Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 O “iPhone” como objeto da sociedade de consumo 1 Liliane Aparecida Pellegrini PEREIRA2 Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, SP RESUMO O presente artigo explora os conceitos de Baudrillard sobre o sistema dos objetos, sociedade de consumo e publicidade em relação ao objeto “iPhone”. Apresenta uma breve análise das peças publicitárias do lançamento do produto com intuito de compreender seu discurso conotativo no contexto da contemporaneidade, estabelecendo relações com conceitos de Bauman e Harvey. Foi empregada a pesquisa bibliográfica como metodologia de análise. PALAVRAS-CHAVE: comunicação móvel; telefonia celular; sistema dos objetos; sociedade de consumo; publicidade. Introdução Nos últimos anos, o uso de gadgets aumentou vertiginosamente entre a população mundial, impulsionado especialmente pelo consumo de dispositivos móveis com conexão de internet, pequenos e portáteis, que rapidamente se tornaram indispensáveis para a vida cotidiana de milhares de pessoas. Apesar de estar fazendo parte do dia a dia em uma escala mundial e por um número considerável de usuários atualmente, a telefonia celular foi desenvolvida para fins comerciais nos anos 1970 e era, inicialmente, restrita a poucos usuários devido à escassez de estações de transmissão. Os telefones, além de caros, eram grandes e pesados. A previsão de consumidores potenciais limitava-se a um público modesto, composto por médicos, vendedores liberais e indivíduos com difícil acesso a um telefone fixo. Por volta do ano 2000, os aparelhos celulares ficaram menores e com preço bem mais acessível. A partir de então, e sempre com a demanda em disparada, pais começaram a comprar telefones celulares para seus filhos, bem como para uso próprio. 1 Trabalho apresentado no DT 6 – Interfaces Comunicacionais do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 22 a 24 de maio de 2014. 2 Mestranda do Curso de Comunicação Social da Faculdade Cásper Líbero, email: [email protected] 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 De repente, tornou-se possível chamar qualquer um de qualquer lugar. Como resultado, emergiu de forma imprevisível e certamente não planejado, um padrão inteiramente novo de comportamento social. (Graedel, 2010). Baumam (2001) define o dispositivo móvel como o objeto cultural da era da instantaneidade, pois permite aos indivíduos contemporâneos estar em constante contato uns com os outros. Além de efetuar chamadas telefônicas, os celulares integraram novas funcionalidades, como mensagem de texto, câmera, música e internet. Mas foi o lançamento comercial dos telefones com sistema operacional – denominados smartphones – que, ao ampliarem o uso de funcionalidades para organização pessoal e entretenimento, conquistaram ainda mais consumidores. O primeiro modelo de smartphone a conquistar o mercado foi o “iPhone”, fabricado pela empresa americana Apple em 2007. O dispositivo integra funções de reprodução audiovisual, câmera digital, internet, mensagens de texto (SMS), visual voice mail e suporte a vídeochamadas (FaceTime). A interação com o usuário passa a ocorrer através de uma tela sensível ao toque e por um teclado virtual. A revista semanal de notícias “Time”, publicada nos Estados Unidos, nomeou o “iPhone” como a invenção do ano. No discurso de lançamento do produto, a Apple anunciou que havia reinventado o telefone. Posteriormente, essa frase também foi adotada como slogan em campanhas publicitárias da empresa. Sete anos depois, em setembro de 2013, os modelos 5S e 5C atingem recordes de vendas: mais de nove milhões de aparelhos vendidos em apenas três dias após o lançamento, de acordo com o site da empresa. Assim como outros gadgets, o “iPhone” é objeto de desejo e exerce a função de leal escudeiro em todas as atividades diárias. No entanto, o “iPhone” enquanto marca cativa um público fiel de consumidores, bem como uma legião de admiradores que mesmo sem poder real de compra, ratifica a sua áurea de objeto de desejo. Para entender melhor a relação do usuário com o “iPhone”, enquanto