constituição de sua identidade. A responsabilidade de escola com relação à formação do jovem é enorme e deve não reproduzir o olhar que a sociedade em geral tem do adolescente e, sim, caminhar no sentido de reconhecer esse adolescente como um ser único, respeitando democraticamente seu direito a VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 132 Projetos e práticas de formação de professores ser ouvido e estimulado à livre expressão responsável, crítica e consciente, que precisa, conforme Aquino (2003: 61), ser incessantemente cultivado. Tendo por base que a escola é um espaço polissêmico, é necessário articular a experiência que a escola oferece de acordo com o seu projeto político-pedagógico, com o projeto dos alunos. Não seria a escola o espaço privilegiado para desenvolver a formação humana de forma ampla, ampliando o universo dos alunos? E, como nos diz Velho (1987, apud Dayrell, 1996: 145): (...) quanto mais exposto estiver o ator a experiências diversificadas, quanto mais tiver de dar conta de ethos e visões de mundo contrastantes, quanto menos fechada for a sua rede de relações ao nível do seu cotidiano, mais marcada será a sua percepção de individualidade singular. Por sua vez, a essa consciência da individualidade, fabricada dentro de uma experiência cultural específica, corresponderá uma maior elaboração de um projeto. Pensando dessa forma, iniciamos, em 2003, um projeto que tinha como objetivo desenvolver a livre expressão, a análise, a crítica, e a solidariedade através da empatia e do respeito ao outro. Um dos momentos desse projeto caracterizou-se pela proposta de uma produção textual que tinha como tema o papel do professor na formação do jovem. A princípio, o que se percebeu foi a enorme dificuldade de elaborar, selecionar e organizar a idéias, ou seja, a maioria não sabia exatamente qual era o papel do professor na sua própria formação. O que pode parecer estranho, afinal, a maioria está na escola pelo menos há nove anos e não conseguia definir qual é o papel do professor. Questionados sobre isso, os alunos se surpreenderam por nunca terem pensado que os professores têm um papel em sua formação e passaram a refletir sobre ele. Nos textos produzidos, que passaram a ser tratados, na análise de dados como questionários abertos, o que se percebe é que apesar de a maioria nunca ter refletido sobre o tema, quando o fez, conseguiu levantar aspectos sobre o papel do professor extremamente pertinentes. Ou seja, os alunos quando estimulados a participar, a refletir e a expressar-se mostramse competentes e demonstram ser muito diferentes dos esteriótipos e rótulos que normalmente lhe são impostos. Segundo Rios (2003:93): “Em toda a ação docente, encontram-se uma dimensão técnica, uma dimensão política, uma dimensão estética e uma dimensão ética”. Em seus textos, os educandos abordaram pontos que englobam justamente essas quatro dimensões. Sendo assim, os dados coletados foram organizados no que tange à dimensão da competência técnica, dimensão ético-política e dimensão estética. Além desses dados elencados com relação ao papel do professor enquanto formador, pode-se constatar, também, que muitos alunos conseguiram perceber as dificuldades e deficiências que alguns professores têm em desempenhar esse papel e, ainda, indicaram o que seria necessário para que a sua formação, enquanto alunos, fosse mais eficaz. Na dimensão da competência técnica, o que se espera de um professor é o domínio dos conteúdos de sua disciplina e que consiga transmiti-los, ou seja, domínio do conteúdo específico e de métodos pedagógicos. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 133 Projetos e práticas de formação de professores De acordo com Cunha (1982, apud Rios, 2003:94), o termo “técnica” é usado para indicar o “conjunto dos processos de uma arte” ou a “maneira ou habilidade especial de executar ou fazer algo”. Temos, então, a competência técnica ligada à capacidade de lidar com os conteúdos e conceitos e das atitudes. Essa dimensão foi claramente citada na maioria dos textos: O docente tem o dever de conhecer a matéria que ele leciona e deve expressar esse conhecimento com clareza... O papel do professor é transmitir conhecimento, é tirar qualquer tipo de dúvida que apareça sobre sua matéria... Ensinar de forma que o aluno entenda faz parte do papel do professor; deve também tentar compreender a dificuldade do aluno e tentar tirar suas dúvidas... (...) os professores devem se empenhar em ensinar de uma forma interativa e dinâmica, fazendo com que os alunos aprendam de uma forma divertida e interessante... (...) deve ensinar seu conteúdo com clareza, preparar para o vestibular e nos sentirmos seguros para entrar no mercado de trabalho... A competência ético-política está presente naquele professor que, além de ensinar, sente a responsabilidade de formar integralmente o seu aluno, parafraseando Freire (1997), ter compromisso ético político é aquele que ensina a ler o mundo e não apenas se restringe a ensinar a leitura das palavras. Rios (2003:106) reivindica, para a profissão docente, a dimensão da competência ética, esclarecendo que competência guarda o conceito de algo de boa qualidade – algo que se exercita como deve ser, na direção não apenas do bem (...), mas do bem comum. Inseparável da ética está a competência política que tem como finalidade a vida justa e feliz, ou seja, a vida propriamente humana digna de seres livres (Chauí 1994:384). Iniciar os alunos no que diz respeito a sua participação na sociedade, cientes de seus direitos e deveres, é parte desta competência. Nos textos analisados, essa competência é a citada como mais importante na formação do jovem. Vejamos alguns trechos: O papel do professor é um marco na vida de qualquer pessoa. É ele quem ensina, auxilia nas dificuldades e prepara-nos para o mundo. (...) é necessário que exista respeito para que o docente exerça sua função de ensinar, mas não apenas uma simples lição de determinada matéria, mas sim um aprendizado de vida que o jovem irá levar com ele pela vida toda. O professor tem uma grande importância na educação dos jovens, pois ele passa um terço de nossa vida conosco...é necessário que ele seja o guia do jovem... um amigo e não só um simples professor... e também deve servir de inspiração para o jovem... (...) além disso, é ele que te ajuda a ter respeito ao próximo, a ser solidário... o docente sempre tem algo novo e surpreendente para te ensinar, é ele que vai te mostrar que o mundo pode ter mais brilho e te transformar numa pessoa preparada para o futuro... O professor não é só importante para o ensino de Português, Matemática, mas também para orientá-lo no dia-a-dia, é ele um dos responsáveis junto com a família, pelo desenvolvimento do intelecto e do futuro do jovem. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 134 Projetos e práticas de formação de professores (...) em suas aulas deve exigir de nós sempre o melhor, fazendonos ter responsabilidade com datas de entregas de trabalho, e mostrando sempre que isso é para o nosso bem... (...) outro fator importantíssimo na educação de um jovem é o professor servir de espelho para seus alunos, ou seja, se o educador se mostra uma pessoa bem educada, com princípios, o jovem receberá isso como uma lição que será exercida diariamente... (...) deve valorizar o aluno na sua capacidade... levantar sua autoestima para que ele se sinta forte para lutar por seus interesses... ensinar que para ser um cidadão não precisa passar por cima dos outros e, sim, ter respeito por todos que o cercam sendo uma pessoa digna de caráter... A origem etimológica da palavra estética vem do grego aisthesis com o significado de “faculdade de sentir”, “compreensão pelos sentidos”, “percepção totalizante”, portanto, tomando esses significados não aprofundaremos, aqui, uma reflexão sobre a arte ou o belo, mas, sim, relacionar os significados originais da palavra à necessidade de sensibilidade no ato educativo. Rios (2003), citando Ostrower (1986:12-13), refere-se à sensibilidade como algo que vai além do sensorial e que diz respeito a uma ordenação das sensações, uma apreensão consciente da realidade, ligada estreitamente à intelectualidade. Segundo ela (id.: 96): “(...) a sensibilidade guia o indivíduo nas considerações do que para ele seria importante ou necessário para alcançar certas metas de vida.(...)”. A sensibilidade se converte em criatividade ao ligar-se estreitamente a uma atividade social significativa para o indivíduo. Sendo assim, a estética é uma dimensão da existência, do agir humano. É o que podemos perceber das falas de alguns dos nossos alunos: (...) o professor deve agir com carinho, demonstrando interesse em que todos alcancem o objetivo final que é ser aprovado, ele conseguirá a confiança e o respeito de todos (...), propor trabalhos e atividades que exijam a aproximação do aluno e do professor... (...) deve haver entre o professor e o aluno um vínculo de amizade, confiança e respeito, para que haja um melhor rendimento e para que todos os objetivos sejam alcançados... (...) deve ser um conselheiro sincero, é o nosso amigo que muitas vezes nos dá um conselho, um apoio quando precisamos... O professor deve demonstrar interesse pelo aluno e ter paciência quando explicar. (...) o professor não é só um amigo ele é muito mais que isso, ele vai estar com o aluno boa parte da vida, mostrando coisas que ele nem sonhava que existiam... Outro item muito importante na relação entre o professor e o aluno é o companheirismo, pois a partir do momento que os dois sejam companheiros, facilitarão os dois lados, o ensino do professor e o aprendizado do aluno... Percebe-se, na análise dos textos produzidos pelos alunos, que suas percepções sobre o papel do professor são aprofundadas no sentido de demonstrarem claramente que uma dimensão apenas não é suficiente, mas que uma complementa a outra. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 135 Projetos e práticas de formação de professores Para Rios (2003:108): a dimensão ética é a dimensão fundante da competência porque a técnica, a estética e a política ganharão seu significado pleno quando, além de apoiarem em fundamentos próprios de sua natureza, se guiarem por princípios éticos. Assim vale reafirmar que, para um professor competente, não basta dominar bem os conceitos de sua área – é preciso pensar criticamente no valor efetivo desses conceitos para a inserção criativa dos sujeitos na sociedade. Não basta ser criativo – é preciso exercer sua criatividade na construção do bem-estar coletivo. Não basta ser comprometido politicamente – é preciso verificar o alcance desse compromisso, verificar se ele efetivamente dirige a ação no sentido de uma vida digna e solidária. E, neste sentido, afirma um de nossos alunos: (...) existem professores que só se preocupam em ensinar sua matéria deixando de lado coisas muito importantes: a virtude, que é ensinar como conviver bem com seus colegas e na sua comunidade, a ser um cidadão de verdade. Além de terem elencado, em seus textos, as quatro dimensões da competência, alguns fizeram referências às dificuldades e deficiências apresentadas no ambiente da sala de aula, abordando aspectos como a falta de conhecimento teórico sobre matéria lecionada, o clima de desordem, a falta de didática, a falta de comprometimento. Alguns conseguiram identificar o comportamento de professores que, provavelmente, se mostram na fase de desinvestimento da carreira. Vejamos alguns trechos para melhor ilustrar: A desordem dentro da sala de aula atrapalha o desenvolvimento dos alunos, pois se a bagunça não é contida, logo ela se torna gradual e, mais tarde, foge do controle do professor, que, muitas vezes, não dá importância, mostra um certo desinteresse em melhorar, em inverter a situação e, com isso, acaba permitindo os excessos de indisciplina, pois sua autoridade não é mais respeitada. Alguns professores tentam dar aula. Quando eles percebem que não vão conseguir, alguns deles desistem, deixando apenas um conteúdo incompreendido na lousa e quem ficam prejudicados são os alunos que estão interessados em aprender. Existem professores que conseguiram ter conhecimento suficiente para exercer sua profissão que é de muita responsabilidade, mas não conseguem ensinar os alunos. Há professores que não conseguem preparar suas aulas e chegam na escola com algumas coisas improvisadas e não conseguem passar o conhecimento suficiente para os alunos. O professor tem um papel fundamental na vida do jovem, mas alguns entram nessa profissão não sei por que, pois não sabem explicar direito, só sabem gritar e brigar com os alunos. Já é da natureza do aluno não gostar da escola e quando percebem que o professor está com falta de interesse, não estudam, não fazem nada, se tornando alunos rebeldes... O professor precisa compreender que os alunos não têm o mesmo grau de conhecimento que ele e, por isso, não deve se irritar, mas ensinar quantas vezes for necessário para que o aluno aprenda o máximo. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 136 Projetos e práticas de formação de professores Como toda a profissão, existem os que fazem seu dever por amor e vocação e os que fazem só pelo dinheiro e a diferença se vêem em sala de aula, há professores que só se preocupam em “passar” a matéria e acham que fazendo isso sua missão está cumprida”. Parece-nos claro que o aluno está muito além daquilo que normalmente o rotulam. A ampliação do olhar sobre ele, percebendo-o de maneira mais complexa, no sentido de conhecer seus saberes, vivências, suas idéias, suas críticas, suas propostas, poderia ser um caminho no sentido de dar contornos possíveis para uma formação integral desse jovem. Ao ouvir o aluno, o que se recebe de volta é uma profusão de opiniões, observações, propostas etc., que são surpreendentes e que em nada sugerem a imagem de superficialidade que normalmente lhe é impingida. A escola precisa abrir-se para o novo, e o adolescente precisa de um espaço em que possa ser ouvido, reconhecido. Ao propor que o aluno precisa ser ouvido, não estamos sugerindo que ele passe a ditar suas regras e sugerir propostas que devam ser aceitas prontamente pela escola, obviamente que não, o que se propõe é oportunizar o diálogo, construir uma relação de respeito mútuo. Nos dados coletados, os alunos sinalizam claramente que precisam de um adulto, no caso, o professor como portador de valores, de regras e que lhe sirva de exemplo: (...) outro fator importantíssimo na educação de um jovem é o professor servir de espelho para seus alunos, ou seja, se o educador se mostra uma pessoa bem educada, com princípios, o jovem receberá isso como uma lição que será exercida diariamente... A vontade dos alunos é ter voz, é ter oportunidade de propor, de criticar, de participar de um processo no qual são os principais interessados, assim, como transformar nosso aluno em sujeito de seu próprio conhecimento sem dar oportunidade para que se expresse? Nosso objetivo, no presente trabalho, foi o de discutir a importância de se ouvir o aluno para podermos ampliar nosso olhar sobre ele e mostrar que durante o desenvolvimento do projeto, no qual os textos foram produzidos, isso foi possível. Ou seja, os alunos foram ouvidos, reconhecidos como sujeitos capazes de observar, avaliar, propor mudanças, questionar, enfim, participar de um processo dialético. Estamos cientes de que não exploramos a totalidade dos dados recolhidos, muito mais poderíamos aprofundar tanto no que diz respeito às informações presentes nos textos, como em relação a uma mais completa fundamentação teórica. Acreditamos que a relevância dos aspectos abordados pelos alunos e a dimensão com que participaram das atividades nos dão indícios sobre a necessidade e a importância de se ouvir o aluno e olhá-lo com um olhar ativo, sem pressa, percebendo as mudanças, as semelhanças e as diferenças, enfim, olhá-lo com “olhos de ver”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINO, Julio Groppa de. Indisciplina: o contraponto das escolas democráticas. São Paulo: Editora Moderna, 2003. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 137 Projetos e práticas de formação de professores __________. A indisciplina e a escola atual. Revista da Faculdade de Educação da USP. São Paulo, v. 24, n. 2, p. 181-204, 1997. BRASIL.Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio – Brasília: Ministério da Educação, 1999. CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1994. DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. In: Dayrell, J. (org.) Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1996, p.137-161. RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2003. MELMAN, Charles. Os adolescentes estão sempre confrontados ao Minotauro. In: Jerusalinsky, A. et al (orgs). Adolescência entre o Passado e o Futuro. 2ªed. Porto Alegre: Associação Psicanalítica de Porto Alegre/Artes e Ofícios, 1999, p.29-40. SPÓSITO, Marilia P. Crise, Identidade e Escola. In: Dayrell, J.(org). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001, p.96-104. NOTAS 1 O projeto Vivências Comunicativas integrava as aulas de Língua Portuguesa da E.E. Profª Gracinda Maria Ferreira. