UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM DIDÁTICA E
METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR.
MARCELO DOS SANTOS CUSTÓDIO
PASSAGENS: O TROTE NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS
CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2009.
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MARCELO DOS SANTOS CUSTÓDIO
PASSAGENS: O TROTE NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS
Monografia apresentada à Diretoria de PósGraduação da Universidade do Extremo Sul
Catarinense – UNESC, como requisito para
obtenção do título de especialista no curso de
Didática e Metodologia do Ensino Superior.
Orientadora: Profª MSc e Doutoranda em
Psicologia Daiani Barboza.
CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2009.
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DEDICATÓRIA
A todos que me ajudaram em mais esta etapa
de minha vida.
4
AGRADECIMENTO
A Deus, nosso maior professor, que é a fonte
de toda luz e energia que nos são concedidas
todos os dias.
5
“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo.
Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós
ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos
sempre”.
Paulo Freire
6
RESUMO
O trote universitário não é uma exclusividade brasileira, muito menos foi inventado
no Brasil. Seu histórico pode ser traçado a partir do começo das primeiras
universidades, na Europa da Idade Média. Nestas instituições, surgiu o hábito de
separar veteranos e calouros, aos quais não era permitido assistirem as aulas no
interior das respectivas salas, mas apenas em seus vestíbulos de onde veio o termo
"vestibulando" para designar estes novatos. Por razões profiláticas, os calouros
tinham as cabeças raspadas e suas roupas muitas vezes eram queimadas. Todavia,
já no século XIV, as preocupações com a higiene haviam se transformado em rituais
aviltantes,com nítida conotação sadomasoquista. Isto é observado nas universidades
de todo o mundo até hoje. Essa pesquisa tem como objetivo investigar como tem
ocorrido os rituais de passagens nas universidades brasileiras. Neste estudo
abordou-se que o trote é um cerimonial que está entranhado no seio da cultura
acadêmica, que o caráter iniciático do trote é confirmado por todos os seus
participantes, que suas práticas ainda nos dias de hoje apresentam um ritual de
violência e agressão contra o calouro e que mesmo sendo proibido suas práticas em
várias instituições, continua sendo transformado em um rito de passagem às
avessas, representando uma prática oposta aos valores humanistas da universidade.
Como procedimento de coleta de dados recorreu-se a textos e imagens referentes
ao tema em diferentes bases de dados.
Palavras chave: trote universitário, ritual de passagem, sadomasoquista.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
01 Imagem 01...........................................................................................................30
02 Imagem 02...........................................................................................................34
03 Imagem 03...........................................................................................................35
04 Imagem 04...........................................................................................................37
05 Imagem 05...........................................................................................................39
06 Imagem 06...........................................................................................................39
07 Imagem 07...........................................................................................................40
08 Imagem 08...........................................................................................................41
09 Imagem 09...........................................................................................................42
10 Imagem 10...........................................................................................................43
11 Imagem 11...........................................................................................................44
12 Imagem 12...........................................................................................................45
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................09
2 ETIMOLOGIA E ORIGEM DO TROTE..................................................................14
2.1 Tipos de trote......................................................................................................15
2.2 O trote solidário...................................................................................................18
3 O TROTE COMO UM RITUAL DE PASSAGEM...................................................20
4 CONSTITUIÇÃO FEDERAL X TROTE..................................................................23
5 MÉTODO................................................................................................................26
5.1 Pesquisa – Produção do conhecimento científico...............................................26
5.2 Origem, universo, coleta e análise dos dados da pesquisa.................................27
6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS TEXTOS/CONTEXTOS/IMAGENS.............30
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................46
8 REFERÊNCIAS.......................................................................................................48
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1 INTRODUÇÃO
Passar no vestibular é um acontecimento que envolve não só o
vestibulando, mas também a sua família, já que marca o início de uma nova fase
para sua vida. Chega o tão esperado primeiro dia de aula e o grande rito de
passagem é o chamado trote universitário. Nem sempre o trote ocorre no primeiro
dia de aula, muitas vezes ele se estende por semanas. Porém, ele já é anunciado
pelos veteranos aos calouros como algo temido e que não poderão escapar. O que
engendra nos “calouros” geralmente uma condição de ansiedade pelo que está por
vir.
Contudo, o trote constitui-se em um processo complexo e multifacetado,
posto que, a forma que este será tecido no cenário universitário dependerá das
práticas e da produção de sentidos dos sujeitos envolvidos.
Diversas situações marcam esse trajeto, demarcando que falamos de
passagens em sua polifonia e polissemia, diferentes elementos semióticos se fazem
presentes nesse contexto, precisam ser desvelados em textos e subtextos.
Segundo Zuin (2002), tintas coloridas estampam o rosto, roupas e cabelos,
os garotos têm suas cabeças raspadas, além de avisos falsos que são colados nos
calouros, como um cartaz de chute-me grudado nas costas de alguém, uma placa de
porta automática ao lado de uma porta convencional, ou deixar cair uma caixa de
papelão sobre o pé de alguém, depois de fingir que ela é muito pesada.
Outros exemplos também podem ser citados como tirar ou levantar a
roupa de alguém para que ela exponha alguma parte íntima do corpo ou sua roupa
de baixo, especialmente em público, interrupção-surpresa, utilizando, fios esticados,
almofadas que produzem sons inconvenientes, graxa na parte interna da maçaneta
da porta de um carro, sachês furados de ketchup sob o assento do vaso sanitário, ou
ainda cadeiras com uma perna mais curta que as demais.
Também fazem parte do chamado ritual de passagem trapaças visuais,
como canetas que vazam tinta e mancham a roupa da vítima, afrouxar a tampa do
saleiro para que a vítima, ao usá-lo, derrame todo o conteúdo, falsas flores de lapela
que esguicham água, falsos cigarros acesos que são esquecidos sobre documentos
importantes, excrementos falsos feitos de plástico e armas que quando são
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disparadas, desfraldam uma bandeirola onde se lê bang, tarefas para tolos, tais
como comprar papel-carbono em pó, boatos fantasiosos ou situações forjadas junto
aos meios de comunicação de massa, tais como pousos falsos de OVNIS – Objetos
Voadores Não Identificados, e falsas entrevistas de celebridades envolvendo
questões grosseiras ou ridículas, personificação espontânea, como, por exemplo,
atender ao telefone dizendo ser do açougue ou da pizzaria, e anotar pedidos de
encomenda de alguém que na verdade, discou o número errado. Travessuras
verbais e tipográficas, tais como imprimir um bloco de texto de tal forma que as
primeiras letras de cada linha compõe uma mensagem irreverente, ou ensinar a
alguém um frase supostamente útil em outro idioma, a qual, na verdade, é um
insulto. Esses são alguns dos exemplos mais freqüentes usados entre muitas outras
possibilidades utilizadas pelos veteranos para humilhar o calouro.
Todo início de semestre este ritual se repete nas instituições de Ensino
Superior do Brasil. Essa atividade para muitos, não passa de uma simples
brincadeira de “integração”, na qual veteranos aplicam ações que produzam um
resultado humorístico à custa do alvo, os calouros.
Porém, algumas vezes, a tal “brincadeira” passa dos limites, levando até a
morte de quem é submetido ao trote. Ao longo dos anos muitos casos de trote
ganharam conhecimento em nível nacional, e foram muito explorados pela mídia e
pela sociedade.
Segundo Zuin (2002), em 1980, Carlos Alberto de Souza, de 20 anos,
calouro do curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes – São Paulo,
morreu de traumatismo cranioencefálico, resultante das agressões praticadas por
estudantes veteranos.
Já em 1990, George Mattos, de 23 anos, calouro do curso de Direito da
Fundação de Ensino Superior de Rio Verde - Goiás, morreu de uma parada cardíaca
quando tentava fugir de veteranos que iam lhe praticar um trote.
Nove anos mais tarde em 22 de fevereiro de 1999, ainda segundo ele o
estudante Edison Tsung Chi Hsueh tornou-se conhecido em nível nacional quando
foi vítima de trote com conseqüências fatais. Esse calouro de família chinesa,
aprovado na Faculdade de Medicina da USP – Universidade de São Paulo faleceu
nesta data, afogado em uma piscina.
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Recentemente em 10 de fevereiro de 2009, podemos acompanhar pelos
meios televisivos, o calouro Bruno César Ferreira, de 21 anos ia começar o curso de
veterinária da Faculdade Anhanguera, em Leme, interior de São Paulo. Além de ser
obrigado a ingerir bebidas, e ter entrado em coma alcoólico, o calouro também teve
de rolar em uma lona com animais mortos e fezes em decomposição. Em estado de
choque na época ele ainda descreveu: “Eles esfregaram na gente. Fizeram a gente
rolar numa lona com aquilo e ingerir pinga”.
