EDUCAÇÃO E PRECONCEITO RACIAL NO BRASIL: DISCRIMINAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR Antonia Eunice de Jesus do Nascimento (UFAL) [email protected] RESUMO O artigo apresenta resultados preliminares de uma pesquisa que tem como objetivo geral analisar até que ponto a utilização de “expressões de cunho racistas” comprometem a auto-estima e, conseqüentemente influenciam no processo de construção do conhecimento dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental de uma escola da rede pública de Maceió. Inicialmente foi feita uma pesquisa bibliográfica no intuito de discutir as relações estabelecidas no espaço da escola, especialmente entre professores/alunos, alunos/alunos, tomando como referência os problemas vivenciados por crianças negras nesse ambiente, tais como: piadas e brincadeiras de mau gosto, uso de expressões de cunho racista, entre outros. Ressalta-se que o resultado dessas ações discriminatórias no ambiente educacional tem causado danos que influenciam negativamente no processo psicológico, social e cognitivo dessas crianças, contribuindo para o seu baixo rendimento escolar. Sendo assim, é importante que toda a comunidade escolar esteja atenta para esses problemas considerados corriqueiros e que aparecem de forma sutil, não aconteçam no espaço das salas de aula. Palavras chaves: Educação. Preconceito. Discriminação. INTRODUÇÃO O preconceito racial constitui-se em um grave problema existente nos dias atuais, presente em toda a sociedade, de um modo geral e consequêntemente o espaço educativo não está ausente desse processo, algo que existe desde há muito tempo. Um assunto que quando exposto causa polêmica por ser muito complexo. Ao perguntar a alguém se é preconceituoso de imediato a resposta é negativa, uma vez que a maioria das pessoas afirma não ter nenhuma espécie de preconceito. Afinal, o tratamento 2 diferenciado e as formas de expressões direcionadas ao negro aparecem como “disfarçadas”. Por esses e outros motivos é importante fazer uma reflexão se o preconceito existente no espaço educativo compromete a auto-estima e, conseqüentemente influenciam no processo de construção do conhecimento dos estudantes, principalmente nos anos iniciais de escolarização. Uma vez que a educação é um espaço de formação de indivíduos. Esse trabalho é parte de um projeto de pesquisa que teve como base, pesquisas bibliográficas em diversas fontes, tais como: livro, artigos, leis, voltados para a temática das questões raciais. Inicialmente foram feitos leituras, fichamentos de textos e discussão com a professora orientadora do projeto para sua elaboração. O RACISMO E SEU CONTEXTO HISTÓRICO O racismo não é algo presente e sim, uma herança de um processo de mão-deobra barata e exploraçào dos colonizadores sobre os colonizados. Pode-se perceber que existe uma relaçào muito próxima entre racismo e escravidão, baseados em intereses econômicos e sociais da população branca e européia que resultava em poder e superioridade. Segundo o dicionário Aurélio 2001, o racismo pode ser conceituado como: qualidade ou sentimento de indivíduo racista; atitude preconceituosa ou discriminatória em relação a indivíduo(s) considerado(s) de outra raça. Em outras palavras é o ato de colocar uma pessoa em situação de inferioridade, subjugada, por causa de sua cor de pele ou etnia, em detrimento de outra que, por causa de sua situação racial, se autodenomina de “raça superior”. Trata-se do preconceito racial que sem dúvida é um dos grandes agente principal que tem causado à violência em nosso dia-a-dia. A ocupação do território brasileiro realizou-se por meio da produção do açúcar, então muito procurado no mercado mundial. Estabeleceu-se aqui a cultura da cana-deaçúcar, destinada à produção em larga escala, para abastecer o mercado europeu. Isto se baseou no uso e na exploração do solo através da agricultura extensiva que exigia uma mão de obra numerosa e barata. 