EDUCAÇÃO E PRECONCEITO RACIAL NO BRASIL: DISCRIMINAÇÃO NO
AMBIENTE ESCOLAR
Antonia Eunice de Jesus do Nascimento (UFAL)
[email protected]
RESUMO
O artigo apresenta resultados preliminares de uma pesquisa que tem como objetivo geral
analisar até que ponto a utilização de “expressões de cunho racistas” comprometem a
auto-estima e, conseqüentemente influenciam no processo de construção do
conhecimento dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental de uma escola da rede
pública de Maceió. Inicialmente foi feita uma pesquisa bibliográfica no intuito de
discutir as relações estabelecidas no espaço da escola, especialmente entre
professores/alunos, alunos/alunos, tomando como referência os problemas vivenciados
por crianças negras nesse ambiente, tais como: piadas e brincadeiras de mau gosto, uso
de expressões de cunho racista, entre outros. Ressalta-se que o resultado dessas ações
discriminatórias no ambiente educacional tem causado danos que influenciam
negativamente no processo psicológico, social e cognitivo dessas crianças, contribuindo
para o seu baixo rendimento escolar. Sendo assim, é importante que toda a comunidade
escolar esteja atenta para esses problemas considerados corriqueiros e que aparecem de
forma sutil, não aconteçam no espaço das salas de aula.
Palavras chaves: Educação. Preconceito. Discriminação.
INTRODUÇÃO
O preconceito racial constitui-se em um grave problema existente nos dias
atuais, presente em toda a sociedade, de um modo geral e consequêntemente o espaço
educativo não está ausente desse processo, algo que existe desde há muito tempo. Um
assunto que quando exposto causa polêmica por ser muito complexo. Ao perguntar a
alguém se é preconceituoso de imediato a resposta é negativa, uma vez que a maioria
das pessoas afirma não ter nenhuma espécie de preconceito. Afinal, o tratamento
2
diferenciado e as formas de expressões direcionadas ao negro aparecem como
“disfarçadas”.
Por esses e outros motivos é importante fazer uma reflexão se o preconceito
existente no espaço educativo compromete a auto-estima e, conseqüentemente
influenciam no processo de construção do conhecimento dos estudantes, principalmente
nos anos iniciais de escolarização. Uma vez que a educação é um espaço de formação
de indivíduos.
Esse trabalho é parte de um projeto de pesquisa que teve como base, pesquisas
bibliográficas em diversas fontes, tais como: livro, artigos, leis, voltados para a temática
das questões raciais. Inicialmente foram feitos leituras, fichamentos de textos e
discussão com a professora orientadora do projeto para sua elaboração.
O RACISMO E SEU CONTEXTO HISTÓRICO
O racismo não é algo presente e sim, uma herança de um processo de mão-deobra barata e exploraçào dos colonizadores sobre os colonizados. Pode-se perceber que
existe uma relaçào muito próxima entre racismo e escravidão, baseados em intereses
econômicos e sociais da população branca e européia que resultava em poder e
superioridade.
Segundo o dicionário Aurélio 2001, o racismo pode ser conceituado como:
qualidade ou sentimento de indivíduo racista; atitude preconceituosa ou discriminatória
em relação a indivíduo(s) considerado(s) de outra raça. Em outras palavras é o ato de
colocar uma pessoa em situação de inferioridade, subjugada, por causa de sua cor de
pele ou etnia, em detrimento de outra que, por causa de sua situação racial, se
autodenomina de “raça superior”. Trata-se do preconceito racial que sem dúvida é um
dos grandes agente principal que tem causado à violência em nosso dia-a-dia.
A ocupação do território brasileiro realizou-se por meio da produção do açúcar,
então muito procurado no mercado mundial. Estabeleceu-se aqui a cultura da cana-deaçúcar, destinada à produção em larga escala, para abastecer o mercado europeu. Isto se
baseou no uso e na exploração do solo através da agricultura extensiva que exigia uma
mão de obra numerosa e barata.
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A chegada dos negros no Brasil foi por volta do século XVI - como vítimas do
comércio de escravos que se desenvolveu na América até o século XVIII - chegando a
constituir uma parcela importante da população, a que exercia as tarefas mais pesadas e
ocupava o status social mais baixo. Grande parte da população negra foi obrigada a
trabalhar nas propriedades rurais, inserindo-se num sistema patriarcal de produção rural.
