Água e Cidadania Água e cidadania Publicado em 03.01.2006 - Jornal do Commercio (Recife –PE) ALEXANDRE RAMOS Se sairmos um pouco do cenário de crise política que arrasa o País, poderemos dizer que a questão ambiental foi o centro das atenções e debates no ano de 2005 e, se reparamos bem, no temário ambiental o principal mote foi a água. A água é substância fundamental para a existência da vida no planeta, mas devido ao seu mau uso, também provoca destruições, catástrofes, conflitos e mortes. Em escala global, o ano foi marcado por catástrofes naturais que apontam a reação da natureza ao impacto ação humana. Mal foi iniciada a reconstrução dos países atingidos por uma onda gigante chamada tsunami, outras catástrofes aconteceram com mais intensidade em todo o mundo: grandes furacões, terremotos e enchentes que atingiram e destruíram histórias de vidas e culturas como num piscar de olhos – estima-se que desmatamentos e poluição causada por gases têm modificado o ciclo do clima na Terra. Já o degelo nos pólos norte e sul modifica a pressão das placas que causam os terremotos. No Brasil, vendavais, ciclones ou furacões (ainda não se sabe ao certo) estão freqüentes na Região Sul. No Norte, a novidade foi a estiagem na Amazônia, que secou rios, o que imaginávamos impossível de acontecer. Boa parte disso é resultado da ação predadora do homem sobre os recursos naturais. Essa ação de desmando que cometemos habitualmente contra a natureza tem seu efeito imediato, em especial sobre os recursos hídricos do Planeta – o crescimento do consumo de água e a urbanização acelerada, o uso e ocupação do solo de forma desordenada nas margens dos rios, o lançamento de lixo e esgotamentos sanitários, a extração desordenada de areia e argila, a destruição da matas ciliares e a desproteção de estuários e nascentes. Tais desmandos têm tornado precário o acesso às águas superficiais e têm causado diminuição da vazão natural dos rios, da qualidade e da disponibilidade da água. Os governos (municipais, estaduais e federal), induzem estes desmandos, não cumprindo as leis e concedendo licenças a grandes empreendimentos que normalmente causam impacto, violação e conflito no uso da água. Como reação, 2005 foi um ano de mobilização social para fortalecer o direito à água como direito humano. Em janeiro de 2005, o V Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, construiu a Plataforma Global de Luta pela Água (declarando a água como um direito humano, em mãos públicas e combatendo todas as modalidades de privatização), mobilizações contra o aumento das tarifas de energia e transporte, mas também contra a transposição do São Francisco e outras obras hídricas, vimos debates públicos para construção de um Plano Nacional de Recursos Hídricos e da Política Nacional de Saneamento ambiental, vimos os movimentos em marcha pela reforma urbana levando 5 mil pessoas às ruas do Recife, entre outras mobilizações em todo o Brasil. No âmbito local, pela primeira vez, aconteceu um encontro estadual dos COBHs e um seminário entre redes e fóruns de Pernambuco para pensarem estratégias para o direito à água como um direito humano. E, para fechar o ano, em dezembro, instituições de toda a América Latina participaram do Encontro Latino Americano por uma Nova Cultura da Água, criando estratégias de enfrentamento coletivo para os diversos problemas referentes aos recursos hídricos. Tal participação se faz extremamente necessária para que não precisemos sacrificar pessoas que defendem as águas com sua própria vida, como vimos a greve de fome do bispo Luiz Flávio Cappio contra a transposição do Rio São Francisco e o ato desesperado do ambientalista Francisco Anselmo, que se matou ateando fogo em seu corpo na defesa dos rios do Pantanal e contra as usinas de álcool na região. Estas reações produziram resultados. Em Pernambuco, por exemplo, a mobilização da sociedade, em conjunto com o Comitê da Bacia do Rio Una, resolveu um conflito existente na foz do Rio Una, que serve de referência como conquista da população. Esse conjunto de questões demonstra que 2006 será um ano muito movimentado. É mais que necessário enfrentar o debate e mostrar que a questão das águas não é um assunto de técnicos, é sim uma causa de todas as pessoas. Pessoas que enfrentam todo tipo de realidade, que lutam por água como direito essencial, que exigem melhores condições de salubridade e desenvolvem ações que buscam qualidade de vida digna. Alexandre Ramos é educador da Fase.