A Comunicação Alternativa no Cinema Valéria de Oliveira Thiers fevereiro/2007 ! Resumo: Os meios de comunicação têm um papel importante na socialização e influenciam na construção de significados, por criar e modelar muitas das nossas atitudes, valores, comportamentos e percepções da realidade social. Como as pessoas, geralmente, não interagem com aquelas que têm algum tipo de deficiência, então, parte do seu conhecimento é construído a partir do que vêem na televisão e nos filmes, ou no que ouvem falar. O presente estudo pretendeu verificar de que forma o ambiente acadêmico tem abordado a relação cinema e emprego dos Sistemas de Comunicação Alternativa (SCA). A pesquisa se justifica pela preocupação com a formação dos profissionais de avaliação/ intervenção em SCA; e pela possibilidade de emprego dos filmes para a sensibilização das pessoas, em geral, com relação aos usuários de um SCA. Foram realizadas buscas sistemáticas de artigos e documentos que relacionassem os termos comunicação alternativa e cinema, a partir da busca aos registros PsycINFO e MEDLINE. E, também, buscas em páginas eletrônicas que contemplassem esse mesmo conteúdo. Resultados evidenciam que apesar do reconhecimento da mídia como forma importante de divulgação de informações sobre os distúrbios comunicativos e as formas de comunicação alternativas, estes instrumentais são ou pouco empregados ou pouco relatados na literatura. ! Unitermos: comunicação alternativa, cinema, base de dados ! A Comunicação Alternativa no Cinema ! “Se uma pessoa não pode se mover, não pode ver, não pode falar, como é que podemos saber o que se passa em sua alma”. Pergunta Augusto Odone no filme “O óleo de Lorenzo”, a história verdadeira de um menino que é diagnosticado, aos seis anos de idade, com adrenoleucodistrofia (ALD), um distúrbio degenerativo raro e grave. ! Os meios de comunicação têm um papel importante na socialização e influenciam na construção de significados. Eles criam e modelam muitas das nossas atitudes, valores, comportamentos e percepções da realidade social 1. Uma vez que as imagens veiculadas tendem a afetar a forma como as pessoas interagem 2, 3, 4, e que a maioria das pessoas não conhecem, têm pouco ou nenhum contato com as deficiências 1 pode-se supor que a forma como as deficiências e as necessidades especiais são retratadas na mídia tendam a influenciar o julgamento de seus pares. ! Como as pessoas, em geral, não interagem com aquelas que têm algum tipo de deficiência, então, parte do seu conhecimento acaba sendo construído a partir do que vêem na televisão e nos filmes, ou no que ouvem falar sobre... E, infelizmente estas imagens são predominantemente enviesadas, baseadas em superstições, mitos e crenças de idos tempos 5 e reforçam a malha de mitos, medos e confusões que a sociedade associa a eles 4. ! O problema é que os meios de comunicação continuam a reproduzir os estereótipos de que as pessoas com deficiência são: dignas de pena; objetos de violência; sinistras ou demoníacas; extraordinárias (“super poderosas”); objeto de ridículo; dependentes; assexuadas; incapazes de participar da vida comunitária; e “normais” 5, 6. Os estereótipos, por sua vez, podem levar a discriminação por despersonalizarem aqueles que estão sendo representados. ! Acrescente-se a isso uma produção acadêmica reduzida sobre o tema deficiência e já temos quase todos os ingredientes para uma sopa de confusões. Um levantamento de Dissertações e Teses defendidas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e no Instituto de Psicologia USP para o período entre 1969 e 1995, sobre o tema deficiência, e conseguiu compilar 144 produções 7. ! Este montante, como diz a própria autora, mostra que “O tema deficiência tem sido, historicamente, se não tabu, de fato pouco explorado no âmbito acadêmico...” (1996, p.vi). Daquelas produções 10%, isto é 14, foram agrupadas sob o conjunto deficiência auditiva/ distúrbios de comunicação, sendo que somente uma falava sobre comunicação alternativa 8. ! O presente estudo pretende explorar, mais especificamente, de que forma o ambiente acadêmico tem abordado a relação cinema e emprego dos Sistemas de Comunicação Alternativa (SCA). A pesquisa se justifica por duas preocupações: primeiro, com a formação dos profissionais de avaliação/ intervenção em SCA; e segundo, com a possibilidade de emprego dos filmes para a sensibilização das pessoas, em geral, com relação aos usuários de um SCA. ! Para tanto, foram realizadas buscas sistemáticas de artigos e/ou documentos que relacionassem