Armindo Monteiro Presidente da ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários Escola como catalisador do empreendedorismo 39 É pertinente a introdução do empreendedorismo nos currículos escolares dos diferentes graus de ensino, de forma a transmitir aos estudantes portugueses competências que lhes permitam desenvolver uma maior predisposição para o risco. Neste sentido, a escola funcionaria como catalisador do espírito empreendedor dos alunos ao disponibilizar-lhes um conjunto de valores, conhecimentos e ferramentas passível de elevar as respectivas capacidades de iniciativa. Por maioria de razão, as universidades devem assumir-se, inequivocamente, como centros nevrálgicos do movimento empreendedor português. A aprendizagem do empreendedorismo justifica-se, aliás, não só por razões que se prendem com a competitividade da economia portuguesa, mas também com o próprio equilíbrio social do País. Conforme se verifica nos EUA, por exemplo, o empreendedorismo pode ser um importante instrumento de inclusão e coesão sociais. 40 The introduction of entrepreneurship in school curriculums at the various levels of education is pertinent, as a way of transmitting to Portuguese students the competences that will allow them to develop a wider predisposition for risk-taking. In this sense, schools would work as a catalyst for the entrepreneurial spirit of the students, by providing them with a set of values, know-how and tools capable of raising their initiative capabilities. Universities, above all, must assume themselves unequivocally as the nervous centres of the Portuguese entrepreneurial spirit. Teaching entrepreneurship is justified, moreover, not only for reasons that have to do with the Portuguese economy’s competitiveness, but also with the country’s own social balance. As can be seen, for example, in the United States, entrepreneurship may be an important instrument for social inclusion e cohesion. H á muito tempo que a ANJE vem pugnando pela introdução do empreendedorismo nos currículos escolares dos diferentes graus de ensino, de forma a transmitir aos estudantes portugueses competências que lhes permitam desenvolver uma maior predisposição para o risco e uma vontade de auto-superação permanente. Neste sentido, a escola funcionaria como catalisador do espírito empreendedor dos alunos ao disponibilizar-lhes um conjunto de valores, conhecimentos e ferramentas passível de elevar as respectivas capacidades de iniciativa. Por maioria de razão, as universidades devem assumir-se, inequivocamente, como centros nevrálgicos do movimento empreendedor português. Os estabelecimentos de ensino superior concentram em si recursos humanos altamente qualificados, conhecimento intelectual e científico, massa crítica, dinâmica de inovação, capacidade de investigação e sofisticação tecnológica, ou seja, apresentam um ambiente favorável ao desenvolvimento individual do empreendedorismo e à sua futura aplicação no tecido produtivo. De resto, não é novidade para ninguém que a criação de sinergias entre universidades e empresas é essencial para garantir a competitividade dos países, no âmbito da tão propalada Economia do Conhecimento. Em Portugal, todavia, ainda se verifica uma certa distância entre universidades e empresas, embora esta realidade esteja já a mudar paulatinamente. A expansão do ensino do empreendedorismo nas instituições do ensino superior, o incremento dos spin-offs académicos, as parcerias entre centros de investigação científica/tecnológica e empresas ao nível da I&D, a criação de parques de incubação empresarial no seio das próprias universidades e politécnicos e a prestação de serviços de consultoria de gestão aos estudantes provam que se está a evoluir no bom sentido, fazendo benchmarking das boas práticas dos países mais desenvolvidos. A isto se chama empreendedorismo qualificado, na medida em que este assenta não apenas nos traços de personalidade do indivíduo, mas também na sua estrutura intelectual ou cognitiva. Hoje, para se ser empreendedor já não basta ter boas ideias e voluntarismo em doses generosas. Actualmente, quem se abalança na criação e na gestão de empresas necessita de ter qualificações que lhe permitam enfrentar os desafios decorrentes da transição de uma sociedade industrial para uma sociedade em rede e do conhecimento. Pouca apetência para o risco Ora, esta é uma das principais lacunas do movimento empreendedor português. No nosso país, muitos negócios inserem-se ainda no chamado «empreendedorismo de subsistência», uma realidade que resulta da reduzida capacidade de gerar emprego pelo