símbolo, esse artigo explora os conceitos de Baudrillard sobre a sociedade de consumo, o sistema de objetos e a publicidade em relação ao objeto escolhido já mencionado. A escolha do “iPhone” se justifica por ter sido a primeira marca a conquistar o mercado, além de ser referência ao manter a fidelidade de seus consumidores e por ser considerada como símbolo de status social. Telefone celular – objeto da contemporaneidade 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 Quando a tecnologia da telefonia celular foi descoberta, a suposição de um público consumidor inicialmente se restringia aos grupos sem possibilidade de acesso a um telefone fixo. Atualmente no Brasil, o número de habilitações de celulares supera o de habitantes. Em algum momento e por alguma razão, essa necessidade, prevista como restrita, extrapolou para o conjunto da sociedade a ponto de o celular tornar-se um dos artefatos símbolos da contemporaneidade. Para melhor compreensão desse fenômeno, este artigo explora a concepção de modernidade em Harvey e Bauman, especialmente quanto às dimensões de espaço e tempo. Harvey (1992) concebe a contemporaneidade como pós-modernidade. Ou seja, uma condição histórica gerada por uma crise de superacumulação iniciada nos anos 1960 e que teve como resultado mudanças profundas nas artes, na arquitetura, na economia e, principalmente, nas formas de organização social e cultural. Além disso, considera que a sociedade capitalista provocou mudanças na representação espacial e temporal, utilizando a expressão “compressão do espaço-tempo” para indicar a aceleração do ritmo da vida e a superação das barreiras espaciais, como se observa, À medida que o espaço parece encolher numa “aldeia global” de telecomunicações e numa “espaçonave terra” de interdependências ecológicas e econômicas, e que os horizontes temporais se reduzem a um ponto em que só existe o presente, temos de aprender a lidar com um avassalador sentido de compressão dos nossos mundos espacial e temporal (HARVEY, 1992, p. 219). Outras características da pós-modernidade, decorrentes da compressão do espaço-tempo são a efemeridade e a fragmentação, bem como o domínio das imagens sobre as narrativas. A volatilidade exige capacidade de adaptação com rapidez ou o planejamento deliberado da mudança pela construção contínua de novos sistemas de signos e imagens. Bauman (2001) prefere outro termo: a modernidade líquida, indicando que essa ainda retém as suas características, mas em outro estado. Para o autor, as inúmeras esferas da sociedade contemporânea (vida pública, vida privada, relacionamentos humanos) sofreram uma série de transformações que resultaram por esgarçar o tecido social. Tais alterações implicaram na perda de solidez das instituições sociais, tornandoas amorfas como os líquidos. Na época pré-moderna, espaço e o tempo eram inseparáveis da experiência vivida. A modernidade tem início quando o espaço e o tempo são separados da prática 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 da vida e entre si e podem ser teorizados como categorias distintas. A modernidade líquida implica em fluidez, velocidade e dispersão. Tais características podem desvalorizar a ideia de espaço, no sentido de espaço físico de convivência para trabalho e reunião. Dessa forma, o poder na modernidade líquida está relacionado com a capacidade de se liquefazer, ou seja, se tornou extraterritorial e não mais limitado e nem desacelerado pela resistência do espaço. O telefone celular constituiu um “golpe de misericórdia" (BAUMAN, 2001) na dependência em relação ao espaço e na percepção da diferença entre próximo e distante. Hoje, não é mais necessário acessar um ponto telefônico para que uma ordem seja dada e cumprida. Também não importa mais onde está quem dá essa ordem. Breve histórico da telefonia celular e do “iPhone” A tecnologia da comunicação móvel era conhecida desde o começo do século XX. Em 1947, no laboratório Bell, foi desenvolvido um sistema telefônico de alta capacidade interligado por diversas antenas. Cada uma delas era considerada uma célula, sendo essa a origem