Central de Cases PÉ-NA-AREIA www.espm.br/centraldecases Central de Cases PÉ-NA-AREIA Preparado pelo Prof. Marcus S. Piaskowy, da ESPM-SP. Recomendado para as disciplinas de: Marketing, Comunicação e Psicologia de Consumo. Este é um caso fictício, cuja elaboração é de exclusiva responsabilidade do autor. Desenvolvido unicamente para fins de estudo em ambiente acadêmico. Eventuais semelhanças com fatos reais terá sido mera coincidência. Direitos autorais reservados ESPM. Janeiro 2010 www.espm.br/centraldecases RESUMO Neste caso fictício, um jovem casal e dois filhos passam as férias em uma pousada da Ilha do Mel, litoral paranaense. As aventuras e desventuras dão margem à discussão sobre os valores e as expectativas sobre os serviços prestados. PALAVRAS-CHAVE Expectativas, serviços, valor. | Central de Cases 3 Geraldo estava sentado no escritório olhando pela janela fazia um bom tempo. Pensava em tudo o que tinha de fazer e sem a menor ideia de por onde começar. A sua mulher, Helena, havia ligado pela manhã, estressada. Os gêmeos estavam de férias, a empregada faltou, ela precisava sair e não tinha onde deixar as crianças. Ameaçou trazê-los para o escritório. Depois de alguma negociação, Helena deixou as crianças no clube com a prima mais velha e avisou: “Precisamos sair de férias, senão vou acabar enlouquecendo ou fugindo de casa”. Geraldo se sentia culpado, há mais de três anos não tirava férias, e há 40 dias havia prometido levar a família para viajar. Mas, até agora, não tinha sequer pesquisado alguma alternativa de destino. As preocupações com a empresa tomavam seu tempo. Precisava achar uma solução senão iria perder o seu emprego de marido. Os gêmeos já estavam com sete anos e não davam um minuto de sossego. Cumpriam com rigor a descrição de ruivos peraltas, os pimentinhas. Helena, tinha 40 anos, era professora e apesar das férias escolares do final do ano, não sabia o que eram férias desde que Felipe e Fernando nasceram. Geraldo trabalhava 14 horas por dia em uma multinacional. Viagens de negócios tomavam parte de suas semanas e sempre trazia trabalho para casa. Isso não podia continuar. Pior é que o principal responsável por isso era ele mesmo. Workaholic confesso, Geraldo não conseguia se desligar do trabalho. Acabara de ser promovido e seu chefe havia imposto uma única condição – férias. Geraldo só poderia assumir o novo cargo quando voltasse de férias. O nível de estresse estava muito alto e a entrada na casa dos 50 anos não aliviava a pressão. Os cabelos estavam ficando grisalhos, a circunferência da cintura tinha aumentado. Estava ficando com aquela barriguinha nada charmosa que costuma identificar os sedentários. Oficialmente, Geraldo estava de férias desde as 14 horas, por isso resolveu entrar no facebook. Um amigo que trabalhava na unidade francesa acabara de postar que estava vindo ao Brasil e iria passar as férias em uma pequena ilha no litoral paranaense, chamada Ilha do Mel. Geraldo não teve dúvidas, pesquisou na web sobre a ilha e acabou entrando no site de uma pousada, a ZZ Mel. O site era bem moderno, oferecia um tour virtual pela pousada e fotos da ilha. As imagens eram impressionantes, parecia um paraíso. Quilômetros de areias brancas e um mar tranquilo para os gêmeos brincarem. Parecia a solução ideal. O preço também era muito convidativo. As diárias custavam a metade do preço praticado no litoral norte paulista nessa época do ano. Ligou para a pousada e fez a reserva. Iriam | Central de Cases 4 viajar dali a dois dias. Queria ver a cara de surpresa quando contasse para Helena. Foi um misto de alegria e de espanto. Como ele podia ter feito a reserva sem consultá-la? Onde ficava esse lugar? Que historia é essa de viajar de barco e não ter carros? Para acalmar a esposa, Geraldo entrou no site e mostrou os detalhes para Helena. Os gêmeos gritavam, estavam excitados, iriam para a praia e era numa ilha. Nunca tinham estado em uma ilha antes. Ver o mar já era um luxo, moravam em São Paulo, eram crianças de apartamento. Viviam na piscina, no clube e no shopping center. Helena viu as fotos da pousada e da ilha. As imagens eram lindas. A pousada oferecia serviço de meia pensão (café da manhã e jantar), serviço de quarto e praia. Queria saber quanto iria custar. Quando Geraldo falou o valor, ela desistiu de questionar, era quase mais barato do que ficar em casa com as crianças, que nessa época inventavam passeios ao Playcenter, pizzaria, cinema e outras atividades com os amiguinhos da escola. Malas prontas, a