UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO Ornella Maria Castelnuovo Angelucci Arquitetura e luz: o átrio (ex-pátio) São Paulo Fevereiro 2012 Ornella Maria Castelnuovo Angelucci Arquitetura e luz: o átrio (ex-pátio) Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Universidade em Arquitetura Presbiteriana e Urbanismo Mackenzie da como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Prof. Dra. Maria Augusta Justi Pisani São Paulo Fevereiro 2012 A585a Angelucci, Ornella Maria Catelnuovo. Arquitetura e luz: o átrio / Ornella Maria Catelnuovo Angelucci. 186 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012. Bibliografia: f. 141-153. 1. Arquitetura. 2. Luz na arquitetura. 3. Átrio. 4. Pátio. I. Título. Agradecimentos À luz que renasce a cada dia. Resumo Este trabalho analisa o átrio como espaço integrante de edificações não residenciais quanto ao seu potencial em fornecer luz do dia. A leitura proposta e os esquemas aqui apresentados investigam as possibilidades de decisões do arquiteto em relação ao espaço do átrio frente às condições de cada projeto. Um resumo histórico da utilização de tais elementos compositivos na arquitetura evidencia seu uso por propósitos projetuais, climáticas e de qualidade ambiental. Para estudo dos aspectos qualitativos da incorporação do átrio no conjunto da edificação serão tomados casos cujo vazio central se expressa marcadamente. Palavras-chave: Arquitetura, luz do dia, átrio, pátio. Abstract This study examines the atrium space as part of non-residential buildings for their potential to provide natural light in hot-humid climates. The proposed reading scheme investigates the possibilities of the architect's decisions in relation to its lobby, as well as the use of adjacent elements to forward them to the conditions of each project. A historical summary of the use of such compositional elements in the architecture shows its use for design purpose, climatic and environmental comfort, being performed a review of the design specification for buildings in tropical climates. To study the qualitative aspects of the merger of the atrium throughout the building, it will be taken cases where the central void is markedly expressed. Key-words: Architecture, daylight, atrium, courtyard. Sumário INTRODUÇÃO _____________________________________________ 1. EDIFÍCIO COM VAZIO CENTRAL 001 _______________________________ 011 ______________________________________ 014 1.1.1.China – Índia _______________________________ 019 1.1.2.Grécia – Roma _______________________________ 022 1.1.3.Mundo árabe _______________________________ 033 _______________________________ 042 1.2.1.1ª Revolução Industrial _______________________________ 048 1.2.2. 2ª Revolução Industrial _______________________________ 058 1.2.3. 3ª Revolução Industrial _______________________________ 068 1.2.4. Já se fala da 4ª ______________________________________ 082 1.1. Origens 1.2. Desenvolvimento 2. ÁTRIO ____________________________________________________ 085 2.1. Atrium, plur. Atria ______________________________________ 086 2.2. Considerações ______________________________________ 091 2.2.1.Qualidade ambiental _______________________________ 095 2.2.2.Eficiência energética _______________________________ 097 _______________________________ 098 2.3. Configuração do átrio 3. ESTUDO DE CASOS _______________________________________ 111 3.1. Fórum Trabalhista Ruy Barbosa ________________________ 114 3.2. Centro de Cultura Britânica ________________________ 125 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS _______________________________________ 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ________________________________ 135 141 6. APÊNDICES 6.1. Luz do dia: conceitos e estratégias para uso 6.2. Luz do dia na arquitetura brasileira __________________ 154 _________________________ 168 Lista de Figuras Figura 0.01 - Visualizing the Invisible ................................................. 01 Figura 0.02 - Luz de inverno no Pantheon, Roma .................................... 03 Figura 0.03 - Croqui jornada solar, Le Corbusier ..................................... 04 Figura 0.04 - Vasos de plantas .......................................................................... 08 Figura 1.01 - Aquarela ilustrativa de casa-pátio ................................................. 11 Figura 1.02 - Acampamento beduíno e tenda em camelo, Rub’al-khali .......... 15 Figura 1.03 - Assentamento em Mesakin Quisar................................................ 15 Figura 1.04 - Montagem de uma Yurca ............................................................. 16 Figura 1.05 - Localização do Crescente Fértil ................................................ 16 Figura 1.06 - Casa-pátio, Ur (Caldéia) ............................................................. 17 Figura 1.07 - Pátio, Jaisalmer, India Figura 1.08 - Casas-pátio, Pequim ................................................ 20 .............................................................. 20 Figura 1.09 - Casa-pátio tradicional em Xinjiang Uygur Zizhiqu, China .......... 20 Figura 1.10 - Jardim japonês ............................................................... 20 Figura 1.11 - Torres Hakka, Fujian Tulou .................................................. 21 Figura 1.12 - Planta e reconstrução de casa em Priene ..................................... 23 Figura 1.13 - Planta e ruína de casa em Delos .................................................. 23 Figura 1.14 - Ruína de casa etrusca, Vetulonia, Toscana Figura 1.15 - Templo e casa etrusca ........................ 24 .................................................. 25 Figura 1.16 - Madeiramento da cobertura e corte do átrio toscano ............ 26 Figura 1.17 - Aposentos em uma Domus italica típica ........................ 27 Figura 1.18 - Planta e reconstituição da Domus Itálica ..................................... 29 Figura 1.19 - Reconstrução da Vila Adriana, Tivoli Figura 1.20 - Villae rustica ........................ 29 ........................................................................... 29 Figura 1.21 - Ilustração esquemática de uma Insulae ........................ 30 Figura 1.22 - Corte esquemático de uma Insulae ........................ 30 Figura 1.23 - Interior de um a casa senhorial romana ........................ 30 Figura 1.24 - Átrio de casa romana em Pompéia ..................................... 30 Figura 1.25 - Atrium e Impluvium, ruína de Pompéia ..................................... 31 Figura 1.26 - Lararium da Casa dei Vettii, Pompéia ........................ 31 Figura 1.27 - Eixos vertical e horizontal em Atrium da casa romana Figura 1.28 - Casa-pátio e distribuição dos aposentos, Yatz ........................ 34 Figura 1.29 - Casa de Maomé, Medina e mapa ocupação do Islã Figura 1.30 - Grande Mesquita de Damasco, Síria ............ 35 .................................... 36 Figura 1.31- Vista aérea da Grande Mesquita de Damasco ........................ 36 Figura 1.32 - Fiéis em oração no interior da Mesquita de Damasco Figura 1.33 - Vista aérea da Grande Mesquita de Damasco. Figura 1.34 - Local de orações da mesma mesquita ........... 32 ............ 37 ........................ 37 ..................................... 37 Figura 1.35 - Pátio interno Grande Mesquita de Damasco ....................... 37 Figura 1.36 - Vista aérea Grande Mesquita de Córdoba .................................... 37 Figura 1.37 - Vista aérea da Grande Mesquita de Córdoba ...................... 38 Figura 1.38 - Detalhes das arcadas da Mesquita de Córdoba ....................... 38 Figura 1.39 - Colina de Alhambra e Generalife, Granada ....................... 39 Figura 1.40 - Pateo de los Arrayanes, Alhambra, Granada ........................ 39 Figura 1.41 - Pateo de los Leones, Alhambra, Granada …………………….…… 39 Figura 1.42 - Palau de la Generalitat, Barcelona ………………………………….. 39 Figura 1.43 - Pateo de las Donzelas, Alcazar, Sevilha Figura 1.44 - Exemplo estilo Mudejar .................................... 40 .............................................................. 41 Figura 1.45 - Casa privada em igreja em Dura Europos ..................................... 45 Figura 1.46 - Broletto Nuovo, Milão .............................................................. 44 Figura 1.47 - Basílica di São Lorenzo, Florença .................................... 45 Figura 1.48 - Ilustrações sobre trabalhos de Brunelleschi Figura 1.49 - San Pietro in Montorio, Roma ....................... 45 ..................................... 47 Figura 1.50 - Planta e corte do Convento della Carità, Veneza Figura 1.51 - Palazzo Farnese, Roma ................................................. 47 Figura 1.52 - Ponte de Coalbrookdale, Birmingham Figura 1.53 - Casa-museu Soane, Londres Figura 1.54 - Reform Club, Londres ........... 47 ..................................... 48 ................................................. 49 .............................................................. 50 Figura 1.55 - Palácio de Cristal, Londres ................................................ 52 Figura 1.56 - Exposição Internacional de Paris de 1889 ....................... 52 Figura 1.57 - Gare d'Orsay, Paris .............................................................. 53 Figura 1.58 - Museu d’Orsay, Paris ............................................................. 53 Figura 1.59 - Galerie Vivienne, Paris ............................................................. 54 Figura 1.60 – Familistério, Guise ............................................................. 55 Figura 1.61 - Galeria Vittorio Emanuele II, Milão .................................... 56 Figura 1.62 - Hotel Four Seasons Gresham Palace, Budapeste ....................... 57 Figura 1.63 - Maison & Atelier de Victor Horta, Bruxelas Figura 1.64 - Entrada de estação de metro, Paris Figura 1.65- Galerie Lafayette, Paris ....................... 57 ........................................ 57 .............................................................. 57 Figura 1.66 - Janela em prédio da Bauhaus, Dessau ..................................... 58 Figura 1.67 - Pavilhão alemão em Barcelona, Mies van der Rohe Figura 1.68 - Casa de férias Alvar Aalto, Muuratsalo ...........’59 .................................... 60 Figura 1.69 - Villa Savoye, Poissy-sur-Seine, França, Le Corbusier ........... 61 Figura 1.70 - Wainwright Building Sullivan, St. Louis........................................... 62 Figura 1.71 - Larkin Building, Nova York ………..………………............... 63 Figura 1.72 - Johnson Wax Building, Racine ……………….…………………….. 63 Figura 1.73 - Museu Guggenheim, Nova York ……….………….……………… 64 Figura 1.74 - Museu Guggenheim, Nova York …………..……......................... 64 Figura 1.75 - Hyatt Regency Hotel, Atlanta ................................................. 65 Figura 1.76 - Coutts Bank, Londres .............................................................. 66 Figura 1.77 - Átrio e acesso ao edifício da IBM, Nova York Figura 1.78 - Kimbell Art Museum. Fort Wort, Texas. ....................... 66 …………………………. 67 Figura 1.79 - Climatroffice de Buckminster Fuller e Norman Foster ….…… 70 Figura 1.80 – Plantas do primeiro pavimento do Museu Britânico ........... 71 Figura 1.81 – Ilustração do Interior da Sala de Leitura, 1857 ........................ 71 Figura 1.82 – Exterior do Museu Britânico em fotografia de 1900 ............ 71 Figura 1.83 – Interferência no Museu Britânico, Londres, Reino Unido ........... 72 Figura 1.84 – Museu de Arte Joslyn, Omaha, Nabraska ........................ 73 Figura 1.85 - Reichstag, Berlin ........................................................................... 74 Figura 1.84 – Instituto Smithsonian, Washington DC ..................................... 75 Figura 1.85 - Hearst Tower. Cidade de Nova York ..................................... 76 Figura 1.86 – Commerzbank. Frankfurt .................................................. 77 Figura 1.87 - Swiss Re Headquarter. Londres Figura 1.88 - City Hall. Londres ................................... 78 …………………………………………… 79 Figura 1.89 - Clarence Hotel. Dublin, Irlanda ................................................ 80 Figura 1.90 - Beijing Airport. Pequim, China ................................................. 81 Figura 2.01 - Átrio Edifício de Engenharia,Universidade de Wisconsin Figura 2.02 - Ilustração de tenda e fogo interno ........... 85 ..................................... 90 Figura 2.03 - Diagramas e definições de termos ................................................. 91 Figura 2.04 - Distribuição luminosa em função da geometria do átrio Figura 2.05 - Implantação referente ao hemisfério norte. Figura 2.06 - Configurações de átrios ........... 99 ....................... 101 ............................................................. 101 Figura 2.07 - Classificação de átrios conforme o numero de lados. ........... 102 Figura 2.08 - Linha de céu nos espaços adjacentes ..................................... 103 Figura 2.09 - Quota de luz do dia em átrio ..................................... 104 Figura 2.10 - Fluxo de calor através de vidro insulado. ..................................... 105 Figura 2.11 - Projetos que fizeram uso do ETFE ..................................... 106 Figura 3.01 – Montagem de imagens do átrio do Fórum Trabalhista ........... 114 Figura 3.02 – Implantação, plantas e cortes do Fórum Trabalhista ............ 116 Figura 3.03 – Imagens internas do Fórum Trabalhista ........... ............ 117 - 124 Figura 3.04 - Imagem da entrada do Conselho Britânico ........................ 125 Figura 3.05 - Cortes longitudinal e transversal do Ed. Conselho Britânico......... 126 Figura 3.06 – Imagens externas do Ed. Conselho Britânico .........................128 Figura 3.07 – Imagens internas do Ed. Conselho Britânico .............130 - 134 1 1 Introdução Daylighting in architecture is an area in which we know so much and yet practice so little. Füller Moore2 1 Figura 0.01 - Visualizing the Invisible. Concepção e Foto: Talia Chetrit. Disponível em: <//wecantpaint.com/log/?p=1519 >. Acesso em 11 out 2011 2 MOORE, Füller. Concepts and practice of architectural daylighting . Nova York: Van Nostrand Reinhold. 1991. 2 Ao invadir e permear o mundo material a luz define contornos, torna visíveis e perceptíveis espaços e objetos. A luz, uma entidade aparentemente imaterial, empresta significados, sensações e mensagens à arquitetura. Priorizar a luz no momento conceptivo do projeto arquitetônico define relações formais e espaciais, e quando se trata de conceber um habitat, pode ser entendida como material construtivo. A relação entre o usuário e o ambiente construído transcende ao status material das construções, relação esta que possibilita experiências pessoais na apreciação do espaço e seus elementos. No processo de concepção arquitetônica interagem múltiplas relações e elementos que definem aspectos específicos do objeto construído. Dentre tantas possibilidades a luz pode: revelar ou desmaterializar formas, espaços e superfícies; relacionar a obra com seu contexto físicocultural, seu clima e sua orientação; promover a percepção do tempo com dinâmicos efeitos cinéticos; condicionar a escolha de uma pele, de uma matéria, pois os mesmos reforçam o caráter tátil, ótico e natural com cores e texturas diversas, além de interferir no grau de transparência e opacidade; conectar ou separar o interior do exterior – as interferências feitas no envoltório (tipos de aberturas, filtros e vãos) serão decisivas na forma como a luz adentrará nos espaços interiores e na maneira como o jogo de luz e sombra modificará a articulação volumétrica; unir, diferenciar, conectar ambientes; dirigir e orientar, estabelecendo pontos focais, hierarquias e movimentos dinâmicos; enfatizar, no espaço, um sentido de verticalidade ou horizontalidade; com a sombra, modificar as proporções óticas do conjunto edificado e seus detalhes, promovendo efeitos de leveza ou peso – como também reforçar volumes e perfis, marcar acessos, articular superfícies e projetar rendilhados; criar atmosferas, podendo simbolizar ou representar uma idéia, um conceito. [...] Enfim, uma boa iluminação molda e modifica a realidade, condiciona o estado de ânimo das pessoas e a percepção geral dos ambientes que vivenciam (BARNABÉ, 2007, p. 80) 3. Quanto a definir a luz natural, inicialmente vale lembrar que luz é o que nos permite definir o que é através da percepção das variações e de seus impactos no espaço. Luz, ou sua ausência, transforma o espaço a cada estação, a cada dia do ano, a cada hora do dia, a cada momento. Através da historia da arquitetura, a luz foi precisa na Grécia; destilada ao passar do exterior ao interior 3 BARNABÉ, Paulo M. M. A luz natural como diretriz de projeto. Artigo publicado na Revista de Programa Pós-Graduação de Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP nº 22. São Paulo. 2007. Disponível em: <www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/posfau/n22/05.pdf>. Acesso em 13 jul 2011. 3 em Roma (Figura 0.02); liturgica através dos vitrais góticos; humanizada no renascimento; sublime do barroco; flúida nas caixas de vidro da arquitetura contemporânea (PORTELA 2007, p.63-65, tradução nossa) 4. Arquitetura não são quatro paredes e um teto, é também e acima de tudo, o ar que permeia este interior, o espaço que encerram” (Lao-Tse, apud Portela, p.64, tradução nossa) Figura 0.02 Luz de inverno no Pantheon, Roma, Itália (27 aC.). Fontes: Foto: Dan Heller- jan 1997, disponível em: <www.arch.mcgill.ca/prof/sijpkes/D+C-winter2010/D+C-2010-winter.html> Planta: <www.spanisharts.com/arquitectura/ imagenes/roma/panteon_planta.html> Corte: <http://web.educastur.princast.es>. Acessos em 21 set 2011. O espaço é o resultado da totalidade do sistema de percepção. Uma mudança nas condições de iluminação de um ambiente significa uma mudança na nossa percepção do espaço (TRAPANO; BASTOS, 2006, p.4) 5. Arquitetura e luz, ou luz e arquitetura, foram conceitos interdependentes ao longo da história. A relação entre a luz e arquitetura ocorre inevitavelmente, consciente ou inconscientemente. Dependendo de como é usada, pode transformar o contexto espacial, criar sensações agradáveis/desagradáveis, 4 PORTELA, César – Light and Architecture. Palestra na Starlight Conference, 2007. Disponível em: <www.starlight2007.net/pdf/proceedings/CesarPortela.pdf>. Acesso em 21 nov 2011. O arquiteto natural da Galícia (Espanha,1937) é doutor pela Politécnica de Madrid (1968) e professor da Escola de Altos Estudos de Arquitectura, de La Coruña desde 1990.. Fonte: <www.starlight2007.net/pdf/CV/CesarPortela.pdf>. Acesso em 24 nov 2011. 5 TRAPANO, Patrizia Di, BASTOS, Leopoldo E. G. Bastos. Luz, Espaço e Forma. Revista Lume Arquitetura, n.22, 2006. Disponível em: <www.lumearquitetura.com.br/pdf/ed22/ed_22_Ponto.pdf>. Acesso em 18 nov 2011. 4 realistas ou misteriosas, ampliar ou redizir um espaço, ou simplesmente destacar aspectos do espaço que interessam. (PORTELA, 2007, p.63-65, tradução nossa). 6 A luz natural é um dos materiais de base de qualquer projeto arquitetônico. Luz como a matéria é o conceito defendido por Le Corbusier 7: Os elementos arquitetônicos são a luz, a sombra e o espaço da parede. Figura 0.03 – Ilustração integrante da Carta de Atenas, Le Corbusier / CIAM, 1933. Fonte: <//arquitetonica.wordpress.com/category/urbanismo/>. Acesso em 27 set 2011. Relações entre o interior e o exterior de um edifício são moduladas pelas aberturas. A penetração da luz é um elemento essencial do uso e da estética da arquitetura. Desde o século XIX, com a evolução de materiais e o desenvolvimento de novas técnicas de construção, a estrutura tornou-se independente da pele do edifício, capaz de responder à luz e a focos de visão (BESÈME et al,. 2009, s/p, tradução nossa) 8. Uma publicação do grupo de pesquisa da Escola de Arquitetura da Universidade de Dublin 9 aponta uma crescente gratificação do usuário no uso de luz e ventilação naturais. O estudo mostra que as pessoas valorizam a variação da luz do dia e querem ao menos um vislumbre para o mundo exterior. Historicamente, os belos edifícios sempre exploraram a luz do dia, e atualmente, após um breve 6 PORTELA, César. Light and Architecture. Palestra na Starlight Conference, 2007. Disponível em: <www.starlight2007.net/pdf/proceedings/CesarPortela.pdf>. Acesso em 21 nov 2011. 7 8 LE CORBUSIER. Hacia una arquitectura. Barcelona: Poseidon, 1977. BESEME, Odile et al. Architecture et lumière. Disponível em: <www.crdp- montpellier.fr/themadoc/Architecture/ArchitectureImp.htm>. Acesso em 10 dez 2011. 9 ________. Daylighting in Buildings. Grupo de Pesquisa em Energia da Escola de Arquitetura da Universidade de Dublin (Irlanda) para a Comissão Europeia - Diretório Geral de Energia, 1994. Disponível em: <//erg.ucd.ie/UCDERG/pdfs/mb_daylighting_in_buildings.pdf >. Acesso em 23 fev 2011. 5 intervalo, ve-se a luz como elemento crítico de projeto arquitetônico. O argumento para a iluminação natural em edifícios, portanto, tem três vertentes: proporciona um clima interno mais saudável e mais agradável; conserva os recursos do planeta; economiza energia. O Relatório Técnico da Comissão de Energia da Califórnia 10 é um dos muitos no campo de estudo da ciência do edifício, relativamente novo, que busca compreender o impacto das decisões de projeto de arquitetura sobre o usuário, visando fornecer recomendações para futuras pesquisas que darão suporte ao desenvolvimento contínuo da área. O relatório entende que os edifícios são construídos para abrigar as atividades humanas e, projetos que possam melhorar o propósito de seus ocupantes são valiosos. Na medida em que informações confiáveis possam ser fornecidas à arquitetos e empresários, sobre como decisões de projeto influenciam no desempenho dos usuários desses edifícios, ambientes mais adequados à saúde e à produtividade poderão ser construídos, otimizando a ambas as preocupações. O relatório traz como recomendação incentivar a concepção de edifícios de escritório com possibilidade de visão para o exterior disponível à todos os usuários. Tanto em escolas como em escritórios, a pesquisa encontrou correlações consistentes entre visão e desempenho e sugere que a possibilidade de visão através de janelas constitui fator importante ao desempenho humano (HERSCHONG et al, 2003, p.148-157, tradução nossa) 11. A Teoria da Restauração da Atenção de Kaplan 12 oferece um mecanismo para explicar os benefícios da exposição da visão à natureza. A teoria sugere que 10 Relatório Técnico da Comissão de Energia da Califórnia ( Heschong Mahone Report) foca a relação de conforto e produtividade relacionada à iluminação natural em espaços de trabalho. O Heschong Mahone Group (estabelecido na Califórnia desde 1994, por Lisa Heschong e Douglas Mahone, dedica-se a questões de eficiência energética do edifício. Fonte: <www.h-m- g.com/projects/daylighting/acknowledge%20daylight.htm>. Acesso em 15 abr 2011, tradução nossa. 11 HERSCHONG, Lisa – arquiteta, 30 anos de carreira entre pesquisa em energia e projeto. Reconhecida internacionalmente como especialista em luz do dia, uso de energia em iluminação e fatores humanos em projeto de edifícios. MAHONE, Douglas – arquiteto, colaborador e especialista em códigos de princípios e praticas de construção energeticamente eficiente. Professor na faculdade de Arquitetura do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ligado ao Laboratório de Pesquisas em Energia. Fonte: <www.h-m-g.com/>. Acesso em 15 abr 2011. 12 KAPLAN, Rachel e Stephen - Attention Restoration Theory, teoria desenvolvida em 1980, proposta na publicação: A experiência da natureza: uma perspectiva psicológica. Fonte: 6 cenas da natureza têm potencial para restaurar a atenção dirigida, ou capacidade da atividade cognitiva do cérebro, após atividade prolongada ter exaurido a habilidade da pessoa em concentrar-se. Uma vez que a capacidade da mente para eliminar distrações e impulsos tenha se esgotado, as pessoas apresentam resultados fracos em tarefas que exigem mais concentração, apresentando irritabilidade e impaciência. Em vários estudos, a possibilidade de visão para o exterior mostra-se efetiva em ajudar a manter ou restaurar a capacidade de concentração durante longos períodos. Por sua caracteristica transitiva, a luz natural gera variações de luminância ao longo do dia e da época do ano, que associada às condições atmosféricas locais também variáveis, contribui para nosso estado de alerta (HERSHONG et al, 2003, p.23-26, tradução nossa) 13. O acesso a energia barata e abundante no século XX, alavancou o desenvolvimento de nossas cidades e nossa arquitetura, permitindo o que antes não teria sido possível. A noção de projeto energeticamente eficiente, inicialmente fruto da inquietação perante a escassez no fornecimento de petróleo dos anos 197014, levantou a questão da demanda energética despendida na iluminação e climatização de edifícios. Na passagem para o século XXI a necessidade de mitigar os impactos ambientais tornou-se bem compreendida. (KING, 2009, s/p, tradução nossa) 15. A pesquisa em conforto ambiental nos anos 1950 protagonizada pelos irmãos Olgyay 16, constituiu uma primeira etapa dos estudos focada na saúde física dos <//firesidelearning.ning.com/forum/topics/attention-restoration-theory>. Acesso em 25 abr 2011, tradução nossa. 13 HERSHONG et al. op.cit. 14 O embargo do petróleo árabe de 1973-74 - como uma tática política, em outubro de 1973 os países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) suspenderam as exportações de petroleo para os EUA e outras nações ocidentais em retalhação ao apoio prestado à Israel. O embargo forçou considerações sem precedentes sobre a disponibilidade de energia a prazo. Fonte: HORTON, Sarah. The 1973 Oil Crisis. Disponível em <www.envirothonpa.org>. Acesso em 20 set 2011, tradução nossa. 15 KING, Douglas. Passive Design. Fonte: <www.dougking.co.uk>. Graduado em física, consultor especializado em inovação de design e desenvolvimento sustentável da construção e do ambiente construído. Professor do Departamento de Arquitetura e Engenharia Civil na Universidade de Bath, Reino Unido. Fonte: http://www.bath.ac.uk/ace/index.php?page=AcePerson&person=king-doug>. Acessos em 14 jul 2011. 16 OLGYAY, Aladar. OLGYAY, Victor. Solar control & shading devices. Meriden, Connecticut: Princeton, 1957. 7 usuários, fortemente voltada para o desempenho de produção no ambiente de trabalho. Valores quantitativos foram definidos e normas foram elaboradas, de modo a alcançar o estado físico de conforto nas edificações de uso não residencial. A década de 80, portanto após a crise energética, constituiu uma etapa posterior nos estudos. A percepção da finitude dos recursos energéticos (não só do petróleo) levou as pesquisas no campo do conforto ambiental a tenderem para os fatores humanos da situação analisada, levando em consideração os contextos espaciais e sociais. As normas elaboradas a partir dos estudos (referenciados em resultados de condições experimentais e simulações) representavam zonas de conforto físico, o que não necessariamente corresponde a um “estado de conforto” para o usuário. A tendência atual é o estudo contextual, de forma a melhor incluir as variáveis qualitativas na avaliação do conforto ambiental de um espaço (AUGOYARD, 1998, p.15, destaque do autor, tradução nossa) 17. Quando os arquitetos contaram com avanços da indústria e tiveram a fachada liberta da função estrutural, ocorreu a profusão do uso dos panos de vidro e das fontes artificiais de iluminação e ventilação. O fascínio pela tecnologia cresceu a partir de diversas motivações entre as quais a experiência da sensação de domínio do mundo material e para superar a separação do século anterior entre arte e tecnologia. Na passagem para o século XX, as mudanças radicais na percepção da tecnologia ocorreram pelo contato com objetos domésticos, cidades e espaços de trabalho. Neste momento histórico-evolutivo o homem experimentou um sentimento de liberdade, de visão irrestrita e novas relações espaciais, porém, trouxe alguns velhos problemas em magnitude ampliada (TROMMLER, 1995). 18 17 AUGOYARD, Jean-François. Eléments pour une théorie des ambiances architecturales et urbaines, in Les cahier de la recherché architectural. Marselha: Ministério da cultura e da comunicação, 1998. Disponível em: <www.archi.fr/RECHERCHE/cahiers/niv3_12.htm>. O autor é graduado em filosofia, estética e musicologia, doutor em estudos urbanos e prática planejamento, sempre em Paris. Desde 1975 é pesquisador em sociologia urbana e antropologia do meio ambiente. Professor das universidades Vincennes, Paris VI e Grenoble. Fonte: <www.archipel.org/archive/bios_comp/txtaugoyard.htm>. Acessos em 27 nov 2010, tradução nossa. 18 TROMMLER, Frank. The avant-garde and technology: toward technological fundamentalism in turn-of-the-century in Europe. Cambridge: University <//journals.cambridge.org>. Acesso em 01 set 2010. Press, 1995. Disponível em: 8 O artigo de Baker (2000, s/p) 19 We are all outdoor animals, reflete sobre o fato de que, embora hoje passemos a maior parte de nosso tempo em ambientes internos, somos seres do ar livre, pois os genes dos quais somos originados se encontram nas planícies, florestas e montanhas e não em ambientes projetados. Se tivermos em conta que até bem recentemente (quinze gerações), os edifícios eram basicamente destinados a fornecer abrigo e segurança em horas e situações especificas, observa-se que as mudanças culturais foram significativas na forma como hoje nos relacionamos com o ambiente construído. Frase do texto na Figura abaixo: Figura 0.04 - “Há um reconhecimento quase universal do desejo de luz em nosso amor por vasos de plantas”. (Baker, 2000, op. Cit, s/p.) Tecnicamente, a ciência de projetar fazendo uso de iluminação natural não se resume em fornecer luz suficiente para a atividade que será desempenhada no espaço, mas como fazê-lo sem os efeitos indesejáveis - ganho de calor e perda de equilíbrio térmico, controle de brilho (ofuscamento), variações na disponibilidade de luz do dia. Um projeto de iluminação natural consiste de sistemas, tecnologias e arquitetura (ANDER, 2011, s/p, tradução nossa). 20 Comumente, descrições de um espaço se referem às suas propriedades geométricas - proporções, relações volumétricas, etc. No entanto, a descrição de um espaço não deveria ser separada da percepção deste espaço, o que demanda que seja percebido em um contexto onde se combinam propriedades visuais e ambientais. Além disso, a percepção não é só espacial, mas também temporal. Que a percepção do espaço está inadvertidamente ligada à geometria e seu ambiente nunca foi desafiado como argumento teórico, quer por 19 BAKER, Nick. We are all outdoor animals. Artigo apresentado na 17ª Conferencia PLEA (Passive and Low Energy Architecture), 2000. Fonte: <www.arct.cam.ac.uk/plea2000 >. Disponível em: <www.thedaylightsite.com/showarticle.asp?id=38&tp=6>. Acesso em 14 mar 2011. 20 ANDER, Gregg D. Daylighting. Disponível em: <www.wbdg.org/resources/daylighting.php>. Acesso em 25 abr 2011, tradução n ossa. 9 pesquisadores como por profissionais. Ainda assim, estudos analíticos de projeto têm continuamente separado os dois aspectos - estudos ambientais ligam-se a aspectos comportamentais, enquanto geometria e técnicas do projeto estão ligados aos aspectos formais e de identificação do edifício (CHOUDHARY, HEO, BAFNA, 2007, s/p, tradução nossa). 21 O objeto de estudo deste trabalho é o átrio em edificações não residenciais, sua concepção espacial, materialidade e ambiência como resposta a aspectos climáticos, sociais e usos específicos, tendo por objetivo o estudo deste espaço enquanto portador de luz do dia ao interior do edifício e como elemento configurador do espaço edificado. Como método, foi revisto o percurso histórico, estudadas as possibilidades de incorporação da luz do dia no projeto arquitetônico e levantadas questões de qualidade ambiental associadas à incorporação desta luz. Baseado em revisão da literatura, imagens e esboços de análise, o primeiro capítulo revisa o desenvolvimento e as transformações da tipologia de edificações que incorporam um vazio central, pela da perspectiva histórica e de sua configuração espacial, das origens às modernas interpretações. O segundo capitulo é dedicado ao átrio, objeto de estudo desta pesquisa, enquanto espaço de admissão de luz do dia. Conceitua este espaço e estuda estratégias de projeto com exemplos em diversas latitudes. O terceiro capítulo se dedica aos estudos de caso, para o que foram tomados edifícios na cidade de São Paulo cujo vazio central se expressa marcadamente: Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, de Decio Tozzi e Karla Albuquerque (19922004) e o Centro Cultural Britânico, de Alberto Botti e Marc Rubin (1999-2000). Como método de avaliação qualitativo foi realizado estudo fotográfico dos átrios destas obras. Entrevista com o arquiteto e fotógrafo de arquitetura Nelson Kon contribuiu com parâmetros para a leitura. 21 CHOUDHARY, HEO, BAFNA. A Study of Variations Among Mies’s Courtyard. Artigo apresentado no 6º Simpósio Internacional de Sintaxe do Espaço, İstanbul (Turquia), 2007. Disponível em: <www.spacesyntaxistanbul.itu.edu.tr/papers%5Clongpapers%5C096%20- %20Choudhary%20Heo%20Bafna.pdf>. Acesso em 14 out 2011, tradução nossa. 10 O quarto capítulo procede à leitura crítica do objeto de estudo com especial interesse no espaço arquitetônico enquanto volume e ambiente, sob o olhar da percepção deste espaço e das sensações associadas a luz do dia. Os anexos trazem estudos realizados durante o desenvolvimento desta pesquisa e representam campos de conhecimento inerentes ao tema: 1. Estudo da luz do dia e sua relação com o espaço edificado. 2. Conceituação da arquitetura bioclimática e qualidade ambiental. 3. Luz do dia na arquitetura brasileira. 11 1 capítulo 1 Edificações com vazio central desenvolvimento histórico Reunimos trinta raios e os chamamos de roda; mas é do espaço onde não há nada que a utilidade da roda depende. Giramos a argila para fazer um vaso; mas é do espaço onde não há nada que a utilidade do vaso depende. Perfuramos portas e janelas para fazer uma casa; e é desses espaços onde não há nada que a utilidade da casa depende. Portanto, da mesma forma que nos aproveitamos daquilo que é, devemos reconhecer a utilidade do que não é. Lao-tzu, Tao Te Ching, VI Ac 1 Figura 1.Erro! Apenas o documento principal. – Aquarela ilustrativa em Roman History and Environment. Disponível em: <//romanculture.wordpress.com/category/rome/>. Acesso em 05 Dez 2011. 