BE_310 CIÊNCIAS DO AMBIENTE – UNICAMP ESTUDOS Turma 2014. Disponível em: http://www.ib.unicamp.br/dep_biologia_animal/BE310 AVALIAÇÃO DA ENERGIA PRÉ-PAGA COMO MEDIDA PARA ECONOMIA E CONSCIENTIZAÇÃO GABRIEL BARROS ZANONI LOPES MORENO*; LEONARDO DOBNER FERRETO DE MEDEIROS; MATHEUS FREIRE WU; VITOR HUGO DE SOUSA FERREIRA; Graduandos em Engenharia de Controle e Automação – FEM/UNICAMP *E-mail do autor correspondente: [email protected] Devido ao risco de déficit de energia alarmado no primeiro semestre deste ano (ROCHAS, 2014) a conta de luz do brasileiro pode vir a custar até 25% mais caro a partir do ano que vem (FOLHA POLÍTICA, 2014). Um dos motivos apontados para este aumento é ativação emergencial das termelétricas de Uruguaiana e Cuiabá alimentadas com gás natural estrangeiro, comprado a preços altos da Argentina e Bolívia respectivamente (RIBEIRO, 2014 e ISHIZUKA, 2014). Sendo assim, como uma alternativa para reduzir a demanda e os custos da energia no país, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) propôs o uso da energia pré-paga, que deve entrar em vigor em meados de 2015 (BORGES, 2014). Diversos países já regulamentaram a utilização deste serviço, como os Estados Unidos, Argentina, África do Sul, Colômbia, Inglaterra e Moçambique (IDEC, 2012). Na Inglaterra, a adesão deste tipo de serviço chega a 5,9 milhões de pessoas (USWITCH, 2014) e no mundo a 20 milhões, com perspectiva de aumento para 34 milhões em 2017 (GARTHWAITE, 2014). Nos Estados Unidos, o tema já foi regulamentado e pesquisado minuciosamente (DEFG, 2014) e vem gerando discussões semelhantes às que estão em andamento no Brasil hoje (HATCH, 2012 e WIMBERLY, 2014). O sistema funciona de forma semelhante ao utilizado em telefonia celular (WARTH, 2014), em que o cliente paga primeiro, por meio da compra de créditos, e utiliza o serviço depois. Por outro lado, assim como acontece nos telefones celulares, há prós e contras em sua utilização (USWITCH, 2014). No Brasil, o sistema obrigará que as distribuidoras coloquem à disposição dos consumidores no mínimo 20kWh em créditos de emergência, os quais serão descontados na próxima recarga (TAVARES, 2014). Isso difere significativamente do sistema de pós-pagamento atual, no qual as distribuidoras somente podem suspender o fornecimento da luz a partir de 15 dias após a data de vencimento da conta (30 dias no caso dos consumidores de baixa renda). Neste novo sistema, os 20kWh extras, são projetados para corresponder a cerca de apenas 3 dias de consumo (TAVARES, 2014). Como já acontece em outros países, a implantação do novo sistema no Brasil também deve permitir aos consumidores o monitoramento em tempo real do consumo de energia, além de apresentar avisos sonoros e luminosos quando os créditos estiverem acabando. A intenção é permitir um maior controle dos gastos com energia, que projeta-se ser refletido em economia racional de energia (TAVARES, 2014). Até hoje, pesquisas realizadas pelo DEFG (“Distributed Energy Finantial Group”) nos Estados Unidos confirmaram uma redução média de 11% no consumo de energia (ZARNIKAU et al., 2014) e um índice de satisfação de 92% em relação ao serviço pré-pago de energia (BRADY, 2014). Do ponto de vista socioeconômico, a imposição do novo sistema no Brasil é controversa (IDEC, 2014). De forma que, ao mesmo tempo que permite um controle maior sobre os gastos, pode representar um risco para o consumidor de baixa renda ou que simplesmente não puder comprar novos créditos antes do esgotamento da sua reserva individual. Em ambos os casos, o suprimento de energia seria cortado no mesmo momento em que fosse confirmada a inadimplência do consumidor. Tendo em vista a situação corrente no Brasil e pressupondo-se que a maioria das pessoas não está devidamente informada sobre este assunto, este projeto visa introduzir o tema a pessoas no meio acadêmico e estimular discussões sobre os prós e contras de tais medidas com um enfoque social e ambiental. Uma vez que a energia pré-paga ainda não foi implementada regionalmente até o momento, é proposta uma simulação para quantificar os gastos diários nas residências de alunos da comunidade acadêmica da Unicamp. O objetivo final deste experimento é promover conclusões sobre prováveis contratempos ou riscos oferecidos pelo novo sistema ao consumidor. MATERIAL E MÉTODOS Para a execução da pesquisa, foram recrutados voluntários para que suas residências participassem de uma simulação do uso de energia pré-paga por uma semana, dentre os quais constam os participantes, seus