do nome celular. O primeiro telefone celular foi desenvolvido pela empresa sueca Ericsson em 1956 para ser instalado em porta malas de carros. O aparelho denominado como “Ericsson MTA” (Mobile Telephony A) pesava cerca de 40 quilos. Nos Estados Unidos, a empresa Motorola desenvolveu o modelo “Motorola Dynatac 8000X” e no dia 3 de abril de 1973, em Nova York, foi realizada a primeira ligação de um aparelho celular. O aparelho tinha 25 cm de comprimento e 7 cm de largura, além de pesar cerca de um quilo. Em 1979, a telefonia celular entrou em operação comercial no Japão e na Suécia, iniciando nos Estados Unidos em 1983, uma década após a realização da primeira chamada em Nova York (Sanches, 2014). Inicialmente, a função dos aparelhos celulares era similar a de um telefone fixo: receber e realizar chamadas, com a diferença de realizá-las em qualquer lugar, ou seja, a função de mobilidade foi acrescida às demais. Posteriormente, a troca de mensagens de texto (SMS)3 ampliou os comportamentos sociais relacionados ao uso do dispositivo. O primeiro SMS foi enviado em 1993 por uma operadora da Finlândia. Nos dias atuais, os modelos de telefones celulares conhecidos como smartphones se distinguem dos 3 Short Message Service (SMS) é um serviço disponível em telefones celulares digitais que permite o envio de mensagens curtas entre estes equipamentos e outros dispositivos. 4 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 anteriores em virtude de possuírem um sistema operacional, transformando-os em um computador de bolso. O modelo “iPhone” foi o primeiro celular do tipo smartphone a conquistar o mercado, mas não foi o modelo pioneiro. A fabricante IBM, concorrente da Apple, lançou em 1992 o modelo Simon, considerado como o primeiro smartphone. O aparelho reunia funções de fax, troca de mensagens, telefone e tocador de música. Além disso, também contava com uma tela sensível ao toque, câmera e aplicativos. No entanto, o aparelho foi um fracasso de vendas e não obteve a adesão de consumidores. O “iPhone” foi anunciado em 9 de janeiro de 2007 por Steve Jobs, fundador da empresa Apple no evento MacWorld na cidade norte-americana de São Francisco. O discurso de apresentação gerou grande expectativa no mercado ao propor a ideia de um produto inovador, que reunia em um único aparelho – um “iPod” (aparelho de reprodução multimídia da Apple) – um telefone e um dispositivo de internet (Jobs, 2013). O lançamento oficial ocorreu somente em 29 de junho do mesmo ano em território americano, enquanto centenas de clientes aguardavam o início das vendas em filas nas portas das lojas. Abaixo, a tabela lista os modelos (desde o primeiro até o mais recente, lançado em 2013) e características, bem como o seu ano de lançamento: Modelos, características e ano de lançamento do “iPhone” iPhone 2G Produção 3G 3GS 4S Descontinuada Memória 4, 8 e (GB) 16 8 e 16 5 5S 5C Atual 8, 16, e 8, 16 e 16 , 32 16 , 32 16 , 32 16 e 32 32 e 64 e 64 e 64 32 2012 2013 2013 Bateria Ano 4 Lítio, não-removível 2007 2008 2009 2010 2011 O produto foi desenvolvido em parceria com a empresa de telecomunicações AT&T. A partir de outubro de 2011, com o lançamento do modelo 4S, o telefone também passou a contar com um dispositivo de assistente de voz, denominado Siri. Em 2013, a Apple também lançou uma versão de baixo custo, classificada como 5C. A sociedade de consumo e o sistema dos objetos 5 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 Para melhor compreensão do “iPhone” enquanto objeto de desejo da contemporaneidade, este artigo explora a seguir os conceitos de Baudrillard de sistema de objetos e sociedade de consumo. Segundo Baudrillard (2005), a sociedade de consumo é caracterizada por uma espécie de abundância criada pela multiplicação dos objetos, de forma que o homem já não se encontra rodeado por outros homens, mas cercado pela profusão de objetos. A própria existência humana é regulada segundo o ritmo e em conformidade com a sucessão permanente dos objetos. Em civilizações anteriores, os objetos sobreviviam às gerações humanas. No entanto, apesar de testemunhar o