família partiu debaixo de chuva em direção às férias prometidas. A viagem foi feita de carro. Houve muita confusão no banco de trás, os gêmeos e Sansão, o poodle toy. Não conseguiam ficar quietos um minuto sequer. Ou estavam com sede, ou queriam ir ao banheiro, ou choramingavam reclamando da demora, ou brigavam para ver quem era o mais forte. Helena ralhava com eles o tempo todo e reclamava: “Eu bem que falei para a gente ir de avião”. A coisa só melhorou quando saíram da BR-116 e entraram na Estrada da Graciosa. Toda construída com paralelepípedos, a Estrada da Graciosa foi aberta em 1873, seguindo a trilha que servia de rota para os tropeiros do século XVIII que faziam o transporte do litoral para Curitiba. O sol acompanhou a descida pela estrada que atravessa o trecho mais preservado de Mata Atlântica do Brasil. Passadas oito horas de viagem, finalmente chegaram à praia de Pontal do Sul. Deixaram o carro em um estacionamento e seguiram para o terminal de embarque. Tiveram que preencher uma ficha com seus dados pessoais, onde iriam ficar hospedados e por quanto tempo. Receberam as passagens, pulseiras de identificação de visitantes e o aviso de que era proibida a entrada de animais domésticos na ilha. Os meninos começaram a chorar. Helena começou a reclamar e Geraldo não sabia o que fazer. A atendente do terminal explicou que essa medida era importante para a saúde dos visitantes, que os animais nas praias contaminavam as areias e podiam transmitir doenças. Além disso, animais são proibidos em quase todas as praias do país, e o site oficial da Ilha do Mel traz essa informação. Bem, sem ter muito que fazer, a família procurou uma clínica veterinária e deixou Sansão hospedado lá. Voltaram para o terminal e pe- | Central de Cases 5 garam o barco. Dessa vez a surpresa foi positiva, as embarcações eram relativamente grandes, confortáveis e bem conservadas. A travessia passava pelo canal da galheta e levava ao Porto de Paranaguá. Grandes navios cargueiros podiam ser visto atravessando o caminho da barca. Os meninos não conseguiam conter a excitação. “Olha só aquele navio, pai”, dizia um. O outro corria pelo convés para ver melhor os navios e o mar. Helena olhava para o perfil da ilha e imaginava o que estava esperando por eles. Desceram no trapiche do vilarejo de Brasília e perguntaram pela pousada. Foram informados que a pousada ficava a quatro quilômetros. Até aí tudo bem, Geraldo sabia disso. O gerente da pousada havia avisado que se eles quisessem poderia providenciar um táxi náutico. Geraldo achou desnecessário. Mas agora, neste calor, olhando para a sua família que estava cansada pela viagem, cheia de malas, parecia uma boa ideia. Geraldo ligou para a pousada e foi informado que a lancha chegaria dali a 15 minutos. Só que o ponto de embarque ficava do outro lado, no mar de fora. Precisavam andar uns 50 metros com as malas pela trilha de areia. As crianças saíram em disparada, corriam pela trilha sem parar. Helena aproveitou para observar os restaurantes, o posto de saúde e as lojinhas que estavam pelo caminho. Reclamou de tudo. Achava um absurdo não ter ninguém esperando por eles no desembarque, mais absurdo ainda ter que carregar as próprias malas. Geraldo carregava todas as bagagens, ouvia as reclamações da mulher e ficava de olho nos meninos. Que desespero. Já não sabia por que tinha abandonado o sossego do seu escritório e o frescor do ar condicionado. Atravessaram o istmo que levava ao outro lado e deram com cinco quilômetros de praia praticamente deserta. Logo à direita, a 1,6 quilômetro estava o Farol das Conchas. Os meninos queriam subir para ver o farol de perto. “Pai parece coisa de filme”, gritava Fernando. “deixa eu ir, deixa, pai”, implorava Felipe. Helena dizia que estava cansada e que queria ir direto para o quarto. Os passeios poderiam ficar para outro dia, afinal de contas ficariam 20 dias. Ainda bem que em meio à discussão a lancha chegou. O barquinho de alumínio para seis pessoas impressionou os meninos, Helena entrou em pânico. “Eu não vou entrar nessa latinha de sardinha. Isso vai virar”. Tentando contornar as coisas, Geraldo colocou as malas na lancha, pediu para os meninos tirarem os tênis, pois para entrar na lancha precisariam entrar na água até o joelho. Perguntou ao piloto qual seria a outra opção para se chegar à pousada. O rapaz respondeu o que Geraldo já sabia. Poderiam seguir caminhando pela praia os quatro quilômetros, o que dava cerca de meia hora de caminhada. “O senhor está vendo aquela ponta branca à esquerda, é a fortaleza. Bem, a pousada fica ali por perto”, explicou José. A ponta branca mal passava de uma pequena mancha no final da ilha e o sol estava forte. Além disso, Helena tinha a pele clara, loira quase ruiva, com olhos azuis e sapatos sociais, não combinava com a paisagem. O melhor era convencê-la a entrar logo na lancha e acabar logo com isso. “Vamos, Helena, agora não e hora para chiliques. Precisamos trocar de roupa, os meninos querem nadar e você não vai aguentar caminhar descalça meia hora na areia sob esse sol. Seja razoável, viemos aqui para nos divertir e fugir da cidade, lembra?”