familiares e amigos moradores de repúblicas na região de Barão Geraldo. O recrutamento foi feito através de contato pessoal entre os alunos da faculdade de engenharia mecânica da UNICAMP e através de envio de e-mail à secretaria de graduação da mesma faculdade, que repassou para todos os alunos de graduação, convidando-os a participarem do experimento. O modelo de energia pré-paga utilizado neste experimento visou abranger uma implementação possível pelo governo brasileiro e utilizou a ideia de cartões pré-pagos (resumo na Tabela 2: Dados) a serem adquiridos e inseridos fisicamente no relógio para inserção de créditos e um sistema de crédito emergencial, no qual uma residência pode gastar até mais 20kWh após o esgotamento dos créditos, a serem descontados da próxima inserção de créditos caso fosse um sistema real de energia pré-paga. Os valores escolhidos para os cartões foram baseados no formato disponível por três empresas de energia dos EUA: TXU Energy (TXU, 2014), Acacia Energy (ACACIA, 2014) e Direct Energy (DIRECT, 2014). Devido a diferença discrepante no padrão de consumo de energia médio americano comparado com o brasileiro foram feitas adaptações para permitir uma simulação mais realista. Tabela 1: Característica dos 4 cartões fictícios a serem escolhidos pelos participantes. CARTÃO 1 VALOR MENSAL [KWH] 100 VALOR SEMANAL [KWH] 25 2 3 4 200 300 400 50 75 100 Os cartões foram dimensionados para diferentes perspectivas de consumo mensal. No entanto, como este se trata de um experimento com duração de uma semana, os valores foram transferidos para seus correspondentes semanais. Primeiramente, foram coletados dados a respeito do consumo médio de energia dos participantes do experimento, assim como características de suas residências (número de moradores, tipo de chuveiro, tipo de lâmpadas, etc). Baseado no consumo médio dos participantes foi criado cartões de energia prépaga fictícios, a serem escolhidos pelos participantes. Os participantes foram instruídos sobre o funcionamento da energia pré-paga incluindo o crédito emergencial. O experimento durou uma semana, com os participantes lendo os valores marcados em seus relógios diariamente e reportando eventuais situações atípicas no consumo de suas residências. A seguir é mostrada, nas Tabelas 2 à 5, uma compilação dos resultados obtidos pela simulação de energia pré-paga nas residências dos voluntários. Na Tabela 2 são registrados alguns dados iniciais para a simulação, o número de habitantes por residência, um registro do consumo de energia dos últimos três meses, uma estimativa esperada do gasto semanal, a respectiva data de inicio da medição e o cartão escolhido. Tabela 2: Dados sobre o consumo médio e características das 10 residências participantes. Hab. Conta de Luz Gasto Semanal Início da Pacote Tipo de [kWh] Médio Medição Inicial chuveiro [kWh] [kWh] 1ª 2ª 3ª 1 3 293 227 314 69,50 27/05/2014 400 solar 2 1 90 102 76 22,33 27/05/2014 100 elétrico 3 4 221 235 283 61,58 25/05/2014 400 elétrico 4 1 83 91 93 22,25 26/05/2014 100 solar 5 4 218 207 207 52,67 29/05/2014 400 elétrico 6 3 328 334 289 79,25 28/05/2014 400 elétrico 7 1 182 157 173 42,67 29/05/2014 200 elétrico 8 6 192 224 216 52,67 30/05/2014 400 elétrico 9 4 131 179 257 47,25 29/05/2014 200 elétrico 10 3 85 121 122 27,33 28/05/2014 200 elétrico Tipo de Lâmpadas incandescentes fluorescentes fluorescentes fluorescentes fluorescentes fluorescentes fluorescentes fluorescentes incandescentes fluorescentes A Tabela 3 mostra os valores aferidos nos relógios de luz de cada residência ao longo de 8 dias, que possibilita construir os gráficos da Figura 1, com o consumo diário amostrado ao longo do experimento. Tabela 3: Registro de leitura [kWh] dos relógios de luz das 10 residências participantes. Leitura [kWh] 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 1 9363 9372 9382 9391 9402 9414 9423 2 7321 7325 7328 7331 X 7340 7343 3 18502 18511 18519 18527 18534 18543 18553 4 22021 22023 22026 22030 22033 22036 22040 5 356 361 371 380 386 392 399 6 23231 23244 23256 23270 23282 23293 23303 7 2149 2154 2161 X 2173 2178 2184 8 4215 4224 X X 4248 4255 4263 9 3567 X X 3587 3595 3601 3608 10 32688 32692 32697 32700 X 32707 32711 X: Dias não aferidos 8ª 9432 7347 18561 22043 405 23313 2190 4270 3616 32716 Para compensar dias não aferidos mostrados na Tabela 3, o consumo médio no período foi considerado na construção dos gráficos da Figura 1. A Figura 2 mostra ainda o consumo médio entre as Consumo em kWh residências incluídas no estudo: 