Inicialmente o índio foi muito usado como escravo, mais aos poucos a escravidão
africana foi se ampliando e o tráfico negreiro se impôs.
Segundo dados do IBGE 2010, o Brasil foi o último país do mundo a abolir o
trabalho escravo de pessoas de origem africana, em 1888, após ter recebido, ao longo de
mais de três séculos, cerca de quatro milhões de africanos como escravos 1, como
também a maior parte da população no país corresponde à pessoa de cor negra
resultante de um processo de miscigenação2.
O país tem uma base legal que o coloca entre outros países como, um dos, que
garante um tratamento jurídico igualitário para todos, porém na prática o que se observa
é o contrário. Constata-se que a lei que garantiu a liberdade para os negros e seus
descendentes, não permitiu por completo que eles exercessem a sua cidadania. A
ideologia de uma “democracia racial” é posta no país como motivo de orgulho, onde a
verdade o que existe mesmo é uma fachada para despistar a realidade do tratamento
dado à população negra.
Para Moura (1994. p. 160), O racismo brasileiro [...] na sua estratégia e nas
suas táticas agem sem demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz, ambíguo,
meloso, pegajoso, mas altamente eficiente nos seus objetivos. [...] não
podemos ter democracia racial em um país onde não se tem plena e completa
democracia social, política, econômica, social e cultural. Um país que tem na
sua estrutura social vestígios do sistema escravista, com concentração
fundiária e de rendas maiores do mundo [...], um país no qual a concentração
de rendas exclui total ou parcialmente 80% da sua população da possibilidade
de usufruir um padrão de vida descente; que tem trinta milhões de menores
abandonados, carentes ou criminalizados não pode ser uma democracia
racial.
De fato, como afirma o autor essas abordagens que indicam a diminuição de
expressões racista são algo muito superficial, ou seja, invisível, pois as atitudes
preconceituosas que não provocam abertamente as normas atuais anti-discriminatórias
permanecem internalizadas nas consciências de muitos indivíduos. Principalmente nos
1
Este texto foi extraído do livro Brasil : 500 anos de povoamento /IBGE, 4o. capítulo "A presença
negra: encontros e conflitos" de João José Reis.
2
A sociedade brasileira caracteriza-se por uma pluralidade étnica, sendo este produto de um processo
histórico que inseriu num mesmo cenário três grupos distintos: portugueses, índios e negros de origem
africana.
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dias atuais com o processo de globalização que tem intensificado as relações sociais
entre os indivíduos, causando certa ambigüidade, que por vez, ao mesmo tempo em que
demonstra o desenvolvimento da economia e tecnologia, aumenta as diferenças já
existentes não só no Brasil como também em outros países desenvolvidos e em
desenvolvimento - especialmente entre ricos e pobres no interior dos diversos países
como tem demonstrado as estatísticas expressa pelas mídias e estudos acadêmicos.
O que fica subentendido é que, nas sociedades modernas, mesmo existindo uma
lei que proíbe os atos discriminatórios, em função da cor da pele, a discriminação
continua presente, pois ficam visíveis as dificuldades que as pessoas negras têm
enfrentado por uma vaga no mercado de trabalho, algo que muitas vezes a mídia deixa
transparecer, e isso são explícitos na falta de oportunidades que esse indivíduo enfrenta.
Sem contar da força bruta que alguns policiais representantes da segurança Estadual
usam para discriminar ou agredir a população negra e pobre, ações que levam muitos a
morte. Torturas existentes desde o século XVI até os dias de hoje, constituída como
uma prática institucionalizada contra os negros em nossa sociedade. O pelourinho no
passado, o pau-de-arara, o abuso de poder que a policia tem utilizado ao logo do tempo,
no intuito de controlar e domesticar os negros (Direitos Humanos autoria, 2001 p.87).