3 A chegada dos negros no Brasil foi por volta do século XVI - como vítimas do comércio de escravos que se desenvolveu na América até o século XVIII - chegando a constituir uma parcela importante da população, a que exercia as tarefas mais pesadas e ocupava o status social mais baixo. Grande parte da população negra foi obrigada a trabalhar nas propriedades rurais, inserindo-se num sistema patriarcal de produção rural. Inicialmente o índio foi muito usado como escravo, mais aos poucos a escravidão africana foi se ampliando e o tráfico negreiro se impôs. Segundo dados do IBGE 2010, o Brasil foi o último país do mundo a abolir o trabalho escravo de pessoas de origem africana, em 1888, após ter recebido, ao longo de mais de três séculos, cerca de quatro milhões de africanos como escravos 1, como também a maior parte da população no país corresponde à pessoa de cor negra resultante de um processo de miscigenação2. O país tem uma base legal que o coloca entre outros países como, um dos, que garante um tratamento jurídico igualitário para todos, porém na prática o que se observa é o contrário. Constata-se que a lei que garantiu a liberdade para os negros e seus descendentes, não permitiu por completo que eles exercessem a sua cidadania. A ideologia de uma “democracia racial” é posta no país como motivo de orgulho, onde a verdade o que existe mesmo é uma fachada para despistar a realidade do tratamento dado à população negra. Para Moura (1994. p. 160), O racismo brasileiro [...] na sua estratégia e nas suas táticas agem sem demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz, ambíguo, meloso, pegajoso, mas altamente eficiente nos seus objetivos. [...] não podemos ter democracia racial em um país onde não se tem plena e completa democracia social, política, econômica, social e cultural. Um país que tem na sua estrutura social vestígios do sistema escravista, com concentração fundiária e de rendas maiores do mundo [...], um país no qual a concentração de rendas exclui total ou parcialmente 80% da sua população da possibilidade de usufruir um padrão de vida descente; que tem trinta milhões de menores abandonados, carentes ou criminalizados não pode ser uma democracia racial. De fato, como afirma o autor essas abordagens que indicam a diminuição de expressões racista são algo muito superficial, ou seja, invisível, pois as atitudes preconceituosas que não provocam abertamente as normas atuais anti-discriminatórias permanecem internalizadas nas consciências de muitos indivíduos. Principalmente nos 1 Este texto foi extraído do livro Brasil : 500 anos de povoamento /IBGE, 4o. capítulo "A presença negra: encontros e conflitos" de João José Reis. 2 A sociedade brasileira caracteriza-se por uma pluralidade étnica, sendo este produto de um processo histórico que inseriu num mesmo cenário três grupos distintos: portugueses, índios e negros de origem africana. 4 dias atuais com o processo de globalização que tem intensificado as relações sociais entre os indivíduos, causando certa ambigüidade, que por vez, ao mesmo tempo em que demonstra o desenvolvimento da economia e tecnologia, aumenta as diferenças já existentes não só no Brasil como também em outros países desenvolvidos e em desenvolvimento - especialmente entre ricos e pobres no interior dos diversos países como tem demonstrado as estatísticas expressa pelas mídias e estudos acadêmicos. O que fica subentendido é que, nas sociedades modernas, mesmo existindo uma lei que proíbe os atos discriminatórios, em função da cor da pele, a discriminação continua presente, pois ficam visíveis as dificuldades que as pessoas negras têm enfrentado por uma vaga no mercado de trabalho, algo que muitas vezes a mídia deixa transparecer, e isso são explícitos na falta de oportunidades que esse indivíduo enfrenta. Sem contar da força bruta que alguns policiais representantes da segurança Estadual usam para discriminar ou agredir a população negra e pobre, ações que levam muitos a morte. Torturas existentes desde o século XVI até os dias de hoje, constituída como uma prática institucionalizada contra os negros em nossa sociedade. O pelourinho no passado, o pau-de-arara, o abuso de poder que a policia tem utilizado ao logo do tempo, no intuito de controlar e domesticar os negros (Direitos Humanos autoria, 2001 p.87). Apesar da grande parcela da população ser de origem negra, cuja eficácia não se pode negar no contexto histórico de nosso país, não é raro encontrarmos cada vez mais pessoa de cor sendo vítimas do preconceito racial, além das agressões, usam frases que ridicularizam os negros conhecidas por ditos populares. Entre as diversas piadas que circulam em nosso meio, pode-se dizer que a grande maioria recupera determinados valores em torno do negro que envolve os seguintes aspectos: submissão, sujeira, limitação intelectual, feiúra, animal, inútil, safado, mal, entre outros. As frases como “negão” e piadas de “preto”, fazem parte