12 Edifícios com pátios remontam às civilizações antigas de climas mais quentes (como grega, hindu, romana e árabe), onde o pátio central desempenhou importante função social e espacial do assentamento. Pode ser classificado como um padrão de desdobramento a partir do centro que, controla e impõe a organização entre os demais espaços, pela posição dominante, física e visual, próxima à entrada e aos espaços circundantes (ŞEKER ILGIN, 2008, p. 31, tradução nossa) 2. A incorporação de um poço de luz ou um átrio ao edifício pode dinamizar o espaço interno pela admissão de luz natural e parece ter efeito positivo na interação entre os usuários. Ao lado dos efeitos psicológicos positivos, os fisiológicos também se beneficiam pela exposição à luz do dia. No século XX, o espaço do átrio foi arquitetonicamente pouco recorrente. Entretanto nos últimos 40 anos 3 o encontramos em reinterpretações, em todas as latitudes e em diversas tipologias, especialmente nos edifícios altos (AHMAD; RASDI, 2000, p.5, tradução nossa) 4. Hoje, átrios são recursos de projeto em construções de grande porte como edifícios de escritórios, shopping centers e hotéis (ASHLEY, p.14, tradução nossa) 5. No entanto, observa-se em muitos átrios contemporâneos que a iluminação elétrica não é equacionada com base na disponibilidade de luz do dia. Além disso, as dimensões e a geometria dos espaços com átrio podem resultar em ganho solar excessivo no verão e perda de calor no inverno. O impacto da área envidraçada sobre o desempenho térmico dos edificios com átrio começa a ser compreendido e a contar com o apoio de simulações computacionais 2 ŞEKER ILGIN, Aysegül. Form and Space in Roman domestic architecture: the architectural language of the atrium house. Dissertação de Mestrado, Escola de Ciências Sociais da Universidade Técnica do Oriente Médio, Ankara (Turquia), 2008. Disponível em: <//etd.lib.metu.edu.tr/upload/12609731/index.pdf>. Acesso em 20 mar 2011. 3 O interesse do profissional de arquitetura pela casa-pátio intensificou-se no período do embargo do petróleo, fato que estimulou pesquisas com foco na diminuição na dependência deste recurso. Enquanto o arquiteto "verde" abraçou a adaptabilidade ambiental da casa-pátio, outros empregaram a tipologia para diferentes razões e finalidades. Nota da autora. 4 AHMAD, Hamdan, RASDI, Mohamad. Design principles for atrium buildings for the tropics. Selangor, Malásia: Penerbit UTM, 2000. 5 ASHLEY, John. Modification of atrium design to improve thermal and daylight performance . Dissertação de Mestrado, Escola de Ciências Físicas e Químicas da Universidade de Queensland, Austrália, 2001. Disponível em: <//eprints.qut.edu.au/15780/1/John_Mabb_Thesis.pdf>. Acesso em 15 jun 2011. 13 (ferramentas de projeto específicas), para tirar partido da potencialidade da luz do dia, resultando em melhoria do desempenho térmico e otimização de consumo total de energia - iluminação, aquecimento e refrigeração. (LAOUADI; ATIF; GALASIU, 2002, p. 4, tradução nossa) 6. Tipicamente, a centralidade da implantação de um átrio o torna elemento ordenador do espaço, incorporando funções que podem proporcionar ambientes agradáveis e confortáveis. Pode-se dizer que hoje, o átrio comporta-se de maneira similar ao átrio romano, quando aquele espaço representava o centro social do edifício (ANDER, 2002, p. 20-21, tradução nossa) 7. Historicamente, o pátio interno manteve a área privada como espaço defendido comum onde a socialização acontecia. A casa de pátio, uma das formas mais duradouras de arquitetura, transcende os limites regionais, históricos e culturais. O equilíbrio entre simplicidade tipológica e controle ambiental continua adequado a diferentes estruturas sociais e familiares. Observa-se que o vernaculismo na arquitetura foi acolhido como um valor contemporâneo, uma tradição a ser observada quando se projetada para o futuro. (ALABIDIN, 2010, p.1, tradução nossa) 8. Atenção deve ser dada na determinação da forma do poço e nos locais a ele adjacentes. A penetração de luz gera variáveis qualitativas na avaliação do conforto ambiental sendo necessária especial atenção aos fatores humanos na percepção do conforto (SHARPLES, LASH, 2007 s/p, tradução nossa) 9. Recentes desenvolvimentos de programas de simulações em computador do permitem investigar o desempenho energético dos edifícios. Pesquisas em vidros também avançaram para aperfeiçoar o nível de conforto dentro de edifícios. 6 LAOUADI, A., ATIF, M. R., GALASIU, A. Towards developing skylight design tools for thermal and energy performance of atriums in cold climates . Relatório de pesquisa realizada pelo Indoor Environment Research Program do National Research Council Canada (RNC), Montreal, Canadá. Disponível em: <www.nrc.ca/irc/ircpubs>. Acesso em 20 abr 2011. 7 ANDER, Gregg D. Daylighting performance and design. Nova Jersey,EUA: John Wiley and Sons, 2003. 8 ALABIDIN, Mahmoud Zein. The Courtyard Houses of Syria. 2010. Artigo disponível em: <www.muslimheritage.com >. Acesso em 20 maio 2011. 9 SHARPLES, S.; LASH, D. Daylight in atrium buildings: a critical review. Artigo publicado pela Faculdade de Arquitetura Desenho e Urbanismo da Universidade de Sidney, 2007. Disponível em: <//goliath.ecnext.com/free-scripts/document_view_v3.pl?item_id=0199-7311300&format_id=XML>. Acesso em 18 abr 2011 14 1.1 Origens Nas últimas décadas, teóricos e historiadores da arquitetura têm debatido sobre a origem da forma da casa-pátio, porém sua exata origem e caminho evolucionário continuam indeterminados. De forma geral, a casa-pátio de base, pode ser descrita como uma disposição de aposentos em torno de um espaço aberto para o céu. Parece ser consenso acreditar que esta tipologia universal, à qual responde a necessidade humana de espaço privado e defendido, pode ter sido decorrente dos instintos humanos básicos de abrigo, podendo ser rastreada até os habitantes das cavernas pré-históricas. Baseado nos levantamentos de Blaser (1999) 10, Schoenauer (2000) 11 e Capitel (2005) 12, pode-se dizer que as primeiras formas da arquitetura do pátio evoluíram a partir dos acampamentos das tribos nômades (Figura 1.2) e, posteriormente, do conjunto de habitações composto pelas primeiras comunidades agrárias (Figura 1.3) (DAS, 2006, p.3-4, tradução nossa) 13. A função mais importante do pátio é fornecer uma janela para o céu, duto de ar e luz em meio ao tecido urbano, garantindo simultaneamente privacidade visual e espacial. Para mediar as restrições entre aberto e fechado, dentro e fora, exigências sociais e ambientais, ou, mais abstratamente entre natureza e cultura, o autor acredita que a casa com pátio é um dos meios arquitetônicos mais bem sucedidos e facilmente realizáveis (Macintosh, 1973, p.28, tradução nossa). 10 BLASER, Werner Blaser. Pateos: 5000 años de evolución desde la antigüedad hasta nuestros días. Barcelona: Gustavo Gili, 1997. 11 SCHOENAUER, Norbert. 6000 Years of Housing. Nova York: W.W. Norton, 2000. 12 CAPITEL, Antón. La arquitectura del patio. Barcelona: Gustavo Gilli, 2005. 13 DAS, Nibedita. Courtyards houses of Kolkata: bioclimatic, typological and socio-cultural study. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura Urbanismo e Design, Kansas State University. 2001. Disponível em: <//krex.k-state.edu/dspace/bitstream/2097/146/.../NibeditaDas2006A.pdf> Acesso em 18 abr 2011, tradução nossa. 15 Figura 1.2 - Acampamento beduíno e transporte da tenda em camelo. Rub’al-khali, Arábia. Fonte: Cobijo. Madri: Blume, 1979, p.13 e p.11 respectivamente. Figura 1.3 - Assentamento em Mesakin Quisar, Sudão. Fonte: SCHOENAUER 14, p. 60. Os padrões de ocupação humana ligam-se às atividades que os suportam. No período pré-histórico, quando o alimento era provido pelo sistema caça/coleta, quanto menos abundante fosse a oferta maior precisaria ser o território. Assim, o padrão foi migratório, movendo-se com os rebanhos de animais pelas estações do ano. A forma da casa correspondia a essas necessidades. Um exemplo é yurta (do russo юрта) que foi, e ainda hoje continua a ser, a principal forma de habitação familiar dos nômades nas estepes da Mongólia. Yurtas (Figura 1.4) têm sido característica distintiva da vida na Ásia Central há pelo menos três mil anos15. Mantêm o ambiente interno aquecido no inverno, resistem a ventos fortes, além da praticidade de transporte e montagem. 14 SCHOENAUER, op. cit. 15 Yurta - a primeira descrição foi registrada por Heródoto de Halicarnasso (Grécia 484- 424 aC.), que descreveu a yurta como a tenda dos Citas (do grego antigo Skythēs), nômades equestres que viveram ao norte do Mar Negro e na região da Ásia Central a partir de cerca de 600 aC. Evidências 16 Figura 1.4 - Montagem de uma Yurca. Fonte: <www.mongolian-yurt.com>. Acesso em 28 out 2011. Ao intervir sobre o ciclo reprodutivo de plantas comestíveis (controle e gestão da alimentação) ocorreu a correspondente mudança no padrão de assentamento humano. Com o desenvolvimento da agricultura, os agrupamentos foram capazes de produzir um excedente de alimentos e, deste fato, nasceu a divisão do trabalho. Mais tarde descortinaria a configuração de agrupamentos maiores vilas e cidades. Figura 1.5 - Localização do «Crescente Fértil» Fonte: <www.igm.mat.br>. Acesso em 27 out 2011. Os primeiros centros urbanos surgiram em áreas climatologicamente favoráveis, como no «Crescente Fértil» 16 (Figura 1.5), com disponibilidade de água para fins arqueológicas comprovam que os hunos, o primeiro império de guerreiros das estepes da Ásia Central, ativos entre os século VI e VI dC, habitavam em yurtas. Fonte: <www.mongolianyurt.com/Yurt-history.html>. Acesso em 28 out 2011, tradução nossa. 16 O termo «Crescente Fértil» criado pelo arqueólogo James H. Breasted, refere-se a imagem de arco formado pela região onde se encontram os rios Tigre e Eufrates, e o Nilo no extremo. 17 de irrigação durante todo o ano. Concentrações populacionais surgiram na região dos rios Eufrates e Tigre (antiga Mesopotâmia 17), no deserto de Thar atravessado pelo rio Indo (atual Índia), no Egito ao longo do rio Nilo. Em todas essas regiões a tipologia da casa com pátio central emergiu como a forma básica de moradia (POSTER, 1989, s/p, tradução nossa) 18. Figura 1.6 - Direita: Planta de casa-pátio, 3.000-4.000 aC. Esquerda: Ilustração de casa com impluvium,19 2.000 aC., Ur (Caldéia) Fonte: Blaser 20, 1999, p. 10. Historicamente, o projeto da habitação responde ao clima e aos aspectos físicos do ambiente, sendo a compreensão dos elementos ambientais fornecedora de indícios da tipologia empregada. É sabido que em climas quentes, tanto secos quanto úmidos, a implantação do abrigo buscará evitar demasiada exposição ao sol e facilitar o resfriamento pelos ventos. Por outro lado, em climas frios, o projeto se voltará para a maximização de aproveitamento do calor solar e a evitar os ventos no inverno. No entanto, parece que as condições climáticas não foram o único componente determinante para o uso da planta da casa-pátio, uma vez que as habitações das civilizações urbanas mais antigas (Figura 1.6) e Atualmente a região corresponde a Israel, Cisjordânia e Líbano, partes da Jordânia, Síria, Iraque, Egito, da Turquia e Irã. Fonte: <www.igm.mat.br>. Acesso em 27 out 2011. 17 Mesopotâmia – terra entre rios, do grego ‘mesos‘ meio e 'potamos' rios. Termo aplicado às culturas que floresceram entre os Rios Tigre e Eufrates a partir de cerca de 5.000 aC. Fonte: <www.bbc.co.uk/history/ancient/cultures/mesopotamia>. Acesso em 28 out 2011. 18 POSTER, Corky. The Courtyard House. Disponível em: <//ag.arizona.edu>. Acesso em 20 abr 2011. 19 Impluvium – designação romana para abertura zenital para captação de água de entra chuva. Nota da autora. Ver p. 27. 20 BLASER, op. cit. 18 ao longo da história das moradias dos períodos clássicos grego e romano, encontramos elementos para suportar o fato de que a "forma pátio" seria atemporal na história da arquitetura (DAS, 2006, p.4, destaque do autor, tradução nossa). Ao longo do desenvolvimento da humanidade, a luz do dia foi a única fonte de iluminação eficiente disponível. Na historia da arquitetura, o vão ou janela, no que se refere à proporção e a quantidade, expandiu-se conforme o desenvolvimento da técnica de nossa civilização (CORONA; LEMOS, 1998, p.284) 21. Na passagem para o século XX, quando os arquitetos tiveram a fachada liberta da função estrutural e contaram com os avanços da indústria e fontes de luz artificial mais eficientes, ocorreu a profusão no uso dessas fontes, assim como da ventilação artificial (BERALDO, 2006, p. 34) 22. O fascínio pela tecnologia cresceu a partir da passagem do século XIX para o XX por diversas motivações, entre as quais a experiência da sensação de domínio do mundo material. As mudanças radicais na percepção da tecnologia ocorreram pelo contato com objetos domésticos, cidades e espaços de trabalho. Gropius, Mies van der Rohe e Le Corbusier, entre outros, através de seus projetos acentuaram o funcionalismo como parte da experiência estética da modernidade. Entretanto, as novas relações trouxeram alguns problemas, ou velhos problemas em magnitude ampliada, como a associação entre clima e ambiente construído (TROMMLER, 1995, s/p) 23. 1.1.1 China - Índia Casas com patio foram construídas na Índia e na China, por volta de 3000 aC. Constituíam um local bem guardado, onde a família formava uma pequena 21 CORONA, Eduardo. LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo: Companhia das Artes, 1998, 2ª ed. 22 BERALDO, Juliano Coronato. Eficiência energética em edifícios: avaliação de uma proposta de regulamento de desempenho térmico para a arquitetura do estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, 2006. Disponível em: <www.usp.br/fau/cursos/pos/teses/mestrado/2006/beraldo_jc/dissertacao.pdf> Acesso em: 29 ago 2010. 23 TROMMLER, Frank. The avant-garde and technology: toward technological fundamentalism in turn-of-the-century in Europe. Cambridge University <//journals.cambridge.org>. Acesso em 01 set 2010. Press, 1995. Disponível em: 19 comunidade. China e Índia têm origem cultural semelhante e, para ambas, a privacidade é elemento chave. Dimensionadas para abrigar uma única família, geralmente têm pátios retangulares cercados por muros altos e pela propria edificação. Nessas casas a única ligação com o mundo exterior é através de uma entrada simples ou de uma câmara estreita. Em ambas as culturas, o pátio foi usado como uma sala de estar ao ar livre, lugar para as atividades diárias, especialmente para as mulheres (Figura 1.7). Dimensões e acabamento refletem o estado social dos moradores (Figura 1.8 e 1.9). As principais diferenças entre os pátios de Pequim e os indianos são o tamanho e a forma, justificado pelo clima. Em Pequim são largos e grandes o suficiente para permitir entrada de luz solar nos ambientes internos, enquanto os indianos são profundos na busca de sombra. Devido às restrições de tamanho, os pátios indianos têm pouca vegetação em comparação aos de Pequim. Posteriormente, esta tipologia influenciaria a casa-pátio urbana em outros países do sul asiático. Os jardins japoneses (Figura 1.10) refletiriam os princípios dos primeiros jardins do pátio chinês (Yu, 1999, p.16-20, tradução nossa) 24. Um exemplo notável de assentamento humano, Fujian Tulou 25, encontra-se entre campos de arroz e chá, na região montanhosa do sudeste da China. Desde o século XIII, migrações sucessivas de grupos da etnia Hakka, originalmente do norte da China, construiram um conjunto de 46 edifícios de planta circular ou quadrada, orientadas para o interior (Figura 1.11). As estruturas mais elaboradas datam dos séculos XVII e XVIII. Em torno de um pátio central (com uma unica entrada e janelas para o exterior apenas acima do primeiro pavimento) os edificios sobreviveram ao tempo e aos ataques. (UNESCO, 2011, s/p, tradução nossa) 24 26. YU, Nancy. The urban courtyard housing form as a response to the human needs, culture and environment. Dissertação de Mestrado, Universidade de Guelph, Ontário, Canadá 1999. Disponível em: <www.collectionscanada.gc.ca/obj/s4/f2/dsk2/ftp01/MQ43240.pdf>. Acesso em 14 maio 2011. 25 Inscrito pela UNESCO como de valor universal excepcional, modelo de uma tradição de construção, função, vida comunitária, organização defensiva e relação harmoniosa com o meio ambiente, 26 Disponível em: <//whc.unesco.org/en/list/1113>. Acesso em 10 Jun 2011. 20 Figura 1.7 - Costureira e vacas em pátio. Jaisalmer, India 1987. Foto: Philip Zosloff. Fonte: <www.flickr.com/people/philinflash/>. Acesso em 25 set 2011. Figura 1.8 - Em Pequim, o tamanho dos pátios varia conforme as posses familiares, geralmente construídos no eixo norte-sul. Os desenhos mostram variação entre pátios de 2, 3 e 4 lados. Fonte: <http://depts.washington.edu/chinaciv/3intrhme.htm#shy1>. Acesso em 22 Out 2011. Figura 1.9 – Casa-pátio tradicional em Xinjiang Uygur Zizhiqu, China. Foto Christopher Little. Fonte: <//luciensteil.tripod.com/katarxis02-1/id43.html>. Acesso em 28 out 2011. 21 Figura 1.10 – Jardim japonês. Fonte: <//hometrendy.org>. Acesso em 14 nov 2011. 22 Figura 1.11 Torres de terra socada e cenas cotidianas da etnia Hakka em Fujian Tulou, China. Fonte: <www.newchinatours.com/eastchinaadventure/FujianHakka.html>. Acesso 14 jun 2011 1.1.2 Grécia – Roma Presume-se que a casa-pátio grega tenha se originado entre os séculos IV e V aC., pois a era clássica da arquitetura 27 carrega evidências de moradias com pátio. Os gregos conceberam suas casas de forma a permitir a entrada do sol baixo de inverno, enquanto os ângulos altos do sol de verão eram bloqueados por beirais (DAS, 2006, p.7, tradução nossa) 28. Em Memorabilia (III. 8, seções 9,10), Xenofonte 29 relata a visão de Sócrates de uma boa casa: A boa casa, pensou ele, deve ser fresca no verão e quente no inverno, conveniente para a acomodação da família e suas posses. Os quartos centrais devem, portanto, ser elevados e abrir para o sul, mas para proteção no verão deve haver bons beirais salientes (sobre o peristilo) e, novamente, a exposição dos quartos no norte deve ser menor. Tudo isso faz sentido, mas na realidade, o homem médio ateniense não se importa muito com sua habitação. Ele gasta pouco dinheiro para embelezá-la. A menos que esteja doente, provavelmente vai estar em casa apenas para dormir e comer. 27 Era clássica – entendida como a herança cultural da Grécia Antiga (séculos VI-IV aC.) continuada pelos diversos períodos político-culturais romanos, até o declínio do império a partir do século III. Fonte: <//greciantiga.org/arquivo.asp?num=0427>. Acesso em 25 maio 2011. 28 29 DAS, Nibedita. Op. cit. Xenofonte - (431-354 aC.) ateniense discípulo de Sócrates recuperou lições do mestre e escreveu Memorabilia, cujo título significa literalmente “o que se mantém na memória”. A versão latina consagrou o título Memorabilia Socratis dicta, ou seja, Ditos memoráveis de Sócrates, que registra aspectos de natureza mundana da vida de Sócrates. <www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=876&Itemid=2>. em 25 out 2011. Fonte: Acesso 23 Na arquitetura grega o requinte era reservado somente aos edifícios públicos, especialmente templos e monumentos erguidos em homenagem aos deuses. No campo, as casas seriam cabanas retangulares com cobertura de palha, de um único aposento ladeado por um estábulo. Na cidade, em geral, as casas eram de dois pavimentos - o primeiro era frequentemente dividido em dois ambientes, sendo um deles voltado para a rua (servindo ao trabalho como oficina ou loja). O segundo pavimento, por vezes alugado a outras famílias, seria acessado por escada externa. Encontravam-se também grandes casas de aluguel, divididas em pequenos apartamentos. De forma geral, as casas urbanas apresentavam duas tipologias de plantas, referentes às cidades de Priene e Delos. A casa de Priene (Figuras 1.12 e 1.13) seria composta por três partes: um pátio, ao fundo deste um vestíbulo e um ou dois quartos. A casa de Delos tinha na parte central um pátio que podia ou não conter um altar. Neste pátio, por vezes, existia um pequeno lago que servia para captar as águas da chuva 30. As casas refletiam a riqueza do proprietário, sobretudo com respeito às dimensões e ao mobiliário. Janelas não eram comuns nestas habitações. Para criar uma maior sensação de espaço, grandes áreas de paredes eram elaboradas com afrescos e mosaicos (POMBO, 2011, s/p) 31. 30 31 Reconheceremos mais tarde no impluvium no átrio romano. Nota da autora. POMBO Olga. As Casas Gregas. Disponível em: <www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo>. Acesso em 09 maio 2011. 24 Figura 1.12 – Planta e reconstrução de casa Figura 1.13 – Planta e ruína de casa em em Priene, séc. IV aC. Fonte: Delos. Fonte: <pages. uoregon.edu>. <www.aibim.org/>. Acesso em 12 abr 2011. Acesso em 30 out 2011. No norte da península itálica, na região hoje equivalente a Toscana, os etruscos 32 construíam casas de único pavimento, sem janelas. O fogo situava-se no centro do espaço, em cuja cobertura havia uma abertura para extração do fumo do fogo, cuja dimensão foi sendo progressivamente aumentada (Figura 1.14). A luz penetrava através desta abertura zenital e da passagem de acesso. O fogo, originalmente no centro da casa, transferiu-se para outro espaço, sendo a função da abertura zenital substituída pela recolha da água da chuva. Estima-se que foi esta evolução que deu surgimento a um tanque de recolha de água de chuva (DUARTE, 2010, p.28-29) 33. 32 Etruscos - em cerca de 700 aC., a maioria das tribos do atual território da Itália eram relativamente recém chegadas, vindos por terra do norte ou por mar pelo Adriático. Eram compostas por indo-europeus, falando línguas do subgrupo conhecido como Itálico. Naquele momento, a parte sul da península, incluindo a Sicília, encontrava-se dominada por colônias gregas, assentadas nas regiões costeiras. Os etruscos foram o grupo dominante e controlaram grande parte do centro da península até cerca de 500 aC., quando perderam poder para os romanos e foram subjulgados. Fonte: <www.historyworld.net>. Acesso em 29 maio 2011, tradução nossa. 33 DUARTE, Daniel Filipe Folgado. A habitação em torno de um vazio nuclear: princípios de reabilitação do alto da Cova da Moura . Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, 2010. Disponível em: <www.repository.utl.pt/>. Acesso em 10 maio 2011. 25 Figura 1.14 – Ruína de casa etrusca de cerca de 2.400 anos encontrada em sitio arqueológico em Vetulonia, Toscana, Itália. Fonte: <www.italymag.co.uk>. Acesso em 12 nov 2011. Segundo Jason e Jason (1988), o Império Romano foi uma sociedade extraordinariamente aberta e cosmopolita, que absorveu os traços regionais num modelo ao mesmo tempo homogêneo e diversificado. Para os autores, a "romanidade" deve ser buscada nesse modelo complexo e não em uma única e consistente qualidade formal. A arquitetura romana mesclou influências etruscas e gregas com as características de sua própria civilização, principalmente a partir do século II aC., quando as conquistas possibilitaram a formação de uma elite enriquecida. Obras públicas de dimensões monumentais (templos, basílicas, anfiteatros, arcos de triunfo, arcos comemorativas, termas, edifícios administrativos e privados, mansões nas cidades e em seus arredores) refletiam a riqueza e o gosto pelo luxo (JANSON e JANSON, 1988, s/p, destaque do autor, tradução nossa) 34. A casa romana original, ou domus italica, herdada dos etruscos (Figura 1.15), tinha apenas um cômodo, sendo este constituído pelo atrium 35 onde se cozinhava, comia e dormia. Com a evolução econômica, os romanos acrescentaram partições a casa. Na época de Cícero (106-43 aC.,) o átrio havia 34 JANSON, H. W. , JANSON, Antony F. Iniciação á História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1988. 35 Atrium, plural Atria – termo de origem etrusca, objeto de estudo do Capítulo 2. Nota da Autora. 26 deixado de ser o centro da vida doméstica para tornar-se um aposento de status. Johnston afirma que a historia desconhece os passos do processo de mudança, porém acredita que os aposentos ao longo do átrio, foram utilizados pela primeira vez como quartos de dormir para maior privacidade. (JONHSTON, 1903, s/p, tradução nossa). Figura 1.15 – Templo e casa etrusca. Fontes: respectivamente <//digilander.libero.it/JackLoSquartatore666/Tesina.htm> e <//addovereor.com/2011/01/the-roman-period/>. Acessos em 18 abr 2011. Tipicamente retangulares e resguardados da entrada principal, os atria constituíram um recurso de projeto de casas das classes altas no período do império romano (27 aC.-476 dC.). Simbolizavam status e estrutura patriarcal, sendo utilizados para a vida familiar e para receber. Vitruvius considerou “átrios de grande estilo desnecessários para os de baixa renda, mas homens de classe, com obrigações sociais para com seus companheiros cidadãos, requeriam sublime entrada em estilo régio e átrio e peristilo espaçosos”. Atrium correspondia ao salão ou sala de audiências na casa romana (GRAFON; MOST; SETTIS, 2010, p.105-106, tradução nossa) 36. Vitruvius relata quatro estilos de átrios: 1. Atrium Tuscanicum - cobertura formada por dois pares de vigas que se cruzam em ângulos retos, deixando espaço descoberto para formar o compluvium (Figura 1.16). 2. Atrium Tetrastylon – cujas vigas eram apoiadas em suas interseções por pilares ou colunas. 36 GRAFON, Anthony; MOST, Glenn; SETTIS, Salvatore. The Classical Tradition. Boston: Harvard University Press, 2010. 27 3. Atrium Corinthium - que difere do segundo por ter mais de quatro pilares de sustentação. 4. Atrium Displuviatum - com telhado inclinado para as paredes exteriores. Figura 1.16 – Esquema do madeiramento da cobertura e corte do átrio toscano. Fonte: JOHNSTON, 1903, p.195-196. Segundo os autores da The Penny Cyclopædia 37, Varro 38 partes da casa romana, associou o termo atrium a cavædium ao descrever as 39. Atrium seria o espaço entre o cavædium, ou área aberta, e as paredes, constituindo o conjunto da abertura entre o compluvium (de onde a água caía) e o impluvium (onde seria recolhida). Segundo Varro, o termo atrium teria tido origem em Atriates, um povo toscano de quem o padrão etrusco havia sido herdado. 37 Society for the Diffusion of Useful Knowledge (SDUK) - Sediada em Londres, fundada em 1826 por iniciativa de Lorde Brougham, foi uma organização dedicada a tornar acessível o conhecimento cientifico ao publico. A sociedade acabou em 1848, embora algumas de obras, aparentemente, continuaram a ser publicadas. Entre os anos de1833 e 1843 publicou Penny Magazine (editada por George Long e publicada por Charles Knight, que em seu auge teve uma circulação de 200.000 exemplares por semana) com textos que pretendiam levar o conhecimento científico ao público que não tivesse acesso ao ensino formal, ou que preferiram autoeducação. Os textos foram reunidos na The Penny Cyclopædia, estando atualmente digitalizada pela Google e disponível em: <http://books.google.com/books>. Acesso em 24 abr 2011, tradução nossa. 38 VARRO, Marcus Terentius (116–27 aC.) nasceu em Reate, e estudou em Roma e Atenas. Foi chamado de "os mais sábios dos romanos" por seu conhecimento enciclopédico. Escreveu cerca de 490 livros, mas apenas alguns sobrevivem de forma bastante completa . Sua obra De lingua Latina, em 25 volumes, é de interesse não apenas como um trabalho linguístico, mas como uma fonte de informação. Fonte: <//history.howstuffworks.com/ancient-rome/marcus-terentius- varro.htm>. Acesso em 23 abr 2011, tradução nossa. 39 Do Latim, contração de cavum (casa) + ædium (buraco), literalmente buraco na casa. Fonte: <//dictionary.reference.com/>. Acesso em 24 abr 2011, tradução nossa. 28 A casa romana teve múltiplas plantas e evoluiu em função da região onde foi construída - se urbana ou rural - e de acordo com o clima e também pelas posses do proprietário, o que determinaria sua dimensão e opulência. Eram dois os tipos de casa: domus e villae. Figura 1.17 – Identificação dos aposentos em uma Domus italica típica. Fonte: <www.spaziovidio.it/archeo/HTML/romano.html>. Acesso em 30 out 2011. Domus - a residência senhorial romana (Figuras 1.17 e 1.18) dispunha, quase sempre, de todos os confortos que a civilização romana dispensava aos senhores de posses. Voltada para o interior, por vezes incorporava a taberna ou loggia, onde o dono da casa vendia os produtos de suas propriedades rurais. O acesso ao interior da casa se dava através do vestibulum, um pequeno espaço atrás do qual se abria o atrium. Num recanto do atrium ficava o lararium 40, altar destinado ao culto doméstico. O atrium fornecia a luz necessária às divisões que o circundam: o triclinium, utilizado para as refeições do dia-a-dia e o tablinum, escritório do senhor da casa, utilizado como sala de reuniões com pessoas que não fossem da família. Andron, um pequeno corredor ligava o atrium ao peristylium, ou pátio interno. A entrada de serviço fazia-se pelo posticum. Junto ao peristylium estariam os cubicula (sing.: cubiculum: quarto de dormir), a 40 Lararium – Lugar dos Lares, deuses que protegem a família contra ameaças externas. Lar, Lares (pl.) deo della famiglia, dei ~; lari (pl.), geralmente mostrados como dois jovens dançarinos, cada qual com uma cornucópia. Lararium, santuário doméstico para os Lares: um altar, um nicho em uma parede ou templo em miniatura colocado sobre pedestal. Fonte: <www.pompeiiinpictures.com/pompeiiinpictures/R0/GlossA6.html#L>. Tradução nossa. Acesso em 25 out 2011. 29 exedra, sala destinada aos banquetes e, nas casas mais ricas, ainda havia aposentos para banhos. Muitas casas ainda tinham um segundo jardim (DUPONT, 2004, p.96, tradução nossa). O peristylium, ou o peristylum dos gregos, tornou-se uma importante parte da casa romana. Um pátio interno descoberto ladeado por cubicula. Mais aberto ao sol do que o átrio, abrigava um jardim protegido de ventos frios. Como os romanos apreciassem o ar livre e o contato com a natureza, o peristilo era o centro de sua vida doméstica em todas as casas abastadas, onde se reservava o átrio para as funções mais formais que a política e cargo público exigiam. Figura 1.18 – Planta e reconstituição da Domus Italica, integrante do arquivo da Fototeca Unione. Fonte: <//www.arch.mcgill.ca/>. Acesso em 20 abr 2011. Villae - moradia rural, cujos edifícios formavam o centro de uma propriedade agrícola. A partir do século II aC. tornaram-se cada vez mais sofisticadas sendo frequentemente utilizadas como casas de campo senhorial. As terras seriam cultivadas por arrendatários ou sob supervisão de um administrador. Havia dois tipos de vilas: 1. Villa Urbana – situada no campo ou próxima ao mar, eram um complexo habitacional de luxo destinada aos senhores com finalidade de lazer. Dispunham de grandes jardins, bibliotecas, piscinas, balneários e, em alguns casos, anfiteatros. Adaptavam-se ao terreno e refletiam forte influência grega. Um exemplo é a Villa Adriana, nas proximidades de Tivoli, encomendada pelo Imperador Adriano (Figura 1.19). 2. Villa Rustica – assemelha-se à Domus, porém com área para a agricultura (Figura 1.20). Uma área destinada a agropecuária de rendimento, com acomodações para o proprietário. 30 Figura 1.19 – Reconstrução da Vila Adriana, Tivoli, Itália. Fonte: <www.villa-adriana.net>. Acesso em 14 nov 2011. Figura 1.20 – Villae rustica. Fonte: <//historiadaarte.pbworks.com. Acesso em 30 out 2011. Em Roma e outras cidades, a forma mais comum da habitação social foi a insulae, rodeada por ruas estreitas (Figuras 1.21 e 1.22). As tarbenae (lojas e armazéns), no piso térreo, davam passagem aos andares superiores, acessados a partir do pátio central, geralmente ajardinado, onde se encontrava um chafariz para fornecer água. Os melhores apartamentos seriam os dos níveis inferiores mais proximos da água, mais acessíveis e mais seguros em caso de incêndio. Os andares superiores eram subdivididos em cenacula, pequenos apartamentos para inquilinos. 31 Figura 1.21 – Ilustração esquemática de uma Insulae. Fonte: <www.midisegni.it>. Figura 1.22 – Corte esquemático de uma Insulae. Fonte: <www.waterhistory.org>. Acessos em 08 jun 2011. No período imperial (27 aC. – 476 dC.) o átrio era o espaço central da casa. Tratado com o esplendor e a magnificência que os recursos dos proprietários permitissem, possuía na cobertura a abertura do compluvium ampliada para admitir mais luz, suportado por pilares (Figura 1.23). Entre esses pilares, e ao longo das paredes, estátuas e outras obras de arte eram colocadas. Figura 1.23 – Interior de um a casa senhorial romana. Ilustração de 1885. Fonte: <www.anthonylingwood.com/index.php/>. Acesso em 20 abr /2011 O impluvium tornou-se uma bacia de mármore, com um chafariz no centro, muitas vezes ricamente adornado. No piso mosaico e nas paredes mármores ou pinturas em cores brilhantes. Em tal átrio, o anfitrião recebia seus convidados e clientes, e nele seu corpo haveria de ser velado. Os restos preservados de 32 Pompéia (Figuras 1.23-1.26) sugerem que as casas romanas foram iluminadas por aberturas relativamente pequenas. Figura 1.24 - Átrio de casa romana em Pompéia. Fonte: Brooklyn Museum Archives. Disponível em: < www.flickr.com/photos/brooklyn_museum/2787926122/>. Acesso em 09 maio 2011 Figura 1.25 - Imagem de Atrium e Impluvium em ruína de Pompéia. Foto: Giulia Felice, 1983. Disponível em: <//friendsofsdarch.photoshelter.com/gallery-image/Pompeii>. Acesso em 11 abr 2011. Figura 1.26 – Lararium da Casa dei Vettii, Pompéia, Foto Sami Sarkis, 2011. Fonte: <www.worldofstock.com/stock_photos/ADT3889.php>. Dois genios guardiões ladeiam o representativo do espírito do chefe de família. Abaixo uma serpente, outra forma de genio guardião familiar. Fonte: <www.bbc.co.uk/history/ancient/romans/pompeii>. Acesso em 30 out 2011, tradução nossa. As escavações nas ruínas de Pompéia, Herculano e Saint-Rémy-de-Provence revelaram o uso de vidro na vedação de janelas em edifícios públicos e habitações abastadas. Uma surpreendente quantidade de vidro, encontrada 33 ainda presa às janelas, denota que a prática não era rara (BESÈME et al, 2009, s/p, tradução nossa). 41 Segundo ŞEKER (2008, p. 37, tradução nossa), a casa romana era planejada ao longo de um eixo central, visualmente transpassável ao se adentrar pela porta. O eixo central era, portanto, significativo para dar um sentido à posição do espectador no limiar da entrada. A configuração da casa era arranjada para ser capturada deste ponto de vista. Ao atravessar a fauce e parar no início do átrio, o visitante também poderia observar o arranjo simétrico da casa ao longo do eixo vertical. Entretanto, as sequências visuais capturadas ao longo dos eixos não coincidiam com a possibilidade da sequência do movimento físico, uma vez que o impluvium interpelava o fluxo. No projeto arquitetônico das casas romanas, o olho pode mover-se axialmente, mas o corpo não. Como se observa na Figura 1.27, o eixo visual que ligava a fauce ao tablinum, e então ao jardim dos fundos atravessando o átrio, ligava o eixo horizontal ao vertical e, assim, ligava o átrio ao céu, a partir de seu centro ao nível do telhado. Figura 1.27 – Eixos vertical e horizontal a partir do Atrium da casa romana. Fonte: ŞEKER ILGIN, 2008, p. 34. Acesso em 02 Maio 2011. Essa noção de expansão em ambos os sentidos deu o átrio uma qualidade porosa, tanto em termos visuais quanto físicos. Devido a esta qualidade permeável - visual e física - o átrio era espacialmente capaz de focalizar o relacionamento entre os diferentes espaços domésticos e o ambiente externo. A importância desta vista foi revelada pela simetria elaborada, onde o enquadramento (por meio de portais, colunas e objetos focais ao longo do eixo 41 BESEME, Odile et al. Architecture et lumière. Disponível em: montpellier.fr/themadoc/Architecture/ArchitectureImp.htm>. Acesso em 10 dez 2011. <www.crdp- 34 central, como o impluvium), não era meramente uma conveniência do arquiteto, mas algo projetado para impressionar o visitante. Como o átrio ocupasse o centro geométrico na planta da casa, seu papel central no acolhimento dos afazeres domésticos e sua proximidade com os espaços circundantes, como o jardim e as fauces, o transformaram no centro operacional da casa. Forma e espaço deram ao átrio o atributo de uma atmosfera dinâmica, cenário de diferentes atividades que ocorriam em momentos e com participantes diferentes, ao longo o dia (ŞEKER, 2008, p.34-39, tradução nossa, destaque nosso). 