15 Consumo Seg Consumo Ter 10 Consumo Qua 5 Consumo Qui Consumo Sex 0 1 2 3 4 5 6 7 Residências Consumo em kWh 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 ter qua qui sex sáb 9 10 Consumo Sáb Consumo Dom Figura 1: Consumo diário por residência,dias da semana. seg 8 dom Dias da Semana Figura 2: Consumo médio diário por dia amostrado A soma acumulativa registrando o gasto total ao longo da semana é mostrada na Tabela 4, sendo nesta última comparados os valores finais com os limites dos cartões para a semana (valor original dividido por 4). Tabela 4: Consumo de energia incremental ao longo da semana das 10 residências participantes. Pacote Consumo Incremental [kWh] Incicial Sobra 1º Dia 2º Dia 3º Dia 4º Dia 5º Dia 6º Dia 7º Dia (Semana) [%] [kWh] 1 9 19 28 39 51 60 69 100 31 2 4 7 10 X 19 22 26 25 -4 3 9 17 25 32 41 51 59 100 41 4 2 5 9 12 15 19 22 25 12 5 5 15 24 30 36 43 49 100 51 6 13 25 39 51 62 72 82 100 18 7 5 12 X 24 29 35 41 50 18 8 9 X X 33 40 48 55 100 45 9 X X 20 28 34 41 49 50 2 10 4 9 12 X 19 23 28 50 44 De maneira geral pode-se observar através da Figura 1 que o gasto diário não apresenta grande oscilação em uma residência. Embora estes dados apresentem um certo erro devido a variações nos horários de medição do relógio, nota-se que durante os dias úteis da semana os valores se mantém constantes e apresentam um ligeiro pico durante finais de semana, com exceção das residências 8, 9 e 10 que são repúblicas nas quais os moradores apresentam um comportamento mais flexível. Quando comparado o resultado final na ao longo da semana, Tabela 5 fica evidente que o consumo previsto apresentou uma precisão aceitável. Por esta razão os moradores não apresentaram problemas ultrapassando os limites dos cartões escolhidos antes do prazo, sendo necessária utilização do crédito de emergência em apenas uma residência. Analisando a coluna das sobras, nota-se valores de em média 25,7% mas com alto desvio médio padrão 19,29%, deste resultado, pode-se concluir que as opções de cartões fornecidas devem apresentar maior variedade de maneira a se adequar ao perfil de cada residência. É importante ressaltar que os 20kWh fornecidos como créditos de emergência podem não ser suficientes, na Figura 1 nota-se que em certas ocasiões os moradores se esqueceram de verificar seus relógios por poucos dias tiveram gastos maiores do que este limite, o que seria um problema se coincidisse com finais de semana nos quais pontos de venda podem estar fechados. Levando-se em conta o universo limitado de análise de dez residências, bem como um período também curto de observação (uma semana), a metodologia de consumo pré-paga não apresentou o impacto esperado na economia de energia da residência, possivelmente devido a falta de preocupação em relação a este assunto. Esta afirmação é reforçada pela quantidade de dias e residências nas quais as medições dos relógios foram negligenciadas, a utilização do sistema pré-pago em longo prazo pode vir a alterar estes hábitos, tornando os clientes mais conscientes de seu consumo energético. O modelo de cobrança de energia pré-paga apresentou algumas inconveniências para os moradores, sendo a principal a falta de pacotes que cobrissem os diversos perfis de consumo das residências. Sendo assim, este modelo não apresenta vantagem econômica direta para o consumidor brasileiro, sendo na verdade muito mais atraente para as companhias de luz e energia que evitam então problemas de inadimplência. AGRADECIMENTOS: Nossos sinceros agradecimentos a todos os participantes do experimento que se dispuseram tomar parte do seu tempo diário para registrar os dados requisitados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACACIA ENERGY LLC. Electricity Facts Label (EFL). 10/06/2014. Disponível em: http://acaciaenergy.com/documents/EFL-PB-Plan-Intro-[Eng]-V6-10-14.pdf. Acesso em: 20/06/2014. BORGES, A. Aneel aprova resolução para adoção de conta de luz pré-paga. Valor Econômico. 01/04/2014. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/3502384/aneel-aprova-resolucao-paraadocao-de-conta-de-luz-pre-paga. Acesso em: 20/04/2014. BRADY, D . Northwest Electricity Prepayment Study Indicates High Custome Satisfaction and Energy Savings. DEFG Press Release 09/04/2014. Disponível em: http://defgllc.com/news/article/ northwestelectricity-prepayment-study-indicates-high-customer-satisfaction-and-energy-savings/. Acesso em 06/06/2014. DEFG LLC. Prepay Energy Working Group 2014 Prospectus. 09/2013. 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