Apesar da grande parcela da população ser de origem negra, cuja eficácia não se
pode negar no contexto histórico de nosso país, não é raro encontrarmos cada vez mais
pessoa de cor sendo vítimas do preconceito racial, além das agressões, usam frases que
ridicularizam os negros conhecidas por ditos populares. Entre as diversas piadas que
circulam em nosso meio, pode-se dizer que a grande maioria recupera determinados
valores em torno do negro que envolve os seguintes aspectos: submissão, sujeira,
limitação intelectual, feiúra, animal, inútil, safado, mal, entre outros. As frases como
“negão” e piadas de “preto”, fazem parte do nosso cotidiano e são vistas como algo
“comum” nas expressões do coletivo brasileiro, são elas: “Só pode ser negro”,” negro
de alma branca”, “negro é a sujeira do mundo”’, “é negro, mas presta”, “negro é igual a
urubu só presta longe”, “negro fede a macaco”, “coisa ta preta”, “negro só é gente
quando está no banheiro”, “negro quando não suja na entrada, suja na saída”, entre
outras. Vale ressaltar que algumas dessas piadas ilustram a construção de estereótipos,
de modo a identificar a predominância de elementos do preconceito e que apesar de
muitas pessoas as considerarem engraçadas e humoristas, algo muito visível nas mídias,
livros didáticos e comédias, todas têm sentidos pejorativos sobre o negro, de maneira a
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ridicularizá-lo, diminuí-lo, menosprezá-los, a ponto de lhes colocar em posições
desumanas.
PRECONCEITO E EDUCAÇÃO
No Brasil a educação é um direito estabelecido pela Constituição Federal de
1988 (artigo 208, inciso IV), que reconhece como direito de todas as crianças em idades
de o a 6 anos em instituições públicas de ensino (creches). Assim também como a Lei
8069/91, do Estatuto da Criança e do Adolescente que garante o direito à:
[...] liberdade, ao respeito e a dignidade como pessoas humanas no processo
de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos na constituição e nas Leis; [...] a educação, visando o pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho [...] igualdade de condição para o acesso e
permanência na escola; direito de ser respeitados por seus educadores; e ter
respeitado os valores culturais, artísticos e históricos próprios no contexto
social da criança e do adolescente, garantindo-se a este a liberdade de criação
e o acesso às fontes culturais.
Quando se fala em educação o que logo vem em mente é, um espaço de
formação e desenvolvimento de indivíduos. Falar em educação é acreditar que o pleno
desenvolvimento de uma criança só é efetivo quando ela passa por um processo de
escolarização institucional. Isso não significa dizer que, o sujeito só aprende na escola e
que os outros ambientes sociais não sejam importantes, mas que para nossa sociedade a
educação oferecida no espaço educativo é fundamental para o pleno desenvolvimento
do indivíduo, principalmente nos anos iniciais de sua vida. Deste modo, a socialização
recebida na infância é significativa para o desenvolvimento dos futuros cidadãos, como
afirma Cavaleiro (2005, p.17).
Á experiência escolar amplia e intensifica a socialização da criança. O
contato com outras crianças da mesma idade, com outros adultos não
pertencentes ao grupo familiar, com outros objetos de conhecimento, além
daqueles vivido pelo grupo familiar vai possibilitar outros modos de leitura
do mundo.
A educação é como um processo de formação do homem integral. Como a
forma mais eficaz de transmissão e comunicação entre pessoas. Um processo
que não pode e não deve ser separado da própria existência humana, deve ser
encarada como uma contínua reconstrução de experiências. Essa reconstrução
de experiências, é uma fase da própria natureza, é uma forma de interação,
pela qual os dois elementos que nela entram situação e agente, são
modificados (DEWEY.1980, p.116),
Diversos autores e pesquisadores como Amaral (1995), Rosembalg (1987) entre
outros, tem se preocupados com as relações existentes no dia-a-dia da escola entre
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preconceito e educação, desenvolvendo pesquisas nessa linha, pois o grande desafio e
ao mesmo tempo urgente que são postos aos professores é o de promover no
desenvolvimento de seus alunos uma “ética de tolerância” entre os indivíduos, para que
de maneira harmoniosa venham a conviver com as diferenças sejam elas religiosas,
socioculturais, sexuais, físicas e étnicas.