42 1.1.3 Mundo Árabe Quando Roma chegou ao Oriente Medio deparou-se com civilizações muito mais antigas que ela. Embora o Oriente Medio (com exceção da Judeia) nunca tenha sido visto como uma unidade social, cultural e economica homogênia, os árabes tinham uma longa historia no Oriente Medio e no Mediterraneo. O contexto original da sociedade árabe foi tribal e nômade marcado pelas rotas de comercio dos beduínos. O comercio colocou as tribos em contato com os principais centros urbanos do mundo antigo, muito antes do advento do Islão. Foi somente no século VIII que o que pode ser chamado de arquitetura islâmica foi configurada. (ROCCO, 2008, p.10-35) 43. À época do profeta Maomé 44 (570-632), a construção não havia se desenvolvolvido significativamente, nem mesmo nas áreas mais urbanizadas. Após a morte do profeta, tropas muçulmanas partiram em conquista e, como rapidamente atingissem uma vasta área (demandando atenção na administração e manutenção da ordem pública) na fase inicial, serviram-se dos edifícios existentes nas regiões conquistadas (Figura 1.28). Para formalizar seus templos na Síria e na Pérsia (atual Irã) ocuparam igrejas bizantinas ou capelas de templos romanos. 42 ŞEKER ILGIN, Aysegül. Op.cit. 43 ROCCO, Lygia Ferreira. A mesquita de Ibn Tulun como representação da herança arquitetônica árabe. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia Letras Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2008. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8154/tde-23042009122942/pt-br.php>. Acesso em 30 out 2011. 44 A partir de 610 dC., Maomé passou a disseminar a idéia de um deus único formulando a doutrina que tournou-se religião dominante e unificadora do mundo árabe. Fonte: ROCCO, op. cit. 35 Figura 1.28 – Ilustração de casa-pátio e distribuição dos aposentos típica em Yatz. Fonte: Blaser, 1999, p. 8. Formas reapropriadas e reelaboradas a partir do material existente até a época do surgimento do islão (e a partir daí) foram levadas para as regiões onde a religião muçulmana foi difundida. O resultado importante dessas interelações foi a soma ao repertorio local de múltiplas influencias culturais (ROCCO, 2008, p.35) 45. Na tradicional casa com pátio islâmica encontram-se os elementos intrínsecos das casas sumérias desenvolvidas em cerca de 2400 aC. Este modelo parece ter sido desenvolvido mais tarde pelos árabes que nela encontraram soluções para a habitação urbana – reservada das ruas, protegida dos saqueadores e do clima extremo (Yu, 1999, p.18, tradução nossa) 46. A tipologia das mesquitas edificadas seguiram o modelo da casa de Maomé em Medina 47 (Figura 1.29). Sua casa foi convertida em local de oração, centro político, hospital e refúgio para pobres - planta quadrangular com um pátio voltado para o sul e duas galerias com teto de palha sustentado por colunas de tronco de palmeira. Este protótipo islâmico, residencial e religioso, foi ampliado várias vezes no primeiro século do Islão (MIT, 2011, s/p, tradução nossa). 45 ROCCO, op. cit. 46 YU, Nancy. The urban courtyard housing form as a response to the human needs, culture and environment. Dissertação de Mestrado, Universidade de Guelph, Ontário, Canadá 1999. Disponível em: <www.collectionscanada.gc.ca/obj/s4/f2/dsk2/ftp01/MQ43240.pdf>. Acesso em 14 maio 2011. 47 A arquitetura sagrada islâmica não manteve a rusticidade dos materiais da casa do profeta, contudo persistiu na atenção às formas geométricas. O geômetra era quem projetava o edifício, enquanto o arquiteto controlava sua realização. Fonte: Arte Islâmica. Disponível em: <www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=47 >. Acesso em 11 jun 2011. 36 Figura 1.29 - Diagrama da casa de Maomé em Medina e mapa indicativo da ocupação territorial no apogeu expansionista do Islã. Fonte: <datamining.typepad.com/>. Acesso em 25 jun 2011. A Grande Mesquita de Damasco é a primeira obra monumental da arquitetura islâmica. Fundada pelo califa Al-Walid bin Abdul Malek (668-715 dC.) em 706 (Figuras 30-33). O local, incrustrado no centro velho de Damasco, abrigou edifícios sagrados por milhares de anos – a camada arqueológica mais antiga é a de um templo aramaico dedicado ao deus Hadad, seguido pelo templo romano dedicado a Júpiter. No século IV foi transformado em igreja, posteriormente ampliada como Catedral de S. João Batista. No periodo que se segiu à conquista islâmica de Damasco (661), um arranjo peculiar ocorreu - os muçulmanos rezavam na parte leste da estrutura e os cristãos no lado oeste. O uso coletivo continuou até o reinado al-Malek (705–715 dC.), que negociou o espaço com os líderes cristãos dando em troca uma nova igreja dedicada à Virgem (ARCHINET, 2011, s/p, tradução nossa). 48 A construção introduz a típica arquitetura islâmica que representou o estilo árabe de mesquita - grande pátio aberto, limitado por arcadas em três lados e uma sala de orações coberta ao lado da qibla 49, que mostra a localização de Meca. Esta mesquita representa a síntese dos diversos elementos culturais romanos, helênicos e asiáticos, que deu origem às novas formas de expressão que viriam a caracterizar toda a arte islâmica. São os mesmos elementos encontrados nas mesquitas de Alepo, na Síria; Medina, na Arábia; Cairuan, no Magrebe, e em Córdoba, a capital islâmica da Espanha (Figuras 1.29-1.35). A islamização e arabização da região de Al-Andaluz (denominação árabe para a Espanha muçulmana) se deram em incursões militares árabes à região (642-669 d.) partindo do Egito, mais por iniciativas locais do que por uma estratégia do 48 Fonte: <//archnet.org/library/sites/one-site.jsp?site_id=7161>. Acesso em 12 nov 2011. 49 Qibla ou Kibla – direção da Mesquita, para a qual os muçulmanos de todo o mundo devem se voltar e rezar cinco vezes ao dia. Fonte: www.ezsoftech.com/islamic/qiblatain.asp. Acesso em 25 out 2011, tradução nossa. 37 califado central. Quando a sede do califado transferiu-se de Medina para Damasco, os omíadas reconheceram a importância do Mediterrâneo. Assim, em 670, o exército árabe, fundou a cidade de Al-Cairouan (160 km ao sul da atual cidade de Túnis), que passou a servir de base para operações militares mais distantes. (MUNIZ, 2011, s/p.) 50. Figura 1.30 – Grande Mesquita de Damasco, Síria (705-715). dir.: Fonte: <//otraarquitecturaesposible.blogspot.com/2011/05/cathedral-mosque-of-cordobafor_07.html> esq. Fonte: Saeed Arida (2003), Figura 1.31 - Grande Mesquita de Damasco, planta e vista. Fonte: <web.mit.edu/akpia/www/>. Acessos em 23 jun 2011. 50 MUNIZ, Mônica. A Expansão Islâmica. Disponível em: <www.historianet.com.br>. Acesso em 25 set 2011. 38 Grande Mesquita de Damasco Figura 1.32- Vista aérea. Fonte: <//786am.weebly.com/umayyad-mosque.html>. Figura 1.33 - Fiéis em oração. Fonte: <www.tripadvisor.com.br/LocationPhotos-g294011-d561047>. Figura 1.34 – Vista aérea. Fonte: Imagem Google Earth. Figura 1.35 – Local de orações. Fonte: <www.scoop.it/t/islamic-art>. Acessos em 12 nov 2011. Figura 1.35 - Grande Mesquita de Damasco - Imagem do pátio interno com fiel à sombra. Foto: Vicky Frost, 2008. Disponível em:<www.guardian.co.uk>. Acesso em 23 jun 2011. Depois de cruzar o estreito de Gibraltar (711), a construção da Grande Mesquita de Córdoba (785) (Figuras 1.36-1.38) marca o início da arquitetura islâmica na Península Ibérica e norte da África 39 Figura 1.37 – Vista aérea da Grande Mesquita de Córdoba. Fonte: <www.spanish-architecture.info/SP-CO/CO-001.htm>. Acesso em 12 nov 2011. Figura 1.38 - Detalhes das arcadas da Mesquita de Córdoba. Fonte: <otraarquitecturaesposible.blogspot.com>. Acesso em 12 nov 2011. A planta da Mesquita de Cordoba seguiu a tradição estabelecida pela de Damasco (Síria), no entanto, o interior do Salão de Orações, com 856 colunas de jaspe, ônix, mármore e granito é sem precedentes. O material foi tomado dos fragmentos do templo romano, que anteriormente ocupou o local. Os arcos duplos permitiram tetos mais altos. A história da Alhambra (1334-1391) está ligada à sua localização geográfica em Granada - uma colina rochosa de difícil acesso, às margens do Rio Darro, protegida por montanhas e cercado por bosques(Figuras 1.39-1.42). Concebida 40 como uma área militar, tornou-se residência real e corte de Granada, no meio do século XIII. O conjunto também abriga o palácio Generalife, cercado por pomares e jardins. Figura 1.39 – Colina de Alhambra e Generalife, Granada (Espanha). Patrimônio Mundial pela UNESCO desde 1984. Fonte: <www.alhambra.org>. Acesso em 12 nov 2011. Imagens de Alhambra, Granada, Espanha. Acessos em 13 nov 2011. Figura 1.40 - Pateo de los Arrayanes. Foto: Kurt Hielscher, 1925. Disponível em: <www.periodpaper.com/index.php/1925-alhambra-patio-arrayanes-granada-spain-hielscher>. Figura 1.41 – Pateo de los Leones. Disponível em: <www.flickr.com/photos/darrellg/3201837112/in/set-72157623392152317>. Figura 1.42 – Palau de la Generalitat, Barcelona. esq.: Pati dels Tarongers (Pátio das Laranjeiras) dir.: Pátio interno ladeado por galeria. Fontes: <www.gencat.cat/> Acesso em 20 mar 2011. 41 Mesmo após o término da reconquista dos territórios pelos reis católicos em 1248, o impacto islâmico se manteve sobre a arquitetura espanhola, em particular na Idade Média, no que se conheceu como estilo mudéjar 51. Um dos melhores exemplos deste impacto é o Palácio de Alcazar em Sevilha (Figura 1.43), fortificação erguida pelos árabes após a conquista de Sevilha em 713 d.C. Trata-se de um complexo palaciano composto por vários edifícios de diferentes épocas. A fortificação original foi construída sobre antigo assentamento romano. Serviu de alojamento para os reis de Castela, passando a hospedagem habitual dos monarcas seguintes. Em 1364, foi convertido no primeiro palácio de um rei castelhano, não protegido por muralhas e defesas. É considerado o mais completo exemplo da arquitetura mudéjar na Espanha (Figura 1.44) (KAMIYA, 2004, s/p, tradução nossa) 52. Figura 1.43 - Imagens do Pateo de las Donzelas, Alcazar, Sevilha, Espanha. Fonte: <www.carhirex.com> . Acesso em 12 jun 2011. Com o desenvolvimento da arquitetura árabe-islâmica, o pátio tornou-se um elemento essencial, atendendo à necessidade de uma área de estar aberta. A transição do exterior para o interior é marcada por um contraste de experiência 51 Mudejar - estilo artístico que se desenvolveu entre os séculos XII e XVI nos reinos cristãos da península Ibérica. Incorpora elementos ou materiais de estilo hispano-muçulmano. Trata-se de um fenômeno exclusivamente hispânico que combina e reinterpreta estilos artísticos cristãos (românico, gótico e renascentista) com a arte islâmica. Fonte: <//pt.wikipedia.org/>. Acesso em 11 jun 2011. 52 KAMIYA, Takeo. Islamic Architecture. 2004. Disponível em: <//wn.com/islamic_architecture?orderby=relevance&upload_time=today>. Acesso em 18 nov 2011. 42 espacial, a partir de uma entrada modesta e austera, para um grande pátio interno, não raro com uma fonte central (ALABID, 2010, p.1, tradução nossa) 53. Figura 1.44 – Exemplo de arquitetura doméstica sevilhana do século XVI em estilo Mudejar. Fonte: <www.insidethetravellab.com/casa-de-la-pilatos/. Acesso em 05 dez 2011 53 ALABIDIN, Mahmoud Zein. The Courtyard Houses of Syria. 2010. Artigo disponível em: <www.muslimheritage.com/topics/default.cfm?TaxonomyTypeID=2. Acesso em 20 maio 2011. 43 1.2 Desenvolvimento O legado arquitetônico romano incluía especialmente a abóbada e o arco como configuradores de espaço. Na Idade Média, a pedra cortada com precisão e as inovações do românico (800-1100) e do gótico (1200-1500) levaram aos contrafortes, à altura e às aberturas alargadas. O movimento gótico que floresceu na Europa Ocidental continental durante o século XII, no século seguinte foi uma tendência generalizada de arquitetura, inicialmente nos círculos eclesiásticos e posteriormente nos residenciais. (TRABIA, 2006, s/p) 54 Georg Dehio 55 desenvolveu a teoria de que a basílica cristã teria evoluído da casa romana de átrio, onde este corresponderia à nave, o lararium ao altar; as alae laterais ao transepto. Hoje a teoria parece ter poucos adeptos. O edifício cristão em Dura-Europos 56 (Figura 1.45) mostra diferentes transformações da casa privada em igreja. O pátio dianteiro das igrejas dos séculos IV ao IX na Itália, França e Alemanha, preservou não só a designação atrium, mas também o status e função social do espaço e, parecem ter derivado seu termo não das casas romanas, mas dos espaços públicos deste nome, tais como Atrium Regnum no Fórum Romano (um protótipo para basílicas onde dignitários estrangeiros eram recebidos) e o Atrium Libertatis, espaço amplo que abrigava os registros públicos (GRAFON; MOST; SETTIS, 2010, s/p, tradução nossa) 57. 54 TRABIA, Carlo, 2006. Sicilian Romanesque Gothic. Disponível em: <www.bestofsicily.com/mag/art193.htm>. Acesso em 28 nov 2011 55 DEHIO, Georg (1850-1932) - historiador de arte e arquitetura; professor da Universidade Königsberg e Strasbourg. Fonte: <//www.dictionaryofarthistorians.org/dehiog.htm>. Acesso em 24/ abr 2011. 56 Dura Europos (Forte Europos) - cidade greco-romana amuralhada, fundada em 303 aC. por Alexandre o Grande, em Salhiyé, atual Síria, 90 metros acima das margens do rio Eufrates, no cruzamento de rotas comerciais. Destruída por guerra e abandonada no século III dC., foi redescoberta em 1920, quando as escavações revelaram a mais antiga sinagoga já encontrada, é apelidada de "Pompéia do deserto sírio." Fonte: <http://history-of-macedonia.com/>. Tradução nossa, acesso em 25 abr 2011. 57 GRAFON, Anthony; MOST, Glenn; SETTIS, Salvatore. The Classical Tradition. Boston: Harvard University Press, 2010. 44 Figura 1.45 – Planta e reconstituição da transformação da casa privada em igreja em Dura Europos. Fonte: <//www.pitt.edu/~tokerism/0040/chrbyz.html>. Acesso em 24 abr /2011. Por esta época, o termo se referia as loggias, ou salões no espaço publico aberto, como Broletto Nuovo 58 (Figura 1.46) em Milão, denominado Atrium na inscrição datada do século XIV. O uso doméstico do termo foi revivido no Renascimento, quando humanistas e arquitetos, ainda desconhecendo os exemplos de Pompéia 59, utilizaram material arqueológico para reconstruir vários tipos de átrios. Influenciado pelo átrio das igrejas, o historiador Flavio Biondo 60 interpretou o átrio romano como sendo o espaço de transição entre a rua e a casa. 58 O termo "Broletto", do latim brolo, significa pátio. Antes da construção do edifício esta era uma área livre, onde o mercado era realizado. Na Idade Média, o Broletto foi utilizado para funções da administração municipal, onde também se realizavam reuniões e atividade judicial. O conjunto arquitetônico é composto por quatro corpos dispostos em torno de um pátio, construído em sucessivos períodos. Fonte: <www.torinopiupiemonte.com/>. Acesso em 24 abr 2011, tradução nossa. 59 Pompéia – cidade a 22 km de Nápoles, soterrada pela erupção do vulcão Vesúvio em 79 dC. Petrificada por 1600 anos, manteve ocultas cenas e circunstâncias do cotidiano do Império Romano. Em 1763 foi casualmente descoberta por um agricultor. Hoje, sitio arqueológico tombado pela UNESCO. Fonte: <//pt.wikipedia.org/wiki/Pompeia>. Acesso em 17 mar 2011. 60 Flavio Biondo (1392-1463) - arqueólogo e historiador da Renascença italiana foi quem cunhou o termo "Idade Média". Fonte: <//heritage-key.com/rome/flavio-biondo-latin-flavius-blondus>. Acesso em 23 abr 2011, tradução nossa. 45 Figura 1.46 – Broletto Nuovo, Milão (1228), construído em substituição ao antigo. Fonte: <www.italiaabc.it/monumenti/milano/piazza-mercanti.html>. Acesso em 23 abr 2011. No Quattrocento 61, os conceitos da ordem arquitetônica foram explorados e regras foram formuladas. O espaço, como um elemento de arquitetura, passa a ser encarado de forma diferente da que havia sido até a Idade Média, passando a ser organizado pela lógica proporcional, com forma e ritmo sujeitos à geometria. O principal exemplo disso é a Basilica de San Lorenzo (1419-60), em Florença, Itália, por Brunelleschi 62 (Figura 1.47-1.48). É também de Brunelleschi uma das mais notáveis estruturas de suporte de carga de alvenaria no mundo - a cúpula da catedral de Santa Maria dei Fiore, em Florença, Itália. A construção da cúpula, concluída em 1471, ainda fornece lições importantes sobre a realização de geometrias complexas estrutural e de construção em alvenaria (Figura 46). 61 Quattrocento – denominação da totalidade dos eventos culturais e artísticos que ocorreram na Itália durante o século XV, o maior período da Renascença. Fonte: <www.britannica.com/>. Acesso em 10 Jun 2011, tradução nossa. 62 Filippo Brunelleschi (1377-1446) – a quem se atribui a invenção da perspectiva linear, construiu um mecanismo designado Tavolleta, que permite representar o objeto segundo regras de perspectiva rigorosas. Fonte: xv.html>. Acesso em 10 jun 2011. <//clubedegeometria.blogspot.com/2008/01/renascimento-sc- 46 Figura 1.47 - Filippo Brunelleschi. Basílica di São Lorenzo. Florença, Itália (1419-60). Fonte: <www.behance.net/gallery/>. Acesso em 10 jun 2011. Figura 1.48 - Ilustrações de Dragos C. Sulgheru sobre trabalhos de Brunelleschi em Florença, Itália: domo basílica Santa Maria del Fiore, Sacrestia Vecchia, Cappella Pazi, Ospedale degli Innocenti. Disponível em: <www.artflakes.com/en/products/filippo-brunelleschi>. Acesso em 28 Nov 2011. Na segunda metade do Quattrocento, aparece na Itália, um tipo novo de arquitetura suburbana, interpretação clássica de tipologias existentes, que recupera os conceitos e as teorias de Vitruvius referentes à casa de vila. Devese aos romanos a difusão. O desenvolvimento da vila, entretanto é preciso recordar que não se pode atribuir-lhes o invento tipológico, pois esta forma, ao 47 menos de forma rudimentar, já existia no Egito, Babilônia e Pérsia (FENOLL, 1986, p.6, tradução nossa). 63 O Renascimento , entre os séculos XV e XVII, é o período a partir do qual uma análise das plantas de arquitetura erudita torna-se viável, uma vez que nos chega extensa documentação gráfica original dos projetos. Nas vilas e palácios renascentistas italianos percebe-se a sistematização de soluções tipomorfológicas. Bastante evidentes quando comparadas aos palácios urbanos da Toscana (organizados a partir de um pátio central), esta tipologia parece sugerir a recuperação teórica dos ideais clássicos, mais do que questões pragmáticas da tradição de pátios informais, gradualmente regularizados, em busca da perfeição geométrica clássica. Dentro da concepção de espaços urbanos contidos pela massa edificada, edifícios sobre lotes de formas irregulares, obtinham uma imagem aparentemente racional a partir de seus pátios (LUCCAS, 2011, s/p.) 64. O arquiteto mais representativo do Alto Renascimento foi Bramante 65 (1444- 1514), que ampliou a aplicação da arquitetura clássica ao renunciar ao elemento supérfluo e decorativo, na busca da monumentalidade, através da simplicidade e harmonia das partes. Seu pequeno templo San Pietro in Montorio (1503), na (Figura 1.49) foi diretamente inspirado pelos templos circulares romanos. Para Andrea Palladio (1508-1580), o atrium combinava a forma de três corredores com o poço de luz do cavædium. A crença de que os monastérios haviam sido construídos sobre antigas casas, estimulou Palladio a projetar o Convento della Carità (Figura 1.50), em Veneza, como uma domus vitruviana. Posteriormente, o atrium foi reinterpretado e configurou-se como um grande pátio interno, como o fizeram Antonio Sangallo no Palazzo Farnese em Roma, 1515 (Figura 1.51) e, também, Pier Francesco Cantone e Michele Moncino no Palazzo Reale em Genova, 1643. 63 FENOLL, Maria Del Carmen Sanches-Rojo. La villa renacentista. Artigo em Imafronte nº 2, p. 5- 24, 1986. Disponível em: <//revistas.um.es/index.php/imafronte/article/view/40951>. Acesso em 16 maio 2011, tradução nossa. 64 LUCCAS , Luís Henrique Haas. Distribuição na arquitetura do renascimento italiano: sobre arranjos, compartimentação e circulação interior na casa renascentista. São Paulo: Arquitextos, 2011. Disponível em: <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.129/3748>. Acesso em 27 out 2011. 65 Donato Bramante (1444‑1514) - Arquiteto e pintor. Suas primeiras obras foram realizadas na Lombardia e mais tarde em Milão. Fonte: <www.artecreha.com/>. Acesso em 10 Jun 2011. 48 Figura 1.49 – Bramante. San Pietro in Montorio, Roma (1444-1514). Fonte: <//recursos.crfptic.es/temporal/diapo/098_San_Pietro_in_Montorio>. Acesso 27 abr 2011. Figura 1.50 – Planta e corte do Convento della Carità, Veneza (1560). Andrea Palladio. Fonte: <//library.kiwix.org:4201/A/Palladio.html>. Acesso em 25 abr 2011. Figura 1.51 – Palazzo Farnese em Roma, projetado em 1515 por Antonio Sangallo. Fonte da planta: <www.gutenberg.org/files/26319/26319-h/arch2.html>. Fonte da imagem: <www.britannica.com/>. Acessos em 23 abr 2011. 49 1.2.1 1ª Revolução industrial 66 Embora o conceito de fabricação remonte à época romana, na “idade das máquinas” a produção em massa e a linha de montagem teve um grande impacto na indústria da construção. A disponibilização de componentes metálicos e vidro, como materiais de construção possibilitaram o que se seguiu. Arquitetos e construtores puderam aplicar adornos em grande quantidade e em nenhum outro lugar, isto é mais evidente do que no estilo vitoriano (MCRAE, Shelly, 2007, s/p, tradução nossa).67 Figura 1.52 – Ponte de Coalbrookdale, próximo a Birmingham (Inglaterra), 1779. Foi a primeira em arco a ser feita de ferro fundido. Sem precedentes, utilizou metodos de carpintaria para criar a estrutura metálica. Fonte: <www.architecture-student.com/architecture/technical-transformations-inarchitecture-impact-of-industrial-revolution/>. Acesso em 25 Out 2011. A Revolução Industrial levou a mudanças radicais em todos os níveis de civilização em todo o mundo. O crescimento da indústria pesada precisava de estruturas até então inimagináveis em função, dimensões e forma. A nova economia, em rápido cresciment,o demandou estações ferroviárias, armazéns, 66 1ª Revolução Industrial - (1760-1850) Período em que, pela mecanização das atividades, ocorreram mudanças fundamentais na agricultura, fabricação têxtil e de metal, transporte, políticas econômicas e da estrutura social na Inglaterra. Avanços nas técnicas e práticas agrícolas resultaram em aumento da oferta de alimentos e matérias-primas, mudanças na organização da produção de bens que resultaram no aumento do aumento do comércio, externo/interno. Fonte: <//yale.edu/ynhti/curriculum/units/1981/2/81.02.06.x.html>. Acesso em 15 set 2011, tradução nossa. 67 MCRAE, Shelly. Famous architectural advances during the Industrial Revolution. 2007. Disponível em: <www.helium.com/>. Acesso em 28 Out 2011. 50 centros comerciais, edifícios de exposições. No entanto, a maioria destes edifícios não tinha precedentes arquitetônicos e, assim, neste estágio, o arquiteto respondeu com o retorno ao Renascimento, tomando de empréstimo dos princípios da arquitetura clássica. Embora o conceito de fabricação remonte aos romanos, as inovações exigiam um novo tipo de espaço arqitetônico onde as máquinas poderiam ser utilizadas por trabalhadores em linha de montagem. O edifício em forma de caixa de aparência utilitária passou a existir. A fábrica tornou-se simbolo não só da produção em massa, mas da industrialização da própria sociedade (Figura 1.52). No auge da Revolução Industrial, a arquitetura comemorou tanto o excesso de ornamento como a ausencia de adornos (MCRAE, 2007, p.1, tradução nossa). 68 John Soane (1753-1837) foi um arquiteto inglês, especializado no Neo-Clássico. Suas obras são distinguidas pelo habilidoso uso de luz natural. Seu trabalho mais conhecido foi o Banco da Inglaterra, um edifício que teve um efeito generalizado na arquitetura comercial. Soane projetou sua própria casa em Londres, um edifício com uso criativo da luz natural (Figura 1.53). Dono de uma notável coleção de arte, esculturas, livros, desenhos e modelos deixou instruções para que a casa se tornasse um museu público após a sua morte, para o benefício dos "estudantes e amadores da arte e da arquitetura" (SOANEEDUCATION, 2011, s/p, tradução nossa). 69 Figura 1.53 – Vista aérea da casa-museu Soane. Fonte: <www.dulwichpicturegallery.org.uk/about_us/about_us/history.aspx>. Acesso em 27 Out 2011. 68 MCRAE, Shelly. Famous architectural advances during the industrial revolution . 2007. Disponível em: <www.helium.com/items/674393-famous-architectural-advances-during-the- industrial-revolution>. Acesso em 28 out 2011, tradução nossa. 69 Disponível em: <www.soaneeducation.org.uk/about_us/museum.cfm>. Acesso em 21 out 2011, tradução nossa. 51 O pátio envidraçado apareceu pela primeira vez no século XIX. A produção em massa do vidro plano possibilitou cobrir grandes átrios ou galerias com vidro, a exemplo de Paris, Londres, Milão etc. Os primeiros exemplos foram os projetos de Charles Barry (1795-1860) para o Reform Club (1837) e de Joseph Paxton para o Palácio de Cristal em 1850-1851 (SHARPLES; LASH, 2007)70. O Reform Club 71 (Figura 1.54) patrocinou um concurso em que convidou proeminentes arquitetos ingleses da época para projetar sua sede. Sir Barry ganhou o concurso com um projeto semelhante ao seu anterior edificio para um clube em Manchester. Um dos sofisticados edifícios vitorianos na Inglaterra, permanece basicamente inalterado desde sua conclusão em 1841. Inspirado na arquitetura do renascimento italiano (que Barry absorveu enquanto estudante em Roma) assemelha-se ao Palazzo Farnese (ver Figura 1.47). O edifício tem planta quadrada com um amplo pátio envidraçado no interior, circundado por corredores. Figura 1.54- Reform Club, Londres - Planta original e imagem recente tomada do pavimento superior. Fonte: <www.reformclub.com/>. Acesso em 20 Abr 2011. 70 SHARPLES, S.; LASH, D. Daylight in atrium buildings: a critical review. Artigo publicado pela Faculdade de Arquitetura Desenho e Urbanismo da Universidade de Sidney, 2007. Disponível em: <//goliath.ecnext.com/free-scripts/document_view_v3.pl?item_id=0199-7311300&format_id=XML>. Acesso em 18 abr 2011, tradução nossa. 71 Reform Club - fundado pelo Duque de Wellington em 1832. Entre os clubes políticos no período vitoriano foi uma instituição dos liberais com seu nome relacionado à Reform Act de 1832. Os clubes tiveram origem nas antigas casas de café, que surgiram com a introdução do café na Inglaterra, vindo da Turquia em 1652. A bebida prestou-se a promover encontros sociais. Surgiram os clubes, casas para o publico selecionado, onde homens de gostos afins e de uma determinada classe se reuniam. O século XIX foi a era dos clubes, onde senhores podiam fumar, beber, comer, ler (em bibliotecas ou salas de notícias), jogar bilhar e socializar com seus pares. Os clubes membros, muitas vezes, tinham interesses políticos comuns ou de recreio. <www.blogger.com/>. Acesso em 21 abr 2011, tradução nossa. Fonte: 52 O projeto do Pavilhão Britânico de Joseh Paxton para a Grande Exposição de 1851-1854, em Hyde Park, Londres, conhecido como Palácio de Cristal (Figura 1.55), trouxe elementos que podem ser entendidos como inovação no mundo da arquitetura - o uso de elementos pré-fabricados, um novo método de planejamento e execução. A estrutura metálica e as vedações de vidro plano haviam sido testadas em uma escala menor no ano anterior em projeto para estufa destinada a abrigar um nenúfar gigante (Vitória Régia) trazido da África pelo duque de Devonshire. Uma estufa em uma escala sem precedentes: 560 m. de comprimento x 120 m. de largura x 33 m. de altura, teve o projeto aprovado e o edifício concluído em menos de onze meses. O projeto padronizou seções da estrutura metálica, o que mostrou ser funcional. O Palácio de Cristal eliminou a tradicional distinção entre espaço interno e externo, definindo a lógica da predominância de vazios preenchidos. Após o período da Exposição, o edifício foi desmontado e reconstruído em Sydenham, onde resistiu até ser destruído por um incêndio em 1936 (HARRISON, 2009, s/p, tradução nossa). 72 Os visitantes foram mais de seis milhões. A exposição foi um grande sucesso financeiro. No domínio da Arquitetura estabeleceu uma referência para as exposições seguintes, que se alojaram também em pavilhões de ferro e vidro, sendo as suas sucessoras imediatas a de Dublin e a de Nova York de 1853 e a Exposição de Munique de 1854 (MELO, 2001, s/p).73 Após o sucesso da Exposição de Londres, Napoleão III resolveu dar ao mundo um espetáculo ainda maior. A Exposição de Paris de 1855, deu origem ao Palais de l'Industrie, construído nos Campos Elíseos. Com uma nave central retangular, com a largura de 50 metros (mais do dobro do Crystal Palace), era rodeada pelos quatro lados por duplas naves laterais de menor altura. Um conjunto de estruturas metálicas concêntricas foi o palco da exposição de 1867 em Paris. O edifício principal, de Kranz e Alexandre Eiffel, era uma elipse com 530 x 418m de eixos, dividido em sete galerias concêntricas centradas num pátio descoberto. A Exposição de 1889 (Figura 1.56) centrava-se na torre de Gustav Eiffel com 300m de altura, mais de 7.000 toneladas. Atrás ficava a Galerie des Machines, projeto de Ferdinand Dutert, que excedia em tamanho qualquer vão coberto construído até então - 20 treliças principais venciam 144m de vão livre e cobriam o 380m de 72 HARRISON, Melvyn. Crystal Palace history: the building. Disponível em: <www.crystalpalacefoundation.org.uk/History/default.asp?ID=3>. Acesso em 15 jul 2011. 73 MELO, E. S. J. O. As grandes exposições internacionais . Disponível em: <www.esec-josefa- obidos.rcts.pt/cr/ha/seculo_19/exposicoes_internacionais.htm>. Acesso em 25 nov 2011. 53 comprimento. Os visitantes circulavam num comboio de vagões abertos, sentados em cadeiras (MELO, 2001, s/p). 74 Figura 1.55 – Palácio de Cristal. Fonte: <www.tceb.or.th/world-expo2020/photos.php?page=2&img=pic09>.Acesso em 8 Nov 2011. Figura 1.56 – Exposição Internacional de Paris de 1889. dir. Cartaz de venda de bilhetes para Paris, ida e volta da feira. esq. sup: Cartão postal da Galerie des Machines. Fonte: <//fr.academic.ru/dic.nsf/frwiki/607200> esq. inf.: Montagem da estrutura da Galerie des Machines. Fonte: ,vrc-cbeuw.blogspot.com/2008/06/galerie-des-machines-paris-1889-iron-or. Acessos em 11 Jun 2011. 74 MELO, E. S. J. O. Op. Cit. 54 Hippolyte Fontaine foi o engenheiro responsável pela construção de novas docas de Saint-Ouen, em Paris projeto concluído em 1865. O primeiro edifício de vários pavimentos a transportar toda a carga estrutural, incluindo a das paredes exteriores de alvenaria, para a armação metálica (STRAUBE, 2006, s/p, tradução nossa) 75. A Gare d'Orsay 76, estação ferroviária da Companhia Estradas de Ferro de Orleans, inaugurada em 1898, a tempo para a Exposição Universal do ano seguinte, foi projeto de Victour Laloux (Figura 1.57), que se valeu da estrutura metálica, mas que revestiu as fachadas com pedra em estilo eclético. Com um corredor principal de 32m de altura, 40m de largura e 138m de comprimento, a estação que esteve ameaçada de demolição, foi poupada quando o interesse no século XIX foi renovado e passou a integrar o inventário dos monumentos históricos. Em 1973, a Direção dos Museus da França considerou o estabelecimento de um museu na estação (Figura 1.58). A transformação da estação em um museu foi o trabalho do grupo ACT-Architecture, MM. Bardon, Colboc e Philippon. O projeto de adequação deveria respeitar a arquitetura de Victor Laloux (MUSEE-ORSAY, 2011, s/p, tradução nossa)77. Figura 1.57 - Gare d'Orsay, Paris (1898). Victor Laloux. Fonte: <//pietondeparis.canalblog.com/archives/2009/05/index.html>. Acesso em 12 jun 2011. Figura 1.58 – Museu d’Orsay. Fonte: <www.musee-orsay.fr/>. Acesso e 15 jun 2011. 75 STRAUBE, John. Historical development of the enclosure. Disponível em: <www.civil.uwaterloo.ca/beg/Arch673/Historical%20Development%20of%20the%20Enclosure.pdf>. Acesso em 25 jun 2011 76 Gare d’Orsay - desativada desde 1939 quando se mostrou limitada, sucessivamente foi utilizada como centro de prisioneiros durante a guerra, serviu de cenário para vários filmes (incluindo Kafka O Julgamento, adaptado por Orson Welles), abrigou uma companhia de teatro e serviu de casa de leilões. Fonte: <www.musee-orsay.fr/>. Acesso e 26/05/2011, tradução nossa. 77 Disponível em: <www.musee-orsay.fr/fr/collections/histoire-du-musee/la-gare.html> 55 Segundo a Association Passages et Galerie78 de Paris, a ideia de construir galerias cobertas ladedas por lojas é antiga e teve formas diversas ao longo da civilização. A maioria das passagens de Paris foi construída no início do século XIX para abrigar estabelecimentos comerciais e proteger a clientela das intempéries (Figura 1.59). Por volta de 1850 Paris acomodou 150 passagens cobertas e exportou o modelo para outras cidades da França e países da Europa. Posteriormente, a interferência de Haussmann (com a abertura de grandes avenidas) e da concorrência das lojas de departamentos, levaram ao desaparecimento da maioria destas passagens. Figura 1.59 - Galerie Vivienne (1823-26). O arquiteto Delannoy implantou a galeria como uma ilha, preservando três casas existentes. Fonte: <www.lankaart.org/article-galerie-vivienne-paris40420304-comments.html>. Acesso em 13 Maio 2011, tradução nossa. Um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade industrial foi a habitação para a classe trabalhadora. Jean Baptiste Godin 79, filho de um ferreiro, que testou e patenteou o uso de ferro fundido para os aparelhos de aquecimento doméstico, funda em Guise, França, 1837, uma indústria para a produção de fogões. Sensibilizado pelas teorias sociais, teria seu nome associado à tentativa 78 Association Passages et Galerie – criada em 1999, trabalha como gestora para que estes espaços sejam protegidos e recebam apoio para reabilitação e restauro. Disponível em: <//www.passagesetgaleries.orgl>. Acesso em 08 Maio 2011. 79 Jean-Baptiste Godin (1817-1889) - em 1859, adquire 18 hectares de terra em Guise, norte da França, onde faz construir um complexo arquitetônico de habitações para operários. O Familistério de Godin foi uma tentativa de aplicação das teorias socialistas utópicas inspiradas nos Familistérios propostos por Charles Fourier na obra A harmonia universal e o familistério. O Familistério durou até 1968. Fonte: <//web.tiscali.it/icaria/urbanistica/godin/godin.htm>. Acesso em 10 Maio 2011. 56 de aplicar as teorias de Fourier 80, ao colocar em prática o modelo físico do Falanstério. O Familistério Godin (Figura 1.60) é uma diminuição da Falanstério - também constituído de três blocos de habitações, porém com o pátio muito menor, realizando a função de rua interior. Todas as habitações se voltam para o pátio coberto por vidro, destinado às atividades sociais. Figura 1.60 - Familistério de Guise, Jean Baptista Godin – 1859. Corte e corte esquemático segundo indicações: 1) Sótão com quartos para hospedes; 2) reservatórios hídricos; 3) aposentos privados; 4) rua interior; 5) salas de reunião; 6) sobreloja; 7) andar térreo com passagens para viaturas; 8) passadiço coberto. Fonte: BENÉVOLO, 198181. Na primeira metade do século XIX as grandes obras europeias, principalmente em Londres e Paris, eram exemplos de urbanismo. Na época, Milão se transformava na principal cidade industrial da Itália, símbolo da segunda revolução industrial. Obra do arquiteto Giuseppe Mengoni, a Galeria Vittorio Emanuele II, na Praça do Duomo no centro de Milão, foi construída entre 1865 e 1877 (Figura 1.61). O movimento art nouveau, ocorreu em um momento em que as mercadorias produzidas em massa invadiam o mercado. Buscando recuperar a tradição do artesanato, o movimento rejeitou estilos tradicionais em favor de formas orgânicas que enfatizavam a conexão com a natureza. Para alguns autores, o art nouveau, é visto como um estágio em todo o movimento cultural chamado de modernismo, não tanto de caráter formal, mas na sua inspiração fundamental, motivado pela busca de um estilo independente do passado. 