tecido produtivo e, sobretudo, do défice de qualificação da população portuguesa. Segundo o Observatório da Criação de Empresas do IAPMEI, aproximadamente 1/3 dos empreendedores (32,8%) que em 2007 criaram o seu negócio tinham, no máximo, a escolaridade obrigatória. Mas é de saudar que mais de 40% dos empreendedores possuíssem, nesse ano, pelo menos frequência universitária, sendo que perto de 3/4 destes (72,2%) concluíram efectivamente uma licenciatura ou mesmo estudos pós-graduados, mestrados ou doutoramentos. Por fileiras, a percentagem de empreendedores com frequência universitária nas novas empresas do sector financeiro é de 45,5%, mas sobe para 54,7% nas actividades imobiliárias, para 58,5% nas empresas de informática e similares, para 61,9% no ensino e investigação e mesmo para mais de 70% nos serviços de consultoria e serviços às empresas (73,2%) e na saúde e serviços sociais (75%). Em contrapartida, há ainda sectores onde os empreendedores de menores habilitações mantêm uma expressão particularmente significativa, como nos transportes e comunicações (onde 57,9% têm, no máximo, o 9.º ano), construção (55,2%), indústria transformadora (54,9%) e hotelaria e restauração (47,4%). Um estudo mais recente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, coordenado por Aurora Teixeira, mostra, contudo, que apenas 6% dos estudantes portugueses lançaram ou deram os primeiros passos para criar o seu próprio negócio, embora um em cada três discentes manifeste o propósito de criar uma empresa. Cerca de 35% dos estudantes vêem-se no futuro próximo como empreendedores, valores análogos aos da 41 42 Áustria mas muito abaixo da realidade nos EUA. Por seu turno, 60% dos inquiridos preferem ser funcionários pela estabilidade de um emprego fixo, pela segurança do salário garantido e pelo receio de assumir o risco empresarial. Isto significa que a pouca predisposição para arriscar não resulta tanto da falta de ideias ou de conhecimentos para iniciar um negócio, mas sim por questões culturais e comportamentais. Neste sentido, os nossos estabelecimentos do ensino superior formam cada vez mais pessoas para serem trabalhadores por conta de outrem. Neste contexto, e reconhecendo a importância do movimento júnior na actividade empresarial portuguesa, a ANJE tem defendido o empreendedorismo qualificado e inovador, designadamente se praticado a partir das universidades. É neste sentido, aliás, que a ANJE rubricou protocolos com instituições do ensino superior para acções de formação em empreendedorismo, criou uma bolsa de inserção no mercado de trabalho para jovens altamente qualificados – Bolsa de Estudantes de Elevado Potencial (BEEP) – organiza anualmente concursos de ideias para estudantes e promove com regularidade, em faculdades e liceus, road-shows de promoção do espírito empreendedor. Por outro lado, a ANJE tem preconizado junto dos decisores políticos um novo enquadramento dos sistemas de incentivo para jovens empreendedores. Neste âmbito, a associação defende a necessidade do financiamento público abarcar despesas elegíveis imputáveis desde a formulação da ideia empresarial à sua concretização efectiva, passando ainda pela elaboração do respectivo plano de negócios. Sabendo que na nossa sociedade o espírito empreendedor é ainda ténue, faz todo o sentido não criar obstáculos logo a partir da ideia de negócio. O apoio financeiro deve, pois, ser conferido num estágio inicial, para não matar à nascença a pulsão empreendedora de muitos dos nossos jovens. Tal procedimento seria, a nosso ver, de vital importância para a expansão dos empresários juniores, os quais, por se encontrarem ainda a concluir os respectivos estudos, revelam grandes dificuldades na obtenção de financiamento para as suas ideias de negócio. Tanto mais que, como sabemos, as instituições bancárias portuguesas demonstram algum conservadorismo no financiamento de projectos empresariais, em particular nas fases seed capital e start-ups, e o capital de risco é ainda um instrumento incipiente no nosso país. The american way A propósito da criação de competências para o empreendedorismo, importa atentar no que se passa no sistema de ensino norte-americano. Nos EUA, e seguindo a lógica muito pragmática deste país, procura-se incutir nos jovens os valores do empreendedorismo logo a partir dos bancos de escola. Miúdos iguais aos que em Portugal se deleitam com as peripécias dos Morangos com Açúcar aprendem muito cedo a fazer um plano de negócios, por exemplo, sem prejuízo das disciplinas mais convencionais (Matemática, Língua materna, História, Ciências…) e