do nosso cotidiano e são vistas como algo “comum” nas expressões do coletivo brasileiro, são elas: “Só pode ser negro”,” negro de alma branca”, “negro é a sujeira do mundo”’, “é negro, mas presta”, “negro é igual a urubu só presta longe”, “negro fede a macaco”, “coisa ta preta”, “negro só é gente quando está no banheiro”, “negro quando não suja na entrada, suja na saída”, entre outras. Vale ressaltar que algumas dessas piadas ilustram a construção de estereótipos, de modo a identificar a predominância de elementos do preconceito e que apesar de muitas pessoas as considerarem engraçadas e humoristas, algo muito visível nas mídias, livros didáticos e comédias, todas têm sentidos pejorativos sobre o negro, de maneira a 5 ridicularizá-lo, diminuí-lo, menosprezá-los, a ponto de lhes colocar em posições desumanas. PRECONCEITO E EDUCAÇÃO No Brasil a educação é um direito estabelecido pela Constituição Federal de 1988 (artigo 208, inciso IV), que reconhece como direito de todas as crianças em idades de o a 6 anos em instituições públicas de ensino (creches). Assim também como a Lei 8069/91, do Estatuto da Criança e do Adolescente que garante o direito à: [...] liberdade, ao respeito e a dignidade como pessoas humanas no processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na constituição e nas Leis; [...] a educação, visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...] igualdade de condição para o acesso e permanência na escola; direito de ser respeitados por seus educadores; e ter respeitado os valores culturais, artísticos e históricos próprios no contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a este a liberdade de criação e o acesso às fontes culturais. Quando se fala em educação o que logo vem em mente é, um espaço de formação e desenvolvimento de indivíduos. Falar em educação é acreditar que o pleno desenvolvimento de uma criança só é efetivo quando ela passa por um processo de escolarização institucional. Isso não significa dizer que, o sujeito só aprende na escola e que os outros ambientes sociais não sejam importantes, mas que para nossa sociedade a educação oferecida no espaço educativo é fundamental para o pleno desenvolvimento do indivíduo, principalmente nos anos iniciais de sua vida. Deste modo, a socialização recebida na infância é significativa para o desenvolvimento dos futuros cidadãos, como afirma Cavaleiro (2005, p.17). Á experiência escolar amplia e intensifica a socialização da criança. O contato com outras crianças da mesma idade, com outros adultos não pertencentes ao grupo familiar, com outros objetos de conhecimento, além daqueles vivido pelo grupo familiar vai possibilitar outros modos de leitura do mundo. A educação é como um processo de formação do homem integral. Como a forma mais eficaz de transmissão e comunicação entre pessoas. Um processo que não pode e não deve ser separado da própria existência humana, deve ser encarada como uma contínua reconstrução de experiências. Essa reconstrução de experiências, é uma fase da própria natureza, é uma forma de interação, pela qual os dois elementos que nela entram situação e agente, são modificados (DEWEY.1980, p.116), Diversos autores e pesquisadores como Amaral (1995), Rosembalg (1987) entre outros, tem se preocupados com as relações existentes no dia-a-dia da escola entre 6 preconceito e educação, desenvolvendo pesquisas nessa linha, pois o grande desafio e ao mesmo tempo urgente que são postos aos professores é o de promover no desenvolvimento de seus alunos uma “ética de tolerância” entre os indivíduos, para que de maneira harmoniosa venham a conviver com as diferenças sejam elas religiosas, socioculturais, sexuais, físicas e étnicas. O que a escola pode fazer para contribuir na diminuição do preconceito existente nas diversas formas de tratamentos que a sociedade tem exposto, machucando e prejudicando na formação e construção de sujeitos? Para Lopes (2001 apud MUNANGA, 2005, p. 189): A escola, como parte integrante dessa sociedade que se sabe preconceituosa e discriminadora, mas que reconhece que é hora de mudar, está comprometida com essa necessidade de mudança e precisa ser um espaço de aprendizagem onde as transformações devem começar a ocorrer de modo planejado e realizado coletivamente por todos os envolvidos, de modo consciente. [...] a educação escolar deve ajudar professor e alunos a compreenderem que a diferença entre pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é