Cabe destacar que, quem coordena essas atividades são os veteranos, o
que na maioria das vezes é apresentado para os calouros como “obrigação”, posto
que quando o trote é imposto e não proposto inviabiliza a possibilidade de relações
dialógicas entre veteranos e calouros.
Ao observar acadêmicos em cada início de semestre no ensino superior,
tanto veteranos como calouros, durante o período em que freqüentei o ensino
superior percebi ainda a incidência dos trotes violentos, que ocorrem com freqüência
neste meio e causam desconforto aqueles que são sujeitados a participarem do
processo sem ter optado por aderir a tal rito de passagem.
Percebi também que a comunidade universitária, os responsáveis pela
condução do sistema educacional do país e a própria sociedade parecem preferir
eximir-se de uma discussão sobre a real natureza do trote, o que me causa muita
insatisfação. A questão do trote virou uma espécie de tabu em nosso meio, somente
a brutalidade de alguns acidentes consegue suscitar alguma iniciativa, alguma
reflexão passageira. Assentada a poeira, tudo volta a rotina, como se os trotes nada
mais significassem do que meras “brincadeiras” de adolescentes.
Assim, senti a necessidade de contribuir com reflexões voltadas a
combater qualquer tipo de violência seja ela verbal ou física, através de estudos
acadêmicos, sendo disponibilizados após o término do mesmo a sociedade,
mostrando que, quem promove o trote violento e humilhante denota falta de
sensibilidade e de respeito ao próximo.
Por estes motivos este estudo terá o propósito de investigar o seguinte
problema de pesquisa: De que forma os rituais de passagem tem ocorrido nas
universidades brasileiras?
Sendo assim foram delineados os seguintes objetivos: Analisar o que tem
sido publicado sobre o assunto pela comunidade científica e em diversos sites que
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versam sobre esse tema, compreender como o trote tem sido empreendido como rito
de passagem nas universidades, problematizar essa temática propondo iniciativas
nesse âmbito. Para tanto, foi feita uma investigação, tendo como ponto de partida
referências bibliográficas e documentais pesquisadas principalmente no Banco de
teses e dissertações da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior, onde foram utilizadas algumas palavras chaves para fins de pesquisa
como: trote; trote universitário; trote, violência; trote estudantil; violência escolar;
ritual de passagem; violência universitária; violência nas universidades e por fim,
ritual de passagem nas universidades, para a partir deste levantamento de dados
delimitar o assunto em questão.
Com as informações obtidas no site da CAPES, foi possível constatar uma
lacuna na produção do conhecimento científico acerca do tema em questão.
Analisadas publicações sobre o assunto pela comunidade científica e em diversos
sites que versam sobre esse tema, buscou-se tentar compreender como o trote tem
sido empreendido como rito de passagem nas universidades e, por fim,
problematizar essa temática propondo iniciativas neste âmbito.
Para a realização desse estudo, foi desenvolvida uma pesquisa
bibliográfica e documental. O mesmo visa oferecer um maior entendimento acerca
de uma prática peculiar de agressão no ensino superior, o trote, uma ação que, vem
há muito tempo trazendo a curiosidade de vários estudiosos, devido às grandes
conseqüências que suas ações têm sobre aqueles que sofrem, sofreu ou praticam
essa ação.
No segundo capítulo deste estudo, descrevo a Etimologia e a origem do
trote universitário, destacando que o mesmo já acontece desde a era medieval, onde
no século XVIII já podia ser observado em universidades da Europa.
Já no terceiro capítulo destaco o trote como um ritual de passagem, em
que muito dos casos relatados desde séculos atrás até hoje, apesar de serem
praticados com muita humilhação e violência pelos seus participantes, ainda é
permitido pela sociedade e perdura até os dias atuais.
No quarto capítulo deste estudo apresento uma reflexão sucinta sobre
como é visto o trote universitário aos olhos da Constituição Federal, que apesar de
não ter uma lei específica em relação ao trote, deixa claro o direito de cada cidadão
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de ir e vir livremente, evidenciando que sua prática é totalmente proibida e passível
de conseqüências para o praticante do mesmo, quando fere a Constituição Federal.
No capítulo cinco o leitor deste estudo poderá observar de que forma foi
realizada a pesquisa, seu método, origem e universo. Enfim como se desenvolveu a
coleta e análise dos dados, das imagens e dos contextos referentes ao trote
universitário.
A apresentação da análise dos dados pesquisadas neste estudo é descrita
no capítulo seis, onde descrevo principalmente através de análise de imagens como
o trote universitário tem se desenvolvido atualmente e que tipos de conseqüências
engendram para aqueles que praticam ou sofrem esta ação.
Por fim, no capítulo sete apresento em minhas considerações finais o
porquê do trote universitário ainda perduram até os dias de hoje e no que ele vem de
uns anos para cá se transformando.
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2 ETIMOLOGIA E ORIGEM DO TROTE
A palavra "trote" na acepção da palavra conforme Mattoso (1985) possui
correspondentes em vários idiomas, como trote (espanhol), trotto (italiano), trot
(francês), trot (inglês) e trotten (alemão). Em todos estes idiomas, e também em
português, o termo se refere a uma certa forma de se movimentar dos cavalos, uma
andadura que se situa entre o passo mais lento e o galope mais rápido.
Entretanto, segundo Mattoso (1985), devemos lembrar que o “trote” não é
uma andadura habitual do cavalo, mas algo que deve ser ensinado a ele muitas
vezes à base de chicotadas e esporadas. Sob essa ótica, o calouro pode ser
encarado pelo veterano como algo mais que um animal, mas menos que um ser
humano que deve ser domesticado pelo emprego de práticas humilhantes e
vexatórias. Em suma, o calouro deve aprender a “trotar".
De acordo com Mattoso (1985, p.12):
O termo mais próximo do brasileiro seria a troça (caçoada, deboche, farra),
cujo verbo troçar poderia ter dado trotar por alguma corruptela, e daí o
substantivo, na opinião de alguns autores. Outros vão pela via fonética, de
que todo calouro é burro, e se os calouros vivem correndo dos veteranos, a
corrida das cavalgaduras só poderia ser um galope ou um trote. Assim
achou, por exemplo, Silveira Bueno no grande dicionário etímológicoprosódico da linguá portuguesa, chufa de tal modo que a vítima saia
correndo.
O autor ainda relata que o trote universitário não é uma exclusividade
brasileira, muito menos foi inventado no Brasil, seu histórico pode ser traçado a partir
do começo das primeiras universidades, na Europa da Idade Média.
Nestas instituições, já naquela época, surgiu o hábito de separar
veteranos e calouros, aos quais não era permitido assistirem as aulas no interior das
respectivas salas, mas apenas em seus vestíbulos, de onde veio posteriormente o
termo vestibulando para designar estes novatos.
Por razões profiláticas, os calouros tinham as cabeças raspadas e suas
roupas muitas vezes eram queimadas. Contudo, segundo Mattoso (1985), já no
século XIV, as preocupações com a higiene haviam se transformado em rituais
aviltantes,
com
nítida
conotação
sadomasoquista,
isto foi observado
nas
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universidades de Bolonha, Paris e, principalmente, Heidelberg, onde os calouros,
reclassificados como “feras” pelos veteranos, tinham pêlos e cabelos arrancados, e
eram obrigados a beber urina e a comer excrementos antes de serem declarados
“domesticados”.
Matttoso (1985, p. 16), descreve que:
Em primeiro, a judiação como rito iniciatório é tão velha como a tortura e
como a própria humanidade, enquanto o trote é antes de tudo uma praxe
acadêmica, ou seja, peculiar ao ensino superior, e, portanto coetâneo da
universidade, cujo advento não antecede a idade média.
O autor relata também que os trotes violentos podem ser rastreados a
partir do século XVIII na Universidade de Coimbra, não por coincidência, estudantes
da elite brasileira que por lá realizaram parte de seu processo educativo, trouxeram a
novidade para o território nacional. Em decorrência disso, surgiram desavenças entre
veteranos e calouros que culminaram com a morte, em 1831, de um estudante da
faculdade de Direito de Olinda, Pernambuco, seria a primeira, mas lamentavelmente
não a última vítima de um trote violento no Brasil.
Segundo Zuin (2002), em algumas universidades em que cada etapa tem
um ano de duração, a data a partir da qual o calouro deixa de ser considerado como
tal, costuma ser 13 de maio, óbvia referência à data na qual a Lei Áurea aboliu a
escravidão no Brasil, em 1888. Geralmente são feitas festas para comemorar a
libertação dos “bixos”, muitas vezes com mais trotes. Dentro deste contexto Zuin
(2002), descreve também que o comum é o estudante deixar de ser calouro depois
de ter passado de sua primeira etapa (série, módulo, ano ou semestre). Quase
sempre, se o aluno repete a primeira etapa, ele continua sendo calouro.
