Coeficiente de reatividade
Nas postagens Seções de choque, Seção de choque diferencial e Duas esferas em
colisão elástica apresentei os conceitos de seção de choque total e diferencial, com
exemplos. Nesta postagem introduzo o coeficiente de reatividade entre duas espécies que reagem quando sofrem colisão. Esse coeficiente aparece nas equações
de taxa para reações químicas e nucleares. Essencialmente, é a média, tomada
sobre a distribuição de velocidades relativas entre as partículas reagentes, do
produto entre a seção de choque total para a reação e o módulo da velocidade
relativa entre as partículas reagentes. Portanto, vou calcular explicitamente o
número de partículas produzidas pela colisão, por unidade de volume e unidade
de tempo, e deduzir o coeficiente de reatividade.
Comumente a produção das partículas resultantes da reação se dá em um gás
composto pelas partículas reagentes em equilíbrio termodinâmico. Entretanto,
para simplificar o raciocínio, vou considerar, inicialmente, um feixe de partículas
incidentes sobre partículas alvo fixas no espaço, que se distribuem em uma
camada de espessura s, como na postagem Seções de choque. Nesse caso, vamos
supor que temos n1 partículas incidentes por unidade de volume, todas em um
feixe colimado e cada uma com velocidade de módulo v. Seja n2 o número, por
unidade de volume, de partículas alvo fixas em uma camada de área infinita e
espessura s. Como expliquei na postagem Seções de choque, a probabilidade de
uma partícula incidente sofrer uma colisão e reagir com alguma das partículas
alvo da camada de espessura s é dada por n2 σ (v) s, onde a seção de choque,
σ (v) , é uma função que, em princípio, pode depender da velocidade relativa
entre as partículas reagentes. Note também que a espessura s é medida ao longo
1
do sentido de propagação do feixe incidente. Vamos usar esse resultado para
determinar o número de colisões reativas por unidade de tempo e por unidade
de volume. Durante um intervalo de tempo curto, dt, as partículas do feixe
incidente penetram uma distância vdt na camada de partículas alvo. Assim,
durante esse intervalo de tempo, cada partícula incidente tem a probabilidade
de colidir, reativamente, dada por n2 σ (v) vdt. Durante esse tempo, o número
de partículas incidentes presentes na região de interação com as partículas alvo
é dado por n1 Avdt, onde A é a área transversal do feixe incidente e Avdt é o
volume onde as partículas incidentes interagem com as partículas alvo durante
o intervalo de tempo dt. Portanto, o número de colisões reativas é dado por esse
número, n1 Avdt, multiplicado pela probabilidade de haver reação, n2 σ (v) vdt,
isto é, (n1 Avdt) (n2 σ (v) vdt) . Então, há a produção desse número de partículas
resultantes da colisão durante um intervalo de tempo dt. Logo, por unidade de
volume, o número dn de partículas produzidas pelas colisões reativas é dado
por dn = (n1 Avdt) (n2 σ (v) vdt) / (Avdt) , isto é, dn = n1 n2 σ (v) vdt. Assim,
por unidade de tempo e unidade de volume, o número de partículas resultantes
da reação é
dn
dt
= n1 n2 σ (v) v.
(1)
Nesse caso, o coeficiente de reatividade é dado por σ (v) v, onde v é a velocidade
relativa entre as partículas reagentes. Note que n1 n2 é o número de pares
reagentes por unidade de volume ao quadrado. Como fazer para generalizar a
Eq. (1) para o caso de colisões reativas ocorrendo em um gás ideal, composto
pelas partículas reagentes em equilíbrio termodinâmico?
A generalização da Eq. (1) que apresento aqui começa com a observação
de que, em um gás das partículas reagentes, há a distribuição de Maxwell das
velocidades v1 das partículas que chamaremos, de forma arbitrária, de partículas
incidentes, com massa m1 , isto é,
3/2
m1
m1 v12
f1 (v1 ) =
exp −
,
(2)
2πkB T
2kB T
e há a distribuição de Maxwell das velocidades v2 das partículas que chamaremos, arbitrariamente, de partículas alvo, com massa m2 , isto é,
3/2
m2
m2 v22
f2 (v2 ) =
exp −
.
(3)
2πkB T
2kB T
Aqui, v1 = |v1 | , v2 = |v2 | , kB é a constante de Boltzmann e T é a temperatura absoluta do gás em equilíbrio termodinâmico. Em termos de componentes
cartesianas, podemos escrever
v1
= v1x x̂ + v1y ŷ + v1z ẑ
v2
= v2x x̂ + v2y ŷ + v2z ẑ,
e
2
implicando que
v12
2
2
2
= v1 · v1 = v1x
+ v1y
+ v1z
v22
=
e
2
2
2
v2 · v2 = v2x
+ v2y
+ v2z
.