preciso valorizá-las para garantir a democracia que, entre outros, significa respeito pelas pessoas e nações tais como são, com suas características próprias e individualizadoras; que buscar soluções e fazê-las vigorar é uma questão de direitos humanos e cidadania. Dessa maneira é possível compreender a educação como um exercício de construção de conhecimentos, formando cidadãos críticos com outra mentalidade, perante o sistema, sua organização e relações sociais estabelecidas entre os sujeitos sob uma visão de país globalizado e anti-exclusivo. Não podemos assegurar que temos uma vivência com a tolerância e o preconceito na prática educativa. No espaço escolar, é comum que os educadores transmitam para seus alunos, posturas e ações sobre o preconceito que circulam na sociedade, especificamente através da linguagem verbal, simbólica e informal (olhares, gestos, atenção, silêncio, toques expressões corporais e faciais). Dessa maneira fica fácil de uma criança perceber se ela é querida ou não dentro desse grupo social o qual ela está inserida. A escola que é considerada como um espaço onde ocorre a construção da identidade do indivíduo também pode desvalorizá-la, negando-a principalmente as crianças de cor negra, pois é nesse ambiente que muitos professores têm manifestado seu tratamento diferenciado entre as crianças negras e brancas. A escola sempre foi considerada uma instituição de seleção e diferenciação social. Com isso, estamos sempre em situações de fragilidades, de “esta pisando em ovos” na pratica escolar, sem podermos romper com isso. É fato que não se pode negar a seletividade que está presente na pratica institucional da escola e, por vezes, de caráter elitista. A vivência do preconceito pode ser 7 notada pela prática da diferença, que é muito presente no cotidiano Brasileiro (ITANI, p.120-121 apud. AQUINO, 1988). O papel da escola é o de uma instituição socialmente responsável não só pela democratização do acesso aos conteúdos culturais historicamente construídos, mas também o de co-responsável pelo desenvolvimento individual de seus membros (em todos os seus aspectos), objetivando sua inserção como cidadãos autônomos e conscientes em uma sociedade plural e democrática (ARAÚJO, 1988, p. 44). A sociedade afirma não ter preconceito, quando na verdade os dados apresentados em pesquisa quantitativa e qualitativas mostram um número reduzido de indivíduos negros que não conseguem ingressar nas universidades públicas, de sua ocupação na política, em altos posto de comando e emprego que paguem altos salários. Essa diferença de quantidade pode ser decorrente da pratica seletiva da escola, ou seja, da desigualdade exercida por ela excluindo muitos alunos que não conseguem se defender que por vezes não possuem condições materias e financeiras para se manter até o término de seus estudos. CONSEQUÊNCIAS CRIANÇA NEGRA DO PRECONCEITO NO DESENVOLVIMENTO DA A instituição escolar é um espaço responsável pelo processo de socialização infantil, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental, no qual se estabelecem as relações com crianças de diferentes culturas familiares. Esse contato diversificado poderá fazer da escola o primeiro espaço de vivência das tensões raciais. As relações que são estabelecidas entre crianças, sejam elas, brancas e negras numa ambiente de sala de aula pode acontecer de modo tenso, ou seja, segregando, excluindo, possibilitando que a criança negra adote em alguns momentos uma postura tímida, com receio de que seja rejeitada, insultada ou ridicularizada pelo seu grupo social. O preconceito praticado à criança negra pode e é muito perverso, ou seja, pode causar um transtorno muito grande para seu inconsciente, pois pode fazer com que ela não se reconheça, iniciando um processo de desvalorização de suas características individuais, que interferem na construção da sua identidade. O que pode fazer com que a criança sinta-se desvalorizada e excluída, chegando até a pensar que não é merecedora de direitos e, digna de respeito. Esse processo de manifestação discriminatória no espaço educativo tem gerado um quadro de agressões tanto físico como simbólica (linguagem que desvalorizam o 8 negro), o que na maioria das vezes tem acarretado uma série de sofrimentos no cotidiano desses alunos negros, algo que nem sempre é visível aos nossos olhos, por que envolve tanto o carater moral, como o psicológico do indivíduo. O que