seu nascimento e ocaso, o homem encontra-se unido ao objeto de forma visceral, extraindo de tal conluio uma densidade que pode ser considerada como uma presença. O objeto não é somente antropomórfico, mas também uma espécie de escravo psicológico e confidente. (Baudrillard, 1993). No caso dos gadgets, especialmente os telefones celulares, a relação antropomórfica pode ser evidenciada pelas capas utilizadas não somente como proteção, mas também como uma espécie de vestuário ou forma de personalização do aparelho, por meio de fotos ou ilustrações que combinam com o estilo do proprietário ou o identificam. O autor destaca ainda que objeto algum é oferecido ao consumo em um único tipo. A sociedade industrial oferece a priori, como graça coletiva e como signo de liberdade formal, a disponibilidade de escolha dos objetos mesmo diante da impossibilidade material de comprá-los. O consumidor, por sua vez, ultrapassa a estrita necessidade de compra de um objeto em função de seu valor de uso e a liberdade de escolha o insere na ordem econômica. Entretanto, a escolha, experimentada como liberdade, não é percebida como imposição do sistema cultural e econômico vigente na sociedade global. A liberdade da sociedade de consumo significa que o cidadão é livre para possuir e projetar seus desejos nos bens de consumo, adotando padrões irracionais e regressivos para adaptar-se a uma ordem social de produção. Sendo assim, a compra é uma troca coercitiva, uma forma de confronto entre dois sistemas: indivíduo e produtos. O primeiro é móvel, incoerente, repleto de necessidades e conflitos, além de negatividade. O segundo é codificado, classificado, descontínuo, relativamente coerente e positivo. 6 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 No estágio de produção artesanal, os objetos refletem as necessidades contingentes, ocorrendo uma adaptação entre os dois sistemas. No entanto, não existe progresso técnico objetivo. Na era industrial, a coerência dos objetos fabricados provém da ordem técnica e das estruturas econômicas, impondo o seu poder a ponto de modelar uma civilização. O consumo é uma modalidade característica da sociedade industrial, constituindo um modo ativo de relação com os objetos e o mundo. É uma atividade sistemática e de resposta global no qual se funda o sistema cultural vigente, fundamentado na relação personalizada com os objetos por meio do processo de compra. Os desejos e relações são abstraídos e materializados em signos para serem comprados e consumidos. Os objetos não têm mais valor próprio, e sim, uma função universal de signos. No entanto, com a conversão do objeto em signo, as relações humanas passam obrigatoriamente a serem mediadas pelos objetos e seu signo substitutivo, denominado álibi. Desta forma, de acordo com Baudrillard (2005), o processo de consumo pode ser analisado por dois aspectos. O primeiro como um processo de significação e de comunicação, permeado por códigos e signos. Já o segundo como um processo de classificação e de diferenciação social, em que o ato de consumir corresponde a um determinado estatuto social (standing). Na sociedade de consumo, o critério de determinação do ser social tende a se tornar mais simples e coincidir com o código de estatuto social. O standing é um código moral sancionado pelo grupo, sendo qualquer infração considerada como culposa. Além disso, é um código totalitário e mesmo que alguém em caráter privado consiga se evadir de segui-lo, não consegue fazê-lo no sentido coletivo. Até mesmo as condutas refratárias são determinadas em função da conformidade social ao código. Ao mesmo tempo em que a sociedade de consumo precisa dos seus objetos para existir, também sente, sobretudo, a necessidade de destruí-los. Sendo assim, a abundância está associada ao desperdício, pois é no excedente e supérfluo que o indivíduo e a sociedade se sentem existir e viver. O ato de consumir pode ser definido como um estágio intermediário entre a produção e destruição, combinando a estratégia do desejo, predominante no domínio da venda, com a da frustração ocasionada por práticas deliberadas de obsolescência programada. 