Comunicação Breve
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Biotemas, 21 (4): 183-187, dezembro de 2008
ISSN 0103 – 1643
Abundância e locais de ocorrência do jacaré-de-papo-amarelo
(Caiman latirostris, Alligatoridae) no noroeste da Ilha de
Santa Catarina, SC
Roberto Fusco-Costa¹*
Tânia Tarabini Castellani²
Walfrido Moraes Tomás³
1
Instituto de Pesquisas Cananéia
Departamento de Ecologia e Zoologia, Universidade Federal de Santa Catarina
3
Laboratório de Vida Selvagem, Embrapa-Pantanal
*Autor para correspondência
Rua Brigadeiro Franco, 2480, aptº 181, CEP 80250-030, Curitiba – PR, Brasil
[email protected]
2
Submetido em 15/01/2008
Aceito para publicação em 02/07/2008
Resumo
Este é o primeiro estudo sobre a distribuição e abundância relativa do jacaré-de-papo-amarelo na Ilha de
Santa Catarina. Foi estimada a abundância relativa do jacaré ao longo dos rios na Estação Ecológica de Carijós,
além de verificar a sua ocorrência em toda a planície do Rio Ratones, noroeste da ilha. A média da abundância
relativa foi de 0,25 (±0,07) jacarés/km percorrido, sendo obtida através de contagem noturna. Houve uma
fraca correlação do número de jacarés com a temperatura do ar. Através de entrevistas com moradores locais e
levantamento noturno da espécie em açudes e rios no entorno da unidade de conservação, foi verificado que os
jacarés cobrem toda a planície do Rio Ratones, podendo ser encontrados em habitats naturais (rios, banhados,
manguezais) e artificiais (canais de drenagem e açudes). Embora este estudo revele informações básicas sobre
a distribuição do Caiman latirostris no noroeste da ilha, ele serve como base para futuras pesquisas.
Unitermos: Caiman latirostris, manguezal, conservação, ilha, Estação Ecológica de Carijós
Abstract
Abundance and local range of broad-snouted caiman (Caiman latirostris, Alligatoridae) in the northwest
of Santa Catarina Island. This is the first report on the distribution and relative abundance of the broad-snouted
caiman on Santa Catarina Island. The study estimated the relative abundance of caiman along the rivers at Estação
Ecológica de Carijós, in addition to evaluating the occurrence of this species in the entire area of the Ratones River
plain on the northwestern portion of the island. The mean relative abundance obtained by nocturnal counts was 0.25
(±0.07) caiman/km surveyed. There was a weak correlation between the number of caimans and the air temperature.
Based on interviews with the local community and nocturnal surveys of caimans in rivers and reservoirs surrounding
the protected area, we concluded that the range occupied by caimans covered the entire area of the Ratones river
plain, inhabiting natural habitats (rivers, mangroves, swamps) as well as artificial habitats (reservoirs and water
channels). Although this study provides basic information about the broad-snouted caiman population on this part of
the island, it is aimed mainly at providing guidance for future research.
Key words: Caiman latirostris, mangrove, conservation, island, Estação Ecológica de Carijós
Revista Biotemas, 21 (4), dezembro de 2008
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R. Fusco-Costa et al.
Introdução
O jacaré-de-papo-amarelo, Caiman latirostris,
é um crocodiliano de tamanho médio (2m), com uma
distribuição geográfica restrita ao leste da América do
Sul, incluindo o norte da Argentina, norte do Uruguai,
leste do Brasil, sul da Bolívia e sul do Paraguai
(Verdade e Piña, 2006). A espécie pode ser encontrada
em manguezais, pântanos e banhados, junto de habitats
associados com numerosos e pequenos rios que drenam
para o Oceano Atlântico (Verdade, 1998). A presença da
espécie também foi documentada em manguezais de ilhas
costeiras no sudeste do Brasil (Moulton, 1993; Moulton
et al., 1999). No Brasil, há uma carência de informações
sobre a distribuição atual e o tamanho populacional do
Caiman latirostris, tornando-se prioridade os estudos
sobre sua ecologia populacional (Verdade, 1998).
