A PROCURA PELO ESPAÇO SAGRADO NAS CANTIGAS DE ROMARIA
Célia Santos da Rosa (PIC-UEM), Cortez, Clarice Zamonaro (Orientador), email: [email protected]
Universidade Estadual de Maringá/Departamento de Letras/Maringá, PR.
Linguística, Letras e Artes/Letras/Outras Literaturas Vernáculas
Palavras-chave: cantigas, espaço, peregrinação
Resumo:
Este trabalho tem como objetivo estudar o espaço sagrado nas cantigas de
romaria. O espaço é uma importante categoria tanto na narrativa como na
poesia, uma vez que tem a função de situar a personagem e o sujeito-lirico,
diferentemente. As romarias fazem referência às cidades e locais de intensa
peregrinação na Idade Média. Considerados sagrados, esses espaços eram
procurados, primeiramente, com a intenção de fazer e cumprir promessas,
embora certos textos revelem a religiosidade apenas como um pretexto para
os encontros amorosos. Os resultados do estudo demonstram que a procura
pelo espaço sagrado nas cantigas de romaria revela-se como um pretexto
para os encontros e conquistas amorosas.
Introdução
A lírica trovadoresca é composta pelas cantigas de amor e cantigas de
amigo. Poesia lírica de extrema importância, fonte de inspiração artística de
todo o lirismo dos séculos posteriores. De acordo com Ferreira (s/d), as
cantigas de amigo testemunham a existência de um lirismo muito antigo no
Noroeste da Península Ibérica, anterior a chegada das primeiras influências
provençais. A jovem solteira é a protagonista destas cantigas. A moça,
geralmente, anseia pelo amigo (namorado) ausente, tendo como confidentes
as amigas, irmãs, mães e os elementos da natureza como as flores, os
pássaros, as fontes e as ondas do mar.
A figura da mãe, segundo Maleval (1999), muitas vezes, surge como
oponente à concretização do encontro amoroso, enquanto responsável pela
familia na ausência do marido que, geralmente, estava combatendo os
mouros ou a serviço em alto mar, assumindo, assim, a responsabilidade da
família e a administração da casa. A mãe é considerada responsável e
guardiã da dignidade da filha e da unidade da sua família. Correia (1978)
afirma que o único juiz da ação das jovens é a mãe. Há composições,
contudo, em que a mãe aparece como confidente da menina e até como
incentivadora do encontro amoroso.
Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR.
A presença do espaço ocupa um lugar de destaque nas
composições. A ambientação, de acordo com Maleval (1999) registra
lugares diferentes como ermidas, fontes e o mar, locais de encontro dos
namorados, considerados subgêneros. Um destes subgêneros é a cantiga
de romaria, foco de nosso estudo.
As cantigas de romaria apresentam-se estritamente ligadas com a
realidade peninsular medieval. Nestas composições a moça se propõe a
comparecer no santuário para rezar e cumprir promessas ou relata a sua
peregrinação: “os motivos dessas romarias nem sempre são de pura
devoção (...) é apenas a ocasião de um encontro com o namorado, muitas
vezes no dia da festa do patrono, outras vezes um disfarce do ato de
devoção” (LEMOS, 1990, p. 48). Os encontros amorosos em festas e locais
de culto cristão pertencem a uma longa tradição popular, de acordo com
Maleval (1999).
Estas composições fazem referência às cidades e locais de intensa
romaria e peregrinação na Idade Média. Os locais procurados são
considerados espaços sagrados desde a Alta Idade Média pela existência
de túmulos santos e da difusão das relíquias, de acordo com Baschet
(2006). Esses espaços eram procurados com o intuito de fazer e cumprir
promessas, entretanto, certas cantigas demonstram que o verdadeiro motivo
não era apenas religioso, mas também sentimental, oportunidade de
encontrar (ou conquistar) o amigo (ou namorado).
Revisão de literatura
Trata-se de uma pesquisa de cunho descritivo-analítico. Assim sendo, o
pesquisador deverá informar, descrever, classificar e interpretar os fatos sem
inferência e manipulação. Haverá além da descrição da teoria sobre o
espaço literário, uma leitura interpretativa dos textos baseada nos
pressupostos teóricos da Estética da Recepção.