7 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 Para atender os imperativos da produção em contínua expansão, pode-se limitar voluntariamente a duração de um objeto ou torná-lo fora de uso, agindo sobre: • sua função – quando se rende a um outro objeto tecnologicamente superior (ideia de progresso); • sua qualidade – o objeto se quebra ou se gasta após algum tempo; • sua apresentação –ainda que guarde sua qualidade funcional, o objeto cessa de agradar em virtude de ter sido posto voluntariamente fora da moda. Desde o primeiro modelo “iPhone”, anualmente são lançados novos modelos com ampliação das funções existentes e capacidade de memória. Cada alteração é veiculada nos discursos publicitários como inovação e superação, incitando os consumidores a adquirirem o novo modelo para ter acesso às novas tecnologias. A fabricação dos modelos antigos é descontinuada, dificultando a manutenção e contribuindo para aquisição de novos aparelhos. A partir dessas considerações, supõe-se que a obsolescência programada é parte da estratégia comercial do “iPhone”. É o pensamento mágico que governa o consumo. Uma mentalidade primitiva, baseada na crença da onipotência dos pensamentos e fomentada pela acumulação dos signos da felicidade da era da opulência. A felicidade constitui a referência absoluta para a sociedade de consumo, como um equivalente da salvação no âmbito religioso. No entanto, neste caso, a felicidade não corresponde à inclinação do indivíduo por realizar-se a si mesmo, mas ao grau de conforto e intensificação do bem-estar. A propensão para a felicidade inerente à natureza humana ratifica o discurso das necessidades, que por sua vez é solidário à mística da igualdade. Perante as necessidades e o princípio de satisfação, todos os homens são iguais. E é a publicidade o campo em que a ideia de felicidade e de igualdade se realizam plenamente. A felicidade é aqui destacada permanentemente como poder de compra, enquanto a igualdade existe em função da própria mensagem publicitária, pois em uma sociedade em que tudo se encontra a venda, é o único produto ofertado a todos sem distinção (Baudrillard, 2005). A publicidade A mensagem publicitária é o discurso conotativo sobre os objetos, revelando o que é consumido através deles. Os signos publicitários não explicam os objetos com 8 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 relação a uma práxis. De fato, são literalmente uma legenda que não remete ao mundo real e tampouco o substitui completamente. Tem como função específica a leitura, que se organiza em um sistema de satisfação, no qual atua a determinação de ausência do real: a frustração. A imagem cria um vazio e por isso tem poder de evocação. É um subterfúgio que mascara ao mesmo tempo em que revela. Sua função é mostrar e decepcionar. Assim, a publicidade não oferece nem uma satisfação alucinatória e nem uma mediação prática para o mundo. (Baudrillard, 1993). Cada imagem publicitária, ao cumprir sua função de legenda, dissipa a angústia da polissemia do mundo. Para ser mais legível, se faz pobre e expedita, e ainda que suscetível a muitas interpretações, o seu sentido é restrito pelo discurso e remete a outras imagens. Enquanto discurso desprovido de essência, se torna consumível como objeto cultural e não se submete à lógica do enunciado e da prova, mas à instância da fábula e da adesão. O indivíduo resiste ao imperativo publicitário, porém é cada vez mais sensível ao seu indicativo, ou seja, à sua própria existência enquanto produto de consumo e manifestação de uma cultura. Assim, a função explícita da publicidade não é a persuasão em si, mas a concessão de um álibi. Da mesma forma que o sonho exerce uma função reguladora de fixar e desviar um potencial imaginário, o objeto pode ser um álibi das significações latentes. O consumo precede ou ultrapassa os motivos racionais, exercendo papel similar ao de um Papai Noel, que perpetua a relação de gratificação com os pais, presente na primeira infância. O indivíduo, sensível à temática latente de proteção e gratificação, se submete à