80 Charles Fourier (1772-1837) - filósofo e reformador social, socialista utópico francês, conhecido por suas sugestões para a reforma radical da sociedade no sentido da felicidade individual e coletiva. Sua obra O novo mundo industrial e societário (1829) é considerado um resumo de suas doutrinas. Fonte: ALBORNOZ, Suzana Guerra. Artigo em Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. v.10 n.1. São Paulo jun. 2007. Disponível em: < www.revistasusp.sibi.usp.br/>. Acesso em 05 out 2011. 81 BENEVOLO, Leonardo. Historia da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1976 57 Figura 1.61 - Gravura de 1891 da Galeria Vittorio Emanuele II. Fonte: <//knol.google.com>. Acesso em 08 maio 2011. Seus artistas derrubaram a barreira entre artes plásticas e artes aplicadas, ao aplicarem design a todos os aspectos da vida. Nesta abordagem integrada, o art nouveau exerceu influência num rápido pico de dez anos, fazendo-se sentir em toda a Europa. Após a década 1900-1910, os artistas reagiram de duas maneiras diferentes. Uma escola voltou-se para a decoração e produzido Art Deco; outra, personificada por Adolf Loos, numa abordagem radical, baniu todos os detalhes decorativos e olhou para a função (Figuras 1.62-1.65). Desta reação evoluíram Bauhaus e Modernismo Internacional. Hoje, o movimento é considerado uma ponte entre o Neoclassicismo e do Modernismo (Figuras 61-64) (SHEKHAR, 2011, s/p, tradução nossa) 82. 82 SHEKHAR, Vaibhav. Impact of neoclassicism, industrial revolution and art nouveau on modern architecture. 2011. Disponível em: <//thearchiblog.wordpress.com/2011/06/03/impact-of- neoclassicism-industrial-revolution-and-art-nouveau-on-modern-architecture/>. Acesso em 18 out 2011. 58 Figura 1.62 – Lobby do Hotel Four Seasons Gresham Figura 1.63 – Escada da Maison & Atelier Palace, concluído em 1906, Budapeste (Hungria) Fonte: de Victor Horta (1861-1947), Bruxelas <www.budapest-tourist-guide.com/>. (Bélgica). Fonte: <http://www.flickr.com>. Acesso em 27 maio 2011. Acesso em 27 maio 2011. Figura 1.64 - Entrada de estação de metro parisiense Figura 1.65 - Galerie Lafayette, Paris,1912. -Guimard, 1900. Fonte: <www.paris- Fonte: <www.paris-architecture.info/PA- architecture.info/PA-088.htm>. Acesso 27 maio 2011 088.htm>. Acesso em 27 maio 2011. 59 1.2.2 2ª Revolução Industrial (1860- 1900) O período assim denominado caracteriza-se pela difusão da industrialização na França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Estados Unidos e Japão. Cresce a concorrência e a indústria de bens de produção. Nessa fase as principais mudanças no processo produtivo são a utilização de novas formas de energia elétrica e derivada de petróleo. Nos séculos XVIII e XIX a tecnologia adquire caráter de ciência aplicada e as descobertas e invenções são assimiladas na prática. 83 Estes avanços foram possibilitados por uma disponibilização de capital sem precedentes proveniente da organização empresarial moderna. Embora diferentes em muitos aspectos, as duas revoluções compartilham certas características – o emprego de novas tecnologias de fabricação que possibilitaram aumento da produtividade e maior poder aquisitivo e elevação dos padrões de vida de amplos segmentos da população. Finalmente, essas novas tecnologias exerceram efeitos profundos e duradouros sobre como as pessoas trabalham, se relacionam e usam seu tempo de lazer (SMITH, 2001, s/ p.). 84 Figura 1.66 – Janela do prédio da Bauhaus em Dessau - Gropius, 1926. Fonte: <//you-are-here.com/europe/fenster.html>. Acesso em 08 dez 2011. A Bauhaus, mais que uma escola de artes, foi um centro de agitação da época, que assinalou o início de uma nova fase na arquitetura mundial. O embrião foi a escola de artes aplicadas de Weimar (Alemanha), fundada em 1906. Quando em 83 Fonte: <www.historiadomundo.com.br/idade-moderna/revolucao-industrial.htm>. Acesso em 14 out 2011. 84 SMITH, Bradford L. The third industrial revolution: policymaking for the internet . 2001. Disponível em: <www.stlr.org/html/volume3/smithintro.php>. Acesso em 27 nov 2011. 60 1919 Walter Gropius (1883-1969) assume a direção, faz uma reestruturação e a batiza Bauhaus (do alemão: bau = edifício, construção; haus = casa). Proclamava artistas e arquitetos na busca da melhor relação entre material e forma, forma e função e entre forma e modo de produção. Os projetos possuíam um elevado refinamento de formas e linhas, de certa forma creditada ao ideal de economia dos materiais, que exigia um profundo conhecimento de suas possibilidades. Bom intercâmbio entre pesquisa e indústria, levou à produção em larga escala de muitos desses projetos. Como utopias sociais e ideias avançadas da escola começassem a exercer influência sobre a sociedade de Weimar, setores conservadores locais forçam a sua dissolução. Em 1926, a Bauhaus se estabelece em Dessau, onde é construído o edifício da escola, projetado por Gropius (Figura 1.66). Essa mudança marca o início de uma nova fase, cuja produção se caracteriza pela simplicidade racional e pela preocupação com a viabilização econômica dos projetos. Em 1932, com Mies Van der Rohe na direção, a escola é dissolvida pela onda nazista. O exílio forçado de vários membros propagou seus ideais, influenciando arquitetos por todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos, que recebeu a maior parte deles. À época na Europa, Le Corbusier, Alvar Aalto, Mies van der Rohe, entre outros, fizeram experiências com o modelo da casa-pátio. Figura 1.67 – Pavilhão alemão em Barcelona, Mies van der Rohe, 1929. Fonte: <//5osa.tistory.com/entry/SANAA-Mies-van-der-Rohe-Pavilion-installation>. Acesso 17 set 2011. As casas-pátio de Mies van der Rohe são inovadoras e exemplificam a busca do arquiteto por novas proporções e configuração do espaço. Os pátios são espaços exteriores vinculados ao interior por grandes paredes de vidro. Uma característica nestas casas é o isolamento virtual a partir de vistas específicas. Vista e luz solar, fatores determinantes da orientação dos aposentos, poderiam ser tratadas independentemente, enquanto antes eram mutuamente relacionados. O do projeto pavilhão alemão para a exposição de Barcelona, 61 1929, (Figura 1.67) cuidadosamente incorporou um pequeno pátio que exemplifica esta relação (CHOUDHARY, HEO, BAFNA, 2007, p. 1-2). 85 Alvar Aalto fez de sua casa de férias na ilha de Muuratsalo, Finlândia (1952 – 1953) um laboratório onde testou teorias arquitetônicas e métodos construtivos. Na implantação Aalto dividiu a área (14x14 m) em uma grade de nove unidades, onde cinco formam a casa em L em torno das quatro remanescentes reservadas para o pátio (Figura 1.68). Figura 1.68– Casa de férias na ilha de Muuratsalo, Finlândia – Alvar Aalto. Fontes: Croquis de estudo: <www.architizer.com>; Planta: <http://at1patios.wordpress.co/>; Vistas aérea e do pátio: <www.flickr.com/photos/h_ssan/4841412062>. Acessos em 15 out 2011. Em 1929 Le Corbusier projetou Villa Savoy (Figura 1.69) como residência de fim de semana para um casal com um filho, residente em Paris. Foi a primeira oportunidade que o arquiteto teve para concretizar integralmente as proposições dos “cinco pontos para uma nova arquitetura” 86, um novo modo de ver e viver no mundo. A utilização destes cinco pontos já havia aparecido nas primeiras casas 85 CHOUDHARY, HEO, BAFNA. A study of variations among Mies’s courtyard. Artigo apresentado no VI Simpósio Internacional de Sintaxe do Espaço, İstanbul, 2007. Disponível em: <www.spacesyntaxistanbul.itu.edu.trf>. Acesso em 14 out 2011. 86 Cinco pontos para uma nova arquitetura de Le Corbusier: 1. Pilotis; 2. Terraço jardins; 3. Planta livre; 4. Fachada livre; 5. Janela em fita. 62 projetadas pelo arquiteto, embora restrições tenham impedido sua realização integral. O próprio Le Corbusier reconhece a casa como uma síntese do seu trabalho anterior, reunindo soluções criadas para vários de seus projetos de residências anteriores (MACIEL, 2002. s/p). 87 Figura 1.69 - Villa Savoye, Poissy-sur-Seine, França - Le Corbusier, 1929-1931. Fontes: Imagem superior: <//blanchardmodernart.blogspot.com.br/2010/11/expressionistarchitecture-bauhaus-and.html>; Plantas: <www.quondam.com/77/7696.htm>; Imagem inferior: <//hotelswelove.com/tag/le-corbusier/> Acessos em 29 nov 2011. A questão do suporte de peso da alvenaria que havia imposto restrições estruturais, subitamente desapareceu. Sem precedentes históricos, a liberdade criou uma espécie de crise técnica e estilística. Nos Estados Unidos, Loius Sullivan foi o primeiro a lidar com essa crise. Abraçando as estrutura de aço, criou uma gramática para o aumento de altura (eixo base e frontão), simplificando o aspecto do edifício em relação aos edifícios de seu tempo. Ao projetar o Edifício Wainwright, Sullivan e Dankmar Adler (Figura 1.70) partiram 87 MACIEL, Carlos Alberto. Villa Savoye: arquitetura e manifesto. Disponível <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.024/785 >. Acesso em 19 out 2011. em: 63 de uma estrutura de aço revestida em alvenaria. A eles é creditada a primeira utilização bem sucedida de estrutura metálica combinada com alvenaria. Esta caracteristica possibilitou abrir grandes janelas para luz natural e aeração. (ARCHDAILY, 20011, s/p, tradução nossa). 88 Figura 1.70 – Wainwright Building. Projeto de Adler e Sullivan, St. Louis, (1890-92). Edifício em construção com a estrutura metálica aparente a esq. e detalhe de acabamento a dir. Fonte: <www.flickr.com>. Acesso 18 Jun 2011. Em Nova York, o edifício Larkin (1902-06), projetado por Frank Lloyd Wright para 1.800 secretárias, funcionários e executivos do então florescente mercado de vendas por correspondência (Figura 1.71). Wright buscou criar um edifício moderno que daria aos trabalhadores a sensação que ele chamou, de um local de encontro da família. O interior aberto para o que hoje chamaríamos de um espaço de átrio, na verdade faz para o prédio o que a lareira faria para a família. O espaço focal, aqui sendo o espaço de comunidade, como a lareira no coração da casa, um símbolo tradicional de lar (LEVINE, apud PBS- Larkin Building, 2011, tradução nossa, destaque nosso) 89. 88 89 Disponível em: <www.archdaily.com/127393/ad-classics-wainwright-building-louis-sullivan/>; LEVINE, Neil – historiador de arquitetura. Disponível <www.pbs.org/flw/buildings/larkin/larkin_interior.html>. Acesso em 18 Jun 2011. em: 64 Figura 1.71 - Larkin Building. Frank Lloyd Wright (1902-06), Nova York, demolido em 1950. Fonte: <www.pbs.org/flw/buildings/larkin/larkin_interior.html>. Acesso em 18 jun 2001. Em Racine, Wisconsin, EUA, o esforço de Wright para incorporar a metáfora orgânica em sua arquitetura é revelado no edifício da administração do Johnson Wax Building (Figura 1.72). Os pilares conhecidos colunas cogumelo ou lily pads) terminam no nível da cobertura como almofadas circulares, tendo os espaços residuais entre os círculos conectados por uma membrana de vidro Pyrex, que permitiu a admissão de grande quantidade de luz difusa no interior do edifício (MINNER, 2011, s/p, tradução nossa). 90 Figura 1.72 – Johnson Wax Building (1936-39), Racine, Wisconsin, EUA. Fonte: <www.greatbuildings.com/cgi>. Acesso em 16 jun 2011. 90 MINER, Kelly. Classics: SC Johnson and son administration building / Frank Lloyd Wright. Disponível em: <www.archdaily.com/90519/ad-classics-s-c-johnson-and-son-administration- building-frank-lloyd-wright/>. Acesso em 27 nov 2011. 65 No Solomon R. Guggenheim Museum de Nova York (1956-1959, Wright desenhou um edifício que se volta para dentro, com espaço interior caracterizado pelo átrio central, iluminação zenital. Sete andares se desenvolve em espiral em torno de um espaço aberto, culminado por uma claraboia. A característica original deste museu é à disposição das obras ao longo da rampa, fazendo com que o conjunto da exposição esteja sempre visível. (Figuras 1.731.74). Figura 1.73 - Museu Guggenheim de Frank Lloyd Wright, Nova York, EUA - Planta e corte. Fonte: <www.greatbuildings.com/cgi-bin/gbcdrawing.cgi/Guggenheim_Museum.html/Guggenheim_Section.html>. Acesso em 28 nov 2011. Figura 1.74 – Museu Guggenheim de Frank Lloyd Wright, Nova York, EUA - Vista das rampas e da claraboia. Fonte: < http://www.greatbuildings.com/cgibin/gbi.cgi/Guggenheim_Museum.html/cid_1175899479_03350005.jpg>. Acesso em 28 nov 2011. 66 Em 1967, John Portman desenvolveu o que viria a ser hotel tipo-átrio, ao projetar o Hyatt Regency Atlanta91 (Figura 1.75), caracterizado por um grande vazio central circundado por múltiplos andares. Portman projetou para o moderno mercado hoteleiro, em consciente oposição aos hotéis da década de 1950-60. Tudo sobre o Hyatt foi orientado para impressionar: o átrio central aberto para vinte dois pavimentos, elevadores de vidro e um clima de ficção científica (GROVE; GOLDBERGER, 2091, p. 32, tradução nossa) 92. Figura 1.75 – Imagens do interior do átrio de Hyatt Regency Atlanta em visão noturna e dirna. Fonte: www.flickr.com/photos/>. Acesso em 17 Mar 2011. Ao descreverem as características do lobby, ou saguão de um hotel, Andrade, Brito e Jorge (2000, p. 54-56) 93 fazem referencia à primeira impressão do hóspede - no lobby acontecem o primeiro e o último contato do hóspede com o hotel. Além da importância mercadológica, o espaço tem papel estratégico no funcionamento do hotel, uma vez que é nele que se situa a recepção e, principalmente, é através dele que se tem acesso às demais áreas publicas do hotel - lojas, bares, restaurantes, locais de reunião etc. Observam que a qualidade dos materiais, mobiliário e decoração reservados aos lobbies de hotéis de todos os niveis, é sempre superior à dos demais ambientes, incluindo os apartamentos. 91 Após mais de 40 anos o Hyatt Regency Atlanta está passando por renovação com conclusão prevista para dezembro de 2011. Fonte: <www.hyatt.com/gallery/atlrarenovation/>. Acesso em 04 jun 2011. 92 GROVE, Jeffrey D.; Paul GOLDBERGER, Paul ET AL. John Portman: art and architecture. Atanta: High Museum of Art, 2009. 93 ANDRADE Nelson; BRITO Paulo Lucio de, JORGE Wilson Edson. Hotel: planejamento e projeto. São Paulo: Senac, 2000. 67 Londres introduziu o estilo átrio para bancos com a construção do primeiro átrio moderno no Reino Unido, onde soluções técnicas integraram o Coutts Buiding (Figura 1.76) de John Nash (1830-1832) com interferência de Frederick Gibberd & Partners (1979) (RIBA, 2011, s/p, tradução nossa). Figura 1.76 - Coutts Bank, Londres. Fachada e jardim no primeiro pavimento. Fonte: Imagens de arquivo do RIBA. Disponíveis em: <www.ribapix.com/>. Acesso em 04 maio/2011. Em Nova York, na Madison Avenue, a poucos quarteirões do Central Park, um edifício para abrigar o escritório central da IBM (Figura 1.79), projeto de Edward Larrabee Barnes (1980-83), reservou 60% do terreno para o átrio que oferece conexão à cidade como passagem pública. Inclui lojas, galeria e jardim (NYC, 2001, s/p, tradução nossa). 94 Figura 1.77 – Átrio e acesso ao edifício da IBM em Nova York. Fonte: <www.northjersey.com/arts_entertainment/art/See_what_youve_been_missing.html >. Acesso em 04 jun 2011 94 Disponível em: <www.nyc-officespace-leader.com/IBM-building>. Acesso em 25 Jun 2011. 68 Louis Kahn 95 compreendeu que não vemos a luz, mas a percebemos quando esta atinge uma superfície. Kahn concebeu sua arquitetura fazendo do espaço definido por paredes um abrigo a fim de ver a luz, um espaço dentro do espaço, enfatizado pela transição do exterior/público para o espaço interior/privado. Desta forma, a arquitetura torna-se uma fonte secundária de luz, onde luz do dia e luz no espaço de arquitetura são inseparáveis. Como uma nova camada de espaço, o espaço arquitetônico em que a luz é vivenciada proporciona um lugar protegido ao mesmo tempo capaz de participar no mundo exterior. (SCHWARTZ, 2011, s/p, tradução nossa). 96 Figura 1.78 - Kimbell Art Museum. Fort Wort, Texas, 1967-1972. Fonte: </www.kimbellart.org/MuseumInfo/Architecture/Tour-Piano.aspx>. Acesso em 15 out 2011. 95 Louis Kahn (1901, Saarama, Estónia–1974, Nova Iorque, EUA). Sua família emigrou para os EUA em 1905. Formou-se arquiteto na Universidade da Pensilvânia. Fonte: <www.greatbuildings.com/architects/Louis_I._Kahn.html>. Acesso em 12 out 2011. 96 SCHWARTZ, Martin. Louis I. Kahn: Finding Daylight in Luanda. 2011. Disponível em: <//architectureinthelightofday.blogspot.com.br/2011/02/louis-i-kahn-finding-daylight-in-luanda.html>. Acesso em 23 out 2011, tradução nossa, 69 Kahn projetou as salas de exposição e demais funções importantes do Museu de Belas Artes de Kimbell, (1967-1972), em Fort Wort, Texas, por uma sucessão de faixas largas de espaços configurados por abóbadas. Essas faixas espaciais são separadas por faixas mais estreitas, em que são colocadas as funções de serviço (Figuras 1.80-1.81). Segundo Palermo (2006, s/p, destaque do autor) 97, neste museu Kahn fez uma tentativa de alcançar a “grandeza romana da abóbada” e por meio de rasgos no topo dessas abóbadas, qualificar os espaços com luz natural. 1.2.3 3ª Revolução Industrial O processo industrial, baseado no conhecimento e na pesquisa, caracterizou a chamada Terceira Revolução Industrial. Na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, os conhecimentos gerados em pesquisas são repassados quase que simultaneamente para o desenvolvimento industrial. Essa nova fase produtiva não se limita a produtos de pouco valor agregado, como nas fases anteriores, mas no conhecimento no qual foram gastos anos de estudos e pesquisas, agregam elevados valores no produto final, mesmo que tenha sido gastos pouca quantidade de matéria-prima. Destacam-se a expansão de transmissores de rádio e televisão, telefonia, indústria aeroespacial, biotecnologia, computadores, softwares, microeletrônica, chips, transistores, circuitos eletrônicos, robótica telecomunicações, informática em geral (FREITAS E., 2011, s.p). 98 Pela terceira vez nos últimos 250 anos o mundo vive uma grande transformação. Nascidas dos avanços da ciência e alimentadas pelas inovações tecnológicas, as revoluções industriais precedentes produziram grandes saltos e mudaram a forma como as pessoas trabalham e interagem. A Internet, o coração de uma terceira revolução industrial, está mudando a forma como as pessoas se comunicam entre si, se expressam e se divertem. 97 PALERMO, Nicolás Sica As arquiteturas do tempo de Louis I. Kahn. 2006. Disponível em: <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.069/382>. Acesso em 12 out 2011. 98 FREITAS, Eduardo. Terceira Revolução Industrial. Disponível em: <www.mundoeducacao.com.br/geografia/terceira-revolucao-industrial.htm>. Acesso em 27 Nov 2011. 70 Segundo Davies (s/data, p. 1-8) 99, no início de 1970 o termo High Tech na indústria significava eletrônicos, chips de silício, robôs; em arquitetura um estilo particular de construção, adotado por parte dos arquitetos que abraçaram a tecnologia com componentes pré-fabricados precisos e rapidamente montados no local. O arquiteto High Tech percebe sua arquitetura como um ramo da tecnologia industrial, quer que seus edifícios sejam funcionais e eficientes. Neste esforço, simbolismo e representação desempenham papel importante. As aplicações da alta tecnologia (estrutura de aço exposto, dutos de arcondicionado visíveis, etc.) não são puramente funcionais, mas também representacionais. Muito dependente do combustível fóssil para transporte e iluminação e climatização, os edifícios modernos e as cidades em expansão estão gerando o que alguns historiadores já chamam de "o intervalo de petróleo". Para Foster 100, atualmente somam-se dois cenários urbanos que criam o potencial para criação de um novo tipo de arquitetura. O primeiro é o crescimento explosivo das cidades - a urbanização acelerada pelo fator dez, fez com que o que aconteceu na Europa em duzentos anos na China levasse vinte anos. O segundo cenário é a alteração do equilíbrio entre os chamados ‘mundo desenvolvido’ e ‘mundo em desenvolvimento’. Hoje, cidades consolidadas são ultrapassadas por megacidades ao redor do mundo, com população superior a 15 milhões. “Sustentabilidade” é uma palavra que ganhou valor de moeda na última década, não sendo bem compreendida quando se trata de fazer frente aos desafios do século XXI. A localização e a função de um edifício, sua flexibilidade e tempo de vida, sua forma, orientação e estrutura; sistemas de aquecimento e ventilação e os materiais utilizados; somado ao impacto sobre a quantidade de energia necessária para construir, manter e usá-lo, são questões centrais. (FOSTER, 2008, s/p, tradução nossa, grifo nosso). 101 99 DAVIES, Collin. High Tech Architecture. s/data. Disponível em: <//crowstep.co.uk/Resources/HighTechArchitecture.pdf>. Acesso em 12 Dez 2011, tradução nossa. 100 Norman Foster (Manchester, RU, 1935) - O arquiteto graduou-se na Universidade de Manchester em 1961. Mestrado na Universidade de Yale, EUA (1961-2). De volta e a Londres entre 1963 e 67, trabalhou no Team 4 Architects com Richard Rogers, Rogers Su e Wendy Ann Cheesman. Em 1967 criou a Foster+Partners. Fonte: <www.fosterandpartners.com>. Acesso em 10 nov 2011, tradução nossa. 101 FOSTER, Norman. The Third Industrial Revolution. In Green Industrial Revolution. Palestra proferida na Universidade Livre de Berlim, 2008. Disponível em: 71 Da convivência com Buckminster Fuller 102, entre 1968 e 1983, Norman Foster absorveu princípios norteadores de um novo relacionamento entre a natureza e o edifício O projeto do Climatroffice, como foi conhecido (Figura 1.82), visualizou o escritório encapsulado em uma geodésica de vidro que permitia a criação de um microclima interno. Por limitações técnicas da época não foi realizado, porém tornou-se referencia para desenvolvimentos futuros como a biblioteca da Universidade Livre de Berlim, 1997-2005 e do Gherkin de Londres, 1997-2004, que guardam muitas das ideias latentes do Climatroffice. Figura 1.79 - Climatroffice de Buckminster Fuller e Norman Foster, 1971. Fonte: <//archiveofaffinities.tumblr.com/post/10433229828/norman-foster-and-buckminster-fuller>. Acesso em 18 nov 2011. Pela postura assumida por seu escritório, à que Foster chama green agenda, defendida em conferencia na TED103 105 104, seguem-se algumas obras do escritório onde o aporte de luz do dia se faz de forma referencial (Figuras 1.83-1.95). <www.fosterandpartners.com/content/essays/The%20Third%20Industrial%20Revolution.pdf>. Acesso em 10 nov 2011, tradução nossa. 102 Richard Buckminster Fuller – (Milton, MA, 1895 – Los Angeles, CA, 1983). Filósofo prático que demonstrou suas ideias como invenções que ele chamou de "artefatos". "Cientista antecipatório de design abrangente" para resolver problemas globais em torno de abrigo, moradia, transporte, educação, energia, destruição ecológica e pobreza. Registrou 28 patentes, escreveu 28 livros, recebeu 47 títulos honorários. Seu mais artefato mais conhecido, o domo geodésico, foi reproduzido mais de 300.000 vezes em todo o mundo, verdadeiro impacto de Fuller sobre o mundo de hoje pode ser encontrado em sua contínua influência sobre as gerações de designers, arquitetos, cientistas e artistas. Fonte: <//bfi.org/about-bucky>. Acesso em 15 nov 2011, tradução nossa. 103 TED (Technology, Entertainment, Design) - organização sem fins lucrativos, dedicada disseminar a Ideas Worth Spreading, começou em 1984 como uma conferência reunindo pessoas de três áreas: tecnologia, entretenimento e design. Fonte: <www.ted.com/pages/about>. Acesso em 14 out 2011. 104 Disponível em: <www.ted.com/talks/norman_foster_s_green_agenda.html>. Acesso em 14 out 2011. 105 Fonte: <www.fosterandpartners.com/Practice/Default.aspx>. Acesso em 16 out 2011, tradução nossa. 72 Museu Britânico Londres, Reino Unido Projeto original – Robert Smirke, 1823-1847 Interferência - Foster+Partners, 1994-2000 Em 1823, Smirke foi contratado para projetar um edifício destinado a abrigar a Biblioteca Real e outras coleções. A planta original tinha quatro asas principais organizadas em torno de um pátio retangular. Em 1857, ao completar dez anos, o museu já tinha demanda de espaço, o que levou a adição de um edifício para a biblioteca do museu e uma sala de leitura106 no centro do pátio (Figuras 1 e 2) (ARCHITECTUREWEEK, 2011, s/p, tradução nossa). Figura 1.80 – Plantas do primeiro pavimento do Museu Britânico. Acessos em 05 Jun 2011. esq.: o projeto de Smirke, 1823. Fonte: <//rutc-architecture09-0804788.blogspot.com/2009/> dir.: inclui a Sala de Leitura e outras salas, 1899. Fonte: <www.old-print.com/>. Figura 1.81 – Ilustração do Interior da Sala de Leitura, 1857. Fonte: <www.superstock.com>. Figura 1.8 2 – Exterior do Museu Britânico em fotografia de 1900. Fonte: <www.victorianweb.org/>. Acessos em 05 Jun 2011. 106 O Round Reading Room, como ficou conhecido, tornou-se refúgio usado por Karl Marx, Vladimir Lenin, Oscar Wilde, Leon Trotsky, George Bernard Shaw, Virginia Woolf. Fonte: <www.architectureweek.com/2001/0214/design_1-1.html>. Acesso 25 fev 2011, tradução nossa. 73 Em 1997, com a transferência da biblioteca para outro edifício, foi lançado um concurso para redesenhar o espaço do pátio. O programa do concurso tinha três objetivos: revelar os espaços escondidos, rever velhos espaços e criar novos espaços. Entre mais de 130 propostas foi escolhida a de Foster+Partners. Figura 1.83 – Interferência no Museu Britânico, Londres, Reino Unido. Fonte: <www.fosterandpartners.com>. A cobertura de vidro proposta, ocupa o espaço entre a Sala de Leitura e os limites do pátio. Internamente há pontos de informação, livraria e café. O espaço da Sala de Leitura foi restaurada e escadas, ao seu redor, levam a uma galeria de exposições temporárias e ao restaurante no piso superior. 74 Museu de Arte Joslyn Omaha, Nabraska, EUA Projeto original – conclusão 1931 Adição – Foster+Partners, 1994 O Joslyn, um bom exemplo de Art Deco nos Estados Unidos, incomum em combinar arte e música em um único complexo. Além da remodelação do edifício existente, foi acrescentada uma nova ala de 5000 m² para galeria e ateliers. Figura 1.84 – Museu de Arte Joslyn, Omaha, Nabraska, EUA. Fonte: <www.fosterandpartners.com> Revestido do mesmo mármore rosa do edifício original, a nova ala adota uma forma sólida com proporções semelhantes ao museu existente. Um átrio cria um novo espaço social ligando as asas novas e antigas. Com iluminação zenital, o nível principal da nova ala acomoda galerias de exposições temporárias. O subsolo é destinado a armazenamento, oficinas, vestiários, cozinha e restaurante. Em frente ao edificio há espaço para um anfiteatro ao ar livre, um palco para concertos de verão. 75 Reichstag Berlim, Alemanha Projeto original – 1894 / Queimado em 1933 Reconstrução - 1900-1995. Interferência – Foster+Partners, 1992-1999. A proposta da competição para atualização do Parlamento alemão apresentava quatro pontos: o significado do edifício, o compromisso com a acessibilidade ao público, sensibilidade a história, e agenda ambiental rigorosa. Figura 1.85 - Reichstag, Berlin, Alemanha. Fonte: <www.fosterandpartners.com> A reconstrução manteve algumas caracteristicas, por exemplo, o piano nobile original e os pátios que foram restabelecidos. A maior inovação foi a cupula sobre a Sala do Parlamento que ao ultrapassar o nivel da cobertura do edifício, permite a entrada de luz do dia. Rampas helicoidais permitem a chegada do publico a uma plataforma de observação, simbolicamente, acima das cabeças dos seus representantes eleitos, de onde podem acompanhar suas atividades. 76 Instituto Smithsonian Washington DC, EUA. Projeto original – 1836-1867 Interferência – Foster+Partners, 2004-2007 O Smithsonian ocupa o antigo edifício de Patentes dos Estados Unidos, exemplo de arquitetura clássica nos Estados Unidos, salvo da demolição iminente em 1958 pelo presidente Eisenhower, que transferiu a tutela para a instituição, para uso de museu e galeria. Figura 1.84 – Instituto Smithsonian, Washington DC, EUA. Fonte: <www.fosterandpartners.com>. A cobertura do pátio é o centro do programa de renovação do edifício, que incluiu o redesenho das galerias, a adição de laboratório de conservação, auditório e espaço de exposições. O pátio coberto acolhe eventos sociais, concertos e apresentações públicas. A cobertura envidraçada, explorada pela primeira vez no projeto do Museu Britânico, é composta de três abóbadas interligadas. Os painéis de vidro duplo contêm material acústico, que juntos formam uma concha rígida, suportada por apenas oito pilares. 77 Hearst Tower. Cidade de Nova York, EUA Projeto original – 1927 Adição - Foster+Partners, 2000-2006 Na década de 1920, William Randolph Hearst encomendou um edifício art deco de seis andares na Oitava Avenida para sua companhia editorial. Quando concluído em 1928, o próprio Hearst antecipou que o edifício seria a base de uma grande torre. Figura 1.85 - Hearst Tower. Cidade de Nova York, EUA. Fonte: <www.fosterandpartners.com>. A torre de 42 andares se eleva acima do antigo edifício, ligados por uma saia de vidro que leva luz do dia para dentro do edifício e dá a impressão de flutuar acima da base. O lobby, que ocupa todo o térreo, é uma praça que dá acesso a todo o edifício. Ele incorpora o hall do elevador principal, refeitório e o auditório Hearst e os níveis de mezanino para reuniões e eventos especiais. Estruturalmente, a torre tem uma forma triangular, com seus cantos descascados de volta entre as diagonais, tem o efeito de enfatizar às torres proporções verticais e criando uma silhueta distinta facetada. 78 Commerzbank Frankfurt, Alemanha 1991-1997 Resultado de uma competição internacional fechada, o projeto explora a natureza do ambiente de escritório. Cada escritório da torre de 53 andares recebe luz do dia e tem janelas que permitem que os ocupantes controlem seu próprio ambiente. Figura 1.86 – Commerzbank. Frankfurt, Alemanha. Fonte do projeto: <www.fosterandpartners.com>. A planta triangular, se desenvolve ao redor do átrio central de altura total. Pavimentos jardins em níveis diferentes do edificio formam uma espiral de paisagismo ao redor do prédio, trazendo luz do dia e ar fresco para dentro do átrio central, que funciona como uma chaminé de ventilação natural 79 Swiss Re Headquarter (Gherkin) Londres, Reino Unido 1997-2004 Encomendado por uma das maiores empresas de seguro, o edifício de 41 andares, dispõe 76.000m² para escritórios e uma galeria comercial acessada a partir de uma praça pública. Do topo deste edifício, o mais alto Londres, é possivel ter-se uma visão panorâmica de 360º da cidade. Conceitualmente, a torre desenvolve ideias exploradas no Commerzbank e, antes disso, no projeto do Climatroffice com Buckminster Fuller (ver Figura 1.79) – uma cúpula capaz de resolver vedações e cobertura em uma pele triangulada contínua. Figura 1.87 - Swiss Re Headquarter. Londres, Reino Unido. Fonte: <www.fosterandpartners.com>. Com perímetro circular, o diâmetro do edificio amplia à medida que sobe e afunila em direção ao ápice. O envelope estrutural da torre permite um espaço sem pilares e uma fachada envidraçada que abre o edifício para a luz do dia. 80 City Hall Londres, Reino Unido 1998-2002 O edifício abriga os membros eleitos da Câmara de Londres e os escritórios da prefeitura da Grande Londres. Temas explorados anteriormente no edifício do Reichstag (transparência e acessibilidade do processo democrático) e a exploração do potencial de sustentabilidade são encontrados neste edifício. Figura 1.88 - City Hall. Londres, Reino Unido. Fonte: <www.fosterandpartners.com>. Projetado com técnicas de modelagem por computador, o edifício não tem fachada principal. A luz do dia teve papel determinante no projeto. A face sul se inclina para trás para proporcionar sombreamento nos escritórios. A face norte leva o olhar a atravessar o rio para a Torre de Londres. Rampas suaves permitem movimentação dos visitantes. Um espaço público no topo, o Londons Living Room, pode ser usado para exposições ou funções. 81 Hotel Clarence Dublin, Irlanda Projeto original - 1939 Ampliação e modernização - Foster+Partners, 2006 O projeto de modernização do hotel combina restauração da fachada e incorpora uma série de estratégias de sustentabilidade, incluindo a maximização da luz natural e ventilação. Figura 1.89 - Clarence Hotel. Dublin, Irlanda. Fonte: <www.fosterandpartners.com>. O hotel é organizado em torno de um átrio que se eleva desde a base até a cobertura, trazendo luz do dia a todo o conjunto. Na cobertura, um terraço panorâmico une e complementa o edifício existente. O piso térreo de acesso público incorpora restaurantes, lojas, cafés e bares. 82 Beijing Airport Pequim, China 2003-2008 Porta de entrada para a 29º Olimpíada, concebido numa escala sem precedentes, o projeto do terminal é um dos mais sustentáveis do mundo. Como um símbolo cultural, a cobertura lembra um dragão. Figura 1.90 - Beijing Airport. Pequim, China. Fonte: <www.fosterandpartners.com>. Pequim, China Incorpora conceitos de desenho ambiental passivo, como as clarabóias orientadas para sudeste, que maximizam o ganho solar da manhã. Projetado e construído em apenas quatro anos, contou com materiais selecionados com base na disponibilidade local, funcionalidade, aplicação de habilidades locais e aquisição de baixo custo. 83 1.2.4 Já se fala da 4ª Segundo Freitas A. (2005, s/p) 107, o processo de degradação do meio ambiente deverá dar lugar a novos produtos - o combustível limpo substituirá o fóssil; o uso da energia elétrica será de alto desempenho; a concentração do capital financeiro será pulverizada para segmentos do varejo, abrindo oportunidades de negócios com maior flexibilidade e agilidade; as empresas se destacarão ao transferir informações para seus produtos e serviços. A 4ª Revolução Industrial não permite desperdícios por excesso ou a falta, mas pretende garantir a continuidade do homem no planeta. Surgem organizações como a Community for Tomorrow (2011, s/p, tradução nossa) 108, que vê a viabilidade da civilização determinada pela geração, distribuição e utilização de energia, prognosticando a produção local de energia para suporte à vida. Para Buchanan (2012, s/p, tradução nossa) 109, o que ainda é descartado deve agora ser tido em conta - a efemeridade pode ser muito destrutiva. Esta postura irá influenciar profundamente o projeto e o fazer da arquitetura. A sociedade prémoderna via o impacto de suas ações dentro de um intervalo de tempo maior do que o cenario dominante nos negócios de hoje. Para o autor tal arquitetura não era meramente subserviente, mas a mediação entre homem, cultura e natureza. Ressalvando contribuições duradouras da modernidade e da pós-modernidade, acredita que a era que começou com o Renascimento e a emergência da ciência, reconhece seu clímax. A presente era está comprometida com o retorno 107 FREITAS, Alexandre Mendes de. Seja Bem Vindo À Quarta Revolução Industrial . 2005. O autor é consultor de empresas e mestre em gestão Empresarial pela FGV. Disponível em: <www.supplychainonline.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=150>. Acesso em 12 dez 2011. 108 Community for Tomorrow - organização sem fins lucrativos, nasceu em 2009 no sul da Califórnia (EUA), por iniciativa de um pequeno grupo de indivíduos que inclui professores universitários, estudantes de todas as idades, seus pais, empresários e outros, dedica-se à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de próxima geração, Através de fóruns on line, dispõese a capacitar indivíduos com competências, habilidades e recursos a fim de que estes possam se tornar apoio da liderança regional com a finalidade de preservação e promoção da comunidade local. Disponível em: <www.communityfortomorrow.org>. Acesso em 17 Dez 2011. 