sem sobrecarregar os alunos com conteúdos escolares. Integrado numa missão de desenvolvimento e inovação empresarial à Florida, em Setembro de 2006, conheci Giovanni Lugo. Este jovem de apenas 16 anos deixou boquiabertos importantes empresários e banqueiros portugueses com a simplicidade, determinação e segurança com que explicou o seu negócio. Giovanni Lugo, cujo objectivo profissional era ser professor de História, outra curiosidade, tinha na altura o seu sítio na Internet, a partir do qual prestava serviços de informática ao domicílio. O adolescente deslocava-se a casa das pessoas para instalar jogos ou software para os quais, normalmente, não há tempo ou paciência para tornar operacionais, além de solucionar pequenos, mas arreliadores, problemas técnicos nos computadores. O lema da sua empresa era, aliás, bastante eloquente: «We are here when you need us most… When you are having a bad day». Giovanni Lugo é a prova inequívoca de que o empreendedorismo pode, e deve, ser ensinado. Ninguém nasce empreendedor, embora existam características idiossincráticas que predisponham a isso. Esta foi, de resto, a grande lição que empresários, gestores, docentes, deputados e membros do Governo trouxeram da Florida para Portugal. «Eu sou eu e a minha circunstância», escreveu o filósofo Ortega y Gasset. O que neste caso significa que, em matéria de empreendedorismo, a circunstância pode ser um sistema de ensino que promova a iniciativa individual, o risco empresarial e o mérito. É esse o desígnio que está a ser seguido nos EUA, com os esforços a serem divididos entre a sociedade civil e os organismos públicos, de tal modo que as duas esferas se confundem. Aliás, o projecto de promoção do empreendedorismo no ensino que está a ser seguido na Florida e em outros Estados norte-americanos tem como principal dinamizador uma fundação, a National Foundation for Teaching Entrepreneurship (NFTE). Esta instituição actua em parceria com escolas, universidades e organizações comunitárias, tendo como lema: «Thinking big about business, school, careers and life». O trabalho da NFTE, cujo arranque se deu em 1987 em Nova Iorque, parte das seguintes premissas: o empreendedorismo pode ser ensinado; o empreendedorismo promove e reforça a relação dos alunos com a escola, a comunidade e o mercado laboral; o empreendedorismo cria emprego para os jovens de comunidades mais desfavorecidas socialmente. Ora, importa reter esta última premissa. Para alguns sectores ideologicamente mais preconceituosos da nossa sociedade, a perspectiva de ensinar a fazer negócios nas escolas pode afigurar-se como mais uma investida ultraliberal e, por isso, merecedora de veemente censura. Acontece que a NFTE começou a desenvolver o seu projecto, precisamente, com um objectivo de coesão social, vendo no ensino do empreendedorismo uma forma de os jovens oriundos de comunidades desfavorecidas fintarem o destino de pobreza que lhes parecia estar inexoravelmente reservado. Ou seja, o desígnio matricial da fundação é dar aos alunos carenciados conhecimentos, ferramentas e estímulos que os levem a criar o seu negócio, construindo um futuro isento das dificuldades do presente. Como muito bem sabemos, a inclusão social começa nas escolas. Neste sentido, o empreendedorismo pode ser um importante instrumento para que esse objectivo seja concretizado. Ensinar os nossos jovens, logo a partir do liceu, a elaborarem planos de negócio, a dominarem as ferramentas básicas de gestão, a terem noção da lógica do mercado, a desenvolverem a sua criatividade, a serem inovadores e a estarem sensíveis às vantagens de assumir riscos não me parece ser uma excentricidade economicista ou algo inexequível para a realidade educacional portuguesa, cujos graves problemas todos nós conhecemos. A questão aqui é de mero pragmatismo e bom senso, algo que abunda na sociedade americana e escasseia na nossa. Seria, pois, interessante que, complementarmente ao esforço que está a ser feito no sentido de aproximar o ensino superior do tecido empresarial, e vice-versa (veja-se, por exemplo, o acordo firmado com o Massachusetts Institute of Technology (MIT), a Harvard Medical School e a Carnegie-Mellon), o Governo concentrasse algumas das suas energias na introdução e generalização dos valores do empreendedorismo nos currículos escolares. A medida justifica-se, como vimos, não só por razões que se prendem com a competitividade da economia portuguesa, mas também com o próprio equilíbrio social do País. Logo, um desígnio perfeitamente compaginável à inspiração socialista do Executivo de José Sócrates. Maio 2009 43