lógica da crença e da regressão. É a solicitude que o conquista. A publicidade acrescenta calor aos objetos, de forma que o indivíduo se sente amado e salvo por eles. Uma das primeiras reivindicações do homem para ter acesso ao bem-estar é a de que alguém se preocupe com seus desejos, formulando-os e imaginando-os diante de seus próprios olhos. A publicidade desempenha essa função por meio da litania do objeto, visando demonstrar que a sociedade adapta o indivíduo aos seus desejos, tornando razoável a ele integrar-se a essa sociedade (Baudrillard, 1993). A publicidade do “iPhone” Para Baudrillard (1993), um objeto nunca é consumido por seu valor de uso. Sendo assim, perde a ligação com uma função ou necessidade definida para, no campo 9 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 da conotação, corresponder à outra coisa e se converter em um signo. Portanto, enquanto discurso conotativo, a publicidade revela o que é consumido através dos objetos. Com intuito de tentar desvendar algumas características do signo “iPhone”, o artigo examina o discurso das mensagens publicitárias veiculadas no seu lançamento de forma não exaustiva, buscando correlação com os conceitos teóricos de Baudrillard. Na época do lançamento do produto, os slogans veiculados foram: "The internet in your pocket" (tradução livre da autora para “ A internet no seu bolso”), “The life in your pocket” (tradução livre para: “ A vida no seu bolso”), "Touching is believing" (tradução livre para: “Tocar é acreditar”), "Hello", “iPhone Apple reinvents the phone" (tradução livre para: “ iPhone da Apple reinventou o telefone”) e "Say Hello to iPhone" (tradução livre para: “ Diga alô/olá ao iPhone”). Os slogans foram utilizados em diferentes peças publicitárias e veículos, como anúncios impressos, internet e televisão. As mensagens publicitárias ressaltam o produto como reinvenção do telefone. Uma inovação para qual o consumidor é apresentado e convidado a saudar. Também são destacadas as múltiplas funções utilitárias do aparelho e a sua mobilidade: “vida” e “internet” que cabem dentro do bolso. Vida e internet são grandezas incomensuráveis, mas que o consumidor pode levar consigo sem esforço a qualquer lugar. Outra característica importante ressaltada é a tela touchscreeen, evocando o toque como comprovação da realidade diante de algo tão surpreendente quanto mágico (tocar é acreditar). A peça publicitária impressa desse slogan (MICHÁN, 2014) evoca o afresco “A criação de Adão” pintado por Michelangelo no teto da Capela Sistina. A cena representa 10 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 um episódio do Livro do Gênesis no qual Deus cria o primeiro homem. Os dedos de Adão e de Deus estão separados apenas por uma pequena distância. O consumidor seria como Deus ao tocar a criatura “iPhone”? Ou seria o “iPhone” tão poderoso e mágico que ao tocá-lo o consumidor ganharia a vida do Criador? A legenda ou discurso conotativo das mensagens reforça a ideia de estabelecer contato com algo novo, recém-criado, evocando atributos divinos: onipresença, onisciência, poder e criatividade. O anúncio destaca o toque da ponta do dedo na tela, remetendo à ideia de algo tão fantástico que até se duvida de sua existência real, mas que se torna crível com o toque. Os atributos de “revolucionário” e “novo” acompanham o “iPhone” desde a sua primeira edição, mas não corresponde aos fatos históricos, uma vez que o modelo da fabricante IBM, concorrente da Apple, lançado em 1992 e batizado como Simon, já apresentava as características de um smartphone. O primeiro comercial na televisão foi veiculado no intervalo da cerimônia do Oscar 2007, evento de premiação da indústria cinematográfica americana. O comercial apresenta uma coletânea de cenas de filmes em que atores atendem ao telefone e dizem “alô”. Diferentes modelos de aparelhos telefônicos são retratados em mais de trinta cenas ao som da música "Inside my head" do artista islandês Eberg (Macnamara, 2014). A sequência de imagens de atores de diversas gerações tem início com um modelo de telefone analógico preto da década de 