se subentende é que, a formação e construção da identidade do indivíduo é um processo que começa na fase inicial da Educação Infantil. A identidade refere-se a um contínuo sentimento de individualidade que se estabelece valendo-se de dados biológicos e sociais. O indivíduo se identifica reconhecendo seu próprio corpo, situando em um meio que o reconhece como ser humano e social. Assim, a identidade resulta da percepção que temos de como os outros nos vêem (ERIKSON, 1976 apud CAVALLEIRO, 2005, p. 19). Sendo assim, cabe questionar qual a função ou papel da escola? Segundo Araújo (1996 apud AQUINO, 1998): O papel da escola é o de uma instituição social responsável não só pela democratização do acesso aos conteúdos culturais historicamente construídos, mas também o de co-responsável pelo desenvolvimento individual de seus membros (em todos os aspectos), objetivando sua inserção como cidadãos autônomos e conscientes em uma sociedade plural e democrática. Diante de tal quadro não é de se estranhar que muitas crianças negras não queiram se identificar como tal, porque o papel do negro na sociedade está sempre relacionados a coisas ruins. Com isso, a auto-estima e a auto-confiança desses alunos diminuem, na medida em que um auto-conceito negativo é gerado na sociedade brasileira. Devido a tantas agressões físicas e simbólicas contra as crianças negras, seja na rua como no espaço educativo, muitas dessas crianças acabam por negligenciar a sua tradição cultural para assumir uma postura de “embranquecimento” a qual a sociedade e o próprio espaço escolar tem posto para ela como a ideal (branco, alto, forte, olhos claros, cabelos lisos, entre ourtos). Para uma criança negra em seus anos iniciais fica difícil de entende e ao mesmo tempo não é entendida nesse sistema educacional, que parece reproduzir o padrão hegemônico, que estereotipa ela como incapaz, rebelde, burra, entre outros. Onde o professor quase não tem contato físico e afetivo com essas crianças, demonstrando a rejeição do seu grupo social e causando-lhes grandes sofrimentos. Segundo Amaral (1995, p. 11): A dificuldade enfrentada pelas crianças em seu convívio escolar tem algum denominador comum”. Se pensássemos nos costumeiros apelidos que circulam nos lábios infantis, tais como: “rolha de poço”, “azeitona no palito”, “pau-de-sebo”, “nanico”, “crioulo doido”, “quatro olho”, “surdinho”, “tadinho”, “sequeta”, “mula mansa” entre outros. 9 A violência atribuída à criança negra na sala de aula, seja por meio de insultos ou expressões de cunho racista, tida como “normal” pelo seu grupo social, tem mostrado claramente a falta de respeito que desde muito cedo são ensinadas as crianças brancas. O PAPEL DO PROFESSOR NA ESCOLA Todos nós sabemos que é essencial e principal de toda escola promover e desenvolver a aprendizagem do indivíduo nas diferentes dimensões: sociais, cognitivas, emocionais e motores. Para que isso aconteça, ela precisa de um ator principal, conhecido como educador ou professor. Esse tem a tarefa de fazer a mediação entre a criança e os conhecimentos acumulado em uma determinada cultura (conhecimento do mundo e de si mesma), além de propiciar, estimular e provocar o desenvolvimento da criança. A ação do professor em sala de aula tem sido nos últimos tempos tema de investigação e discussões constantes por parte dos pesquisadores da área educacional, pois a interação entre aluno e professor contribui, portanto, para o rendimento escolar, a aprendizagem e proporciona, ainda, comportamentos necessários à vida adulta, ou seja, a ação educativa exerce influência sobre os indivíduos em sua postura, valores, agressões, atitudes, crenças e modos de agir. Em estudo realizado por Rosemberg (1998), o índice de exclusão e reprovação do aluno negro nas escolas públicas brasileiras, em comparação ao aluno branco é bem maior. O que tem se observado nessas escolas é um ritual pedagógico inadequado. O silencio dos professores perante as situações impostas pelos próprios livros escolares acaba por vitimar os estudantes negros. Esse ritual pedagógico, que ignora as relações étnicas estabelecidas no espaço escolar, pode estar comprometendo o desempenho e o desenvolvimento da personalidade de crianças e de adolescentes negros, bem como esta contribuindo para a formação de crianças e de adolescentes brancos com um sentimento de superioridade (CAVALLEIRO, 2005, p. 32 -33). As práticas de descriminação disseminadas pelos professores, os livros didáticos, e meios de comunicação nem sempre são detectadas pelas crianças negras, as mais visíveis para elas são as em que o preconceito aparece mais concreto, nas quais as ações do racismo são imediatas. “Penso que a não-percepção do racismo por parte das crianças também está ligada às estratégias da democracia racial brasileira, que nega a existência do problema” (Cavalleiro 2005). 