109 BUCHANAN, Peter. The big rethink: farewell to modernism − and modernity too . 2012. Disponível em: <www.architectural-review.com/8625733.article>. Acesso em 26 fev 2012, tradução nossa. 84 do homem ao seu papel referencial na arquitetura, depois de ter sido deslocado pelas idéias reducionistas como o funcionalismo, que ignorou a complexidade dos mundos internos da experiência, as conexões psíquicas e seus significados. O autor reporta que pesquisas encontraram trabalhadores satisfeitos em condições consideradas fora das zonas de conforto normativas - que as pessoas preferem trabalhar em edifícios naturalmente iluminados e ventilados; que também preferem controlar suas próprias condições de conforto, como janelas operáveis. Características introduzidas para a eficiência energética, tais como átrios com ventilação e iluminação natural, tornam-se espaços sociais vivos e conferem ao edifício uma agradável e identidade reconhecível. O mundo mudou. O futuro já não pertence a pessoas que podem raciocinar como computador - com lógica, velocidade e precisão. Ele pertence a um tipo diferente de pessoa com um tipo diferente de mente. [...] A Era da Informação para a qual estamos todos preparados está terminando. Surge em seu lugar o que chamo a Era Conceitual, uma época em que o domínio de nossas habilidades, muitas vezes esquecidas e desvalorizadas, marca a linha divisória entre quem fica à frente e quem fica para trás (PINK, 2005, s/p, tradução nossa) 110. Para Buchanan, progredimos de uma sociedade de agricultores para uma sociedade de operários e desta para uma sociedade de trabalhadores do conhecimento. Agora progredimos mais uma vez - para uma sociedade de criadores, reconhecedores de padrões e fabricantes de significado. Para florescer nesta época, é preciso complementar nossas já desenvolvidas capacidades de alta tecnologia com aptidões de "alto conceito". Alto conceito envolve a capacidade de criar beleza artística e emocional, para detectar padrões e oportunidades, para criar uma narrativa satisfatória, e para trazer invenções que o mundo não sabia que faltavam. Envolve a capacidade de empatia, para entender as sutilezas da interação humana, para encontrar alegria em si mesmo e provocá-la nos outros, e para ir além do cotidiano em busca de propósito e significado. Desenvolver este alto conceito, não será fácil para todos. Para alguns, a perspectiva parece inatingível. Não tema (ao menos tema pouco). Os tipos de habilidades que agora são mais importantes são atributos fundamentalmente humanos. Afinal de contas, nossos ancestrais das cavernas não eram plugados em números de planilhas ou código de depuração. Eles 110 PINK, Daniel H. Revenge of the right brain. 2005. <www.wired.com/wired/archive/13.02/brain.html>. Acesso em 12 Dez 2011 . Disponível em: 85 contavam histórias, demonstravam empatia, projetavam inovações. Essas habilidades sempre foram parte do que significa ser humano. Em apenas algumas gerações da Era da Informação, muitos de nossos altos conceitos, como músculos se atrofiaram. O desafio é fazê-los voltar a forma. Quer ir em frente hoje? Esqueça o que seus pais lhe disseram. Em vez disso, faça algo que estrangeiros não podem fazer mais barato. Computadores não podem fazer mais rápido. E algo que preencha com desejo imaterial, transcendente de uma era abundante. Em outras palavras, vão em frente jovens, vão. (BUCHANAN, 2012, s/p, tradução nossa). A mudança climática global é uma preocupação que unifica o mundo. A arquitetura conta com governos, clientes, forças de mercado, incentivos ao investimento e tecnologias emergentes para planejar e desenhar das cidades do futuro, meta não apenas na escala do edifício, mas na escala de cidades e regiões. É uma questão de sobrevivência. 85 1 capítulo 2 O átrio O único privilégio da arquitetura entre todas as artes, quer crie habitações, igrejas ou interiores, não é hospedar uma cavidade cômoda e rodeá-la de defesas, mas construir um mundo interior que mede o espaço e a luz segundo as leis da geometria, de uma mecânica e de uma ótica necessariamente implícitas na ordem. Bruno Zevi 1 Silhuetas e sombras refletidas no piso polido do átrio do Edifício de Engenharia da Universidade de Wisconsin, Madison, EUA. Foto: Jeff Miller, 2006. <//photos.news.wisc.edu/photos/5146/view>. Acesso em 15 nov 2011. 2 2 ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996 Disponível em: 86 2.1 Atrium, plur. atria A definição de átrio é controversa. Alguns o definem como um ambiente com abertura zenital, outros como um pátio coberto. A resposta depende de se o átrio é tido, ou não, como uma área simbolicamente coberta - um “teto sobre a cabeça”. (DUPONT, 1989, p. 95, tradução nossa, destaque do autor) 3. Na busca da definição, do que se apresenta mais como um conceito espacial que configura um vazio central, seguem-se definições para átrio e pátio encontradas em dicionários de língua portuguesa e em dicionários de arquitetura: ALBERNAZ; LIMA 4 Átrio – 1. Recinto ou compartimento na entrada do prédio. O termo é mais aplicado quando referido a antigas construções. Quando se constitui em um compartimento é frequentemente chamado vestíbulo, particularmente não se tratando de edifícios suntuosos. 2. Em prédio de maior porte, amplo recinto de distribuição de circulação. Comumente possui esmerado acabamento com o uso de materiais nobres. Nos edifícios mais recentes é frequentemente chamado hall (p.71). Pátio – espaço descoberto, cercado por muros ou paredes, sem uso definido. Pode ser situado no interior do edifício ou externamente, sendo neste ultimo caso, acesso a edificação. O pátio interno tem muitas vezes a função de receber e distribuir luz e ar a alguns compartimentos localizados internamente. Pode ser particular ou coletivo. Algumas vilas antigas e cortiços possuem pátios coletivos. Usualmente é pavimentado. Nas antigas edificações era em geral lajeado. Pode ser ou não provido de um pequeno jardim (p.442). CHING, 2000 5 Átrio – Pátio central iluminado por luz natural em uma construção, esp. Um grande espaço interno com telhado de vidro e cercado por vários pavimentos de galerias. Pátio aberto, iluminado por luz natural, a cuja volta se ergue uma casa ou edifício. (p. 85). 3 DUPONT, Florence. Daily Life in Ancient Rome. Oxford: Blackwell, 1989. 4 ALBERNAZ, Maria Paula; LIMA, Cecília Modesto. Dicionário ilustrado de arquitetura. 2ª ed. São Paulo: Proeditores, 2000. 5 CHING, Francis D. K. Dicionário visual da arquitetura. São Paulo: Martins Fonte, 2000. 87 Pátio – Área a céu aberto, cercada em sua maior parte ou na totalidade por paredes ou edifícios. Área adjacente a um edifício ou no interior desde. Pátio interno – área de uma casa delimitada por construções baixas, arcadas ou paredes. Cortil – Pátio espaçoso ou principal de um palácio italiano Área adjacente a um edifício, ou no interior deste. Pátrio interno (p.85) Igreja: Área quadrangular circundada por um claustro (p.150). CORONA; LEMOS 6 Átrio – Vestíbulo, pátio ou espaço que vai, nos palácios e grandes edifícios, desde a entrada principal até a escadaria, serve de acesso ao pavimento superior. Nome também dado a adornos das igrejas. Parece que em certos lugares do Brasil é comum dar-se o nome de átrio ao sótão das residências (p.59). Pátio – Recinto coberto no interior de uma construção, ou área a ela encostada. Quintal murado. Átrio, vestíbulo. Grande saguão. Antigamente, escola onde se professavam humanidades (p. 362). HOUAISS; VILLAR 7 Átrio – 1. ARQ. HIST. A sala principal, contigua a entrada das casas no antigo mundo romano. 2. ARQ. HIST. espaço cercado por pórticos ou outras construções à frente das basílicas paleocristãs e de igrejas bizantinas ocidentais realizadas até o século X. 3. ARQ. RELIG. m.q. ADRO (pórtico externo). 4. ARQ. Pátio interno fechado por alas da construção que dá acesso ao interior de um edifício, vestíbulo. 6. ARQ. Vestíbulo espaçoso que serve como sala de estar. 7. ANAT. 8. A primeira câmara de cada lado do coração [...] (p. 218). Pátio – 1. Recinto térreo ou calçado, murado e descoberto no interior de um edifício ou anexo a ele (p. de uma escola) (p. de um convento). 2. Espaço descoberto que em muitos edifícios vai desde a entrada externa até a construção principal; átrio, adro (p. de uma igreja). 3. Em colégios religiosos edifício ou aulas 6 CORONA, Eduardo. LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo: Companhia das Artes, 1998, 2ª ed. 7 HOUAISS, Antônio. VILLAR, Mauro Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro; Objetiva, 2009. 8 Anatomia – O coração apresenta quatro cavidades: duas superiores, denominadas átrios (ou aurículas) e duas inferiores, denominadas ventrículos. Os átrios recebem sangue da veia cava e do próprio músculo cardíaco através do seio coronariano que passa para os ventrículos através de válvulas, as quais devem garantir que o sangue siga uma única direção, sempre dos átrios para os ventrículos. Fonte: <www.worldinvisible.com/apologet/humbody/heart.htm>. Acesso em 26 nov 2011. 88 em que se ensinavam humanidades. 4. Espaço para manobrar locomotivas junto a estações ferroviárias ou de metrô. 5. AER. Átrio de grande extensão usado para manobras, manutenção, carga, descarga e abastecimento de aeronaves (p. 1446). FERREIRA, 19759 Átrio – [Do latim atriu] O segundo vestíbulo nas casas romanas. 2. Anat. Aurícula do coração 3. Arquit. Grande sala central, de distribuição de circulação num edifício. 4. Arquit. Pátio interno de acesso a um edifício, vestíbulo. 5. Arquit. Espaço defeso na frente de um edifício. 6. Arquit. Adro. 7. Geogr. Depressão em forma de anfiteatro ou de meia coroa, proveniente da destruição parcial de uma cratera vulcânica (p.159). Pátio – [Do latim patiu] 1. Recinto geralmente lajeado para o qual dá entrada a porta principal de algumas casas. 2. Espaço descoberto fechado por muro ou por outro tipo de construção anexo a um edifício. 3. Recinto descoberto no interior de um edifício: o pátio de um convento; um pátio espanhol. 4. Espaço descoberto cercado de edifícios. 5. Recinto junto a estações ferroviárias onde as locomotivas manobram. 6. Átrio, vestíbulo (p.1055). Da busca em dicionários etimológicos, segue-se nossa tradução do verbete dos termos átrio e pátio no Vocabolario Etimologico di Pianigiani 10. Átrio lat. ÀTRIUM, que entre os Romanos era um pátio ou claustro interno da casa, de forma retangular, fechado ao redor, e com uma abertura para o escoamento das águas do centro do dossel, comumente sustentado por colunas. Era acessado pela sala de entrada e nos tempos primitivos de Roma servia para lugar de encontro, onde as mulheres trabalhavam seus bordados, e onde estavam expostas as imagens dos antepassados, o altar dos deuses domésticos. Chamado por alguns do gr. ÀTRION sereno, porque uma parte era descoberta (sub diu) como se lê em Tertulliano chamado também subdival, que tem sentido equivalente. Outros querem trazê-lo do gr. ÀTOR (doricamente por ÉTOR), peito, ou melhor, as duas câmeras superiores do coração, pois o átrio 9 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975,1ª ed. 10 Vocabolario Etimologico di Pianigiani - um dos mais famosos dicionários etimológicos italianos. Publicado pela primeira vez em 1907 em dois volumes, seguido em 1926 por um volume de adições e correções. Foi republicado várias vezes em versões quase idênticas (Sonzogno 1937, Melita 1990, Castor de 1998, Polaris 1993), sinal da vitalidade do trabalho de Pietro Ottorino Pianigiani (1845-1926), linguista e magistrado italiano. Fonte: <www.etimo.it/?pag=inf>. Consulta online disponível em: <www.etimo.it/?term=atrio>. Acesso em 24 Out 2011, tradução nossa. 89 servia de passagem ao interior da casa: o que faz presumir que os originários habitantes do Roma tinham conhecimentos de anatomia, sobre o que paira duvida. É, portanto mais verossímil que derive do lat. ÀTER fosco, escuro, da cor das paredes enegrecidas pelo fumo da cozinha (ibi etiam culina erat, unde et ATRIUM dictum est, diz Servio, ATRUM enim erat ex fumo): o que parece submeter o nome a uma circunstância muito acidental, pois encontra certa valorização na comparação com AEDES templo, casa, que por uma ordem idêntica se refere a rad. sscr. AIDH arder. – Hoje equivale a Pórtico ou Sala em edifícios, que dá acesso aos espaços internos: difere do Vestíbulo, pois este é externo e dá para a rua. Cortile – lat. CORTILEM de CORS corte (v. Corte). – Corte no sentido primitivo de recinto; Lugar espaçoso e aberto em palácios frequentemente ornado por galerias. Corte rum. curte; prov. cortz; fr cour; esp e port corte: do lat. CHÒRTEM. CHÒRTEM – gr. CHÒRTOS, que tem a mesma origem de HÒRTUS horto, e tem o sentido primitivo de lugar cintado, tem raiz em GAR pegar, agarrar, no sentido de cingir, circundar: cfr. sscr. Harati cingliare, gr. Cheir mano, lat. hara ovile, onde se prendem as ovelhas (v. Jardim e Horto). – Os latinos chamam assim o recinto para as ovelhas, não que o espaço em meio ao pátio da colônia, onde todos os animais vivos, o gado, os porcos, galinhas etc. eram mantidos e alimentados em espaços separados. Na idade media o termo se expandiu para indicar o recinto, que compreendia casa, horto e outras partes de uma vila. Aqui não terminou sua sorte, porque teve a tarefa de representar um território interno, quer seja no castelo ou igreja, e finalmente encontra-se entre as armas, no palácio de justiça e por fim no palácio real. – Hoje lembra a origem, significando aquele recinto descoberto entre as casas do qual recebem luz os aposentos internos. – Usa-se para indicar o palácio dos monarcas com toda a sua filiação e metaf. As pessoas que constituem a casa do príncipe; certos tribunais superiores e a Alta cúpula dos magistrados, que lhe são adidos. – Não muitos anos trás chama-se assim as famílias de executores ligadas à corte de justiça, que depois se chamaram oficias de justiça. - <Fazer a corte> é propr. Ir ao encontro do príncipe para presentear onde o auto signif. Genérico de mostrar: assíduo, servidor devoto para obter afeto ou favores. Em português o termo corte, parte de uma família de termos derivados do latim cohort, e se presta a uma ampla significação e aplicação. Esta matriz linguística tem como significado de base algo como “recinto”, sendo do que dão conta seus 90 principais derivados. Cour no francês, cortile no italiano e court no inglês são evidências imediatas (ROSSA, 2010, p.10, destaque do autor) 11. Figura 2.02 - Ilustração de Jaime de Angulo para Indian Tales (1973). Fonte: Cobijo (Título original: Shelter). Madrid: Blume, 1979, p.1. A definição encontrada no Whole Building Design Guide, no portal web da WBDG 12, parece corresponder a um entendimento contemporâneo do termo: Nos tempos antigos o átrio romano foi o centro da casa, mas hoje o termo átrio é tipicamente associado a edifícios públicos e comerciais. O espaço típico do átrio inclui um pátio envidraçado e múltiplos andares. Átrios são usados como elemento arquitetônico em entradas principais, áreas de circulação pública ou destinos especiais dentro do edifício. Projetos de átrios frequentemente envolvem claraboias e generosas áreas envidraçadas que provêm entrada de luz natural transformando-o em uma área proeminente do edifício, capaz de servir funções cerimoniais e sociais (CHANNELL 2010, s/p, tradução nossa) 13. 11 ROSSA, Walter. Ensaio sobre a itinerância da capitalidade em Portugal . In LIBBY, Douglas Cole (Org.) Cortes, cidades, memórias e transformações na modernidade. 2010, p.10. Disponível em: <www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/659_28.pdf>. Acesso em 16/05/2011. 12 O WBDG - portal web do governo norte-americano dedicado a fornecer informações atualizadas para arquitetos, engenheiros e gerentes de projeto, para melhorar o desempenho e a qualidade dos seus edifícios, com base em critérios e tecnologia a partir de uma perspectiva sistêmica. Atualmente organizado em três categorias: Orientação de projeto, Gestão de Projetos e Operações/Manutenção. Fonte: <www.wbdg.org/about.php>. Acesso em 14 mar 2011, tradução nossa. 13 CHANNELL, Cecily. Atrium. Disponível em: <www.wbdg.org/design/atrium.php>. Acesso em 19 maio 2011. 91 Blaser (1997) 14 parece seguir a indicação mais verossímil de Pianigiani, pois vincula átrio ao negro da fuligem originada do fogo no interior do abrigo. Para BACKER e STEEMERS (2002, p. 47) 15, os termos pátio, poço de luz, galeria e átrio têm sido aplicados com imprecisão o que requer uma nomenclatura sem ambiguidades: Átrio - espaço coberto com abertura zenital envidraçada, dentro ou entre edifícios. Poço de Luz - átrio sem parede entre o poço e os espaços adjacentes. A característica impacta significativamente na ventilação e no desempenho térmico do espaço. Pátio - espaço destelhado, frequentemente circundado por clautros ou varandas. Galeria - originalmente conversão de ruas comerciais em espaços envidraçados. Figura 2.03 – Diagramas e definições dos termos baseadas em Baker e Steemers, 2002, p. 47--51. 2.2 Considerações A arte e a ciência de projetar com luz do dia (daylighting) além de fornecer os níveis de luminância necessários para um bom desempenho visual, é também fazê-lo sem efeitos indesejáveis e proporcionando um ambiente confortável e agradável. Projetos bem sucedidos invariavelmente incorporam dispositivos de sombreamento para reduzir excessos de brilho e contraste no espaço de trabalho. Além disso, o tamanho das aberturas, o espaçamento, a seleção do 14 BLASER, Werner. Pateos: 5000 años de evolución desde la antigüedad hasta nuestros días . Barcelona: Gustavo Gili, 1997. 15 BACKER, Nick, STEEMERS, Koen. Daylight design of Buildings. Londres: James & James, 2002 92 vidro, a refletância de materiais de acabamento e a localização de qualquer divisória interna devem ser avaliados. O processo de projetar com luz do dia envolve a integração de várias disciplinas além da arquitetura e, para garantir um bom resultado final, os membros da equipe precisam ser envolvidos no processo deste a fase inicial (ANDER, 2008, s/p, tradução nossa) 16. Segundo Ander (2008) 17, questões da acuidade visual e desempenho são essenciais para um projeto de iluminação natural eficaz: Reflexos - Fontes de luz de alto brilho especular e superfícies escuras devem ser evitadas, especialmente para tarefas visuais críticas. Distribuição - Introduzir o máximo de luz do dia controlada o mais profundo possível no interior do edifício. O olho humano pode ajustar-se a altos níveis de luminância, contanto que seja distribuído uniformemente. Em geral, a luz indireta, como aluz refletiva de uma parede branca, proporcionará melhor qualidade de iluminação do que a luz direta de uma fonte natural ou artificial. Ofuscamento – Contrastes e brilho excessivos dentro do campo de visão, são aspectos do sistema de iluminação que podem causar desconforto aos ocupantes. O olho humano se adapta bem em uma ampla faixa de luminosidade, o que não se verifica se níveis extremos de brilho estão presentes no mesmo campo de visão. Variedade - Algum nível de contraste e brilho pode ser desejáveis em um espaço. Uniformidade na iluminação pode ser maçante e levar a fadiga e falta de atenção. Muitas vezes uma boa solução de iluminação natural integra um feixe de luz em uma área de circulação de interesse visual para ajudar a guiar os usuários através do edifício. O olho humano é naturalmente atraído para esta área brilhante o que pode tornar-se útil na orientação espacial. Projetar com luz do dia requer atenção a ambos os aspectos do projeto qualitativos e quantitativos. Um bom projeto de iluminação reforça características 16 ANDER, Gregg. Daylighting. 2008. Disponível em: <www.wbdg.org/resources/daylighting.php>. Acesso em 18 abr 2011. 17 ANDER, Gregg. – Arquiteto, autor de mais de 70 artigos técnicos e de projetos relacionados a iluminação natural, é membro do Instituto Americano de Arquitetos, da Sociedade de Engenharia em Iluminação da América do Norte (IESNA), da Sociedade Americana de Aquecimento, Refrigeração e Ar Condicionado Engenheiros (ASHRAE) e atua no Conselho da Indústria da Construção Sustentável. (SBIC). Fonte: <www.algreenlighting.com/speakers/s-gregg-ander.php>. Acesso em 10 dez 2011, tradução nossa. 93 arquitetônicas e se integra ao sistema de iluminação elétrica. Usar a luz dia como parte de uma estratégia de iluminação integrada e controlada é chave na abordagem sustentável de um projeto arquitetônico. Além dos recursos de controle da luz do dia, estratégias de controle de iluminação elétrica podem ser incorporadas. Controles de iluminação avançada, já disponíveis comercialmente, possibilitam ajustes sutis no nível de participação da luz elétrica quando a luz do dia não for suficiente. Se os espaços são conhecidos por serem desocupados durante certos períodos de tempo, temporizadores são extremamente eficazes. Ander (2008) recomenda estratégias a serem assimiladas e exploradas durante o processo de concepção do edifício com luz natural: Maximizar o perímetro das zonas de luz do dia para aumentar a área de iluminação natural utilizável. Permitir a penetração de luz alta em um espaço. Janelas altas ou em clarabóias resultarão em maior penetração de luz e reduzirão a probabilidade de brilho excessivo. Refletir luz do dia para dentro de um espaço para aumentar a luminância no ambiernte. Uma prateleira de luz bem colocada tem o potencial para aumentar a luminosidade da sala e diminuir o brilho. Direcionam mais luz para dentro de um espaço. A inclinação do teto fora da área de fenestração aumenta o brilho na superfície do teto. Evitar feixes de luz do dia direta sobre áreas de tarefas visuais críticas. Se as diferenças de luminosidade for excessiva nas proximidades do campo de visão da tarefa haverá pouca visibilidade e desconforto. Filtrar a luz direta com vegetação, cortinas, persianas, etc., o que tamém ajuda a distribuir a luz. Compreender que diferentes orientações irão gerar estratégias de iluminação natural diferentes. A incorporação do átrio tem se tornado uma constante nos últimos 40 anos, aparecendo em todas as latitudes em varias tipologias, especialmente em edifícios altos. As vantagens ambientais do átrio só foram consideradas para climas temperados após a crise energética da década de 1970, quando a tipologia de projeto foi avaliada como favorável à redução de consumo de energia. O conceito de um átrio mecanicamente dependente foi substituído pelo de átrios mais passivos de baixa demanda energética. As funções portador de luz do dia e aquecimento/resfriamento passivos têm sido exploradas juntamente com sua 94 característica de elemento organizador espacial. Segundo Backer (1988 apud AHMAD; RASDI) 18, átrios tornaram-se espaços intermediários, ventilados e iluminados naturalmente, seletivos ao ambiente externo na medida em que atuam como mediadores entre o clima externo e um ambiente interno, porém, se não for adequadamente compreendido, as vantagens transformam-se em falácia. Por fornecem conexão entre o interior do edificio com o ambiente externo, edificios com átrio assumem a caracteristica de local ao abrigo das condições climáticas. Proporcionam um ambiente benevolente de luz natural, protegido de temperaturas severas, chuva e ventos. Eestudos19 sustentam a ideia de que o acesso à iluminação natural de espectro completo cria um ambiente saudável e produtivo. Estudo realizado por Parpairi (1999, s/p, tradução nossa) 20 relata o nível de satisfação visual de um grupo de estudantes trabalhando em três bibliotecas distintas da Universidade de Cambridge, Reino Unido. O estudo apurou que, mesmo quando critérios convencionais identificavam um ambiente com iluminação inadequada (ex: luz solar direta com ofuscamento), a satisfação ainda era elevada desde que estivessem presentes duas condições: 1. Visão de valor paisagístico, 2. Liberdade do usuário para mudar de posição na sala ou evitar o caminho do sol. Observa-se haver consenso entre os pesquisadores sobre as componentes determinantes de um átrio: o tipo de abertura na cobertura, a geometria do poço do átrio, a refletância das superfícies do poço e os níveis de luz natural alcançados nos espaços adjacentes ao poço. Swinal (2010, s/p, tradução nossa) 21, pesquisadora do Instituto de Arquitetura da Universidade de Nottingham, Reino Unido, realizou uma revisão critica dos artigos publicados até então sobre a geometria do átrio e a refletância das superfícies nos espaços adjacentes. Observou que a importância da luz do dia 18 19 20 AHMAD, Mohd Hamdan. OSSEN, Dilshan Remax. Research method in atrium daylight design. Ver estudos como o Heschong Mahone Report, Introdução, p.5 PARPAIRI, K. Daylighting in architecture: quality and user preference . Tese de Doutorado na Universidade de Cambridge, 1999, apud Baker, 2000, s/p, tradução nossa. 21 SWINAL, Samant. A critical review of articles published on atrium geometry and surface reflectances on daylighting in an atrium and its adjoining spaces. Architectural Science Review, volume 53, p. 145-156, 2010. Disponível em: <www.earthscan.co.uk/?tabid=51075 >. Acesso em 25 ago 2011. 95 no desempenho ambiental de um átrio, particularmente seu potencial para reduzir a iluminação elétrica, associado às cargas térmicas, levou a várias investigações. A revisão da literatura mostrou que há necessidade de uma compreensão mais clara e rigorosa de como e, em que intensidade, a luz natural é distribuída pelos diferentes andares nos espaços adjacentes. Pesquisas integradas que levem em consideração variáveis como desempenho acústico, térmico e ventilação também foram considerados necessários. As características físicas dos átrios afetam as condições do ambiente interno, as cargas térmicas e o desempenho da luz do dia. A iluminação natural proveniente da claraboia tem potencial para reduzir o consumo de energia elétrica em iluminação, contudo é necessário controle com base na disponibilidade de luz do dia. Frequentemente, as dimensões do átrio prestam-se a grandes superfícies transparentes ou translucidas o que pode resultar em ganho solar excessivo, especialmente em regiões tropicais e subtropicais. O impacto da claraboia no desempenho térmico e energético do átrio deve ser bem equacionado com base em ferramentas de projeto para tirar pleno partido de suas potencialidades. 2.2.1 Qualidade ambiental Soluções de projeto arquitetônico para levar luz natural ao interior dos edifícios evoluíram e tornaram-se parte do vocabulário da arquitetura contemporânea, porém, para serem tidas como fontes de luz natural, sua eficácia deve ser considerada. Nos últimos anos, ferramentas de cálculo de iluminação natural foram desenvolvidas, como programas para modelagem em computador que simulam as condições do projeto de iluminação natural com possibiliade de estimar seu impacto sobre o desempenho térmico dos edifícios. A qualidade dos ambientes em edifícios que incluem átrios variam dependendo da localização dos usuários. Se o espaço do átrio é utilizado como espaço de transição, a exigência nos níveis de conforto é menos rigorosa. Níveis de iluminação podem variar de 50 lux a 5000 lux e a temperatura pode oscilar entre 21°C a 27°C, sem que os ocupantes experimentem sensação de desconforto. Entretanto, os níveis de temperatura e iluminação dos espaços adjacentes ao poço do átrio (geralmente utilizados como lojas, escritórios ou espaços como o trabalho, portanto, ocupado por longos períodos de tempo) são afetados por suas condições bem como pelo clima externo. As desvantagens de penetração 96 luz do dia incluem o potencial de ganho de calor indesejável, contraste e brilho excessivos, com níveis de luz variando ao longo do dia (MABB, 2001, p. 2) 22. Na história do conforto moderno contada por Rybczynski (1986) 23, há uma analogia com a cebola sugerindo que o conforto tem vários níveis de significado. A ideia de conforto ao mesmo tempo em que evoluiu historicamente, conservou quase todos os significados anteriores. Cada novo significado acrescenta uma camada às anteriores, o que leva a compreensão de conforto como um conjunto de níveis. O autor nota que a maioria das pessoas pode não saber a razão, mas reconhece o estado de conforto quando a experiência. Este reconhecimento comporta uma combinação de sensações, muitas delas inconscientes; físicas, sensoriais e culturais, o que faz com que o conforto seja difícil de explicar e de medir. A natureza subjetiva das condições de iluminação adequada não requer apenas um nível de iluminação mínimo, mas também um mínimo de qualidade de luz. (MABB, 2001, p. 11, tradução nossa). 24 A definição do conforto que se segue é encontrada em Corona e Lemos (1998, p. 141) 25. CONFORTO – Uma das condições de bem estar material que em arquitetura se traduz em termos de comodidade dentro da habitação. Para tanto, o arquiteto prevê em seu trabalho, no ato de compor, para cada função, a melhor disposição no conjunto, a forma mais justa e as dimensões mais adequadas em relação à escala humana, bem como, no ato de construir, os maiores aperfeiçoamentos da vida moderna, criados pela técnica. Segundo Baker (2000) 26, o conflito entre a noção de ambientes controlados veio à tona recentemente na questão do conforto térmico quando duas escolas de pensamento se apresentam. Uma acredita que conforto térmico deve corresponder à neutralidade térmica, obtida pelo equilíbrio de estado 22 MABB, John Ashley. Modification on atrium design to improve thermal and daylight performance. Dissertação de Mestrado em Ciências Aplicadas. Centro de Medicina, Saúde e Física Ambiental da Faculdade de Ciências Físicas e Químicas da Universidade de Tecnologia de Queensland, Austrália, 2001. Disponível em: <//eprints.qut.edu.au/15780/1/John_Mabb_Thesis.pdf>. Acesso em 10 Out 2011. 23 RYBCZYNSKI, Witold. Casa: a pequena historia de uma ideia. Rio de Janeiro: Record, 1986. 24 MABB, John Ashley. Op. cit. 25 CORONA, Eduardo. LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo: Companhia das Artes, 1998, 2ª ed. 26 BAKER, Nick. op. cit. 97 estacionário de calor; outra, amparada pelas características adaptativas do comportamento humano, acredita que o estado de conforto térmico pode ser alcançado dentro de uma gama de sensações térmicas. Por exemplo: um incômodo ao sentir-se um pouco de frio é, na verdade, um alerta do organismo para que se desencadeiem mecanismos fisiológicos e comportamentais para estabilizar a temperatura corporal. Entendendo a habilidade em prover abrigo como uma extensão das ações adaptativas, a espécie humana torna-se apta a ocupar extremos climáticos mais amplos do que quase a totalidade de outras espécies. 2.2.2 Eficiência energética Equívocos observados no benefício em consumo de energia em edificios com átrios levaram recentemente a várias pesquisas. De forma geral, estas pesquisas destinadas a arquitetos e engenheiros, buscam levar a uma melhor compreensão do efeito da inclusão do átrio especialmente de edifícios não residenciais. Os estudos podem ser divididos em duas categorias principais: os não relacionados com a energia e os que se relacionam com ela. Os não relacionados a energia se ocupam com a expressão espacial, o valor estético e com a qualidade ambiental dos edifícios. As pesquisas relacionados a energia são consideradas uma contribuição importante para os arquitetos, já que qualquer decisão de projeto pode afetar diretamente o uso final de energia em edifícios. Quando um átrio é incorporado, é importante que durante as fases iniciais do projeto, as implicações das soluções propostas sejam avaliadas em termos de suas conseqüências energéticas e ambientais. A ênfase está na distribuição de iluminação natural e níveis de luz que incidem sobre o átrio e os corredores adjacentes. Os efeitos das proporções físicas do espaço do átrio sobre as características de iluminação natural são investigados, bem como o impacto das coberturas. Dispositivos de sombreamento também são considerados. Modelos físicos em escala, tradicionalmente utilizados em laboratório como o método experimental, têm sido substituidos por modelagem em computador que oferece vantagens na averiguação do comportamento do 98 átrio em relação às experiências de modelo físico em escala (LING; AHMAD; OSSEN, 2007, s.p., tradução nossa) 27. Pesquisa e monitoramento têm mostrado que 20-30% do consumo de energia em um prédio de escritórios pode ser reduzida quando a integração é bem equacionada. A economia vem da redução do uso de energia elétrica em iluminação e, consequente redução nos ganhos de calor interno, que por sua vez resulta em uma menor necessidade de refrigeração. No entanto, a economia de energia induzida por um átrio encontra dificuldades na rotina diária. É comum usuários manterem a iluminação artificial ligada, mesmo quando a luz do dia é suficiente para tarefas visuais (GABRIËL, 2009, s/p, tradução nossa) 28. 2.3 Configuração dos átrios Nos edifícios com átrios cada elemento é fundamental e deve ser bem compreendido. O processo de projeto se inicia com a avaliação das condicionantes climáticas específicas à localização geográfica do local de implantação, sendo todas as decisões subsequentes afetadas por esta leitura. Este princípio é encontrado nas orientações expressas por Ander (2008) 29, Baker (2000) 33, 30; Gritch; Eason (2010) 31, King (2009) 32. Littlefair (2002) Steemers (2000) 34 e Schoenauer (2000) 35. 27 LING, Chia Sok; AHMAD Mohd Hamdan; OSSEN Dilshan Remaz. The effect of geometric shape and building orientation on minimising solar insolation on high-rise buildings in hot humid climate. 2007. Disponível em: <eprints.utm.my/7969/1/006-07__Chia_Sook_Ling_.pdf>. Acesso em 27 jun 2011. 28 GABRIËL, Saskia. Integration of daylight and visual comfort by use of an architectural design methodology for early design stages. Artigo de doutoranda na Universidade Artesis, Antuérpia, Bélgica. 2009. Disponível em: <www.sasbe2009.com/proceedings/documents/SASBE2009_paper_>. Acesso em 25 nov 2011. 29 ANDER, Gregg. op. Cit. 30 BAKER, Nick. op. city 31 GRITCH, Todd, EASON, Brian. Building envelope design guide: atria systems . Disponível em: <www.wbdg.org/design/env_atria.php>. Acesso em 20 abr 2011. 32 KING, Doug. Passive Design,Part I. Disponível em: <www.dougking.co.uk/PDFs/Passive.pdf>. Acesso em 25 abr 2011. 99 Da arquitetura, espera-se a habilidade para combinar em um todo coeso: fundamentos de geometria, iluminação, construção da envoltoria, acústica, controle térmico, pressurização e equilíbrio do ar, controle de fumaça, segurança e manutenção. As escolhas serão baseadas nos usos propostos, tanto do átrio como dos espaços adjacentes; contexto urbano e escala entre outras questões onde se incluem fatores humanos. De forma geral, nenhum componente de um átrio deveria ser definido até sua relação com o todo ser bem compreendida. Uma análise bem orientada é fundamentalmente definida por três intenções: oferecer um ambiente agradável, seguro e de baixo custo. Segundo Littlefair (2001, s/p, tradução nossa) 36, a orientação atual para projetos com iluminação natural de edifícios com átrio pode ser resumida da seguinte forma: A forma do átrio é um parâmetro chave. Um átrio, profundo e estreito será mal iluminado. Afunilar o átrio, de modo que a parte superior seja mais larga que a base renderá maior potencial de luz do dia (Figura 4). Figura 2.04 – Modificação da distribuição luminosa em função da geometria das paredes do átrio. Tradução: Ciel: céu; Mur: parede; Sol: solo. Fonte: <www.energiepluslesite.be/energieplus/page_16218.htm>. Acesso em 15 jun 2011. Altos níveis de refletâncias, especialmente nos andares mais altos, aumentarão a refletância da luz nos espaços adjacentes. As áreas de vidro devem ser escolhidas com cuidado para admitir luz do dia suficiente sem ganho excessivo de calor solar. 