2.1 Tipos de trote
Vários são os tipos de trotes universitários que são empreendidos pelos
veteranos nos calouros. Ao longo dos anos algumas dessas práticas ficaram muito
conhecidas devido a alguns incidentes que ocorreram no meio acadêmico, levando
calouros, até mesmo a morte.
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Segundo Zuin (2002), existem três classes de práticas de trote, as
chamadas práticas leves, as medianas e as graves. Ele descreve que as práticas
leves são as raspagens de cabelo, que são apenas para homens, e que significa
raspar completamente a cabeça do calouro ou apenas tiras, que o obrigam depois a
raspar tudo. A “pintura corporal”, onde pinta-se o rosto, os braços, a camiseta, as
calças, com o nome da faculdade e/ou do curso.
O “cotonete”, prática em que o calouro tem até as próprias orelhas
pintadas, seja por ter sido forçado a fazê-lo ou pelos dedos de algum veterano. Outra
prática considerada leve pelo autor é a “fila”, onde os calouros são amarrados uns
aos outros com cadarços de tênis, obviamente retirados dos tênis dos calouros, e
ainda formam uma fila indiana e são levados a um lugar conveniente aos veteranos,
ou separados para a prática de outras atividades, tais como o pedágio. No
“elefantinho” que é similar à “fila”, os calouros devem dar-se as mãos, passando os
braços por entre as pernas ao invés de serem amarrados.
Gritar pelo “tatu”, nessa prática, que é muito comum, os veteranos obrigam
o “bixo” a se dirigir ao meio do pátio da instituição em um momento no qual seja
relativamente grande a presença de pessoas e erguer alguma tampa de bueiro,
boca-de-lobo, ou similar, e gritar incansavelmente pelo tatu, o qual é um animal
irracional, e que, com certeza, não compreende nenhum tipo de dialeto falado pelo
homem. Como conseqüência o calouro ficará gritando por horas, e, como o tatu não
irá aparecer, os veteranos não ficarão satisfeitos, fazendo com que o calouro seja
obrigado a pagar umas brejas para os veteranos envolvidos no ato.
Também é considerada uma prática leve, de acordo com Zuin (2002),
assustar o “lixeiro”, prática que consiste no ato do calouro, previamente escolhido
rigorosamente pelo grupo de veteranos a se aproximar de um funcionário da coleta
de lixo, um “lixeiro” qualquer, de preferência em uma área onde seja numerosa a
presença de pessoas, e gritar incansavelmente para tentar assustar o mesmo. O
calouro só irá parar quando o grupo de veteranos determinar que realmente o
funcionário se abalou emocionalmente e se moveu.
E por último das práticas leves, manchar o “currículo”, quando o veterano
passa tinta com pincel ou o próprio dedo na parte glútea ou na região popularmente
conhecida como “cofrinho” dos calouros.
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Já as práticas medianas segundo Zuin (2002), consiste no “mergulho”,
onde os calouros devem se molhar completamente entrando em piscinas, fontes,
entre outras. O “pedágio”, onde os calouros devem pedir dinheiro nos sinais aos
motoristas para reunir uma quantia que permita aos veteranos tomar bebidas
alcoólicas, sendo supervisionados por estes, que só os liberam quando já se reuniu
dinheiro suficiente.
Outra prática descrita por Zuin (2002), e considerada mediana pelo mesmo
é a “animação” da viagem, que é realizada pelos veteranos com os calouros que se
deslocam até a instituição através de ônibus ou veículo similar. Para tanto os “bixos”
devem se dirigir às janelas do veículo e no momento em que estiverem passando por
uma aglomeração de pessoas, gritem frases humilhantes no intuito de chamar a
atenção, tudo sobre os olhares atentos dos veteranos.
O “cuspe ao vento”, é outro ritual que ocorre. Quando o ônibus que
transporta os veteranos e calouros estiver em velocidade adequada, um veterano
deve armazenar grande quantidade de saliva em sua boca. Após, um calouro deve ir
a uma janela ao fundo do ônibus, enquanto os veteranos, em uma janela à frente a
do calouro, cospem em direção a sua boca. O calouro que conseguir ingerir toda a
saliva expelida pelo veterano, estará livre dos trotes seguintes.
Por último na classe das práticas medianas está a “suspensão”, que é
praticada normalmente apenas contra calouros do sexo masculino. Segundo Zuin
(2002), tal prática é geralmente dada como punição por não cumprimento de
determinações dos veteranos. Um veterano de boa estatura física fica atrás do “bixo”
e lhe aplica um “cuecão” ou puxa a sua calça ou bermuda para cima a ponto de
suspendê-lo por completo.
Na última divisão de práticas de trote mais utilizadas, e consideradas
graves, Zuin (2002), descreve que existe a agressão, que é imputada a algum
calouro que se recuse a se submeter à vontade dos veteranos, que podem marcá-lo
e tornar sua vida naquela instituição um “inferno”. Por exemplo na provocação de
embriaguez, são feitos concursos ou simplesmente força-se o calouro a ingerir
bebidas alcoólicas como cerveja, cachaça, vinho, o quanto o mesmo puder suportar,
ou até o vômito. A “mastiguinha” é outra modalidade adotada, onde força-se o
calouro a ingerir comida previamente mastigada por um veterano.
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Zuin (2002) descreve também como práticas graves quando o calouro é
forçado a ingerir uma mistura indigesta de ovo, farinha crua, maionese, mostarda,
vinagre e até papéis. Outra modalidade apontada pelo autor chamada “chispada”,
onde o calouro deve correr nu em público, o que pode levá-lo detido à delegacia
para prestar esclarecimentos. O “vômito congelado” onde os veteranos armazenam
vômitos congelados e depois forçam os calouros a ingerí-los.
Por último, entre as consideradas práticas graves Zuin (2002), descreve a
“Pastinha”, em que o calouro deve passar pasta de dente no pênis e se masturbar na
frente dos veteranos, e o “rolo compressor”, que é quando o calouro deve rolar nu
sobre vários outros calouros, igualmente nus.
2.2 O trote solidário
Nos últimos anos, mortes provocadas por trotes violentos levaram a uma
condenação formal deste tipo de ritual. As instituições de ensino tentaram eliminar ou
amenizar sua prática, através do endosso mais ou menos tácito ao chamado “trote
solidário”.
Segundo
Zuin
(2002),
são
assim
denominadas
as
atividades
assistencialistas, organizadas geralmente pelos centros acadêmicos, e que
envolvem a coleta de alimentos não-perecíveis e roupas, doados posteriormente
para creches, asilos e orfanatos, bem como campanhas de doação de sangue para
hospitais e centros de saúde.
Entretanto, o autor ainda destaca que a versão mais amena da antiga
prática, que mistura cabeças raspadas, pintura corporal, pedágios e aulas-trote, em
que um veterano se faz passar por um professor tirano, parece ter o objetivo implícito
de perpetuar o sadomasoquismo pedagógico perante a sociedade, esta que parece
estar muito mais preocupada com o “espetáculo” do que com a violência, e tolera a
violência ritual praticada regularmente contra os jovens como um símbolo do
sucesso daqueles que foram aprovados no vestibular.
Segundo Zuin (2002, p.112):
19
A transformação do trote solidário numa espécie de show aponta para a
crítica de uma sociedade cujo processo de industrialização da cultura
estimula a conversão dos nossos sentimentos mais íntimos em
acontecimentos espetaculares, pois o importante é ser notado, e aparecer
de uma forma ou de outra.
O Trote Solidário nos dias de hoje, ainda é pouco apoiado pelas
universidades, ou inexistente no meio das instituições de ensino superior, na verdade
as que têm desenvolvido estas ações junto aos calouros transformam o trote
solidário em uma jogada de marketing, visando assim promover a imagem
das
universidades. Por outro lado, eventos sob a ótica assistencialista têm estado em
evidência em tais contextos “solidários”.
20
3 O TROTE COMO UM RITUAL DE PASSAGEM
Um ritual é um conjunto de gestos, palavras e formalidades, geralmente
imbuídos de um valor simbólico, cuja performance é, usualmente, prescrita e
codificada por uma religião ou pelas tradições da comunidade.
Desse modo, Zuin (2002, p. 16), desvreve que:
[...] o trote universitário possa ser identificado como um rito de passagem
cuja violência física e moral é justificada como uma tradição que deve ser
perpetuada durante o processo de integração entre os calouros e os
veteranos das universidades.
O autor destaca também que, a pretexto de se perpetuar uma tradição
acadêmica e de garantir a integração entre calouros e veteranos mediante um
solidário companheirismo, o trote universitário acabou se transformando num rito de
passagem, marcado pela violência física e moral, baseada na agressão e na
humilhação.