O que a escola pode fazer para contribuir na diminuição do preconceito
existente nas diversas formas de tratamentos que a sociedade tem exposto, machucando
e prejudicando na formação e construção de sujeitos? Para Lopes (2001 apud
MUNANGA, 2005, p. 189):
A escola, como parte integrante dessa sociedade que se sabe preconceituosa e
discriminadora, mas que reconhece que é hora de mudar, está comprometida
com essa necessidade de mudança e precisa ser um espaço de aprendizagem
onde as transformações devem começar a ocorrer de modo planejado e
realizado coletivamente por todos os envolvidos, de modo consciente. [...] a
educação escolar deve ajudar professor e alunos a compreenderem que a
diferença entre pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é
preciso valorizá-las para garantir a democracia que, entre outros, significa
respeito pelas pessoas e nações tais como são, com suas características
próprias e individualizadoras; que buscar soluções e fazê-las vigorar é uma
questão de direitos humanos e cidadania.
Dessa maneira é possível compreender a educação como um exercício de construção
de conhecimentos, formando cidadãos críticos com outra mentalidade, perante o
sistema, sua organização e relações sociais estabelecidas entre os sujeitos sob uma visão
de país globalizado e anti-exclusivo.
Não podemos assegurar que temos uma vivência com a tolerância e o preconceito
na prática educativa. No espaço escolar, é comum que os educadores transmitam para
seus alunos, posturas e ações sobre o preconceito que circulam na sociedade,
especificamente através da linguagem verbal, simbólica e informal (olhares, gestos,
atenção, silêncio, toques expressões corporais e faciais). Dessa maneira fica fácil de
uma criança perceber se ela é querida ou não dentro desse grupo social o qual ela está
inserida.
A escola que é considerada como um espaço onde ocorre a construção da
identidade do indivíduo também pode desvalorizá-la, negando-a principalmente as
crianças de cor negra, pois é nesse ambiente que muitos professores têm manifestado
seu tratamento diferenciado entre as crianças negras e brancas.
A escola sempre foi considerada uma instituição de seleção e diferenciação
social. Com isso, estamos sempre em situações de fragilidades, de “esta
pisando em ovos” na pratica escolar, sem podermos romper com isso. É fato
que não se pode negar a seletividade que está presente na pratica institucional
da escola e, por vezes, de caráter elitista. A vivência do preconceito pode ser
7
notada pela prática da diferença, que é muito presente no cotidiano Brasileiro
(ITANI, p.120-121 apud. AQUINO, 1988).
O papel da escola é o de uma instituição socialmente responsável não só pela
democratização do acesso aos conteúdos culturais historicamente
construídos, mas também o de co-responsável pelo desenvolvimento
individual de seus membros (em todos os seus aspectos), objetivando sua
inserção como cidadãos autônomos e conscientes em uma sociedade plural e
democrática (ARAÚJO, 1988, p. 44).
A sociedade afirma não ter preconceito, quando na verdade os dados
apresentados em pesquisa quantitativa e qualitativas mostram um número reduzido de
indivíduos negros que não conseguem ingressar nas universidades públicas, de sua
ocupação na política, em altos posto de comando e emprego que paguem altos salários.
Essa diferença de quantidade pode ser decorrente da pratica seletiva da escola, ou seja,
da desigualdade exercida por ela excluindo muitos alunos que não conseguem se
defender que por vezes não possuem condições materias e financeiras para se manter até
o término de seus estudos.
CONSEQUÊNCIAS
CRIANÇA NEGRA
DO
PRECONCEITO
NO
DESENVOLVIMENTO
DA
A instituição escolar é um espaço responsável pelo processo de socialização
infantil, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental, no qual se estabelecem
as relações com crianças de diferentes culturas familiares. Esse contato diversificado
poderá fazer da escola o primeiro espaço de vivência das tensões raciais. As relações
que são estabelecidas entre crianças, sejam elas, brancas e negras numa ambiente de
sala de aula pode acontecer de modo tenso, ou seja, segregando, excluindo,
possibilitando que a criança negra adote em alguns momentos uma postura tímida, com
receio de que seja rejeitada, insultada ou ridicularizada pelo seu grupo social. O
preconceito praticado à criança negra pode e é muito perverso, ou seja, pode causar um
transtorno muito grande para seu inconsciente, pois pode fazer com que ela não se
reconheça, iniciando um processo de desvalorização de suas características individuais,
que interferem na construção da sua identidade. O que pode fazer com que a criança
sinta-se desvalorizada e excluída, chegando até a pensar que não é merecedora de
direitos e, digna de respeito.