Há relatos da ocorrência dessa espécie em rios,
manguezais, banhados e restingas da Ilha de Santa
Catarina, localizada na costa sul do Brasil. Visando
documentar informações populacionais do jacaréde-papo-amarelo, foram investigados os locais de
ocorrência e a abundância relativa na planície do Rio
Ratones, a noroeste da ilha.
Material e Métodos
A planície do Rio Ratones, com uma área de
9.287ha, está localizada entre as coordenadas 48°31’48”
e 48°25’06”W e 27°25’48” e 27°31’48”S. É drenada
pelo rios Ratones, Papaquara e Veríssimo, além de
inúmeros canais artificiais de drenagem. Nesta planície
está localizada a Estação Ecológica de Carijós (ESEC
de Carijós), no Manguezal de Ratones, junto à Baía
Norte, com uma área de 625ha. As áreas de planície
são ocupadas por vegetação de manguezal e restinga,
destacando-se áreas de banhados, além de pastagens e
áreas cultivadas. Na década de 1960, a planície do Rio
Ratones sofreu uma redução de 50% da sua área original
em conseqüência das obras de drenagem realizadas
pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento
(DNOS) para fins diversos, tais como recuperação
de áreas para agricultura, saneamento, construção de
rodovias e expansão urbana. Em virtude das retificações
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de leito e assoreamento, o Rio Ratones perdeu 24% de
sua extensão original e a profundidade média hoje é de
1m, em contraste às profundidades de até 8m, registradas
antes das obras de drenagem (Fidélis, 1998).
Para acessar a abundância relativa do jacaré-depapo-amarelo na ESEC de Carijós foi utilizado o método
de contagem noturna com a utilização de uma lanterna
com facho de luz forte de foco concentrado (Mourão
e Campos, 1995; Sánchez et al., 1996; Da Silveira et
al., 1997; Platt e Thorbjarnarson, 2000). Utilizou-se
uma embarcação de alumínio (4,5m de comprimento),
movida por um motor de popa (9,9 HP), com a qual
foram percorridas rotas fixas a uma velocidade constante
de 9km/h. Foram realizadas dez excursões noturnas
(dez noites) entre fevereiro e junho de 2002, sendo
percorridos 7,77km em cada excursão, ao longo do
Rio Ratones (4,4km) e parte do Rio Veríssimo (3,37km
dos 4,6km de extensão total), os quais deságuam e se
conectam na Baia Norte. A cada excursão, os jacarés
foram contabilizados apenas na ida. Para estimar a
abundância relativa, em cada excursão dividiu-se o
número de jacarés observados por km percorrido. A
seleção das amostras não foi ao acaso, porque os rios
eram os ambientes mais adequados para se encontrar
jacarés-de-papo-amarelo durante a noite dentro da
ESEC. Através da aproximação da embarcação, o
tamanho aproximado (comprimento total) de cada jacaré
observado foi estimado visualmente, seguindo as classes
de tamanho consideradas por Mourão e Campos (1995).
Todas as excursões foram feitas na maré intermediária
(entre 0,3 e 0,9m), porque na maré baixa os bancos
de areia ficam expostos, dificultando a locomoção da
embarcação e impedindo o acesso a algumas áreas,
como por exemplo, o Rio Veríssimo. Na maré alta, a área
amostrada aumenta devido à expansão do rio que invade
as áreas de mangues, dificultando a detecção de jacarés
que podem estar entre as árvores do manguezal.
Para verificar se o número de jacarés observado
variava em relação à temperatura, foi obtida a temperatura
média noturna do ar para cada excursão. Estes dados de
temperatura foram fornecidos pelo Centro Integrado de
Metereologia e Recursos Hídricos de Santa Catarina
(CLIMERH) na Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), sendo
Jacaré-de-papo-amarelo no noroeste da Ilha de Santa Catarina
referentes ao município vizinho de São José. Para a
análise estatística utilizou-se um teste correlação de
Pearson (Zar, 1999).