De acordo com Gennep (1978), em todas as sociedades primitivas,
determinados momentos na vida de seus membros eram marcados por cerimônias
especiais, conhecidas como ritos de iniciação ou de passagem. Essas cerimônias,
mais do que representarem uma transição particular para o sujeito, representava
igualmente a sua progressiva aceitação e participação na sociedade na qual estava
inserido, tendo, portanto tanto o cunho individual quanto o coletivo.
Gennep (1978) descreve que geralmente, a primeira dessas cerimônias
era praticada dentro do próprio ambiente familiar, logo em seguida ao nascimento.
Nesse rito, o recém-nascido era apresentado aos seus antecedentes diretos, e era
reconhecido como sendo parte da linhagem ancestral, seu nome, previamente
escolhido, era então pronunciado para ele pela primeira vez de forma solene. Alguns
anos mais tarde, ao atingir a puberdade, o jovem passava por outra cerimônia.
Já para as mulheres, Gennep (1978), relata que isso se dava na maioria
das vezes no momento da primeira menstruação, marcando o fato que, entrando no
seu período fértil, estava apta a preparar-se para o casamento. Para os rapazes,
essa cerimônia geralmente se dava no momento em que ele fazia a caça e o abate
do primeiro animal, ligadas, ao derramamento de sangue, essas cerimônias
21
significavam a integração daquela pessoa como membro produtivo da tribo, ao
derramar sangue para a preservação da comunidade, sendo pela procriação ou pela
alimentação, ela estava simbolicamente misturando o seu próprio sangue ao sangue
do seu clã.
Gennep (1978), aborda que várias cerimônias marcavam, ainda, a idade
adulta, entre os nativos norte-americanos, algumas tribos praticavam um rito onde a
pele do peito dos jovens guerreiros era trespassada por espetos e repuxada por
cordas, a dor e o sangue derramado eram, dessa forma, considerados como uma
retribuição à terra das dádivas que a tribo recebera até ali. Outras cerimônias
seguiam-se, ao longo da vida, o casamento era uma delas, e os ritos fúnebres eram
considerados como a última transição, aquela que propiciava a entrada no reino dos
mortos e garantia o retorno futuro ao mundo dos vivos.
Todas essas cerimônias, descritas por Gennep (1978), no entanto,
marcavam pontos de desprendimento. Velhas atitudes eram abandonadas e novas
deviam ser aceitas, a convivência com algumas pessoas devia ser deixada para trás
e novas pessoas passavam a constituir o grupo de relacionamento. Muitas vezes, a
cada uma dessas cerimônias, a pessoa trocava de nome, representando que aquela
“identidade” que assumira até então, não mais existia.
Nos tempos atuais e nas sociedades modernas, muitos desses ritos
subsistiram, embora, muitos deles esvaziados do seu conteúdo simbólico. Batismo e
festas de aniversário de 15 anos, por exemplo, são resquícios desse tipo de
cerimônia, que hoje representam muito mais um compromisso social ou uma
formalidade do que a marcação do início de uma nova fase na vida do sujeito. No
entanto, a troca da simbologia impregnada em tais rituias pela ostentação pura e
simples, descaracteriza tais processos.
Por fim Gennep (1978, p. 27), descreve que:
A cada um destes conjuntos, (nascimento, puberdade social, casamento,
progressão de classe, etc), acham-se relacionadas cerimônias cujo é
idêntico, fazer passar um indivíduo de uma situação determinada a outra
situação igualmente determinada. Sendo o mesmo objetivo, é todo o
necessário que os meios para atingi-lo sejam pelo menos análogos, quando
não se mostram idênticos nos detalhes.
Sendo assim, o rito de passagem é aquele no qual atos especiais
expressam as metamorfoses da vida que simbollizam a integração numa nova
22
ocupação, num novo posto, por exemplo. No que se refere ao trote como rito que
marca a passagem para a integração na vida universitária e, por que não dizer, como
um dos ritos que simboliza a transição na maioria das vezes da adolescência para a
vida adulta na nossa cultura, Zuin (2002), descreve que nota-se a presença de
posturas estereotipados demarcados por tonalidades violentas e vexatórias.
23
4 CONSTITUIÇÃO FEDERAL X TROTE
Em 1988, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada em pressupostos sociais e
comprometida, no âmbito nacional e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgaram a Constituição da República Federativa do Brasil.
E apesar de nela constar no Art. 5º, parágrafo do I ao V, que todos somos
iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e ainda alguns parágrafos
como, por exemplo, que, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Nos termos desta Constituição, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de Lei, ninguém será submetido à tortura nem a
tratamento desumano ou degradante, é livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato, é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,
além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
Também consta no Artº 5º, parágrafo VIII, IX e X, que ninguém será
privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal, a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em Lei. É livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação,
Por fim no parágrafo XV e XVI do Artº 5º da Constituição Federal está
descrito que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da Lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus
24
bens, todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao
público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente.
Mesmo com todas estas garantias segundo Zuin (2002), as universidades
a partir de 1999, não podiam mais esperar que os acadêmicos envolvidos em trotes
violentos e humilhantes, fossem julgados e punidos apenas com as leis que haviam
sido criadas e protocoladas a uma década atrás, e não permaneceram caladas
diante das situações que vinham aumentando ano a ano, pois várias portarias foram
criadas para dar suporte a Constituição Federal, tanto nas universidades públicas
como nas particulares, proibindo a realização de trotes fundamentados em
humilhações físicas e psicológicas, quer seja dentro, quer fora dos perímetros
universitários.
Conforme o autor as punições de suspensão ou expulsão, previstas no
regime disciplinar das universidades, para os infratores seriam aplicadas após a
conclusão de um processo administrativo que investigaria caso a caso. Um exemplo
disso foi a Lei nº 10.454/99 criada em São Paulo e sancionada pelo então
governador em exercício Mário Covas, proibindo o trote nas escolas superiores e de
universidade estaduais e que constam os seguintes dizeres:
Artigo 1º - É vedada a realização de trote aos calouros de escolas
superiores e de universidades estaduais, quando promovido sob coação, agressão
física, moral ou qualquer outra forma de constrangimento que possa acarretar risco à
saúde ou à integridade física dos alunos.
Artigo 2º - Compete à direção das instituições públicas de ensino superior:
I - adotar iniciativas preventivas para impedir a prática de trote aos novos
alunos, segundo disposto no artigo 1º e respondendo a mesma por sua omissão ou
condescendência;
II - aplicar penalidades administrativas aos universitários que infringirem a
presente Lei, incluindo expulsão da escola, sem prejuízo das sanções penais e civis
cabíveis.
Segundo Zuin (2002), o advogado Luiz Nogueira, assessor especial na
Assembléia Legislativa, descreve na época que a partir daquele momento até
mesmo os trotes considerados simples e mais amenos, como raspar o cabelo ou
25
pintar o rosto do calouro, passariam a ser considerados crime e que os calouros das
universidades que viessem a sofrer qualquer tipo de humilhação decorrente do
recebimento de trotes poderão processar, com base nessa Lei, as suas respectivas
instituições de origem, caso estas se omitam em relação às punições dos alunos que
receberam os calouros de forma agressiva, além disso, caberiam as universidades a
promoção de práticas preventivas quanto a realização dos trotes.
26
5 MÉTODO
Este capítulo é dedicado à forma da pesquisa e visa permitir, através da
exposição
detalhada
dos
passos
seguidos,
quando
da
formulação
e
desenvolvimento do estudo em questão, bem como dar ao leitor subsídios para a
compreensão e entendimento do mesmo.
5.1 Pesquisa – Produção do conhecimento científico
Para Fachin (2005), pesquisa é um procedimento intelectual. O
pesquisador adquire conhecimentos por meio da investigação de uma realidade e da
busca de novas respostas sobre um fato, objeto, problema. Com base em métodos
adequados e técnicas apropriadas o pesquisador busca conhecimentos específicos,
respostas ou soluções para o problema estudado.
Segundo Fachin (2005), não se deve atribuir verdade absoluta ao
resultado de uma pesquisa, pois as descobertas são renovadas constantemente, e
toda análise sobre um fato, objeto, problema, apresenta várias implicações de ordem
apreciativa e analítica. Sendo assim, o pesquisador deve procurar mostrar aquilo que
está enquadrado no conhecimento empírico, visando explicar com segurança a
validade de suas descobertas por meio do conhecimento científico. A pesquisa
busca respostas para um problema proposto, envolvendo várias etapas.
Pesquisa é sinônimo de busca, de investigação, de procura. A
probabilidade de encontrar “respostas” aumenta na medida em que a pesquisa é
vista como um processo e não como uma acumulação de fatos.