Esse processo de manifestação discriminatória no espaço educativo tem gerado
um quadro de agressões tanto físico como simbólica (linguagem que desvalorizam o
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negro), o que na maioria das vezes tem acarretado uma série de sofrimentos no
cotidiano desses alunos negros, algo que nem sempre é visível aos nossos olhos, por que
envolve tanto o carater moral, como o psicológico do indivíduo. O que se subentende é
que, a formação e construção da identidade do indivíduo é um processo que começa na
fase inicial da Educação Infantil.
A identidade refere-se a um contínuo sentimento de individualidade que se
estabelece valendo-se de dados biológicos e sociais. O indivíduo se identifica
reconhecendo seu próprio corpo, situando em um meio que o reconhece
como ser humano e social. Assim, a identidade resulta da percepção que
temos de como os outros nos vêem (ERIKSON, 1976 apud CAVALLEIRO,
2005, p. 19).
Sendo assim, cabe questionar qual a função ou papel da escola? Segundo Araújo (1996
apud AQUINO, 1998):
O papel da escola é o de uma instituição social responsável não só pela
democratização do acesso aos conteúdos culturais historicamente
construídos, mas também o de co-responsável pelo desenvolvimento
individual de seus membros (em todos os aspectos), objetivando sua inserção
como cidadãos autônomos e conscientes em uma sociedade plural e
democrática.
Diante de tal quadro não é de se estranhar que muitas crianças negras não
queiram se identificar como tal, porque o papel do negro na sociedade está sempre
relacionados a coisas ruins. Com isso, a auto-estima e a auto-confiança desses alunos
diminuem, na medida em que um auto-conceito negativo é gerado na sociedade
brasileira.
Devido a tantas agressões físicas e simbólicas contra as crianças negras, seja na
rua como no espaço educativo, muitas dessas crianças acabam por negligenciar a sua
tradição cultural para assumir uma postura de “embranquecimento” a qual a sociedade e
o próprio espaço escolar tem posto para ela como a ideal (branco, alto, forte, olhos
claros, cabelos lisos, entre ourtos). Para uma criança negra em seus anos iniciais fica
difícil de entende e ao mesmo tempo não é entendida nesse sistema educacional, que
parece reproduzir o padrão hegemônico, que estereotipa ela como incapaz, rebelde,
burra, entre outros. Onde o professor quase não tem contato físico e afetivo com essas
crianças, demonstrando a rejeição do seu grupo social e causando-lhes grandes
sofrimentos. Segundo Amaral (1995, p. 11):
A dificuldade enfrentada pelas crianças em seu convívio escolar tem algum
denominador comum”. Se pensássemos nos costumeiros apelidos que
circulam nos lábios infantis, tais como: “rolha de poço”, “azeitona no palito”,
“pau-de-sebo”, “nanico”, “crioulo doido”, “quatro olho”, “surdinho”,
“tadinho”, “sequeta”, “mula mansa” entre outros.
9
A violência atribuída à criança negra na sala de aula, seja por meio de insultos
ou expressões de cunho racista, tida como “normal” pelo seu grupo social, tem
mostrado claramente a falta de respeito que desde muito cedo são ensinadas as crianças
brancas.
O PAPEL DO PROFESSOR NA ESCOLA
Todos nós sabemos que é essencial e principal de toda escola promover e
desenvolver a aprendizagem do indivíduo nas diferentes dimensões: sociais, cognitivas,
emocionais e motores. Para que isso aconteça, ela precisa de um ator principal,
conhecido como educador ou professor. Esse tem a tarefa de fazer a mediação entre a
criança e os conhecimentos acumulado em uma determinada cultura (conhecimento do
mundo e de si mesma), além de propiciar, estimular e provocar o desenvolvimento da
criança.
A ação do professor em sala de aula tem sido nos últimos tempos tema de
investigação e discussões constantes por parte dos pesquisadores da área educacional,
pois a interação entre aluno e professor contribui, portanto, para o rendimento escolar, a
aprendizagem e proporciona, ainda, comportamentos necessários à vida adulta, ou seja,
a ação educativa exerce influência sobre os indivíduos em sua postura, valores,
agressões, atitudes, crenças e modos de agir.
Em estudo realizado por Rosemberg (1998), o índice de exclusão e reprovação do
aluno negro nas escolas públicas brasileiras, em comparação ao aluno branco é bem
maior. O que tem se observado nessas escolas é um ritual pedagógico inadequado.