Com essas observações, é fácil ver que as Eqs. (2) e (3) estão normalizadas à
unidade, isto é,
ˆ +∞
ˆ +∞
ˆ +∞
dv1x
dv1y
dv1z f1 (v1 ) = 1
(4)
−∞
−∞
−∞
e
ˆ
ˆ
+∞
−∞
ˆ
+∞
dv2x
+∞
dv2y
−∞
dv2z f2 (v2 )
=
1.
(5)
−∞
As Eqs. (4) e (5) mostram que as distribuições dadas pelas Eqs. (2) e (3),
quando multiplicadas por dv1x dv1y dv1z e dv2x dv2y dv2z , respectivamente, representam as frações dos números de partículas incidentes e partículas alvo,
respectivamente, com suas componentes de velocidades dentro dos intervalos
[v1x , v1x + dv1x ] , [v1y , v1y + dv1y ] , [v1z , v1z + dv1z ] e [v2x , v2x + dv2x ] , [v2y , v2y + dv2y ] ,
[v2z , v2z + dv2z ] , respectivamente.
Aqui vou tomar o gás como sendo, por hipótese, homogêneo, isto é, tem as
mesmas propriedades macroscópicas em cada ponto. Assim, considerando a vizinhança de um ponto qualquer do gás, há n1 partículas incidentes por unidade
de volume e n2 partículas alvo por unidade de volume. No entanto, desses
n1 n2 pares de partículas reagentes, por unidade de volume ao quadrado, vou
considerar somente o subconjunto deles em que as partículas incidentes desse
subconjunto têm suas velocidades com componentes x, y e z dentro dos intervalos [v1x , v1x + dv1x ] , [v1y , v1y + dv1y ] e [v1z , v1z + dv1z ] , respectivamente.
Também vou considerar que as partículas alvo desse subconjunto têm suas velocidades com componentes x, y e z dentro dos intervalos [v2x , v2x + dv2x ] ,
[v2y , v2y + dv2y ] e [v2z , v2z + dv2z ] , respectivamente. Assim, em torno da vizinhança do ponto em consideração, nesse subconjunto restrito de partículas,
há n1 f1 (v1 ) d3 v1 partículas incidentes por unidade de volume e n2 f2 (v2 ) d3 v2
partículas alvo por unidade de volume, onde estou adotando a notação em que
d3 v1 = dv1x dv1y dv1z e d3 v2 = dv2x dv2y dv2z .
Imagine que podemos visualizar apenas as partículas incidentes e partículas
alvo desse subconjunto particular de todas as partículas, em torno da vizinhança
do ponto em consideração. Dentro desse subconjunto, tomar o volume d3 v1 no
espaço de velocidades bem pequeno faz com que as partículas incidentes que vemos tenham, aproximadamente, todas a mesma velocidade v1 . Analogamente,
tomar o volume d3 v2 no espaço de velocidades bem pequeno faz com que as
partículas alvo que vemos tenham, aproximadamente, todas a mesma velocidade v2 . Então, considere que caminhamos junto com as partículas alvo, com
3
a mesma velocidade v2 que elas têm nesse subconjunto particular. Dada essa
situação imaginária, como só vemos as partículas desse subconjunto restrito,
no referencial inercial de velocidade v2 relativa ao recipiente do gás, todas as
partículas alvo que vemos estão paradas e as partículas incidentes que vemos
têm a mesma velocidade v1 − v2 , relativamente ao nosso referencial hipotético
que acompanha as partículas alvo de velocidade v2 . Do ponto de vista dessa
situação, o subconjunto particular de partículas do gás, em torno do ponto que
estamos considerando, descreve exatamente a situação onde a Eq. (1) é válida,
mas, agora,
ao invés de n1 n2 pares de partículas
reagentes, por volume quadrado,
temos n1 f1 (v1 ) d3 v1 n2 f2 (v2 ) d3 v2 pares por volume quadrado. As partículas incidentes que vemos, do referencial inercial em que nos imaginamos, todas
têm aproximadamente a mesma velocidade v = v1 − v2 e, portanto, para o particular subconjunto que estamos considerando, a Eq. (1) é válida e escreve-se
d µ (v1 , v2 ) d3 v1 d3 v2
= n1 f1 (v1 ) d3 v1 n2 f2 (v2 ) d3 v2 σ (v) v,
(6)
dt
onde v = |v| = |v1 − v2 | é o módulo
entre as partículas
da velocidade relativa
reagentes. Na Eq. (6), denoto por µ (v1 , v2 ) d3 v1 d3 v2 o número, por unidade de
volume, de partículas produzidas reativamente somente pelas partículas reagentes
dentro do subconjunto que fixamos e na vizinhança do ponto em consideração.