33 Vegetação pode ser atrativa, porém necessita de iluminância elevada. LITTLEFAIR, Paul. Daylight prediction in atrium buildings. 2001. Artigo comprado em 14 abr 2011. 34 BAKER, Nick; STEEMERS Koen. Energy and environment in architecture: a technical design guide. Londres: Taylor & Francis, 2000. 35 SCHOENAUER, Norbert. 6000 Years of Housing. Nova York: W.W. Norton, 2000. 36 LITTLEFAIR. Op. cit. 100 Bloqueios internos (ex: elementos estruturais, etc.) podem reduzir significativamente a luz do dia disponível no átrio. Medidas obtidas em átrios construídos (Littlefair; Aizlewood, 1998, apud Littlefair) 37 sugerem que metade ou mais da luz pode ser bloqueada. A transmitância efetiva depende do ângulo de visão. Áreas próximas ao topo do átrio tendem a ser mais afetadas do que sua base. Controle efetivo da iluminação elétrica em um átrio é essencial se os benefícios da luz do dia são o objetivo do projeto. Se houver problema com o brilho, em ambientes como escritórios, sombreamento dos espaços adjacentes ao átrio deve ser considerado Cortinas ou defletores serão necessários se a luz solar chegar a esses espaços através do átrio. O que se segue é uma compilação das recomendações de projeto encontradas entre os textos dos autores citados acima, exposta através da relacão dos campos de conhecimento envolvidos na concepção do espaço do átrio e sua interação com o edifício. O comprometimento do arquiteto e sua equipe deve avaliar os aspectos positivos e os negativos de cada componente em relação ao conjunto do ambiente para evitar consequências negativas não intencionais. Geometria A forma e a geometria de um átrio tanto é produto quanto é razão para as áreas adjacentes do edifício. A configuração se refere à forma, à escala, à disposição dos espaços adjacentes e como estes se relacionam com o átrio. Em átrios de área e profundidade equivalentes, a geometria irá influenciar os níveis de iluminação. Átrios circulares são tidos como os de mais altos níveis de luminância, seguido pelo quadrado, triangular, retangular, e por fim o linear. Embora cada forma permita a visão de aproximadamente a mesma proporção de céu, portanto receber um componente de céu semelhante, o maior volume de área de superfície de forma circular significa que existem menos reflexos e menos fluxo luminoso é absorvido pelas superfícies. Note-se que, embora as formas quadradas e circulares sejam mais eficientes do que as retangulares e lineares, há neste segundo grupo mais potencial para fenestração vertical. Neste caso, níveis de luz do dia serão maiores no centro do poço, caindo em direção 37 LITTLEFAIR, Paul, AIZLEWOOD, M. Daylight in atrium buildings. 1998. Disponível em: <www.brebookshop.com/details.jsp?id=325393>. Acesso em 27 abr 2011. 101 aos cantos, com uma parede lateral recebendo maiores níveis de iluminação do que outro. Esta diferença torna-se maior à medida que o edifício é mais longo, o que levanta a questão da orientação Sob condições de céu nublado a questão da orientação não é crucial, mas para céu claro átrios lineares orientados LesteOeste terão grande incidência de luz direta na fachada voltada para o norte (Figura 2.05). Para átrios rasos, os níveis de luz natural são as mais elevadas no centro, diminuindo para as bordas. Figura 2.05 – Implantação referente ao hemisfério norte. Fonte: <www.energiepluslesite.be/energieplus/page_16218.htm>. Acesso em 15 jun 2011 A Figura 2.0 6 mostra as possibilidades de configurações simples e complexas de átrios, que segundo Gritch e Eason (2010, s/p, tradução nossa) 38, podem se desdobrar em vários partidos arquitetônicos, sendo a configuração básica sempre reconhecível. Figura 2.06 – sup.: Configurações simples onde faces envidraçadas confinam a porção ocupada da estrutura. inf.: Configurações complexas: Linear, Ponte, Podium, Multilateral, Multivertical. Adaptado de GRITCH; EASON, 2010. 38 GRITCH, Todd, EASON, Brian. op. cit. 102 Segundo artigo da Architectural Science Review (2007, s/p, tradução nossa) 39 átrios são classificados de acordo com o número de lados que cercam a massa do edifício. Átrio com quatro lados são considerados internos ou centralizados, enquanto os demais podem ser considerados semifechados (Figura 2.07), Figura 2.07 – Classificação de átrios conforme o numero de lados. Fonte: PASSEY. 201040. Iluminação O átrio pode ser usado para atingir quatro objetivos de iluminação em níveis crescentes de dificuldade, sendo o mais simples fornecer níveis suficientes de iluminação para os ocupantes no interior do átrio em si. Em segundo lugar, está o objetivo de controlar a luz solar direta, de modo a evitar brilhos e superaquecimento. Soluções para esses dois primeiros objetivos devem ser desenvolvidas em conjunto, pois eles têm o potencial de se contradizer. O terceiro objetivo é proporcionar iluminação suficiente para manter o crescimento de vegetação no átrio. O quarto objetivo está em fornecer iluminação suficiente em espaços adjacentes, onde reside o maior potencial de economia de energia. A chegada da luz do dia a um ponto determinado do espaço adjacente ao átrio é um percurso que pode ser dividido em quatro grandes tópicos: Disponibilidade de luz externa; Transmissão de luz através da fenestração do átrio e estrutura da cobertura; 39 Distribuição da luz do dia dentro do átrio; Penetração de luz do dia em espaços adjacentes ao átrio. Architectural Science Review. Daylight in atrium buildings: a critical review. 2007. Disponível em: <//goliath.ecnext.com/coms2/gi_0199-7311300/Daylight-in-atrium-buildings-a.html>. Acesso em 05 abr 2011. 40 PASSEY, Pushkin. Daylight in adjacent spaces of atrium buildings . 201040. Disponível em: <www.sustainotect.com/2010/02/daylight-in-adjacent-spaces-of-atrium-buildings>. Acesso em 25 abr 2011. 103 O sistema de fenestração do átrio serve a dois propósitos primários: admitir tanta luz difusa tanto quanto possível, e ao mesmo tempo, controlar a luz solar direta. Alguma luz solar direta controlada pode ser desejável para proporcionar um ambiente estimulante e visualmente dinâmico. A profundidade de penetração da luz em um espaço adjacente pode ser estimada utilizando a linha do céu. A linha de céu divide as áreas do ambiente de trabalho que podem receber luz solar direta daquelas que não podem. Áreas para além desta linha provavelmente necessitarão de iluminação elétrica complementar. A Figura 2.08 mostra uma situação típica de linhas de céu em um edifício com átrio. Figura 2.08 – Estudo de avaliação do alcance da linha de céu nos espaços adjacentes. Fonte: <www.energieplus-lesite.be/energieplus/page_16218.htm>. Acesso em 15 jun 2011. Em consideração à quantidade e qualidade da luz disponível para os espaços adjacentes ao átrio, deve-se observar a capacidade reflexiva das superfícies das paredes voltadas para ele. Superfícies brilhantes refletem mais luz e corroboram para manter bons níveis de luminância na área de piso do espaço do átrio. Aberturas zenitais proporcionam luz abundante, mas dependendo da profundidade do poço e do ambiente adjascente pode não atingir o solo (Figura 2.09). A penetração da luz do dia em espaços adjacentes pode ser melhorada por: Inclusão de vãos generosos entre os espaços adjacentes e no átrio; Uso de materiais de refletâncias mais elevadas, tanto no átrio como nos espaços adjacentes; Uso de sistemas inovadores de cobertura; Alteração do perfil da cobertura de forma a obter inclinações que admitem mais luz lateral. 104 Figura 2.09 – esq.: Quota de luz do dia em átrio com diferentes aberturas zenitais. dir.: Quota média de luz do dia em átrio. Fonte: <//ecologic-architecture.org/main/index.php?id=129&L=1>. Acesso em 19 maio 2011. A luz admitida para o interior do átrio pode ser controlada por dispositivos de sombreamento externo ou interno, configurados para realizar o sombreamento desejado, bem como atuar como um elemento de projeto. A necessidade de dispositivos de sombreamento depende da intensidade da luz que atinge a pele do átrio, conforme a localização geográfica e a implantação. Dispositivos de sombreamento externo são utilizados para equacionar a luz direta que penetra no interior do átrio e controlar o ganho de calor associado a esta luz. Envelope Resistência aos elementos climáticos é objetivo do recinto do átrio. Qualquer superfície que atue para manter a água e vento fora do espaço interior e controlar a quantidade e a qualidade de luz do dia que penetra este espaço representa um componente da pele do átrio. Os sistemas de envidraçamento exterior destes edifícios devem ser de alto desempenho e sua interface com os materiais dos espaços adjacentes deve considerar o movimento característico dos diferentes materiais, como dilatação/contração e deflexão das articulações, dependendo da carga a ser transportada. Atenção também deve ser dada à carga de vento em componentes e revestimentos. Algumas regiões exigirão considerações a respeito dos impactos sobre a pele exterior o que exigirá mais das características de desempenho do conjunto. O sistema de cobertura também deve ser projetado para acomodar os volumes esperados de água (e/ou neve) deve dar escoamento em um período curto de tempo, bem como sustentá-lo estruturalmente enquanto isso ocorre. 105 O vidro reduz a transmissão do fluxo luminoso em pelo menos 10% para vidros simples, podendo variar entre 20-80% para vidros multicamadas. Vidro simples, responsável por grandes perdas térmicas, era o padrão até no meio da década de 1970, quando o uso de vidros duplos ou insulados 41 dobrou o desempenho. Com vidros convencionais cerca de dois terços do fluxo de calor é causado pelo intercâmbio de radiação, devido à alta emissividade da superfície do vidro, sendo apenas um terço por condução e convecção (Figura 2.10). No início da década de 1980, foram introduzidos no mercado vidros especiais para a arquitetura, resultado de processos industriais de laminação, metalização e fabricação de insulados, entre outros, que atendem melhor ao desempenho em fachadas e coberturas. Hoje, vidros termicamente isolantes garantem perdas térmicas de quase um décimo daquelas dos vidros simples. O fluxo de calor através do isolamento dos vidros é determinado pela troca de radiação entre os painéis de acordo com a emissividade da superfície do painel (ELSTNER, 2001, s/p, tradução nossa) 42. Figura 2.10 – Fluxo de calor através de vidro insulado. Fonte: ELSTNER, 2011. op. cit. Materiais alternativos ao vidro como o policarbonato 43, ETFE 44 (Figura 2.11), entre outros, apresentam algumas vantagens sobre o vidro como peso, controle 41 Vidro insulado ou sanduíche de vidros é um sistema de duplo envidraçamento que soma as vantagens técnicas e estéticas de pelo menos dois tipos diferentes de vidro, com o benefício da camada interna de ar desidratado ou gás, eficiente quando a intenção é aproveitar ao máximo a luz natural com bloqueio do calor proveniente da radiação solar. Permite combinar vidros com propriedades diferentes, por exemplo, a resistência dos vidros temperados externos com a proteção térmica- acústica e a segurança dos vidros laminados refletivos internamente. Fonte: <www.arq.ufsc.br/arq5661/trabalhos_2003-1/vidros/paginas/insulado.htm>. Acesso em 10 Dez 2011. 42 ELSTNER, Michael. Coated Architectural Glass. 2011. Disponível em: <www.glassfiles.com/library/2/article1554.htm>. Acesso em 10 dez 2011. 43 Policarbonato - termoplástico, incolor, transparente de característica que permitem seu uso em alternativa ao vidro. É mais leve, pode ser curvado a frio, entretanto, por possuir moléculas 106 térmico e controle de fogo melhorado. Apesar da disponibilização de análises teóricas desta nova geração de materiais, sua aplicação é relativamente recente, havendo, portanto poucos relatados de seu desempenho prático. Acúmulo de sujeira também irá reduzir a transmitância luz do dia através da cobertura dos átrios. Figura 2.11 – Projetos que fizeram uso do ETFE. sup.: Projeto Éden, Cornuália, Reino Unido, projeto de Nicholas Grimshaw e Partners, 2001. inf.: Centro Aquático Nacional, o "Cubo d'Água", Pequim, China, dos escritórios PTW e Arup, 2007. Fonte das imagens: <//canteirodiobras.blogspot.com/2010/09/etfe-o-substituto-do-vidro.html>. Fonte do diagrama: <www.makmax.com/business/etfe_thermal.html> Acessos em 10 dez 2011. Acústica Nas áreas urbanas, além do átrio requer isolamento dos ruídos externos, o tratamento acústico também deve dar atenção a ressonância, pois o grande volume do átrio e a presença de paredes duras gera tempo de reverberação sonora elevado com prejuizo da inteligibilidade. suscetíveis à oxidação provocada pelos raios ultravioleta, requer tratamento especial não sofrer alteração de cor, processo que acarreta em perda de transmissão luminosa. Sua resistência à abrasão também é inferior à do vidro. Fonte: <www.revistaau.com.br/arquitetura- urbanismo/129/imprime23247.asp>. Acesso em 10 Dez 2011. 44 ETFE - Etileno tetrafluoretileno, polímero transparente que comparado com o vidro transmite mais luz, isola melhor, é 99% mais leve, com duração esperada de 50 anos. Os painéis almofadas são mantidos inflados com ar seco. Fonte: <//canteirodiobras.blogspot.com/2010/09/etfe-osubstituto-do-vidro.html>. Acesso em 10 Dez 2011. 107 Os impactos sobre o desempenho acústico, tanto no espaço do átrio quanto nos espaços adjacentes, leva a necessidade de especificação dos usos e tipos de atividades e funções do espaço - encontros para eventos, apresentações musicais e danças, lobby e função de recepção, ou simplesmente circulação de uma parte do edifício para o outra. Se reuniões para eventos corporativos e recepções são funções importantes, o tempo de reverberação deve ser menor para que a inteligibilidade da fala seja razoável. Pode ser necessário ter os critérios acústicos fixados para uma variedade de funções, mas se há um lobby com função de recepção, absorção localizada é desejável para uma conversa clara entre o visitante e recepcionista. As performances musicais requerem reverberação um pouco maior, enquanto outras atividades necessitam de privacidade de fala e facilidade de conversa. Controle Térmico Átrios normalmente envolvem grandes espaços abertos conectados a vários andares. Em alguns casos, o espaço pode ser grande o suficiente para que zonas térmicas localizadas existam internamente. Estas zonas podem desenvolver correntes de ar dentro do átrio mais fortes do que o sistema de ar condicionado. Quando uma face do átrio é uma parede externa, nas estações mais quentes é possível que o calor seja transmitido e dependendo da altura do espaço, correntes de ar podem tomar força e influenciar a circulação do ar. Devido à concentração de carga, correntes de ar podem subir e deslocar o ar estratificado no topo do átrio, forçando o ar quente para baixo. Em condições de aquecimento, se o átrio é coberto com uma claraboia ou mal isolada, ar quente e úmido a partir do nível de ocupação pode subir e ser resfriado pela exposição superior. Isso poderia criar condensação. Esta situação deve ser evitada, pois pode danificar os componentes estruturais da cobertura. Uma vez que ventiladores, dutos e difusores de fumaça são requisitos necessários, o potencial para utilizá-los para o conforto térmico pode ser considerado. O sistema de gestão de fumaça não deve ser comprometido para tirar proveito de um sistema projetado conforto térmico. Os dois sistemas devem ser concebidos em conjunto. As correntes de ar térmicas e qualquer estratificação durante um evento de fogo se comportam de maneiras diferentes do que em operação normal. (Ver item Controle de fumaça). 108 Como o uso do átrio pode variar conforme o edifício a que servem, a carga de ocupantes deve ser antecipada e o sistema projetado para tal demanda. Se o sistema de ventilação ou o sistema de conforto térmico não foi projetado para acomodar cargas densasa de ocupantes, a gestão do edifício deve compreender a limitação no uso do átrio. Se o espaço tiver apenas a função de circulação, ou seja, for transitório, a faixa de temperatura pode ser expandida. Se ocupantes permanecerão na área por tempo prolongado, o controle das temperaturas deve receber um projeto mais rigorosos, semelhante a outros espaços do mesmo uso. Ventilação e equilibrio do ar Uma vez que um átrio, por definição, comunica ou é adjacente a diversas áreas do edifício, a relação de pressão entre o átrio e outros espaços é fundamental para um projeto bem sucedido. Em muitos casos, o átrio é também a entrada principal de um edifício e da relação de pressão entre o átrio e o exterior é fundamental para o controle de pressurização de construção em geral. Diferentemente da maioria dos projetos de ar condicionado, átrios devem ser vistos como volumes tridimensionais desde o início do projeto. Práticas de engenharia normais geralmente não se aplicam ao átrio. O espaço em 3D deve ser trabalhando entre arquitetura e engenharia desde a fase do planejamento. É fundamental que se comprenda todos os aspectos do volume do átrio, devido ao impacto sobre o fluxo do ar. O uso pretendido do átrio tem um efeito sobre o projeto de ar condicionado e deve ser estabelecida no início do processo de projeto - se é um espaço transitório apenas circulação; se pessoas se sentarão; se haverá interação; se haverá grande concentração de pessoas durante eventos especiais; se haverá decorações sazonais, como uma árvore de Natal que irá aumentar a carga de combustível utilizada para os cálculos do controle de fumaça; que tipo de acabamentos e mobiliário será colocado no espaço. Efeito chaminé e correntes térmicas podem produzir influências inesperadas nas relações de pressão se não forem contabilizadas no projeto, portanto, os sistemas devem ser projetados para permitir alguma flexibilidade de ajuste, o que pode significar que o equipamento seja dimensionado a uma condição maior do que calculado. Devido a efeitos térmicos sazonais, o sistema deve utilizar 109 controles automáticos que irá ajustar o equilíbrio do átrio com base na temperatura externa ou pressões átrio. Segurança e controle de fumaça O mais crítico de todos os problemas técnicos a serem resolvidos em um projeto com átrio é a segurança. Um dos requisitos básicos do átrio é um sistema de controle de fumaça combinado ao sistema automático de controle de incêndio por aspersão, que devidamente supervisionado, fornece uma alternativa adequada à resistência ao fogo. Também é reconhecido que alguma forma de fronteira é necessária para ajudar o sistema de controle de fumaça na contenção de fumaça para apenas uma área no átrio. Convencionalmente é tido que para alcançar segurança de vida contra incêndios, os focos devem ser mantidos tão pequenos quanto possível e os efeitos de fogo limitados a uma área tão pequena quanto possível. Uma configuração de segurança em edificios com átrio é composta dos mesmos três elementos convencionais de outros edfícios: rotas de fuga, controle de fumaça, e controle o fogo. Rotas de fuga, saída de emergência é uma questão de plano fundamental e deve ser parte integrante do conceito de circulação do edifício. Saídas de emergência devem ser incorporadas desde o primeiro esboço. Estratégias de controle de fumaça também são fundamentais e devem ser parte dos conceitos de ventilação inicial. Controle e combate a incêndios disposições devem também ser integrados aos conceitos originais. Registos de incêndios em edifícios têm demonstrado que a fumaça é a principal ameaça à vida. Sistemas de exaustão de fumaça integrados com o de ventilação são mais confiáveis porque seus componentes recebem manutenção constante e geralmente são monitorados. A natureza básica do fogo e da fumaça deve ser bem compreendida pela equipe de projeto a fim de incorporar principios de controle na configuração física do átrio deste a fase inicial. Sistema de controle de fumaça não pode ser adicionado a um projeto, deve ser parte integrante dele. Fundamental para o controle eficaz de fumaça e fogo é a detecção precoce. Sistemas de detecção de fumaça e fogo devem ser concebidos para identificar e localizar um incêndio no início de seu desenvolvimento. Estratégias de prevenção de incendio e remoção de fumaça do átrio irão variar conforme a localização do fogo e da configuração do átrio. Grandes volumes de área e tetos altos atrasam significativamente a detecção precoce de incendio. Sistemas 110 capazes de detectar a fumaça próximos ao nível do piso ocupado e próximos das fontes potenciais de incêndio são os melhores. Envolver um consultor de segurança qualificado ou engenheiro de proteção contra incêndio no início do projeto é a melhor opção de prevenção. Modelagens por computador auxiliam na compreensão do comportamento do fogo e permitem visualizações da complexidade de correlações, como previsão de altura de chamas, velocidade de fluxo, previsão do tempo, entre outros. 111 capítulo 3 Estudos de caso A arquitetura é um ofício de serviço, pois é isso o que é – um serviço. A arquitetura é um oficio complexo porque o momento expressivo formal é o resultado da síntese fecundada por tudo aquilo que se encontra por traz da arquitetura: a história, a sociedade, o mundo real das pessoas, suas emoções, esperanças e anseios: a geografia e a antropologia, o clima, a cultura de cada país onde se vá trabalhar e, ainda, a ciência e a arte. A arquitetura é um oficio artístico, ao mesmo tempo em que é um oficio cientifico; isto é o que distingue a arquitetura. Renzo Piano 1 1 PIANO, Renzo, La Responsabilidad del arquitecto. Barcelona: Gustavo Gilli. 2002. Tradução nossa. 112 Os edifícios tomados para o estudo de caso localizam-se na cidade de São Paulo. Foram eleitos pelo fato do partido arquitetônico ter incorporado um átrio como elemento compositivo no inicio do processo projetual. São eles: Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, de Décio Tozzi e Karla Albuquerque (1992-2004); Centro Cultural Britânico, de Alberto Botti e Marc Rubin (1999-2000). Como a abordagem pretendida não seria quantitativa, mas qualitativa, foi realizado um ensaio fotográfico na tentativa que capturar os atributos do espaço do átrio destas obras. Na busca de parâmetros para esta leitura, o arquiteto e fotógrafo de arquitetura Nelson Kon foi procurado por sua experiência profissional. Em encontro ocorrido no seu estúdio em São Paulo (setembro, 2011), teve lugar uma reflexão sobre como a fotografia registra e transmite a qualidade de espaços arquitetônicos, em especial sob condições de luz natural. O que se segue é a compilação das falas do arquiteto-fotógrafo. Eu dou muita importância para luz natural, diferente dos fotógrafos americanos, que constroem uma luz para fotografar um edifício. Sempre achei que o fotógrafo deveria registrar a luz que faz parte do projeto arquitetônico. Agora, os critérios da fotografia são um pouco diferentes dos critérios do espaço arquitetônico. Por exemplo, um espaço protegido, um espaço agradável do ponto de vista da arquitetura, pode não resultar em uma boa fotografia. Existem momentos em que se tem que lançar mão de situações de luz diferenciadas para fotografar. Fotografia de arquitetura não é arquitetura. Uma fachada bem protegida é muito bom para arquitetura, mas para fotografar é complicado. Numa fachada norte, onde bate muito sol, o arquiteto coloca brises para sombrear a fachada. O fotógrafo tem que trabalhar em horários limites, com o sol nascendo ou no final do dia, quando é possível “furar” um pouco o esquema do arquiteto. Lembrei-me de um projeto, super criticado, mas muito interessante, a Cidade da Musica, no Rio de Janeiro. Um projeto que o Portzamparc fez na França e trouxe para o Brasil. Tem uma praça elevada, um interior que não é interior, um interior/exterior, luz que entra pelos lados. Inteirinho de concreto. E tem aquela dificuldade para a fotografia - uma área que durante quase todo dia é protegida do sol, onde precisei procurar situações extremas para registrar - ir às 6 da manhã, com o sol bem baixo. Uma situação que quase ninguém vivencia. Com o sol mais alto o edifício é interessante, o pé direito enorme, um lugar muito agradável. 113 Para ter o registro do interior perde-se a informação do exterior. Se simplesmente fotografar a obra, o exterior ficará completamente estourado, branco. Isso é uma situação especifica da fotografia onde se tem que recorrer a alguns artifícios para restaurar na imagem a capacidade do cérebro de fazer esta leitura balanceada. Atualmente com a fotografia digital existem mais recursos, juntar duas imagens é uma das soluções. Pode-se recortar rebalancear a luminosidade, etc. Antes buscávamos situações de luz que evitassem esses problemas. Sempre se teve um pouco de possibilidade de manipulação. No laboratório, na hora de ampliar por exemplo. Eu sempre fotografei com negativo que é mais suave do que o cromo e permitia trazer alguma informação no momento da ampliação. Quando eu fui fotografar a Pinacoteca, na época era a sala de visitas do Paulo Mendes da Rocha, ele levava todo mundo lá... Eu estava fotografando, ele chegou e disse – Olha, não vai fotografar esses quadriculados da estrutura metálica que é feio. Eu estava mesmo brigando com aquilo pela dificuldade de leitura, um ruído. Disse que pensava em fotografar num dia nublado... Ele respondeu: - Não, a beleza do lugar é você poder olhar para cima e ver o céu e as nuvens. Por fim, fiz umas fotos em um dia de sol com nuvens e aproveitando a passagem das nuvens na frente do sol consegui capturar céu azul. Tem o ruído, mas não incomoda e você tem o céu lá. Era aquela situação - se o foco é a cobertura, fotografar em horário de sol alto vai ficar muito estourado. A solução é utilizar aquele horário onde a luz interna e luz externa se equilibram. O dia a dia do fotografo de arquitetura é acompanhar o movimento do sol desde amanhecer até o anoitecer e como se manifesta no edifício. Lembrei-me do edifício do Ministério da Educação e Saúde no Rio e de uma estória. Os brises têm três posições, uma para inverno, uma para verão e uma para os equinócios, e isto está no projeto. Em todas as fotos mais antigas desse edifício que eu via, os brises estavam sempre todos iguais, todos certinhos! O IPHAN funcionava nesse edifício e o Lucio Costa trabalhava lá. Diz a lenda, que todo dia de manhã ele olhava para a fachada lá de baixo, e, se tivesse algum brise fora do lugar e ligava e dizia: - Olha aí pessoal do 12º andar, favor arrumar o brise. Não me lembro quem me contou essa estória, mas que ele tem três posições tem. A fotografia precisa de truques para mostrar ambiência, não é simplesmente chegar e fotografar do jeito que está. Você vai ter uma solução bidimensional muito diferente da sensação de estar no espaço. ___________________________ Nota: as fotos que se seguem foram tomadas pela autora em dez 2011 e jan 2012. 114 3.1 Fórum Trabalhista Ruy Barbosa Ficha Técnica Local – Av. Marquês de São Vicente, 235 Barra Funda São Paulo, SP Projeto - 1991 Conclusão da obra – 2004 Área do terreno - 12.228,91 m² Área construída - 87.000 m² Andares – 20 Arquitetura - Decio Tozzi Arquitetura e Urbanismo Autores - Décio Tozzi e Karla Albuquerque Luminotécnica - Mingrone Iluminação Acústica - José Odilon Homem de Mello e Dominique Fretin. Figura 3.01 – Imagem obtida pela montagem três fotografias revela a monumentalidade do átrio do edifico do Fórum. 115 Para Tozzi (2005, p. 275) 2, a questão conceitual do projeto deste fórum, “inserido em uma sociedade democrática, pós-industrial e metropolitana”, estava em como propor uma nova estrutura formal para edifícios públicos que ao mesmo tempo fosse uma metáfora da própria metrópole. A solução para abrigar diversos setores da Justiça do Trabalho foi um edifício de projeção vertical, ao redor de um grande vazio central que integra quatro blocos de 20 pavimentos, dois a dois. A área de 50 x 50 m destinada ao átrio configura o espaço de acesso e distribuição e permite a visão integrada do conjunto. O hall foi concebido como praça, sobrepondo diferentes funções e serviços (restaurante 3, banco, telefonia, correio, livraria e acesso ao auditório). Todos os corredores dos edifícios dão vista para o átrio. Um sistema de rampas cruzadas faz a ligação entre os pavimentos dos edifícios (Figura 3.02). A solução encontrada para o controle de luminosidade excessiva e ofuscamento proveniente da cobertura, foi o emprego de películas butiral 4 com diferentes retículas, o que resultou em um efeito que remete aos muxarabis. Tozzi abraça a visão crítica da escola paulista em relação ao programa racionalista, posto em discussão na forma e nos conteúdos pela sua abstrata rigidez e seu dogmatismo impositivo. A partir dessas considerações preliminares, o arquiteto desenvolve uma metodologia projetual genuína e sincera em que a expressão formal descende diretamente do estudo do programa funcional. [...] O método seguido comporta uma concisa e lúcida análise crítica dos elementos projetuais que são elaborados pelo desenho, considerado como instrumento de reflexão e de compreensão sensível da realidade e da sua transformação. Por uma precisa organização das áreas funcionais e das áreas de serviço, Tozzi articula agilmente os vários ambientes do Fórum à volta da grande praça central coberta, fulcro visual estratégico e distribuição de todas as atividades do edifício por meio das rampas de acesso e das torres dos elevadores que a delimitam (SANTORO, 2011, s/p). 5 2 Tozzi, Decio. Arquiteto Decio Tozzi. São Paulo: D’Auria, 2005. 3 O espaço do restaurante foi requisitado para abrigar dependências do Fórum. 4 PVB (polivinil butiral) - película plástica aplicada entre as chapas de vidro laminado. Fonte: <www.andiv.com.br/vidroaaz.asp>. Acesso em 07 dez 2011. 5 SANTORO, Francesco. Uma análise do trabalho do arquiteto paulista Décio Tozzi. Disponível em: <www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/193/imprime169511.asp>. Acesso em 20 out 2011. 116 Figura 3.02 – Impnatação, plantas e cortes. Fonte: Arcoweb. Disponível em: <www.arcoweb.com.br/arquitetura/decio-tozzi-e-karla-albuquerque-forum-trabalhista-20-05-2004.html. Acesso em 24 jun 2011. 117 Imagens da entrada do edifício para o átrio. Fotos feitas no inicio do dia, ainda pouco movimentado. 118 Imagens do banco situado no fundo do átrio. Aqui o caráter praça se revela acentuadamente. Fotos feitas o meio do dia. 119 Monumentalidade da vista do pano de vidro na fachada do edifício. 120 Usuários observam o espaço interno; ao fundo vê-se a estrutura das rampas. Ao lado, imagem tomada do centro da rampa para a entrada do edifício. Os espaços adjacentes mantêm iluminação artificial em caráter permanente. 121 Apesar da luminosidade, a vegetação não apresenta vitalidade. Imagem do vão do átrio desde o ultimo pavimento. 122 O cenário do espaço adjacente desde acesso pela rampa, se repete a cada pavimento. Vista da Sala dos Advogados no 4º pavimento, único com pé direito duplo. 123 Imagem tomada desde um espaço adjacente para a parte posterior do edifício, onde se observa a finalização da estrutura das rampas, a treliça metálica da cobertura e o tratamento dado ao concreto que colabora na acústica. Detalhe da treliça metálica da cobertura onde se observa partes dos vidros revestidos com película protetora. 124 Imagem que traduz a monumentalidade do vão do átrio, onde se percebe o efeito de muxarabi obtido na cobertura pela aplicação da película protetora. 125 3.2 Centro Brasileiro Britânico Ficha Técnica Local - Rua Ferreira de Araújo, 741, Pinheiros, São Paulo SP Projeto -1999 Conclusão da obra – 2000 Área do terreno – 4.950 m² Área construída – 11.545 m² Andares - 4 Arquitetura - Botti Rubin Arquitetos Associados Autores: Alberto Botti e Marc Rubin Luminotécnica - Esther Stiller Acústica - Schaia Akkermann Conforto ambiental - Luiz Carlos Chichierchio Figura 3.04 – Imagem desde o interior do átrio para a entrada do edifício. 126 O Centro Brasileiro Britânico concentra as principais organizações culturais, comerciais e políticas da Grã-Bretanha em São Paulo: Consulado Geral Britânico, Câmara Britânica de Comércio, BBC (British Broadcasting Corporation), British Council, Visit Britain e o escritório central da Cultura Inglesa em São Paulo. Resultado de um concurso fechado, que tinha como premissa a criação de uma forte presença arquitetônica que representasse uma imagem inovadora e cosmopolita. O projeto de Botti Rubin caracteriza-se em confrontar peso e leveza - dois volumes densos e simétricos contrapõem-se a caixa transparente que delimita o átrio central. Figura 3.05 - Cortes longitudinal e transversal do edifício. Fonte: Arcoweb. Disponível em: <www.arcoweb.com.br/arquitetura/botti-rubin-arquitetos-associados-centro-brasileiro-29-112002.html.> Acesso em 18 out 2011. Isso fica patente no partido adotado: aos dois volumes densos e simétricos de arenito francês de tom rosado, no revestimento das fachadas e das áreas comuns internas, contrapõem-se a caixa transparente que envolve o átrio central 127 de pé-direito quádruplo e a cobertura em vidro. As fachadas laterais são marcadas pelo uso de brises metálicos, enquanto a face posterior ostenta o volume em balanço que abriga o auditório. A unidade arquitetônica é definida pelo uso de pedras. Segundo o arquiteto, o recuo de 23 metros em relação à principal via de acesso abriu espaço para o grande espelho d'água, que em alguns pontos chega a invadir o interior da construção e contribui para dar o aspecto institucional do conjunto. No topo, o destaque é uma cobertura móvel, utilizada durante eventos. A fachada de 21 m altura é composta por painéis de vidro temperado fixados com ferragens do tipo cruzeta a estrutura metálica. A transparência da fachada suspensa ganha continuidade na cobertura de vidro que acompanha o átrio. Para reduzir a incidência solar direta no período da tarde, uma vez que a fachada está voltada para oeste, adotou-se sistema de painéis com telas metálicas de enrolar (Figura3.06). O Centro Brasileiro Britânico, em São Paulo, foi o primeiro edifício construído no país a adotar o sistema de fachada suspensa. Trata-se de um pano de vidro de 285 metros quadrados, que faz o fechamento frontal do átrio, com pé-direito equivalente a quatro pavimentos. Foi executado com o sistema Planar, desenvolvido pela Pilkington, que utiliza o painel de vidro como componente estrutural, dispondo de furos para a passagem dos elementos de fixação. Para atender às exigências do cliente, uma equipe composta por profissionais do escritório de arquitetura e pelos consultores Paulo Duarte (fachadas), Heloísa Martins Maringoni (estrutura metálica) e Luiz Carlos Chichierchio (conforto ambiental) desenvolveram pesquisas técnicas que identificaram novos materiais e sistemas construtivos. A proposta era empregá-los para agilizar o prazo de construção e criar elementos estéticos definidos pelo desenho arquitetônico. Tudo isso sem deixar de lado o fator segurança, uma vez que no local funciona uma delegação estrangeira. A fachada suspensa de 21 metros de altura é composta por painéis de vidro temperado de 12 milímetros fixados com ferragens do tipo cruzeta a uma levíssima estrutura metálica, constituída por perfis tubulares de aço com diâmetro de 168,3 milímetros. As cargas são transferidas para a estrutura através de elementos estruturais - braços que sustentam a cruzeta em cada extremidade. Essa solução permitiu reduzir a três os elementos verticais básicos da estrutura, privilegiando a transparência exigida no projeto arquitetônico. 