O silencio dos professores perante as situações impostas pelos próprios livros
escolares acaba por vitimar os estudantes negros. Esse ritual pedagógico, que
ignora as relações étnicas estabelecidas no espaço escolar, pode estar
comprometendo o desempenho e o desenvolvimento da personalidade de
crianças e de adolescentes negros, bem como esta contribuindo para a
formação de crianças e de adolescentes brancos com um sentimento de
superioridade (CAVALLEIRO, 2005, p. 32 -33).
As práticas de descriminação disseminadas pelos professores, os livros didáticos,
e meios de comunicação nem sempre são detectadas pelas crianças negras, as mais
visíveis para elas são as em que o preconceito aparece mais concreto, nas quais as ações
do racismo são imediatas. “Penso que a não-percepção do racismo por parte das
crianças também está ligada às estratégias da democracia racial brasileira, que nega a
existência do problema” (Cavalleiro 2005).
10
A mesma autora afirma que, [...] “o racismo é um problema que está presente no
cotidiano escolar, que fere e marca, profundamente, crianças e adolescentes negros.
Mas, para percebê-lo, há a necessidade de um olhar critico do próprio aluno”. De fato,
o preconceito racial na sala de aula é algo muito freqüente se pararmos para observar e,
na maioria das vezes, aqueles que deveriam interferir, como professores e pedagogos,
não sabem como fazê-lo ou, outras vezes são propagadores deste tipo de atitude, o que
reforça e estimula o preconceito ao invés de intervir e combatê-lo.
Ao que tudo indica, a escola, que poderia e deveria contribuir para modificar as
mentalidades antidiscriminatórias ou pelo menos para inibir as ações
discriminatóriais, acaba contribuindo para a perpetuação das discriminações,
seja por atuação direta de seus agentes, seja por omissão perante os conteúdos
didáticos que veicula, ou pelo que ocorre no di-a-dia da sala de aula (PINTO,
1993, p. 27).
A forma de o professor caracterizar a criança negra evidencia seu despreparo
para lidar com situações de discriminação na sala de aula, pois em muitos
momentos o professor julga a criança negra culpada pela discriminação sofrida.
(OLIVEIRA apud CAVALLEIRO 2005, p. 33-34).
CONCLUSÃO
Como foi já foi mencionado o preconceito está presente em toda sociedade,
inclusive no ambiente educativo. Tais manifestações geram humilhações que resultam
muitas vezes em indivíduos tímidos, inseguros e inferiores aos demais. As
conseqüências desta formação podem ser diversas e devem ser evitadas pelos
profissionais da área da Educação, por esses serem de fundamental importância na
intervenção das atitudes discriminatórias na escola.
Levando em consideração o papel da escola e do professor no processo de
construção do conhecimento do aluno é importante que todos estejam atentos para estes
tipos de problemas corriqueiros, já mencionados, que por vezes aparecem de forma
sutil, não aconteçam no espaço das salas de aula.
E que a partir disso, todos –
professores, alunos, funcionários – possam reformular os conceitos e atitudes
direcionados as crianças negras.
As pessoas não herdam, geneticamente, idéias de racismos, sentimentos de
preconceito e modos de exercitar a discriminação, antes os desenvolvem com
seus pares, na família, no trabalho, no grupo religioso, na escola. Da mesma
forma, podem aprender a ser ou torna-se preconceituosos e discriminadores
em relação a povos e nações (LOPES, 2005 apud ROSEMBERG, 1988).
Um professor que estabelece padrões e valores de quem é o “melhor ou pior”,
“bom ou ruim” dependendo da cor de sua pele, também contribui para que atitudes
discriminatórias ocorram no espaço de sala de aula. Pois, é papel do professor a
11
transmissão do saber elaborado, desvinculado de qualquer valor que vise à reprodução
de preconceitos, discriminação e subordinação.
No entanto, é preciso estar atento para alguns atos ou apelidos não só praticados
por alunos, mas também por educadores e saber interpretá-los, principalmente os que
aparecem como “invisíveis”. Desta maneira estaríamos muito perto de perceber o
preconceito e a decorrente discriminação racial existente no espaço escolar que muitas
vezes impede e/ou atrapalha o processo de construção de conhecimento da criança
negra, as relações sociais, impedindo-a de vivenciar plenamente sua própria infância.
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