Para Andrade (2005, p.121), “a pesquisa é o conjunto de procedimentos
sistemáticos, baseado no raciocínio lógico, que tem por objetivo encontrar soluções
para problemas propostos, mediante a utilização de métodos científicos”. A pesquisa
27
científica
tem
o
propósito
de
fomentar
conhecimentos
apoiando-se
em
procedimentos capazes de dar confiabilidade aos resultados.
Andrade (2005) ressalta que a pesquisa não deve ser desligada de um
elenco de etapas. Para a autora cada etapa, por sua vez, ocupa-se de atividades
metodológicas especiais, conforme o objetivo de cada pesquisa. Isso não significa
que, necessariamente, devam-se seguir de forma rígida todas as etapas do
planejamento, pois este depende do objetivo, do tipo de pesquisa e do estudo em
questão.
5.2 Origem, universo, coleta e análise dos dados da pesquisa.
A presente pesquisa situa-se como uma pesquisa bibliográfica e
documental. Para Fachin (2005), a pesquisa bibliográfica é por excelência, uma fonte
inesgotável de informações, pois auxilia no desenvolvimento intelectual e contribui
para o conhecimento cultural em todas as formas do saber.
Já a pesquisa documental Fachin (2005), descreve que corresponde a
informações coletadas, seja de forma oral, escrita ou visualizadas. Ela consiste na
coleta, classificação seleção difusa e utilização de informações, compreendendo
também as técnicas e os métodos que facilitam a sua busca e a sua identificação.
Representa uma atividade de consulta e localização de fontes de informações
escritas, imagens, sons, sinais em papel, madeira, pedra, gravações, pinturas,
instruções, que falem a respeito de um determinado tema.
Segundo Fachin (2005, p. 146) na:
[...] pesquisa documental, considera-se documento qualquer informação
sob a forma de textos, imagens, sons, sinais em papel/madeira/pedra,
gravações, pinturas, incrustações e outros. São considerados ainda os
documentos oficiais, como editoriais, leis, atas, relatórios, ofícios, ordem
régia, e documentos jurídicos oriundos de cartórios, registros gerais de
falência, inventários, testamentos, escrituras de compra e venda, hipotecas,
atestados de nascimento, casamentos, óbitos, entre outros.
Foram utilizadas na presente pesquisa, as fontes primárias, secundárias e
terciárias. Conforme Fachin ( 2005, p.121):
28
As fontes primárias são constituídas pela bibliografia que propicia o
embasamento teórico do assunto pesquisado, ou seja, é a bibliografia
básica para aquele assunto. As fontes secundárias, por sua vez,
compreendem a bibliografia complementar, ou seja, aquela que serve de
apoio para o assunto estudado. Às fontes terciárias são as que contêm
índices de fontes primárias e secundárias, com ou sem resumo.
Para o autor, o sentido da palavra fonte, em termos genéricos,
compreende desde um ilustrativo documento original até as páginas de uma obra.
Para ele, a fonte também é considerada uma forma direta de estudos, quando
representa o ser humano, a natureza, a sociedade, o habitat, ecúmero, entre outras,
ou seja, todas as fontes do conhecimento obtidas por intermédio dos sentidos ou da
observação.
Este estudo foi iniciado em janeiro de 2009 e teve sua conclusão realizada
em outubro do mesmo ano, e seguiu as seguintes etapas:
A primeira etapa do trabalho consistiu na escolha do tema a partir do
projeto já existente do autor deste estudo até então sobre Bullying no ensino
superior, mas que teve que ser delimitado o assunto, acabando o autor por optar em
realizar seu estudo em cima do trote universitário.
A
segunda etapa tratou-se do
levantamento bibliográfico, sendo
pesquisado principalmente o banco de teses do CAPES, utilizando-se de palavras
chaves como trote, trote universitário, trote violência, trote estudantil, violência
escolar, ritual de passagem, violência universitária, violência nas universidades e por
fim, ritual de passagem nas universidades.
Tudo isso com o objetivo de apropriar-me dos conceitos e de que modo os
rituais de passagem tem ocorrido nas universidades brasileiras. Foi realizado um
trabalho de pesquisa em diversas fontes de informação. Neste estudo também
consta uma sucinta pesquisa bibliográfica. Ao longo deste percurso houveram visitas
à biblioteca de universidades, encontros com a orientadora, e consultas a alguns
sites e artigos que falavam do tema. As bibliografias consultadas eram compostas de
referências teóricas publicadas em livros, revistas científicas, dissertações e artigos
disponíveis na internet.
A terceira etapa foi à análise, interpretação e descrição do material
encontrado. Em se tratando dos objetivos a serem alcançados, esta pesquisa refere-
29
se a uma investigação de caráter Exploratório-Descritivo, onde seu delineamento é
predominantemente qualitativo baseado no estudo aprofundado dos objetos de
investigação, a fim de se obter um estudo detalhado dos mesmos.
Os dados coletados tiveram como fonte: consulta aos materiais
bibliográficos e visitas periódicas a sites. Selecionadas as obras imagens e textos
que poderiam ser úteis para o desenvolvimento do assunto, se procedeu em
seguida, a localização das informações necessárias e pertinentes ao tema proposto
neste estudo. Cumpre dizer que, selecionei 12 imagens de sites que foram
analisadas no próximo capítulo, entrelaçando-se com os discursos dos sujeitos
também obtidos via pesquisa documental. Meu olhar sobre essas passagens foi
tecido em diálogos diversos contextos polifônicos. E como procedimento de análise
dos dados foi realizado análise de discurso.
A seguir, culminará o presente trabalho com a incorporação dos resultados
das experiências relatadas anteriormente, bem como as considerações finais desse
estudo.
30
6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS TEXTOS/CONTEXTOS/IMAGENS.
Designados por muitos como sinônimo de “brincadeira”, diversão e
confraternização os trotes universitários deveriam promover a integração dos novos
alunos, os ditos calouros ou "bixos" com a universidade e demais estudantes. No
entanto, em alguns casos, um ritual que tinha tudo para ser divertido acaba virando
cenário de “selvageria”.
Depois de encerrada a temporada de vestibulares, as universidades
brasileiras recebem milhares de novos alunos. É a abertura da temporada de
matrículas, seguida do início das aulas quando acontece uma das mais controversas
tradições do ensino superior brasileiro, o trote universitário.
Nos últimos anos, os trotes a alunos novatos têm chamado mais a
atenção devido aos excessos, e um caso exemplar de exagero foi o episódio que
levou à morte, a dez anos de Edison Tsung Chi Hsueh (Imagem 01), que ingressava
na prestigiosa Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a USP.
Imagem 01 Fonte: http://revistaepoca.globo.com
Na manhã seguinte ao churrasco de recepção aos calouros, promovido
pelos veteranos do curso de Medicina USP no ano de 1999, o corpo do estudante foi
encontrado no fundo da piscina da Associação Atlética da faculdade. A tradição,
31
porém, não cessou, e após uma década ainda continua se desenvolvendo nas
universidades brasileiras como poderemos ver na seqüência deste estudo.
O pai de Edison Tsung Chi Hsueh (Imagem 01), na época da morte de
seu filho disse ao site da revista Época que:
Sabia, sim, que jovem sem instrução é violento, não tem cabeça. Mas
pensava que estudante de medicina, aluno da USP conhecesse o certo e o
errado. Se estudou mais, deve ser mais humano, mais educado, mais
familiar. É uma lógica matemática. Não sabia que na faculdade meu filho ia
encontrar o mesmo perigo da rua.
O lamento de Feng Ming Hsueh diante do filho morto após um trote, numa
das mais conceituadas faculdades de Medicina do país, torna-se, paradoxalmente,
revelador não só de uma tragédia pessoal e familiar, como também do horror diante
da violência na sociedade contemporânea que atinge as mais diversas esferas do
cotidiano. Isso denota que a violência não tem um “local marcado”, mas que é
agenciada de múltiplas formas e não depende da classe social.
Não fora nas perigosas ruas de São Paulo, nos “famosos” guetos, não
fora na periferia geralmente vista como lócus de risco e violência, não fora por
“gangues” do tráfico de drogas, nem por jovens sem acesso à educação em nível
superior, aos quais muitas vezes são atribuídos muitos estereótipos, mas sim
disseminada por universitários de uma das maiores universidades do país a USP.
Tragédias costumam deixar lições, o site da revista Veja descreve que
desde 2000 um ano após a morte de Edison Tsung Chi Hsueh na piscina da USP, a
universidade proíbe trotes em todo o seu campus, e no lugar do mesmo, e
propõe ações voltadas a integração entre veteranos e novatos e ainda oferece um
serviço de denúncia, para quem não gostar das brincadeiras.