Assim, integrando ambos os membros da Eq. (6) sobre todas as possíveis velocidades, obtemos
ˆ
ˆ
dn
3
= n1 n2
d v1
d3 v2 f1 (v1 ) f2 (v2 ) σ (v) v,
(7)
dt
V∞
V∞
onde v = |v| = |v1 − v2 | e
dn
dt
=
d
dt
ˆ
ˆ
d v2 µ (v1 , v2 )
3
3
d v1
V∞
(8)
V∞
é o número total, por unidade de volume e por unidade de tempo, de partículas
produzidas reativamente pelas partículas reagentes, em cada ponto do gás e
em um partícular instante de tempo. O símbolo V∞ aparecendo nas integrais
indica, simplesmente, que estamos integrando sobre todo o volume do espaço de
velocidades, isto é,
ˆ
ˆ +∞
ˆ +∞
ˆ +∞
d3 v1 ≡
dv1x
dv1y
dv1z
−∞
V∞
e
ˆ
ˆ
d 3 v2
−∞
ˆ
+∞
≡
ˆ
+∞
dv2x
−∞
V∞
−∞
+∞
dv2y
−∞
dv2z .
−∞
A integral dupla aparecendo no segundo membro da Eq. (7) pode ser escrita
de uma forma alternativa através da mudança de variável definida por
v
= v1 − v2 ,
4
(9)
ainda mantendo v2 como variável de integração. Então,
ˆ
ˆ
ˆ
3
3
d v1
d v2 f1 (v1 ) f2 (v2 ) σ (v) v =
d3 v F (v) σ (v) v,
V∞
V∞
onde
F (v)
(10)
V∞
ˆ
=
V∞
ˆ
=
d3 v2 f1 (v + v2 ) f2 (v2 )
ˆ
d 3 v1
d3 v2 δ (3) (v1 − v2 − v) f1 (v1 ) f2 (v2 )
V∞
(11)
V∞
é a distribuição de velocidades relativas entre as partículas que chamamos de
partículas incidentes e as partículas que chamamos de partículas alvo do gás.
Essa nomenclatura, como mencionei inicialmente, é puramente arbitrária e tem
a função de fazer uma analogia, dentro do raciocínio acima, com a situação idealizada em torno da dedução da Eq. (1). Em um gás onde todas as partículas se
movem em uma mistura homogênea, não há como justificar, de forma objetiva,
chamar um tipo de partícula de incidente e outro, de alvo. O que podemos
dizer, de forma precisa, sem ambiguidade interpretativa, é simplesmente que as
partículas de massa m1 são de um tipo e que as de massa m2 são de outro, mas
as de um tipo reagem com as do outro.
Que a Eq. (11) é a distribuição de velocidades relativas entre as partículas
reagentes é fácil de entender intuitivamente se notarmos a presença da função
delta de Dirac no integrando da segunda igualdade. Para o gás como um todo,
consistindo dos dois tipos de partículas, a distribuição conjunta de velocidades
é o produto das distribuições das Eqs. (2) e (3). Esse produto aparece no integrando da segunda igualdade da Eq. (11). O integrando, no entanto, é esse
produto multiplicado pela função delta. O efeito dessa função na integração
sobre as velocidades é que, de todas as possíveis velocidades que o gás possui,
só não são incluídas na integração aquelas tais que F (v) é igual a um valor fixo,
v. Ou seja, estamos integrando sobre todas as velocidades que não representam uma velocidade relativa entre as partículas reagentes igual a v. Em outras
palavras, a quantidade F (v) d3 v é a fração do número de pares de partículas
reagentes do gás, com velocidades v1 e v2 , tais que as componentes x, y e z de
v1 − v2 pertencem a um intervalo em torno de v, de volume d3 v no espaço de
velocidades. Note também que a integração sobre v da Eq. (11) é normalizada
à unidade, isto é,
ˆ
d3 v F (v) = 1
V∞
e que a dimensão de F (v) é igual ao inverso do cubo da dimensão de velocidade,
como é, de fato, o caso de uma distribuição de Maxwell de velocidades.
Substituindo a Eq. (10) na Eq. (7), obtemos
dn
dt
= hσ (v) vi n1 n2 ,
5
(12)
onde o coeficiente de reatividade é a média de σ (v) v, tomada sobre a distribuição de valores absolutos de velocidades relativas de partículas reagentes,
ou seja,
ˆ
hσ (v) vi =
d3 v F (v) σ (v) v.
(13)
V∞
Referências
[1] Nuclear Reactions. Some Basics, por Demetrius J. Margaziotis.
[2] Keith R. Symon, Mechanics , terceira edição (Addison Wesley, 1971).
6
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