. Contrariada e com muito medo, Helena entrou na lancha. Os meninos aplaudiram. José deu partida na lancha e em menos de dez minutos já estavam desembarcando na frente da pousada. A fachada da pousada era bem bonita, a casa de madeira – na ilha é proibida a construções em alvenaria – parecia aconchegante. Na recepção foi recebido por Mauricio, o proprietário. Ele lhes desejou boas-vindas e os acompanhou até o quarto. Geraldo mal fechou a porta, começaram as reclamações. Os gêmeos estavam dis- | Central de Cases 6 putando quem dormiria na cama superior do beliche. Helena não gostou do quarto, detestou a ideia de os meninos dormirem no beliche, eles poderiam cair. O colchão era de espuma, não tinha ar condicionado nem frigobar. O banheiro era grande, mas bastante simples. O quarto só contava com telas na janela, ventilador de teto, uma televisão minúscula que sintonizava quatro canais e um armário para acomodar as bagagens. “Não foi isso que você me mostrou na internet, reclamava Helena. Não temos vista para o mar, cama box, ar condicionado, frigobar e as duas camas de solteiro não estão aqui”. Para ser sincero, Geraldo estava decepcionado também. As acomodações eram muito simples. Resolveu ligar para outra pousada que vira no site para saber se tinham vaga. Custava o dobro do preço, mas quem sabe assim Helena ficasse mais feliz. Pegou o celular e nada. Nem um ponto de sinal. Geraldo se desesperou. Como assim, o celular não pega. Pediu para que Helena checasse o dela, mas também não conseguiu sinal. Como ficaria sem comunicação com o escritório? Tinha certeza que algo estava errado, afinal de contas a pousada avisava no anúncio que tinha ambiente wi-fi. Bem, se a internet funcionava, deviam ter telefone também. A menos que tudo não passasse de propaganda enganosa, como as fotos do quarto. Geraldo foi à recepção tomar satisfações. A primeira pergunta foi sobre o sinal de celular. Mauricio explicou que deste lado da ilha realmente não havia sinal de celular, era preciso andar até Brasília, onde eles haviam desembarcado para conseguir falar. Outra opção era usar o orelhão que funcionava muito bem. A internet estava funcionando sim, e a conexão era gratuita. Quanto ao quarto, bem, as fotos da web eram das suítes luxo. Quando Geraldo ligou as duas suítes estavam ocupadas, e o valor delas era 25% mais caro. Se eles quisessem poderiam mudar para as suítes em três dias, quando ficassem vagas. Enquanto isso, a pousada poderia providenciar uma cama extra para colocar ao lado do beliche. Não estava bom, mas era melhor do que nada. Agora precisava levar as boas novas a Helena. No caminho para o quarto, trombou com os meninos que passaram em disparada em direção à praia. Atrás deles vinha Helena, que tentava passar protetor solar e dar recomendações para que não entrassem na água ainda. “Deixe os dois um pouco e venha me ajudar a decidir o que faremos”, pediu. Helena ouviu tudo, e ponderou. Se fossem para a outra pousada gastariam o dobro e teriam que voltar mais cedo para São Paulo. Ninguém poderia garantir que a pousada seria tão melhor assim. Pior, como a pousada ficava em Brasília, teriam que pegar a lancha outra vez e Geraldo iria ficar pendurado no celular trabalhando. Teria que escolher entre o ruim e o pior. Resolveu ficar. | Central de Cases 7 Trocaram de roupa e foram para a praia atrás dos meninos que rolavam na areia. A paisagem era deslumbrante. O bar atendia na praia; pediram camarão, cerveja gelada, refrigerante para as crianças e espreguiçadeiras. Brindaram ao primeiro dia das férias. No final da tarde estavam cansados. Tomaram banho e às 20h foram jantar. A pousada oferecia um buffet variado que atendia às expectativas, mas ficava devendo a sobremesa. O jeito era comprar sorvete para os meninos. Na hora de deitar foi uma confusão, os dois queriam dormir na cama superior. A mãe queria que dormissem na cama extra. O