1950 e termina com o modelo do “iPhone”. Os atores na grande maioria das cenas atendem a um aparelho telefônico fixo e dizem “alô”. O número extenso de cenas em diferentes épocas demonstra que o objeto e o ato de telefonar estão incorporados ao comportamento social. Estrelas de cinema personalizam o glamour, a positividade e a festa presente nas mensagens publicitárias. São objetos de desejos e modelos de vida. A sequência rápida de cenas termina com um close no “iPhone”. Se o consumidor atender o aparelho, ao dizer “alô” será como as estrelas de cinema? O discurso conotativo da peça publicitária do aparelho eleva o consumidor à categoria de estrela? Conclusão A combinação entre comunicação e mobilidade resultou no desenvolvimento de novos padrões de interação social e na disseminação do uso do telefone celular pela maior parte da população mundial. A característica estrutural de compressão do espaço/tempo da era contemporânea contribuiu para a popularidade desse aparelho 11 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 móvel, uma vez que o dispositivo apresenta atributos de instantaneidade – o de ser acessível em qualquer lugar e a qualquer tempo. Na sociedade de consumo, os desejos do ser humano são abstraídos e materializados em signos para serem comprados e consumidos. Ao adquirir um telefone celular, o ser humano visa suprir seu desejo de instantaneidade? O lançamento comercial do “iPhone” promoveu o consumo dos smartphones –, uma combinação de celular e computador de bolso –, com funcionalidades pouco divulgadas até então. Além de obter sucesso comercial, o produto “iPhone” tornou-se objeto de desejo, rodeado por atributos de inovação. Desde o seu lançamento, seguidores fiéis aguardam em filas para comprar os produtos, renovados a cada ano por uma funcionalidade que representa a tecnologia de ponta, vendida como o ápice da evolução até o momento. No entanto, até que ponto trata-se de inovação e melhoria contínua do gadget? Até que ponto essa estratégia atende um círculo vicioso de obsolescência programada, baseada na ideia de progresso e nova apresentação (tendências de moda)? As mensagens publicitárias do “iPhone”, enquanto discurso conotativo sobre o objeto, podem revelar o que é consumido através dele. Na época do seu lançamento, a publicidade do gadget evocava o pensamento mágico de onipotência e fomentava os signos da felicidade da sociedade de consumo. O primeiro anúncio televisivo do produto foi uma “constelação de estrelas”, com atores consagrados do cinema americano no intervalo da cerimônia de premiação do Oscar. A opulência e glamour do anúncio são compatíveis com determinado estatuto social (standing) de diferenciação social, conferindo ao aparelho atributos simbólicos de status na sociedade. Ao adquirir um “iPhone”, o consumidor busca satisfazer desejos de onipotência e de adquirir diferenciação social como um ser inovador - criador e à frente de seu tempo? Ao adquirir um “iPhone”, o indivíduo consome a vontade de ser Deus? REFERÊNCIAS APPLE. Disponível em: ‹http://www.apple.com/br/pr/library/2013/09/23First-Weekend-iPhoneSales-Top-Nine-Million-Sets-New-Record.html› Acesso em 02 jan. 2014. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1993. ______. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2005. 12 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. GRAEDEL, Thomas E.; VAN DER VOET, Ester (Edts). Linkages of Sustainability. Cambridge: The MIT Press, 2010. HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 5ª edição, 1992. JOBS, Steve. Disponível em: ‹http://www.youtube.com/watch?v=vN4U5FqrOdQ› Acesso em 23 dez. 2013. MCNAMARA, Paul. Five years later: Do Apple’s first iPhone ads ring a bell? Disponível em: ‹http://www.networkworld.com/community/blog/five-years-later-do-apple%E2%80%99s-firstiphone-ads-ring-bell› Acesso em 02 jan. 2014. MICHÁN, Miguel. La evolución de los anuncios de Apple. Disponível em: ‹ http://www.applesfera.com/curiosidades/la-evolucion-de-los-anuncios-de-apple› Acesso em 02 jan. 2014. SANCHES, Romanessa. 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