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 138 Projetos e práticas de formação de professores PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA – TEIA DO SABER – UMA ANÁLISE CRÍTICA. CUSINATO, Ricardo; CUSINATO, Maria Nazareth Cardoso (FCL-UNESP/CAR) O Governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria da Educação e da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas ,elabora um programa de Formação Continuada de Professores denominado ‘TEIA DO SABER’. É um projeto de Capacitação Descentralizada Mediante Contratação de Instituições de Ensino Superior. A Secretaria da Educação parte, portanto, de alguns princípios básicos: primeiro ,o de que há a necessidade da atualização do conhecimento e da capacidade profissional do professor de ensino fundamental e médio; segundo, de que esta Formação Continuada deve ser dada pelas Instituições de Ensino Superior, especificamente daquelas habilitadas nos cursos de Licenciatura. Esse projeto tem como objeto a “Contratação de Instituições de Ensino Superior, públicas ou privadas, devidamente autorizadas/reconhecidas para implementar as ações descentralizadas do Programa de Formação Continuada de Professores – Teia do Saber – da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo, visando a capacitação de professores do ciclo II do ensino fundamental e do ensino médio, que estejam atuando em sala de aula nas escolas estaduais jurisdicionadas à Diretoria de Ensino.” Como terceiro princípio, destaca-se o direito e a habilitação das Instituições de Ensino Superior , públicas ou privadas, a desenvolverem estes cursos. Pergunta-se : Por que o Estado de São Paulo mantém três Universidades Públicas e para qualificar o corpo docente do ensino fundamental e médio recorre às instituições de Ensino Superior Privadas? A justificativa do programa é de que “ A Secretaria da Educação está concentrando seus esforços para oferecer à população uma escola pública de qualidade, que receba e mantenha sob seus cuidados todas as crianças e jovens, que favoreça o acesso à cultura, à arte, à ciência, ao mundo do trabalho, que eduque para o convívio social e solidário, para o comportamento ético, para o desenvolvimento do sentido da justiça, o aprimoramento pessoal e a valorização da vida. O êxito desse empreendimento requer o preparo intelectual, emocional e afetivo dos profissionais nele envolvidos. Por essa razão, está priorizando, entre suas ações, a formação dos educadores que atuam nas escolas. Para tanto, o presente projeto prevê a participação de instituições de ensino superior, contratadas para realização de cursos de capacitação e aprimoramento dos professores da rede pública estadual.” Como quarto princípio destacamos o papel essencial da escola, sem desmerecer as outras funções que ela assume ,socialmente , na atualidade, que é o de favorecer e permitir o acesso do aluno à ciência, à arte, à cultura e sua relação com o mundo do trabalho e com o mundo social e solidário. Ao papel histórico da escola como espaço para fazer a iniciação científica VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 139 Projetos e práticas de formação de professores da criança ,a escola do século XXI acrescenta a preocupação da sua relação com a vida na sociedade. Quando menciona a sua preocupação com o mundo do trabalho, entendo que se opõe a uma educação alienada que prepara o jovem para o nada. Se hoje a Secretaria da Educação manifesta sua preocupação com o projeto pedagógico da escola e insere nele questões relativas ao mundo social, a sobrevivência da classe trabalhadora, que é o mundo do trabalho, significa que ela busca superar o projeto da escola alienada que só prepara para o vestibular, para um ritual macabro onde centenas de jovens concorrem a uma vaga nas universidades públicas. Fica assim a maioria dos jovens sem a formação acadêmica e científica de uma universidade pública por falta de vagas e por outro lado ficou também sem a formação acadêmica que poderia ter sido desenvolvido no ensino médio e não foi. Este empreendimento, argumenta a Secretaria da Educação, requer o preparp intelectual, emocional e afetivo dos profissionais nele envolvidos. Profissionais, esta é uma palavra que expressa uma concepção realista sobre a atividade educar: mais ainda, revela a existência de pessoas preparadas e habilitadas e comprometidas com a ação de ensino e que são e serão tratadas pela Secretaria como “profissionais”. Mas tem uma recaída no parágrafo seguinte quando argumenta que em suas ações está priorizando a formação de “educadores”, que atuem nas escolas. Não há contrato, nem concursos , nem leis para educadores e sim para professores. O termo que expressa respeito, dignidade, respeito pelo profissional é o de ‘PROFESSOR’. Educador é o avô quando conta histórias para o seu neto; o pai quando ensina ao filho como conviver com os outros e nesses atos está de certo modo imbricado uma dose de história, de moral, de afetividade, de controle, de família. Mas se perde com certeza, neste ato o princípio da ciência. Não há naquele momento, na relação do avô com o neto, do pai com o filho, nenhum objetivo com os procedimentos acadêmicos e científicos, e sim uma visão de transferência de experiências de vida , no sentido mais largo do termo. São dois momentos distintos, dois momentos imprescindíveis, mas distintos. Educador, é um momento, uma expressão que revela mais do que tudo afetividade, romantismo. Professor é um termo, e porque não dizer um conceito, que enuncia procedimentos, atitudes, comportamentos , que passa por avaliações, por exames de laboratório. Ser professor significa um compromisso com o PROCESSO DE ENSINO, um compromisso com a ciência. O quinto princípio ocorre ao tratar dos objetivos do projeto: o uso de novas metodologias voltadas para as práticas inovadoras e para o uso de materiais didáticos. Parte do pressuposto de que o objeto de ação de formação continuada dos professores devem ser os procedimentos, as novas metodologias, o uso de novos equipamentos, de novas linguagens que atendam às necessidades de aprendizagem das crianças e jovens. No segundo objetivo acrescenta: o desenvolvimento de competências para a utilização de novas tecnologias a serviço da aprendizagem. Em nenhum momento ,o Projeto TEIA DO SABER põe em questão a formação de conteúdos do professor. Para a Secretaria da Educação, a questão da educação, a ação das Faculdades e dos cursos de formação continuada para os professores devem incidir nos procedimentos, no método e nas novas tecnologias. Parte do pressuposto de que o PROFESSOR SABE e que só precisa SABER ENSINAR. Já ouvimos diversas vezes, em nossas experiências VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 140 Projetos e práticas de formação de professores de vida, alunos que não entendem a aula de um professor e dizem, “ ele sabe para ele, mas não sabe ensinar.”. Pergunto, será que um aluno sabe avaliar se um professor sabe? O fato de ficar na lousa, enchendo de números ou de conceitos e palavras pode significar o contrário, de que ele não tem claro os conceitos básicos de sua matéria, de sua especialidade científica. Não há nenhum indício deste dado: o de que o professor sabe o CONTEÚDO de sua disciplina. O fato de ter feito um curso de licenciatura é um indício da formação do professor. No entanto, a diversificação das instituições de ensino que oferecem cursos de formação de professores é bastante significativa, o que torna difícil poder afirmar que existe um grau de aprendizado conceitual , acadêmico e científico assegurado. Por um lado, temos as Universidades Públicas com uma tradição de ensino e pesquisa de alto nível, de centros de excelência, mas que podem ter o resultado dos cursos de formação de professores, dos seus cursos de licenciatura, comprometido com o maior ou menor envolvimento de seu quadro docente com a temática da formação dos professor e com as questões relativas ao ensino fundamental e médio. Mesmo como centros de excelência, os professores que forma para o magistério do ensino fundamental e médio podem ter uma margem relativa de conhecimento de conteúdos. O próprio rol de disciplinas oferecidas, assim como as disciplinas optativas realizadas pelos alunos demonstram um maior ou menor comprometimento com o ensino fundamental e médio. A análise do processo de contratação das Instituições de ensino Superior para ministrar os cursos para o Programa Teia do Saber demonstra que ,entre outros, o critério determinante na realização do pregão, cumpridas as formalidades legais, é o custo financeiro do curso, é o preço. O preço do curso surge de forma independente da qualificação dos professores que prestarão os serviços. Este procedimento de remuneração é incompatível com a forma de remuneração do profissional ,do professor no ensino superior: tanto no ensino superior público quanto no particular, o valor do trabalho, da hora -aula do professor é variável e compatível de acordo com sua titulação: graduação, mestre, doutor e livre docente. No PREGÃO, edital de concorrência para os cursos de qualificação profissional no Programa Teia do Saber, a Secretaria da Educação desconsidera a titulação dos professores, o curriculum lates dos professores que representarão a Instituição que ministrará os cursos de formação de professores, ou seja, na contratação de instituições de ensino superior, públicas ou privadas, a Secretaria da Educação desconsidera a titulação, o curriculum e a experiência profissional dos professores que trabalham nos projetos de Formação de Professores. Esta omissão da Secretaria da Educação tem como conseqüência a própria desvalorização do professor, provocada por ela mesma. Como ela elabora um projeto de Formação de Professores quando a própria Secretaria da Educação nega a qualificação profissional. Este critério da Secretaria da Educação acaba por privilegiar as Instituições de Ensino Superior Privadas em detrimento das Universidades Públicas, na medida em que a titulação e a experiência docente dos professores das instituições de ensino são ignoradas. O peso de um curso oferecido por um professor Doutor, que trabalha a dez anos nos cursos de licenciatura, que ministra cursos e orienta trabalhos de pesquisa no curso de pós graduação em Educação, tem exatamente o mesmo valor de um curso de um professor, pós-graduando com o VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 141 Projetos e práticas de formação de professores título de mestre, com pouca ou nenhuma experiência profissional, com pouca ou nenhuma experiência de ensino. Para efeito do pregão dos cursos do Programa Teia do Saber da Secretaria da Educação, ambos têm o mesmo peso, o mesmo valor. Pode haver maior desvalorização da qualificação profissional do Professor ? O critério de contratação é única e exclusivamente o preço. O critério para a contratação do corpo docente ou mais precisamente, a falta de critério , não exigindo qualificação do corpo docente responsável por estes cursos , não exigindo qualificação do corpo docente compatível com a formação dos professores do ensino básico da rede pública no Ensino Fundamental e Médio. Os professores do Ensino Fundamental e do Ensino Médio são docentes graduados em licenciatura plena, com diversos anos de experiência profissional em ensino e muitos deles efetivos,o que significa dizer que foram aprovados em um concurso público de títulos e provas promovidos pelo Estado, em um prova que lhes exigiu conhecimentos de sua matéria específica e conhecimentos sobre a Educação Brasileira. Cumpre acrescentar que conhecimentos semelhantes não são exigidos dos professores que vão ministrar os cursos na Teia do Saber. As Universidades Públicas têm grande experiência em ensino e pesquisa e contam hoje com um corpo docente com uma qualificação profissional e uma titulação, na sua imensa maioria de doutores, com experiência em formação de professores, lecionando nos cursos de licenciatura. Mas como a qualificação profissional é ignorada pelo projeto Teia do Saber, as Universidades Públicas têm sido prejudicadas na concorrência pública de prestação de serviços para a Secretaria da Educação – nos pregões. No entanto,como o critério para a contratação dos cursos é única e exclusivamente o preço, ignorando a qualificação profissional dos professores, as Faculdades Privadas têm levado vantagem de maneira expressiva nestes pregões. É sabido que graduandos e mestres fazem parte do corpo docente destas Faculdades e receio que esteja havendo uma inversão de valores neste processo. Sabemos as condições em que são feitos os cursos de pós -graduação e, sem ter experiência expressiva de sala de aula no ensino fundamental e médio são contratados para dar os cursos para um professor, concursado e com experiência profissional no magistério. Argumenta-se nos bastidores que em muitos casos, os professores do ensino fundamental e médio têm uma qualificação profissional superior aos professores envolvidos no projeto. A presença dos professores do Ensino Fundamental e Médio se torna obrigatória nestes cursos pela pontuação e premiação imposta pela Secretaria da Educação, o que não significa necessariamente tradução em ganho científico e educacional. As Universidades Públicas e a própria Secretaria da Educação têm profissionais qualificados e capacitados atuando nos seus quadros, nas Oficinas Pedagógicas e na Supervisão de Ensino, com formação acadêmica de graduação, de pós- graduação e com experiência profissional de Ensino Fundamental e Ensino Médio que lhes dão um estatuto VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 142 Projetos e práticas de formação de professores profissional que, com certeza, poderiam estar desenvolvendo esse trabalho de formação docente e de qualificação profissional com competência e comprometimento. Estes cursos, da maneira como estão sendo desenvolvidos, representam para o professor do magistério público mais um elemento de sobrecarga de trabalho. As aulas destes cursos são desenvolvidas aos sábados, ao longo de todo o ano, sobrecarregando ainda mais de trabalho a jornada do professor. Para fazer estes cursos, muitas vezes os professores precisam viajar, uma vez que cada Diretoria de Ensino organiza um curso na cidade em que está instalada a Faculdade, fazendo com que todos os professores se desloquem para determinada cidade. Estes cursos representam um grande custo para a Secretaria da Educação Estadual que vai argumentar que investiu milhões de reais na formação do professor e no ensino fundamental e médio. No entanto, a forma de organização e de realização dos cursos representam mais uma medida de desqualificação e de perda da identidade do professor. O texto abaixo citado, reforça esta idéia: “As ações descentralizadas do Programa de Formação Continuada – Teia do Saber – visam proporcionar ao professor ambientes de aprendizagem que assegurem: desenvolvimento de competências que qualifiquem para o enfrentamento das contradições do cotidiano, favorecendo o processo de socialização dos alunos, a edificação de valores éticos, solidários e de respeito ao outro, que auxiliam o aluno na construção de seu projeto de vida.” BIBLIOGRAFIA: IMBERNÓN,F. Formação docente e profissional .São Paulo: Cortez, 2002. TEDESCO, J.C- O novo pacto educativo. São Paulo: Ática, 1998. MACIEL,L.S.B, NETO,S. (orgs.). Formação de professores. São Paulo: Cortez, 2004. ANDRADE,E.R. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam/ Pesquisa Nacional Unesco- São Paulo: Moderna, 2004. RIBEIRO,M.L. A formação política do professor de 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1984. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 143 Projetos e práticas de formação de professores RELATO DE EXPERIÊNCIA: PROFESSORES E ALUNOS APRENDENDO JUNTO AO LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA E O PROCESSO DE ABSTRAÇÃO REAL, Luciane Magalhães Corte – FACED/UFRGS; PICETTI, Jaqueline Santos – UNIRRITER/UFRGS Este relato de experiência propõe-se a analisar teoricamente, um projeto construído na interação de professores e alunos, junto ao Laboratório de Informática - LI - de uma escola da Rede Municipal de Educação - RME - de Porto Alegre. Para tal fim, utilizaremos a teoria da abstração reflexionante de Piaget. Vale pontuar, que a experiência utilizou-se da metodologia de Projetos de Aprendizagem como descrita por Fagundes et all (1999). Nessa proposta, professores e alunos aprendem em conjunto, pois em alguns momentos o professor ensina o aluno e em outro, o aluno é professor de seu professor. A aprendizagem também se deu entre professores e pesquisadoras, pois, a análise utilizando a teoria piagetiana foi discutida conjuntamente com os professores. A experiência concretizou-se a partir da proposta dos professores e pesquisadoras aos alunos, na elaboração de projetos de estudos em parceria com o LI da escola em que frequentam. Os adolescentes interagiram no Laboratório de Informática durante dois meses, com freqüência de duas vezes por semana. A proposta de trabalho, a eles sugerida, foi que a partir de um projeto de estudos na internet, construíssem páginas sobre algum local de seu interesse ou curiosidade (país, cidades, etc). Alguns locais escolhidos: China, Alemanha, Estados Unidos, Veneza, Gramado (RS - Brasil) e Porto Alegre. Em cada computador trabalharam dois ou três alunos com seus projetos de estudo em comum. Era desafio ao grupo a construção de uma página na internet, contendo informações necessárias para que se algum colega fosse visitar o local, soubesse o que iria encontrar (alimentação, moeda, vestimenta, língua, comidas, pontos turísticos, etc.) Nesse princípio de reflexão, é relevante destacar a idéia de que entre os vários processos envolvidos na trajetória da construção do conhecimento no ser humano temos o de abstração, o qual Piaget, pesquisador desses processos, chamava a atenção desde 1950. Para esse autor há necessidade de distinguirmos uma abstração que seria reflexionante de outra, apoiada sobre os observáveis dos objetos e das ações nas suas características materiais. Buscando preencher essa lacuna, Piaget realizou vários experimentos que deram subsídios para explorar teoricamente essa questão e produzir a obra “Abstração Reflexionante: relações lógico-aritméticas e ordem das relações espaciais” (a primeira publicação dessa obra foi em 1977, mas para esse trabalho estamos utilizando um livro com edição de 1995). A reflexão teórica sobre esse relato de experiência abordará o conceito de abstração estudado por Piaget, seus diferentes tipos, o processo de reflexionamento com seus dez patamares e a criação de novidades, relacionando com as construções dos adolescentes no LI. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 144 Projetos e práticas de formação de professores Conceito de Abstração: empírica, reflexionante, pseudo-empírica e refletida e a interação dos adolescentes no LI Para iniciarmos a discussão sobre o conceito de abstração recorremos a um dicionário de filosofia que nos possibilitou a construção da seguinte definição: abstração é a operação que isola um elemento de uma representação para considerá-lo à parte, não se encontrando separado da realidade, bem como é o processo pelo qual o espírito se desvincula das significações familiares do vivido e do mundo das percepções para constituir conceitos (JAPIASSÚ, 2001). O termo abstração (abs + trahere) significa retirar alguma coisa de alguma coisa. Piaget trabalhou com a abstração construtiva diferentemente da metodologia usual que utilizava a abstração indutiva. Para ele, a teoria da abstração tenta trazer para o mundo das trocas simbólicas a teoria da equilibração. “Entendemos por isso (...) um processo (de onde o termo equilibração) que conduz de certos estados de equilíbrio aproximado a outros qualitativamente diferentes, passando por múltiplos desequilíbrios e reequilibrações” (PIAGET, 1975, p. 9, apud MONTANGERO, 1998, p. 151). Para Piaget (1995), há dois tipos de abstração: a empírica e a reflexionante, sendo que esta envolve a abstração pseudo-empírica e a refletida. A abstração empírica apoia-se sobre as informações dos objetos ou das ações em suas características materiais. É a retirada das qualidades que os objetos ou as ações em suas características materiais têm antes do sujeito agir sobre ele, isto é, os observáveis (PIAGET, 1995). A abstração reflexionante funda-se na coordenação das ações do sujeito que são interiores. É o processo que se apoia nos não-observáveis. Ela pode permanecer inconsciente ou dar lugar a tomadas de consciência - “... significa apropriar-se dos mecanismos da própria ação, ou seja, o avanço do sujeito na direção do objeto, a possibilidade de o sujeito avançar no sentido de apreender o mundo, de construir o mundo, de transformar o mundo que está aí, se dá na precisa medida que ele apreende a si mesmo como sujeito, que ele apreende a sua prática, a sua ação” (BECKER, 2001, p. 42). Se dá primeiro pelo resultado e posteriormente pelo procedimento, isto, é, parte dos resultados para ir ao processo. A compreensão, que envolve a tomada de consciência, se dá tardiamente em relação à ação. A ação tem êxito precoce em relação à compreensão. A teoria da meta-cognição é a tomada de consciência, sendo a operação sobre a operação. Cada abstração reflexionante é meta-cognição. - e conceituações variadas. Permite construir estruturas novas a partir da reorganização de elementos tirados das estruturas anteriores, criar e recriar novas coordenações e acarreta mais construções de formas - “...consiste em reunir objetos em um todo, apoiando-se sobre relações de equivalência, em função de suas qualidades comuns, supõe a intervenção de uma abstração reflexionante...” (PIAGET, 1995, p. 276). O sujeito se apropria da forma, transformando-a em conteúdo. É a coordenação das ações com vistas a descobrir as leis dessa coordenação. - em relação aos conteúdos - consiste inicialmente nos observáveis, destacando a abstração empírica. Posteriormente, é constituído pelas formas VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 145 Projetos e práticas de formação de professores tematizadas, sendo a coordenação das ações com vista a descobrir as propriedades dos objetos. “... a abstração reflexionante consiste em introduzir, em novos objetos, propriedades que eles não possuíam, seja porque sua reorganização consegue construir novas formas que engendram, então, novos conteúdos” (p. 286). No processo de construção das páginas para a internet, no momento em que os adolescentes procuravam o local pesquisado na rede, liam os textos referentes a ele, capturavam as imagens e elaboravam o seu projeto, construindo novidades. Um exemplo é o grupo que pesquisou Porto Alegre: mesmo os alunos morando nessa cidade, descobriram que havia alguns locais históricos desconhecidos, como a Estátua do Laçador, símbolo da cidade. Durante a experiência observamos que no momento em que os adolescentes conseguiam imaginar as conseqüências de suas ações na máquina (computador) melhores resultados e menos equívocos obtinham na construção de suas páginas. Quanto mais a abstração reflexionante conseguir prever a empiria, maior será a segurança e o sucesso do sujeito. Foram observadas as coordenações e diferenciações (que são partes importantes da abstração reflexionante, são processos complementares e simultâneos) ao longo do trabalho, sendo possível constatar as diferenciações que os adolescentes fizeram entre continentes, países, estados e cidades. No início do processo não havia uma relação de inclusão. A abstração reflexionante conduz a generalizações construtivas - apoia-se sobre as operações do sujeito ou seus produtos. É de natureza compreensiva e extensiva e produz novas formas e por vezes novos conteúdos, ou seja, novas organizações estruturais. Pode conduzir à elaboração de estruturas mais ricas, mas de extensão restrita, podendo-se falar em “generalização especializante”. O ponte de partida é a dificuldade de uma assimilação particular e o ponto de chegada é o que era obstáculo à assimilação se torna uma transformação interna do esquema ampliado, mas com diferenciação do esquema inicial em sub-sistemas e com integração destes num sistema total que os coordena. Elabora uma enorme riqueza de sistemas, manifestando-se em compreensão, pois as estruturas de ordem superior apresentarão propriedades novas (PIAGET, 1978). Já, a abstração empírica, apresenta generalizações indutivas - parte dos observáveis dos objetos e se detém nesses para verificar a validade de relações observadas, para estabelecer seu grau de generalidade e tirar daí previsões ulteriores. É de natureza extensiva e generaliza de “alguns” para “todos” os fatos ou relações constatados, ou melhor, os observáveis a títulos de conteúdos destas constatações. Limita-se a assimilação dos conteúdos sem engendrá-los (PIAGET, 1978). Essas duas abstrações existem em todos os níveis de desenvolvimento. A abstração reflexionante participa da coordenação das ações, por isso, da assimilação recíproca dos esquemas “Assimilação não reduz (...) a uma simples identificação, mas é construção de estruturas ao mesmo tempo que incorporação de coisas a essas estruturas” (PIAGET, 1936, p. 364, apud MONTANGERO, 1998, p. 115). “Um esquema é a estrutura ou a organização das ações, tais como elas se transferem ou se generalizam por ocasião da repetição dessa ação e das circunstâncias semelhantes ou análogas” (PIAGET, 1966, p. 11, apud MONTANGERO, 1998, p. 166). Ao incorporarmos elementos novos nos esquemas anteriores, há uma modificação desses últimos para ajustá-los aos novos dados. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 146 Projetos e práticas de formação de professores A abstração pseudo-empírica é a que ocorre quando o objeto é modificado pelas ações do sujeito e enriquecido por propriedades tiradas de suas coordenações. Podemos dizer que: “...ao agir sobre o objeto e sobre seus observáveis atuais, como na abstração empírica, as constatações atingem, de fato os produtos da coordenação das ações do sujeito: trata-se, pois, de um caso particular de abstração reflexionante e, de nenhum modo, de uma decorrência da abstração empírica” (PIAGET, 1995, p. 274). Esse falso empírico é reflexionante, pois retira do objeto o que não está lá. Essa abstração “...serve (...) de suporte e de auxiliar essenciais às abstrações reflexionante” (PIAGET, 1995, p. 277). A abstração refletida é uma forma superior de abstração que procede de um processo de abstração reflexionante a partir da reflexão sobre as reflexões particulares. É o processo de tornar consciente o resultado de uma abstração reflexionante. No decorrer do trabalho, inúmeras vezes os alunos foram questionados sobre a construção dos projetos de estudo, bem como de suas páginas e no final foram indagados sobre o sentido de tudo o que foi realizado para o seu processo de desenvolvimento. De alguma forma, os desafiamos na direção da abstração refletida, pois eram maneiras de tornar consciente a coordenação das ações que eles haviam realizado. Alguns exemplos nas falas dos alunos “Tive que organizar tudo e pensar o que ia fazer. Aprendi sobre tudo, tanto da liberdade de escolha quanto sobre meu país (Rússia)”. “Foi bom para aprendermos a ter nossas próprias idéias...”. Prosseguindo o estudo sobre o tema, podemos dizer que a abstração refletida permanece em retardo em relação à abstração reflexionante, mas há um momento em que ela se torna o instrumento necessário das reflexões. É um ato mental de reconstrução e reorganização sobre o patamar superior daquilo que foi assim transferido do inferior, permite a formação de uma meta-reflexão - reflexão da reflexão - e torna possível a constituição de sistemas lógico-matemáticos de cunho científico. Assim, essa abstração localiza-se nos diferentes patamares de reflexionamento - projeção para um patamar superior do que foi tirado do inferior - e esses dão lugar a possibilidade de novas reflexões (PIAGET, 1995). PROCESSO DE REFLEXIONAMENTO Cada reflexão supõe a formação de um patamar superior de reflexionamento no sujeito. O que estava no patamar inferior torna-se objeto de pensamento e é tematizado. Novos patamares de “reflexionamento” constroem-se para permitir novas “reflexões”. A reflexão conduz o jogo em relação aos reflexionamentos e se reduz as tematizações (operações que se tornam objetos de pensamento), sendo que nos níveis inferiores, são os reflexionamentos que constituem o motor essencial. A união da reflexão e do reflexionamento é formadora de patamares sucessivos e cada patamar novo comporta uma diferença de grau e qualitativa (PIAGET, 1995). Podemos realcionar essas questões com as falas dos adolescentes na avaliação da proposta: “As coisas que eu não conhecia sobre o Rio Grande do Sul eu conheci.” “Fazendo alguma coisa que se tem VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 147 Projetos e práticas de formação de professores curiosidade a gente acaba aprendendo e também vendo que há coisas que pensamos saber tudo e acabamos mudando nosso jeito de pensar.” O processo de reflexionamento consiste em tirar algo de um patamar e mandar para um patamar superior. Esse processo apresenta cinco patamares, os quais presenciamos alguns nessa experiência com adolescentes: o primeiro deles é o mais elementar e conduz das ações sucessivas à sua representação atual. O segundo é o da reconstituição, com ou sem narrativa, da seqüência das ações, do início até o término. É o processo de reunir as representações num todo coordenado. O terceiro é o das comparações, em que a ação, reconstituída, é comparada a outras que são análogas ou diferentes. Esse patamar foi observado na construção das páginas para serem linkadas, pois a cada nova construção, comparações eram estabelecidas com a anterior. As comparações, na vida comum, podem ser espontâneas, e muitas pessoas as fazem por si próprias. A partir do momento que essas comparações passam a ser destacadas, começa o próximo patamar. No quarto, surgem novos patamares de reflexionamento, caracterizados por reflexões sobre as reflexões precedentes e chegando a vários graus de meta-reflexão, permitindo à pessoa encontrar as razões da conexão. Acreditamos que os adolescentes, no decorrer do trabalho, chegaram a esse patamar, pois podemos observar um aprimoramento das suas comparações e reflexões, assim como trabalharam mais de uma variável. Por último encontramos o patamar em que as reflexões são elevadas à Segunda e à enésima potência, tornando essencial a própria reflexão por oposição ao reflexionamento (PIAGET, 1995). Quanto à narrativa, mencionada no segundo patamar, é importante destacarmos que ela constitui o fazer em pensamento e implica a abstração reflexionante, supondo uma ordem reconstituída. A Criação e a Fonte de Novidades: os dez patamares do reflexionamento O processo de abstração reflexionante gera um movimento de criação de novidades que é próprio da reflexão: “...todo novo reflexionamento exige uma reconstrução sobre o patamar superior daquilo que fora dado no precedente” (PIAGET, 1995, p. 278). Este enriquecimento progressivo e a criação de novidades podem ser organizados a partir de dez patamares de reflexionamento que também foram constatados no trabalho com os adolescentes em questão: 1. O primeiro resultado da abstração reflexionante ocorre por diferenciação de um esquema de coordenação e sua aplicação de maneira nova. 2. O reflexionamento pode produzir um novo morfismo ou uma correspondência entre a coordenação conceptualizada e as situações práticas (PIAGET, 1995). A ordem da narração não corresponde automaticamente à das ações descritas. A reconstituição que a narração exige acarreta um esforço, uma construção, em parte nova. Observamos essa reconstituição no momento em que cada grupo apresentava, ao final de cada aula, aos demais o seu trabalho realizado. Tal fato possibilitou, algumas vezes, que os alunos tomassem consciência de suas construções: Nossa eu não tinha percebido como o meu grupo evoluiu no trabalho hoje! (fala de um aluno). 3. As estruturas desse nível, assim como dos outros, são retiradas de um patamar superior aos anteriores. Há o estabelecimento de implicações significantes entre dois esquemas. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 148 Projetos e práticas de formação de professores 4. “...a conceitualização consciente das coordenações em jogo provoca comparações com outras coordenações análogas...” (PIAGET, 1995, p. 280). As narrações, primeiramente, ocorrem em relação às diferenças de conteúdo, depois, estabelece correspondência entre as ações e, mais tardiamente, centra-se nas analogias de estrutura. A multiplicidade e a lentidão de sucessão dessas etapas nos mostra a realidade operativa e a construtividade da abstração reflexionante o que ocasiona a chegada tardia às abstrações refletidas, necessárias a tais comparações (PIAGET, 1995). 5. As comparações conduzem, em certos casos, à abstração de estruturas qualitativas comuns, bastante gerais, servindo à solução de uma variedade de problemas. 6. É a etapa que assinala a generalização da negações ou inversões. A negação requer uma construção nova, extraída por abstração reflexionante das relações qualitativas das diferenças. 7. A construção, por abstração, da negação, conduz a uma nova etapa de construtividade que é a quantificação das extensões e a reversibilidade. 8. Nesse momento, a abstração refletida que encontrava-se em atraso em relação à ação dos processos reflexionantes, passa a se juntar a eles e a servir de ponto de partida ou de trampolim para novas construções (PIAGET, 1995). 9. Uma vez formadas as estruturas operatórias, tornam possíveis reflexões sobre as reflexões anteriores, começando uma meta-reflexão. 10. Nesse momento, há a capacidade de depreender as “razões” das coordenações e da criação de teorias. A fonte de novidades encontra-se na necessidade de um equilíbrio entre os processos de assimilação e acomodação, exigindo, assim, o conhecimento, uma alimentação renovada dos esquemas. Consiste num estado de constantes trocas, preservando a conservação do sistema, enquanto ciclo de ações ou de operações interdependentes (PIAGET, 1995). São necessárias três condições para que a equilibração aconteça: “1) Uma capacidade durável de acomodação dos esquemas aos objetos (...) que conduz a uma diferenciação progressiva desses esquemas, diferenciação que enriquece, e, simultaneamente, conserva, seu estado anterior, sem perdas, nem produção de esquemas radicalmente novos. 2) Uma assimilação recíproca dos esquemas em subsistemas, e destes entre si, que atinge coordenações tais, que se conservam, enriquecendo-se mutuamente. 