A Estética da Recepção considera a literatura enquanto produção,
recepção e comunicação, ou seja, a relação entre autor, obra e leitor é
dinâmica. Wolfgang Iser (1996) apresenta uma concepção teórica
denominada Teoria do Efeito. Em seu livro “O ato da leitura. Uma teoria do
efeito estético” (1996), ele explica que a Estética da Recepção consiste na
soma da recepção com o efeito provocado pela leitura do texto literário. Para
o autor, a recepção depende de testemunhos, pois diz respeito à
assimilação. Segundo Iser (1996) “o texto é o processo integral, que
abrange desde a reação do autor ao mundo até sua experiência pelo leitor”
(ISER, p.13, 1996).
Para a Estética da Recepção o discurso literário se constitui no
processo receptivo, ou seja, da recepção e do efeito que o leitor apresenta
no momento da leitura. Dessa forma essa teoria se volta para as condições
sócio-históricas das inúmeras interpretações textuais.
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Resultados e Discussão
A busca por lugares em que se possa entrar em contato com o sagrado é
um pratica comum nas culturas de todos os tempos, constata Sot (2002), "a
peregrinação é um fenômeno quase universal na antropologia religiosa"
(p.353). Há diversos motivos que levam a busca pelos espaços sagrados,
como fazer e cumprir promessas e a esperança de cura são alguns dos
motivos mais encontrados. No entanto, conforme já afirmamos, o motivo
religioso não é o único nessa busca, havendo, também, o motivo
sentimental, demonstrado nas cantigas de romaria. Nestas composições, o
ato de devoção é apenas um ensejo para o encontro amoroso, como
podemos observar no fragmento da cantiga de D. Afonso Lopez de Baian,
quando o eu-lirico revela suas reais intenções – ir a Santa Maria das Leiras
fazer romaria e oração (de coração), mas apresentar-se bela para ver o
amigo que também estará lá (pois meu amigo i ven):
Ir quer'oj'eu fremosa, de coraçon,
por fazer romaria e oraçon
a Santa Maria das Leiras,
pois meu amigo i ven.
Como demostram os versos, a busca pelo espaço sagrado, Santa
Maria das Leiras, revela-se como pretexto para o encontro amoroso,
confirmando, segundo Lemos (1990), que as cantigas de romaria raramente
exprimem o autêntico sentimento religioso. Este vem ao lado do desejo de
encontrar o namorado, unindo a fé ao ao tema sentimental:
De fazer romaria pug'en meu coraçon
a Sant' Iag' un dia, por fazer oraçon
e por veer meu amigo logu'i.
Esta composição de Airas Corpancho revela que o eu-lirico não
procura o espaço sagrado, Santiago de Compostela, apenas com intuito de
fazer oração, mas também com a intenção de encontrar o amigo
(namorado). A devoção poderia, assim, encobrir a verdadeira intenção, a
realização do amor sob a benção dos santos e da Virgem Maria. Além disso,
visitar o espaço sagrado era a única maneira da jovem aproveitar-se da rara
oportunidade de sair de casa, sob a vigilância da mãe, para realizar
conquistas ou encontros amorosos.
Conclusões
As cantigas de romaria documentam a religiosidade das populações nas
romarias às inúmeras igrejas existentes nas pequenas localidades. Além
disso, demonstram que não é apenas o motivo religioso que leva a busca
pelo sagrado, a peregrinação servia como pretexto para o encontro e
conquistas amorosas.
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A lírica profana registra quase sempre o amor como motivo da busca
dos centros religiosos. As romarias se apresentam como resquícios do
sincretismo religioso, como afirma Maleval (1990), ao se tornarem local
privilegiado de encontros amorosos, sem o estigma da culpa ou do pecado.
Referências
BASCHET, Jérônimo. A civilização Feudal: do ano mil à colonização da
América.Trad. REDE, Marcelo. São Paulo: Globo, 2006.
CORREIA, Natália. Cantares dos trovadores galego-portugueses. 2. ed.
Lisboa: Editorial Estampa, 1978.
FERREIRA, Maria Ema Tarracha. Poesia e Prosa Medievais. Lisboa:
Ulisseia, s/d.
LEMOS, Esther de. A literatura medieval. A poesia. In: História e antologia
da literatura portuguesa séculos XIII e XIV. Lisboa: Gulbenkian, p. 39-50,
1990.
MALEVAL, Mária do Amparo. Peregrinação e Poesia. Rio de Janeiro:
Editora Ágora da Ilha, 1999.
SOT, Michel. Peregrinação. Trad. MACEDO, José Rivair. In: LE GOFF,
Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário temático do ocidente medieval
- volume II. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
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