os termos comunicação alternativa e cinema (ou filmes), a partir da base de dados do Portal Periódicos CAPES (restringindo a busca aos registros PsycINFO e MEDLINE). Foram, também, realizadas buscas em páginas eletrônicas que contemplassem o conteúdo filmes (sobre deficiências) e comunicação alternativa. ! Método ! Como exposto, a pesquisa tem o caráter exploratório, com procedimento de pesquisa bibliográfica e documental 9. Com relação às bases de dados empregadas: o Portal Periódicos CAPES (http:// www.periodicos.capes.gov.br) permite o acesso aos textos completos de artigos de mais de 2000 revistas, nacionais e estrangeiras, e a treze bases de dados com referências e resumos de documentos em todas as áreas do conhecimento. A busca dos artigos restringiu-se aos domínios PsycINFO e MEDLINE. ! A PsycINFO foi desenvolvida pela American Psychological Association – APA (http:// www.apa.org/psycinfo/), e reúne uma base de dados de resumos sobre a literatura publicada na área da Psicologia e campos correlacionados desde 1887 até o presente. Cobre cerca de 1300 periódicos em 25 línguas diferentes. Ambas as bases PsycINFO e CAPES têm acesso regulamentado. ! MEDLINE é o principal catálogo de dados desenvolvido pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (http://www.nlm.nih.gov) e cobre os campos da Medicina e das áreas da Saúde, com resumos e publicações de periódicos de 70 países, datados desde 1960 e que contemplam hoje mais de 11 milhões de citações, incluindo cerca de 130.000 periódicos. ! Para além destas bases, foram consultados sites especializados em filmes sobre deficiência (www.disabilityfilms.co.uk e www.ldaf.net [London Disability Arts Forum]) ou com links específicos para este tópico (www.allmovie.com, www.imdb.com [Internet Movie Database], www.movies.net e www.cinematherapy.com). ! Resultados ! Um pouco diferente da época em que escrevia a professora Amaral 7, o tema deficiência está presente em um número respeitável de publicações hoje (ver dados sobre “disabilities” nas Tabelas 1 e 2). Todavia, agrupam-se sobre este termo populações muito heterogêneas, e uma busca direcionada para os termos “Distúrbios de linguagem” e “Comunicação alternativa” promovem uma queda acentuada de referências. ! A Tabela 1 ilustra que para as 29 mil produções sobre deficiência (somatório dos artigos arrolados no PsycINFO e na MEDLINE, para a última década), existem 3.700 produções sobre distúrbios de linguagem e 370, sobre comunicação alternativa. Restringindo a busca para as publicações deste ano (Tabela 2), ainda assim se observam a mesma desproporcionalidade entre os três termos. ! Tabela 1. Freqüência de publicações obtidas nas bases PsycINFO e MEDLINE, durante a última década, para os termos descritores expostos. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! Não foram encontradas referências que apresentassem os termos comunicação alternativa E cinema e/ou filmes (procurados pelas expressões Films e Movies). E isso não pode ser explicado nem pela falta de interesse acadêmico no tema cinema, posto que há publicações (ver dados sobre Films, Movies e Cinema nas Tabelas 1 e 2), e nem pela ausência de publicações em Comunicação alternativa. Como mencionado anteriormente, as publicações existem. ! Tabela 2. Freqüência de publicações obtidas nas bases PsycINFO e MEDLINE, em 2003, restrito aos termos descritores encontrados na última década. ! ! [*] Ambos os descritores foram codificados como MOTION PICTURES, portanto as referências são as mesmas. A propósito do interesse acadêmico sobre o tema Comunicação alternativa e Cinema, já existem disciplinas em graduação e pós-graduação que discutem e empregam os filmes comerciais como parte do conteúdo didático para explicitar os distúrbios comunicativos. Para citar apenas cinco, serão listados ordenadamente os nomes da disciplina, o nome da universidade que a oferece e o endereço onde estão disponíveis os conteúdos dos cursos: ! Survey of Communication Disorder, University of North Dakota in Grand Forks, http:// www.und.edu/dept/ehd/ncate/dept_syllabi/CSD/pdf/CSD232.pdf ; Special Topics in Psychology and Exceptionalities, Indiana University/ Purdue University http:// www.ipfw.edu/edst/F500edpsy.PDF ; Developmental Syndrom Disorders, Eastern Illinois University http://www.eiu.edu/~eiucgs/ agenda03_10.pdf ; Education of exceptional children, Tennessee State University http://www.tnstate.edu/educ/ Teaching&Learning/Blanche_Glimps/Syllabi/edse333sec1_Glimps.pdf ; Impact of Communication Deficits: Adjusting