3) Uma integração de subsistemas em totalidades caracterizadas por suas leis de composição, com conservação destes subsistemas, à medida que suas propriedades diferenciadas podem ser reconstruídas, a partir do sistema total” (PIAGET, 1995, p. 283). As estruturas, equilibradas, comportam uma compensação entre afirmações e negações. A transposição de uma estrutura de um patamar inferior a um superior de reflexionamento é fonte de múltiplos desequilíbrios, decorrendo daí necessidade de novas acomodações e assimilações (PIAGET, 1995). Percebemos a partir dessa experiência que a própria tecnologia provoca inúmeros desequilíbrios nos alunos e professores, um exemplo foi com a utilização do Open Office Writter VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 149 Projetos e práticas de formação de professores (LINUX) e sua relação na construção da escrita. Para os alunos, ao escreverem nesse programa para guardarem algumas informações que seriam futuramente colocadas em suas páginas, tinham sua escrita questionada através da marcação das palavras escritas com erros ortográficos, desafiando-os a corrigí-las. Aos professores, este novo recurso da informática juntamente com os Projetos de Aprendizagem, abriu possibilidades para pensar um outro tipo de aula, mais dinâmica e que venha ao encontro das necessidades e desejos dos alunos. Os processos de desequilíbrio envolvem três principais características: “1) conflitos entre o sujeito e os objetos (...); 2) conflitos entre subsistemas (...); 3) desequilíbrio entre a diferenciação e a integração...” (PIAGET, 1995, p. 283). As novidades, provindas da abstração reflexionante, possuem sua origem no processo de desequilíbrio. As novidades consistem na realização de possibilidades abertas pelas construções do nível precedente (PIAGET, 1995). Ao finalizarmos esse trabalho, percebemos o quanto são importantes os estudos de Piaget relativos ao processo de abstração para refletirmos teoricamente sobre a interação dos alunos com tecnologias da informação e comunicação e quanto a metodologia de Projetos de Aprendizagem possibilita uma melhor relação entre professores e alunos (propondo aprendizagem entre ambos). Essa teoria nos possibilita sairmos de um paradigma de repetição (copia e cola), para um de construção e criação de novidades. Consideramos essa experiência como formação de professores em serviço, uma formação que incluiu uma nova relação professor-aluno, uma metodologia diferente de trabalho (Projetos de Aprendizagem) e novos recursos a serem utilizados (informática e internet). BIBLIOGRAFIA BECKER, Fernando. Educação e Construção do Conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001. FAGUNDES, Lea et all. Aprendizes do futuro: as inovações começaram. MEC, 1999. JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. MONTANGERO, Jacques & NAVILLE, Danielle. Piaget ou a Inteligência em Evolução. Porto Alegre: Artmed, 1998. PIAGET, Jean. Abstração Reflexionante: relações lógico-aritméticas e ordem das relações espaciais. Porto Alegre: Artmed, 1995. ______. Recherches sur la Généralisation. Paris: Presses Universitaries de France, 1978. (Tradução de Fernando Becker e revisão de Rosângela de Almeida: Porto Alegre, maio de 1991). VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 150 Projetos e práticas de formação de professores TEMAS TRANSVERSAIS X CONCEITOS MATEMÁTICOS: RESULTADOS DE UM EXPERIMENTO EM SALA DE AULA BRIGHENTI, Maria José Lourenção; ROMANINI, Greici Elem B. Rodrigues (USC - Bauru) 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A PESQUISA A atual Lei de Diretrizes e Bases Nacionais – LDB 9394/96 (Brasil, 1996), traz mudanças significativas quanto à educação básica. Integra a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio e apresenta um conjunto de definições políticas que orienta o atual sistema educacional brasileiro, buscando relacionar a educação com as necessidades profissionais e sociais do homem no mundo moderno. A referida LDB trata a educação de forma abrangente tanto no que se refere às concepções, quanto às alternativas organizacionais. O foco educacional está centrado em competências a serem construídas durante a escolaridade básica, modificando o paradigma curricular existente que se funda numa educação descontextualizada e compartimentada valorizando o acúmulo de informações. Esta LDB demonstra preocupações no sentido de que a educação não seja somente um processo de ensino e nem uma justa posição de etapas fragmentadas, mas dirigida à formação humana numa perspectiva de continuidade articulada entre os diferentes níveis de educação, possibilitando um conjunto de aprendizagens e desenvolvimento de capacidades que todo cidadão tem direito de ter ao longo da sua vida, com intervenção escolar (BRASIL, 2001). Um dos seus principais objetivos é a vinculação da educação ao trabalho e à prática social, pois ambos fazem parte da vida de qualquer indivíduo. Este novo cenário exige o desenvolvimento de um novo perfil de conhecimento e de modelo profissional. Neste sentido, dos noventa e dois artigos da LDB, seis deles destinam-se à formação profissional dos professores e dentre eles, o artigo 61 trata da formação dos professores baseada nos fundamentos da “associação entre a teoria e a prática”, pois só se aprende realmente quando os conceitos aprendidos na escola estão relacionados com os da sua vida real. Atendendo os pressupostos básicos desta LDB, o Ministério da Educação juntamente com os importantes membros da área educacional do país, elaboram propostas curriculares educacionais e novas diretrizes curriculares para a formação dos profissionais da educação. Os princípios orientadores das propostas educacionais para a escolarização básica encontram-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s – para o Ensino Fundamental (1997) e para o Ensino Médio (1999). Tais propostas têm como meta oferecer aos nossos jovens um ensino de qualidade, buscando desenvolvimento cognitivo, afetivo e social. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 151 Projetos e práticas de formação de professores O termo “parâmetro” indica a possibilidade de se construir referências comuns na educação, respeitando as diferenças regionais, culturais, políticas existentes no país. Este termo, segundo Aurélio (1995, p. 482), representa “todo elemento cuja variação de valor modifica a solução de um problema sem lhe modificar a natureza”. O termo “curriculares” vem de currículo que, pedagogicamente, possui diferentes significados, mas a concepção aqui adotada, será a de análise curricular como uma expressão de princípios e metas do projeto educativo que necessita ser flexível, promovendo discussões e reelaborações dos procedimentos realizados em sala de aula. Quanto à abrangência “nacional”, a intenção é a de criar condições na escola para que se discutam formas de garantir, a toda criança ou jovem brasileiro, o acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e necessários para o exercício da cidadania. As áreas contempladas pelos PCN’s são: Português, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Língua Estrangeira, Educação Física e Arte. Especificamente no que se refere à Matemática, na primeira parte dos PCN’s (1997), além de trazer seus princípios norteadores; a trajetória e a análise das características da Matemática e do papel que ela desempenha no currículo escolar discutem a necessidade de refletir sobre o papel desta área de conhecimento na formação do cidadão brasileiro e a sua relação com os temas transversais. A inclusão dos chamados Temas Transversais, na escola poderá orientar seus alunos para viver melhor em sociedade, discutindo e resgatando a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a participação ativa do indivíduo na sociedade e a sua co-responsabilidade pela vida social. Os temas transversais podem ser trabalhados de forma interdisciplinar, não como assunto específico, mas permeando o tema que está sendo o desenvolvimento. Devem ser incluídos no processo de aprendizagem com o objetivo de construir a cidadania a partir de conteúdos e ações vinculadas com o cotidiano do aluno e aos interesses da maioria da população. Para o Ensino Fundamental, os PCN’s (1997) almejam que o aprendiz saiba exercitar a cidadania, preservando e transformando o meio ambiente; valorizar o patrimônio sócio-cultural brasileiro; desenvolver capacidades cognitivas, físicas e afetivas; cuidar do próprio corpo valorizando e adotando hábitos saudáveis para ter qualidade de vida, agindo com responsabilidade com sua saúde e com a saúde da comunidade onde vive. Essa almejada formação geral dos indivíduos, somente será alcançada se as instituições formadoras de professores estiverem proporcionando aos licenciandos reflexões sobre os anseios educacionais; proporcionarem comparações com as práticas que vêm sendo realizadas em nossas salas de aula; inserirem os futuros professores em reais situações do cotidiano escolar e proporcionarem conhecimento tecnológico e científico atual. O quadro educacional atual, esboçado acima, tem trazido angústias aos professores em exercício e, também, tem provocado alterações nas aulas de Prática de Ensino nos cursos de formação de professores. Os professores sentem-se despreparados para desenvolver ações, segundo as propostas apresentadas nos PCN’s, e até dificuldades de realizarem atividades interdisciplinares utilizando os Temas Transversais. Surgem dúvidas como: VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 152 Projetos e práticas de formação de professores Qual a importância dos temas transversais para a formação do aluno do Ensino Fundamental e do futuro professor? - Quais os verdadeiros objetivos dos PCN’s? Como integrar conteúdos matemáticos com os temas transversais? Como a Matemática poderá interferir para o desenvolvimento da cidadania? Pensando nessas situações, desenvolveu-se a pesquisa aqui descrita que além de incentivar o licenciando a pesquisar sobre a literatura pertinente às mudanças do paradigma educacional vigente, planejando e vivenciando ações pedagógicas diferenciadas, teve como meta desenvolver atividades que propiciasse ao aluno de 5ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública de Itápolis, o aprendizado de conceitos matemáticos, enquanto trabalhava com os Temas Transversais. 2. Temas transversais e o uso da transversalidade Os educadores não podem mais ver a escola como um ambiente isolado da sociedade. É preciso adaptar à realidade, trabalhando com questões que interferem na vida dos educandos e da própria sociedade onde a escola está inserida. ... a escola não é uma ilha de ensino e está inserida em determinada comunidade, com seus conflitos, aflições e alegrias, o professor deve criar espaços para que as crianças e adolescentes discutam e opinem sobre tais fatos. É essa, justamente, a proposta dos temas transversais (Revista Nova Escola, p. 4). Pensando nessa questão, foram integrados às propostas dos PCN’s os temas como: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade cultural, orientação sexual e trabalho e consumo, que não constituem uma nova área de conhecimento, mas um conjunto de temas atuais que envolvem problemáticas sociais e que podem permear a concepção de diferentes áreas, seus objetivos, conteúdos e orientações didáticas. Os Temas Transversais não são novos conteúdos para serem desenvolvidos em sala de aula aumentando ainda mais os conceitos já existentes, sobrecarregando os programas e dificultando a tarefa do corpo docente. Devem ser trabalhados perpassando, transversalmente, outros conceitos mais específicos, girando em torno da temática das áreas curriculares, atingindo as finalidades educacionais. A inclusão dos Temas Transversais no processo educativo tem provocado diferentes concepções por parte dos educadores. Monteiro e Pompeu (2003) vêem as disciplinas tradicionais como o eixo vertebral do sistema educacional e os temas transversais devem ser articulados às disciplinas. Antagonicamente, para a pedagoga Montserrat Moreno (2000) o eixo vertebral do processo educativo deve ser a temática social, enquanto que as disciplinas tradicionais devem perpassar as questões mais abrangentes, transversalmente. Acredita que ao trabalhar com os aspectos sociais, cria-se um ambiente pedagógico muito mais rico para capacitar os estudantes a entender e a participar criticamente do mundo onde vive e da sociedade à qual pertence, afirma: VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 153 Projetos e práticas de formação de professores ...”as matérias curriculares são instrumentos através dos quais pretende-se desenvolver a capacidade de pensar e de compreender e manejar adequadamente o mundo que nos rodeia [...] Sem um contexto para situá-los, para grande parte dos estudantes, os conteúdos curriculares transformam-se em algo absolutamente carente de interesse ou totalmente incompreensível.” (IN: BUSQUETS, 2000, p. 36). Para Busquets (2000), introduzir no ensino preocupações direcionadas aos problemas da sociedade atual não significa manejar matérias curriculares para antes ou depois de alguns tópicos estipulados, mas possibilitar ao aluno o contato com os temas transversais enquanto se aprende ou discute outros conteúdos mais específicos. A sociedade contemporânea enquanto valoriza a ciência clássica, também necessita formar pessoas autônomas e críticas, capazes de respeitar a opinião dos demais e de defender os seus direitos. Dessa forma, os Temas Transversais destinam-se a superar alguns conceitos tradicionais da nossa educação, facilitando ao aluno os primeiros contatos com questões atuais que aproximam os conteúdos curriculares da realidade do aluno. Saber utilizar tais temas enquanto desenvolve conteúdos programáticos na escola, não tem sido fácil para os educadores. Pensando nisso, as atividades aqui descritas tiveram por objetivo sugerir ações que possibilitassem trabalhar com esses temas, enfatizando o Meio Ambiente, com a finalidade de possibilitar aos alunos, não apenas no aprendizado de operações matemáticas, mas de utilizá-las em situações cotidianas, estimulando e facilitando a sua criatividade e reflexão, desenvolvendo a consciência individual e coletiva. Falar do Meio Ambiente resulta, conseqüentemente, no resgate de outros valores, como: ética e a tomada da consciência social lidando com o consumo desenfreado e com o desrespeito à natureza e ao próprio ser humano. 3. METODOLOGIA E MÉTODOS Atentando os objetivos relacionados aos conceitos matemáticos para o Ensino Fundamental, procuramos relacionar as ações realizadas nesta pesquisa com as questões ambientais, promovendo discussões e despertando o senso crítico e criativo dos alunos. Este estudo foi de caráter qualitativo, pois teve o pesquisador como seu principal instrumento; seus dados foram descritivos; preocupou-se com o processo e não com o produto. A análise dos dados realizou-se por um processo indutivo, fundamentado em dados obtidos nas observações realizadas pelo pesquisador no seu trabalho de campo (LUDKE & ANDRÉ, 1986). Segundo D’Ambrosio (1997), trabalhando com a pesquisa qualitativa, o professor se atualiza, aprimora seus métodos de pesquisas, pois se preocupa com a coleta de dados em diferentes situações utilizando-se de entrevistas, de observações ou de questionários e com a descrição do processo e com a reconstrução de cenários culturais. As ações em sala de aula iniciaram pela leitura e reflexão do texto “Consumo doméstico no Brasil”, que tratava do consumo/ desperdício, seguidas da exibição do filme “Ilha VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 154 Projetos e práticas de formação de professores das Flores”, que expressa a realidade brasileira (a miséria gerada pela desigualdade social, pela má distribuição de renda e pelo descaso dos governantes). As discussões levaram aos alunos refletirem sobre as possíveis intervenções da escola para modificar situações parecidas do nosso cotidiano.São elas: ações para a preservar a natureza; reflexões sobre o consumo e o desperdício, controle de gastos. Numa das etapas, os alunos realizaram uma pesquisa sobre a história da cidade de Itápolis, com a intenção comparar as condições do local com as condições do filme Ilha das Flores. Durante leituras de textos, as discussões e as ações realizadas, os alunos trabalhavam, ao mesmo tempo, com algum dos Temas Transversais, também utilizavam com conceitos matemáticos: números decimais, transformações de unidades, leituras e construções de tabelas e gráficos de barras. Após todo esse trabalho metodológico em sala de aula, a pesquisa foi finalizada com uma visita ao Aterro Sanitário da cidade de Itápolis, atividade esta que permitiu que a pesquisadora colher depoimentos significativos dos alunos sobre as impressões do local e sobre as suas expectativas quanto à futura preservação do meio ambiente. Esta visita possibilitou ainda, um rico material confeccionado pelos alunos em forma de cartazes, sobre problemas do lixo doméstico e sobre os cuidados necessários para o meio ambiente. 1.1 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 1ª Trabalhar com o texto “Consumo doméstico no Brasil”, retirado do jornal Folha de São Paulo, iniciando a discussão entre consumo/ desperdício e o conceito de números decimais (leitura, escrita, comparações). 2ª Exibição do filme “Ilha das Flores”: discussões e reflexões sobre o tema. 3ª Dividir a classe em 5 grupos e programar um debate, para que cada grupo relacione o filme com o tema proposto na primeira atividade. Incentivar os alunos a organizar uma campanha contra o lixo, alertando e informando os outros alunos da escola. 4ª Promover uma campanha de coleta de lixo na escola. Para isso cada grupo se encarregará de:Divulgação: divulgar e incentivar a campanha, utilizando-se de cartazes, panfletos, etc.Organização: organizar os cestos para coletar o lixo na escola. Fiscalização: fiscalizar a adesão e o empenho de todos os alunos em relação à campanha. 5ª Propor aos grupos fazer um levantamento dos alunos que freqüentam a cantina da escola, organizando uma tabela e construindo um gráfico de colunas com os dados. Em seguida, construir um segundo gráfico de colunas envolvendo o número de alunos e o valor gasto. 6ª Cada grupo pesquisará quantos alunos consomem a merenda diariamente; qual é o dia em que o consumo é maior; a existência de desperdício de comida; que fim tem a comida desperdiçada. 7ª Visita ao aterro sanitário da cidade registrando as ações vivenciadas (fazendo redações, fotografando a experiência), para realizar uma exposição em murais. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 155 Projetos e práticas de formação de professores 8ª Para cada texto trabalhado em sala de aula envolvendo a questão do lixo no meio ambiente, propor atividades matemáticas que desenvolvam o conceito de números decimais. No final de cada atividade, a pesquisadora realizou um relatório detalhado contendo as ações desenvolvidas, o registro das reações, as dificuldades, as facilidades dos alunos durante todo o processo. O relato foi fiscalizado com uma análise qualitativa dos resultados dessa intervenção. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES A investigação histórica do município de Itápolis, realizada pelos alunos, possibilitoulhes o contato com conceitos de diferentes áreas, além dos aspectos relacionados com o meio ambiente que pretendiam investigar. Conheceram dados sobre a fundação da cidade; sua área territorial; sua população; produção agrícola; suas indústrias e, ainda, as preocupações dos governantes quanto à preservação do meio ambiente. Os alunos constataram que, o lixo, é um problema crônico e já acarretou problemas à população e ao meio ambiente como: a poluição do Rio São Lourenço e a pelo fato do aterro sanitário estar próximo à cidade, o aumentando a presença de insetos e animais roedores, que a administração municipal vem tomando algumas precauções como: dedetizar o local onde o lixo é depositado e, posteriormente, enterrado; a pretensão de ampliar a usina de compostagem do lixo; a existência de estudos e entendimentos com lideranças políticas dos municípios vizinhos e também com a iniciativa privada, para se estabelecer um consórcio que viabilize o projeto. Esta pesquisa realizada pelos alunos, acrescida das discussões sobre o filme “Ilha das flores”, possibilitou conclusões importantes sobre as condições sociais e de aprendizagem, pois apontaram dois conceitos que interferem na melhoria da vida em sociedade: a desigualdade social e a poluição. Paralelamente, os conceitos matemáticos estiveram sempre presentes, com alguns cálculos e comparações, ao estimar: populações futuras; o aumento do lixo na cidade. Surpresos com os cálculos, os alunos chegaram a conclusão de que enquanto não forem tomadas decisões políticas, cabe a cada um de nós, a preservação do meio ambiente. Neste sentido, chegaram a discutir o quanto a população poderia poupar com o re-aproveitamento de materiais como: papel, plásticos, metais e vidros. A discussão sobre esses materiais levaram à conceitos como: fabricação, industrialização, matéria prima, reciclagem, produção de embalagens, poluição, matérias-primas ameaçadas de esgotamento, economia de energia elétrica, extração mineral, além de trabalharem com conceitos matemáticos como: transformação de unidades (quilogramas em tonelada ou com outras unidades), porcentagem escritas em fração ou em número decimal, etc. Para reforçar ainda mais os conceitos relacionados ao meio ambiente, sempre utilizando conceitos matemáticos, os alunos ainda realizaram: · Campanha do Lixo – intitulada “Mandamentos do consumidor ecológico”, que serviu como modelo informativo para ser entregue aos outros estudantes e professores; VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 156 Projetos e práticas de formação de professores · Estudo da freqüência dos seus alunos à cantina da escola e em relação ao consumo de merenda, organizando os dados em tabelas e gráficos de colunas; · Visita ao aterro sanitário, com o acompanhamento de todo o processo realizado com o lixo; · Confecção de cartazes sobre o meio ambiente, realizando uma exposição no pátio da escola com a intenção de chamar a tenção dos seus colegas para o problema. Após a visita realizada ao aterro sanitário, os alunos bastante preocupados com quantidade de lixo e com a falta de conscientização e responsabilidade da sociedade, resolveram trabalhar com a conscientização das pessoas sobre o problema e sobre a importância da preservação da natureza. Sugeriram conversas familiares ou com amigos, pedindo a separação do lixo doméstico. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS No desenvolvimento desta pesquisa, a pesquisadora sempre teve o objetivo a conhecer, na teoria e na prática, os novos anseios educacionais relacionados à Matemática e aos Temas Transversais, e vivenciar ações metodológicas diferenciadas, com o intuito de colaborar com a sua formação, enquanto pesquisadora, e com os alunos da escola pública, como cidadãos. Com este objetivo, conseguiu-se realizar atividades envolvendo vários conceitos matemáticos como: números decimais, porcentagens, transformações de unidades, bem como construção de tabelas e gráficos de barras, contextualizados em diferentes questões referentes ao meio ambiente. As ações realizadas possibilitaram aos alunos expressar suas idéias de várias maneiras: nos debates e reflexões; nas confecções de cartazes; nas realizações de exercícios; fatos estes que colaboraram para aumentar a auto-estima. Foi possível perceber que trabalhar com conceitos matemáticos relacionados aos Temas Transversais contribui para que os conteúdos matemáticos deixem de ser limitados a uma exploração simplesmente acadêmica, de forma isolada, sem qualquer conexão entre seus próprios campos ou com outras áreas do conhecimento. Acompanhar as novas propostas e mudanças educacionais requer que o professor seja um pesquisador. Não é tarefa fácil, porém, necessária para que a escola possa preparar a sua clientela para a cidadania. Sem dúvida, esta pesquisa permitiu o amadurecimento da pesquisadora e dos alunos da 5ª série. Da pesquisadora, por conseguir desenvolver ações que relacionassem conceitos matemáticos, temas transversais e o cotidiano do aluno, atendendo um dos princípios dos PCN’s para a área da Matemática: a atividade matemática escolar não é “olhar para coisas prontas e definitivas”, mas a construção e a apropriação de um conhecimento pelo aluno, que o ajudará compreender e transformar sua realidade. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 157 Projetos e práticas de formação de professores Dos alunos, pois as ações realizadas permitiram a construção de conceitos, desenvolver a auto-estima e a perseverança na busca de soluções, interagir de forma coletiva na discussão de um assunto, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles. Como educadores não podemos parar no tempo. É preciso buscar conhecimentos adequados aos procedimentos de sala de aula ao mundo real. Esta é uma tarefa árdua, porém, necessária para que a educação não fique estagnada e nem ultrapassada. Neste sentido, Monteiro e Pompeu (2003, p.15), destacando as palavras de D’Ambrósio reforçam essa idéia: “Os professores atuais têm pela frente um grande desafio: educados num processo fragmentado, terão de superar os limites que essa formação lhes impõe e extrapolar as fronteiras de conteúdos vistos de forma parcial e a-histórica”. 6. REFERÊNCIAS BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Secretaria de Educação Fundamental - Brasília: MEC/SEF, 1997. ______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: Bases Legais/ Ministério da Educação, vol. 1 Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria da Educação Média e Tecnológica, 1999. ______. Ministério da Educação. Proposta de Diretrizes para a formação inicial de professores da Educação Básica, em Cursos de nível Superior. Brasília: MEC, maio de 2001. BUSQUETS, Maria Dolors et al. 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São Paulo, 2003. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 158 Projetos e práticas de formação de professores MOREIRA, Roberto et al. Estrutura e funcionamento da educação básica. Cap. 7: a estrutura didática da educação básica. São Paulo: Pioneira, 1998. PIRES, C.M.C. Currículos de matemática: da organização linear à idéia de rede. São Paulo: FTD, 2000. Revista Nova Escola. PCNs fáceis de entender. Edição Especial de 1ª a 4ª séries e edição de 5ª a 8ª séries. Editora Abril. RESOLUÇÃO CNE/CP 1.– Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de Licenciatura de graduação plena, 18/02/2002. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 159 Projetos e práticas de formação de professores TRABALHANDO COM A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: PROJETO CONSUMO SUSTENTÁVEL ORTIGOZA, Silvia Ap Guarnieri (Departamento de Geografia); MOTA, Renata; Cristina da (Pós-Graduação); NATIVIO, Priscila Maria (Graduação); MIGUEL, Yaisa D. Carvalho (Graduação); BRESIGHELLO, Maria Luísa M. (UNAMOS) - UNESP INTRODUÇÃO A Rede Nacional de Formação Continuada, um programa vinculado ao MEC/SEB, tem por objetivo a constituição de centros de pesquisa e desenvolvimento, visando promover a formação permanente de professores e a implantação de novas tecnologias de ensino, onde os materiais didáticos estarão acessíveis para Estados e Municípios interessados, abarcando atividades presenciais, semi-presenciais ou a distância. Essa Rede é formada por Universidades de todo o país (14 Estados ao todo, totalizando 20 centros), distribuídas em cinco áreas: Alfabetização e Linguagem; Educação Matemática e Científica; Ensino de Ciências Humanas e Sociais; Arte e Educação Física e, Gestão e Avaliação da Educação. A UNESP vê-se inserida na área de educação matemática e científica, onde se formou então, o CECEMCA – Centro de Educação Continuada em Educação Matemática, Científica e Ambiental, que conta com a atuação de vários campus, entre docentes, alunos de graduação e pós-graduação. Em Rio Claro, existem 7 módulos que contemplam a temática científica e ambiental - A Entomologia e a Óptica aplicada à Educação Ambiental; A terra em que vivemos; Áreas Verdes; Cartografia Aplicada aos Estudos do Meio Ambiente; Fauna; O Conhecimento Indígena e o Respeito à Natureza: Bases para a Educação Ambiental. Além, há o Módulo Consumo Sustentável/ Consumo Responsável: desenvolvimento, cidadania e meio ambiente, coordenado pela Profª Drª Silvia Aparecida Guarnieri Ortigoza, que teve a tarefa de transformar o material já editado para o formato não presencial, ou seja, para a educação à distância, numa forma de aplicação inicial – um projeto piloto, solicitado pelo MEC. Dessa forma, todo o material anteriormente preparado foi devidamente transformado para atuar aos moldes da rede mundial de computadores – a Internet. Assim, atuamos junto a plataforma TelEduc, um ambiente de ensino-aprendizagem à distância, desenvolvido e monitorado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). A transformação do material para o formato EaD, nesse projeto piloto proposto pelo MEC, buscou consolidar essa nova forma de ensino-aprendizagem e quais suas vantagens e desvantagens de efetivação VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 160 Projetos e práticas de formação de professores Nosso trabalho inicial consistiu em unir comunidade e universidade, isto é, para a aplicação desse projeto piloto, contamos com a parceria de professores da rede municipal de ensino, sendo estes atuantes nas séries iniciais do ensino fundamental, da escola “Armando Grizzi”, localizada na periferia do município de Rio Claro – SP. Aos professores cabia o papel de participar do curso como alunos, tendo sempre aulas às quintas-feiras e aos sábados e algumas tarefas para serem solucionadas entre uma aula e outra. Além disso, os professores também teriam que receber em sua aula alguma tutora do curso para a observação de alguma atividade referente ao conteúdo do mesmo. E a nós, do módulo, coube o papel de tutoria, isto é, além de termos transformado o material para o formato EaD, também auxiliaríamos os professores em toda e qualquer dificuldade encontrada no transcorrer do curso, desde o auxílio através de e-mail, telefone, contato presencial, até a solução de problemas vinculados á própria Internet. Com certeza, encontramos muitos percalços pelo caminho: desistências, professores insatisfeitos, confusos ou até mesmo irritados com o curso. E talvez fossem essas as reações esperadas pela equipe. Afinal, por ser um projeto piloto nada poderia sair tão perfeito assim. Os objetivos do curso que propomos foi refletir sobre as dinâmicas próprias da realidade sócio-ambiental brasileira procurando conhecer os impactos do consumo na atualidade tendo como propósito principal levar o professor a repensar sua prática e construir junto com a Universidade e com seus alunos novas estratégias de ensino-aprendizagem; criar condições para que o professor reconheça seu papel social como agente de mudança na problemática do consumo; e, estimular a produção de conhecimentos por parte do professor articulando ensino e pesquisa em sua prática docente. Durante o desenvolvimento deste curso esperava-se alcançar: a incorporação dos temas transversais (Consumo e Meio Ambiente) na formação continuada de professores e conseqüentemente nas salas de aulas; elaboração de novas formas e novas abordagens no ensino de Ciências e Matemática; mudanças nas práticas educativas por meio da adoção da pesquisaação e da pesquisa colaborativa; criação de um canal permanente de integração entre a Universidade e os Professores do Ensino Fundamental; e, conscientização por parte do professor de seu papel como um agente fundamental nas mudanças de comportamento no que tange as problemáticas sócio-ambientais na atualidade. REFERENCIAIS TEÓRICOS O desenvolvimento do capitalismo, no estágio atual, tende a estruturar e normatizar, cada vez mais o consumo invadindo o cotidiano da população e, assim subjugando a vida em todos os seus momentos. Nesta dinâmica, o cidadão é reduzido a consumidor, e o sujeito perde a sua identidade. Nesse complexo e contraditório processo ocorre uma metamorfose dos valores, e fica cada vez mais difícil entendermos o que é, ou não, necessidade. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 161 Projetos e práticas de formação de professores No Brasil as relações de consumo são ainda mais complexas devido a uma enorme desigualdade de renda, existindo, de um lado, uma elite com alto poder de consumo e, de outro, um enorme contingente populacional na linha de pobreza, os conflitos aumentam quando contamos com aqueles totalmente marginalizados do mundo do consumo e também com a grande massa da classe média brasileira. Com todas estas diferenças de renda e, portanto de poder de compra, nossas reflexões sobre o consumo devem contemplar uma análise mais global dos problemas brasileiros. Neste sentido, é necessária uma reflexão do consumo que contemple não só a sua complexidade social, mas também a sua complexidade ambiental, ou seja, um enfoque das relações sócio-ambientais. A educação é um processo que propicia o desenvolvimento pessoal podendo contribuir para a construção de um mundo melhor ao oferecer condições para que seus sujeitos se tornem conscientes de sua responsabilidade social e global, habilitando-os para que exerçam o protagonismo de seus papéis sociais. A educação ambiental pretende renovar a maneira de se encarar o papel exercido pelo homem no mundo, entendendo como qualidade de vida a convivência harmoniosa entre o ser humano e meio ambiente, a esperança é que essa relação de forma integrada e sustentável pode dar condições para que os indivíduos criem mecanismos de avanços na qualidade de seus conhecimentos. O grande desafio é despertar uma consciência crítica quanto à problemática ambiental atingindo todos os cidadãos num processo pedagógico que seja participativo e permanente. Esta forma abrangente de educação deve relacionar as alterações sociais, políticas e econômicas e ambientais, buscando a compreensão da complexidade do meio ambiente, tanto natural quanto artificial, suscitando sentimentos de responsabilidade, numa consciência sócioambiental. Neste contexto, o consumo e suas formas produzidas na história do capitalismo têm conseqüências para o meio ambiente e, portanto, é um tema transversal de grande importância na atualidade para toda a sociedade. O IMPACTO SÓCIO-AMBIENTAL DO CONSUMO O impacto sócio-ambiental do consumo está intimamente ligado ao modo e ao ritmo com que o consumismo veio contagiando cada vez mais as populações do mundo. Neste sentido, há necessidade de se abordar juntamente com a histórica da concretização da sociedade de consumo os danos ambientais decorrentes desta. Acredita-se que um melhor entendimento do assunto “impacto sócio-ambiental do consumo” pode despertar uma consciência geral a este respeito; e levar a identificação de possíveis soluções para o tratamento dos problemas advindos do consumismo e, ainda gerar mudanças comportamentais de todos os setores, em escala mundial. Ao entrar em contato com estas idéias que este tema abarca, a população perceberá que o meio ambiente não é uma fonte inesgotável de recursos e já apresenta sinais de esgotamento. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 162 Projetos e práticas de formação de professores O maior impacto sócio-ambiental do consumo se deve ao atendimento sistemático das demandas crescentes por novos-novos produtos o que faz com que ocorra um intenso uso do patrimônio natural. Muitas vezes a degradação do meio ambiente pode não ser percebida pelas pessoas, pois ocorre em diferentes escalas. Há problemas globais, como as mudanças climáticas e o crescimento populacional; há também problemas regionais, como a poluição do ar, a chuva ácida e a destruição de ecossistemas; e há problemas locais, como o lixo municipal. É preciso que se encontre um equilíbrio na distribuição dos frutos do progresso material, científico e tecnológico entre os povos do mundo. Estudos revelam que alguns recursos sofrem mais este impacto do consumo, entre eles destacamos a água, alimentos, florestas. Um grande problema atual é o volume crescente de resíduos e sua destinação final. Com a industrialização e a concentração da população nas grandes cidades, o lixo foi se tornando um grande problema, tornando-se uma fonte de doenças e contaminação para o meio ambiente. É preciso conter a geração de resíduos e dar-lhe um tratamento adequado, para isso é preciso brecar o consumo desenfreado e investir em conscientização e em tecnologias que permitam reaproveitar e reciclar os materiais em desuso. Muito lixo que poderia ser reaproveitado é depositado em aterros ou lixões espalhados pelo país, como podemos ver na fotografia abaixo, devemos buscar soluções para o destino final dos resíduos baseadas na política dos 3Rs – Reduzir, Reutilizar e Reciclar. São diversas as questões que se colocam para que se possa refletir sobre o tema do consumo sustentável e assim promover ações no seu cotidiano. TRAÇANDO NOVOS RUMOS EM DIREÇÃO AO CONSUMO SUSTENTÁVEL Todos nós sabemos que a maior causa da degradação contínua da qualidade de vida da população e do meio ambiente global é o padrão de insustentabilidade e consumo apresentado em todo o mundo, principalmente nos países industrializados. Faz-se necessário a conscientização dos indivíduos a respeito da importância de tornarem-se consumidores responsáveis. Deve-se estabelecer um trabalho de formação de um consumidor - cidadão, que implique a tomada de consciência do consumidor como importante ator de transformação do modelo econômico em vigor, já que tem em suas mãos o poder de exigir um padrão de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente equilibrado. Essa não é uma tarefa simples, pois requer uma mudança de posturas e atitudes individuais e coletivas no cotidiano. O desafio que se coloca é o abandono da sociedade do descarte e do consumo excessivos, além da recusa do sonho americano (american dream) como sinônimo de bem-estar e de felicidade. Por Consumo Responsável entende-se a capacidade de cada pessoa ou instituição, pública ou privada, escolher e/ou produzir serviços e produtos que contribuam, de forma ética e de fato, para a melhoria de vida de cada um, da sociedade e do ambiente. O Consumo Responsável nos possibilitaria a chegada ao Consumo Sustentável e, conseqüentemente, Desenvolvimento Sustentável, onde as necessidades e aspirações da geração VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 163 Projetos e práticas de formação de professores atual seriam satisfeitas sem o comprometimento da capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas. Por isso, podemos afirmar que o conceito de Consumo Sustentável está relacionado ao fornecimento de serviços e de produtos, que preencham as necessidades básicas e dêem uma melhor qualidade de vida, paralelamente pensando na minimização do uso de recursos naturais e de substâncias tóxicas, assim como nas emissões de resíduos e de poluentes, com a idéia de proteger as necessidades das gerações futuras. Uma sociedade mundial sustentável só será possível se atendida uma distribuição eqüitativa, entre as nações, das matérias-primas, de energia e dos bens e serviços; além de mantido o respeito a Terra e a seus ecossistemas, manifestado na adoção de métodos de produção que preservam a oportunidade das gerações futuras usufruírem dos mesmos padrões de vida das atuais. Para que isso seja realmente possível temos que transformar nossos hábitos e fazê-los sustentáveis, transformando o ato de consumir em algo mais que uma satisfação de necessidades, visando incorporar um elemento reflexivo com relação às suas conseqüências. Assim, torna-se clara a importância do nosso papel como cidadãos. Um dos primeiros passos é a informação, devemos nos informar sobre as várias características dos produtos que consumimos, sobre sua composição e efeitos à nossa saúde, segurança e ao ambiente. Outro passo é desperdiçar menos, comprando menos descartáveis e embalagens bonitas, e, conseqüentemente, evitando a geração de resíduos e o problema de seu descarte final. Exigir durabilidade de um produto e comprar produtos reciclados de boa qualidade, estes são também passos importantes. Relacionados com estas questões aparecem dois termos, que também possuem ligação direta com o desenvolvimento humano: a qualidade ambiental e a qualidade de vida. Nas últimas décadas, estes termos vêm sendo fortemente discutidos, tanto no meio intelectual quanto na mídia em geral. Definir o que vem a ser qualidade não é fácil, pois depende de posições filosóficas, políticas e ideológicas assumidas pelos indivíduos, sempre carregadas de interesses e necessidades. Mas tanto a qualidade ambiental quanto à de vida podem ser determinadas por indicadores básicos, como emprego, moradia, renda, educação, saúde, entre outros. Nesse contexto, é importante o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, proposto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (órgão vinculado à Organização das Nações Unidas – ONU), para se avaliar a qualidade de vida dos países, segundo saúde, conhecimento e acesso aos bens materiais – qualidade essa que terá íntima relação com a qualidade ambiental. Além disso, hoje também existe o IDH – M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) que, embora visando os mesmos fenômenos, os indicadores considerados nesse são mais adequados para avaliar as condições de núcleos sociais menores. Apesar desses indicadores, a qualidade ambiental e de vida também podem ser avaliadas subjetivamente, ou seja, dependerá da percepção de cada indivíduo quanto ao meio ambiente e ao que considera essencial para sua existência – para uns pode ser ter comida na geladeira; para outros, ter o carro do ano. E nisso, temos uma relação com o papel exercido pelos impactos ambientais, como poluição e o desmatamento; e o das desigualdades sociais, que no VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 164 Projetos e práticas de formação de professores Brasil, cabe lembrarmos da desigual distribuição de renda, onde muitos têm tão pouco e uma minoria tem demais – são esses papéis que farão com que os indivíduos vejam e sintam o que ocorre no meio em que estão inseridos e, mudar, então, torna-se um ato coletivo envolvendo a administração pública e, concomitantemente, um ato individual – o de cada indivíduo determinar o que é qualidade em sua vida. O CURSO PILOTO CONSUMO SUSTENTÁVEL O curso piloto teve como número inicial de beneficiários 14 professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Armando Grizzi, aguardando conclusão de atividades de avaliação por parte dos professores: Para realização do curso foi feito uso da metodologia de Ensino a Distância (EaD) da UNESP em convênio com o MEC, e da plataforma gerenciadora de conteúdo – o TelEduc. O acesso ao curso pelo aluno pode se dar de acordo com sua disponibilidade não só de tempo, mas também quanto ao uso de um computador ligado a rede mundial de computadores – a Internet. Quanto às mídias, essas foram: o site do CECEMCA para o conhecimento do projeto < http://ns.rc.unesp.br/ib/cecemca >; e a Plataforma – TelEduc - onde está disponível a sala de aula junto ao material didático de cada aula. Além disso, contou com a comunicação de forma síncrona – no mesmo horário – como a sala de bate-papo, ou de forma assíncrona – em horários diferenciados segundo a disponibilidade do(s) aluno(s) – através de um mural de discussões, uma agenda e e-mail. O acompanhamento do trabalho dos alunos foi feito através do agente Tutor, que acompanhou as atividades dos mesmos ao longo do curso. O aluno foi avaliado durante todo o curso - através da realização de tarefas que terão total relação com os conteúdos trabalhados e pela participação no mural de discussões, expondo suas dúvidas e sugestões, além das salas de bate-papo. O conteúdo programático do curso desenvolveu-se em torno dos temas transversais e da relação entre Educação Ambiental e Educação Matemática. Foram os seguintes itens relacionados à temática ambiental: A sociedade de consumo; O prejuízo ambiental do consumo; Consumo responsável – Consumo Sustentável; Qualidade ambiental e de vida: a ilusão da necessidade; IDH, questões ambientais e sociais; Geração, Deposição e Impacto dos Resíduos nas Cidades; A política dos 3Rs em questão: Reduzir, Reutilizar e Reciclar; e, Resíduos e Saúde. Já em relação ao conteúdo matemático, os itens abordados foram: Medidas e Comparações; Parte, todo e comparações; Classificações, Relações e Conclusões; e aulas de criação de novas atividades matemáticas. Por tratar-se de um curso em formato EaD buscou-se ter o menor contato presencial com os professores, mas foram realizadas reuniões, visando esclarecer a dinâmica do curso. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 165 Projetos e práticas de formação de professores O curso teve um total de 10 aulas, que eram liberadas via internet através da plataforma TelEduc, às quintas-feiras e aos sábados. Dessa forma, o aluno contava com o material de apoio, que englobava o conteúdo proposto; leituras complementares, que visavam subsidiar o conteúdo e suas práticas pedagógicas; e atividades relacionadas às temáticas ambiental e matemática. Em relação às tarefas, os professores participantes tinham o prazo de 5 dias para enviar as mesmas. Os professores enviam-nas para seu devido tutor pela ferramenta “Correio” da plataforma TelEduc. Depois de corrigidas pelo tutor, estas tarefas eram reenviadas aos professores, que tinham a liberdade de reformulá-las quando julgasse necessário. Os professores eram avaliados por sua freqüência ao curso, assim como pela realização das tarefas e interação com os demais participantes do curso e tutores. Foi feito o acompanhamento das atividades aplicadas em sala de aula por uma professora que leciona na 2ª série da Escola “Armando Grizzi”. Tal atividade estava relacionada com o conteúdo “reciclagem”, que foi tratado durante o curso EaD. Esse acompanhamento visava, além da observação da aula, oferecer à professora uma descrição de sua aula, que subsidiaria a sua narrativa como atividade final do curso. Essa descrição e narrativa é parte da metodologia de pesquisa colaborativa, que tem por objetivo fazer com que o professor repense suas atividades em sala e suas práticas pedagógicas. RESULTADOS OBTIDOS Algumas dificuldades foram encontradas no transcorrer do curso, principalmente com relação aos professores que trabalhavam por três períodos (exerciam função tanto na rede municipal, quanto estadual e particular), visto que possuíam pouco tempo para acessar o curso, resultando assim na desistência dos mesmos. Como ponto positivo do curso, destacamos a participação da professora Rosemeire Colin, que se mostrou bastante participativa durante a ocorrência do mesmo, realizando todas as atividades propostas e mantendo contato constante com a tutora. Todo o empenho demonstrado durante o curso e todo o conteúdo assimilado pela professora foi muito bem trabalhado durante a atividade sobre reciclagem que desenvolveu com seus alunos. Isto demonstra que a professora soube integrar a temática ambiental e matemática em suas práticas pedagógicas. Além disso, a própria professora argumentou que, através da realização deste curso, incorporou em duas práticas pedagógicas cotidianas o “hábito” de planejar suas aulas. E isto tem íntima relação com as atividades que eram solicitadas no curso: a elaboração de planos de aula. Dessa forma, a professora Rosemeire, devido seu desempenho, poderia ser uma das futuras tutoras quanto ao curso para o município de Rio Claro, pois conscientizou-se de seu papel como agente nas mudanças de comportamento em relação à temática sócio-ambiental. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 166 Projetos e práticas de formação de professores BIBLIOGRAFIA BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1998. CARVALHO, M. B. S. da S. Meio Ambiente e Cidadania: a Interface Educacional. 2004. 224p. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro. CASCINO, F.; JACOBI, P.; OLIVEIRA, J. F. de (Org) Educação, Meio Ambiente e Cidadania. Reflexões e Experiências. São Paulo: SMA/CEAM, 1998. CONSUMERS INTERNATIONAL. Consumo Sustentável. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Tradução de Admond Ben Meir. São Paulo: SMA/IDEC/CI, 1998. CONSUMO Sustentável: Manual de Educação. Brasília: Consumers International/MMA/IDEC, 2002. DEMONTE, A.; INFORSATO, E.do C.; GATTÁS,E.A.L.; ROMANATTO,M.C.(orgs.) Pedagogia Cidadã. Cadernos de Formação: Ciências e Saúde. São Paulo: Unesp, Pró-Reitoria de Graduação, 2004. ECOAMBIENTAL. Consumo Sustentável. Disponível em: <http://www.ecoambiental.com.br/ mbody/cons_sust_.htm> Acesso em: 01 dez 2004. EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Conceitos. Disponível em: <http://www.ambientebrasil.com.br/ composer.php3?base+./educacao/index.php3?&conteudo+.educacao/educacao.html> Acesso em: 04 dez. 2004. MORIMOTO, I. K. Educação Ambiental e Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos Urbanos: um estudo de caso – Bairro Parque Universitário – Rio Claro/SP. 1999. 47p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biologia) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro. PITOLLI, A M. S. Proposta de um Plano de Educação Ambiental com Ênfase na Questão dos Resíduos Sólidos para a Comunidade Caiçara de Camburi, Ubatuba/SP. 2002. 173p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biologia) - Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro. SANTOS, M. O Espaço do Cidadão. 6ª ed. São Paulo: Nobel, 2002. SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Coordenadoria de Educação Ambiental. Guia Pedagógico do Lixo. São Paulo: SMA,1998. TROPPMAIR, H. Biogeografia e Meio Ambiente. 5ª ed. Rio Claro, 2002. UNESCO. Educação para um Futuro Sustentável: uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas. Brasília: Ed. Ibama, 1999. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. 1º Curso do Programa de Capacitação em Educação Ambiental e Gerenciamento de Resíduos (30/03 – 03/04/2003). 1 CD-ROM. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 167 Projetos e práticas de formação de professores UMA ENTRE AS AÇÕES: O SUPERVISOR FORMADOR PERINA, Sandra Helena (Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP) “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador”. Paulo Freire A SUPERVISÃO NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO: UM POUCO DA HISTÓRIA Estar supervisora é a condição em que me encontro, apesar de não ter almejado essa posição. Na rede municipal não existe o cargo de supervisora de ensino, porém a função que desempenho dentro da Secretaria Municipal de Educação (SME), mais especificamente no Departamento de Ensino Fundamental, assume essa nomenclatura para fins administrativos e burocráticos. Como não há plano de carreira do magistério, somos todos professores, apenas diferenciados pelo concurso público que possibilitou o acesso. Dependendo do edital de concurso, o professor pode ser regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) ou pelo regime Estatutário, com diferentes jornadas de trabalho, podendo ser de vinte, vinte e cinco, trinta ou quarenta horas semanais. Para preencher as vagas criadas para as funções de diretor de escola ou professorcoordenador ocorre concurso interno, com a apresentação de um projeto contendo a proposta de trabalho, que é defendida pelos candidatos em uma banca composta por membros internos (da SME) e externos (com representantes de classes convidados e nomeados pelo prefeito). Quanto ao preenchimento das vagas de supervisão, historicamente na rede este tem acontecido por indicação de alguém que já ocupa ou ocupou a função ou pela indicação da própria chefia do departamento. No mês de agosto de 1997, eu e mais duas amigas, professoras, fomos convidadas pela administração municipal a compor uma equipe com a finalidade de implantar o Ensino Fundamental na Rede Municipal. Era a municipalização. Três professoras da rede, que então se reduzia ao ensino infantil, e que também atuavam em escolas particulares no ensino fundamental. O convite foi justificado pelo fato de que tínhamos um fazer pedagógico diferenciado, assim como deveria ser a proposta para o nascimento do ensino de 1a a 4a série no município. Foi assim que se deu a minha inserção no Departamento de Ensino Fundamental, sem pretensão de ocupar um VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 168 Projetos e práticas de formação de professores lugar de destaque ou posição. O desafio que tínhamos era de trilhar o caminho das pedras, algo novo, tanto para nós quanto para própria SME. Nesta ocasião, para tudo era necessário produzir uma legislação, um decreto, um ato de criação. Foi fazendo, refazendo tais decretos, atos, regimentos que o departamento começa a se estruturar e, diferentemente do ensino infantil, a ter tudo legalizado, uma vez que o ensino fundamental tem uma exigência burocrática maior, devida à própria organização institucional de quem assume a “zeladoria” da vida escolar de cada um dos seus alunos, em sua dimensão legal, tal como emissão de conceitos e pareceres para aprovação ou não. Enfim, era necessária uma estrutura legislativo-burocrática. Mesmo neste contexto, o que mais nos movia - e me movia, no entanto, era poder transformar o sonho, que um dia esteve tão distante, em realidade: criar o ensino público de “qualidade”. Para isso era necessário investir na formação dos profissionais da educação, nos professores e essa era a nossa bandeira – a formação continuada. Cada uma de nós trazia as experiências das escolas públicas e privadas. Da rede particular trazíamos uma carga enorme de horas em formação (congressos, seminários, workshop, palestras e até mesmo o modelo das reuniões pedagógicas, as quais são assumidas como Hora de Trabalho Coletivo –HTPC). No início, como eram poucas escolas e, portanto, poucos professores, acabamos assumindo a coordenação dos HTPCs. Cada uma dava conta de uma determinada área do conhecimento, eu com a Matemática e as Ciências, as outras