Segundo o site, a assessoria da reitoria da universidade disse que é
sabido que ainda tem gente que pinta alunos e faz pedágio em torno da
universidade, mas que os calouros que se sentirem constrangidos, devem procurar o
serviço do Disque Trote, atualmente disponível para os mesmos.
Já em outro site, o da revista Época, que também descreveu uma matéria
sobre o trote na USP, relata que além das ações descritas pelo site da revista Veja
anteriormente, após este incidente, em todas as suas unidades o trote foi abolido, e
que a partir de 2003, começou também uma campanha antitrote desenvolvida pela
32
instituição que tinha o seguinte slogan: “Veterano consciente trata bixo como gente”.
Na ocasião mais de 8 mil cartões-postais com essa frase foram distribuídos durante
a matrícula naquele ano. O site ainda descreve que segundo Giovanni Guido, diretor
da Faculdade de Medicina na época, declarou que na mesma não se cortaria mais
um fio de cabelo e que os churrascos de boas vindas normalmente regados a álcool,
estão mais comedidos. O que seria o avesso do que ocorreu em 1999, onde muita
bebida foi consumida naquela manhã trágica.
No churrasco em questão os veteranos e novatos teriam tomado entre
170 e 175 caixas de cerveja com 12 latas cada uma, o que na média, é como se
cada um dos 300 estudantes que participaram da farra tivesse bebido sete latinhas.
Os relatos apontam ainda o consumo de uísque, rum e martini o que é apresentado
nas imagens 05, 06 e 07 mais a frente deste estudo.
O diretor ainda relata ao site que mais de dez estudantes contaram ter
visto veteranos cheirando lança-perfume em camisetas, por fim e atualmente, a
programação de recepção dos novos alunos a partir de 2003 inclui jantares com pais
e campanhas de doação de sangue.
Já a UNIP - Universidade Paulista, maior instituição de ensino superior do
país em número de alunos, segue a mesma linha e tem proibido completamente
qualquer tipo de trote na universidade. Se os alunos forem pegos, haverá punição,
descreveu um assessor da reitoria ao site. Ao ser questionado sobre o fato de que,
mesmo assim, ainda há trotes em suas unidades, o mesmo ainda afirmou que não
tinha conhecimento dos fatos.
O site da revista Veja descreve também que uma outra postura oficial
ainda impera entre as instituições, que é de não interferir nas relações entre calouros
e veteranos. É o caso da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, que deixa
claro, no entanto, que não incentiva a zombaria, mas que também, não deixa
nenhum ato de violência acontecer entre seus alunos, além de tentarem sempre
garantir a segurança de seus acadêmicos.
A mídia tem apresentado vários casos de médicos e outros profissionais
de outras áreas que ferem o Código de Ética de suas profissões e a Constituição
Federativa do Brasil de 1988. Lamentavelmente tais títulos não asseguram práticas
condizentes com o que se espera de tais profissionais. Isso leva a uma reflexão
33
sobre a esfera da ética, que considero que deve ser foco constante nas
universidades, bem como fora delas.
A imagem 01 ainda destaca junto ao pai e o filho, uma parte da certidão
de óbito, que na época o senhor Feng Ming Hsueh guardava junto às lembranças de
seu filho, como fotos e roupas.
Já no campus da USP, atualmente a única memória que persiste de
Edison, está preservada numa placa de bronze inaugurada um ano após sua morte
na Associação Atlética onde tudo ocorrera, homenagem esta, única prestada a um
estudante que nem sequer chegou a começar o curso.
Na mesma época com o apoio da mídia as investigações da polícia
apontaram para um veterano do mesmo curso, que ainda hoje permanece em
liberdade e exercendo sua profissão, pois o processo permanece após 10 anos,
parado na justiça.
Infelizmente Feng, o pai do calouro morto que está na imagem 01, e se
encontra acima do filho falecido de óculos no porta-retrato, não conseguiu ver a
justiça que tanto esperava pela morte de seu filho, e entre idas e vindas ao tribunal,
acabou morrendo do coração.
Após sua morte, no mês de dezembro do mesmo ano, segundo a site da
revista Época, um telex do ministro Paulo Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça,
determinou a suspensão do processo, o que gerou muita insatisfação do irmão de
Edison que tenta até hoje na justiça fazer com que o culpado seja julgado.
Segundo Zuin (2002), A sociedade acredita que nenhum ambiente de
atuação profissional é mais privilegiado do que o universitário, primeiro, porque ali se
lida com o mais nobre instrumento de “redenção humana”, a educação e depois,
porque ali se consolidam a formação da vida cívica e o respeito à pessoa, às
diferenças e aos princípios de democracia e justiça social. Por fim, porque ali se
deveria potencializar jovens para serem cidadãos capacitados para transformar o
mundo.
34
Imagem 02 Fonte http://revistaepoca.globo.com
A imagem 02 nos mostra momentos após em que Edison Tsung Chi
Hsueh foi retirado da piscina semiolímpica do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, o
CAOC, o estudante vestia apenas uma calça de moletom cor de vinho cortada na
altura dos joelhos, e segundo seus familiares não teria sido assim que ele saiu de
casa. Edison tinha 22 anos e havia cursado dois semestres de Medicina na Santa
Casa, mas desistiu preocupado com as altas mensalidades pagas pelos pais. Voltou
a estudar, passou na Fuvest e enfim conquistou a faculdade pública. O sonho,
porém, não passaria da ficha de matrícula.
Segundo o perito do IML - Instituto Médico Legal, nas costas de Edison
constava à inscrição “Santa Casa" em tinta colorida, o que seria uma referência
pejorativa aos olhos da elite dos estudantes de Medicina do País e de onde Edison
havia abandonado o curso de Medicina, onde estudou por dois anos.
Não podemos observar nesta imagem , mas seus grossos óculos de grau,
onde vemos o calouro usando na imagem 01, segundo o perito repousavam embaixo
da água, onde foram encontrados apenas dias depois. No enterro, a mãe não queria
que o filho fosse velado sem eles, um funcionário da faculdade providenciou, então,
um novo par de lentes.
O corpo apresentava ferimentos leves, e não havia vestígio de álcool ou
drogas no organismo. Seus familiares disseram ao site “O Estadão” que Edison não
sabia nadar e tinha ido à praia uma única vez com a mãe, aos 7 anos.
Posteriormente de acordo com o laudo da perícia técnica, se viera, a
35
saber, que Edison morreu por asfixia mecânica, e que depois de submergir não
tenha conseguido voltar à tona, e acredita-se que a agonia tenha durado entre três e
cinco minutos.
Alguns calouros na época relataram que mesmo não sabendo nadar
muitos novatos eram empurrados para dentro da piscina, e mesmo os que não eram
empurrados sofriam uma pressão psicológica tão grande que acabavam obedecendo
às ordens, não se importando nem com a profundidade da mesma, de tão
consternados que ficavam, assim como relata estudante Cristiane Wu ao site da
revista Época: “Não pensei no perigo que estava correndo. A euforia era tão grande
que, quando percebi, já estava na água. A piscina também não parecia funda. No
meio de tantas pessoas, era como se eu estivesse imune a qualquer perigo”. Mas
logo após o mergulho, recobrou a razão. Começou a afundar, engoliu água e só não
teve o mesmo destino de Edison graças ao socorro prestado por um colega mais
atento.
O resultado de ações como esta prática de trote relatado pelos calouros
não poderia ser diferente senão o que está explícito na imagem 02, um calouro
vitimado com a morte.
Imagem 03 Fonte: http://www.estadao.com.br
Na imagem 03, vemos Emílio, irmão mais velho de Edison Tsung Chi
Hsueh, calouro da Faculdade de Medicina da USP encontrado morto na manhã do
36
dia 23 de fevereiro de 1999, após o trote de "boas-vindas" promovido pelos
veteranos. O irmão no contexto cabisbaixo com a foto de seu irmão ao fundo, chora
ao se despedir no velório do caçula da família.
Após a perda do irmão, em fevereiro, seis meses após em agosto de
1999, Emílio teve que lamentar outra perda, o falecimento de seu pai, que morreu do
coração. Segundo descrito ao site “O Estadão”, o irmão mais velho relatou que o pai
teria cansado de aguardar respostas das autoridades do país que há mais de três
décadas adotara como seu. O mesmo ainda desabafou: “meu pai não aguentou de
tanto desgosto", Emílio, de 35 anos, era o irmão mais velho de Edison, e cursou
Física, depois Engenharia, e presta serviços de manutenção em maquinário gráfico,
por fim ainda declarou que até o falecimento de seu pai, eram recursos e mais
recursos na Justiça, e que de vez em quando uma emissora de TV os procurava mas
que nada mudará até então, o que espera até hoje.
A entrada em uma universidade representa uma nova etapa na vida dos
jovens, é e na maioria das vezes a porta de entrada para mundo profissional e
conseqüentemente para um mundo de oportunidades.