to cultural demands, Eastern Illlinois University http://www.eiu.edu/~eiucaa/elibrary/EIU4157G.pdf . Discussão ! Causa muita estranheza o fato de sabermos da importância que os meios de comunicação têm sobre a formação de atitudes, valores e percepções e, a despeito disso, não nos aproveitarmos desta mesma mídia para divulgar informações sobre os distúrbios comunicativos e as formas de comunicação alternativas e suplementares. Em fato, já existem no mercado vídeos com caráter formativo (por exemplo, “In Other Words” produzido e comercializado pela International Society of Augmentative and Alternative Communication, e várias outras indicações, para formação, produzidas pela American Speech-Language-Hearing Association). ! Também existem vídeos comerciais, muitos deles disponíveis para locação ou em trechos disponibilizados na Web, com conteúdo claramente relacionados ao emprego de comunicação alternativa. Pode-se, por exemplo, agrupar os filmes existentes a partir do tipo de deficiência exibida, uma vez que a população usuária de sistemas de comunicação alternativa é bastante heterogênea e contempla tanto aqueles que nunca chegaram a desenvolver a fala (como alguns casos de paralisia cerebral, retardo mental profundo e deficiência auditiva), quanto aqueles que a desenvolveram e a perderam (como no caso de certas doenças neuro-degenerativas, acometimentos do SNC e eventos cirúrgicos). ! Uma segunda forma de agrupar os filmes seria por meio da consideração dos símbolos empregados (sinais, gestos, expressões faciais, sistemas pictográficos ou sistemas lingüísticos); uma terceira maneira poderia ser a classificação a partir da escolha (sistema alternativo x aumentativo, temporário x permanente, baixa tecnologia x alta tecnologia). Como os agrupamentos ou classificações são recortes, diversas outras maneiras ainda poderiam ser empregadas para apresentar os filmes. O mais importante é que os filmes possam ser empregados como recursos de formação e divulgação. Para fins ilustrativos, podemos empregar o primeiro tipo de agrupamento proposto e passar a rever estes filmes com outros olhos: ! Afasia: Lendas da Paixão 10; Autismo: Nell 11; Doença neuro-degenerativa: O óleo de Lorenzo 12; Esclerose Lateral Amiotrófica: Uma breve história do tempo 13; Paralisia Cerebral: Gaby, uma história verdadeira 14 e Meu pé esquerdo 15; Surdez e cegueira: O milagre de Anne Sullivan 16; Surdez: Mr. Holland´s Opus 17 e O Piano 18. ! Boa sessão! ! Referências: ! Harris L. Disabled Sex and the Movies. Disability Studies Quarterly 2002; 22(4): 144-62. Bandura A, Huston AC. Identification as a process of incidental learning. Journal of Abnormal and Social Psychology 1961; 63: 311-18. Bandura A, Ross D, Ross SA. Imitation of film-mediated aggressive models. Journal of Abnormal and Social Psychology 1963; 66: 3-11. Hardin B, Hardin M, Lynn S, Walsdorf K. Missing in action? Images of disability in sports illustrated for kids. Disability Studies Quarterly 2001; 21(2): 21 - 33. Barnes C. Disabling Imagery and the media: An exploration of the principles for media representations of disabled people. Halifax: British Council of Organisations of Disabled People (BCODP) and Ryburn Publishing Limited; 1992. Hume J. Media Guidelines for Disability. Newcastle: Disability Council of NSW, Official Advisor to the NSW Government; 2003. Amaral LA. Tirando a deficiência da estante: Bibliografia analítica de dissertações e teses defendidas na FFLCH e no Instituto de Psicologia da USP, 1969-1995. São Paulo: Serviço de Biblioteca e Documentação do IPUSP; 1996. Thiers VO. Comunicação alternativa em paralisia cerebral: avaliação de iconicidade de símbolos picto-ideográficos e de variáveis que controlam a busca de símbolos Bliss em tabuleiros de comunicação. [Dissertação/Tese] São Paulo: Universidade de São Paulo; 1995. Santos AR. Metodologia científica: A construção do conhecimento. Rio de Janeiro: DP & A Editora; 2002. Lendas da Paixão. Dirigido por Edward Zwick, 134 minutos; 1995. Nell. Dirigido por Micheal Apted, 114 minutos; 1994. O Óleo de Lorenzo. Dirigido por George Miller, 135 minutos; 1992. Uma breve história do tempo. Dirigido por Errol Morris, 84 minutos; 1992. Gaby, uma história verdadeira. Dirigido por Luis Mandoki, 110 minutos; 1987. Meu pé esquerdo. Dirigido por Jim Sheridan, 103 minutos; 1989. O Milagre de Anne Sullivan. Dirigido por Paul Aaron, 100 minutos; 1979. Mr. Holland´s Opus. Dirigido por Stephen Herek, 142 minutos; 1995. O Piano. Dirigido por Jane Campion, 120 minutos; 1993. ! ! ! ! !