128 Na interface dos painéis de vidro foram utilizadas juntas de silicone de médio módulo, com 12 milímetros de largura. Essa especificação resultou de cálculos para que as juntas pudessem absorver as deformações das placas, resultantes da ação do vento. Para reduzir a incidência solar direta no período da tarde uma vez que a fachada está voltada para o poente -, adotou-se sistema de painéis com telas metálicas de enrolar. A transparência da fachada suspensa ganha continuidade na cobertura de vidro que acompanha o átrio longitudinalmente. Nela foram utilizados painéis de vidro insulado de 172,5 x 213 centímetros e 70 milímetros de espessura. Vigas-calha de aço (17,5 m comprimento x 0,7 m altura) sustentam prismas de vidro. Nas fachadas laterais foram instaladas grelhas metálicas que, equidistantes um metro das paredes do edifício, funcionam como quebra sóis. As imagens mostram a fachada do edifício em duas situações: com os painéis de proteção solar abertos (esq.) e recolhidos (dir.). 129 Imagem tomada do 4º pavimento em direção à entrada do edifício com os painéis de proteção solar recolhidos. Observou-se, que na pratica, os painéis de proteção solar são mantidos abertos, mesmo em dias nublados, como era o caso. 130 Imagem tomada do 4º pavimento da situação dos painéis de proteção solar. A sequencia de fotos mostra o recolhimento dos painéis da cobertura, operados por controle acionado manualmente. Imagem tomada do piso do átrio para a cobertura onde se vê o mobile composto de peças de vidro que preenche o espaço vertical do átrio. 131 Imagens dos espaços adjacentes ao átrio. Percebe-se que a contribuição da luz do dia é suficiente para a atividade de circulação. O espelho d’água transpassa os limites do edifício. Neta imagem vê-se o reflexo da escada na lateral do átrio. 132 As imagens maiores mostram os paineis de proteção solar da falhada do edificio em posição aberta e recolhida. A sequencia de imagens menores registra omovimento do recolhimento dos paineis. 133 Com os paineis de proteção solar recolhidos, ao átrio fica exposto a entrada da luminosidade. 134 Imagens da Biblioteca onde a luz dia, que penetra pela lateral, é complementada por iluminação artificial. Faixas de malha metálica contribuem para a difusão da luminosidade. 135 1 capítulo 4 Considerações Finais Ao princípio as paredes eram grossas. Protegiam o homem. Então o homem sentiu o desejo de liberdade e do prometedor mundo lá fora. Primeiro fez uma abertura tosca. Então explicou à infeliz parede que ao aceitar a abertura, a parede devia seguir uma ordem maior de arcos e pilares, com elementos novos e de valor […]. No entanto, os arquitetos de hoje em dia, quando pensam em edifícios esquecem a sua fé na luz natural. Contando com a pressão de um dedo sobre um interruptor, basta-lhes a luz estática, e esquecem-se das qualidades infinitamente cambiantes da luz natural, com a qual um edifício é um edifício diferente a cada segundo do dia. Louis Kanh 1 Vista do mezanino da OCA de Oscar Niemeyer. Parque do Ibirapuera, São Paulo SP, Foto de Nelson Kon. Acesso em 15 dez 2011. 136 O título atribuído a este trabalho - Arquitetura e luz: o átrio (ex-pátio) – pretende enfatizar a evolução histórica do vazio central em configurações arquitetônicas originarias do espaço interno aberto ao céu que, fazendo uso das disponibilidades técnicas pode ser coberto, transformando-se em abrigo às variações climáticas. O desígnio atrium, rastreado desde a antiga Roma, e antes dela nos povos que povoaram a região da Toscana (noroeste da Itália), define um espaço onde o impluvium, (abertura azimutal com origem nos abrigos primitivos para exaustão da fumaça do fogo) representava o centro geométrico do ambiente. O Atrium Romanun e o átrio contemporâneo, além do aporte de luz do dia, guardam em comum o caráter social e o papel ordenador dos demais compartimentos do edifício. Entretanto, no nosso entender, o átrio do século XXI parece se identificar mais com o vazio central primordial – um espaço protegido, que permite contato com o mundo exterior, pois, mesmo coberto, sua característica porosa possibilita a participação do mundo natural. É de conhecimento comum que o ambiente construído atua sobre nosso estado psiquico e consequentemente sobre nossa disponibilidade para tarefas. A teoria da arquitetura fornece poucos subsidios, cedendo a responsabilidade para a sensibilidade pessoal do arquiteto. São poucas as investigações sistemáticas que relacionam diretamente a estrutura física de um espaço e a experiencia deste espaço. Uma das razões para esta lacuna reside na dificuldade do estabelecimento de metódos com que a pesquisa empírica se depara, uma vez que no mundo real os fenômenos se mostram complexos e sujeitos a muitas variáveis. Explorar as relações entre propriedades espaciais e experiência vivenciada implica em uma sistemática de interrelações difícil de ser transformada em fatores lineares. Esta pesquisa, que se debruçou sobre o espaço do átrio como elemento de admissão de luz do dia ao interior de edificações, deparou-se com aspectos do aproveitamento deste aporte e com o caráter configurador do espaço interno que a presença do átrio proporciona. Através do levantamento histórico, observou-se a migração da função espacial primordial do vazio central como espaço defendido (dos rigores climáticos, da ameaça de inimigos, etc.) e de convívio social, para um espaço contemporâneo de proporções majestosas, possibilitados pelas conquistas tecnológicas. Assim como o edifício de pele de vidro, o edifício com átrio muitas vezes migrou de latitude, sem observância das características climáticas especificas do local de implantação. De forma geral, observou-se que os átrios contemporâneos são 137 projetados para operar com ventilação mecânica fazendo uso de interfaces de sombreamento. Em muitos casos observam-se o uso do átrio como elemento agregador de status ao conjunto de edifício. Não raros são os exemplos de átrios impactantes em hotéis e edifícios de escritórios. Espaços que incorparam elementos naturais ajudam a superar a fadiga, relaxando e restaurando a mente. Em ambientes urbanos, espaços verdes são sinônimos para descanso cognitivo, onde se incentiva a interação social e alivio do estresse. Em ambientes internos, como nos átrios, a presença da luz do dia e o uso social do espaço contribuem positivamente. Através de pesquisas na área da psicologia ambiental, foi possível constatar que privação de visão para o exterior está associada a níveis mais elevados de tensão e ansiedade nos usuários de edifícios não residenciais. Se o ambiente construído estabelecer diálogaos com a complexidade do mundo natural, os sistemas sensoriais de uma pessoa podem ser solicitados a explorar o espaço interno do objeto construído, estimulando a função cognitiva através do apelo visual. A necessidade humana de contato com o ambiente natural, no qual se inclui a luz do dia, se confirmou ao longo da pesquisa quando foram encontrados indícios de satisfação dos usuários nos dois edifícios analisados. No caso do Centro Cultural Britânico, mesmo com os espaços de trabalho não diretamente conectados ao átrio, os usuários relatam sua presença como agradável e têm satisfação em ocupar o edifício. Já no Tribunal Trabalhista Ruy Barbosa, onde a frequência dos usuários está ligada a solução de litígios, a praça (como Tozzi chamou o vazio central) e a altura do poço certamente contribuem para aliviar tensões. Pode-se constatar a tendência de que a incorporação da luz natural em edifícios não residenciais através do espaço do átrio tende a se verificar tanto em novos projetos como em reformas e adequações de edifícios existentes. Os exemplos do escritório de Norman Foster (citados no Capitulo 2), comprometido com a Green agenda, é referência do potencial formal e ambiental do uso no átrio. A pesquisa também revelou o emprego do átrio como elemento de integração entre um edifício existente e uma nova ala, como no caso de museus que ocupam edifícios de reconhecida qualidade arquitetônica original, cujas atividades demandaram acréscimo de área. Edifícios que consomem menos energia geram menos poluição e são socialmente mais responsáveis tendem a nortear as escolhas dos arquitetos 138 contemporâneos. A disponibilização de mecanismos de interface com controle eletro/eletrônico responsivos à luz, para problemas acentuados pela entrada de luz solar direta (questões térmicas, de ofuscamento de visão, etc.), têm potencial para transformar aspectos adversos em soluções arquitetonicamente inovadoras e ambientalmente compatíveis com a dinâmica das mudanças que a tecnologia proporciona. A luz do dia, saudável e estimulante para o sistema humano, desejada independentemente de onde se viva, teve seu lado negro na história quando foi negligenciada em ambientes profissionais. A era pré-fluorescente, quando a iluminação natural regia o projeto, traz referencias para construir o futuro que, com a cololaboração entre arquiteto e tecnologia, por muitas razões, acena com perspectivas brilhantes. 139 Referencias Bibliográficas AHMAD, Hamdan, RASDI, Mohamad. Design principles for atrium buildings for the tropics. Selangor, Malásia: Penerbit UTM, 2000. ALABIDIN, Mahmoud Zein. 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Gilli, 1983. 154 1 Apêndice 1 Luz do dia Conceitos e estratégias para uso da luz do dia Parece ser necessário desenvolver tipos de edificações de um jeito no Egito, de outra forma na Hispânia, ainda diferentemente em Pontus, bem como em Roma e assim por diante de acordo com as propriedades distintas de outras terras e regiões. Isto devido a que em uma parte do mundo a Terra é superaquecida pela ação do sol, enquanto em outra se situa bem distante dele, assim como em outra parte ela se situa em uma distância intermediária. Vitruvius, Os dez livros de arquitetura - Capítulo I§1, séc. I a.C. 1 Croqui de estudo de Renzo Piano na busca de uma luz difusa (sistema de grelha da cobertura) para a exibição de obras de arte do Museu Beyeler, Basel (Suíça). Fonte:<://hgf7m. wordpress.com>. Acesso em 08 Nov 2011. 155 A natureza dinâmica da luz do dia faz com que seja uma fonte de luz não confiável quando se pretende cumprir metas de projeto com valores de lux específicos. Por ser frequentemente associada ao ofuscamento e gerar problemas de superaquecimento, nem sempre é a solução de iluminação preferida. (DUBOIS, 2006, s/p, tradução nossa) 2. O emprego da luz do dia depende da disponibilidade da luz natural que é determinada pela latitude do local de implantação e das condições das imediações do edifício, como a presença de obstruções. Estas estratégias também são afetadas pelo clima, portanto, a identificação de sazonalidade, condições climáticas prevalentes, temperaturas ambientes particulares são fundamentais para trabalhar com luz natural no projeto arquitetônico. Estudar tanto o clima quanto a disponibilidade de luz natural em um canteiro de obras é fundamental para a compreensão das condições de funcionamento da fachada do edifício. A solução do projeto de iluminação natural para a construção deve abordar todas as condições - seja fazendo uso da iluminação lateral ou zenital, unilateral ou multilateral as estratégias de iluminação natural devem ser decididas durante a fase de concepção do edifício. A orientação da edificação e a localização das aberturas em relação ao arco do sol é a primeira decisão. A etapa seguinte é a concepção do volume, fachadas e telhado (SHAW, 2010, p.1, tradução nossa). 3 No hemisfério norte, devido ao seu céu pouco luminoso, os edifícios envidraçados se beneficiam termicamente pela conversão em calor da radiação solar, que permite a entrada da luz natural aos ambientes internos. Entretanto, o céu luminoso na região tropical, faz com que pequenas aberturas protegidas da radiação solar direta sejam suficientes para um bom nível de conforto visual, ao mesmo tempo em que são mais indicadas para equilibrar o conforto térmico. A grande área de transparência gerada pelas fachadas envidraçadas expõe os edifícios, levando à necessidade de empregar elementos de sombreamento (CORBELLA; YANNAS, 2003, p.23) 4. 2 DUBOIS, Marie-Claude. Integration of daylight quality in the design studio: from research to practice. Artigo apresentado no PLEA2006 - 23rd Conference on Passive and Low Energy Architecture, Genebra (Suiça), 2006. Disponível em: <www.unige.ch/ >. Acesso em 29 abr 2011. 3 SHAW Kevan. Daylight: an Energy Saving Resource. Artigo apresentado no Lights of India Conference, Goa (Índia), 2010. Disponível em: <www.kevan-shaw.com/ >. Acesso em 24 Abr 2011. 4 CORBELLA, Oscar, YANNAS, Simos. Em busca de uma arquitetura sustentável para os trópicos: conforto ambiental. Rio de Janeiro: Revan, 2003. 156 O objetivo da iluminação natural é fornecer luminosidade adequada para as tarefas visuais, criar um ambiente visual agradável e economizar energia elétrica. O desempenho de uma estratégia de iluminação natural depende do potencial de lumínico, representado pela disponibilidade de luz natural que envolve o edifício; das propriedades físicas e geométricas do edifício; das propriedades físicas e geométricas da(s) aberturas(s) e de como estas são utilizadas para explorar e responder à luz natural disponível. A posição do Sol no céu varia muito ao longo do dia, quando visto de qualquer ponto especifico, muitas vezes obscurecida por nuvens, árvores ou outros edifícios. Sua intensidade também é significativamente alterada em diferentes épocas do ano. Para prever e calcular o aproveitamento da iluminação natural em um projeto se faz necessário conhecer-se o comportamento da fonte luminosa - sol e céu. 2.1 Conceitos Físicos Entende-se como fonte luminosa qualquer corpo que emita luz. As principais fontes de luz natural são o sol e a abobada celeste. O sol é a fonte primária ao qual se soma a luz difusa da abobada celeste (o produto da reflexão da luz solar ao passar pela atmosfera) que contribui com uma parcela importante de luz natural (MOORE, 1991, p.30, tradução nossa) 5. As fontes podem ser: Primárias - a luz produzida pelo próprio corpo; Secundárias - a luz refletida do corpo. Para estudos de iluminação natural devem ser consideras ambas as fontes e, segundo Moore, para projetos que incorporam fontes de luz natural consideramse: a) Luz direta - luz do sol e da abobada celeste; b) Luz indireta - luz refletida; c) luz filtrada por difusores translúcidos (originalmente iluminados por fontes primárias ou outras fontes secundárias). 5 MOORE, Füller. Concepts and practice of architectural daylighting . Nova York: Van Nostrand Reinhold. 1991. 157 Figura A.01 - A luz visível é parte do espectro eletromagnético, um grande movimento da radiação que inclui rádio, infravermelho, ultravioleta, raios-x e raios gama. Imagem NASA. Fonte: <www.armaghplanet.com/blog/what-is-light.html>. Acesso em 04 abr 2011. Na física, a luz é definida como a faixa visível do espectro de radiação eletromagnética que sensibiliza o olho humano, ou seja, permite a visão dos objetos. Localiza-se em um intervalo espectral bem definido - entre 380nm e 780nm (Figuras 66 e 67). O espectro visível é denominado nm, sendo que 1nm corresponde a 1x10-9m. Figura A.02 - As regiões do espectro solar variam de aproximadamente 300 até 3000nm, abrangendo três regiões: ultravioleta, visível e infravermelho. Fonte: RORIZ, 2008, p.4. op. cit. Dependendo do comprimento de onda, a luz refletida por uma superfície produz as diferentes sensações de cores. A intensidade da radiação solar não é constante ao longo do espectro e sua distribuição depende das condições atmosféricas. A intensidade e a qualidade da iluminação de uma área de trabalho devem atender os requisitos de desempenho visual; conforto; bem estar 158 e economia. Entende-se por desempenho visual tanto a velocidade em que os olhos reagem à luz, bem como a precisão com que uma tarefa visual pode ser executada. Até certo limite, o grau de desempenho visual cresce com o aumento da iluminância, dependendo também do tamanho do objeto, da distância em que e encontra do olho do observador e dos contrastes em cor e em iluminâncias (RORIZ, 2008, p.2). 6 cd Candela unidade de medida de intensidade luminosa igual a 1/60 da intensidade luminosa de um cm² da superfície de um radiador perfeito na temperatura de solidificação da platina. Esterorradiano Ângulo ângulo (espacial) subentendido no centro de uma esfera por uma sólido área, na sua superfície, numericamente igual ao quadrado do raio. lm unidade de fluxo luminoso igual ao fluxo luminoso emitido, no interior de um ângulo sólido de um esterorradiano, por uma fonte Lúmen pontual de intensidade invariável de uma candela que emite uniformemente em todas as direções. cd/m2 limite da razão entre a intensidade do fluxo luminoso emitido por uma superfície em uma dada direção, no interior de um determinado ângulo sólido e o produto entre esse ângulo sólido e Luminância a área da superfície emissora projetada sobre um plano perpendicular à direção considerada, quando esse ângulo e essa área tendem a zero. Iluminância Lux limite da razão entre o fluxo luminoso recebido por uma lx superfície, em torno de um ponto considerado e a área da superfície quando esta tende a zero. Tabela A.01 – Definições com principais termos relativos à iluminação. Fonte: RORIZ, 2008, p.2. Considerado suficiente para se distinguir vagamente as feições humanas, os níveis de Iluminação para áreas de circulação podem ter luminância de 1 cd/m² e o nível mínimo de iluminamento horizontal de 20 lux. Ao contrário do que se supunha no passado, menores luminâncias são aceitas para superfícies com menor grau de refletância. Para áreas de trabalho os valores mínimos aceitáveis são de luminâncias entre 10 e 20 cd/m², iluminamento vertical de 100 lux e horizontal de 200 lux. Não podemos considerar constantes os níveis ótimos de iluminação para áreas de trabalho, que dependem do nível geral de iluminação do ambiente e da refletância (ρ) da tarefa. Assim, as luminâncias (L) ótimas situam-se, aproximadamente, entre 100 cd//m² para ρ = 0,2 e 400 cd//m² para ρ 6 RORIZ, Maurício. Arquitetura Bioclimática: Iluminação Natural em Edificações. II Fórum pró- sustentabilidade, Feevale - Arquitetura e Urbanismo, Nova Hamburgo, 2008. Disponível em: <://aplicweb.feevale.br/site/files/documentos/pdf/22978.pdf>. Acesso em 180 out 2010. 159 = 0,8. As iluminâncias (E) correspondentes a estes valores variam entre 1500 lux (para alta reflexão) e 2000 lux (baixa reflexão). Já as tarefas que exigem grande acuidade visual devem dispor de iluminação individual específica. A sensibilidade máxima do olho ao contraste é atingida com um nível aproximado de 1000 cd//m² que, mesmo para refletâncias baixas, pode ser obtida com iluminância em torno de 20.000 lux. (RORIZ, 2008, p.5). A entrada da energia solar na atmosfera e o movimento da Terra ao redor do sol são fatores determinates para os padrões do clima do planeta. Parte significativa da energia solar que atinge a superfície da Terra é refletida de volta para a atmosfera, mas grande quantidade é absorvida pelo solo e pela água (Figura A.03). Figura A.03 - Diagrama da entrada da energia solar na atmosfera terrestre: 1) Entrada dos raios solares na atmosfera da Terra; 2) Parte do calor é refletido pela superfície da Terra; 3) Parte do calor é absorvido pela atmosfera da Terra; 4) a Terra é aquecida. Fonte: <www.bbc.co.uk/>. Acesso em 25 out 2010. Latitudes elevadas têm distintas condições de verão e inverno, porém, a variação sazonal dos níveis de luz é menos aparente em baixas latitudes (Figura A.04). Em latitudes elevadas, onde os níveis de luz de inverno são baixos, tendese a maximizar a penetração de luz natural em um edifício. Em contrapartida, nos trópicos, onde os níveis de luz natural são elevados ao longo de todo o ano, a ênfase recai sobre a prevenção de sobreaquecimento, pela limitação da quantidade de luz que entra no prédio. Assim, para as regiões tropicais, a obstrução de uma grande parte do céu, especialmente nas áreas próximas ao 160 zênite e a entrada de luz das partes mais baixas do céu ou de luz indireta refletida do solo são estratégias úteis. Figura A.04 - Variação das temperaturas na Terra durante o todo o mês de Abril de 2003. A imagem foi tomada pelo satélite Aqua da NASA, através de sensores de temperatura que utilizam leitura dos raios infravermelhos. Imagem: NASA The Atmospheric Infrared Sounder (AIRS). Fonte <://wattsupwiththat.com/2010/07/13/calculating-global-temperature> Acesso em 15 ago 2010. 2.2 Conceitos para uso da luz do dia Orientação, dimensionamento e posicionamento das aberturas e tipo dos vidros interferem na quantidade de luz do dia experienciada no interior de um edifício. Janelas no centro da parede distribuirem melhor a luz do que janelas nos cantos. Quanto menor a distância até o teto, melhor é a dispersão da luz e da iluminação. Clarabóias admitiema luz da parte mais brilhante do céu e podem proporcionar uma distribuição mais uniforme da luz através de um espaço, entretanto, esta fonte requer atenção de projeto, pois ao receber ganho solar máximo pode gerar sobreaquecimento no verão. Iluminação lateral – distribui a luz do dia na profundidade de um espaço, mas a luminância diminui drasticamente com a distância da abertura. Assim, as partes mais distantes da sala a partir da janela são as menosl iluminadas. Quanto mais profundo o ambiente, pior é a uniformidade da luz que vem de fora. 161 Iluminação zenital ou clarabóias - pode melhorar o brilho aparente de um ambiente, pois proporcionam uma distribuição mais uniforme da luz. A radiação solar direta pode criar o ganho de calor solar excessiva. Também é importante proteger os ambientes contra ofuscamento. O dimensionamento das aberturas precisa de ser cuidadosamente balanceado para atender à iluminancia desejada, ao conforto térmico e às exigências de sombreamento. A luz solar, a luz direta do sol, é muito variável para ser tida em conta em projetos de iluminação. A intensidade pode variar de 100.000 lux quando o sol está desobtruido para menos de 10.000 lux, quando o sol é coberto por nuvens. A luz do dia é a luz difusa da abóbada celeste. Embora a luz do dia seja mais previsível do que a luz solar, ainda é suficientemente variável em iluminância específica. Em geral, consideram-se três variações da abóboda celeste: Céu encoberto - por esconder o sol através das nuvens, caracteriza-se por proporcionar luz difusa. A abóboda apresenta-se na cor cinza claro e brilhante. Esta distribuição permanece constante ao longo do dia, porém a iluminância absoluta do céu varia com a altitude do Sol, (o céu encoberto é mais brilhante ao meio-dia). Céu claro – caracteriza-se pela abóboda celeste azul sem nuvens. O contraste luz/sombra é acentuado. A iluminação ao longo do dia é variável em distribuição e intensidade. Nestas condições as superfícies reflexivas são importantes fontes secundárias de luz natural. Céu parcialmente encoberto – caracteriza-se pela combinação de céu claro com nuvens sobrepostas, quando ocorre a dificuldade de estabelecer a intensidade da luminância, que sofre muita variação ao longo do dia (POGERE, 2001, p. 10-11). 7 7 POGERE, Ângela. Estudo de átrios como elementos condutores de iluminação natural . Dissertação de Mestrado, Faculdade de Engenharia, Florianópolis, Universidade de Santa Catarina, 2001. Disponível em <www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/Arquitetural/daylight/ESTUDO%20DE%20%C1TRIOS%20COMO% 20ELEMENTOS%20CONDUTORES%20DE%20ILUMINA%C7%C3O%20NATURAL.pdf>. Acesso em 22 set 2011. 162 2.3 Arquitetura bioclimática Um projeto de arquitetura bioclimática considera o local e suas características climatológicas, fazendo uso de elementos de projeto passivos e de tecnologias para criar condições confortáveis para controlar a transferência de calor para o ambiente construído. O termo "passivo" não exclui o emprego de tecnologia nos projetos, ao contrário, emprega tecnologia para aumentar o desempenho do sistema e, assim atingir o objetivo que é o conforto ambiental. A concepção bioclimática difere do projeto sustentável por seu foco na geração de conforto em conexão com o ambiente e não no impacto da construção sobre o meio ambiente. A economia de energia e o baixo impacto ambiental que resultam do projeto bioclimático são consequências positivas de integração do projeto com as condições climáticas locais e não de aplicação de recursos sustentáveis arbitrários (SWARTZ, 2010, s/p, tradução nossa). 8 Um projeto bioclimático parte da análise da região climática onde o projeto será implantado e procede à identificação das condições específicas - topografia, vegetação natural, outras estruturas vizinhas, etc., que podem criar variáveis especificas, influenciado a orientação do edifício no local (Figura A.05). Escolhas adequadas implicarão em redução da necessidade de condicionamento de ar, maximização da capacidade de aquecimento e arrefecimento passivos, criando condições de vida confortáveis e saudáveis para os usuários. Caberia aos arquitetos incorporar, se não enfatizar, o clima em soluções de projeto. Para a pesquisadora, eliminar as características locais em um projeto em última instância diminui o nível de satisfação que os usuários podem usufruir da edificação. Clima é uma das formas mais importantes e de nível básico de 'lugar' que as pessoas experienciam, fazendo com que as respostas aos projetos que levam em consideração características e condições climáticas regionais sejam reconhecidas como projetos resultantes do 'lugar'. Pode-se dizer que a capacidade de manter condições de conforto em ambientes internos em regiões quentes limitou-se a métodos passivos até 1902 quando ocorreu a invenção do primeiro ar condicionado elétrico. Recursos energéticos baratos e a nova tecnologia tornaram possível aos arquitetos ignorar os métodos passivos para superar questões relacionadas ao clima. 8 SWARTZ, Carter. Archinology. 2010. Disponível em: <www.archinology.com/bioclimatology/>. Acesso em 13 jan 2011. 163 A arquitetura que se caracteriza pela utilização de grandes fachadas envidraçadas, independentemente da circunstância climática local, na maioria das vezes sofre sobreaquecimento devido ao ganho térmico decorrente da incidência da radiação solar. Desse sobreaquecimento duas conseqüências são imediatas - o desconforto dos usuários e a intensificação do consumo de energia elétrica para o condicionamento artificial do ambiente. A arquitetura com que o século XX terminou é abstrata e independente do clima, afirma Instituto de Arquitectura Tropical 9 coordenado por Stagno ao colocar seus propósitos. Para o Instituto, quando o dogma do modernismo tomou conta do planeta, na maioria das vezes desconsiderou a tradição cultural das formas de expressão locais, causando um internacionalismo que não se adapta com sucesso aos trópicos. O instituto observa que os arquitetos que se diferenciaram obtiveram seu êxito ao incorporar aspectos culturais e considerar o clima local mediante a adaptação de formas, materiais e conceitos coerentes sem deixarem de ser modernos. Fizeram uma arquitetura que reflete influências regionais, porém provida de soluções contemporâneas. Durante sua permanência na Índia na década de 1950, o arquiteto Otto Koenigsberger 10 teve contato com a arquitetura e o planejamento urbano local e pode observar que tais projetos não eram apenas altamente sensíveis ao clima, mas excelentes exemplos de construção eficiente, tanto do ponto de vista material como no ordenamento do território. Na década de 1970, quando seu "Manual of tropical housing and building: climatic design" foi publicado em Londres, os aspectos teóricos da arquitetura vernácula foram mais bem estudados e definidos e os dados empíricos estavam disponíveis para fundamentar sua abordagem. 9 Instituto de Arquitectura Tropical - fundado em 1994, localizado em San José - Costa Rica, é uma organização sem fins lucrativos, composta por arquitetos e outros profissionais, cujo objetivo principal é promover discussão e estudos sobre arquitetura e urbanismo adaptado aos trópicos. Disponível em: <http://www.arquitecturatropical.org/acerca.html>. Acesso em 30 ago 2010. 10 KOENIGSBERGER, Otto - Arquiteto urbanista (Alemanha, 1908 - UK, 1999). Durante seu trabalho na Índia, tomou consciência dos perigos de exportação edifício Ocidental e métodos de planejamento para os países do Terceiro Mundo e da necessidade para estabelecer um corpo de conhecimento para os profissionais destes países. Isso o levou à criação do Departamento de Arquitetura Tropical na Architectural Association of London, com um currículo que enfatizava a importância da compreensão das condições físicas e sociais nos países tropicais. Sob a sua direção, mais tarde tornou-se o Departamento de Desenvolvimento e Estudos Tropicais para em 1971 tornar-se a Unidade de Planejamento do Desenvolvimento na University College of London. Fonte: <http://www.ucl.ac.uk/dpu/aboutus/otto>. Acesso em 13 jan 2011. 164 Em 1963, o arquiteto Victor Olgyay 11 cunhou o termo "bioclimáticas" em seu livro "Design with Climate Bioclimatic Approach to Architectural Regionalism ", propondo a necessidade de se relacionar projeto arquitetônico ao clima, e as relações exploradas para o conforto humano. Os trabalhos de Victor Olgyay e seu irmão Aladyr dão inicio a reflexão sobre o desempenho ambiental em termos de métodos de concepção passiva e seus princípios para o conforto humano. Através da ‘Carta Bioclimática de Conforto’, propõem uma metodologia para quantificar e ilustrar as condições climatológicas que definem uma ‘zona de conforto’, ou seja, uma faixa onde as pessoas encontram condições de conforto térmico em um determinado local. Seu partido era que, considerando as condições climáticas locais e aplicando técnicas passivas no início da fase de projeto o resultado seria a maximização da possibilidade de construir edifícios que trabalham em favor dos usuários. Figura A.05 – Carta bioclimática de conforto de Olgyay adaptada por Koenigsberger. Fonte: http://www.eps.ufsc.br/disserta/neto/cp2_net.htm. Acesso em 22 jan 2011. O método de Olgyay baseado na carta bioclimática apresenta a zona de conforto humano em relação à temperatura e umidade do ar ambiente, temperatura radiante média, velocidade do vento, radiação solar e resfriamento evaporativo. Envolveu os seguintes passos: coleta de dados climáticos (temperatura, ventos, radiação e umidade); tabulação dos dados em uma base anual e construção de uma série de cartas mostrando a distribuição anual dos elementos climáticos; avaliação dos dados tabulados de temperatura e umidade do ar em uma carta 11 OLGYAY, Victor - Arquiteto, urbanista. (Hungria,? - USA, 1970). Precursor na investigação sobre a relação entre arquitetura e energia. Autor de numerosos livros, entre os quais se destaca Arquitetura e Clima: Manual de desenho bioclimático para arquitetos e urbanistas . Este livro editado em 1963 pela Princeton University Press é o resultado de oito anos de trabalho de investigação que contou com fomento da Agência Federal de Financiamento da Moradia dos Estados Unidos (EEUU), bolsa da Fundação Simon Guggenheim e o apoio dos fundos de investigação da Universidade de Princeton. Fonte: <lib.asu.edu/architecture/collections/olgyay>. Acesso em 25 set 2010. 165 bioclimática. Para Givoni (1969), o método de Olgyay é limitado em sua aplicabilidade, uma vez que a análise dos requerimentos fisiológicos está baseada apenas sobre o clima externo e não sobre o microclima projetado para o interior da edificação. A metodologia proposta por Givoni utiliza o Índice de Estresse Térmico para avaliar os requerimentos humanos para o conforto. Essa metodologia envolve os seguintes passos: análise do clima; opções para aquisição de condições internas para conforto em climas quentes; avaliação das variáveis climáticas na carta psicrométrica (XAVIER; LAMBERTS, 1999, s/p). 12 O clima global tem sido estudado extensivamente e numerosas classificações regionais foram criadas. Segundo Peel (2007, s/p.) 13, embora mais de 100 anos tenham decorrido, a classificação climática originalmente formulada pelo climatologista Wladimir Köppen 14, foi modificado por seus colaboradores e sucessores e está em uso generalizado, e, pregada por pesquisadores como base para a regionalização das variáveis climáticas para avaliar a produção de modelos do clima global (Figura A.06). 1- Zona de Conforto; 2- Zona de Ventilação; 3- Zona de Resfriamento Evaporativo; 4- Zona de Massa Térmica para Resfriamento; 5- Zona de Ar Condicionado; 6- Zona de Umidificação; 7- Zona de Massa Térmica e Aquecimento Solar Passivo; 8- Zona de Aquecimento Solar Passivo; 9- Zona de Aquecimento Artificial. Figura A.06 - Carta bioclimática de Givoni. Fonte: www.reitoria.uri.br/. Acesso 17 jan 2011 12 XAVIER, A. P., LAMBERTS, R. Proposta de zona de conforto térmico obtida a partir de estudos de campo em Florianópolis. Anais do V Encontro nacional de conforto do ambiente construído e II Encontro Latino-Americano de conforto do ambiente construído, Fortaleza, 1999. Disponível em: <www.ufpel.edu.br/faurb/prograu/documentos/artigo3-tecnologia.pdf>. Acesso em 22 jan 2011 13 PEEL, M., FINLAYSON, B., MCMAHON, T. Updated world map of the Köppen-Geiger climate classification. 2007. Disponível em: <//hal-sde.archives-ouvertes.fr/hal-00298818>. Acesso em 13 jan 2011. 14 KÖPPEN, Wladimir – Climatologista (Rússia, 1846 – Áustria, 1940). Conhecido por sua delimitação e mapeamento das regiões climáticas do mundo, desempenhou papel importante no desenvolvimento da ciência atmosférica. <//universalium.academic.ru/275143/K%C3%B6ppen,_Wladimir.> Acesso em 27 ago 2010. Fonte: 166 Para as questões arquitetônicas, essas categorias podem ser inicialmente agrupadas em quatro macrorregiões climáticas gerais. Estas regiões e seus problemas de design principais são: Subaquecimento solar é a questão principal. Rápida perda de Frio calor durante a maior parte do ano. Objetivo: maximizar o ganho de calor do sol e de fontes internas e minimizar a perda de calor. Temperado-Misto Existe uma variação sazonal entre subaquecimento solar e superaquecimento, porem não muito grave. Superaquecimento solar é o principal problema, porém como o ar é seco o resfriamento evaporativo é eficaz. Ocorre Quente-Seco diferença significativa entre as temperaturas diurna e noturna. Objetivo: Equilíbrio ganho de calor durante o dia com perda de calor noturno Superaquecimento solar é um problema, mas normalmente não tão grande quanto no Quente/Seco. A umidade aumenta Quente-Úmido o nível de desconforto e o resfriamento evaporativo é ineficaz. As diferenças entre as temperaturas diurna e noturna são pequenas. Objetivo: minimizar o ganho de calor e maximizar a dissipação de calor. Tabela A.02 – Nomenclatura e descrição das macrorregiões climáticas gerais. Figura A.07 - Mapa global das classificações climáticas utilizando o sistema de Köppen. Disponível em: <://www.blueplanetbiomes.org/climate.htm>. Acesso em 18 jan 2011. 167 Os primeiros passos do processo projetual incluem a identificação da zona climática regional, as condições climáticas locais e condições específicas do local. Com base nessas informações procede-se à implantação do edifício, à definição da forma e o método construtivo adequado. A fim de maximizar a eficácia, o processo projetual deve-se considerar e incorporar elementos sazonais (como regime de ventos, duração e severidade das estações) deste as primeiras fases. Do ponto de vista de conforto humano, a ventilação deve incluir a análise da distribuição do ar interior para os piores dois meses do ano. O fluxo de ar em torno dos edifícios é complexo e dependente da direção do vento e da geometria do edifício. Características tais como beirais, marquises, platibandas, construções vizinhas e paisagismo podem mudar o padrão de fluxo em torno de um edifício de forma significativa. Vários reforçam a importância de entender que nenhuma das partes é independente das outras. Cada parte deve ser considerada em conjunto com as demais sendo que, um projeto bem sucedido só se realiza mediante a incorporação de todos os parâmetros. 