Ao longo do ano de 2002, no entorno da ESEC
de Carijós, foram realizadas 18 entrevistas em nove
comunidades, procurando-se obter informações sobre
os locais de ocorrência do jacaré-de-papo-amarelo em
toda a planície do Rio Ratones. Foram entrevistados
moradores que vivem próximos de rios, banhados
ou que possuem açudes em suas propriedades e que
conhecessem a região por morarem há muitos anos no
local. Os entrevistados foram indicados pelos moradores
da comunidade ou por pesquisadores que trabalham
na região. Também, no entorno da ESEC de Carijós,
foram realizadas excursões noturnas de barco e a pé em
trechos mais acessíveis ao longo dos rios Papaquara e
Ratones e em três açudes para registrar a presença do
jacaré, fazendo uma única excursão para cada local. Os
registros de ocorrência da espécie dentro e fora da ESEC
de Carijós foram posicionados geograficamente com o
auxílio do GPS (Global Position System).
Resultados e Discussão
Na ESEC de Carijós, todos os jacarés avistados
estavam junto às margens dos rios, com vegetação
adjacente de mangue, pequenos trechos de Spartina
spp. e/ou porções de restinga. Ao longo de 10 noites de
amostragem, no rio Veríssimo, o encontro com jacarés
ocorreu somente dentro de um percurso de 500m da
Baia Norte pra dentro do rio, enquanto no Rio Ratones,
eles foram detectados em diferentes trechos ao longo
do rio. Diferente do Rio Ratones, o Rio Veríssimo
é mais estreito e à medida que se distancia da Baia
Norte, a vegetação fica mais densa nas bordas do rio, o
que poderia estar afetando a detecção dos jacarés ou, a
probabilidade de ocorrência destes animais realmente é
baixa nestes trechos. Constatamos uma média de dois
jacarés avistados por noite (variando de 0 a 6), com
uma abundância-relativa (± erro padrão) estimada de
0,25 (±0,07) jacarés/km percorrido. O valor encontrado
apresenta resultados similares aos obtidos por Mourão
e Campos (1995) no Rio Paraná e seus afluentes, que
variou de 0,28 a 0,07 jacarés/km. A abundância relativa
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encontrada nos dois trabalhos parece baixa quando
comparada com outras espécies de crocodilianos
(Sánchez et al., 1996; Da Silveira et al., 1997; Platt
e Thorbjarnarson, 2000). Verificamos a ocorrência de
um jacaré jovem, com comprimento total entre 0,3 e
0,5m. Este registro foi observado durante cinco noites
(cinco avistamentos), sempre no mesmo local, sendo
possivelmente o mesmo indivíduo. Dos outros 15
avistamentos, em somente 10 destes nós conseguimos
estimar o tamanho. Os jacarés tinham de 1,0 a 1,5m de
comprimento total, sendo provavelmente indivíduos
adultos.
Variações observadas no número de jacarés em
função da temperatura ambiental têm sido documentadas
em alguns estudos com espécies de crocodilianos
selvagens, evidenciando que este fator ambiental pode
ter implicações diretas no monitoramento populacional
(Lang, 1987; Da Silveira et al., 1997). Sob condições
controladas em cativeiro, no entanto, Sarkis-Gonçalves
et al. (2004) verificaram que as condições climáticas
como chuva, vento e temperatura ambiente (do ar e da
água) não influenciaram a contagem de jacaré-de-papoamarelo. Por outro lado, quanto menor a luminosidade
da lua e menor o tamanho do jacaré, maior é a acurácia
e precisão na contagem.
Ao longo dos rios da ESEC de Carijós, encontramos
uma fraca correlação entre o número de jacarés com
a temperatura média noturna do ar: coeficiente da
correlação de Pearson = 0,67; p = 0,03 (Figura 1).