A imagem 04, nos evidência a felicidade dos calouros, momentos após
serem recepcionados pelos veteranos de uma universidade, podemos perceber
nessa imagem uma das ações mais utilizadas nos trotes observadas pelo Brasil, as
chamadas “caras pintadas”, onde são utilizadas muitas tintas e sujeiras. O mesmo
contexto nos apresenta também estas ações peculiares sendo “regadas” a muita
bebida de teor alcoólico, o que os próprios calouros fazem questão de exibir.
A felicidade que está explícita nesta imagem, com exceção de um jovem
que se encontra segurando um copo e sério, devida a grande quantidade de bebida,
que provavelmente foi obrigado a ingerir como veremos em imagens a seguir, nos
faz refletir sobre a suposta alegria que está sendo gerada neste contexto, e que nos
levaria a pensar, o motivo de tantos sorrisos. Seria porque acabaram de ingressar
em uma universidade, ou porque estão fazendo parte de um contexto que
posteriormente depois de cumpridas alguns requisitos ou normas dos veteranos,
poderão os mesmos calouros no futuro ter a chance de continuar este ciclo no
momento em que forem veteranos e que novos calouros estariam iniciando sua vida
universitária.
Afinal, esse processo é uma passagem, depois serão outros
submetidos ao trote.
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Zuin (2002, p. 33), acredita que:
Quanto aos trotes que não são considerados violentos, observa-se, nas
reportagens veiculadas pela mídia, que o sorriso de satisfação do calouro,
o qual se destaca no final de “brincadeiras mais amenas”, tais como raspar
o cabelo, pintar as faces e ouvidos, ou mesmo aplicar a aula-trote, parece
ser concernemente não só à sensação de alívio fruída mediante o término
da provação, mas também à satisfação de que finalmente o calouro faz
parte do grupo que garantirá a sua vingança pessoal nos próximos novatos.
Imagem 04 Fonte: http://www.jfservice.com.br
Mas a violência nos trotes universitários vem se agravando e o velho
hábito de cortar os cabelos dos recém-aprovados no vestibular ficou para trás, a
moda agora é o uso de drogas ilícitas, ingestão desenfreada de bebidas alcoólicas e
muita humilhação, o que veremos ao longo deste estudo.
Os trotes universitários atualmente acabam se transformando em um jogo
de coerção, opressão, e dominação de alguém que se julga mais forte ou mais
experiente sobre alguém que é julgado como sendo mais fraco e inexperiente.
A imagem 05 nos mostra um calouro com o rosto todo pintado e bebendo
uísque na própria garrafa, o que nos leva a acreditar no porque muitas vezes os
trotes universitários acabarem com finais que não seja o feliz, pois os acadêmicos
excedem na bebida alcoólica, produto que muitos calouros nunca haviam colocado
na boca até então.
Segundo o site “O Globo”, o professor de Psicologia da PUC-SP, Hélio
Deliberador, descreve que o trote universitário faz bem e é uma integração a uma
38
nova realidade, a um novo grupo, um novo padrão de relacionamento, mas que
acaba fazendo mal quando ele se torna violento, leva ao constrangimento, envolve o
excesso de ingestão de bebida alcoólica e causa problemas que a sociedade já
conhece, e vem ano a ano sendo acompanhando cada vez mais pela mídia.
Percebe-se que muitas vezes a bebida é inserida no contexto do trote
para dar “coragem” aos calouros, para que eles, por sua vez, possam realizar suas
tarefas delegadas, pois na realidade a bebida tem o papel de deixar o calouro tão
fora de si para que assim possa passar pelo maior número de situações de
humilhação e violência sem que ele possa querer revidar, até porque não é em
nenhum momento lhe dado direito a isso.
Um mau exemplo do uso de bebidas alcoólicas nos trotes universitários
brasileiros foi o de Bruno César Ferreira, um calouro que no primeiro dia de aula, no
início de 2009 foi parar no hospital, e após sair do coma alcoólico, que se encontrava
com dores e marcas por todo corpo desabafou aos meios de comunicação que
cobriam este assunto: “A gente trabalha tanto para entrar numa faculdade, aí chega
e é recebido com pancada. Imagine como vai ser se esses veterinários que vão se
formar agora? Se fizeram isso com ser humano, imagine o que vão fazer com um
bicho?”, indaga o estudante. O mesmo na ocasião não retornou mais a universidade
que havia ingressado no curso de Medicina veterinária.
O discurso desse estudante revela criticidade, além de indignação, posto
que ele questiona se os veteranos daquele curso foram capazes de tratar pessoas
daquele jeito o que seriam capazes de fazer com os bichos? Mas, ele fala dos bichos
que como os calouros em sua opinião estariam desprotegidos perante tais posturas
deploráveis.
Contudo, o termo “bixo” é uma das denominações atribuídas aos calouros,
como se fosse possível desumaniza-los.
39
Imagem 05 Fonte: http://oglobo.globo.com
Assim como na imagem 05, a seguir na imagem 06 se pode perceber que
além da pressão psicológica para que os calouros venham a fazer uso de bebida
alcoólica, os que não obedecem ou já estão incapazes de fazê-lo por estarem
esgotados fisicamente, ou já quase em estado de coma alcoólico, são forçados como
vemos na imagem 06, onde um calouro extremamente sem condições de segurar a
garrafa de vodka, é segurado no queixo pelo veterano, que lhe abre a boca e faz
com que ele totalmente debilitado tome um pouco mais do líquido de teor alcoólico.
Imagem 06 Fonte: http://www.nossanoite.com.br
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A questão do trote virou uma espécie de tabu em nosso meio, somente a
brutalidade de alguns acidentes consegue suscitar alguma iniciativa, alguma
reflexão, só que muitas vezes passageira.
Imagem 07 Fonte: http://ovelhinhasinquietas.blogspot.com
Na imagem 07 mais uma vez vemos claramente que o poder dos
veteranos sobre os calouros não tem limites, a humilhação, geralmente por meio da
violência uma das característica do trote, está presente em praticamente todas as
ações desenvolvidas pelos mesmos.
Na imagem acima observa-se um calouro, com suas mãos amarradas, de
joelho, todo pintado, sujo, sem roupa, e por fim, sendo obrigado por dois veteranos a
beber provavelmente um líquido de teor alcoólico, enquanto outros observam
passivamente esta situação.
Apesar do Art. 146 do Código Penal descrever que constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer
outro meio, a capacidade de resistência, contrariando o que a lei prevê, mesmo
assim poucos ou quase nenhum caso de violência e humilhação, salvo algumas
poucas exceções chegam aos tribunais.
Parte da culpa com certeza é da própria comunidade universitária, dos
responsáveis pela condução do sistema educacional do país e da própria sociedade
que parecem preferir eximir-se de uma discussão mais competente e consciente com
41
pessoas e grupos envolvidos na educação sobre a natureza do trote, e acabam
ocultando tais práticas.
A imagem 08, a seguir nos mostra mais uma ação derivado do trote dos
veteranos em calouros, o chamado “Pedágio”, onde os calouros devem pedir
dinheiro nos sinais aos motoristas para reunir uma quantia que permita aos
veteranos tomar bebidas alcoólicas, sendo supervisionados por estes, que só os
liberam quando já se reuniu dinheiro suficiente.
Muitas vezes os veteranos para fazer-se valer suas obrigações ficam com
as roupas, documentos, e todos os pertences que puderem dos calouros, que
posteriormente são entregues apenas mediante a apresentação da quantia de
dinheiro arrecadada estipulada pelos líderes do trote, caso contrário não estarão
liberados da atividade delegada.
Imagem 08 Fonte: http://www.nalei.com.br
Nos últimos anos, mortes provocadas por trotes violentos estão levando a
algumas universidades e uma pequena parte da sociedade a condenarem
formalmente este tipo de ritual.
As instituições de ensino, em particular, estão tentando eliminar ou
amenizar esta prática, através do endosso mais ou menos tácito ao chamado "trote
solidário". São assim denominadas as atividades assistencialistas, organizadas
geralmente pelos centros acadêmicos, e apoiadas pelas instituições que envolvem a
coleta de alimentos não-perecíveis e roupas, doados posteriormente para creches,
42
asilos e orfanatos, bem como campanhas de doação de sangue para hospitais e
centros de saúde. Sob essa ótica, o trote solidário teria o objetivo principal de
promover a consciência de cidadania nos alunos, fazendo-os perceber que através
de pequenas ações pode-se escrever a história e refazer nossa cultura. Contudo,
cabe indagar, se tais práticas meramente assistencialistas não seriam uma forma de
negar o que o trote nessas instituições tem produzido historicamente e ainda atribuirlhe o título de “nobreza” de cidadania ao invés de produzir discussões mais críticas e
contundentes sobre no que o “trote” tem se transformado? Além disso, cidadania tem
sido um discurso banalizado no cenário contemporâneo e o assitencialismo é uma
forma banal de abordá-la! Qual a autoria e autonomia dos calouros que integram o
chamado “trote solidário”, não seria e eles atribuída a obrigação de participar?