168 1 Apêndice 2 Luz do dia na arquitetura brasileira Filia-se a nova arquitetura, isto sim, nos seus exemplos mais característicos – cuja clareza e objetividade nada têm do misticismo nórdico – às mais puras tradições mediterrâneas, àquela mesma razão dos gregos e latinos, que procurou renascer no Quatrocento, para logo depois afundar sob os artifícios da maquilagem acadêmica – só agora ressurgido, com imprevisto e renovado vigor. E aqueles que, num futuro talvez não tão remoto como o nosso comodismo de privilegiados deseja, tiveram a ventura – ou o tédio – de viver dentro da nova ordem conquistada, estranharão, por certo, que se tenha pretendido opor criações de origem idêntica e negar valor plástico a tão claras afirmações de uma verdade comum. Porque, se as formas variam – o espírito ainda é o mesmo, e permanecem fundamentais, as mesmas leis. Lucio Costa 2 1 Pau a pique e aberturas IN Técnicas construtivas do período colonial – Foto Pedro Martinelli. Fonte: <coisasdaarquitetura.wordpress.com/category/arquitetura-colonial/>. Acesso em 12 dez 2011. 2 COSTA, Lucio. Razões da nova arquitetura. 1930. IN Lúcio Costa: Sobre a Arquitetura, volume 1 (coletânea de textos de Lúcio Costa, organização de Alberto Xavier), Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962. 169 Do período colonial ao moderno, a luminosidade aumentou nos espaços interiores da arquitetura brasileira. Nossa produção moderna caracterizou-se pela fusão dos princípios ortodoxos das vanguardas europeias, as posturas orgânicas americanas e os valores locais relacionados ao clima e à arquitetura vernácula. A arquitetura desenvolvida no Brasil a partir dos anos de 1930 representou um momento que foi além da simples adoção dos princípios estrangeiros - nossos arquitetos valeram-se de distintas estratégias e obtiveram certa dinâmica espacial, ora caracterizada pela expansão, ora pelo recolhimento. (BARNABÉ, 2008, s/p). Ao olhar para a história da arquitetura e das cidades, observamos que foi apenas por um período relativamente curto que as considerações sobre as premissas fundamentais de projeto com relação ao impacto nas condições de conforto ambiental e no consumo de energia não foram determinantes. A arquitetura modernista brasileira, especialmente durante o período de 1930 a 1960, mostrou características bioclimáticas, das quais se pode destacar o emprego de quebra-sóis e cobogós, amplamente adotados por arquitetos desse período. Entre os arquitetos brasileiros atuantes nessa época, Lúcio Costa, na medida em que ressaltou a importância da compreensão das condições climáticas foi um dos que cumpriu um papel exemplar na educação e na prática arquitetônica (GOLÇALVES; DUARTE, 2006, p.54). 3 Os principais traços da influência árabe na cultura dos países sul-americanos se fazem notar pela herança colonizadora de portugueses e espanhóis impregnados pelo sangue e pela cultura árabe resultante de séculos de dominação na Península Ibérica. Lúcio Costa pesquisou a presença dessa tradição na arquitetura colonial brasileira e, em particular, no chamado barroco mineiro. Em “Documentação Necessária”, texto escrito em 1938, que constitui uma espécie de programa de trabalho para o então recém-criado SPHAN, destaca a importância de se resgatar o valor cultural e a importância construtiva e climática de tais influências. Soluções construtivas tradicionais como os balcões fechados com a chamada treliça mineira são, por exemplo, testemunhos vivos dessa tradição. 3 GONÇALVES, Joana C. S.; DUARTE, Denise H. S. Arquitetura sustentável: uma integração entre ambiente, projeto e tecnologia em experiências de pesquisa, prática e ensino . Congresso, Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 6, n. 4, p. 51-81 out./dez. 2006. 170 A arquitetura mudéjar, tipicamente ibérica, caracteriza-se pela simbiose entre a arte árabe-muçulmana e elementos da arte europeia cristã. Os principais exemplos encontram-se no sul da Espanha - palácios da Alhambra e mesquitas de Córdoba e Toledo - mas também em Portugal, onde o mudéjar português caracteriza-se pelo revestimento mural de azulejos com motivos geométricos, solução de revestimento mais econômica e rápida em relação à pedra de cantaria. Uma decoração exuberante, com motivos abstratos e geométricos, arabescos, adornos em gesso e utilização de estuques, azulejos (do árabe az- zuléidj) e a própria tapeçaria, produzem edifícios públicos, religiosos e vivendas aclimatadas com plantas, flores, fontes, chafarizes, tanques e pomares, ao mesmo tempo em que pátios internos e gelosias nas janelas denunciam o recato e a busca de privacidade (TRUZZI, 2007, pp. 360-361). Em toda a América Latina, a distribuição dos espaços e muitas abóbodas de igrejas e de conventos refletem a arquitetura mudéjar, algumas já desaparecidas desde o século XIX. Segundo Comas (2002) a revolução na arquitetura brasileira dá-se na década de 1930 em correspondência aproximada com a ascensão ao poder de Vargas, a consolidação do regime e a formulação do Estado Novo e isto se dá em três atos. Ato 1. Exploratório – dura três anos, introduz no Rio de Janeiro a arquitetura moderna, em oposição ao tradicionalista neocolonial. Ato 2. Assimilador - outro triênio. Ocorre a apropriação da arquitetura moderna enquanto cresce a influência de Le Corbusier. Ato 3. Propositivo – concretiza-se com o apoio de setores chave do governo federal, orçamentos generosos, em locais de visibilidade e programas de forte carga representativa. Culmina no equacionamento de uma arquitetura moderna de veia corbusiana e sabor brasileiro. Segundo Lucio Costa, ao contrario do que ocorreu na maioria dos países no Brasil foram justamente os que lutaram pela abertura para o mundo moderno, os que mergulharam no país à procura de das suas raízes, da sua tradição. Em nota acrescentada por ele mesmo em 1991 ao seu texto de 1934 somos advertidos de que “depois de uma coisa vem outra; ser moderno é – conhecendo a fundo o passado – ser atual e prospectivo. Assim, cabe distinguir entre moderno e modernista, a fim de evitar designações inadequadas” (COSTA, 1991, p.116). No Brasil, devido à influência do edifício do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro (1936-1945), alinhado com os cinco pontos da nova arquitetura de Le Corbusier, entram em cena os elementos característicos para controle da iluminação e térmica: o brise-soleil, painéis móveis como persianas, treliças, 171 grades, toldos, cobogós ou elementos vazados, o pátio interno, a pérgula, a luz zenital controlada, entre outros (SZABÓ, 2004, p. 103). Lucio Costa ainda nos lembra que a arquitetura dita moderna, no Brasil e fora, resultou de um processo com raízes profundas e legitimas, “portanto nada a ver com certas obras de feição afetada e equivoca – estas sim modernistas”. Nos fala da coincidência, de uma concomitância, pois a indústria vidreira, depois de atender à demanda das cidades arrasadas pela da guerra, viu-se apta a atender as novas teorias arquitetônicas para quem a fachada suporte deixara de existir. “Ocorrera efetivamente um milagre: em vez da fachada tradicional – aonde cada vão representava uma violência à sua integridade estrutural – não se tratava mais de abrir buracos nos muros de sustentação”. Concluído o arcabouço do prédio a fachada se oferecia aberta, livre de qualquer comprometimento estrutural, tornou-se muito tentador não fechá-la com alvenaria, mas simplesmente dispor chapas de vidro plano na vedação, dramatizando o contraste - do lado de fora a intempérie, o sol escaldante e internamente o ambiente climatizado, a sensação de frescor e bem-estar. (COSTA, p.237) Figura B.03 - O ministério no traço de Lucio Costa. Fonte:<www.arcoweb.com.br/artigos/casa-grande-sobrados-ideia-convergente-10-10-2005.html> A principal justificativa das enormes áreas envidraçadas dos edifícios europeus e norteamericanos é - devido ao seu céu pouco luminoso – permitir a entrada da iluminação natural nos ambientes internos. Essas grandes áreas também beneficiam o conforto térmico, pela conversão em calor da radiação solar introduzida. O céu tropical é cheio de luz. Pequenas aberturas, protegidas da radiação solar direta, seriam suficientes para um bom nível de conforto visual. Os edifícios em clima tropical úmido devem ser permeáveis para permitir a 172 ventilação interna que beneficia o conforto térmico das pessoas. Um exemplo bem sucedido foi o obtido por Lucio Costa no Parque Guinle, ao utilizar blocos perfurados na fachada dos apartamentos - elementos formais que ao mesmo tempo em que contribuem para o controle solar, permitem o movimento do ar. (CORBELLA; YANNAS, 2003, pp.23-24). Nas três primeiras décadas do século XX, o clima cultural e político do Brasil, com forte componente nacionalista, atingiu também o debate arquitetônico do período. O processo de constituição da nação e as investigações sobre sua identidade foram gestados através das lutas pela Independência e pelos sentimentos antilusitanos dos dois séculos precedentes. O clima foi reforçado pelas preocupações acerca da identidade da jovem nação, dotada de grandes particularidades no cenário mundial: forte herança lusitana, africana e indígena e intensa miscigenação, sob um clima tropical e em um país de grandes dimensões territoriais. (CORREIA, p. 8) Quando ligado ao movimento neocolonial, na década de 1920, Lucio Costa pesquisou a arquitetura colonial, à qual se referia, em 1929, como: “robusta, forte, maciça e dotada de linhas calmas e tranquilas”. Trata-se de um conceito que provavelmente chegou à Costa através de Gilberto Freyre e de seu mentor da fase colonial, José Mariano. Costa lançou as bases do discurso da adaptação da arquitetura ao meio, como uma possibilidade que a arquitetura moderna, mais que qualquer outra, poderia realizar. Em textos teóricos e em projetos buscou evidenciar tal noção. (COSTA, 1962, 14-15) 4. Para Correia, a apresentação da arquitetura moderna brasileira por historiadores de arquitetura tem recorrentemente frisado a adaptabilidade ao meio entre suas qualidades. A autora afirma que a repetição do argumento acaba por sugerir um monopólio modernista sobre esta qualidade, quando a ideia de adaptabilidade da arquitetura ao clima dos trópicos esteve longe de ser um tema do debate arquitetônico restrito ao século XX, não constituindo uma preocupação específica de arquitetos modernistas. De falas anteriores ao modernismo, Correia traz uma frase de Gilberto Freyre, onde se percebe que a questão há muito se fazia presente: Foi talvez Debret quem primeiro fizesse justiça aos jesuítas portugueses que levantaram, num Brasil ainda rude e cheio de mato, edifícios 4 COSTA, Lúcio. Razões da nova arquitetura. In: Documentação Necessária. 1 volume. Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962. 173 urbanos nobres e até monumentais, importando para alguns, de Lisboa, materiais talhados e numerados, mas, em geral, respeitando judiciosamente as exigências do clima e dos materiais existentes no país. (Freyre, 1997, 225, apud CORREIA, p. 2) 5. Em seu texto Correia diz que no século XIX, a questão já preocupava Manuel de Araújo Porto Alegre, diretor e professor da Academia Real de Belas Artes do Rio de Janeiro que, refletindo sobre o ensino e a prática de arquitetura no país, indagava se as construções urbanas estariam em harmonia com o nosso clima e vida doméstica. Faz ainda referencia ao artigo “A Casa Tropical”, de 1927, do engenheiro pernambucano Alde Sampaio, ao sublinhar a necessidade de adaptação da habitação ao clima, definindo como princípios básicos a orientação, a proteção contra o sol e a garantia de ventilação. Figura B.04 - Desenho de Carlos Leão, para a primeira edição de Sobrados e mocambos, mostra a relação entre o grupo de Costa e Freyre. Fonte: <Fonte:<www.arcoweb.com.br/artigos/casagrande-sobrados-ideia-convergente-10-10-2005.html>, Acesso em 15 ago 2011. O tema da adaptação ao meio estaria na pauta no Primeiro Congresso de Habitação, realizado em São Paulo em maio de 1931, na conferência intitulada “A Arquitetura Mesológica” de José Marianno (médico e ex-diretor da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro) que defendia uma arquitetura que fosse 5 CORREIA, Telma de Barros. O modernismo e o núcleo fabril: o anteprojeto de Lúcio Costa para Monlevade. Anais do VI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. CD-ROM. Natal, UFRN, 2000. 174 “expressão do meio”, que se harmonize com hábitos e costumes; que empregasse materiais disponíveis e que fosse capaz de defender seus ocupantes dos rigores do clima. Mariano entende que no Brasil, as bases desta arquitetura estariam naquela praticada nos três primeiros séculos da colonização portuguesa, cujos construtores: Observaram sensatamente o meio físico; reconheceram os elementos que precisavam combater; puseram em linha de combate os meios rudimentares de que podiam dispor no momento, para lhes anular os desagradáveis efeitos. À mingua de uma tradição local, fizemos apelo à experiência caldeada ao contato das civilizações orientais. Contra a ação direta do sol, se fizeram paredes espessas de pedra canjicada, tijolo, taipa, ou adobe, de acordo com os recursos regionais. Calcularam os telhados com suave inclinação, para que sobre eles deslizassem as abundantes águas pluviais. Fizeram os longos beirais cobrir de sombra o espelho das paredes; protegeram o corpo da habitação com peças de anteparo à ação do sol, como alpendres, copiares, loggias, ou pórticos. Utilizaram-se por fim da árvore, como a sua mais preciosa aliada. Dispuseram balcões, janelas e miradores rendados em adufa, à moda do Islam. Procederam assim nos grandes como nos pequenos detalhes do sistema, como consumados arquitetos. (MARIANNO, 1931, 317, Apud CORREIA p.4). Em textos dos anos trinta de Gilberto Freyre e Lucio Costa, nossas casas coloniais - com suas paredes grossas, pés direitos altos, beirais, alpendres e muxarabis - têm sido sistematicamente celebradas como climaticamente adequadas. Para Gilberto Freyre nossa arquitetura doméstica colonial foi testemunho de um “espírito de harmonia da construção com o clima, o meio e os materiais peculiares a esta parte da América [...]” (FREYRE, 1997, p. 225 apud CORREIA, op. cit.). Mostra como na habitação, os portugueses usaram em algumas situações a coberta de palha dos índios, dos quais também absolveram a rede; dos árabes recuperaram o hábito de sentar em tapetes e esteiras, o azulejo e as gelosias; dos asiáticos a parede grossa, o alpendre e a telha recurvada em asas de pombo (FREYRE, 1989). A casa-grande de engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, a levantar no Brasil - grossas paredes de taipa ou pedra e cal, coberta de palha ou de telha-vã, alpendre na frente e dos lados, telhados caídos num máximo de proteção contra o sol e as chuvas tropicais - não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas, mas uma expressão nova, correspondendo ao nosso ambiente físico e a uma fase 175 surpreendente, inesperada, do imperialismo português: sua atividade agrária e sedentária nos trópicos; seu patriarcalismo rural e escravocrata. (FREYRE, 1989, apud CORREIA, p. 5). Em 1931, no artigo “Uma escola viva de Belas-Artes”, Costa faz referências elogiosas à nossa arquitetura residencial colonial, onde a coloca como pura honesta e dotada de uma relação de integridade entre as técnicas construtivas empregadas e a expressão formal. Afirma ter se inspirado na Bahia, no Recife e em Minas, na sua opção por uma arquitetura contemporânea e coerente com nossos materiais, costumes e meios de realização (COSTA, 1987, 47-48). Após 1933, entretanto, estes elogios incorporariam novos argumentos inspirados em Freyre. Em Documentação Necessária - citando diretamente o sociólogo - à pureza e despretensão, é acrescida outra qualidade à nossa arquitetura residencial colonial: ser adaptada ao meio (COSTA, 1962, 86-87). Simultaneamente a palavra “elasticidade” - no sentido empregado por Freyre para “plasticidade” - é incorporada ao discurso de Costa (COSTA, 1936, 29 e 72). As notórias influências do pensamento de Gilberto Freyre sobre Lucio Costa expressam-se em diferentes aspectos, entre os quais a abordagem do arquiteto sobre a relação entre modernidade e tradição na arquitetura brasileira. Os vínculos intelectuais entre Lúcio Costa e Gilberto Freyre evidenciam-se várias vezes nas obras de ambos. No prefácio da primeira edição de Casa Grande e Senzala, de 1933, Freyre cita trecho do artigo de Costa “O Aleijadinho e a arquitetura tradicional”, de 1929, onde este descreve suas impressões dos casarões antigos de Sabará, Ouro Preto e Mariana em termos de um reencontro. Freyre recorre a esta citação ao sugerir a história da casa como um ponto de partida importante para se entender a história de um povo, de sua vida doméstica, religiosa, social, etc. Lúcio Costa por sua vez, cita Freyre no artigo “Documentação necessária”, de 1937, ao apontar entre as qualidades de nossa arquitetura residencial colonial, sua adaptação ao meio (COSTA, 1962, 87). A leitura de nossa arquitetura colonial enquanto resultado do meio ocorreria depois em obras de autores como Mindlin, Saia e Lemos, por exemplo, entretanto, sem a ênfase na noção de adaptabilidade colocada por Costa. Embora sem fazer qualquer referência direta a Gilberto Freyre, o anteprojeto de Monlevade - concebido pouco depois da publicação de Casa Grande e Senzala é talvez o momento da obra de Lúcio Costa onde se revela com mais força o impacto deste livro. Sua ideia de “delineamento elástico” aproxima-se da noção 176 de “plasticidade”, central no pensamento de Freyre. A mistura de técnicas construtivas artesanais e modernas é outra expressão desta busca de estabelecer elos entre o novo e o tradicional, entre o local e o internacional, central nas qualidades atribuídas por Freyre ao conceito de “plasticidade”. No anteprojeto de Monlevade - concebido por Lúcio Costa para concurso promovido em 1934 pela siderúrgica Belgo-Mineira - três requisitos básicos foram indicados como norteadores do plano: reduzir ao mínimo os movimentos de terra, prejudicar o menos possível a beleza natural do lugar e evitar “delineamentos rígidos ou pouco maleáveis, procurando, pelo contrário, aquele delineamento que se apresentasse como mais elástico, tornando assim fácil a sua adaptação conveniente às particularidades topográficas locais” (COSTA, 1936, 115). No plano, o “delineamento elástico” postulado por Costa se expressou em um projeto pouco detalhado, onde um largo central concentrava os equipamentos coletivos, enquanto as casas, dispostas duas a duas, ocupavam encostas em ruas irregulares, dotadas, conforme o autor da “feição despretensiosa peculiar às estradas” (COSTA, 1936, 117). No projeto das moradias tal delineamento se expressou no uso de pilotis que permitia pousar a casa sobre um solo em declive sem maiores obras de terraplanagem. Coerente com seu intuito de conciliar técnicas novas e tradicionais, este também tributário da noção de plasticidade de Freyre, Lúcio Costa propõe reunir nas casas concreto armado e taipa; telhas de fibrocimento e forros de taquara. Sobre a laje apoiada nos pilotis, o arquiteto propõe paredes de taipa, adequadas pela leveza e economia e por isoladas do solo, estarem livres de seu maior inconveniente, a umidade. Na escola e nas casas sugere o uso de forros de taquara, material artesanal e local, sob telhas Eternit, na época importadas da Bélgica, justificadas pela leveza, durabilidade e qualidades térmicas. A noção de adaptabilidade ao meio inspiraria outros projetos modernistas desde então. Foi recuperada, em meados da década de 1950, pelos arquitetos Jacques Pilon e Giancarlo Gasperini no projeto de uma indústria e de seu núcleo residencial elaborado para a fábrica Mecânica Pesada, no município de Taubaté. O projeto inclui casas para operários, técnicos, 8 engenheiros e diretor, área para esportes, centro social e comercial, casa de hóspedes, igreja, escola, clube, residência do diretor, refeitório e ambulatório. As moradias e áreas verdes foram dispostas em torno da área de produção. Quatro tipos de moradias - todas térreas - foram projetados: uma casa para o diretor; 16 casas geminadas duas a 177 duas para engenheiros; 32 casas dispostas em blocos de quatro para técnicos e 276 moradias dispostas em blocos de oito para operárias. As moradias dos operários - separadas das demais habitações por uma área ocupada por igreja, escola e centro comercial e social - são dispostas em blocos de oito e têm jardim, quintal, varanda, sala, dois quartos, cozinha, sanitário e lavanderia. Em 1937, uma matéria na revista Habitat enfatiza a “elasticidade” e “adaptabilidade” que teriam norteado o projeto destas moradias: A planta (...) possui uma elasticidade, longamente estudada a partir da célula-tipo, a qual poderá restringir-se a um só dormitório, ou desdobrarse em habitações de três dormitórios, tudo dependendo das solicitações, das necessidades familiares que se fossem deparando. Esse aspecto de elasticidade da célula-tipo constitui um dos objetivos da organização adotada. Sua adaptabilidade fica demonstrada de uma forma inteiramente nova em conjuntos semelhantes, indo ao encontro das demandas diversas de habitação, numa constante possibilidade de atendimento às diferentes situações familiares do pessoal operário. (Habitat, 1956, 7). Na realidade, esta elasticidade é bastante limitada: construído o bloco de oito casas, a criação de um terceiro quarto só seria possível nas duas casas situadas nas extremidades. Em 1888, o escritor e crítico literário cearense Araripe Junior, conciliando uma cultura filosófica determinista, na qual o conceito de meio era central, com um forte sentimento popular-nacionalista, Investigavam-se as características do naturalismo brasileiro em termos da emergência de um estilo tropical. Sugeria a existência de um fenômeno que chama de “obnubilação”, que provocaria adaptações e transformações nos indivíduos diante do contato com a paisagem, o clima e os modos de vida tropicais: [...] a reação do meio físico, a influência catalítica da terra, as depressões e modificações do clima tropical, a solidariedade imposta pelas condições da vida crioula com a flora, com a fauna, com a meteorologia da nova região, são outras tantas influências que estão a invadir sorrateiramente estrangeiros e brasileiros. (ARARIPE JÚNIOR, 1978, 124). Para o autor, os efeitos deste meio sobre o homem e sua produção literária são profundos: 178 Há horas do dia em que o brasileiro, ou o habitante de cidades como o Rio de Janeiro, é um homem envenenado pelo ambiente. A falta de tensão do oxigênio tortura-o desmesuradamente; sua respiração ofega, e a imaginação delira numa deliciosa insensatez equatorial. [...] O tropical não pode ser correto. A correção é fruto da paciência e dos países frios; nos países quentes, a atenção é intermitente (ARARIPE JÚNIOR, 1978, 125-126). Tais circunstâncias, para Araripe Júnior, aliadas ao “pensamento de autonomia que ferve em todas as cabeças” (ARARIPE JÚNIOR, 1978, 128), seriam promissoras. Permitiriam que numa sociedade que nasce, cresce e se aparelha – em oposição a uma suposta decadência, cansaço e exaustão que identifica na Europa – se desenvolvesse um estilo literário salutar e frutificante. Para o autor, este estilo tropical – que teria sua maior expressão em Aluísio Azevedo, em cujas páginas encontram-se audácias e “todo o luxuriante tropicalismo” (ARARIPE JÚNIOR, 1978, 126) - seria resultado de uma junção da “obnubilação” com influências de Zola. Esta tendência de valorização do nacional – em contraponto inclusive ao europeu – teve prosseguimento no século XX, reforçada pelo contexto da Primeira Guerra. Conforme salienta Nicolau Shevchenko, na Europa desencadeou-se no primeiro pós-guerra um movimento de valorização da natureza e de culturas primitivas, associado ao questionamento dos valores de uma civilização que tinha conduzido aos horrores da Guerra. No Brasil, este sentimento reforçou atitudes nativistas, o interesse pelas nossas raízes e a valorização da cultura popular (SHEVCHENKO, 1992). Neste contexto, a arquitetura colonial converte-se em objeto de grande interesse: pesquisas são empreendidas para melhor conhecê-la; enquanto suas qualidades são celebradas e tornam-se fonte de inspiração para a arquitetura da época. Na arquitetura a busca de raízes nacionais converteu-se no século XIX em uma preocupação em vários países do Ocidente. Em países europeus associou-se à difusão do neogótico e ao revival da arquitetura doméstica do passado. Em países americanos associou-se à difusão do neocolonial. A partir da década de 1910, sobretudo, em vários países do continente – como Estados Unidos, Argentina, México e Peru - se desenvolve uma arquitetura que revaloriza o colonial, em contraposição a influência europeia neoclássica e eclética. No Brasil, o neocolonial começa a se difundir durante a Primeira Guerra Mundial, no âmbito de um movimento nacionalista que procurava expurgar nossa arquitetura das influências externas e buscar expressões genuinamente 179 nacionais. Empenha-se na busca por uma expressão arquitetônica da identidade brasileira, lançando mão de várias estratégias nesse sentido. Empreende-se uma campanha intelectual através de artigos e conferências de intelectuais como o médico José Mariano, o arquiteto e engenheiro português Ricardo Severo e o professor da ENBA Araújo Vianna, onde se enfatiza as qualidades de nossa arquitetura colonial e se lamente sua descaracterização Em 1914, Ricardo Severo investia contra as inovações arquitetônicas do século XIX, que qualificava de idade da moda e dos pastiches. Um grande esforço de caráter documental visando criar parâmetros para o estilo neocolonial foi realizado. Neste esforço, situa-se a iniciativa de José Mariano de patrocinar em 1924 viagens de pesquisa a Nereu de Sampaio, Nestor de Figueiredo e Lucio Costa para cidades históricas de Minas Gerais com a finalidade de fazerem registros de elementos da arquitetura colonial. No seu empenho de estimular a consolidação de uma arquitetura brasileira inspirada na tradicional, influenciando o poder público e atraindo arquitetos, José Mariano promove na década de 1920 concursos de projetos. Nestes concursos de casas, mobiliário e elementos arquitetônicos interessa a tradução de formas e motivos do passado colonial para as necessidades contemporâneas. O movimento neocolonial teve muita força no país, sobretudo, na década de 1920: atraiu profissionais talentosos como Ângelo Bruhns, Lucio Costa e Victor Dubrugas; contou com a simpatia de intelectuais influentes como José Mariano e Monteiro Lobato; teve o apoio de 11 administradores públicos importantes como o prefeito e depois governador de São Paulo Washington Luis e o prefeito do Rio de Janeiro Carlos Sampaio. Também esteve presente em dois dos mais importantes eventos culturais do país na década: a Exposição do Centenário da Independência de 1922 no Rio de Janeiro – em seis das 14 edificações oficiais do Governo Brasileiro e no pavilhão de Portugal e na sua versão hispânica nos pavilhões do México e dos EUA - e a Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo – onde a seção de arquitetura apresentou o projeto de Georg Przyrembel de uma residência de veraneio com projeto de inspiração neocolonial. Lucio Costa foi um dos principais expoentes do neocolonial no Brasil: foi contemplado com viagem de pesquisa para Minas Gerais; foi vencedor de concurso promovido por José Mariano e do concurso público para o Pavilhão do Brasil na Exposição de Filadélfia; e projetou casas neocoloniais até 1930. Ao romper com o neocolonial, avaliava que o estilo teria sido positivo por despertar o interesse no passado, porém, prejudicial por se restringir ao aproveitamento ornamental da arquitetura colonial. Assim, situa o neocolonial no 180 âmbito do ecletismo. Como não é raro ocorrer no campo da arquitetura, a nova opção projetual não se divorcia do discurso acatado. Ao contrário, Lucio Costa recupera muito do discurso justificativo do neocolonial, como base justificativa para a arquitetura moderna brasileira. Desloca da neocolonial para a arquitetura moderna, a herança da boa tradição colonial. Argumenta que, ao voltar-se contra o ecletismo – onde incluía o neocolonial – esta retomava a funcionalidade que vinha da colônia e que havia sido interrompida no século XIX. A noção de adaptabilidade da arquitetura ao meio no Brasil foi uma estratégia discursiva importante na disputa com os adeptos do neocolonial. A força da tese do resgate da tradição colonial e provavelmente também uma crença genuína nesta tese impossibilitaram descartá-la em nome de uma arquitetura que se pretendia colocar-se acima de contingências locais, para refletir as demandas do mundo contemporâneo industrial. Neste contexto, enquanto alguns arquitetos simpatizantes do “estilo internacional” – como Rino Levi e Warchavichik nos seus artigos publicados em 1925 - adotam um discurso justificativo baseado nas ideias de praticidade, economia e comodidade, Lucio Costa procura enfocar a arquitetura moderna 12 sob um viés particular, situando-a como expressão de adaptação ao meio. Tal discurso não só haveria de se tornar hegemônico, como provavelmente teve influências na própria produção de arquitetura. Seja como preocupação genuína ou como forma de legitimar a ação projetual, julgamos que esta noção teve impactos profundos na prática de alguns dos mais reconhecidos arquitetos modernistas nacionais. Ao longo do século XX, o discurso da adaptação ao meio nunca perdeu sua força como norteador e legitimador de opções projetuais. Deve-se ressaltar que esforços para produzir uma arquitetura moderna adequada às condições climáticas locais, nem sempre estiveram articulados a esta estratégia discursiva. Há casos nos quais se anteciparam à difusão dos textos de Lucio Costa sobre o tema. Na segunda metade da década de 1930, por exemplo, os projetos de prédios institucionais do arquiteto Luiz Nunes em Pernambuco, fizeram amplo uso do combogó, compondo com o elemento extensas superfícies que funcionavam como brise-soleils e garantiam permanente ventilação dos interiores. Paulatinamente, entretanto, o argumento da adaptabilidade da arquitetura ao meio foi recebendo ênfase no debate modernista. Entre nós, mais que a beleza das formas e o diálogo com a paisagem, a arquitetura se legitimou pela busca de soluções originais de expressão das condições locais, sejam elas climáticas ou socioeconômicas. 181 No Brasil, na segunda metade do século XX, dois caminhos básicos marcaram as posições da grande maioria dos arquitetos consagrados. Um destes caminhos – o mais usual – seguia na busca de soluções inovadoras de adequação ao clima, como foi o caso da obra de Oswaldo Bratke no Amapá, de Armando Holanda em Pernambuco e de Severiano Porto no Amazonas, por exemplo. Um exemplo emblemático na busca de soluções inovadoras de adequação ao clima foi os projetos de Serra do Navio e Vila Amazonas, realizados a partir de 1955, pelo escritório do arquiteto Oswaldo Bratke. Vários autores - como Flávio e Marta Farah, José Fleury de Oliveira, Benjamim Ribeiro e Hugo Segawa - ao analisarem os planos urbanísticos e os projetos arquitetônicos destes dois assentamentos para trabalhadores da Icomi, têm enfatizado as soluções empregadas visando obter resultados satisfatórios em termos de conforto ambiental. As construções foram projetadas com paredes em blocos de concreto, telhas de fibrocimento e foros de madeira. Madeiras da região foram utilizadas em pisos, esquadrias e estruturas. A busca de adequação ao clima quente e úmido da região determinou uma série 13 de soluções projetuais. Nas casas revelam-se nos amplos beirais (com até 1,5 m de largura), nas venezianas móveis ou fixas de madeira, nos elementos vazados, nos terraços e nas paredes internas descoladas do teto. Para se avaliar a importância conferida aos beirais, em alguns modelos de casas, a área por eles ocupada corresponde a perto de metade da área construída. Caixilhos de vidro foram abolidos. Para proteger os usuários dos rigores do clima, galerias cobertas interligam os blocos dos prédios de uso coletivo. Um segundo caminho - mais raro, mas igualmente valorizado – investe no uso inovador de técnicas tradicionais - como fez Lucio Costa em Monlevade e a equipe chefiada por Acácio Gil Borsoi em Cajueiro Seco – ou de meios técnicos disponíveis, como foi o caso da obra de Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre. Na obra dos arquitetos do grupo chamado Arquitetura Nova - Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre - a adaptabilidade às condições locais foi conduzida pela busca de soluções que denunciem, exibam e contornem deficiências técnicas, dificuldades econômicas e 14 contradições sociais vinculadas à construção habitacional. Trata-se de uma arquitetura baseada numa poética da economia, que assume a “precariedade” dos materiais simples, das técnicas baratas e populares e da mão-de-obra pouco qualificada (FIORI, 2002, 68-71). 182 Na ausência de uma produção industrial em larga escala de componentes da construção, projetos de casas burguesas funcionam como laboratórios, onde técnicas tradicionais foram aperfeiçoadas em soluções econômicas e inovadoras. O desprezo por acabamentos requintados é solidário com a busca de economia, com a intenção de reduzir a construção ao essencial e com o empenho em assumir a “precariedade”. Neste caso, a intenção de adaptação dáse conciliando o projeto arquitetônico com técnicas populares reelaboradas e destituídas de acabamentos julgados dispensáveis, resultando numa arquitetura sóbria e que procura refletir a industrialização tardia e as carências materiais do país. As fórmulas da mistura de materiais novos e tradicionais - como a taipa e o concreto armado em Monlevade - ou do emprego de uma solução original para contornar uma dificuldade técnica, decorrente do estágio de desenvolvimento de nossa indústria, têm revelado grande poder de sedução. Parecem trazer para o campo da arquitetura a arte do improviso e o dom da criatividade, que alguns vêm como parte da identidade nacional e que tantas vezes são celebrados no nosso futebol. Enfim, parecem evidenciar a existência do famoso “jeito brasileiro”, um modo de superar adversidades técnicas, sociais e ambientais, de driblar empecilhos. Um “jeito” que nos colocaria como herdeiros legítimos dos portugueses plásticos que Freyre identificava no início da colonização. É inegável o apelo que uma solução técnica original exerce sobre nós, quando é capaz de aparecer como expressão genuína de condições locais e de uma forma peculiar de driblar contingências desfavoráveis ambientais ou socioeconômicas. Entre nós, no campo da arquitetura, este apelo parece ter sido sempre superior àquele puramente estético, decorrente da beleza das formas ou do diálogo peculiar delas com a paisagem. A obra de Oscar Niemeyer – com sua ênfase plástica e suas soluções técnicas não experimentais e pouco econômicas – foge a esta atitude e ao modelo de sucesso por ela consagrado. E isto talvez ajude a explicar certo incômodo que provoca. Especialmente porque esta obra foi durante a segunda metade do século XX a “cara” da arquitetura brasileira no exterior e no imaginário de grande parte da população nacional.