com Língua Portuguesa, História e Geografia. Porém a rede cresce, cresce muito em dois anos e, apesar de ainda insistirmos em continuar atuando como formadoras, propondo cursos para os professores fora do horário de serviço, já não era mais possível continuar daquela forma e se fazia necessário um número maior de funcionários no próprio departamento. Houve a necessidade da criação de um concurso próprio para o ensino fundamental e a partir desse concurso que dá acesso aos professores, por concurso interno, são escolhidos os diretores e professores-coordenadores. Com a indicação de alguns nomes, foram escolhidos também supervisores. Até então nós três éramos e não éramos supervisoras. Embora tivéssemos até “um carimbo” para os documentos, como supervisoras, a nossa preocupação estava voltada para “o fazer pedagógico”, longe de modelos já estabelecidos para a supervisão escolar. Com a ampliação da rede e a entrada de novos profissionais no quadro de supervisores, surge o primeiro embate entre ser supervisor formador e ser supervisor fiscalizador. A supervisão escolar, nomenclatura dada para designar a Função Gratificada (FG) de Supervisor nasce talvez sem que haja uma reflexão. Aos supervisores de escola, nos serviços administrativos, de funcionamento geral, como também nos pedagógicos vão sendo dadas atribuições que não os diferenciam dos gestores das escolas (diretores) e sua função se distancia do ensino, assim como a sua própria identidade fica abalada. O modelo de supervisão fiscalizador foi ganhando espaço na SME e, apesar da luta pela formação continuada dos professores e da garantia de um número maior de horas para VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 169 Projetos e práticas de formação de professores estudos e planejamento, já não tínhamos a maioria preocupada com o processo de ensinoaprendizagem. Para tratar da formação em serviço são contratados profissionais, de fora da rede, com referência na prática educativa. Foram muitas as tentativas em busca de se obter melhores propostas quanto ao investimento na formação continuada. Nesta situação, a minha indagação se dava no sentido de que ninguém melhor do que aqueles que já atuam e conhecem a rede para trabalhar junto aos seus profissionais. Para tanto se fazia necessário tratar também da formação dos supervisores e dos demais especialistas que se dedicam ao processo ensino-aprendizagem. O NÚCLEO DE ESTUDO E PESQUISA NA ÁREA DE MATEMÁTICA Desde o final de 2002, no entanto, na Secretaria Municipal de Educação de Piracicaba (S.M.E.), mais especificamente no Departamento de Ensino Fundamental, as funções do supervisor passam a ser objeto de estudos, com a finalidade de revê-las. Nesses estudos, chega-se ao perfil do supervisor como formador, e este é gradativamente levado a assumir a condição de formador e, desta forma a dedicar-se mais aos estudos e à sua própria formação para que possa assumir a coordenação de um “Núcleo”1 Atuando como supervisora apresentei ao Departamento de Ensino Fundamental, no final de 2003, uma proposta para coordenar um “Núcleo na área de Matemática”, na qualidade de professora polivalente e com experiência na área de matemática nas séries iniciais do ensino fundamental. Justifiquei a proposição deste grupo, considerando que, na condição de supervisora escolar, no Ensino Fundamental municipal, desde a sua implantação, no ano de 1998, tenho me deparado com a seguinte situação: Uma grande preocupação com a alfabetização em Língua Portuguesa e pouca preocupação com a alfabetização em Matemática, com a numeralização como é também chamada nas séries iniciais, assim como o raciocínio lógico, resolução de problemas, etc. Dizer que as crianças não estão alfabetizadas, para a maioria dos professores, é o mesmo que dizer que não sabem ler e escrever e está implícita aí uma área específica do conhecimento – Língua Portuguesa. Ler e escrever também é importante nas demais áreas do conhecimento; em matemática também se lê e se escreve, para organizar o pensamento, representar, interpretar, buscar soluções, etc. O ensino de matemática, a alfabetização matemática ou numeralização nos ciclos iniciais (1a e 2a etapas do I Ciclo) ou séries iniciais é tão importante quanto a alfabetização em Língua Portuguesa. Ambas vão trabalhar com a linguagem com o objetivo de levar o aluno a conseguir fazer leitura, interpretação e explicação do mundo. Na linguagem matemática, esse caminhar para conseguir conquistar tais objetivos terá que atingir uma dupla abstração do signo, uma em sua essência enquanto palavra e a outra enquanto signos matemáticos. Tanto na condição de professora de ensino infantil e fundamental, quanto atuando como coordenadora de um Núcleo de Estudos e Pesquisas, na formação continuada, na área de matemática, tenho sido confrontada com um enorme número de professores que dizem não VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 170 Projetos e práticas de formação de professores gostar dessa área do conhecimento e que, portanto, dispensam um número menor de horas e dedicação para o ensino, apesar de haver um quadro curricular que normatiza o número de horas de estudo por área do conhecimento. Relacionado a isto, tenho observado um número crescente de alunos que também não gostam da “matemática”, ou melhor, do ensino que vem sendo oferecido, e que, quando muito, conseguem mecanicamente operar, através do algoritmo, as quatro operações. É importante também considerar, para melhor compreensão de meu interesse de pesquisa, que outros momentos de formação, anteriores aos Núcleos e com outra formatação, já se fizeram presentes na rede municipal, também na área de matemática, com objetivo de melhorar a qualidade de ensino. Compreendo que pensar na qualidade de ensino, é pensar no desenvolvimento profissional/pessoal e coletivo que se dá nos grupos de estudos e formação em que o professor está inserido. É no coletivo, é no social que nos constituímos enquanto profissionais e também enquanto grupo. Posso dizer então que nesta Rede há uma história de formação de professores, bem como de discussões (acerca do) e de alterações no papel do supervisor em relação a esta formação. O OBJETIVO DA PESQUISA Estamos assumindo o grupo de professores do “núcleo” como um lugar de discussão do ensino de matemática. No entanto, quem propõe essa coordenação não é um especialista na área, mas uma educadora. Assumindo, ainda, que não há nem primeira nem última palavra, e que também não existe a primeira e nem última verdade, mas verdades que se constituem na linguagem e por meio dela, no seio de práticas sociais determinadas continuamente ao longo da história, o objetivo da minha pesquisa é de entender o papel do supervisor formador, as possibilidades e os limites de sua atuação na formação em serviço, a partir de uma experiência de formação em ensino de matemática. Considerando a situação em que se encontra o ensino de matemática nos ciclos iniciais / séries iniciais, esta pesquisa pretende conhecer, explicar e verificar as possibilidades e os limites do supervisor atuando em um processo de formação. Da elaboração do plano de ensino à elaboração do plano de aula até a produção da própria aula, há momentos no planejamento onde as escolhas que o professor faz são da maior importância e fazem a diferença no ato de ensinar e aprender. Qual a contribuição do supervisor na formação de professores? Como se articula esse lugar ocupado pela supervisora com a formação de professores e com a sua própria formação? Analisar as possibilidades de um processo de formação continuada de professores, os saberes produzidos por esses professores, assim como as suas influências na qualidade de ensino são os objetivos desta pesquisa. Pretende-se, assim, relatar uma experiência de formação em serviço e analisar essa experiência, contextualizando-a também em relação ao histórico dos diferentes momentos de formação vividos na rede municipal. Ao considerar esses movimentos, também estaremos buscando entendimento de como acontecem as buscas pelos espaços de VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 171 Projetos e práticas de formação de professores formação, e dessa forma contemplando a atuação do supervisor nas questões que vão se produzindo bem como nas possíveis lacunas deixadas nesse cenário de formação. A ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA Atualmente, pensar em formação continuada é pensar, principalmente, nos saberes da experiência que se desenvolvem em um contexto de múltiplas interações. Diante dessa visão, temos que analisar o que se vive, o que se pratica e para isso se faz necessário compreender que a gênese de nossa constituição profissional está nas relações sociais e eu, indivíduo, me faço nas relações sociais e nas práticas sociais. Ao analisar as práticas desse grupo de formação e o contexto em que eu, supervisora, também vou me constituindo enquanto formadora, estarei elucidando o papel do supervisor, as suas possibilidades e os seus limites em serviço. Esses estudos nos remetem a uma abordagem histórica cultural e, portanto, nos apontam o movimento da história e os processos de transformações ocorridos. Ao olhar para a experiência em foco, as questões da matemática, como área específica do conhecimento, estarão presentes, como do mesmo modo que a análise dos encontros envolverá a literatura sobre os modelos de formação em serviço. Já ao tratar das questões da prática e do perfil do supervisor teremos que recorrer à literatura específica, pensando-a e discutindoa em uma perspectiva histórico-cultural. A constituição do material de análise se dá a partir de observações e registros quinzenais em áudio-gravação, seguida de transcrição literal dos encontros, bem como de anotações contendo detalhes que a áudio-gravação não possa revelar e relatos escritos pelas professoras. Um total de oito encontros, durante o segundo semestre de 2004, com aproximadamente vinte e quatro horas de áudio-gravação, constitui o material básico para o processo de investigação sobre o movimento discursivo e as instâncias de enunciação nas condições reais de trabalho e formação, com vistas a compreender o papel do supervisor, suas possibilidades e limites nos processos de formação de professores em serviço. FASE ATUAL DA PESQUISA A pesquisa encontra-se na fase final das transcrições das áudio-gravações e das primeiras aproximações ao material empírico, num processo de pré-análise com vistas à construção dos dados. Nesta aproximação inicial do material empírico, temos encontrado durante todo o percurso do grupo, no tempo mencionado, discussões sobre o ensino da matemática, sobre questões metodológicas e de aprendizagem dos alunos e sobre o currículo, bem como discussões acerca das condições de trabalho dos professores. Tal aproximação também nos dá indícios de que seja necessária a realização de uma entrevista com os professores que fizeram parte desse grupo de estudo sobre o que pensam a respeito do “supervisor”, do “supervisor formador”. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 172 Projetos e práticas de formação de professores Esperamos, com esta pesquisa, poder contribuir com e para a prática do supervisor que está inserido no processo ensino-aprendizagem, com atuação direta junto aos professores das unidades em que atuam. BIBLIOGRAFIA CONTRERAS, J.La investigación en la acción. Cuadernos de Pedagogia, 224,7-19, 1994. BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Hucitec, 1999. FERREIRA, N. S. (org) Supervisão Educacional Para Uma Escola de Qualidade. São Paulo, Cortez Editora, 2002. FONTANA,R. Como nos tornamos professoras ? Belo Horizonte: Autêntica, 2003. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 4a ed., São Paulo: Paz e Terá, 1997. MOYSÉS, Lúcia. Aplicações de Vygotsky à educação matemática. Campinas, Papirus, 2003. PIMENTA, S.G. E GHEDIN, E. (orgs) Professor Reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo, Cortez, 2002. SILVA, C.A. (orgs) Nove olhares sobre a supervisão. Campinas, Papirus, 1997. VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. ZEICHNER, M K. M. A Formação Reflexiva de Professores: idéias e práticas. Lisboa, Educa, 1993. Nota 1 “Núcleo” é o nome dado aos grupos de estudos e pesquisas em que o supervisor da rede municipal está vinculado na condição de coordenador/formador. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 173 Projetos e práticas de formação de professores UMA PRÁTICA DE FORMAÇÃO CONTINUADA MEDIADA PELA ESCRITA GARCIA, Roseli Gonçalves Ribeiro Martins; BRITTO, Luiz Percival Leme (Uniso) A preocupação com a intervenção pedagógica junto à equipe de educadores sempre esteve presente em minha prática, tentando de alguma forma melhorar a atuação frente à comunidade escolar, às famílias e, especialmente, no relacionamento com as crianças. Após refletir sobre a necessidade de investir na formação do educador infantil e como poderia enriquecer a formação continuada em serviço, numa história que se constrói dia-adia, na ação e na reflexão sobre a ação, bem como acreditando na hipótese que a postura pedagógica do especialista tem efeito sobre o perfil profissional do Educador e sobre a consciência da comunidade escolar a respeito das relações sociais das quais os processos pedagógicos fazem parte, tratei de, numa perspectiva em que o especialista esteja mais próximo da prática escolar, intervir diretamente na formação continuada em serviço, de modo que ela consista na construção de um pensamento reflexivo e produtivo de um discurso comprometido. A linguagem escrita da Educadora Infantil que expressa seus anseios junto ao aluno e comunidade escolar, pergunta e busca respostas, intermedeia o processo de sua formação continuada? Esta primeira questão produz outras, tanto pelo tema como pela ação educativa: Como a construção da autoria dessa Educadora Infantil pode influenciar na construção da autoria da produção escrita de seus alunos, nessa interação que se dá na Escola de Educação Infantil com profissionais letrados? Como é proporcionada e valorizada esta posição crítica e criativa da produção escrita da Educadora Infantil? Que fins terão a leitura posterior desses escritos? Apenas relatos de um segmento de tempo numa instituição, material de estudos e reflexões para outros educadores em sua formação, registro histórico de uma escola, memórias, releitura de material, para reavaliação e planejamento, publicações, divulgação da Educação Infantil? Como se estabelece uma relação, pessoal ou profissional, entre Educadoras Infantis e Direção ou Coordenação, mediada pela oralidade e pela escrita? Qual a importância da formação inicial na produção escrita da Educadora Infantil? A prática que apresento se dá na direção de uma creche municipal – CEI-59 “Eugênio Leite”, Centro de Educação Infantil que atende em período integral crianças de zero a 6 anos, filhos de trabalhadoras num bairro periférico –Brigadeiro Tobias, da cidade de Sorocaba/SP. A instituição conta com uma equipe de educadoras infantis formada por Professoras de Educação infantil, Regentes Maternais, Agente Infantil, Auxiliares de Educação, Serventes e Merendeiras. Focalizar como objeto de estudo esta produção diária ou semanal chamada Relatórios ou Registros diz respeito sobre a própria atuação como Educadora Infantil nas atividades propostas e suas realizações, suas reflexões e intermediações com a realidade, sobre alguma situação ou aluno em especial, como vê o mundo e a si mesma ao estudar, refletir, agir, refletir VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 174 Projetos e práticas de formação de professores sobre a ação, transformar-se e transformar o mundo, ou seja, as idas e vindas dos profissionais da Educação Infantil entre o cuidar e o educar na importante construção da sociedade e dos indivíduos. Propor à escola que delineie um Projeto Político Pedagógico, que a equipe toda se mobilize como caracterizam vários autores, enfatizando a pesquisa-ação, entre eles Elliott (in Geraldi, Florentini e Pereira, 1998) num processo que se modifica continuamente em espirais de reflexão e ação, onde cada espiral inclui: - aclarar e diagnosticar uma situação prática ou um problema prático que se quer melhorar ou resolver; - formular estratégias de ação; - desenvolver essas estratégias e avaliar sua eficiência; ampliar a compreensão da nova situação (situação resultante); - proceder os mesmos passos para a nova situação prática.” As atividades não se repetem, porque as situações são distintas e os indivíduos também ao longo do processo e do tempo vivido social e histórico. Diante desta constante mutação, a reflexão é imprescindível. A reflexão intrínseca do ser humano, a reflexão que leve a ação de modificar situações e não de ser conduzidos pelas situações. Trata-se de, a partir de leituras e de estudos, buscar a identidade do educador e demonstrar na prática, construir novos conhecimentos; de ver, interpretar, sensibilizar-se pela realidade e intervir nela como sujeito inserido na relação social onde desempenha seu papel de educador. A proposta é de atuação da Diretora para formar o educador autônomo, atuante, reflexivo, crítico, que veja seu aluno e a si mesmo possíveis de transformação e emancipação, como produtos da sociedade, membros da comunidade, pessoas que têm uma história dentro da instituição escolar e da vida. Não estamos isentos nessa interação social que acontece na escola, podemos modificar e sair modificados desse processo. Com o objetivo de que o diálogo evolua, com foco na formação continuada em serviço e na intervenção e transformação da atuação, através da constante reflexão sobre a ação e o mundo que os cerca, a produção escrita é um dos instrumentos de que dispõe o especialista para contribuir com o Educador Infantil em sua formação continuada, de modo que pergunte e busque respostas e produza textos reflexivos, bem elaborados, que expressem seus anseios na atuação junto ao aluno e comunidade escolar. Num primeiro momento, com o objetivo de localizar o CEI-59 no contexto sócioeconômico brasileiro foi proposta a leitura de dois textos, levando em consideração as questões, enquanto educadoras do CEI-59: Quem somos? O que fazemos aqui, agora, em 2005? O que pretendemos? Quais são nossas intenções? Cada um dos dois textos tem enfoques bem diferentes, mas o que interessou em sua seleção para esta leitura foi trazerem estatísticas sócio-econômicas mundial e brasileira que levam a olhar para as dimensões numéricas de nossos problemas sociais e apontam soluções, sejam governamentais “caberá à nação decidir o futuro de seus novos filhos (...) 