10 A mesma autora afirma que, [...] “o racismo é um problema que está presente no cotidiano escolar, que fere e marca, profundamente, crianças e adolescentes negros. Mas, para percebê-lo, há a necessidade de um olhar critico do próprio aluno”. De fato, o preconceito racial na sala de aula é algo muito freqüente se pararmos para observar e, na maioria das vezes, aqueles que deveriam interferir, como professores e pedagogos, não sabem como fazê-lo ou, outras vezes são propagadores deste tipo de atitude, o que reforça e estimula o preconceito ao invés de intervir e combatê-lo. Ao que tudo indica, a escola, que poderia e deveria contribuir para modificar as mentalidades antidiscriminatórias ou pelo menos para inibir as ações discriminatóriais, acaba contribuindo para a perpetuação das discriminações, seja por atuação direta de seus agentes, seja por omissão perante os conteúdos didáticos que veicula, ou pelo que ocorre no di-a-dia da sala de aula (PINTO, 1993, p. 27). A forma de o professor caracterizar a criança negra evidencia seu despreparo para lidar com situações de discriminação na sala de aula, pois em muitos momentos o professor julga a criança negra culpada pela discriminação sofrida. (OLIVEIRA apud CAVALLEIRO 2005, p. 33-34). CONCLUSÃO Como foi já foi mencionado o preconceito está presente em toda sociedade, inclusive no ambiente educativo. Tais manifestações geram humilhações que resultam muitas vezes em indivíduos tímidos, inseguros e inferiores aos demais. As conseqüências desta formação podem ser diversas e devem ser evitadas pelos profissionais da área da Educação, por esses serem de fundamental importância na intervenção das atitudes discriminatórias na escola. Levando em consideração o papel da escola e do professor no processo de construção do conhecimento do aluno é importante que todos estejam atentos para estes tipos de problemas corriqueiros, já mencionados, que por vezes aparecem de forma sutil, não aconteçam no espaço das salas de aula. E que a partir disso, todos – professores, alunos, funcionários – possam reformular os conceitos e atitudes direcionados as crianças negras. As pessoas não herdam, geneticamente, idéias de racismos, sentimentos de preconceito e modos de exercitar a discriminação, antes os desenvolvem com seus pares, na família, no trabalho, no grupo religioso, na escola. Da mesma forma, podem aprender a ser ou torna-se preconceituosos e discriminadores em relação a povos e nações (LOPES, 2005 apud ROSEMBERG, 1988). Um professor que estabelece padrões e valores de quem é o “melhor ou pior”, “bom ou ruim” dependendo da cor de sua pele, também contribui para que atitudes discriminatórias ocorram no espaço de sala de aula. Pois, é papel do professor a 11 transmissão do saber elaborado, desvinculado de qualquer valor que vise à reprodução de preconceitos, discriminação e subordinação. No entanto, é preciso estar atento para alguns atos ou apelidos não só praticados por alunos, mas também por educadores e saber interpretá-los, principalmente os que aparecem como “invisíveis”. Desta maneira estaríamos muito perto de perceber o preconceito e a decorrente discriminação racial existente no espaço escolar que muitas vezes impede e/ou atrapalha o processo de construção de conhecimento da criança negra, as relações sociais, impedindo-a de vivenciar plenamente sua própria infância. REFERÊNCIAS AMARAL, Ligia Assumpção. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceito, e sua superação. In: AQUINO, Julio Groppa. (Org.) Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. 5. ed. São Paulo, SP: Summus, 1998. ARAÚJO, U. F. O déficit cognitivo e a realidade brasileira. In: AQUINO, Julio Groppa. (Org.) Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. 5. ed. São Paulo, SP: Summus, 1998. AURÉLIO, B. H. F. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 15. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d. 2001. CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. 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