Na imagem 09, a seguir observamos a entrega de alimentos através dos
funcionários de uma instituição de ensino recolhidos pelos calouros e veteranos, por
meio do trote, a uma entidade carente. O chamado trote solidário nesse caso teve a
iniciativa da universidade, e o apoio da mesma para que o chamado trote violento e
humilhante fique apenas escrito na história.
Imagem 09 Fonte: http://www.unesc.net
Na imagem 10, observamos outra prática de trote universitário atualmente
desenvolvido pelos acadêmicos e apoiado pela instituição de ensino, a doação de
sangue, aonde os veteranos conduzem a um banco de sangue os calouros para que
os mesmos venham a doar sangue.
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Imagem 10 Fonte: http://www.fei.edu.br
Mas segundo Zuin (2002, p.10):
Nem a substituição dos chamados trotes violentos por algumas práticas
consideradas solidárias garante, por si só, a substituição de ações
sadomasoquistas por uma experiência verdadeiramente integrativa e,
consequentemente, também formativa, como era dese esperar, entre
calouros e veteranos. Essas tentativas não passam de precárias
sublimações, que mais racionalizam e justificam socialmente, de forma um
tanto hipócrita, uma festa bárbara, em que ao sadomasoquisto se
associam, ainda, a mercantilização dos emblemas sociais e a manipulação
do prestígio de se entrar na universidade.
O autor acredita que a comunidade universitária, a sociedade e lideranças
das comunidades e do país deveriam promover reflexões mais profundas sobre este
tema que vem sendo escrito na história desde a Idade Média. E por falar em Idade
Média, Zuin (2002), ainda destaca que os candidatos aos cursos das primeiras
universidades européias não podiam freqüentar as mesmas salas que os veteranos
e, portanto, assistiam às aulas a partir dos "vestíbulos", local em que eram
guardadas as vestimentas dos alunos. As roupas dos novatos eram retiradas e
queimadas, e seus cabelos, raspados. Essas atividades eram justificadas, sobretudo
pela necessidade de aplicação de medidas profiláticas contra a propagação de
doenças.
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Imagem 11 fonte: http://www.brasilescola.com
Na imagem 11 vemos uma das práticas de trote mais antigas, e
considerada leve pelos estudantes, a pintura corporal, na qual os veteranos pintam o
rosto, os braços, a camiseta, as calças dos calouros com o nome da universidade e
o curso, enfim pintam o que acharem necessário para que o calouro inicie o seu
chamado ritual de passagem. A imagem nos mostra um calouro, que foi obrigado a
tirar sua camisa para a seguir ser pintado pelas veteranos de sua universidade.
Zuin (2002, p.10), descreve que:
O trote continua sendo um processo psicossocial em que o sadismo se
conjuga com o masoquismo, num estranho amálgama de atos de barbárie
justificados tanto pelos agressores como pelos agredidos, que suportam a
humilhação e a dor por estarem adquirindo o direito à vingança, a ser
exercida sobre os calouros dos próximos anos.
A imagem 12 a seguir, podemos observar o corte/raspagem de cabelo,
mais uma prática de trote considerada leve, e que é feita geralmente só para os
homens, onde se raspa completamente a cabeça do calouro ou apenas tiras, que o
obrigam depois a raspar tudo, na imagem vemos nesse caso que o calouro está
apenas sofrendo alguns cortes no cabelo, mas posteriormente ele terá que raspá-lo
por total para que seu cabelo não fique com um corte vexatório até que ele cresça
novamente.
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Imagem 12 fonte: http://www.direito52.blogger.com.br
Segundo Zuin (2002), desde o princípio de sua aplicação, com exceção
da questão profilática, o trote já era caracterizado como um rito de iniciação e de
passagem, fundamentado numa integração de caráter sadomasoquista. Para ele, a
prática serve como possibilidade de "vingar a dor" física e psicológica sofrida por
alguém, no caso o “veterano”, na universidade. Por outro lado para o calouro
significa, entre outras coisas, a possibilidade de se “sentir integrado” na vida
universitária e de se conformar com a promessa de que poderá se vingar das
pancadas e, sobretudo, humilhações, quando se tornar veterano.
Paulo Fraga relata para site da revista Veja, procurando iluminar a questão
a partir de outro ponto de vista, ele acredita que a palavra trote adquiriu com o tempo
um sentido pejorativo e, por isso, deve ser substituída por outros termos. Recepções
alternativas podem ser viáveis para a introdução dos estudantes à vida universitária,
mas
desde
universidades.
que
sejam
bem
conduzidas
e
administradas
pelas
próprias
46
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão de validade ou não do trote é antiga e mexe com uma
tradição, muitos estudiosos chegam a falar em relação sadomasoquista com quem o
pratica. O trote universitário como podemos ver neste estudo surgiu já nas primeiras
universidades da Europa na Idade Média, mas foi a partir do século XVIII, que esta
novidade veio para o Brasil trazido por estudantes de intercâmbio da elite brasileira.
Até hoje acredita-se que o trote universitário é uma forma dos estudantes
se conhecerem e buscarem uma integração e pode ser um “trote solidário”, ou o
tradicional batismo com tintas, ovos e farinha, ou seja, pagar aquele famoso “mico”.
Atualmente apesar de o trote solidário estar ganhando espaço, onde
veteranos e calouros integram-se em práticas consideradas alternativas, doando
sangue, plantando árvores, divertindo crianças em instituições, pintando muros de
escolas, arrecadando alimentos e participando de campanhas para doá-los a
comunidades carentes, o contexto que se pôde ser observado em grande parte das
universidades pesquisadas neste estudo é desolador e esta longe de ser o ideal,
aquele que realmente venha a trazer a integração dos acadêmicos, acima de tudo
com muito respeito e dentro de um contexto que valorize o próximo.
Raspar a cabeça dos calouros, sujá-los com tinta e fazê-los dançar ou
andar de mãos dadas, parece ser inofensivo, e é, desde que seja opcional ou seja, o
calouro só participa se quiser. Mas, infelizmente, essa não é a realidade, o que foi
observado, é a participação compulsória desses jovens, que, acuados, temem
represálias dos veteranos, caso se recusem a ser “trotados”. O álcool é constante
nesses rituais, onde os “bixos” são forçados a ingerir cerveja e uísque, entre outras
bebidas de teor alcoólico, até ficarem completamente bêbados.
Infelizmente o trote é um rito de passagem até hoje aceito socialmente e
esperado pelos estudantes que sonham em ser um universitário, em fazer parte
desse grupo importante da sociedade. Como uma forma de exibicionismo, por conta
desta tradição, o trote acaba camuflando uma violência sutil por meio de suas
atividades, disfarçadas pelo discurso de serem “brincadeiras” inofensivas, como já foi
citada anteriormente.
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Nas imagens e nos discursos pesquisados neste estudo, pôde-se
perceber a importância do trote para os acadêmicos, justificada pela necessidade de
integração dos calouros com os veteranos e a universidade. Esta integração ao
grupo já existente se impõe por meio das atividades tradicionais que aqui
observamos por meio de práticas como o pedágio na cidade, a pintura do corpo,
corte de cabelo, gritos pelo campus sobre os mandos dos veteranos, almoço sem
garfo, gincanas e churrascos, e o trote solidário que geralmente são doações de
sangue e a arrecadação de alimentos e roupas para distribuição às instituições
carentes da cidade.
Fazer parte do grupo e ser reconhecido como um membro é muito
importante para o calouro e esta necessidade é verificada pela alegria de parte dos
calouros em participar de tais atividades, seja ela solidária ou não. Para eles portar
os símbolos do trote permite mostrar à sociedade o seu diferencial, ser um estudante
de uma universidade conceituada e respeitada socialmente, que valoriza a sua
imagem e a de seus familiares.
Por outro lado, há estudantes que são vítimas de práticas que violam
seus direitos constitucionais. Isso não deveria se perpetuar na história da
humanidade como inevitável. Trotes se constituem em passagens, que são tecidos
na trama de relações sociais que envolvem calouros, veteranos e a universidade. Os
sentidos que cada um atribui aos trotes depende da sua história do seu olhar sobre
tais contextos, textos e subtextos em que está veiculado.
Não se pode atribuir ao trote uma condição de eterno, nem mesmo de
pronto e acabado. Por fim, tais contextos deveriam ser repensados e como na vida
cada nova situação, cada momento, devem ser entendidos como “passagens”. Viver
é puro devir.
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passagens o trote nas universidades brasileiras