2,7 milhões de brasileiros que virão à luz em 2005.” (Skaf), sejam de participação cidadã “transformação do VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 175 Projetos e práticas de formação de professores indivíduo em sujeito, e não objeto, da política” (Dutra). As leituras se deram em dois grupos heterogêneos. Foi percebida a desenvoltura dos que tem mais familiaridade com este tipo de texto e a preocupação de tornar a leitura compreensível a todos. Na discussão, a impressão sobre as estatísticas levou a olhar para a dimensão dos problemas, principalmente brasileiros, e indignar-se, refletir sobre o papel dessa equipe de educadores no contexto em que atua. Um sentimento de conexão com uma sociedade viva, da qual faz parte. Nesse dia, foi construído coletivamente o texto renovado da Missão da Escola: Somos um Centro de Educação Infantil que através do cuidar, educar e brincar atende crianças de famílias trabalhadoras em período integral. Visamos a inclusão, a transformação social e o pleno desenvolvimento do educando, das famílias e dos educadores, proporcionando acesso aos bens culturais. Foi proposto e aceito pelo grupo o projeto “8 jeitos de mudar o mundo” (ONU) – sem patrocínio. Cada tema, escolhido conforme afinidade por duplas de educadores, será tratado dentro da possibilidade de abrangência do tema com as crianças, com os pais e a comunidade: 1. 2. Acabar com a fome e a miséria Educação básica de qualidade para todos 3. 4. Igualdade entre sexos e valorização da mulher Reduzir a mortalidade infantil 5. 6. Melhorar a saúde das gestantes Combater a AIDS, a malária e outras doenças 7. 8. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento Num segundo momento, com a justificativa de um processo diagnóstico, tendo como objetivo ampliar o olhar, partindo da visão que os participantes já tem sobre o contexto foi proposto um percurso pelo bairro e adjacências. Cada grupo pesquisa no arquivo da escola os endereços de seus alunos; leva papel e caneta para desenhar o percurso e se possível localiza o endereço dos alunos; fotografa os pontos estratégicos. Ao retornar, cada educador do CEI-59 produzirá um texto com o título proposto: “Olhar, sentir, pensar. Agir?” Em seguida a socialização dos textos. Foi solicitada uma van, porém veio um ônibus enorme. O percurso previsto teve que ser modificado, pois o ônibus parecia um transatlântico dentro do bairro. Houve paradas e descidas em pontos estratégicos. Houve mobilização diferenciada entre os educadores que moram no bairro e os que não moram. Uma rememoração dos que moram no bairro, mas não circulam constantemente por todos os pontos, também se preocuparam em contar o contexto histórico e geográfico dos locais visitados e ouvir as impressões dos colegas educadores não moradores. Todos sentiram na pele, cabelos, músculos, no olhos, nos ouvidos, no nariz e até na boca, os lugares onde vivem os alunos. Na parada em uma das vilas, foi muito interessante o encontro de uma professora com sua aluninha acompanhada de sua mãe, pai e vizinhança, que estavam surpresos com a VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 176 Projetos e práticas de formação de professores presença do grupo de educadores, e pediram para registrar com foto. Um ônibus de viagem no bairro “Só pra enterro” (funeral) disse uma vizinha. “É bom saberem onde a gente mora, se precisar de alguma coisa” disseram os pais. Olhar o bairro de vários ângulos trás novas perspectivas ao sentir ao mesmo tempo as proximidades e as distâncias, as subidas, as descidas, as estreitezas das vielas, a largueza da estrada, o urbano, o rural, o progresso, a pobreza, as riquezas, as misérias. Se a cidade é escrita, hoje ela foi lida de outras maneiras por educadores do CEI-59. Pela Rodovia Raposo Tavares, visitando o Jardim Novo Eldorado, se enxerga ao fundo a cúpula da Biblioteca da UNISO. Não estava no percurso previsto, pois seriam visitados endereços dos alunos, mas por insistência dos educadores, foi acrescentada no percurso uma volta dentro da cidade universitária. Desceram do ônibus e pediram para conhecer pelo menos a biblioteca. Pareciam crianças em excursão diante da suntuosidade do prédio e do suposto saber que abriga. A. Auxiliar de Educação, se expressou naquele momento como a “realização de um sonho, poder visitar a UNISO”. K., Auxiliar de Educação, sendo aluno de direito da UNISO, tinha familiaridade com a biblioteca e levou os colegas visitar todas dependências. Pôde-se perceber a proximidade geográfica entre a cidade universitária e o bairro Brigadeiro Tobias, porém outra distância precisa ser superada, a distância entre a academia e a realidade cotidiana, a distância entre o ensino superior privado, mesmo que comunitário, e o poder aquisitivo do profissional da educação infantil, entre quem pode pagar para estudar e quem não pode nem colocar em pauta tal investimento. O conhecimento produzido na Universidade pode emanar do cotidiano, mas deve voltar pra ele. Voltando ao CEI-59, no fervor do retorno, agitados, pernas cansadas, cabelos duros de poeira, mas muito animadas, foram à produção do texto cujo título proposto foi o já citado “Olhar, sentir, pensar. Agir?” Transparece a distância geográfica, mas um sentimento de ser todos parte deste mesmo lugar – o bairro, mas também o “nós” separado “dessa gente”, o lugar sóciogeográfico do CEI-59 e sua importância como Centro onde se busca educação e cultura, qualidade de vida. Trechos selecionados: “Através desse passeio visualizamos e constatamos a imensidão da área de abrangência desta unidade de ensino (Cei-59), onde tivemos uma pequena idéia das dificuldades e dos obstáculos que algumas famílias encontram para se deslocar até a escola, enfrentando terra, pó, falta de transporte gratuito, barro, lama em dias de chuva, enfim, uma série de dificuldades que as crianças enfrentam para chegar e retornar para casa no final do dia. (...) verificando os pontos positivos e negativos, podemos fazer um plano de ação e trabalharmos mais dentro da realidade que esta comunidade vivencia no seu dia-a-dia.” (K. - Auxiliar de Educação da 2ª fase) “Sair para vivenciar um pouco a moradia de nossos alunos foi uma experiência muito rica... no dia-a-dia, tiramos conclusões das pessoas sem realmente conhecer suas raízes. Eu senti alegria em ver algumas crianças, até onde moram, mas também senti admiração pela força de necessidade de caminharem tanto em busca da tão almejada “Educação”, deu para perceber que realmente somos um Centro, pelo qual é responsável por um dia melhor dessa VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 177 Projetos e práticas de formação de professores gente, apesar do conforto do ônibus, pude sentir as minhas pernas cansadas, imagine a perninha delas (crianças) que é tão curtinha! (...) além de abrir as portas da creche precisamos abrir o coração e os olhos principalmente para essa gente que quer viver tão bem quanto nós.” (R. Professora da 3ª fase) “Através do nosso “passeio” pelo bairro pude observar a realidade em que nossos alunos vivem, sua vida cotidiana, suas dificuldades, o nível sócio-econômico de suas famílias e as condições nas quais eles vivem. Partindo dessa “visão” ficou mais claro perceber seus anseios quanto ao nosso trabalho e da nossa instituição, e acima de tudo, da importância que este espaço representa. Acredito que para muitos, este espaço é o único ao qual eles podem ter acesso aos bens culturais, à diversões, à socialização; e cabe a nós “educadores” valorizarmos este acesso e fazer com que cada vez mais encurtem as distâncias, não só geográficas, mas também de oportunidades de vislumbrar um futuro melhor, com igualdade de condições. (...) Para participarem dessa sociedade e [que] sejam capazes de modificá-la e assim construírem um mundo mais justo, digno e igualitário.” (R. - Professora da 1ª fase) “Olhar – As belas paisagens e as reais condições do bairro (dificuldades e desafios) Sentir – saudades da minha infância. Pensar – como era o bairro quando era criança, as mudanças que ocorreram, o que melhorou, o que precisa mudar, as dificuldades que as crianças enfrentam para chegar a escola. Agir – O que nós podemos fazer para melhorar as condições de vida de nossos alunos, como transformar essa realidade.” (A. - Auxiliar de Educação do Maternal 2) “É complicado andar, às vezes debaixo de chuva, ou mesmo sol escaldante, quilômetros e quilômetros para ter a segurança de deixar os filhos em um local onde serão cuidados, alimentados e principalmente “educado”, para uma vida que ainda não conhecem. Para eles (as crianças) tudo não passa de uma brincadeira, mas o que esperam do futuro? O que seus pais podem fazer? Como mudar às vezes uma vida dura, quase miserável tanto de bens materiais como de amor? (M. - Auxiliar de Educação da 3ª fase) “A distância de muitos percorrida, as dificuldades do trajeto. Muitos deles devem chegar cansados, acordam cedo e depois a maioria permanecer doze horas na creche. Então eu acho que seja necessário ter um ambiente acolhedor, aconchegante, fazendo com que as crianças se sintam bem recebidas. ” (E. - Auxiliar de Educação do Maternal 1) “Sinto que vivem com dificuldades, como qualquer um sem recursos de que quem vive com baixa renda. Pensar de fazer as crianças felizes, ouvindo-os dando amor oferecer oportunidades de participar de eventos dentro de nossas condições.” (J. - Regente Maternal do Berçário) VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 178 Projetos e práticas de formação de professores “Durante o passeio senti o cheiro da natureza, vi algumas crianças que são alunos do CEI e consegui entender as dificuldades que tem para chegar a escola devido a distância de suas casas. (...) Percebi quanto o nosso bairro está esquecido pelos órgãos públicos e que isso só iria melhorar se a população se unir em torno de um objetivo. (P. – Auxiliar de Educação do Maternal 1) “Podemos fazer alguma coisa para mudar isso. Temos que nos sensibilizar e também a comunidade em geral começando dos nossos alunos e pais. Realizando algum projeto que envolva a todos. Esse passeio deu oportunidade de sentirmos a necessidade que “todos”, não só as crianças, temos em procurar a melhoria de nosso bairro. (R. – Auxiliar de Educação do Berçário) “Senti o quanto eu gosto desse bairro, também senti o quanto é difícil para algumas crianças chegarem até a unidade, senti um prazer enorme de mostrar o nosso bairro para os outros. (...) Temos que fazer projetos para conhecer melhor o nosso bairro e mostrar para crianças o quanto é importante e bonito o lugar onde moramos.” (V. – Professora do Maternal 2) O primeiro leitor é o próprio autor e o segundo é este interlocutor, intermediando ou personificando a instituição escolar. No compartilhamento destas produções escritas há grande possibilidade de enriquecimento também entre pares. Diante da problemática foi escolhido um foco de trabalho: cidadania e meio ambiente, conscientização de que Brigadeiro Tobias é (pertence) a Sorocaba e não se justifica o abandono dos bens públicos e históricos. Aquele que educa, ensina a escrever, ou que trabalha sobre um conhecimento escrito, muitas vezes não exercita a escrita como participação social autônoma, além de formulários e outros produtos que não exigem reflexão, talvez influenciados pelos condicionamentos históricos de sua formação e atuação profissional. Participando desse processo através da escrita, organiza seu pensamento; no distanciamento do seu cotidiano proporcionado por essa reflexão, pode verse, ver a realidade, indagar-se e agir sobre ela. A Educadora Infantil é muito ligada à ação e a oralidade, no sentido de a palavra dita ter muito valor e facilidade em relatar oralmente sua atuação: a transformação dessa reflexão em autoria escrita construída para outro leitor – comunidade escolar, público em geral, acadêmico talvez –, num registro mais elaborado, contribui para o desenvolvimento de uma ação educativa reflexiva e comprometida com a realidade dos educandos. Uma avaliação subjetiva em que o profissional se revela enfrenta muitas resistências nos estilos de vínculos estabelecidos entre estas condições hierárquicas ou de confiança através dos suportes e o formato do texto, respeito às normas convencionais, organização, organograma ou relatórios em prosa, que revele uma visão geral ou detalhada, numa narrativa e reflexão. Buscar a conquista de espaço físico no tempo para parar e escrever, ou melhor, para parar a ação e refletir escrevendo: há que se buscar um espaço psicológico desse ato, de modo que seja percebido como algo valorizado pelo grupo e que tenha sentido para a Educadora Infantil para se manter numa “atitude reflexiva constante” (Scarpa,1998). VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 179 Projetos e práticas de formação de professores Os textos escritos são carregados de muita afetividade, revelam o que vai dentro do autor, e o vínculo estabelecido com o interlocutor traz uma marca transferencial, em que repetem relações significativas anteriores.Pode-se inferir em Olson (1997) que a produção escrita não é só uma transcrição da fala, mas que serve de modelo à fala mais consciente. Quando a Educadora Infantil escreve, ela destaca, separa a palavra do ato em si, refletindo sobre o significado da palavra, tornando consciente o que motivou a ação, a decisão, a dúvida, o receio, a crença que lhe é mais valorizada, originados esses processos na mente como a idéia em si, o pensamento expresso e peculiar de cada sujeito – o que constitui sua subjetividade. A Diretora, ao ler a produção escrita semanal, reconhece a autora, e sua perspectiva de mundo, por trás do texto. Reconhece também o que imagina (esta autora) do interlocutor e o que espera dele. Essa leitora com sua mente e perspectiva de mundo coordenará essas perspectivas – da autora, do interlocutor imaginado, e a sua própria – no estabelecimento de um diálogo, que no caso de haver intencionalidade, evoluirá com um sentido, um foco gerador de transformações nos sujeitos, nas relações, nas ações propriamente, ou seja, na intervenção e transformação da atuação, através da constante reflexão sobre a ação e o mundo que os cerca. Por haver indícios de revelações da mente, apesar de a educadora Infantil-autora decidir sobre o que coloca ou oculta no texto, esta prática se estabelece num clima de confiança entre as parceiras, ainda que hierárquicas, em que o interlocutor intermedeia ou personifica a instituição escolar. Na Educação Infantil, especificamente em creches onde se atende crianças de zero a 6 anos, a distinção de Aristóteles (in Geraldi, Florentini e Pereira, 1998) entre poesis e praxis cria uma tensão. Poesis se refere a um conjunto de procedimentos operativos para produzir conseqüências quantificadas e especificadas previamente enquanto “práxis”, sendo uma forma de atualizar nossos ideais e valores em uma forma adequada de ação e constituindo-se, por isso mesmo, uma forma sempre inacabada que requer uma contínua reflexão. Nossa práxis alimenta nossa poesis, que não é assim tão fechada, nem tão aberta, visto os riscos e comprometimentos a que as crianças pequenas estão expostas. Há uma demanda de mobilidade, mas ela precisa estar assegurada pelo senso comum, as transformações imediatas se dão pela intuição, e as reflexões sobre elas levam à cristalização dos procedimentos e segurança na postura. Aqui estou falando de cuidar e educar. “O caráter pedagógico da Educação Infantil não está na atividade em si, mas na postura do adulto frente ao trabalho que realiza” (Machado, 2004). É preciso que a equipe esteja envolvida, integrada, disposta a melhorar sua atuação. Durante o processo, a auto-avaliação também se faz necessária, o educador se transforma também, apesar de ser um processo secundário, depende toda a espiral: “não há desenvolvimento curricular sem desenvolvimento de professores” (Stenhouse,1975 in Geraldi, Florentini e Pereira, 1998). REFERÊNCIAS CASTELLO-PEREIRA, L.T. Leitura de Estudo. Campinas,SP:Editora Alínea, 2003. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 180 Projetos e práticas de formação de professores GERALDI, C.M.G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA, E.M. de A. Cartografias do Trabalho Docente. Campinas,SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB, 1998. (Coleção Leituras no Brasil) OLSON, D. R. O Mundo no Papel – as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita. São Paulo: Ática, 1997. SCARPA, Regina. Era assim, agora não...uma proposta de formação de professores leigos. São Paulo: casa do Psicólogo, 1998. MACHADO M.L.de A. Por uma Pedagogia da Educação Infantil. Pátio Educação Infantil, Porto Alegre, RS: Artes Médicas, Ano II, Nº 5, p.6-8, Ago/Nov, 2004. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 181