calor era insuportável, e Helena não suportava o barulho do ventilador. Bem, os meninos acabaram dormindo juntos na cama de baixo e Helena foi voto vencido, o ventilador funcionou a noite toda. O barulho do mar era agradável e embalou o sono de todos. Pela manhã tomaram café. Para variar Helena reclamou dos sucos que não eram naturais, eram concentrados. Nada de mamão, apenas melancia e melão. Toda a comida vem do continente através das embarcações, a ilha não produz nem um tipo de fruta ou alimento. As melhores opções são alimentos não perecíveis, frutas e verduras mais resistentes ao calor. A variedade não é o forte da ilha. Os sucos oferecidos em sua grande maioria são de polpa congelada ou concentrados. O dia transcorreu sem problemas e cheio de aventuras. Visitaram a Fortaleza dos Prazeres. Os meninos subiram nos canhões, entraram nas celas e nas vigias. O lugar era muito bonito. Subiram no mirante que tinha uma vista incrível e, para a surpresa de Geraldo, lá havia sinal de celular. Tiraram muitas fotos, nadaram muito e, para a surpresa de todos, no final da tarde, viram muitos golfinhos nadando em frente à pousada. As crianças estavam extasiadas. Helena nem tanto, tudo era rústico e havia mosquitos. Geraldo estava estranhando muito ter de caminhar para ir a qualquer lugar, e não poder falar com o escritório a qualquer momento. Na hora de dormir, a mesma ladainha, o calor, o ventilador e o beliche. Assim passaram mais dois dias, até que à noite chegaram Guilherme e sua esposa, Sophie. Os amigos de Geraldo que moravam em Paris. Sophie era uma francesinha miúda, de pele branquinha, que falava português com um sotaque carregado. Guilherme era um paulista, grandalhão, 1,93 metro, beirando os 40 anos. Os dois tinham acabado de deixar Paris com temperaturas abaixo de zero e estavam adorando o calor. Durante o jantar Sophie falava sem parar de como estava amando tudo. A travessia, a pousada, as praias. “Adorrrei tudo até agora, não é verdade, mon cherry?”. Os gêmeos morriam de rir do sotaque. Helena olhava para o casal, atônita. “Sophie querida, espere para ver as acomodações”, cutucou Helena. Geraldo e o amigo conversavam sobre a empresa, economia e futebol. No dia seguinte o gerente avisou que a família de Geraldo já podia mudar de quarto, seriam transferidos para a suíte de luxo. Teriam frigobar, ar condicionado, vista para o mar, duas camas de solteiro para os gêmeos e uma televisão maior. Helena ficou aliviada, mas duvidava que os lençóis fossem melhores nesse quarto. A roupa de cama era simples demais. Tomaram café e foram para a praia acompanhados pelo casal de amigos. Enquanto isso, Guilherme e Sophie estavam maravilhados com tudo. “Imaginem só, quando eu estive aqui pela primeira vez não tinha luz nem água encanada. Dormíamos em barracas ou em quartos do tipo albergue. Havia poucos restaurantes e pousadas. As trilhas eram bem estreitas, passava só uma pessoa de cada vez. Agora isso esta para lá de civilizado. “Ainda bem que limitam a entrada de pessoas, senão esse paraíso já teria sido destruído”, contava Guilherme. Felipe não se conformava. “Tio, como é que você fazia para ligar o computador?”. Guilherme riu. “Imagine, há vinte anos não tinham notebooks, os computadores | Central de Cases 8 eram pesados e raros ainda”. Fernando fez uma cara de horror. Helena contou das agruras da viagem, o cachorro que ficou no continente. Do quarto horroroso, da falta de opções de suco no café da manhã, da distância de tudo, da precariedade de tudo. Era um pesadelo. Sophie ria, segundo ela, a Ilha do Mel estava surpreendendo. A pousada era confortável, o lugar era lindo e os preços baratíssimos. Um sonho. “Mon Dieu, esses brasileiros são todos loucos. Tem um paraíso preservado e reclamam que querem o conforto da cidade. Só faltam reclamar da falta de poluição, trânsito e das buzinas”. Questões para discussão 1.Com base na estória relatada acima, que conclusões poderiam ser tomadas com relação aos níveis de expectativas de Geraldo e Helena e o casal parisiense? 2.O que motivou essas diferenças? 3.O que é VALOR? Qual relação entre valor e expectativas? 4. De que forma a indústria de turismo local poderia utilizar esses conhecimentos para melhorar o seu relacionamento com os clientes, os turistas? Referências MOREIRA, José Carlos Teixeira - FOCO DO CLIENTE – São Paulo - Gente Editora – 2009 LOVELOCK, Christofer – Marketing de Serviços – São Paulo - Pearson Education Brasil - 2006 Todas as imagens pertencem ao autor. | Central de Cases 9