Evidentemente, um estudo mais prolongado é necessário
pra testar se variações climáticas, estrutura do habitat,
tamanho corporal, luminosidade da lua e teor de
salinidade da água (no caso de sistemas estuarinos)
influenciam ou não na contagem noturna de jacarés a fim
de compreender a ecologia desta espécie na natureza e
na tentativa de alcançar uma maior precisão na contagem
de jacarés durante um monitoramento populacional.
Com base nas entrevistas foi constatada a ocorrência
de jacarés no entorno da ESEC de Carijós nos rios
(Ratones, Veríssimo e Papaquara), banhados, canais
de drenagem e açudes. Entrevistados que possuíam
açudes em suas propriedades relataram a presença
de jacarés nestes locais. Também houve relatos da
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presença de jacarés em açudes localizados dentro de
clubes esportivos, como por exemplo, o Jurerê Esporte
Clube, localizado na praia de Jurerê. Os entrevistados
também relataram a presença de ninhos nas margens de
açudes e canais de drenagem. Próximo à nascente do Rio
Ratones, moradores afirmaram ter visto jacarés adultos
com freqüência e, algumas vezes, filhotes.
dos habitats naturais e a manutenção dos açudes e canais
encontrados por toda planície são fatores importantes
para mitigar o rápido crescimento da urbanização
desordenada na planície do Rio Ratones e para a
conservação do Caiman latirostris nesta região.
y = –6,65 + 0,36x
r2 = 0,39
FIGURA 1: Relação entre o número de avistamentos de jacaré e a
temperatura (°C) do ar, durante as excursões noturnas
ao longo dos rios na Estação Ecológica de Carijós,
noroeste da Ilha de Santa Catarina.
Nas excursões complementares feitas no entorno
da ESEC de Carijós foi encontrado um jacaré no Rio
Papaquara, um no Rio Ratones e quatro em um único
açude, sendo que nos outros dois nenhum jacaré foi
encontrado. Os pontos de avistamento do jacaré-de-papoamarelo (dentro e fora da ESEC de Carijós) e os pontos
de ocorrência indicados pelos entrevistados distribuem-se
por toda a planície do Rio Ratones (Figura 2).
Verdade (1997) já havia presenciado uma aparente
colonização da espécie em ambientes antrópicos, como
açudes e lagoas artificiais, próximas a habitações
humanas. O crescimento da urbanização na planície do
Rio Ratones é intenso. Muitas áreas de banhado e de
vegetação flutuante estão sendo reduzidas ou aterradas
pela expansão urbana, principalmente nas comunidades
mais ao norte da ilha. A conexão entre os rios, córregos,
canais de drenagem e banhados que permeiam áreas de
manguezais e restingas podem estar comprometidas,
interferindo na capacidade de dispersão, alimentação e
reprodução do jacaré-de-papo-amarelo. A preservação
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FIGURA 2: Distribuição dos pontos de ocorrência do jacaré-depapo-amarelo na planície do Rio Ratones, noroeste da
Ilha de Santa Catarina.
Este é o primeiro estudo a documentar informações
sobre a distribuição e abundância relativa do jacaréde-papo-amarelo em uma ilha do litoral do Estado de
Santa Catarina. A partir deste estudo, recomenda-se que
o monitoramento e a conservação populacional dessa
espécie, incluindo a contagem noturna de indivíduos em
cursos d’água artificiais (açudes, canais de drenagem)
e naturais (rios, córregos, banhados), a localização
e contagem de ninhos e a identificação de possíveis
fatores que afetam a distribuição e abundância dos
jacarés não se restrinjam apenas à área da Estação
Ecológica, já que sua distribuição inclui toda a planície
do Rio Ratones.
Jacaré-de-papo-amarelo no noroeste da Ilha de Santa Catarina
Agradecimentos
Ao Instituto Carijós e ao IBAMA, por todo apoio a
realização dessa pesquisa, em especial aos colegas Luiz
Pimenta, Cláudio Mattos e José Olímpio. A Emygdio
L. A. Monteiro-Filho e aos revisores anônimos pelas
importantes sugestões durante a elaboração desse
manuscrito.
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